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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO VEZ DO MESTRE ERA UMA VEZ ... APLICAÇÃO DOS CONTOS DE FADAS AO TRATAMENTO DO AUTISMO SEGUNDO A ARTETERAPIA Andréa Roza Guimarães Orientador: Luiz Cláudio Lopes Alves Rio de Janeiro, junho de 2003

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO VEZ DO MESTRE

ERA UMA VEZ ...

APLICAÇÃO DOS CONTOS DE FADAS AO TRATAMENTO DO

AUTISMO SEGUNDO A ARTETERAPIA

Andréa Roza Guimarães

Orientador: Luiz Cláudio Lopes Alves

Rio de Janeiro,

junho de 2003

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO VEZ DO MESTRE

ERA UMA VEZ ...

APLICAÇÃO DOS CONTOS DE FADAS AO TRATAMENTO DO

AUTISMO SEGUNDO A ARTETERAPIA

Trabalho Monográfico apresentado

como requisito para obtenção do Grau

de Especialista em Arteterapia.

Rio de Janeiro,

junho de 2003

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a DEUS e a minha mãe pela vida e,

a todos que contribuíram para o meu

crescimento profissional.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho de pesquisa aos homens

da minha vida: Hugo, Diogo e Omar,

companheiros de todas as horas, pela

compreensão das minhas ausências.

À minha irmã Odaiza, pelo apoio.

À memória de meu irmão que deixou um pouco

de si...

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RESUMO

Desde épocas remotas, as expressões artísticas correspondem à

expressão psíquica da comunidade e de cada indivíduo. Dentro do universo

junguiano, ela sempre esteve presente entre as estratégicas terapêuticas.

Jung, em sua obra, descreveu amplamente como, nas mais diferentes

culturas, as etapas do processos de “Individuação” eram codificadas em

símbolos, e em temas comuns de forma similar, como representações do

inconsciente coletivo, repetindo em mitos, Contos de Fadas, tradições

religiosas, tratados alquímicos e ritos de passagem.

A Arteterapia, com abordagem junguiana, está basicamente voltada para

o equilíbrio entre os processos conscientes e inconscientes e para o

aperfeiçoamento do intercâmbio dinâmico entre eles.

Este tema é de extrema importância para o trabalho da Arte

Terapia, pois em contato com o universo simbólico dos Contos de Fadas,

permite que a criança, portadora do Autismo Infantil Precoce, possa ordenar e

superar suas dificuldades internas.

O acesso ao inconsciente é algo indispensável a todos os que procuram

a totalidade de sua própria existência.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I: CONTOS DE FADAS 10 1.1 Cronologia dos Contos de Fadas 10

1.2 A estrutura dos Contos de Fadas 12

1.3 Caracterização dos contos 18

CAPÍTULO II: ARTE TERAPIA 20 2.1 Arquétipos ou Imagens Primordiais 20

2.2 O caminho da " Individuação" 25

CAPÍTULO III: AUTISMO 27

3.1 Perspectiva histórica 27

3.2 Aspectos do Autismo Infantil Precoce 29

3.3 Características de comportamento autístico 30

3.4 Disfunções 32

3.5 Causas biológicas da perturbação social 32

3.6 Distúrbios que podem se confundir com o autismo 33

3.7 A prevalência do problema 34

3.8 Tratamento 35

3.9 História evolutiva 35

3.10 O que procurar quando pensamos em autismo 36 CONCLUSÃO 39 BIBLIOGRAFIA 41

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“Cheguei a sentir que a magia tinha significado e um

significado deve ter alguém que o signifique. No mundo havia

algo pessoal, como uma obra de arte. (...) Não é a terra que

julga o céu, mas o céu que julga a terra; e, do mesmo modo,

pelo menos para mim, não era a terra que criticava o país dos

elfos, mas o país dos elfos que criticava a terra.”

Gilbert Chesterton (1943)

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INTRODUÇÃO

Os fundamentos, que justificam o tema escolhido, serão desenvolvidos

ao longo deste estudo em três capítulos.

No primeiro capítulo, será feita uma abordagem sobre a cronologia,

estrutura e caracterização dos Contos de Fadas, descrevendo sua origem e

codificação, seu desenvolvimento e sua atemporalidade. Será mostrada,

também, sua grande importância, pois, trabalhando com símbolos, através da

associação livre, os Contos de Fadas permitem que a criança elabore os

conflitos inerentes ao seu processo de desenvolvimento.

No capítulo dois, serão definidos os conceitos de Inconsciente Individual

e Inconsciente Coletivo. Seus conteúdos, chamados arquétipos ou imagens

primordiais, originados de uma constante repetição de uma mesma

experiência, durante muitas gerações, em correspondências freqüentes com

temas mitológicos que reaparecem nos Contos de Fadas.

Nesse capítulo, ainda será citada a Arteterapia com abordagem

junguiana, partindo do princípio de que os indivíduos, no curso natural da vida,

em seus processos de autoconhecimento, são orientados por símbolos que

assinalam e informam sobre estágios da jornada da “Individuação”, termo

utilizado por Jung, para o caminho do desenvolvimento pessoal.

No capítulo três, serão expostas as considerações que levaram Leo

Kanner a definir uma síndrome específica, completamente distinta de outras

perturbações infantis e designá-la como “Autismo Infantil Precoce” (AIP), em

seu artigo consagrado “Prínceps” publicado inicialmente em Nervous Child e

intitulado: “Austistic disturbances of affective contact”.

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Também serão relatados a perspectiva histórica, os aspectos do AIP e

as características de comportamento autístico, as disfunções, a prevalência do

problema, história evolutiva, tratamento e os distúrbios que podem se confundir

com o autismo.

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CAPÍTULO I

CONTOS DE FADAS

1.1 Cronologia dos Contos de Fadas

A primeira classificação de tipos de contos foi publicada em 1910, em

Helsinque, e é devida ao pesquisador finlandês Antti Aarne, que, para seu

trabalho, utilizou versões do norte da Europa, os contos dos irmãos Grimm,

uma coleção dinamarquesa e manuscritos de contos finlandeses. Sua pesquisa

foi ampliada por S. Thompson (1928), daí decorrendo o fato de que o Índice de

Tipos tenha recebido o nome de Aarne-Thompson. Os tipos estão classificados

do 1 ao 2.499; os contos maravilhosos vão do número 300 a 749.

Em 1907, a Federação de Folcloristas, com sede em Helsinque, publica

monografias sobre o folclore. Com destaque a do sueco Carl W. von Sydow,

que associa o chamado "conto quimérico" (conto maravilhoso) com a cultura

neolítica e considera que essa antiga forma se teria difundido depois por todos

os povos indo-europeus. Entre os estudiosos que deram contribuições acerca

da morfologia do conto maravilhoso, encontramos Vladimir Propp, que observa

que a maioria dos motivos dos contos está relacionada com os ciclos de

iniciação e de morte-ressurreição dos povos caçadores. Depreende-se de seu

estudo que a ação que constituía o rito era depois contada como mito. Ambos,

rito e mito, estavam associados.

