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UNIVERS IDADE CANDIDO MENDES PÓS- GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO VEZ DO MESTRE UM OLHAR ATENTO SOBRE O LIVRO DIDÁTICO SHEILA MARIA GUASTI RAMALHO Orientadora: Fabiane Muniz Rio de Janeiro 2005

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO VEZ DO MESTRE

UM OLHAR ATENTO SOBRE O LIVRO DIDÁTICO

SHEILA MARIA GUASTI RAMALHO

Orientadora: Fabiane Muniz

Rio de Janeiro

2005

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO VEZ DO MESTRE

OBJETIVO:

Identificar nos livros didáticos

adotados em escolas municipais do

Rio de Janeiro, as representações

do cotidiano popular analisando a

realidade dos alunos tecendo

comparações de como estão sendo

trabalhadas as categorias: família,

escola e trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, pois

me deu a Sabedoria, para orientar o

meu caminho pela vida, a Força,

para animar e sustentar nas

dificuldades e a Beleza, para

adornar todas as ações tanto de

caráter como de espírito. A Babi que

me incentivou neste projeto, me

apoiando, pois cuidou do meu filho

ao longo de todo este período, e a

todos os professores que me

auxiliaram nesta caminhada.

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DEDICATÓRIA

Dedico a meu marido

Cleber que sempre me apoiou em

todos os projetos, a meu filho

Mateus que me impulsiona, gerando

forças para nova conquista

profissional e a meu filho Miguel que

acabou de nascer.

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RESUMO

O estudo se propõe a verificar, como estão sendo representadas

as categorias trabalho, família e escola nos livros didáticos adotados nas

escolas municipais do Rio de Janeiro e para tanto recorre a fundamentação

teórica do conceito de Representação Social através de Serge Moscovici e

outros autores. Foi realizado o levantamento histórico e geográfico do bairro

onde os livros didáticos estão sendo adotados (bairro do Caju) e também se

estudou os indicadores sociais dos alunos para finalmente analisarmos os

livros e compara-los com a realidade desta comunidade.

Após os estudos comparativos os resultados mostram que ainda

há predominância de imagens e conceitos distantes da realidade das

comunidades populares e muitas vezes chegam a inverter as que se

apresentam nos indicadores sociais levantados. Portanto, fica patente que

apesar de já encontrarmos movimentos isolados para modificar esta

situação ainda assim concluímos que o universo do livro didático não tem

significado no universo dos alunos das classes populares.

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METODOLOGIA

Quanto à metodologia, foram adotados os procedimentos

relatados em seguida:

Inicialmente, foi realizado o levantamento de indicadores

sociais. Esse levantamento foi feito em relação a cada elemento a ser

analisado – família, escola e trabalho. Dando destaque aos dados que

demonstram a realidade cotidiana das camadas populares, na região

delimitada para o estudo que é o Bairro do Caju, localizado na periferia

urbana da cidade do Rio de Janeiro (zona portuária).

Em seguida, foi realizado o levantamento de livros didáticos, das

séries iniciais (Ensino Fundamental, no município do Rio de Janeiro,

nomeados como 1º ciclo de Formação, 3ª e 4ª série) adotados em escolas

públicas da cidade do Rio de Janeiro, localizadas, mais precisamente, no

Bairro do Caju.

Foi feita, então a análise de conteúdo dos livros, observando-se,

nos textos, nas frases, palavras e figuras usadas nos livros as

representações de cada categoria estudada.

Por fim, buscou-se comparar a realidade do aluno (levantamento

dos indicadores sociais) com o conteúdo dos livros didáticos analisados.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...............................................................................8 I LIVROS DIDÁTICOS ONTEM E HOJE NO BRASIL................10 II HISTÓRICO, LOCALIZAÇÃO GEOGRAFICA E REALIDADE ATUAL DO BAIRRO DO CAJU..................................................14 III REPRESENTAÇÃO SOCIAL..................................................20 IV DESENVOLVIMENTO.............................................................24 4.1 Levantamento dos indicadores sociais.............................24 4.2 Conceitos e imagens encontrados nos livros didáticos..26 4.2.1 A Família............................................................................26 4.2.2 A Escola.............................................................................28 4.2.3 O Trabalho.........................................................................29 CONCLUSÃO..............................................................................31

BIBLIOGRAFIA...........................................................................33

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INTRODUÇÃO

A pesquisa Um olhar atento sobre o Livro Didático é realizada na

Universidade Candido Mendes, Projeto Vez do Mestre, Curso de Pós-

Graduação em Psicopedagogia e iniciou em abril de 2004. A orientadora é a

professora Fabiane Muniz.

Esta pesquisa procura identificar em livros didáticos adotados

em escolas públicas municipais do Rio de Janeiro (Ensino Fundamental) as

representações do cotidiano popular, na tentativa de contextualizar histórica

e culturalmente o alunado, uma vez, que o ser humano se desenvolve a

partir de sua contínua interação com o meio, durante toda a sua vida, e suas

aprendizagens são de naturezas diversas, a escola por sua vez, insere-se

neste contexto, ela vem se somar a outros espaços de socialização e

aprendizagem. A experiência acumulada do aluno será trazida para escola e

é fundamental para o desenvolvimento de todo educando e sucesso das

ações pedagógicas (Letramento).

