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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA TUTELAS DE URGÊNCIA Análise de sua efetividade, observando o projeto do novo Código de Processo Civil e a figura da Tutela de Evidência. Por: Alice Xavier Lucio Bittencourt Orientador Professor: José Roberto Borges Niterói 2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

TUTELAS DE URGÊNCIA

Análise de sua efetividade, observando o projeto do novo

Código de Processo Civil e a figura da Tutela de Evidência.

Por: Alice Xavier Lucio Bittencourt

Orientador

Professor: José Roberto Borges

Niterói

2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

TUTELAS DE URGÊNCIA

Análise de sua efetividade, observando o projeto do novo

Código de Processo Civil e a figura da Tutela de Evidência.

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Direito Processual Civil.

Por: Alice Xavier Lucio Bittencourt.

Niterói

2012

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RESUMO

A presente monografia aborda a importância do instituto das Tutelas de Urgência para a devida proteção de direitos, fator de suma importância para o bom desenvolvimento das relações sociais, tendo em vista ser responsável por garantir ao cidadão a efetividade na satisfação de seus direitos constitucionalmente tutelados, permitindo um desenrolar mais célere de todo o aparato processual civil. Através de uma análise histórica, conceitual e contextual, é possível delimitar a seriedade dos instrumentos em destaque e a relevância das alterações futuras que ocorrerão com o a instituição das normas constantes do projeto do Novo Código de Processo Civil brasileiro. Através de uma profunda avaliação dos instrumentos vigentes e das modificações a serem instauradas, far-se-á uma comparação detalhada, visando expor as consequências jurídicas acarretadas por tais alterações e, naturalmente, seus pontos positivos e negativos. Diante da análise das Tutelas de Urgência, da Tutela de Evidência e dos efeitos decorrentes de sua aplicação nos novos moldes do Direito Processual Civil, avaliar-se- á a qualidade da tutela jurisdicional prestada e a capacidade de se garantir a satisfação dos direitos pleiteados de forma justa e efetiva.

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METODOLOGIA

O presente trabalho utiliza, prioritariamente, conteúdo e informações

constantes em livros dos mais importantes doutrinadores jurídicos, não

deixando de analisar todo arcabouço legislativo relativo ao tema e seu

respectivo material jurisprudencial.

O estudo de tais elementos permite uma contextualização do

assunto proposto, conceituando-o de forma atual, em concordância com os

movimentos jurídicos modernos e os anseios da sociedade.

Assim, o objetivo principal é utilizar a mescla de todo o material de

consulta, resultando em uma avaliação capaz de esclarecer os fatos referentes

às Tutelas de Urgência, tornando-os compreensíveis de acordo com a

conjuntura atual, mostrando sua importância e aprofundando a realidade

estudada de forma a compreender os avanços que estão sendo implementados

no Direito Processual Civil.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................6

1 - TUTELAS DE URGÊNCIA E A EFETIVIDADE JURÍDICA..........................8

1.1 - Aspectos históricos................................................................................8

1.2 - Tutelas de Urgência e o Direito Pátrio.......................................................11

1.3 - A fungibilidade das Tutelas de Urgência..................................................14

2 - O SISTEMA PROCESSUAL CIVIL VIGENTE.............................................22

2.1 - Aspectos Relevantes.................................................................................22

2.2 - Requisitos das Tutelas de Urgência..........................................................23

2.3 - A Tutela de Evidência no Sistema Jurídico Atual......................................28

3 - O PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL..........................33

3.1 - As Tutelas de Urgência sob a ótica do Projeto do Novo CPC...................33

3.2 - A Tutela de Evidência e seu Papel no Novo CPC....................................35

CONCLUSÃO....................................................................................................41

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................43

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INTRODUÇÃO

No decorrer da existência humana, observam-se inúmeras mudanças

comportamentais que influíram diretamente nos relacionamentos sociais e

geraram a necessidade de adaptação.

Aos poucos, tais anseios viram-se atendidos pela ordem jurídica, que

vem, desde seus primórdios, se desenvolvendo e adaptando à busca por

segurança jurídica inerente às saudáveis comunidades sociais.

Desta forma, a tutela de direitos foi aos poucos passando a ser de

responsabilidade do Estado, que deve, através da jurisdição, zelar pela justiça

e bem-estar social, mantendo a ordem e garantindo a satisfação dos direitos

evidenciados em juízo.

Ocorre que, no entanto, os incontáveis aparatos procedimentais

acabam por gerar uma demora extremamente longa aos que dependem de

uma decisão judicial para alcançar a plenitude do direito pleiteado. Os longos

prazos de espera e a infinidade de etapas a serem cumpridas - muitas delas

utilizadas em caráter nitidamente protelatório -, começaram a gerar uma

insatisfação sem tamanho com o desempenho da máquina jurisdicional.

Diante disso, uma série de instrumentos foram criados com o intuito

de agilizar o atendimento aos anseios jurídicos do indivíduo cujo direito havia

sido lesado. Tais implementações tiveram seu início ainda em tempos remotos,

com hipóteses mais conhecidas ocorridas na Idade Média e na Roma Antiga.

Ao perceber, não raras vezes, que o bem jurídico se perdia devido à

morosidade no alcance da resolução da causa, foi necessário criar medidas de

urgência que, através da comprovação de alguns requisitos, poderiam chegar a

um resultado prático. Assim, passou a ser possível a concessão de uma tutela

de urgência sem que fosse necessário trilhar o lento trajeto processual e correr

o risco de, ao fim, não mais ter bem de vida a ser satisfeito, pois este já se teria

perdido.

O direito brasileiro, seguindo a inclinação natural existente no mundo

de busca pela efetividade dos meios jurídicos, instituiu a figuras das tutelas de

urgência, a saber, a tutela cautelar e a antecipação de tutela.

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As tutelas de urgência representam um marco no direito brasileiro,

uma vez que trouxeram mais celeridade e eficácia às normas, possibilitando a

satisfação do direito quando demonstrada a urgência e respeitados os

respectivos requisitos, seja para a tutela cautelar ou satisfativa.

É importante frisar, no entanto, que o direito é uma ciência em

constante movimento, que não encontra uma plenitude que o permita manter-

se estático. Pelo contrário, conforme os avanços são implementados, mais

oportunidades surgem, gerando novas abordagens e possibilidades de

desenvolvimento, de forma a corrigir os erros passados e buscar um

aperfeiçoamento ininterrupto.

Em virtude disso, tramita atualmente no Congresso Nacional o

Projeto do Novo Código de Processo Civil, que acarretará mudanças em

diversas questões, incluindo o instituto das tutelas de urgências.

As modificações concernentes a tais tutelas serão aqui avaliadas,

bem como o seu contexto histórico, social e jurídico.

Desta forma, o presente trabalho visa o aprofundamento da matéria,

delimitando os pontos controvertidos e demonstrando os aspectos positivos e

negativos. Através da contraposição da legislação presente e futura, permite-se

a avaliação da questão e a reflexão acerca da possibilidade de tais

modificações serem capazes de agregar aspectos benéficos na busca pela

maior efetividade no Direito Processual Civil.

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1 - TUTELAS DE URGÊNCIA E A EFETIVIDADE JURÍDICA

A sociedade se desenvolve em ritmo acelerado, com atividades cada

vez mais eficientes e satisfatórias. No entanto, ainda encontra graves entraves

quando necessita levar ao crivo do judiciário o seu direito.

Muitas vezes a demora judicial, por mais inevitável que – até certo

ponto – possa ser, é capaz de inviabilizar a proteção de um direito, por mais

correto que este demonstre ser.

Em virtude disso, cresce vertiginosamente a importância das tutelas

de urgência em nosso ordenamento, razão pela qual merece uma detalhada

avaliação de seus aspectos históricos e práticos.

1.1 - Aspectos Históricos

A utilização de institutos similares aos da tutela de urgência pode ser

observada de forma mais nítida quando analisamos o sistema jurídico vigente

na Roma Antiga.

Referido sistema, repleto de interditos, fortaleceu a importância de

garantia da efetividade das normas, apresentando tutelas como a sumária da

posse, ou “actio exhibendum”, a de direito a alimentos e, até mesmo, a

protetiva de menores e as que garantiam ao nascituro a sua herança, a

“bonorum possessio ex carboniano e nasciturus”.

Há uma relevante semelhança entre as tutelas interditais romanas e

o instituto da antecipação de tutela hodiernamente utilizado, uma vez que o

pretor, após análise não aprofundada das afirmações do autor, poderia

antecipar a execução ou a ordem dada no bojo do processo cognitivo, sem

qualquer dependência de processo autônomo, utilizando-se de uma ordem de

caráter liminar.

O procedimento sumário, altamente relevante em nosso sistema

devido a sua maior rapidez para solucionar situações de emergência, teve sua

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origem em interditos existentes no direito romano, que posteriormente teria sua

amplitude alargada pelo direito canônico, que passou a englobar casos de

posse de direitos pessoais, fazendo uso de interditos possessórios, como a

“juditia extraordinária”.