O folclorista dinamarquês Axel Olrik, em 1909, encontra também leis

comuns de composição, às quais dá o nome de "leis épicas": 1) Lei de começo

e fim - o relato não começa nem termina bruscamente, mas passa da calma à

agitação para retornar depois à calma; 2) Lei da repetição - na literatura oral, o

meio mais idôneo para destacar alguma coisa é a repetição - diálogos, ações,

personagens, a qual, em grande parte, obedece à lei do três; 3) Lei de

contraste ou polaridade - jovem-velho, bom-mau, grande-pequeno etc; 4) Lei

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de importância da posição inicial e final, que, combinada a lei dos três, constitui

a característica dos relatos folclóricos; 5) Lei de concentração num

personagem principal.

Na maioria das culturas, é difícil encontrar uma definição categórica que

separe o mito do conto maravilhoso e este último do conto de fadas. Juntos,

eles constituem a literatura oral das sociedades pré-literárias.

É por volta do final da Idade Média que, sob diversas aparências (relato

mitológico, conto maravilhoso, saga, apólogo, fábula, balada, romance, lenda),

o conto popular se torna literário. No conto maravilhoso propriamente dito

encontraremos os princípios fundamentais do pensamento mítico, tais como a

lei de identidade, a lei da metamorfose, o princípio de analogia. O conto de

fadas recorre a uma polivalência simbólica.

Aquilo que, depois do século XIX, é denominado literatura infantil, não

teve como origem essa finalidade. Os antigos ritos de iniciação transpuseram

seu significado para o conto maravilhoso, mais tarde chamado de conto de

fadas. Essas "estirpes ambulantes" , que já haviam tomado forma no segundo

milênio a.C., reaparecem nos ciclos medievais como uma grande e aleatória

busca do objeto maravilhoso que inclui a entrada do herói no Outro Mundo. As

diversas culturas e épocas apresentam traços temáticos semelhantes. Os

contos perduram por milênios, protegidos pela tradição oral, antes de serem

compilados pelos estudiosos. Contos diversos são agrupados e organizados

em determinadas circunstâncias históricas; eles correspondem a um fundo

arquetípico comum a toda a humanidade.

A codificação do conto de fadas data, aproximadamente, do final do

século XVII. Os compiladores recorrem às fontes e começam a ser editadas as

coleções que todos conhecemos.

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Em 1867, Le Mercure Galant destaca o aparecimento de um compilador

de contos folclóricos; ele se chama Charles Perrault e acaba de publicar

Contos da Mamãe Gansa.

No século XIX, Jacob e Wilheim Grimm, seguindo o método Savigny de

investigação histórica de estudos literários, coroam uma peregrinação científica

- destinada a buscar a mitologia transplantada para a narração oral na

Alemanha - com a publicação, entre 1812 e 1822, dos volumes de seus Contos

Infantis e do Lar. Para eles, os contos dão "testemunho de uma força poética e

metafísica anterior à própria humanidade".

Hans Christian Andersen recolhe versões de contos orais e os une a

outros, de procedência literária, na Obra Contos para Crianças, publicada em

1835.

Na Itália, Pitre, Verga e muitos outros compiladores dão, entre 1874 e

1875, forma literária a uma temática de manifesta influência germânica.

O mesmo ocorre no folclore russo, que conta com compiladores como

Afanasiev. Os mitólogos e arqueólogos russos adaptam os temas à sua

modalidade expressiva; assim, "A Bela Basília" é uma versão de "A

Desprezada"; "A Invernada dos Animais" se inspira em "Os Músicos de

Bremen" (Grimm) e "O Pequeno Pardal", em "O Pequeno Polegar".

1.2 A Estrutura dos Contos de Fadas

A necessidade de contar história é tão antiga que deve ter nascido com

o homem. É como se a necessidade de fabular estivesse presente em toda a

nossa existência.

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Os mitos foram sendo construídos, movidos por nossas buscas

interiores, para responder aos mistérios da vida que escapavam à nossa

compreensão. Sempre criamos mitos, contos, religiões e ciência em busca de

desvelar nossa existência.

"O mito, como um eixo, leva-nos à compreensão de uma ordem, de uma clareza de propósitos e de uma harmonia de significado. Sua linguagem, irmã da linguagem onírica, brota de fontes supraconscientes e não fala à razão, mas à totalidade da experiência, à totalidade do ser. O mito está ligado a uma ação religiosa; o mito tem poder religante."1

Antigamente, a literatura grega, a latina e a Bíblia faziam parte da

educação, trazendo informações mitológicas. A importância dessas histórias é

que elas respondem a nossos problemas interiores e aos mistérios da vida,

sustentando a humanidade e construindo civilizações e religiões durante

séculos.

Noemi Paz nos diz que: “de alguma maneira, o conto de fadas – em

fixação do fascínio e da atemporalidade que todo relato mítico cria – tem a

capacidade de desvelar, para os que o executam ou lêem, fragmentos desse

“mundo diferente”, dessa “realidade separada”, que todo homem armazena nas

matrizes de sua imaginação.”2

Vladimir Propp fez um estudo sobre a estrutura dos contos russos e

concluiu que os contos possuem uma origem comum relacionada a práticas

comunitárias dos povos primitivos. Essas práticas referem-se aos rituais de

iniciação e às representações da vida após a morte.

O conto de fadas está intimamente relacionado ao mito, só que, de

alguma forma, o conto segregou-se deste e tornou-se independente, embora

permanecendo em suas raízes.

1 PAZ, Noemi. Mitos e Ritos de Iniciação nos Contos de Fadas. Cultrix: São Paulo, 1995. 2 Ib.

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O conto nasceu a partir de uma profanação do mito, ou seja, no

momento em que o mito deixou de ser sagrado, religioso, e passou a ser

profano e artístico.

Para Propp, o mito foi se transformando em conto no momento em que a

história desvinculou-se da narração ritualística. O sistema social onde se

originou o mito desapareceu, dando origem ao conto popular.

Bettelheim concorda neste sentido com Propp, afirmando que os contos

de fadas desenvolveram-se a partir dos mitos e que outros foram a eles

incorporados. Ambos incorporaram a experiência cumulativa de uma

sociedade, diante da necessidade de transmitir a sabedoria dos antigos às

gerações futuras. 3

Como o mito, o conto originou-se na memória coletiva através de um

narrador anônimo e, como tal, inscreveu-se numa tradição. É por meio dessa

trama que o narrador apropria-se da história e dá-lhe um sentido.

”Todas as classes, todos os grupos humanos têm seus relatos e, de modo muito freqüente, estes últimos são saboreados em comum por homens de culturas diferentes e até mesmo opostas; o relato faz pouco da boa ou da má literatura; internacional, trans-histórico, transcultural, o relato, como a vida, existe."4

Os irmãos Grimm consideravam os contos como um mito

dessacralizado, que “caiu do céu sobre a terra”.