Além das representações dos livros didáticos, procura-se,

também através de análise da realidade dos alunos tecer comparações de

como estão sendo trabalhados os seguintes categorias sociológicas: família,

escola e trabalho.

Ao considerar estas três categorias como base de análise nesta

pesquisa, busca-se estar em consonância com o Núcleo Curricular Básico

MULTIEDUCAÇÃO que propõe que, “cada professor e equipes escolares

repensem e replanejem suas ações pedagógicas visando uma sociedade

mais justa e democrática, na qual os Princípios Educativos do Meio

Ambiente, do Trabalho, da Cultura e das Linguagens ao se articularem com

os Núcleos Conceituais da Identidade, do Tempo, Espaço e da

Transformação viabilizem através da ação escolar, a contribuição

indispensável para realização deste desejo.”1

A família, a escola e o trabalho, são as categorias sociológicas

1 Núcleo Curricular Básico Multieducação.

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que mais próximas estão do cotidiano da criança em idade escolar, por isso

é fundamental verificar como elas estão sendo apresentadas a elas, cabe

perguntar:

Será que estas representações, nos livros didáticos, se

distanciam da realidade?

Será que os livros continuam a retratar um mundo imaginário, ou

seja, um mundo ideal?

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I. LIVROS DIDÁTICOS ONTEM E HOJE NO BRASIL

Na história da educação escolar os professores têm sido vistos

de formas diferentes: como sábios que transmitiam para as novas gerações

saberes acumulados, como técnicos na "aplicação" de procedimentos de

ensino, como mediadores de conhecimentos culturais em situações de

aprendizagem. Também a cada época, de acordo com a forma como tem

sido entendido o processo de aprendizagem, as escolas definiram, criaram,

modificaram e utilizaram diferentes materiais didáticos.

Entre eles, os livros sempre estiveram presentes como

ferramentas fundamentais para o processo de aprendizagem.

As cartilhas portuguesas marcam o início da literatura didática

em nosso idioma.

Por volta do século XV, Portugal fazia uso nas escolas de

"cartinhas", que posteriormente foram denominadas cartilhas. Eram

pequenos livro que reuniam o abecedário, o silabário e rudimentos de

catecismo. Há notícias de que remessas desses livros escolares eram

enviadas para as colônias para que nelas se ensinasse a ler e escrever.

A “Cartinha de Aprender a Ler” é um dos mais antigos materiais

utilizados para ensinar o idioma português. Seu autor se chamava João de

Barros e ela foi impressa em 1539, em Lisboa. Acredita-se que foi usada no

Brasil no ensino das primeiras letras e de religião. Além da de João de

Barros, há notícias de uma cartinha elaborada por Frei João Soares

impressa em 1539 e reeditada várias vezes.

Os jesuítas vieram para o Brasil com Tomé de Sousa (1549) e

abriram na Bahia a primeira escola de leitura, escrita e religião. 0 ensino

inicial da leitura era associado à religião, pois havia uma grande

preocupação com a conversão religiosa das crianças, principalmente os

pequenos nativos das colônias.

Até o final do século XIX, haviam muitas queixas de falta de

livros e materiais didáticos nas províncias. Frente a essa limitação e

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necessitados de material para ensinar a ler e escrever a seus alunos, os

próprios professores elaboravam textos manuscritos e utilizavam-se de

cartas, ofícios e documentos de cartório como material de aprendizagem de

leitura e escrita. Faziam ABCs manuscritos em folhas de papel, que eram

manuseadas com "pega-mão" para não sujar.

Como podemos ver, enfrentar dificuldades relativas ao material

de trabalho em sala de aula, criar seus próprios instrumentos de trabalho em

classe, encontrar formas de criar condições de aprendizagem para os

alunos, faz parte da história do cotidiano dos professores de primeiras letras

já há muitos anos.

No século XX, junto ao considerável aumento do número de

publicações voltadas ao atendimento das necessidades de formação das

novas gerações, surgiu uma literatura dirigida diretamente à sala de aula: os

Livros Didáticos. E nossa prática didática das últimas décadas foi

profundamente marcada pelo uso desses livros.

São chamados de Livros Didáticos, publicações dirigidas tanto

aos professores quanto aos alunos, que não apenas organizam os

conteúdos a serem ensinados, como também indicam a forma como o

professor deve planejar suas aulas e tratar os conteúdos com seus alunos.

Alguns livros didáticos levam em consideração os processos de

aprendizagem vividos pelos alunos, outros apenas oferecem diretrizes para

a prática de ensino do professor.

As cartilhas, por exemplo, trazem prontos os procedimentos que

o professor deve adotar em sala de aula. Concretizam o modelo idealizado

pelas metodologias tradicionais, tornando o ensino uniforme, cumulativo e

homogêneo. São instrumentos de ensino, de orientação para o professor e

não um suporte para a aprendizagem do aluno.

Para ser didático, um livro não precisa necessariamente ser escrito

com o objetivo único de ser utilizado por professores e alunos em sala aula.