Ambos os sistemas regulatórios do processo civil reinante nesta

época, após enormes influências e alterações decorrentes de sua utilização,

fundiram-se, culminando na extinção do processo formulário compreendido

durante o Baixo Império.

Já na Idade Medieval, o surgimento de novas relações jurídicas,

consequência de conflitos de interesses gerados, em grande parte, pelo

crescente desenvolvimento das atividades mercantis, ocasionou a

redescoberta dos chamados interditos romanos. Tal fato ocorreu no final da

Idade Média, próximo ao início do período renascentista, sendo responsável

por suprir as lacunas jurídicas existentes frente ao novo cenário que se

apresentava, com a presença, inclusive, dos títulos executivos.

Desta forma, muitos consideram que tais interditos sejam os reais

antecedentes das tutelas cautelares, pois, com suas ordens de tutela

provisória, assemelham-se às atuais liminares. Por outro lado, os interditos

romanos poderiam levar à satisfação da pretensão material de forma definitiva,

o que os difere da tutela antecipatória.

Sistema também de relevante importância, foi o regido pela

chamada Lei das XII Tábuas, que continha espécies de tutelas muito

semelhantes às cautelares, as tutelas autônomas, que subdividiam-se em

“addictus” e “nexus”. Por esta, o devedor prestava serviços voluntários ao

credor, de forma a pagar toda sua dívida e ser então liberado. Já pelo

“addictus”, o devedor era aprisionado e privado de sua liberdade por um

período de sessenta dias, até que o débito fosse quitado. Caso isto não

ocorresse, converter-se-ia a medida em executiva, podendo o devedor ser

posto à venda e submetido à qualidade de escravo.

É nítida a percepção de que a origem da tutela cautelar está

intrinsecamente ligada à garantia do próprio direito material, visando a garantia

do cumprimento de obrigações, estas estabelecidas através do acordo de

vontades.

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Medidas específicas de cautela foram inseridas no chamado direito

intermédio, a exemplo da imissão na posse, constituição de penhor e fiança.

A partir do chamado processo comum, ou romano-canônico, sob

forte influência da Igreja Católica, foi reconhecida a morosidade de tal sistema

e sua exagerada formalidade e complexidade.

Em virtude disso, foi criado o procedimento sumário, muito mais

simplificado e de cognição sumária ou plena.

Na França, com o advento do absolutismo monárquico, as

conhecidas ordenações régias foram responsáveis por simplificar

enormemente o procedimento processual civil, excluindo as formalidades

herdadas do processo romano-canônico e valorizando a publicidade, oralidade

e, ainda, a ampla dispositividade.

As invasões ocorridas na península ibérica resultaram na influência

exercida pelo Código de Alarico no processo civil e, posteriormente, pelo

Código Visigótico.

No que diz respeito a Portugal, a “Fuero Juzgo”, como também era

conhecido o Código Visigótico, e algumas das Cartas Forais foram substituídas

pelas Ordenações Afonsinas, do Rei Afonso V, em 1446. Tais ordenações

foram revogadas em 1521, pelas Ordenações Manuelinas, do Rei D. Manuel.

As normas seguintes já causaram diretas influências no período colonial

brasileiro, sendo as conhecidas Ordenações Filipinas, do Rei II da Espanha e I

de Portugal.

Houve, desta forma, sobretudo diante das invasões bárbaras, um

predomínio dos meios privados de defesa, visando garantir a execução, o que

gerou e difundiu espécies antecipadas de execução, incidindo sobre a própria

pessoa do devedor e, posteriormente, sobre os seus bens.

Com o passar do tempo e a consolidação da importância da

autoridade do magistrado, este cenário foi sendo modificado, permitindo que os

sistemas germânicos-barbáricos se apropriassem de feições análogas às

presentes no direito romano clássico.

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1.2 - Tutelas de Urgência e o Direito Pátrio

Diante da ausência de um Estado não organizado politicamente, os

conflitos de interesses eram, nos tempos antigos, resolvidos através da força

do próprio indivíduo, configurando aquilo que conhecemos como autotutela,

hoje amparada somente em casos excepcionais.

Como bem demonstram Antonio Carlos Araújo Cintra, Ada Pellegrini

Grinover e Cândido Rangel Dinamarco:

Nas fases primitivas da civilização dos povos, inexistia um Estado suficientemente forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o direito acima da vontade dos particulares: por isso, não só inexistia um órgão estatal que, com soberania e autoridade, garantisse o cumprimento do direito, como ainda não havia sequer as leis (normas gerais e abstratas impostas pelo Estado aos particulares). Assim, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria de, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a satisfação de sua pretensão. [...] A esse regime chama-se autotutela (ou autodefesa) e hoje, encarando-a do ponto de vista da cultura do século XX, é fácil ver como era precária e aleatória, pois não garantia a justiça, mas a vitória do mais forte, mais astuto ou mais ousado sobre o mais fraco ou mais tímido. [...] A autotutela é definida como crime, seja quando praticada pelo particular ("exercício arbitrário das próprias razões", art. 345 CP), seja pelo próprio Estado ("exercício arbitrário ou abuso de poder", art. 350). (2006, p. 21,25).

Ao longo do tempo, a autotutela foi naturalmente sendo substituída

pelo instituto da arbitragem, uma vez que não era capaz de garantir segurança

jurídica ou, sequer, justiça efetiva, tendo em vista se tratar de imposição de

vontade sobre a parte mais fraca.

A arbitragem, diferentemente, surgiu como forma solucionadora de

conflitos, através da eleição de um terceiro imparcial, capaz de originar a

resolução da questão.

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Como consequência de tal transição, houve o surgimento do

chamado estado de direito, trazendo consigo a noção de jurisdição, na qual as

partes devem entregar o poder de resolução da lide ao Estado, que passa a ser

legitimado pela sociedade para que intervenha de forma direta e eficaz nos

conflitos existentes e, desta forma, impeça o uso primitivo de forças, passando

a ser o responsável por monopolizar a interveniência direta na resolução de

lides.

Corroborando tal pensamento, encontramos a análise de Humberto

Theodoro Júnior:

Ao vetar a seus súditos de fazer justiça pelas próprias mãos e a ao assumira jurisdição, o Estado não só se encarregou da tutela jurídica dos direitos subjetivos privados, como se obrigou a presta-la sempre que regularmente invocada, estabelecendo, de tal arte, em favor do interessado, a faculdade de requerer sua intervenção sempre que se julgue lesado em seus direitos. (2005, p. 48).

Com a criação da jurisdição pelo Estado, deu-se causa ao

nascimento do sistema processual, responsável pelo aprimoramento da própria

jurisdição, moldando-a e permitindo a sua maior amplitude.

Como consequência natural da criação processual, procedimentos

diversos foram empregados, visando a sua observância pelas partes com o

objetivo que ambas tenham condições e oportunidades para produção de

provas e teses indispensáveis ao bom desenvolvimento da causa.

O procedimento, desta forma, está inserido no processo, pois, como

bem nos elucida José Frederico Marques, “o procedimento é a marcha dos

atos processuais, coordenados sob formas e ritos, para que o processo

alcance o seu escopo e objetivo”. (2003, p.10).

Visando atender às diferentes demandas e desígnios de cada

provimento, que podem almejar uma cognição, satisfação ou prevenção, o

nosso Código de Processo Civil estabeleceu três espécies de processo, a

saber, o processo de conhecimento, o processo cautelar e o de execução.

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Um dos principais entraves à boa e rápida prestação jurisdicional é a

morosidade, capaz de impedir a eficácia e, muitas vezes, proporcionar

verdadeiras injustiças.

Antonio Cintra, Ada Pellegrini e Cândido Rangel declaram:

Pois tudo toma tempo e o tempo é inimigo da efetividade da função pacificadora. A permanência de situações indefinidas constitui, como já foi dito, fator de angústia e infelicidade pessoal. O ideal seria a pronta solução dos conflitos, tão logo apresentados ao juiz. Mas como isso não é possível, eis aí a demora na solução dos conflitos como causa de enfraquecimento do sistema. Ao lado da duração do processo (que compromete tanto o penal como o civil ou trabalhista), o seu custo constitui outro óbice à plenitude do cumprimento da função pacificadora através dele. O processo civil tem-se mostrado um instrumento caro, seja pela necessidade de antecipar custas ao Estado (os preparos), seja pelos honorários advocatícios, seja pelo custo às vezes bastante elevado das perícias. Tudo isso, como é perceptível à primeira vista, concorre para estreitar o canal de acesso à justiça através do processo.” (2006, p. 26).

Diante de tão sério problema, responsável muitas vezes por inutilizar

toda uma máquina procedimental, foi necessária a inserção do instituto da

Tutela Antecipada, que se deu com a leve reforma sofrida pelo Código de

Processo Civil, através da Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994.