Mircea Eliade define mito como uma narrativa que trata de uma história

sagrada, relatando um acontecimento de um tempo primordial. O mito refere-se

sempre a uma criação, seja do Cosmos, de uma ilha, de uma espécie vegetal,

de um comportamento humano ou de uma instituição. Essa criação foi

produzida graças aos feitos de seres sobrenaturais. O mito trata de algo que

3 BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. 4 BARTHES, Roland. Análisis Estructural Del Relato. IN PAZ, Noemi. Mitos e Ritos de Iniciação nos Contos de Fadas. São Paulo: Cultrix,1995.

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realmente aconteceu. Através da atividade criadora de seres sobrenaturais, o

sagrado pôde eclodir no mundo. “É esta irrupção do sagrado que funda

realmente o Mundo e o que faz tal como é hoje. Mais ainda: é graças a

intervenções dos Seres Sobrenaturais que o homem é o que é hoje, um ser

mortal, sexuado e cultural” 5

Segundo Bettelheim, o modelo dado aos mitos foi das histórias de

deuses gregos, embora nem todos falem de deuses. Alguns tratam de heróis,

diferentes dos contos de fadas. O mito trata de uma história sagrada e

verdadeira. Seus acontecimentos são únicos, com um personagem único. Ele

mostra uma pessoa que existiu, com um nome determinado, como Hércules,

Prometeu, Apolo, Mercúrio, e outros. Isto dificulta a identificação do ouvinte

com o leitor , porque o que é narrado não pode acontecer a mais ninguém.

Além disso, os acontecimentos narrados são grandiosos, impossíveis aos

seres humanos. Embora nos contos de fadas também encontremos situações

fantásticas, estas são apresentadas como comuns, podendo acontecer a

qualquer pessoa. Seus acontecimentos são narrados de forma casual e

cotidiana.

Os contos de fadas falam de heróis comuns, muito parecidos com

qualquer um de nós ou qualquer criança. Seus protagonistas não possuem um

nome particular, que situe o personagem como alguém real. Seus nomes são

genéricos e descritivos, como Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, A Bela

e a Fera, etc. Quando os personagens têm nomes, são nomes comuns, como

João e Maria. Os pais dos heróis também podem ser qualquer um de nós,

como um pobre lenhador, um rei, uma rainha, um pescador, e assim por diante.

Dessa forma torna-se mais fácil uma identificação com esses personagens

genéricos, que vivem situações cotidianas e que têm uma família comum, e

não sobre-humana ou sobrenatural.6

5 ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. São Paulo: Perspectiva, 1992. 6 Ibidem n.3.

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Encontramos nos contos de fadas, um herói que, a partir de uma falta ou

dano, segue para o mundo e, com o auxílio de elementos mágicos ou funções

intermediárias, busca a solução de seu problema inicial, que se dá em um

casamento, no encontro de um tesouro, etc.

Outra diferença fundamental entre conto de fadas e mito é o final de

ambos. Nos mitos, o final é quase sempre trágico, ao passo que nos contos de

fadas existe a realização do herói e um final feliz. Essas diferenças mostram

que é mais fácil para a criança identificar-se com os contos de fadas do que

com os mitos. Nos contos, a imaginação infantil é nutrida e assegurada por um

final feliz. Apesar de encontrar obstáculos, a criança poderá superá-los e

amadurecer. Já os mitos, além de não darem soluções favoráveis, que a

criança precisa e espera ouvir, seus acontecimentos grandiosos só o

distanciam da realidade infantil.

Para Bettelheim o final feliz não se refere a uma realidade exterior, mas,

sim, à segurança de que a criança conseguirá superar seus conflitos e tornar-

se independente.7

Segundo Bettelheim, os contos de fadas não iludem, mas expõem as

crianças a todas as dificuldades fundamentais do homem. Os contos aguçam a

imaginação; por serem formas simples e fechadas, contudo, obedecem a uma

lógica muito rigorosa, o que possibilitou a análise formal de suas estruturas

narrativas.8

Embora distantes das narrativas originais, os contos de fadas continuam

vivos, povoando a imaginação infantil e alimentando nossas almas. Ao mesmo

tempo em que os contos podem auxiliar a criança a elaborar conflitos que são

inerentes ao seu processo de desenvolvimento, constróem um sistema

metafórico e simbólico.

7 Ib. 8 Ib.

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Os contos de fadas mantêm, através do tempo, seu poder transformador

e sua magia. Magia que se revela não só em sua narrativa, mas nas

transformações que desencadeia naquele que escuta ou narra um conto.

Como afirma Bettelheim, a magia de um conto encontra-se em seu ato

de contar. Para isso, é preciso haver uma cumplicidade entre a criança e o

narrador, que pode ser um pai, uma mãe, uma avó ou professora. Narrador e

ouvinte criam uma cumplicidade e aprendem a reconhecer-se naquele conto.

"Enquanto a criança frui a fantasia, o adulto pode derivar seu prazer da satisfação da criança; enquanto a criança pode sentir-se exultante porque entende melhor alguma coisa sobre si mesma, o prazer do adulto ao contar a estória pode derivar do fato de a criança experimentar um súbito choque de reconhecimento."9

Os contos de fadas são importantes na medida que permite com que a

criança, através da associação livre, faça um processo de entendimento e

superação dos conflitos internos. Isto só é possível quando todos os

pensamentos mágicos da criança estão personificados num bom conto de

fadas: seus desejos destrutivos, numa bruxa malvada; seus medos, num lobo

voraz; as exigências de sua consciência, num homem sábio encontrado numa

aventura; suas raivas ciumentas, em algum animal que bica os olhos de seus

arqui-rivais, desta forma a criança começa a ordenar essas tendências

contraditórias e alivia seus temores e suas angústias.

O dualismo, a partir dos contos de fadas, pode ser refletido e

analisado com a perspectiva de superar as dificuldades internas.

A integração do ser humano com a natureza aparece em quase todos

os contos. O ser humano só consegue superar e resolver seus problemas,

relacionados à desintegração interna, no momento que busca na natureza,

representada nos contos de fadas pelos animais que falam, pelas plantas que

9 Ib.

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ouvem e emitem opinião, pela água que acolhe e dá segurança e por tantos

outros elementos que interagem com o ser humano na busca da superação do

dualismo provocado pela desorganização interna. Esta característica dos

contos de fadas consiste na função principal do conto, que é integrar o ser

humano e mostrar caminhos frente às dificuldades.

1.3 Caracterização dos contos

O conto popular é um gênero narrativo que tem por característica a

sua repetição nos mais diferentes locais.

Os contos de fadas distribuem-se em:

♦ Contos de encantamento: são as estórias que apresentam

metamorfoses, ou transformações por encantamentos. Esses

contos são os que geralmente chamamos de contos de fadas.

♦ Contos de poderes sobrenaturais: o encantamento é provocado

pela ação de um ser sobrenatural, ocorrendo sempre quando o

herói está num momento de grande conflito.