Podem ser considerados didáticos todos os livros que:

1. Motivam a relação do aluno com o conteúdo escolar, como por exemplo,

os livros de literatura que trazem textos de qualidade e beleza que

podem atrair os alunos para o universo da língua escrita;

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2. Apóiam a autonomia do aprendiz, como são os dicionários e

enciclopédias, as coleções infantis de ciências naturais, Geografia ou

História fartamente ilustradas que oferecem um amplo conjunto de

informações a serem relacionadas pelas crianças;

3. Colaboram para a organização de situações de ensino-aprendizagem,

como são as publicações que trazem indicações de tipos de situações

que podem ser úteis para a aprendizagem dos conteúdo que englobam;

4. Criam condições para a diversificação e ampliação das informações que

veiculam, como fazem as publicações que incluem glossários, indicações

de outros livros e outros tipos de fontes de informação sobre os mesmos

conteúdos ou conteúdos afins.

Essas características podem ser identificadas em diferentes

livros, inclusive naqueles definidos editorialmente como didáticos. São por

isso bons índices para avaliação dos livros com os quais os alunos deverão

conviver durante cada ano letivo.

Antes de escolher os livros para o trabalho em sala de aula, o

professor deve, portanto, procurar conhecê-los: saber de suas qualidades,

através de uma análise comparativa de seus conteúdos frente aos objetivos

e à programação que desenvolverá com os alunos durante o ano; saber

quem são os escritores dos textos publicados, bem como de onde foram

retiradas as imagens que porventura os compõem.

Escolhidos os livros, é importante que o professor destaque essas

informações para seus alunos. Através desse trabalho, as crianças podem

aprender porque é importante que assinem suas composições e outros

trabalhos escritos, feitos em grupo ou individualmente, e o professor pode

instruí-Ias sobre as formas de se catalogar livros, chamando atenção para

seus respectivos autores, ilustradores, editoras e edições.

É importante lembrar, no entanto, que a não existência de Livros

Didáticos nunca foi um impedimento para a realização de um trabalho de

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qualidade em sala de aula. Em outras palavras, a existência de Livros

Didáticos não é condição indispensável para o trabalho do professor.

Se o professor puder contar com um material de qualidade que

apóie seu trabalho e dê suporte às situações de aprendizagem, ótimo. Se

não, deve produzir, criar seu material de trabalho. Pode, por exemplo, criar

com seus alunos um material diversificado que envolva livros de diferentes

tipos (literários, informativos, de divulgação científica), periódicos (revistas,

jornais), documentos manuscritos (cartas, listas de compras, bilhetes, etc.)

coletados na comunidade de pais e professores, panfletos publicitários, etc.

Se puder desenvolver instrumentos para avaliar a qualidade e

utilidade dos livros que utiliza, tendo um olhar cuidadoso sobre seus limites e

condições de expansão, o professor poderá ter mais autonomia em relação

ao material didático que freqüentemente já recebe pronto, e assim poderá

realizar um trabalho, efetivamente, preocupado com a aprendizagem e a

realidade de seu alunado.

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II. HISTÓRICO, LOCALIZAÇÃO GEOGRAFICA E REALIDADE ATUAL DO BAIRO DO CAJU.

A história do Caju se inicia com Antonio Elias Lopes, rico

comerciante do século XVIII, que construiu uma casa na região que ia do

Maracanã até uma praia aonde haviam muitos cajueiros, entre o Saco de

São Cristóvão e o de Inhaúma.

Com a chegada de D. João VI (vinda da Família Real, em 1808)

ele recebeu de Antônio Elias Lopes a casa-quinta (residência campestre) e

esta se transformou em residência real.

Certa vez, D. João VI foi picado por um carrapato em outra

residência real (em Santa Cruz) e isto lhe provocou um inchaço e o remédio

indicado foi banhos periódicos em água salgada. Ele os tomava na Ponta do

Caju. Começava nesta época a moda de banhos de mar e a Caju se tomou

o primeiro local de banhos, freqüentado por todos os Braganças (Família

Real). Estas terras eram de propriedade da Coroa.

Em 1840, a Fazenda Murundu (para cá da Ponta do Caju) foi

adquirida pela Santa Casa para instalação do primeiro grande cemitério

público do Rio de janeiro para ricos e para pobres.

O cemitério do Caju, chamado de São Francisco Xavier, foi

inaugurado em 1851. O primeiro corpo enterrado foi de uma africana livre,

que morreu de febre amarela.

Outros cemitérios foram construídos junto ao de São Francisco

Xavier: o da Ordem Terceira do Carmo e o da Ordem Terceira Penitência.

Foi construído também nessas terras o Hospital Nossa Senhora

do Socorro, em 1855, com sede provisória e em 1866, sede permanente.

No Retiro Saudoso, hoje Rua Carlos Seidl, o Ministro Ferreira

Viana levantou na década de 1850, o Hospital São Sebastião (hospital de

isolamento até hoje). Carlos Seidl foi médico e diretor da saúde pública.

Ao lado do Hospital São Sebastião, em 1889, os pecadores

ergueram a Capela de São Pedro (padroeiro). Perto ainda havia a estação

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inicial da Estrada de Ferro Rio D’Ouro, que tinha por finalidade, inicial, servir

ao nosso abastecimento de água.