Referido instituto introduzido no sistema com o escopo de

estabelecer uma relação de equilíbrio entre os litigantes, uma vez que o tempo

corre de forma muita mais intensa e prejudicial para o autor. Visou-se, desta

forma, impedir o perecimento de um direito pelo exagerado decurso de tempo e

evitar que o resultado final fosse, por tal razão, muitas vezes ineficaz.

Humberto Theodoro demonstra a importância da introdução deste

instituto em nosso ordenamento:

Foi, pois, em nome da garantia do pleno e eficaz acesso à tutela jurisdicional, que, entre nós, a Lei nº 8.952, de 13.12.1994, alterou a redação dos arts. 273 e 461 do CPC,

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onde se tornou realidade o poder geral do juiz de “a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação” e “haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”; ou “fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu” (Art. 273, caput, e incisos I e II). (2005, p. 600-601).

Em virtude disso, o instituto da Tutela Antecipada pode ser

classificado dentro de nosso Direito Processual Civil, juntamente com as

Medidas Cautelares, como as chamadas Tutelas de Urgência.

As Tutelas de Urgência buscam resguardar bens da vida,

embasados pelas normas de direito material, que seriam demasiadamente

prejudicados pelo lento desenvolvimento processual.

Sem as referidas tutelas, não é incomum que, ao aguardar a

finalização da questão discutida, o bem em disputa perece ou, ainda, a pessoa

deixa de ter condições mínimas para se beneficiar do resultado. Em outras

situações, o direito material, em si, que não permite espera, necessitando de

sua fruição imediata, sem a qual haverá total ineficácia do provimento final.

Assim, para atender a tal demanda, as tutelas de urgência são

essenciais, subdividindo-se, como já demonstrado, em tutela cautelar,

responsável por preservar a eficiência e utilidade do provimento final, e, ainda,

antecipação de tutela, que através de medidas incidentais ou liminares autoriza

à parte usufruir o direito subjetivo almejado, ainda que provisoriamente.

1.3 - A fungibilidade das Tutelas de Urgência

A permissão para utilização da fungibilidade entre tutelas cautelares

e antecipatórias, expressamente prevista no artigo 273, §7, do Código de

Processo Civil, veio corroborar entendimento já defendido anteriormente, que

não restringia tal aplicação somente aos casos constantes da Teoria Geral dos

Recursos.

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Diante disso, uma vez requerida pelo autor, uma providência

cautelar, a título de antecipação de tutela, não haveria óbice para que esta

fosse concedida no processo ajuizado, em caráter incidental. Assim, mesmo

que não preenchidas todas as condições elencadas em lei, o juiz deve analisar

a existência de ‘fumus boni iuris’ e ‘periculum in mora’ - da plausibilidade da

alegação e do risco de, se não tomada qualquer medida, se acarretar total ou

parcial ineficácia do instrumento processual -, concedendo a referida medida

em caráter inominado.

Corroborando tal entendimento, os dizeres de Luiz Rodrigues

Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier:

Parece que esta tendência genérica que diz respeito à fungibilidade de medidas que têm a urgência como pressuposto, sob risco de ineficácia da prestação jurisdicional, fica conformada pelo art. 273, §7º, que permite expressamente a fungibilidade entre medida cautelar e medida antecipatória de tutela. (2006, p. 58 e 66)

A relevância da devida aplicação da fungibilidade encontra respaldo

na própria composição das tutelas de urgência, que se revestem de

propriedades e finalidades semelhantes. Ambas têm como elemento

impulsionador o fator ‘urgência’, pois uma vez que a tutela antecipada busca a

realização antecipada de um direito material em decorrência de sua visível

plausibilidade – através da apresentação de provas inequívocas –, a tutela

cautelar tem em seu bojo o intuito de garantir a efetividade do provimento

principal, não importando ser ele um processo de execução ou conhecimento,

exigindo a apresentação dos requisitos da plausibilidade – ‘fumus boni iuris’ – e

do perigo na demora – ‘periculum in mora’.

As peculiaridades de cada um dos institutos e suas diferentes

naturezas jurídicas não bastam para colocá-los em patamares distintos, pois

são instrumentos capazes de oferecer uma maior rapidez e efetividade no

alcance da tutela jurisdicional.

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As declarações de Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia

de Almeida e Eduardo Talamini ressaltam a relevância de tais instrumentos e

de sua fungibilidade:

O importante é ter consciência dos pontos comuns entre a tutela cautelar e a tutela antecipada. Ambas podem ser inseridas em uma categoria geral das “tutelas de urgência”. Essa constatação tem decorrências muito importantes. A primeira é a de que se aplicam à tutela antecipada as normas sobre a tutela cautelar – e vice-versa -, relativamente a todos os pontos em que as características de uma e de outra são as mesmas. Por exemplo, a regra da responsabilidade objetiva do requerente da medida cautelar (art. 811) aplica-se à tutela antecipada. Já a regra que prevê que a mediada cautelar perde a eficácia se a ação principal não for proposta em trinta dias (art. 806 e 808, I) não é obviamente, aplicável à tutela antecipada dos arts. 273 e 461, §3º, uma vez que essa, no regime vigente não opera através de processo preparatório. A segunda conseqüência é o reconhecimento de certo grau de fungibilidade entre a tutela cautelar e a tutela antecipada. Muitas medidas encontram-se em uma “zona cinzenta”, entre o terreno inequivocamente destinado à tutela conservativa e aquele outro atribuído à antecipação. Estabelece-se, em virtude disso, verdadeira “dúvida objetiva” – semelhante à que autoriza, no campo dos recursos, a aplicação do princípio da fungibilidade. Assim, em casos urgentes, o juiz não pode deixar de conceder a medida simplesmente por reputar que ela não foi requerida pela via que considera cabível. Nessa hipótese, se presentes os requisitos o juiz tem o dever de conceder a tutela urgente pretendida e, se for o caso, mandar a parte posteriormente adaptar ou corrigir a medida proposta. (2006, p. 39-40)

Com a consagração do artigo 273, §7º, do Código de Processo Civil,

reconheceu-se a necessidade de mitigação do formalismo extremista, de forma

a valorizar os anseios por uma maior efetividade processual, que muitas vezes

via-se impossibilitada por questões meramente técnicas, que não levavam em

conta o caráter de urgência de determinadas questões e permitiam o

perecimento do direito, rompendo com valores constitucionalmente protegidos

em prol de uma técnica formalista.

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A respeito disso, Humberto Theodoro Júnior destaca:

[...] a pretensão de separar, em campos diversos e bem delineados, as medidas cautelares (conservativas) e as medidas antecipatórias (satisfativas) foi tarefa ambiciosa que apenas o direito brasileiro intentou levar a diante. No direito europeu – onde primeiro se sentiu e exaltou a necessidade de incluir nos poderes do órgão judicial o de, em caso de urgência, permitir não só a conservação dos bens e interesses litigiosos, mas também a satisfação provisória da pretensão cuja busca se apresenta como objeto da tutela de mérito – o que se fez foi simplesmente alargar o conteúdo do poder geral de cautela. Foi, então, por meio da própria tutela cautelar que se chegou aos casos excepcionais de medida de antecipação da satisfação do direito subjetivo do litigante. Alertamos, diante desse quadro histórico-cultural, para o risco de prevalecer, nos tribunais, o excesso de tecnicismo na separação das duas modalidades de prevenção em compartimentos estanques e inflexíveis, que, a pretexto de rigor doutrinário, poderia acabar por negar a tutela de emergência à parte, no momento em que se fazia mais premente e inadiável. (2005, 341-342)

Diante do exposto, torna-se claro a solidez do entendimento

apresentado, uma vez que o foco principal não é a análise fria da forma eleita

para pleitear o pedido, mas sim a urgência requerida pela tutela pretendida,

mesmo porque, não raras vezes, não há condições seguras e pacíficas para

identificação da natureza jurídica do pedido.

Ao perceber que a parte pleiteia providência satisfativa de forma

autônoma, ou o inverso, o juiz deve analisar a questão sob a ótica da proteção

à efetividade processual, não pondo óbices à tutela do direito em decorrência

de inadequação procedimental. Não fosse isso, casos em que a medida tem

natureza extremamente duvidosa beirariam a impossibilidade de solução,

motivo pelo qual deve haver enorme razoabilidade na distinção dos institutos,

sob a pena de ver-se anulada sua finalidade maior.