Nos contos de fadas temos como personagens:

♦ Os heróis – príncipes e princesas, que são sempre bons e de boa

índole. O herói é o objeto de uma ação antagonista, está submetido

a um encantamento, liberta-se libertando, demonstra pureza de

propósitos, bem como perseverança diante das provas e da

frustração; superou a raiva e o medo, renunciou ao prazer

passageiro.

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♦ Os bruxos

♦ Os seres mágicos como fadas, magos, anões ou duendes, ogros

etc.

Sobre os duendes (denominados gnomos pela literatura medieval)

diz-nos que são pequenos, feitos de matéria sutil, razão pela qual

podem atravessar com facilidade as rochas em que vivem para

proteger a terra.

As fadas possuem funções protetoras.

Os ogros constituem personagens significativos do conto de fadas.

As transformações mágicas dos animais dentro do conto de fadas

têm relação com o totemismo. Os ogros representam um papel de

importância tanto nas comunidades selvagens como nas mitologias

dos povos civilizados.

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CAPÍTULO II

ARTETERAPIA 2.1 Arquétipos ou Imagens Primordiais

Freud teve o mérito de ter sido o primeiro médico a ver na abordagem do

inconsciente uma possibilidade de tratamento. Antes dele, já na Grécia antiga,

os sonhos eram empregados no diagnóstico, e por meio deles se obtinha a

cura de várias doenças. Para Freud o inconsciente é formado: daquilo que

conhecemos, mas que não estamos pensando no momento; de coisas que

esquecemos; de percepções subliminares (tudo aquilo o que nossos sentidos

captam, mas não é registrado pela consciência); situações menosprezadas

durante o dia; tudo o que involuntariamente sentimos, percebemos, pensamos,

lembramos, desejamos e fazemos; idéias dolorosas reprimidas e afetos não

permitidos e conteúdos que ainda não amadureceram.

Segundo Jung, além desses aspectos, que para ele formariam o nível

pessoal do inconsciente, identificou um outro nível mais profundo, que ele

denominou “Inconsciente Coletivo” que é o mais poderoso e influente sistema

da psique. É o depósito de traços de memória herdados do passado ancestral

do homem. É a parte importante do desenvolvimento psíquico evolutivo do

homem que se acumulou em conseqüência de experiências repetidas durante

várias gerações. Sobre ele estão erigidos o ego, o inconsciente pessoal e todas

as outras aquisições individuais. Tudo o que uma pessoa aprende como

resultado de experiências é influenciado pelo inconsciente coletivo, que exerce

uma ação orientadora ou seletiva sobre o comportamento da pessoa, desde o

início da vida. Nossa experiência do mundo está moldada pelo inconsciente

coletivo, embora não completamente, pois, se assim fosse, não poderia haver

variação e desenvolvimento.

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Para Jung, nós nascemos com uma herança psicológica, que se

soma à herança biológica. Ambas são determinantes essenciais do

comportamento e da experiência.

"O inconsciente coletivo .. é constituído, numa proporção mínima, por conteúdos formados de maneira pessoal; não são aquisições individuais, são essencialmente os mesmos em qualquer lugar e não variam de homem para homem. Este inconsciente é como o ar, que é o mesmo em todo o lugar, é respirado por todo mundo e não pertence a ninguém. Seus conteúdos (chamados arquétipos) são condições ou modelos prévios da formação psíquica em geral."10

O arquétipo ou “imagem primordial” é uma forma de pensamento

universal (idéia) aliada a fortes emoções. Os arquétipos criam imagens ou

visões que correspondem a alguns aspectos da situação consciente. Jung

deduz que as “imagens primordiais”, se originam de uma constante repetição

de uma mesma experiência, durante muitas gerações. Funcionam como

centros autônomos que tendem a produzir, em cada geração, a repetição e a

elaboração dessas mesmas experiências. Eles se encontram isolados uns dos

outros, embora possam se interpenetrar e se misturar. O núcleo de um

complexo pode ser um arquétipo que atrai experiências relacionadas ao seu

tema. Ele poderá, então, tornar-se consciente pôr meio destas experiências

associadas. Os arquétipos da Morte, do Herói, de Deus, da Grande Mãe e do

Velho Sábio são exemplos de algumas das numerosas imagens primordiais

existentes no inconsciente coletivo.

Para Jung, a personalidade de cada indivíduo já esta presente desde o

nascimento e cada um já vem ao mundo com um determinado equipamento

arquetípico. Essas estruturas inclui:

♦ A Persona - é a forma pela qual nos apresentamos ao mundo. É o

caráter que assumimos; através dela nós nos relacionamos com os

outros. A Persona inclui nossos papéis sociais, o tipo de roupa que

10 JUNG, 1968, p.63 na ed. Bras. IN: FADIMAN, James, FRAGER, Robert. Teorias da Personalidade. São Paulo: HARBRA, 1986.

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escolhemos para usar e o nosso estilo de expressão pessoal. É a

máscara usada pelo indivíduo em resposta às solicitações da

convenção e da tradição social e às sua próprias necessidades

arquetípicas internas.

A Persona tem aspectos tanto positivos quanto negativos (em suas

pesquisas Jung nunca ignorou o lado negativo, mal ajustado da

natureza humana). Ela serve para proteger o ego e a psique das

diversas forças e atitudes sociais que nos invadem.

Quanto mais forte for nossa persona, e quanto mais nos

identificarmos com ela, mais repudiaremos outras partes de nós

mesmos. A sombra (centro do inconsciente pessoal) representa

aquilo que consideramos inferior em nossa personalidade e também

aquilo que negligenciamos e nunca desenvolvemos em nós mesmos.

Inclui aquelas tendências, desejos, memórias e experiências que são

rejeitadas pelo indivíduo como incompatíveis com a persona e

contrárias aos padrões e ideais sociais. A medida que a sombra se

faz presente, se faz mais consciente, recuperamos partes de nós

mesmos reprimidas e menos ela pode nos dominar. Ela não é

apenas uma força negativa, ela é um depósito de considerável

energia instintiva, espontaneidade e vitalidade, e é a fonte principal

de nossa criatividade. É também uma parte integral de nossa

natureza e nunca pode ser simplesmente eliminada. Ela faz parte do

Inconsciente Individual que é uma região da personalidade próxima

do ego. Consiste de experiências que foram suprimidas, reprimidas,

esquecidas ou ignoradas. Os conteúdos do Inconsciente Individual

são acessíveis à consciência, havendo muitas permutas entre ele e o

Ego.

"Eu também preciso ter um lado escuro, se quiser ser inteiro; e, tornando-me consciente de minha sombra,

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lembro-me, novamente, de que sou um ser humano como qualquer outro."11

♦ Anima ou Animus - Jung postulou uma estrutura inconsciente que

representa a parte sexual oposta de cada indivíduo; ele denomina

tal estrutura de anima no homem e animus na mulher. A anima e

o animus têm um papel importante nas relações amorosas, onde

as pessoas, inconscientes desses arquétipos, são levadas a

projetá-los no sexo oposto. O desenvolvimento consciente da

anima e do animus acarreta numa ampliação da personalidade e

num relacionamento mais rico com o outro.