Mais tarde, aonde era a praia de D. João e da Família Real, se

formou a Colônia de Pescadores do Caju.

Como se pode observar a história do bairro do Caju remonta o

Período Imperial no Brasil e vem ao longo dos anos tentando se firmar

enquanto bairro industrial.

O bairro do Caju situa-se na zona portuária da cidade do Rio de

Janeiro onde, estão nítidas as conseqüências do crescimento urbano

acelerado, típico de países de industrialização tardia.

São cerca de oito comunidades que formam um complexo de

favelas que rodeiam o bairro e como ponto de referencia estão os cinco

cemitérios (sendo um deles o único crematório do Rio de Janeiro e outro o

primeiro cemitério vertical da América Latina o “Memorial do Carmo”), várias

firmas de construção naval, onde as mais importantes da década de 80

“Caneco” e “Escavagima” encontram-se praticamente desativados. A

Fronape (empresa ligada a Petrobrás) e vários terminais aduaneiros e

alguns depósitos da Capitania dos Portos, fazem parte da paisagem do

bairro.

O bairro ainda guarda lembranças do passado como, a Casa de

Banho de D.JoãoVI, hoje Museu da Limpeza Urbana, o Asilo São Luiz para

Velhice, com mais de cem anos, a Estrada de Ferro e o Arsenal de Guerra

do início do século passado.

O bairro ao longo do século passado passou por inúmeras

mudanças, deixando assim de ser uma região bucólica que atraia as

pessoas pelas suas belas praias de águas calmas e numerosos cajueiros

para um bairro hoje cercado de águas poluídas oriundas da Baía de

Guanabara, com sua população quase toda moradora em comunidades

carentes, sem contar os problemas de trânsito, poluição, desemprego,

violência, etc. que se pode observar nesta região.

Abaixo podemos observar alguns aspectos estatísticos que

mostram um pouco da realidade do bairro do Caju neste final de século XX e

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início de século XXI, e os mesmos também serviram de base para o

levantamento dos indicadores sociais, na primeira etapa desta pesquisa:

Mapa do município do Rio de Janeiro, com a área laranja

destacando o bairro do Caju.

Bairro: Caju - Síntese

•Território e Meio Ambiente Dados Cadastrais do Bairro Data do Decreto de Criação : 23/7/1981 Área Territorial (2003): 534,75 ha Áreas Naturais Área Total (2003): 2,72 % Floresta (2003): 0,00 % Áreas Urbanizadas e/ ou Alteradas Área Total (2003): 97,28 % Reflorestamento Mudas plantadas (2001): 0,00 Área Implantada (2001): 0,00 ha Unidades de Conservação Área Total (2003): 0,00 m2

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Unidades de Conservação - APA Área Total (2003): 0,00 m2 Unidades de Conservação - APARU Área Total (2003): 0,00 m2 Unidades de Conservação - Reservas Área Total (2003): 0,00 m2 Unidades de Conservação - Parques Área Total (2003): 0,00 m2 Unidades de Conservação - ARIE Área Total (2003): 0,00 m2 Áreas Legalmente Protegidas Área de Unidades Tombadas (2003): 0,00 m2 Área de outros bens legalmente preservados (2003): 0,00 m2

•População Pessoas Residentes Total da População (2000): 17.679 Pessoas Residentes por sexo Masculino (2000): 8.498 Feminino (2000): 9.181 Pessoas Residentes Alfabetizadas por Sexo Homens (2000): 6.438 Mulheres (2000): 7.114 Pessoas Residentes Não Alfabetizadas por Sexo Homens (2000): 1.181 Mulheres (2000): 1.187 Responsáveis pelos Domicílios Particulares por sexo Masculino (2000): 3.234 Feminino (2000): 1.650

•Domicílios Em Geral Total de Domicílios (2000): 5.259 Espécie de Domicílios Particular Permanente (2000): 4.884 Particular Improvisado (2000): 33 Coletivo (2000): 342 Particular Permanente por Tipo

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Casas (2000): 4.404 Apartamentos (2000): 369 Cômodos (2000): 111 Particular Permanente por tipo de abastecimento de água Rede Geral Canalizada até o Domicílio (2000): 95,60 % Particular Permanente por tipo de esgotamento sanitário Rede Geral (2000): 87,04 % Particular Permanente por tipo de destino do lixo domiciliar Serviço de Limpeza (2000): 37,47 %

•Saúde Nascimentos por tipo de parto Vaginal (2002): 261 Cesariana (2002): 121 Nascimentos por Sexo Masculino (2002): 191 Feminino (2002): 193 Óbitos Infantil (2001): 3 Mortalidade Infantil (2001): 7,2 Neonatal Precoce (2001): 7,2

•Educação Unidades escolares públicas municipais Total de unidades escolares Municipais (2003): 5 Unidades escolares públicas estaduais Total de unidades (2002): 2

•Imóveis Uso Residencial Número de Imóveis Residenciais (2000): 891 Área Construída (2000): 53.307 m2 Uso Não Residencial - Comércio/Serviços Número de Imóveis Comerciais e de Serviço (2000): 260 Área Construída (2000): 302.381 m2 Uso Não Residencial - Industrial Número de Imóveis (2000): 46

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Área Construída (2000): 306.038 m2 Uso Territorial Número de Imóveis (2000): 20 Área Territorial (2000): 50.889 m2 Transações Imobiliárias Imóveis Totais Vendidos (1998): 27

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III. REPRESENTAÇÃO SOCIAL.