Guilherme Marinoni comenta acerca da dificuldade nesta questão:

Após a alteração do CPC ocorrida no final de 1994, com a instituição do novo art. 273, verificou-se na prática forense certa dificuldade em precisar a natureza da tutela de cognição

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sumária contra o periculum in mora, especialmente daquela que pode ser concedida nas ações declaratória e (des)constitutiva. Isto pela razão de que não é tão simples reconhecer a tutela antecipatória nestas ações. Nestes casos há uma 'zona de penumbra' que pode embaralhar os operadores do direito menos familiarizados com discussões teóricas de maior profundidade [...] Este novo dispositivo [...] tem por objetivo permitir que o juiz conceda a necessária tutela urgente no processo de conhecimento, e assim releve o requerimento realizado, quando for nebulosa a natureza da tutela postulada, vale dizer, quando for fundado e razoável o equívoco do requerente. O novo § 7º do art. 273 adota o chamado 'princípio da fungibilidade', muito ligado à questão dos recursos. Esse parágrafo, ao aceitar a possibilidade de confusão entre as tutelas cautelar e antecipatória, frisa a diferença entre ambas. Isto por uma razão de lógica básica: somente coisas distintas podem ser confundidas. (2004, p. 269-270).

Importante ressaltar a via de mão dupla existente na fungibilidade

das tutelas. Tanto a medida cautelar pode ser concedida frente a um pedido de

antecipação de tutela, quanto este pode ser convertido em cautelar, desde que

o magistrado compreenda a razoabilidade de tal feito e constate a existência

dos pressupostos básicos.

Desta forma, caso a parte requeira medida antecipatória ou

satisfativa no bojo de processo cautelar, uma vez compreendida pelo

magistrado a presença dos requisitos exigidos, este deverá conceder a medida

pleiteada e determinar a conversão do procedimento para o rito comum; deverá

avaliar, ainda, a necessidade de adaptações na petição inicial, para que seja

intimada a parte autora antes da citação do réu. Tal providência pode ser

adotada com fulcro no artigo 295, V, do Código de Processo Civil, uma vez que

demonstra a correta utilização do princípio da instrumentalidade das formas,

não devendo ser o feito extinto. Assim, haverá uma adaptação procedimental,

aplicando-se a fungibilidade de forma adequada.

Na hipótese de requerida uma medida antecipatória pelo

procedimento cautelar, equivocadamente, o juiz poderá corrigir a questão. No

entanto, não é necessária conversão no caso oposto.

Uma vez que as condições exigidas para concessão de tutela

antecipada são bem mais rígidas que as requeridas para a cautelar, é

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necessário frisar que a conversão deve observar tais critérios. Não é

compreensível o não deferimento da tutela antecipada em razão da confusão

com a cautelar ou pela não inclusão direta da mesma no mérito da causa. Em

casos de manifesto risco de dano grave e de difícil reparação, capaz de afetar

a qualidade e efetividade da prestação jurisdicional, indispensável se faz a

admissão de providências preventivas, que devem ser tratadas como

cautelares.

Vale salientar que os requisitos exigidos para o deferimento de tutela

antecipada são mais abrangentes que o da cautelar, o que permite,

perfeitamente, o acima referido, sendo intolerável, somente, o caminho

contrário, ou seja, permitir que tutelas antecipatórias sejam aceitas como

cautelares sem a observância dos pressupostos exigidos para antecipação de

tutela para satisfação do direito demandado.

Um importante quadro de hipóteses e medidas nos é fornecido por

Humberto Theodoro Júnior:

a) requerida a medida cautelar sob o rótulo de medida antecipatória, e satisfeitos os requisitos de prova preconstituída e demais exigências do art. 273 e §§, o juiz deferirá, de imediato, como incidente do processo principal, da mesma maneira com que atua frente ao pedido de tutela antecipada; b) se não houver urgência que torne inadiável ou se faltar algum requisito dos elencados pelo art. 273 e §§, o juiz não indeferirá o pedido cautelar disfarçado em providência antecipatória; determinará seu processamento apartado, dentro dos padrões procedimentais da ação cautelar; c) será objeto de autuação à parte, também, a medida cautelar que se requerer incidentalmente no processo principal, em estágio em que não mais será viável formar-se o contraditório próprio das ações cautelares, a não ser fora daquele feito; d) de maneira alguma, porém, poderá o juiz indeferir a medida cautelar sob o simples pretexto de que a parte pleiteou erroneamente como se fosse antecipação de tutela; seu dever sempre será o de processar os pedidos de tutela de urgência e de afastar as situações perigosas seja qual for o rótulo e o caminho processual eleito pela parte. O que lhe cabe é verificar se há um risco de dano grave ou de difícil reparação. Havendo tal perigo, não importa se o caso é de tutela cautelar ou de tutela antecipada: o afastamento da situação comprometedora da eficácia da prestação jurisdicional terá de acontecer. (2005, p. 343)

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A Jurisprudência tem confirmado tal entendimento:

0015924-03.2010.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO DES. MILTON FERNANDES DE SOUZA - Julgamento: 13/07/2010 – QUINTA CAMARA CIVEL TUTELA ANTECIPADA IMINENCIA DE DANO IRREPARAVEL CONCESSAO DA MEDIDA PRINCIPIO DA FUNGIBILIDADE TUTELA DE URGÊNCIA. FUNGIBILIDADE. POSSIBILIDADE. 1- Possível a concessão de liminar em hipótese que comportaria antecipação dos efeitos da tutela diante do princípio da fungibilidade incidente nas tutelas de urgência. 2- No entanto, a concessão da tutela de urgência reclama a presença dos requisitos específicos daquela apropriada. 3- Nesse contexto, para obtenção da tutela antecipada subordina-se à produção de prova capaz de conduzir à verossimilhança - aparência da verdade - das alegações da parte, à reversibilidade da medida e, dentre outros requisitos alternativos, ao fundado receio do advento de dano de difícil reparação. Se os elementos trazidos aos autos não indicam, ainda que em análise primária, séria divergência sobre a informação colhida em exame social, caracteriza-se a presença dos requisitos que ensejam o indeferimento parcial da antecipação da tutela para obtenção tão somente da reserva de vaga. (Agravo de Instrumento, 2010).

Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.011.061 - BA (2007/0255575-3) PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - TUTELAS DE URGÊNCIA - FUNGIBILIDADE - INTELIGÊNCIA DO ART. 273, § 7º, CPC - MEDIDA CAUTELAR PREPARATÓRIA - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA COMO MEIO ADEQUADO - INTERESSE DE AGIR - RECONHECIMENTO. 1. O art. 273, § 7º, do CPC, abarca o princípio da fungibilidade entre as medidas cautelares e as antecipatórias da tutela e reconhece o interesse processual para se postular providência de caráter cautelar, a título de antecipação de tutela. Precedentes do STJ. 2. Recurso especial conhecido e provido para que, superada a extinção do processo por ausência de interesse processual, a Corte de origem prossiga no julgamento dos recursos oficial e voluntário. (Recurso Especial, 2009)

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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.150.334 - MG (2009/0142390-3) RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA - PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - CARÁTER SATISFATIVO - TUTELAS DE URGÊNCIA - FUNGIBILIDADE - POSSIBILIDADE - ART. 273, PAR. 7º, DO CPC - INTERESSE DE AGIR - EXISTÊNCIA, IN CASU - I - Nos termos do art. 273, § 7º, do CPC, admite-se a fungibilidade entre as medidas cautelares e as antecipatórias da tutela, sendo possível, portanto, o recebimento do pedido cautelar como antecipação da tutela; II - O entendimento do Tribunal de origem, no sentido de que carece interesse de agir a parte que apresenta medida cautelar com pedido de antecipação de tutela, não se coaduna com a jurisprudência do STJ sobre a matéria; III - Recurso especial provido. (Recurso Especial, 2010).

Diante de todo o exposto, torna-se inquestionável a importância da

correta aplicação da fungibilidade nas tutelas de urgência, garantindo que o

interesse social na devida prestação jurisdicional e na proteção dos direitos

constitucionalmente garantidos possa alcançar sua efetividade, mesmo que,

para isso, tenha que se abrir mão do formalismo extremado e valorize-se a real

necessidade de oferecimento de uma tutela digna e célere aos direitos

pleiteados.

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2 - O SISTEMA PROCESSUAL CIVIL VIGENTE

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, trouxe

consigo a instituição da tutela de ameaça, não constante na ordem jurídica

anterior, que consagrou o princípio da inafastabilidade da prestação

jurisdicional. Com isso, determinou-se a constitucionalização da tutela

preventiva, da tutela de urgência e contra o perigo, tornando cada vez mais

legítima a concessão de provimentos cautelares e antecipatórios.

As tutelas preventiva e reparatória passaram a ser nitidamente

prescritas pela Constituição Federal, demonstrando o percurso de

desenvolvimento pelo qual passa a ordem jurídica brasileira.

Tal implementação se deu em virtude da manifesta necessidade de

atendimento digno e eficaz às situações de urgência, resultando na

propagação de medidas capazes de atender a direitos em delicado estado de

vulnerabilidade, necessitados de tutela efetiva.

2.1 - Aspectos Relevantes

Anteriormente à promulgação da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1998, já havia certas normas que possibilitavam a

satisfação do bem de vida perseguido, em sede liminar, em alguns trâmites

especiais.