"Todo homem carrega dentro de si a eterna imagem da mulher, não a imagem desta ou daquela mulher em particular, mas uma imagem feminina definitiva. Esta imagem é ... uma marca ou " arquétipo" de todas as experiências ancestrais do feminino, um depósito, por assim dizer, de todas as impressões já dadas pela mulher ... Uma vez que esta imagem é inconsciente, ela é sempre inconscientemente projetada na pessoa amada e é uma das principais razões para atrações ou aversões apaixonadas."12

♦ Ego - centro da consciência e um dos maiores arquétipos da

personalidade. A função principal da consciência e do ego é a

adaptação à vida, tanto interior quanto exterior. Viver tende a se

tornar mais fácil à medida que a consciência aumenta e o ego se

estrutura. Ele tende a contrapor-se a qualquer coisa que possa

ameaçar esta frágil consistência da consciência e tenta convencer-

nos de que sempre devemos planejar e analisar conscientemente

nossa experiência. Para isso acontecer, o ego trabalha com alguns

instrumentos, as funções psicológicas (Pensamento/Sentimento e

Sensação/Intuição), para melhor se adaptar às solicitações da vida.

Além da questão adaptativa, o desenvolvimento da consciência e do

ego tem por finalidade a própria existência. Segundo Jung, a

consciência não é simplesmente uma espectadora do mundo, mas

11 Ib. p.59 12 Ib. p. 198

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participa de sua criação, como se o mundo só pudesse existir ao ser

conscientemente refletido.

O ego está de certa forma “subordinada” ao Self. O que forma a

consciência é a separação entre o ego e o outro, o confronto com o

diferente, que funciona como um ponto de reflexão. Assim, para

adquirir autonomia, o ego precisa separar-se do Self. Enquanto isso

não ocorrer, e o ego não se diferenciar da totalidade consciente-

inconsciente, haverá uma fusão ou identidade entre o eu e os

objetos. Esse processo de diferenciação é intermediado pela ação

dos símbolos.

♦ Self é o arquétipo que designa a totalidade da personalidade. É o

ponto central da personalidade, em torno do qual todos os outros

sistemas se organizam, formando constelações. Ele sustenta a união

desses sistemas, e fornece unidade, equilíbrio e estabilidade à

personalidade. Como todos os arquétipos motiva o comportamento

do homem e faz com que ele procure a integração, especialmente

pelos caminhos fornecidos pela religião. O Si-mesmo como totalidade

psíquica tem um aspecto consciente e um inconsciente. Aparece em

sonhos, mitos e contos de fadas, na figura de personalidades

“superiores” como reis, heróis, profetas, salvadores etc. ou na figura

de símbolos de totalidade como o círculo, o quadrilátero, a cruz etc.

Para Jung, a personalidade total do Homem é indescritível porque

seu inconsciente não pode ser descrito.

O eixo Ego-Self é a via de comunicação entre o inconsciente e a

consciência, realizada por meio dos símbolos que unem estes dois

sistemas. A Arte Terapia busca essa relação, a do ego com o Self.

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"...consciente e inconsciente não estão necessariamente em oposição um ao outro, mas complementam-se mutuamente para formar uma totalidade: o Self."13

2.2 O Caminho da “Individuação”

Um dos principais conceitos de Jung é o da “individuação”, termo que

usa para um processo de desenvolvimento pessoal que envolve o

estabelecimento de uma conexão entre o ego, centro da consciência, e o Self,

centro da psique total. Para Jung, existe interação constante entre a

consciência e o inconsciente, e os dois não são sistemas separados, mas dois

aspectos de um único sistema. A psicologia junguiana está basicamente

interessada no equilíbrio entre os processos conscientes e inconscientes e no

aperfeiçoamento do intercâmbio dinâmico entre eles.

A abordagem junguiana parte do princípio de que os indivíduos, no curso

natural da vida, em seus processos de auto-conhecimento, são orientados por

símbolos. Estes, além de imanarem do Self, centro de saúde, a totalidade da

psique, trazem para os indivíduos a possibilidade de conhecer, compreender,

recuperar até uma posterior transcendência, transformação.

Desde épocas remotas, as expressões artísticas correspondem à

expressão psíquica da comunidade e, particularmente de cada indivíduo.

Dentro do universo junguiano, ela sempre esteve presente entre as estratégias

terapêuticas dos que trabalham com esta abordagem. Nas palavras de Ângela

Philippini:

"...o objetivo da arteterapia, na visão junguiana, é o de apoiar e o de gerar instrumentos apropriados, para que a energia psíquica forme símbolos em variadas produções, o que ativa a comunicação entre o inconsciente e o consciente."14

13 Ib. P. 53 14 PHILLIPINI, Angela. Cartografia da coragem. Rotas em Arteterapia. Rio de Janeiro: POMAR, 2000.

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A arteterapia com abordagem junguiana, fornece suportes para que a

energia psíquica plasme símbolos em criações plásticas. As produções

simbólicas retratam a psique, ativando e realizando a comunicação entre

inconsciente e ego.

O resgate dos símbolos, das crenças, dos mitos, dos valores, dão ao

homem a possibilidade de criar uma linguagem imagética; esta decorre de uma

intenção, de uma motivação e de uma orientação. A imagem construída é

permeada por elementos cognitivos decorrentes da observação, da memória e

da imaginação provenientes da interação com o real e o imaginário. Ao

trabalhar a imagem, trabalha-se o ego.

"Aquilo a que nós chamamos de símbolo pode ser um termo, um nome ou até uma imagem que nos pode ser familiar na vida diária, embora possua conotações específicas além de seu significado convencional e óbvio. Implica algo vago, desconhecido para nós... Assim, uma palavra ou uma imagem é simbólica quando implica alguma coisa além de seu significado manifesto imediato. Esta palavra ou esta imagem tem um aspecto “inconsciente” mais amplo que não é nunca precisamente definido ou plenamente explicado."15

Dentro do inconsciente coletivo há estruturas psíquicas, arquétipos ,que

são chamados também de ïmagens primordiais que correspondem

freqüentemente a temas mitológicos que reaparecem em contos e lendas

populares. Tais arquétipos são formas sem conteúdo próprio que servem para

organizar ou canalizar o material psicológico.

15 JUNG, 1964, p. 20 na ed. Bras. IN: FADIMAN, James, FRAGER, Robert. Teorias da Personalidade. São Paulo: HARBRA, 1986.

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CAPÍTULO III

AUTISMO 3.1 Perspectiva histórica

Em 1943, Leo Kanner, um psiquiatra infantil dos E.U.A. descreveu

onze crianças que tinham em comum um padrão peculiar de comportamento.