Buscando um maior aprofundamento teórico do presente

trabalho se faz necessário o entendimento da representação social. A

formulação do conceito de representação social torna-se uma tarefa difícil,

uma vez que coexistem diferentes abordagens na busca do entendimento de

como os fatos da realidade se estruturam no individuo.

A noção de representação social situada na interface do

psicológico e do social, relaciona-se com processos da dinâmica social e

psíquica. O entendimento da representação envolve um sistema teórico

complexo. Deve-se levar em conta, de um lado aspectos cognitivos e

psicológicos e de outro, aspectos sociais, referentes ao contexto em que se

produzem as representações.

Os estudos de representação social devem seu “status” atual a

Serge Moscovici (1978), psicólogo social francês que, partindo da tradição

da sociologia do conhecimento, passou a desenvolver uma psicossociologia

do conhecimento que se distinguia tanto da tradição norte-americana

“psicologista” dominante – ocupada basicamente com os processos

psicológicos individuais - como da tradição sociológica durkheimiana – para

a qual qualquer tentativa de explicação psicológica dos fatos constituiria um

erro grosseiro.

Desse modo, ele situa a Psicologia Social na encruzilhada entre

a psicologia e as ciências sociais, e cunha o conceito de representação

social, partindo do conceito de representação coletiva de Durkheim e dele

se distinguindo. Moscovici (1978) renova o modo de analise tradicional da

sociedade, realizado por Durkheim, insistindo na especificidade dos

fenômenos representativos que ocorrem nas sociedades contemporâneas

que se caracterizam pela intensidade e fluidez das trocas e comunicações,

pelo desenvolvimento da ciência e pela mobilidade social.

Em seu trabalho pioneiro – La psychanalyse, son image et son

public – apresentado em primeira edição em 1961, Moscovici estuda a

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divulgação da psicanálise na França, fazendo investigações em diferentes

segmentos da população parisiense pôde observar que: (a) uma

representação é tanto uma representação de alguém, como de alguma

coisa; (b) representar é edificar uma “doutrina” que facilite a tarefa de

decifrar, predizer ou antecipar atos individuais e coletivos; (c) a absorção da

ciência pelo senso comum não é, como se crê, uma vulgarização das partes

de uma dada ciência, mas, sim, a formação de um outro tipo de

conhecimento, adaptado a outras necessidades e obedecendo a outros

critérios, num determinado contexto.

Moscovici conclui, assim, que as Representações Sociais são ao

mesmo tempo, um “produto” do social e um “processo” de instituição desse

social, tendo entre outras, as funções de elaboração de comportamentos e

de comunicação entre os indivíduos. Enquanto produto Moscovici (1978)

observou que as Representações Sociais se revelam em três dimensões,

apresentadas pelos sujeitos e/ou pelos grupos, que permitem aprender o

conteúdo delas e seu sentido sobre um determinado objeto, a saber: (a) nas

atitudes; (b) nas informações; e (c) no campo de representação. Enquanto

processo, elas dependem de dois processos dialeticamente relacionados,

denominados por Moscovici de “objetivação” e de “ancoragem”.

A “objetivação” consiste na transformação de um conceito ou

idéia em algo concreto que permita ao sujeito/grupo ter uma imagem

facilmente exprimível do objeto representado. P elo processo de objetivação,

nasce um “modelo figurativo” da atividade psíquica dos sujeitos, baseado em

uma série de informações parciais e selecionadas, que são convertidas em

supostos reflexos do real.

A “ancoragem” é responsável pelo enraizamento social da

representação e pela integração cognitiva do objeto representado no sistema

de pensamento pré-existente, tornando-o um mediador e um critério de

relações entre grupos, facilitando a interpretação das relações interpessoais

e das condutas.

Sintetiza Moscovici (1978) que:

“... a representação social é um corpus organizado de

conhecimentos e uma das atividades psíquicas graças

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às quais os homens tornam inteligível a realidade física

e social, inserem-se num grupo ou numa ligação

cotidiana de trocas, e liberam os poderes da

imaginação...” (p.28).

O modelo figurativo de Moscovici é alvo de estudos de Abric

(1994), visando investigar a estrutura interna das Representações Sociais. A

idéia essencial da teoria desse autor é a de que toda Representação Social

está organizada em torno de um núcleo central que determina, ao mesmo

tempo, sua significação e sua organização interna. Este núcleo central –

essencialmente estável – é um subconjunto da representação, composto de

um ou mais elementos, com a centralidade mais definida pela sua dimensão

qualitativa cuja ausência desestruturaria a representação ou lhe daria nova

significação completamente diferente. Além do núcleo central, Abric (1994)

observa a existência de elementos periféricos, que estão em relação direta

com o núcleo central, o qual determina seu valor e suas funções.