Havia, por exemplo, proteção possessória em caráter satisfativo, no

período inicial do desenrolar processual, conforme se verifica no artigo 928, do

Código de Processo Civil. Na Lei 1.533, de 1951, o processo de segurança era

regulamentado e previa a possibilidade de concessão, em caráter liminar da

ordem.

O artigo 796 e seguintes, do Código de Processo Civil, também já

denotavam semelhante importância, assegurando a efetividade do resultado

objetivo do processo.

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Desta forma, antes mesmo da Carta Magna atual, se pode destacar

a busca pela maior efetividade processual através da instituição de

instrumentos de urgência.

As tutelas cautelares, previstas no artigo 796 e seguintes do CPC,

intentando resguardar a integridade processual, garantindo resultado prático e

efetivo, não tendo cunho satisfativo.

As tutelas antecipadas, por sua vez, apesar de apenas tacitamente

previstas à época, eram alcançadas através de liminares em procedimentos

especiais, que permitiam satisfação, permitindo-se o alcance do bem de vida

tutelado.

Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de

1988, uma série de valores de suma importância foram introduzidos no

ordenamento pátrio, com destaque para o artigo 5º, LXXVIII, da CRFB, que

garantiu a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade

de sua tramitação.

Com a Lei 8.952/94, foi instituída a tutela antecipada, já podendo o

magistrado antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida,

sendo também introduzida tal medida para casos de ações que tivessem por

objeto a entrega de coisa, conforme o artigo 461 – A, do Código de Processo

Civil.

2.2 - Requisitos das Tutelas de Urgência

As medidas de urgência, como já se sabe, têm caráter satisfativo,

nos casos de tutela antecipada e, em se tratando de cautelares, busca

assegurar o resultado prático do processo.

As tutelas de urgência, por possuírem objetivos e alcances distintos,

exigem também diferentes requisitos para que sejam concedidas.

Tendo em vista o maior amplo de alcance encontrado nas tutelas

antecipadas, há a necessidade de existência de prova inequívoca e

verossimilhança da alegação, como bem se verifica no artigo 273, do Código

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de Processo Civil. Deve haver um grau de probabilidade muito grande de o

pretendente, de fato, sair-se vitorioso em seu pleito, pois a alegação possui

forte cunho de certeza e verdade.

A jurisprudência confirma tal exigência:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA Décima Oitava Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 0066809-84.2011.8.19.0000 AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. AQUISIÇÃO DE BEM MÓVEL. ENTREGA NÃO EFETUADA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. INDEFERIMENTO. VEROSSIMILHANÇA. AUSÊNCIA. Decisão que indeferiu antecipação de tutela, que foi pleiteada para fins de obrigar a empresa agravada a entregar produto adquirido pelo agravante em uma de suas filiais. O deferimento ou indeferimento de tutela antecipada está no âmbito do convencimento do juiz, que, entretanto, deve observar a existência dos requisitos legais. Hipótese em que se evidencia necessidade de dilação probatória, com, pelo menos, formação do contraditório a fim de se concluir por ter ocorrido responsabilidade da empresa recorrida pelo evento danoso. Há de se considerar, por exemplo, que a agravada pode não ter entregue o produto por motivo alheio à sua vontade a eximir-lhe de responsabilidade. Decisão em consonância com a Súmula nº 59 desta Corte, não se revelando teratológica, contrária à lei ou à evidente prova dos autos. Recurso a que se nega seguimento na forma do artigo 557, caput do Código de Processo Civil. (Agravo de Instrumento, 2012).

A cautelar, por sua vez, é mais branda em seus requisitos, sendo

indispensável somente a existência de relevante fundamentação do pedido e o

perigo da ocorrência de dano.

Os requisitos necessários são claramente observados no julgado a

seguir:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL

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Agravo de Instrumento nº 0029716-87.2011.8.19.0000 1. Interposição de recurso contra decisão singular que, nos autos de medica cautelar de arresto, indeferiu a liminar postulada. 2. Presença dos requisitos autorizadores da liminar, entendidos como a verossimilhança das alegações do demandante acerca do seu direito de crédito e o risco de dano à tutela ressarcitória. 3. Acervo probatório inicialmente colhido, consubstanciado em comprovante de entregas de mercadorias, documento auxiliar de nota fiscal eletrônica e protesto de duplicatas mercantis, que demonstram o direito à tutela ressarcitória do recorrente. 4. Probabilidade de dano ao crédito do agravante demonstrado pela existência de pendências financeiras, protestos e cheques devolvidos em face do demandado devedor, cujo somatório alcança valores de alta monta e se revela incompatível com o capital social da empresa. 5. Decisão reformada. 6. Recurso provido, nos termos do art. 557, §1º-A, do CPC. (Agravo de Instrumento, 2011).

Tal distinção na exigência de requisitos mínimos para cada tipo de

tutela justifica-se pelo fato de que a tutela antecipada não se restringe a manter

situações para assegurar a efetividade do provimento final, mas vai muito além,

sendo responsável por antecipar o próprio resultado.

A decisão abaixo ajuda a visualizar tal situação:

0045377-09.2011.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO DES. MARCO AURELIO BEZERRA DE MELO - Julgamento: 31/01/2012 - DECIMA SEXTA CAMARA CIVEL

De instrumento que deu provimento ao recurso do réu, na forma do artigo 557, § 1º-a, do cpc, para reconhecer a incompetência absoluta do juízo da 7ª vara de fazenda pública, determinando-se a remessa dos autos a um dos juizados especiais da fazenda pública e concedo de ofício medida cautelar para manter os efeitos da decisão agravada até a sua reapreciação pelo juízo competente.

Ação de obrigação de fazer. Inconformismo com a decisão que defere parcialmente o pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional pretendida para determinar que o réu permita a participação do autor nas demais etapas do certame e, caso o mesmo seja aprovado, garanta a sua vaga até o julgamento final da presente ação. Recurso do réu alegando

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apenas a incompetência absoluta do juízo prolator da decisão agravada, o que acarretaria a nulidade da decisão. O artigo 2º § 4º da lei 12.153/09 determina que é absoluta a competência dos juizados especiais da fazenda pública para processar, conciliar e julgar as causas cujo valor seja inferior a 60 (sessenta) salários mínimos. Registre-se que os referidos juizados foram criados na justiça do estado do rio de janeiro pela lei nº 5.781, de 01 de julho de 2010.

A demanda não se encontra entre as matérias excluídas da competência dos juizados especiais da fazenda pública previstas no artigo 2º § 1º da lei 12.153/09, eis que versa sobre concurso público, tendo sido atribuído o valor da causa em r$ 1.000,00. Assim, o juízo da 7ª vara de fazenda pública da comarca da capital é incompetente para o processamento e julgamento da demanda. A decisão agravada, em decorrência do poder geral de cautela, deve ser mantida até a reapreciação pelo juízo competente, eis que o objeto desse processo está diretamente relacionado à passagem do tempo, pois se trata de concurso público em andamento.

Assim, a manutenção dos efeitos da medida liminar de antecipação de tutela é essencial para que o resultado do processo possa ser útil, evitando exatamente a perda superveniente do objeto do mérito.

Deste modo, tendo em vista os riscos existentes para o processo e que este continue em curso, pois o reconhecimento da incompetência leva ao declínio e não a extinção, reconheço presente o requisito cautelar do periculum in mora. Não demonstrado o desacerto da decisão impugnada, não há como prosperar a irresignação, tanto mais quando nada de novo é trazido que justifique sua reforma. Matéria expressamente analisada no decisum impugnado. Decisão que se mantém. Improvimento do recurso. (Agravo de Instrumento, 2012).

A tutela antecipada é satisfativa e atributiva, antecipando de forma

provisória a satisfação de uma pretensão - seja ela de caráter cognitivo ou

executivo -, atribuindo o bem da vida.

A cautelar é sempre conservativa, não satisfativa, pois sua função é

garantir a satisfação futura de uma pretensão cognitiva ou executiva,

conservando bem de vida, ainda que possa ser tutelado antecipadamente.

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Como bem evidencia José Roberto dos Santos Bedaque1:

(d) Distinguem-se, todavia, pelo caráter satisfativo de uma, inexistente na outra. As medidas cautelares exerceriam em nosso sistema apenas a função de assegurar a utilidade do pronunciamento futuro, mas não antecipar seus efeitos materiais, ou seja, aqueles pretendidos pela parte no plano substancial. A diferença fundamental entre ambas residiria, pois, nesse aspecto provisoriamente satisfativo do próprio direito material cuja tutela é pleiteada de forma definitiva, ausente na cautelar e inerente na antecipação. (2009, p.27).

Ocorre que, como já exposto, a dualidade existente, demonstrando

os aspectos de procedimentos e requisitos similares, porém com

especificidades próprias, não pode servir de impedimento à boa e eficaz

prestação jurisdicional, razão pela qual o instituto da fungibilidade tem

essencial importância.