Este padrão compreendia muitos diferentes aspectos mas, segundo Kanner, os

principais eram: uma profunda falta de contato emocional com as outras

pessoas; ausência de fala ou formas peculiares, idiossincráticas de falar que

não parecem adequadas à conversação; fascinação por objetos e destreza no

manuseio deles; um ansioso e obsessivo desejo de preservar a imutabilidade

do ambiente e/ou rotinas familiares; evidências de inteligência potencialmente

boa segundo a aparência facial e feitos de memória, ou habilidades de realizar

tarefas envolvendo encaixes e montagens, tais como jogos de encaixe e

quebra-cabeça. Kanner considerou que tais características definiam uma

síndrome específica, completamente distinta de outras perturbações infantis e

decidiu designá-la de "Autismo Infantil Precoce" (AIP), caracterizada por sua

precocidade, sintomatologia, evolução e pelas perturbações das relações

afetivas com o meio.

Seu artigo consagrado “Prínceps”, publicado inicialmente em Nervous

Child é intitulado: “Austistic disturbances of affective contact”, nele Kanner dá a

descrição à síndrome:

“O excepcional, o patognomônico, a desordem fundamental é a inaptidão destas crianças para estabelecer relações normais com as pessoas e para reagir normalmente às situações desde o início da vida... Desde o início há uma extrema solidão autista que, todas as vezes em que isso é possível, desdenha, ignora, exclui tudo o que vem à criança do exterior”.16

16 KANNER, L., 217-230. IN: MAZET, Philippe e LEBOVICI, Serge. Autismo e psicoses da criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.

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E ele conclui assim seu artigo:

“Podemos supor que estas crianças vieram ao mundo com a incapacidade inata de constituir biologicamente o contato afetivo habitual com as pessoas, assim como outras crianças vêm ao mundo com deficiências físicas ou intelectuais inatas... Parece que estamos na presença de puros exemplos culturais de sua perturbação autista inata de contato afetivo”.17

Embora a definição clínica do autismo como distúrbio relacional seja

internacionalmente aceita, os problemas relativos à sua patogenia e etiologia

são ainda objeto de inúmeras controvérsias. Pode-se pensar que estas

confrontações estão inscritas na própria definição de Kanner e este, no

decorrer dos anos, variou enormemente as concepções etiopatogênicas de sua

síndrome.

Com efeito, desde o início pode-se identificar três concepções possíveis

da síndrome do autismo:

• biológica: trata-se de uma incapacidade inata de constituir biologicamente o

contato afetivo com as pessoas;

• funcional: Kanner fala de uma inaptidão da capacidade de utilizar a

estrutura biológica relacional inata e de reagir às situações;

• psicológica: é um distúrbio cultural do contato afetivo com as pessoas,

sobretudo nas relações entre a criança e sua mãe, e Kanner mostra a

importância da frieza emocional das mães e dos pais de seus onze

primeiros casos.

Embora a descrição clínica continue sempre idêntica ao longo dos anos,

a síndrome, inicialmente concebida como psicopatológica, vai se tornar uma

síndrome clínica, à medida que ele se inclina para uma posição cada vez mais

organicista.

17 KANNER L., 217-230. IN: MAZET, Philippe e LEBOVICI, Serge. Autismo e psicoses da criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.

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Mesmo que tenha sido Kanner a primeira pessoa a perceber que um

grupo de crianças partilhava um padrão peculiar de comportamento, descrições

individuais de crianças com problemas similares podem ser encontradas na

literatura histórica médica. O médico francês Itard descreveu detalhadamente o

comportamento de Victor, um garoto de 12 anos de idade, entregue aos seus

cuidados, em fins dos séculos XVIII, que tinha sido encontrado vagando nos

bosques de Aveyron.

No fim do século XIX e início do século XX, muitos psiquiatras

descreveram crianças com várias formas anormais de comportamento, que

eram geralmente referidas como sendo "psicóticas", mas, provavelmente, pelo

menos algumas delas eram autistas, de acordo com os termos de Kanner. Em

1942, apenas um ano antes da primeira publicação de Kanner sobre este

assunto, Gesell e Amatreeda, famosos psicólogos, em um livro-texto sobre

desenvolvimento de crianças, incluíram um breve relato de crianças que tinham

interação social e comunicação perturbada, comportamento repetitivo, com

algumas fragmentadas habilidades isoladas, em especial habilidades viso-

espaciais, e que pareciam ter aparência normal. Este grupo era, claramente,

muito similar àquele descrito por Kanner. Tanto Kanner, de um lado, como

Gasell e Amatreeda do outro, reconheceram que estas crianças tinham em

comum um padrão de comportamento peculiar.

3.2 Aspectos do Autismo Infantil Precoce

Ü Profunda falta de contato emocional com as outras pessoas;

Ü ausência de fala ou formas peculiares, idiossincráticas de falar que não

parecem adequadas à conversação;

Ü fascinação por objetos e destrezas no manuseio deles;

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Ü um ansioso e obsessivo desejo de preservar a imutabilidade do ambiente

e/ou rotinas familiares;

Ü evidências de inteligência potencialmente boa segundo a aparência facial e

feitos de memória, ou habilidades de realizar tarefas envolvendo encaixes e

montagens (jogos de encaixe e quebra-cabeça).

3.3 Características de comportamento autístico

Ü Déficits de interação social, comunicação e imaginação social.

Ü Comportamento rígidos, repetitivos são o núcleo central do espectro

autístico.

Ü Problemas de fala - há anormalidades na maioria dois casos (em muitos, a

compreensão da linguagem e o uso da mesma não se desenvolve nem um

pouco). Naqueles que há fala, pode ocorrer:

gramática imatura;

ecolalia imediata ou retardada com reversão pronominal e formas

peculiares, idiossincráticas de usar as palavras;

atraso no desenvolvimento da fala é, certamente, muito comum.

Ü Coordenação motora

Algumas crianças demoram a andar e são desajeitadas ou tem

dificuldades em movimentos amplos; outras são ágeis para correr e

trepar.

Posturas não usuais das mãos, com dedos distendidos, são comuns.

Agitar as mãos, dar pulinhos e andar na ponta dos dedos dos pés são,

desenvolvimento do sistema motor.

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Na adolescência, mesmo as crianças que eram as mais ágeis podem

desenvolver singularidades no caminhar e na postura, tais como andar

com a cabeça curvada ou sem movimentar os braços.

Ü Resposta a estímulos sensoriais

Crianças com perturbações sociais podem responder com indiferença,

fascinação ou angústia a qualquer tipo de estímulo sensorial. As

anormalidades são mais comuns em crianças mais jovens e naquelas

que são seriamente perturbadas.

Ü Comer, beber e dormir

Estas funções podem ser perturbadas em crianças que são socialmente

deficientes. Podem assumir a forma de: recusa total em comer ou comer

e beber volume excessivo. Dormir muito pouco ou passar horas

acordadas berrando ou dormir muito.

Ü Comportamento desafiante - a maioria apresenta algum tipo de

comportamento desafiante. Isto ocorre por quatro razões principais:

1a) a falta de competência na interação social significa que as crianças

fracassam em aprender regras sociais;

2a) resposta à tentativa de interferir com atividades repetitivas ou

rotineiras - isto pode resultar em um acesso de raiva, agressão aos

próximos, gritos etc.;

3a) é o comportamento induzido por pânico, em situações nas quais a

criança se sente confusa ou ameaçada;

4a) atividades repetitivas, estereotipadas, podem ser, por si só,

desafiantes ou aborrecidas para os pais ou para os responsáveis, tais

como dar constantes cabeçadas, enfiar os dedos nos olhos, fazer ruídos

repetitivos, altos e irritantes e muitas outras coisas.