Jodelet (1989) reforça as idéias de Moscovici, ao considerar que

a Representação Social: “... é uma forma de conhecimento socialmente

elaborada e compartilhada, tendo um enfoque prático e concorrendo para

construção de uma realidade comum e um conjunto social...” (p.36). O

estudo de representações é fundamental ao estudo da vida social, pelos

elementos que oferece ao entendimento da formação de conceitos e

imagens, por processos cognitivos, interações e comunicações sociais.

Ao relacionar representação e comportamento, Moscovici (1978)

acentua o princípio de que não existe separação entre o universo exterior e

o universo interior do indivíduo (ou do grupo) considerando que o sujeito e o

objeto da representação não são fundamentalmente distintos.

Pode-se, também considerar a representação social como uma

preparação para ação, na medida que reconstitui os elementos do meio

ambiente em que o comportamento deve ter lugar. A representação

consegue dar sentido ao comportamento, integrando-o a uma rede de

relações em que está ligado o seu objeto.

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A Teoria das Representações Sociais oferece um instrumental

teórico-metodológico de grande utilidade para o estudo sobre o pensamento

e as condutas de pessoas e grupos, pois ela permite a compreensão dos

sistemas simbólicos que, afetando os grupos sociais e as instituições,

também afetam as interações cotidianas na sociedade como um todo e/ou

em determinados segmentos dessa sociedade.

Além disso, a Teoria das Representações faz interface com

várias outras áreas de conhecimento que a complementam e a expandem.

Uma dessas é a Teoria da Atribuição Causal que estuda as explicações que

os indivíduos ou os grupos oferecem para as causas dos eventos de que

são participantes, ou como atores ou como espectadores (Hewstone,1990).

Essas duas teorias se realimentam reciprocamente porque, observou

Moscovici, citado por Hewstone (1990), as Representações Sociais são, por

um lado, determinadas pelas explicações amplamente partilhadas por um

grupo ou pela sociedade.

Todas essas questões estudadas acerca da representação

social embasaram e incentivaram a análise dos livros didáticos, reafirmando

a importância dos conceitos, das imagens e das situações que nelas se

representam.

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IV DESENVOLVIMENTO

4.1 Levantamento dos indicadores sociais

Em sua primeira etapa a pesquisa recorreu às Fichas de

Matrícula, Ficha de cadastro da Bolsa Escola, aos aspectos estatísticos

divulgados pela Geo-Rio (órgão da Prefeitura do Rio de Janeiro) e também a

observações e conhecimento prévio da realidade dos alunos (a

pesquisadora trabalha desde 1988, na região estudada) para reunir

indicadores sociais desse cotidiano, com atenção às condições de vida nos

aspectos de família, escola e trabalho. Esta análise permite confrontar dados

do dia-a-dia, conforme se apresentam nos indicadores sociais e nas

representações dos livros didáticos.

Assim os indicadores sociais levantados neste estudo mostram

dados que, embora não se deva estender para toda a realidade do cotidiano

popular da cidade do Rio de Janeiro, apontam alguns aspectos relevantes e

que devem ser levados em consideração, como os que se exemplificam em

seguida.

Nas escolas observadas, verificou-se, com relação à família, que

nem sempre os alunos moram com os seus pais ou, até mesmo, tinham pai

e mãe; com freqüência moravam com avós/avôs, tias ou irmãos, existem

vários casos de crianças adotadas. A maioria das crianças residem em

barracos ou casas de alvenaria localizadas nas favelas, algumas são

alugadas e outras próprias. Apesar do bairro ter sido atendido pelo

Programa Favela-Bairro da Prefeitura, as dificuldades ainda são grandes.

Quanto à escola percebe-se situações de dificuldades tanto na qualidade

quanto na quantidade, na manutenção e conservação dos prédios e

instalações, material escolar e uniformes, locomoção dos alunos (no bairro é

muito complicado, pois, só existem 2 linhas de ônibus), evasão e repetência,

quadro de funcionários incompleto ou insuficiente. Quanto ao trabalho,

destacam-se os problemas sérios de desemprego e subemprego - existe no

bairro um contingente muito grande de pessoas desempregadas. Nem

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sempre os responsáveis estavam trabalhando, encontrando-se, também,

com freqüência, pais que apenas fazem serviços temporários, como vigias,

auxiliares de obras ou de serviços gerais (vivem de “bico”), e mães que

também trabalham esporadicamente como domésticas ou diaristas. Na

região é comum a profissão de pescador.

É importante destacar que: os moradores do bairro sofrem muito

com a violência, o índice de analfabetismo é expressivo é que há um grande

número de pessoas originárias do norte e nordeste do Brasil.

Esses “indicadores” da realidade social, quando comparados às

representações dos livros didáticos analisados, mostram que apesar de toda

crítica já realizada nos anos 80 e 90, ainda encontramos em pleno século

XXI, textos que veiculam conceitos e imagens que destoam da vida real da

camada majoritária da população que os utiliza. Os exemplos que se

seguem comprovam essa constatação.