A inadequação formal não pode ser óbice à devida proteção do bem

tutelado ou da eficácia processual, devendo haver aproveitamento do

requerimento errôneo quando respeitados os requisitos da tutela que de fato se

pleiteia, ainda que sob formalidades equivocadas, para que haja efetividade

real.

Neste sentido, o artigo 273, §7º, do CPC (Lei 5.869/73), define que

“se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza

cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir

a medida cautelar em caráter incidental ao processo ajuizado”.

Permitindo o deferimento da cautelar, em caráter incidental, no bojo

do processo principal, surgiu a possibilidade de maior desburocratização

processual, que só reforça a corrente pró-efetividade.

1 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas

sumárias e de urgências (tentativa de sistematização). 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.

27).

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Luiz Rodrigues Wambier comenta:

(d) Assim, em casos urgentes, o juiz não pode deixar de conceder a medida simplesmente por reputar que ela não foi requerida pela via que considera cabível. Nessa hipótese, se presentes os requisitos, o juiz tem o dever de conceder a tutela urgente pretendida e, se for o caso, mandar a parte posteriormente adaptar ou corrigir a medida proposta. O texto do artigo 273 do parágrafo 7º, deixa clara a antes mencionada fungibilidade entre tutela antecipada e tutela cautelar. Diversamente do que pode parecer com uma leitura rápida, a providência de natureza cautelar pode ser postulada ainda que não tenha expressado pleito de antecipação de tutela. Pode ocorrer de o autor não ter pedido antecipação de tutela (até mesmo por eventualmente não lhe interessar tal antecipação), mas ter pedido providência de natureza diversa do provimento final almejado, com os requisitos suficientes para a concessão de medida cautelar. Nessa hipótese, a norma autoriza o pedido (cautelar) em processo de conhecimento. Por outro lado, e embora a regra não o diga expressamente, as razões antes expostas evidenciam que fungibilidade também haverá de ser reconhecida no sentido oposto – ou seja, poderá haver deferimento de tutela antecipada requerida sob a forma de “medida cautelar”. (Wambier, 2006, p.37).

Diante disso, verifica-se que as tutelas de urgência, no sistema

atual, possuem certas especificidades, devendo, no entanto, ser admitido o

pleito da parte independentemente da nomenclatura adotada.

O procedimento seguido é igualmente de menor importância, sendo

fator de indispensável importância o preenchimento de todos os requisitos

legais necessários à obtenção da proteção judicial.

2.3 - A Tutela de Evidência no Sistema Jurídico Atual

A Tutela de Evidência, apesar de não prevista taxativamente em

nossa Carta Magna, apresenta-se como garantia fundamental,

consubstanciando-se através dos institutos diversos de proteção jurídico-

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processual, protegendo direitos líquidos e certos e, ainda, assegurando o pleno

acesso à Justiça.

A tutela de evidência é possível quando nos deparamos com uma

verdade nitidamente manifestada, uma certeza palpável, que reflete liquidez e

certeza.

A comprovação deve ser feita através de provas que não permitam

qualquer espécie de contestação razoável, as provas devem ser

incontroversas. Por óbvio que não se pode exigir uma certeza absoluta, mas

esta deve ser extremamente provável, de uma verossimilhança ímpar.

Tal evidência deve ser demonstrada através de meios documentais,

de fatos de notório conhecimento, incontestes, já confessados judicialmente,

produzidos ‘a priori’ ou, ainda, resultantes de prescrição ou decadência.

A tutela de evidência está intrinsecamente ligada à garantia de

celeridade processual, assegurando a aplicação de princípios constitucionais

fundamentais, aliando a celeridade à norma constitucional que determina que

nenhuma lesão será privada de apreciação judicial.

Considera-se que o decurso de tempo sem que haja qualquer

movimentação jurídica visando garantir um direito evidente constitui-se, por si

só, em uma lesão. Diante disso, é necessária uma celeridade efetiva para que

seja reduzido o número de casos não devidamente tutelados, que culminam

em verdadeiras injustiças.

Fredie Didier Júnior esclarece:

(...) quando a diferenciação do procedimento se dá pela apresentação processual do direito, temos a proteção daquilo que foi muito bem denominado de tutela da evidência ou tutela do direito evidente: tutela-se energicamente o direito em razão da evidência (aparência) com que se mostra nos autos. Não releva, a princípio, a natureza do direito material posto em litígio. Privilegia-se, sem dúvida, a comprovação do direito alegado: direito líquido e certo (provado documentalmente, conforme conceituação atual; a liquidez e certeza indicam como o direito é apresentado em juízo, ou seja, se é ou não passível de comprovação de plano; Sérgio Ferraz, Celso Barbi, em suas monografias clássicas sobre o tema, bem como o recente artigo do Ministro Adhemar Ferreira Maciel) e prova escrita, em se tratando de ação monitória. A antecipação

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genérica da tutela, fundada em prova inequívoca —que não precisa ser, necessariamente, documental—, agora permite a tutela de qualquer, repita-se, qualquer direito evidente. Estamos diante do mais alto grau de abstração na previsão normativa de um provimento de urgência. Alterou-se o procedimento comum para adequá-lo aos direitos evidentes. (2007, p.257).

A evidência de um direito traz consigo uma mistura de atributos

materiais e processuais, que se projetam através de um direito não passível de

contestação.

O titular do direito poderá, conforme as circunstâncias apresentadas,

obter tutela antecipada em caráter liminar ou, posteriormente, uma vez

manifestada sua defesa, sendo possível também a ocorrência em sentença ou,

ainda, na fase recursal.

A utilização de tal instituto poderá acarretar mudanças significativas,

tanto qualitativa quanto quantitativamente nos resultados de julgados presentes

em nosso sistema processual civil, não podendo ser relegado a segundo plano,

uma vez que abre um leque amplíssimo de possibilidades capazes de trazer

efetividade ao processo.

A importância das questões ligadas à institucionalização da tutela de

evidência já pode ser percebida nos dizeres do Ministro Sálvio Teixeira, em

decisão proferida em 1998:

Processual civil. Morosidade da justiça. Má utilização do Processo. Advogado. Intimação. Mais de um procurador. Constituição Em conjunto. Desnecessidade de intimação de todos. Recurso. Interesse. Recurso não-conhecido. I - em uma epoca na qual, como bem adverte a doutrina (por todos, Confira-se "luiz fux", em sua defesa de tese sobre a "tutela de Evidencia"), a aspiração social e a da "justiça urgente", estando Os tribunais superiores com uma carga descomunal e crescente de Serviço, a exigir mudanças profundas e rapidas no sistema Recursal, e incompreensivel que uma das partes, mesmo com razão Na tese, bastante conhecida alias, ocupe a instancia especial Para manifestar seu inconformismo contra o deferimento de juntada De contra-razões.

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Ii - não havendo qualquer necessidade ou utilidade no provimento Do recurso especial, dele não se conhece, por ausencia de interesse. Iii - havendo mais de um advogado constituido em conjunto, Desnecessaria a intimação de todos eles, sendo suficiente constar O nome de um deles na publicação. Acórdão - Por unanimidade, não conhecer do recurso. (Resp, 1998).

O intuito maior da lei é demonstrar o grau de evidência do direito

autoral de tal forma que a defesa do réu, nessas hipóteses, seja considerada

protelatória e abusiva, que objetiva somente postergar a realização do

interesse tutelado pelo autor. Neste caso, tendo em vista a necessidade de

apreciação da defesa do réu para que haja valoração, a tutela não poderá ser

antecipada por via cautelar, mas sim no curso do próprio processo.

Reconhecido o caráter protelatório da defesa do réu, por clara insubsistência,

configurar-se-á a antecipação dos efeitos da sentença diante da evidência do

direito pleiteado, não havendo necessidade de submissão a um longo e

desgastante processo antes de se configurar protegido o direito pretendido.

Sustenta-se que a tutela de evidência antecipa o resultado

pretendido em extensão muito além da alcançada pela tutela antecipada

tipificada no artigo 273, do Código de Processo Civil, pois seu direito material

pode ser reconhecido desde o início, em julgamento antecipado que não pode

ser modificado por intervenção contestatória daquele a quem se destinam os

efeitos, por consequência do caráter evidente do direito.

Importante ressaltar que, tão logo se perceba o descumprimento de

direito objetivo, a constituição assegura proteção judicial, que será posta em

prática em concordância com o grau de evidência ou dubitabilidade da lesão.

Desta forma, se iniciada a demanda já há a possibilidade de perceber que

nenhuma defesa minimamente verídica pode ser contraposta à certeza e

liquidez do direito pleiteado, a tutela passa a ser legítima de imediato, sendo

um imperativo lógico-constitucional. Neste caso, a liminar será deferida após

exauriente cognição, pois decorrente da evidência apresentada, diferindo-se

dos juízos de aparência praticados nas tutelas cautelares que, sumariamente,

avaliam a existência da chamada fumaça do bom direito, a “fumus boni juris”.