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3.4 Disfunções

Habilidades de interação social aparecem na primeira infância.

Incluem o reconhecimento de que seres humanos são os elementos mais

importantes e interessantes do meio ambiente, a capacidade de fazer sinais

que atraiam a atenção das mães e outras pessoas encarregadas de seus

cuidados, a habilidade de responder a sinais dos outros, o desejo positivo

de se comunicar e receber comunicação dos demais e, posteriormente, o

desenvolvimento de empatia, isto é, a consciência de, o interesse em, a

responsividade aos pensamentos, sentimentos e idéias dos outros. São

estas habilidades que estão ausentes ou perturbadas nas crianças

contínuo autístico.

As crianças autistas parecem ser desligadas da interação social

normal. A principal hipótese atribui este fato a anormalidades de percepção

do estímulo sensorial, ou problemas na recepção e processamento central

da fala.

Os bebês com desenvolvimento normal tem uma capacidade inata de

reconhecer categoria gerais (por exemplo, a qualidade humana) e que o

reconhecimento de pessoas ou objetos específicos, dentro das categorias

gerais, ocorra posteriormente. Talvez em autistas e outras crianças

socialmente perturbadas haja ausência de conceitos generalizados e, desde

o início, vejam cada objeto ou mesmo o ambiente como sendo

independente e sem relação com todas as demais.

3.5 Causas biológicas da perturbação social

Atualmente esta bem estabelecido que uma grande variedade de

situações que provocam lesões cerebrais podem ser encontradas na

história de cerca da metade de todas as crianças do contínuo autístico.

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Exemplo: rubéola congênita; fenilcetonúria não tratada; esclerose tuberosa,

uma forma de epilepsia conhecida como espasmo infantil; anoxia no parto;

encefalite virótica e traumas cerebrais. Há também grande evidência da

existência de fatores genéticos relacionados com autismo.

Consequentemente parece ser muito provável que, para a perturbação

social ocorrer, alguma área ou função do cérebro deve estar envolvida de

alguma forma.

3.6 Distúrbios que podem se confundir com o autismo

X Esquizofrenia na infância - o autismo sempre se inicia na primeira infância,

enquanto a esquizofrenia é raramente vista antes dos sete anos de idade e

se torna mais comum na adolescência. Os sintomas da esquizofrenia

incluem alucinações, ilusões e experiências anormais de interferência

externa no desejo e no pensamento.

X Desenvolvimento de distúrbios da fala - as diferenças residem na

sociabilidade, desenvolvimento da imaginação e desejo de se comunicar,

por qualquer meio, para compensar os problemas especiais encontrados na

criança exclusivamente com distúrbios da fala.

X Perturbações da visão e da audição - estes distúrbios afetam o

desenvolvimento da fala e comunicação mas, como nos distúrbios

específicos da fala, a diferença da perturbação social reside no

comportamento social e imaginativo e no desejo de se comunicar,

especialmente quando métodos alternativos apropriados de comunicação

forem introduzidos.

X Privação psicossocial - o crescimento em situação de privação psicossocial

e da linguagem afeta negativamente o desenvolvimento do comportamento

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social e da fala. Contudo, os padrões de comportamento do contínuo

autístico não ocorrem. Em muitos casos, crianças sob privação tendem a

progredir em pouco meses, quando colocadas em ambientes mais

estimulantes, o que não é o caso de crianças socialmente perturbadas.

X Fases de desenvolvimento precoce normal - afora a ausência de habilidade

para se engajar em interações sociais recíprocas, cada aspecto do

comportamento autístico pode ser encontrado em bebês ou criancinhas que

se desenvolvem normalmente. Mães novatas, que trabalharam previamente

com crianças autistas, ficam freqüentemente alarmadas ao notar em seus

próprios filhos, por exemplo, agitação de mãos, fascinação por luzes, girar

rodas de carrinhos de brinquedos, ecolalia e rotinas repetitivas. A diferença

é que se trata de breves fases, no desenvolvimento normal, enquanto é

duradouro nas crianças com perturbação social. Isto ressalta a validade do

conceito moderno do contínuo autístico como um distúrbio do

desenvolvimento.

3.7 A prevalência do problema

X O autismo é quatro vezes mais comum em pessoas do sexo masculino e

tem sido encontrado em todo o mundo. No Brasil, devem existir de 65.000 a

195.000 autistas, um cálculo baseado na proporção internacional, já que

nenhum levantamento deste tipo foi ainda realizado.

X A descoberta de um possível traço genético levanta questão de

hereditariedade paterna.

X Na grande maioria dos casos, a perturbação social está aparente desde o

nascimento ou antes dos três anos de idade. Muitos poucos desenvolvem

anormalidades depois dos três anos de idade, algumas vezes devido a uma

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doença como encefalite ou a um lento desenvolvimento patológico do

cérebro, algumas vezes por razões desconhecidas.

3.8 Tratamento

Prevenção - imunização contra rubéola maternal e contra algumas

infecções viróticas. A fenilcetonúria pode ser detectada no nascimento e ser

prescrita uma dieta especial. Porém o autismo, uma vez estabelecido, não

pode ser curado.

Alegações de cura - infelizmente as perturbações subjacentes são

reais, severas e têm uma base orgânica da função cerebral. Várias formas

de psicoterapia e técnicas tais como a terapia da contenção (ou do abraço)

tem sido defendidas.

Um diagnóstico precoce e apropriado é o primeiro passo crucial no

sentido de assegurar um melhor futuro para a criança autista.

3.9 História evolutiva

O primeiro ano - algumas das crianças afetadas, quando bebês, são

notadamente quietas e não requerem cuidados. Outras são incansáveis,

irritáveis e difíceis de se cuidar. Elas podem gritar noite adentro e ainda não

dormir muito de dia. Há também alguns bebês, nos quais a perturbação

social se tornará evidente ao redor dos dois anos ou posteriormente, cujo

pais não notaram nenhuma anormalidade especial durante a primeira

infância.

De dois aos cinco anos - o progresso no desenvolvimento das

habilidades ocorre de forma distinta. Uns poucos fazem grandes avanços,

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outros obtêm progresso moderado, mas muitos apresentam apenas ganho

reduzido.

Adolescência - a partir dos dez anos e a aproximação da puberdade,

um certo número de crianças (não se sabe exatamente quantas) tem uma

exacerbação do comportamento, que é característico do contínuo autístico,

incluindo atividades repetitivas, resistência a mudanças e comportamento

agressivo ou destrutivo.

Problemas psiquiátricos - alterações psiquiátricas podem ser vistas na

adolescência ou início da idade adulta. Alguns entram, durante algum

tempo, em comportamento bizarros, que parecem até alucinações. Tais

episódios, raramente ou nunca, assumem a forma de esquizofrenia típica.