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4.2 Conceitos e imagens encontrados nos livros didáticos

4.2.1 A Família

O tema família está presente tanto em livros de alfabetização

quanto em livros didáticos de Estudos Sociais e/ou História e Geografia para

o Ano II e Ano III (1ª e 2ª séries do Ensino Fundamental). O tema também

aparece em livros de matemática de todas as séries, principalmente, em

exercícios de problemas.

A análise de algumas publicações revelou que,

predominantemente, a família é apresentada de forma idealizada. Há um

modelo velado de família formada por pai/mãe/filhos.

“Eu nasci numa cidade pequenininha chamada

Santágua. Meu pai era médico na cidade e minha mãe

dava aulas na escola de lá... Quando eu fiz 5 anos,

meus pais mudaram-se para Santa Madalena...Meus

avós ficaram por lá...” (Nemi, 1999, p.28)

O livro, a que se refere o trecho acima (Novo Tempo-História e

geografia) utiliza duas crianças Mariana e Pedro, como personagens que

conduzem a narrativa dos temas do mesmo. Na citação a menina que é

negra e tem 7 anos, conta sua história anterior a escola. Quando o tema é

Família (p.38) aparece a imagem de sua mãe (que é branca de cabelo liso) e

de sua casa, fica clara a representação de família associada a idéia de

segurança e tranqüilidade . Esta mesma representação está presente na

apresentação de seu amigo Pedro é sua família. Ele também tem 7 anos e é

branco:

“Eu me levanto todo dia bem cedinho, porque meu pai

tem uma banca de jornal e eu vou com ele pra lá...

Ajudo meu pai até... 10 horas... volto para casa.

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Quando chego, a minha mãe já está terminando o

almoço... vou para escola...

Quando volto da escola, estou tão cansada que só

penso em jantar e dormir...”. (Nemi,1999, p.36)

As ilustrações do texto mostram vários quadrinhos: o menino

ajudando seu pai na banca; o seu retorno a casa, onde sua mãe está

preparando a comida em um fogão com exaustor, a seguir eles almoçam

sentados a mesa posta. Ele também aparece indo para escola uniformizado

e de mochila e quando retorna se deita no que parece ser seu quarto com

cortinas em uma cama bem arrumada. A harmonia familiar está evidente no

trecho acima e é ratificada pelas imagens descritas.

Outro exemplo importante de tranqüilidade e harmonia familiar

está presente nos livros didáticos de matemática, nos exercícios de

problemas, que diversas vezes utiliza os personagens: pai, mãe, irmã/irmão.

“O pai de Carlos tem R$60,00 e precisa comprar 2

mochilas diferentes, uma para Carlos e uma para seu

irmão. Quais as duas mochilas ele pode comprar?

Escreva todas as possibilidades”: (Dante, 2000 p,67)

“A mãe de Laura comprou esta tevê e pagou em 3

prestações iguais.

O valor de cada prestação foi de R$------------------“

(Dante, 2000 p 67)

“Marta pesa 8 quilos a mais que sua irmã. Se a irmã de

Marta pesa 28 quilos, quantos quilos Marta pesa?”

(Marsico, 2001,p 177)

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4.2.2 A Escola

Nas representações de escola encontram-se, então, as bonitas

pastas, uniformes, materiais escolares diversos, incluindo cartazes, lápis de

cor, giz de cera, cadernos e/ou livros encapados e etiquetados. Não se pode

deixar de mencionar a aparência das escolas ilustradas, sempre muito

limpas, arejadas, amplas, cercadas de verde, arrumadas e com o quadro de

funcionários completo. As salas de aula aparecem sempre com muitos

murais, mesas alinhadas uma atrás das outras, o professor algumas vezes

aparece de jaleco e os alunos uniformizados e geralmente, de mochila,

limpos e com o seu material organizado sobre a mesa. As turmas

apresentam um quantitativo pequeno de alunos.

Pode-se observar o tema escola, representado em livros de

Alfabetização, Estudos Sociais e/ou História e Geografia e de Matemática.

“Todos os dias você fica um turno inteirinho na escola.

Você chega à sala de aula e senta de frente para a

lousa.”

“Retira o material necessário e o coloca em cima da

carteira”... (Marin, 2001, p. 106)

“Existem funcionários para limpar a classe depois da

aula e o pátio depois do recreio. É preciso ter alguém

na biblioteca... Há uma pessoa que fica na secretaria..

e assim por diante”... (Nemi, 1999, P.80)

A escola é representada, na maioria dos livros didáticos

analisados, conforme os exemplos acima, como um local estático, sem

conflito nas suas relações e onde o aluno é um mero espectador do

processo ensino-aprendizagem, seguindo os princípios da Teoria Empirista.

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4.2.3 O Trabalho

O tema trabalho aparece, em geral, nos livros de Português,

Estudos Sociais e/ou História e Geografia. Pesquisas anteriores (Nosella,

1981; Hofling, 1987) identificaram nos livros didáticos editados no Brasil a

caracterização do trabalho com uma maravilhosa obrigação, que causa

muita alegria e satisfação e constitui uma atividade exclusiva do pai que, em

geral, tem uma profissão liberal. A mãe é o membro da família que cuida o

dia todo dos filhos e das atividades domésticas (vide exemplo da família de

Pedro, citado, anteriormente: seu pai é dono de uma banca de jornal e sua

mãe cuida do lar).