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A evidência de um direito encontra respaldo, ainda, no artigo 273,

§6º, do Código de Processo Civil, que permite a antecipação de um ou mais

pedidos cumulados, ou, ainda, de parcela destes, quando forem tidos como

incontroversos. Tal dispositivo demonstra um elevado grau de lógica e justiça,

uma vez que seria extremamente incoerente exigir que o autor aguardasse a

concretização de um direito absolutamente evidente e incontroverso. Assim, a

tutela antecipatória de evidência é o instrumento apto a permitir que o

procedimento comum esteja de acordo com a Constituição, sendo tempestivo e

eficaz, evitando a espera desnecessária e injusta por um direito evidente.

Frente o exposto, é seguro afirmar que a tutela de segurança

aplicada em nosso sistema processual tem o condão de acelerar e eliminar

uma série de processos que deveriam ser julgados prontamente diante da

verificação da existência de direito líquido e certo, através de pedido

incontroverso.

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3 - O PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

A tramitação do projeto de Lei do Senado n.º 166, de 2010, ou seja,

do Novo Código de Processo Civil brasileiro, traz à baila a importância de

alterações na estrutura processual atual e insta-nos a analisar suas

consequências práticas.

No que diz respeito às Medidas de Urgência, o projeto propõe que

as mesmas sejam subdivididas em ‘tutela de urgência’ e ‘tutela de evidência’,

com o ajuizamento nos mesmos autos do processo principal. Em relação ao

processo cautelar, a proposta é que o mesmo seja suprimido, uma vez que o

direito pleiteado encontra proteção nas medidas de caráter acautelatório

urgente.

3.1 - As Tutelas de Urgência sob a ótica do Projeto do Novo CPC

No que tange às medidas de urgência, algumas alterações estão

previstas com o objetivo de proporcionar celeridade e maior efetividade.

Conforme a comissão de juristas presidida pelo Ministro do Superior

Tribunal de Justiça, Luiz Fux, os trabalhos da comissão buscam conferir maior

agilidade às prestações da justiça e, em virtude desse ideário maior, foram

criados novos institutos e abolidos aqueles tidos como ineficientes, que não

cumpriam seu papel de forma plena.

Desta forma, houve criação, abolição ou, somente, a alteração de

alguns institutos, com o escopo de gerar maior efetividade processual.

O Projeto optou por unir em um só capítulo as questões

concernentes à Tutela Antecipada e Medidas Cautelares, nomeando-as de

Tutelas de Urgência. Excluiu, ainda, o livro direcionado ao processo cautelar.

Uma novidade de destaque é a que diz respeito ao requerimento da

tutela de urgência, que poderá ser feito através de indicação da lide, de seu

fundamento e, ainda, de sumária exposição do direito ameaçado. O requerido

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será citado para apresentar contestação em até cinco dias, o que, não

ocorrendo, fará com que sejam presumidos verdadeiros os fatos alegados e

permitirá a decisão do juiz em até cinco dias, podendo ser concedida ou não a

tutela de urgência.

Caso a contestação seja apresentada, será designada audiência de

instrução e julgamento, após a qual o juiz deferir a tutela de urgência.

Poderá haver requerimento de qualquer das medidas de urgência,

sem que haja alteração no procedimento em decorrência de sua natureza, seja

ela satisfativa ou cautelar.

Não há no novo projeto, como atualmente estabelece-se, um

conjunto de requisitos mais abrangentes e rígidos para o deferimento da tutela

satisfativa, sendo necessário o mesmo critério adotado para as medidas

cautelares.

Tal fato evidencia-se diante da análise do texto do projeto e das

propostas alterações destacadas no relatório-geral pelo Senador Valter Pereira,

respectivamente:

Seção II - Da tutela de urgência cautelar e satisfativa Art. 283. Para a concessão de tutela de urgência, serão exigidos elementos que evidenciem a plausibilidade do direito, bem como a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação. (Projeto 166, 2010). Art. 276. A tutela de urgência será concedida quando forem demonstrados elementos que evidenciem a plausibilidade do direito, bem como a demonstração de o risco de dano irreparável ou de difícil reparação. (Relatório-Geral)

Apresenta-se nítida, desta forma, a mudança prevista, uma vez que,

de acordo com o artigo 273, do Código de Processo Civil do sistema vigente,

exige-se que haja prova inequívoca dos fatos alegados, bem como

verossimilhança da alegação. Há, desta forma, um grau de probabilidade que

beira a certeza da razoabilidade do direito pretendido e o torna merecedor de

antecipação, o que não se verifica na norma futura.

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3.2 – A Tutela de Evidência e seu papel no novo Código de Processo

Civil

A previsão da tutela de evidência revela um claro avanço no

ordenamento jurídico pátrio.

A principal distinção entre a tutela de evidência e as tutelas de

urgência – lembrando que ambas inserem-se na categoria das chamadas

medidas de urgência –, é a não necessidade de comprovação da ocorrência de

dano irreparável ou de difícil reparação.

Tal dispensa é detalhada no projeto do novo código:

Art. 285. Será dispensada a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação quando: I - ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do requerido; II - um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva; III - a inicial for instruída com prova documental irrefutável do direito alegado pelo autor a que o réu não oponha prova inequívoca; ou IV - a matéria for unicamente de direito e houver jurisprudência firmada em julgamento de casos repetitivos ou súmula vinculante. Parágrafo único. Independerá igualmente de prévia comprovação de risco de dano a ordem liminar, sob cominação de multa diária, de entrega do objeto custodiado, sempre que o autor fundar seu pedido reipersecutório em prova documental adequada do depósito legal ou convencional.

A desnecessidade de demonstração do risco em casos específicos é

reforçada no Relatório-Geral, com alterações do Senador Valter Pereira:

Art. 278. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação, quando:

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I - ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do requerido; II - um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva; III - a inicial for instruída com prova documental irrefutável do direito alegado pelo autor a que o réu não oponha prova inequívoca; ou IV - a matéria for unicamente de direito e houver tese firmada em julgamento de recursos repetitivos, em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em súmula vinculante. Parágrafo único. Independerá igualmente de prévia comprovação de risco de dano a ordem liminar, sob cominação de multa diária, de entrega do objeto custodiado, sempre que o autor fundar seu pedido reipersecutório em prova documental adequada do depósito legal ou convencional.

Desta forma, enquanto a tutela de urgência requer a existência de

‘periculum in mora’ para sua concessão, a tutela de evidência poderá ser

concedida mesmo sem a demonstração de risco de dano irreparável ou de

difícil reparação.

Há, como visto, casos específicos que permitem a dispensa da

demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação pra

concessão da tutela de evidência, mas cabe ressaltar que tal previsão já existe

em nosso sistema atual, sob a roupagem de tutela antecipada.

O Ministro Luiz Fux, ao analisar Recurso Especial, deu verdadeira

aula acerca do tema:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. ENSINO. CURSO SUPERIOR REALIZADO NO EXTERIOR. EXIGÊNCIA DE REVALIDAÇÃO DO DIPLOMA POR UNIVERSIDADE PÚBLICA BRASILEIRA. DIREITO ADQUIRIDO. INOCORRÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. FALTA DE COTEJO ANALÍTICO. SIMPLES TRANSCRIÇÃO DE EMENTAS. ARTIGO 273 DO CPC. VEDAÇÃO DE ANÁLISE DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7 DO STJ. 1. A tutela antecipada reclama prova inequívoca da verossimilhança da alegação e 'periclitação do direito' ou