São mais como uma exacerbação da confusão acerca do significado da

experiência diária, que comumente confunde pessoas com perturbações

sociais.

Epilepsia - ao atingir a idade adulta, cerca de um terço das pessoas

com perturbações sociais foi atingida, pelo menos uma vez, por ataques

epilépticos. Eles podem se iniciar a qualquer época, mas alguns ocorrem

pela primeira vez durante a adolescência.

Vida adulta - de vinte e cinco a trinta anos há uma tendência de

redução do comportamento desafiante e aumento da cooperação geral.

3.10 O que procurar quando pensamos em autismo

Há quatro aspectos do autismo, que são geralmente conhecidos, da

observação da totalidade das crianças autistas. Estes quatro aspectos são:

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1 - Relacionamento perturbado - uma capacidade perturbada de se

relacionar afeta todas as áreas de desempenho, aprendizado e comportamento

da criança. Acarreta dificuldades tanto complexas quanto totalmente centrais a

este distúrbio. Enquanto cuidadoso treinamento e o processo natural de

maturação podem provocar progressos, o déficit básico jamais é totalmente

curável.

Da mesma forma que outros aspectos do autismo, esta

característica é muito variável. Como é bastante óbvio, crianças autistas

parecem não poder distinguir até seus pais de outros adultos; eles dão a

impressão de não ver, não ouvir e não sentir. Algumas vezes, contudo, a

criança parece ter um olhar vivo, direto e o desejo de contato físico, o que

confunde observadores que não são familiarizados com o espectro total do

distúrbio autístico.

2 - Dificuldades de comunicação - as dificuldades de comunicação

são algumas vezes difíceis de distinguir daquelas inerentes a relacionamentos

perturbados; pode ser igualmente difícil dar uma descrição precisa, no

diagnóstico. Duas áreas devem ser examinadas:

1a. Dificuldades observáveis que incluirão pobreza de timbre,

controle deficiente do volume da voz, inflexões estranhas,

desordem, voz robotizada, frases telegráficas, gagueira,

problemas de pronúncia e de articulação.

2a. Atrasos - mutismo, ecolalia simples ou de curta duração,

falar de si próprio na terceira pessoa, pensar falando,

limitações de vocabulário, limitações na habilidade de

definir palavras, uso inadequado de palavras, imaturidade

de sintaxe, dificuldades no entendimento de preposições,

pronomes, tempos verbais e conjunções, falhas na

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distinção entre animado e o inanimado e a presença de

modelos incorporados, do mundo, não apropriados à idade.

3 - Comportamentos rígidos obsessivos - por certo, todos nós

estamos obsessivamente apegados a nossas rotinas favoritas, lugares ou

pessoas.

Crianças autistas, contudo, podem manter estes comportamentos

durante um tempo mais longo que o usual. Algumas vezes parece que

obsessões são as influências mais motivadoras de suas vidas, talvez a única

motivação. Podem afetar o dia inteiro, bem como rotinas essenciais, como

comer, dormir, usar o toalete e fazer abordagens gerais. Podem incluir auto-

mutilação e colecionamento de objetos bizarros, objetos que giram ou rodam.

Ou a recusa da própria criança a aceitar mudanças estranhas aos maneirismos

e ações que lhe são familiares, como rituais, perversões de paladar,

comportamento destrutivo, possivelmente agressivo e anti-social, que a

destacam de uma criança que, de outra forma, pareceria normal aos demais.

4 - Um desenvolvimento idiossincrático, desagregado - esta pode ser

uma ferramenta diagnóstica verdadeiramente útil, uma vez que pode distinguir

a criança autista daquela que é mais globalmente retardada.

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CONCLUSÃO

Verificamos, que crianças com qualquer tipo de atraso de

desenvolvimento ou perturbação necessitam de educação e ajuda especial

adequadas ao seu “problema” específico.

A perturbação social tem efeito particularmente devastador, porque

retira aqueles afetados do alcance das fontes ordinárias de aprendizado e do

apoio emocional que os outros seres humanos poderiam lhes proporcionar. A

menos que a natureza de suas perturbações seja detectada, proporcionando

um ensino hábil e permitindo cuidados, às pessoas socialmente perturbadas,

que ficam psicologicamente isoladas.

Com este trabalho, tentamos propiciar uma visão geral da teoria da

Arteterapia com abordagem junguiana, além da importância da utilização dos

Contos de Fadas no processo terapêutico nas crianças autistas.

Freud teve o mérito de ter sido o primeiro médico a ver na abordagem do

inconsciente uma possibilidade de tratamento. Jung foi mais além e identificou

o Inconsciente Coletivo, como a parte importante do desenvolvimento psíquico

evolutivo do homem, acumulado em conseqüência de experiências repetidas

durante várias gerações. Seus conteúdos, chamados arquétipos, são

condições ou modelos prévios da formação psíquica em geral.

O arquétipo ou imagem primordial é uma forma de pensamento universal

aliada a fortes emoções. Jung deduz que o núcleo de um complexo pode ser

um arquétipo que atrai experiências relacionadas ao seu tema. Ele poderá,

então, tornar-se consciente por meio de experiências da identificação com os

personagens genéricos presentes nos Contos de Fadas, que, sendo um

sistema metafórico e simbólico, auxilia a criança a elaborar conflitos, inerentes

ao seu processo de desenvolvimento.

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Para Jung, as concepções de cada arquétipo são, na sua essência, um

fator psíquico desconhecido, e, por isso, não há possibilidade de traduzir seu

conteúdo em termos intelectuais. O melhor que podemos fazer é circunscrevê-

lo com base em nossa própria experiência psicológica, trazendo à luz toda a

rede de associações cujas imagens arquetípicas estão interligadas exatamente

como aparecem. O Conto de Fadas é, em si mesmo, a sua melhor explicação,

isto é, o seu significado está contido na totalidade dos temas que ligam o fio da

história. Cada Conto de Fadas é composto por um significado psicológico

essencial, expresso numa série de figuras e eventos simbólicos, sendo

desvendável através destes. Eles são a expressão mais pura e mais simples

dos processos psíquicos do inconsciente coletivo. Nessa forma pura, as

imagens arquetípicas fornecem-nos as melhores pistas para a compreensão

dos processos que passam na psiquê.

Assim, pelo que vimos, o processo arteterapêutico é um trajeto marcado

por símbolos, que assinalam e informam sobre estágios da jornada da

individuação de cada um. Por individuação entenda-se a árdua tarefa de tornar-

se um indivíduo e que assim procura viver plenamente.

A descoberta do significado destes eventos psíquicos, até então

obscuros, amplia a possibilidade de estruturação da personalidade e contribui

na elaboração de maneiras mais produtivas para a comunicação, interação e o

"estar-no-mundo".

Page 41: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … ROZA GUIMARAES.pdf · símbolos, e em temas comuns de forma similar, como representações do ... mitológico, conto maravilhoso,

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