A representação do trabalho associado ao prazer e desvinculado

da necessidade econômica de sustento da família foi encontrada no seguinte

texto:

“Papai e mamãe trabalham para que nossa família

tenha conforto... chegam à noite com novidades para

nos contar e um sorriso para todos”. (Souza, 1989,

p.13)

Quanto à representação do trabalho feminino, encontramos

algumas situações que mostram a mulher ajudando no sustento da família

“Você se lembra que a mãe de Mariana trabalha como

professora?” (Nemi, 1999, p. 52)

“Nem todas as sociedades consideram o homem

superior à mulher. Em algumas culturas, o homem

desempenha papel igual ou inferior ao das mulheres”.

(Moreno, 2000, p. 95)

O conteúdo desses textos não só revela uma valorização do

trabalho da mulher, mas também apresenta o trabalho como meio de

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sobrevivência. Esse último aspecto aparece de maneira mais explícita, na

seguinte citação:

“Meus pais falam que está cada vez mais difícil manter

uma casa. Nossa família luta com dificuldade, mas

somos unidos”. (Martins, 1990, p.48)

Em alguns livros analisados, o trabalho infantil é abordado e já

se pode perceber algumas vertentes críticas a essa ação. Observa-se,

também, a participação das crianças nos trabalhos domésticos.

“No Brasil e em muitos paises do mundo, um grande

número de crianças não tem tempo para brincar. Sabe

por quê? Elas têm de trabalhar”... (Marín, 2001, p.35).

“Eu me levanto todo dia bem cedinho, porque meu pai

tem uma banca de jornal e eu vou com ele pra lá”...

(Nemi, 1999, p36).

Entretanto, observando as análises realizadas nas

representações de trabalho contidas nos livros e comparando com os

indicadores sociais, verifica-se que, apesar de apresentarem o trabalho

como uma necessidade, elas estão muito distantes da realidade do mundo

do trabalho para as famílias das classes populares. Os indicadores mostram

que o rendimento familiar médio da maioria dos alunos é de até dois salários

mínimos. Os textos omitem na sua grande maioria, qualquer referência a

salário, subemprego e desvalorização das profissões.

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CONCLUSÃO

Por todos esses exemplos e no limite deste trabalho, pode-se

perceber que, predominantemente, as representações dos livros didáticos,

não só se distanciam como muitas vezes invertem a realidade do cotidiano

popular, conforme se encontram nos indicadores sociais.

Observando-se o interesse em não radicalizar a crítica e

valorizando a importância do livro didático, e neste ponto se faz necessário

recorrer à entrevista da professora Magda Soares, publicada na Revista

Nova Escola (2003) e dela extrair algumas citações de suma importância

para o embasamento deste trabalho e sua análise final:

“As críticas que atualmente são feitas ao livro didático

chegam a defender sua rejeição... como se ele fosse

um material didático recém inventado... o livro didático

surgiu já na Grécia Antiga...” (p.7).

“0 professor que se deixa dirigir exclusivamente pelo

livro didático está renunciando à autonomia e à

liberdade que tem, que pode ter e que deve ter...”(p.7).

“...ele fornece ao professor textos e propostas de

atividades que viabilizem a sua ação docente, que é

particularmente importante hoje no Brasil, por causa.

das condições atuais de trabalho dos professores ... a

qualidade dos livros vem melhorando

significativamente..,"(p.8).

“O objetivo do livro didático é apresentar uma proposta

pedagógica de um conteúdo selecionado... organizado

segundo uma progressão claramente definida e

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apresentado sob forma didática adequada aos

processo cognitivos... Sua função... é servir de suporte

para o ensino, um instrumento de trabalho para o

professor e o aluno..."(p.9).

“...um fundamental. instrumento de trabalho para o

ensino e a aprendizagem escolar, um importante

coadjuvante da formação das novas gerações, uma

contribuição significativa ao trabalho do

professor."(p.9).

Diante de todas estas citações, este estudo reafirma que ele se

propõe menos a denúncia e mais a considerações que demonstrem a

importância da leitura crítica e a influência da representação dos fatos.

Essas considerações confirmam a necessidade da atenção ao conteúdo do

livro didático, de modo geral e especial. É necessário também, que haja uma

mudança de postura do professor com relação a utilização do livro didático,

uma vez que o seu uso, não pode significar uma perda de autonomia e sim

um meio de informar, orientar e instruir o processo ensino-aprendizagem,

sendo o papel de mediador e facilitador do professor fundamental para o

êxito do aluno.

E importante assinalar, que ao longo da análise dos livros

didáticos, já foram encontradas publicações com representações de fatos

mais reais (Passos, 2001; De Nicola,1999.) é possível acreditar que, com a

continuidade deste tipo de estudos, possam ser incentivados produções de

livros e coletâneas de textos resultantes de produções nas escolas e que

tenham a leitura, o mais próximo do real possível, do cotidiano dos alunos

das classes populares de nossa cidade, quiçá nosso país.

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