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'direito evidente', caracterizado pelo 'abuso do direito de defesa' ou 'manifesto propósito protelatório do réu'. (In Luiz Fux, A Reforma do Processo Civil' - Comentários e Análise Crítica da Reforma Infraconstitucional do Poder Judiciário e da Reforma do CPC - Editora Impetus - Pág.71) 2. O direito adquirido conforme cediço configura-se no ordenamento jurídico pátrio quando incorporado definitivamente ao patrimônio do seu titular. 3. Sobrevindo novel legislação, o direito adquirido restará caracterizado acaso a situação jurídica já esteja definitivamente constituída na vigência da norma anterior, não podendo ser obstado o exercício do direito pelo seu titular, que poderá, inclusive, recorrer à via judicial. 4. In casu, inocorreu a constituição definitiva da situação jurídica ensejadora do pretenso direito adquirido do recorrido pelo fato de ter iniciado o curso de medicina no Equador quando a lei brasileira não exigia a revalidação do diploma obtido no exterior, sendo certo que alteração da legislação ocorreu antes da conclusão, momento em que lhe seria permitido o exercício do direito à automática revalidação. Precedentes: REsp 849437/RO DJ 23.10.2006; RMS nº 16.268/GO, DJ de 19/06/2006 e RMS nº 13.412/PR, DJ de 12/06/2006. 5. Os direitos nascem instantaneamente, ou não. No primeiro caso, todo o fato, ou todos os fatos, de que depende a aquisição dos direitos, se produzem de uma só vez, como em jato, que toma o seu lugar no mundo dos direitos; quer dizer: no sistema jurídico ou ordem jurídica, de que se trata. No segundo caso, há fatos diferentes, ou reiterados, que vêm uns após outros, ou um após outro; de modo que cada um deles, acontecendo, é passo para a aquisição do direito, porém não ainda a aquisição. Há momentos em que muito falta; e momento em que quase nada falta. Estão os futuros titulares em expectativa. Mas erraríamos se tratássemos como sendo no mesmo plano todas as expectativas. Há direitos in fieri a que apenas falta a quem o vai adquirir o exercício de algum direito, ou pretensão; e direitos in fieri, que somente surgirão se algo acontecer, ou outrem praticar algum ato. Naturalmente, todos os direitos ainda não adquiridos, ainda não formados, não existem. Porém há diferença de probabilidade de virem a existir e, a juízo do titular futuro, são bem próximos de existência, de surgimento, aqueles cuja formação só depende de ato seu. Algumas vezes, esse critério, subjetivo, não corresponde aos fatos. Os direitos em formação, portanto as expectativas (os ainda não-direitos), podem ser reais ou pessoais, o que permite falar-se de expectativas reais e de expectativas pessoais. Não só. Algumas expectativas são de aquisição originária; outras, de aquisição derivada.

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(Pontes de Miranda, in "Tratado de Direito Privado", Editora BookSeller, Tomo 5, páginas 326/328) 6. Consectariamente, o requisito da prova inequívoca conducente à verossimilhança do direito evidente não se consumou, retirando a juridicidade da antecipação de tutela. 7. A simples transcrição de ementas, sem o devido confronto analítico nos moldes exigidos pelo art. 255 do RISTJ, impossibilita o conhecimento do Recurso Especial. 8. Recurso Especial provido. (Recurso Especial, 2007).

O artigo 273, II, do Código de Processo Civil permite a aplicação da

tutela sem risco de dano. O inciso I do citado artigo exige como requisito o

receio de dano irreparável ou de difícil reparação, mas trata-se de uma regra

geral, uma vez que o inciso II do referido artigo não exige a presença do

‘periculum in mora’, desde que constatado o abuso de direito de defesa ou

manifesto propósito protelatório do réu.

O abuso do direito de defesa é configurado quando o réu pratica

atos que não se coadunam com o correto andamento do processo, servindo

apenas pra protelar a marcha processual. O manifesto intuito protelatório, por

sua vez, diz respeito ao comportamento do réu fora do processo, mas que

mantenha direta ligação com o mesmo. É o caso, por exemplo, da ocultação de

provas, que irá refletir diretamente no processo.

A antecipação dos efeitos se dará, desta forma, quando a conduta

do réu cause, de fato, atraso indevido na prestação jurisdicional.

A segunda hipótese de concessão de tutela de evidência também já

se encontra prevista no ordenamento atual, referindo-se à hipótese em que um

ou mais pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroversa.

Tal tutela, para pedidos evidentes e incontroversos, é vista sob a

égide da tutela antecipada e será, no novo código, avaliada como de evidência,

de forma a dar maior efetividade à questão elencada no artigo 334, do Código

de Processo Civil, dispensando a produção de provas diante de fatos

incontestáveis.

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Humberto Theodoro já discorria a esse respeito:

(...) a lei 10.444, de 07.05.02, acrescentou o § 6º ao art. 273, que prevê mais um caso de antecipação de tutela. Trata-se de cumulação de pedidos, quando o réu contesta apenas um ou alguns deles, deixando incontroversos outros. Em tal conjuntura, a antecipação se mostra possível, sem necessidade de recorrer-se dos requisitos ordinariamente exigidos (perigo de dano grave, prova inequívoca, etc.). (2005, p. 153).

No que diz respeito ao inciso III, do artigo 285 do Projeto 166 (ou

artigo 278, com as alterações apresentadas no Relatório-Geral), vai exigir dois

requisitos para que seja concedida a tutela de evidência. São eles a ‘prova

documental irrefutável do direito alegado’ e ‘que o réu não oponha prova

inequívoca’.

A chamada prova documental irrefutável deve ser entendida com o

mesmo rigor que tratamos o direito líquido e certo, devendo respaldar-se em

provas documentais pré-constituídas – não havendo necessidade de posterior

dilação probatória.

Caso o réu tenha provas documentais suficientemente claras e

convincentes, a concessão da tutela de evidência estará vedada. Assim, o réu

poderá juntar suas provas documentais à contestação e, caso o autor requeira

tutela de evidência posteriormente a ela, sendo tais provas de fato inequívocas,

deverá ser indeferida a tutela pretendida.

Importante ressaltar que o fato de exigir-se inexistência de prova

inequívoca oposta pelo réu não impede que a tutela seja concedida antes da

contestação, uma vez que o próprio projeto nº 166 permite o deferimento da

tutela de evidência antes mesmo do próprio processo, em caráter liminar. Além

destas hipóteses, há inúmeras situações onde o magistrado pode claramente

constatar não haver possibilidades de o réu apresentar provas inequívocas,

frente à certeza do direito autoral.

Para finalizar, o inciso IV do artigo 278 (285), do projeto do novo

código permite a concessão da tutela de evidência quando “a matéria for

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unicamente de direito e houver tese firmada em julgamentos de recursos

repetitivos, em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em súmula

vinculante”.

Os fatos, quando a matéria for unicamente de direito, devem ser

incontroversos e comprovados de plano. Nesta hipótese também há a

exigência de liquidez e certeza do direito.

Nos casos de recursos repetitivos, súmulas vinculantes e incidente

de resolução de demandas repetitivas, não é necessária a comprovação de

perigo de dano, uma vez que isto colocaria em risco todo o desfecho do

processo, que tutela o bem de vida.

O parágrafo único prevê, ainda, a possibilidade de ser a tutela de

evidência concedida liminarmente, quando for comprovada através de prova

documental a existência de depósito legal ou convencional.

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CONCLUSÃO

O Direito Processual Civil brasileiro, como em qualquer sistema em

desenvolvimento, possui ainda diversas falhas e inconstâncias, que reforçam a

importância da busca por meios capazes de aprimorar a máquina processual e

assegurar uma prestação efetiva.

Este esforço em prol da celeridade e eficiência foi o que permitiu,

após árdua luta e insistência, que contássemos hoje com as chamadas tutelas

de urgência, devidamente positivadas em nosso ordenamento.

Apesar do enorme avanço que as tutelas de urgência representam

quando comparadas aos arcaicos meios a elas anteriores, ainda não

alcançaram a sua plenitude.

Os trâmites processuais ainda são exageradamente lentos, o que

compromete diretamente os resultados atingidos, tendo em vista que o direito

muitas vezes perece pela espera, restando apenas soluções alternativas e não

contemplativas da realidade prática anteriormente pleiteada.

As alterações propostas pelo Projeto do Novo Código de Processo

Civil, ainda em trâmite no Congresso Nacional, apesar de não serem tão

intensas e profundas, como parte dos doutrinadores gostaria, trazem algumas

peculiaridades capazes de acelerar a prestação jurisdicional e ensejar a

satisfação do direito de forma mais efetiva, em tempo hábil.

A não obrigatoriedade em determinados casos de comprovação do

‘periculum in mora’ nas hipóteses de Tutela de Evidência, por exemplo,

demonstra um claro avanço nesse sentido, pois irá permitir a resolução efetiva

da questão de forma rápida. Atualmente, os trâmites impostos para que haja a

comprovação do risco de dano causam uma morosidade tão grande que, até

que seja demonstrado tal risco, o direito pleiteado já se esvaiu.

É possível perceber que o Projeto do Novo Código de Processo

Civil, apesar de não apresentar soluções radicais, tem como alvo uma maior

celeridade processual, simplificando os ritos atuais e gerando efeitos diretos e

definitivos, evitando a perda de qualidade nas decisões.

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A alteração na organização das tutelas e em algumas peculiaridades

é consequência de uma evolução e amadurecimento doutrinário e

jurisprudencial que busca otimizar os resultados pretendidos e garantir a

evolução na defesa de direitos, com vistas a atingir o ideário constitucional de

um processo efetivo e de razoável duração, nos termos do artigo 5º, LXXVIII,

da Constituição da República Federativa do Brasil.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SILVA, Ovídio A. Baptista da. GOMES, Fábio. Teoria Geral do

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Processo Civil. 5ª ed. São Paulo: RT, 2009. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual

Civil. 42. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. v.1. WAMBIER, Luiz Rodrigues. DE ALMEIDA, Flávio Renato Correia.

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