newsletter 4 integral - rvr.pt · as obrigações fiscais dos ... e nos casos em que sejam incertas...

20
DIREITO PROCESSUAL CIVIL NEWSLETTER RVR 4 Dezembro de 2007 ÍNDICE 1. O regime processual civil experimental 2. A competência material dos julgados de paz - Ac. nº 11/2007, do STJ 3. O regime jurídico das custas de parte 4. A reforma dos recursos em processo civil 5. As obrigações fiscais dos solicitadores de execução 6. O regulamento (CE) nº 1206/2001 EDITORIAL São mais de 40000 os processos judiciais patrocinados pela RVR em quase todos os tribunais judiciais do país. Desde sempre que a RVR tem exercido uma actividade intensa no domínio do contencioso civil, acumulando uma vasta experiência nesta área do Direito que tanta atenção tem reclamado das empresas e dos operadores económicos em geral. Não obstante as sucessivas reformas realizadas, os relatórios internacionais continuam a apontar a Portugal a pouca celeridade na realização da justiça judicial civil como um dos maiores entraves à actividade económica, como decorre do recente relatório do Banco Mundial “Doing business 2008” que coloca Portugal no 37º lugar mundial em termos facilidade de realização de negócios mas apenas no 49º lugar quanto ao critério de celeridade de funcionamento dos tribunais judiciais (enforcing contracts). A presente newsletter analisa o Regime Processual Civil Experimental que já vigora em termos experimentais, e que em menos de um ano poderá regular todas as acções declarativas cíveis a que não corresponda processo especial e as acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, a recente reforma dos recursos em processo civil, a competência material dos julgados de paz, as obrigações fiscais dos Solicitadores de Execução, as custas de parte no Código das Custas Judiciais e o Regulamento CE relativo à Cooperação entre Tribunais dos Estados-Membros no domínio da obtenção de provas em matéria civil ou comercial. Estamos convencidos que todos os temas são de grande interesse e actualidade e são abordados numa perspectiva prática, tantas vezes ausente das publicações que existem sobre estas mesmas matérias. Obrigado por mostrar interesse pelo nosso trabalho. Fica convidado a conhecer melhor a RVR em www.rvr.pt © Regal, Varela, Ramos & Associados – Sociedade de Advogados RL // 2007 Esta informação tem apenas carácter genérico, não constituindo uma forma de publicidade, de solicitação de clientes ou de aconselhamento jurídico. Caso necessite de aconselhamento jurídico sobre estas ou outras matérias sugerimos que contacte um advogado.

Upload: truongkhuong

Post on 02-Dec-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

DIREITO PROCESSUAL CIVIL NEWSLETTER RVR 4

Dezembro de 2007 ÍNDICE 1. O regime processual civil

experimental 2. A competência material dos

julgados de paz - Ac. nº 11/2007, do STJ

3. O regime jurídico das

custas de parte 4. A reforma dos recursos em

processo civil 5. As obrigações fiscais dos

solicitadores de execução 6. O regulamento (CE) nº

1206/2001

EDITORIAL São mais de 40000 os processos judiciais patrocinados pela RVR em quase todos os tribunais judiciais do país. Desde sempre que a RVR tem exercido uma actividade intensa no domínio do contencioso civil, acumulando uma vasta experiência nesta área do Direito que tanta atenção tem reclamado das empresas e dos operadores económicos em geral. Não obstante as sucessivas reformas realizadas, os relatórios internacionais continuam a apontar a Portugal a pouca celeridade na realização da justiça judicial civil como um dos maiores entraves à actividade económica, como decorre do recente relatório do Banco Mundial “Doing business 2008” que coloca Portugal no 37º lugar mundial em termos facilidade de realização de negócios mas apenas no 49º lugar quanto ao critério de celeridade de funcionamento dos tribunais judiciais (enforcing contracts).

A presente newsletter analisa o Regime Processual Civil Experimental que já vigora em termos experimentais, e que em menos de um ano poderá regular todas as acções declarativas cíveis a que não corresponda processo especial e as acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, a recente reforma dos recursos em processo civil, a competência material dos julgados de paz, as obrigações fiscais dos Solicitadores de Execução, as custas de parte no Código das Custas Judiciais e o Regulamento CE relativo à Cooperação entre Tribunais dos Estados-Membros no domínio da obtenção de provas em matéria civil ou comercial. Estamos convencidos que todos os temas são de grande interesse e actualidade e são abordados numa perspectiva prática, tantas vezes ausente das publicações que existem sobre estas mesmas matérias. Obrigado por mostrar interesse pelo nosso trabalho. Fica convidado a conhecer melhor a RVR em www.rvr.pt

© Regal, Varela, Ramos & Associados – Sociedade de Advogados RL // 2007 Esta informação tem apenas carácter genérico, não constituindo uma forma de publicidade, de solicitação de clientes ou de aconselhamento jurídico. Caso necessite de aconselhamento jurídico sobre estas ou outras matérias sugerimos que contacte um advogado.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL NEWSLETTER RVR 4

Dezembro de 2007

O REGIME PROCESSUAL CIVIL EXPERIMENTAL

Miguel Regal [email protected]

O regime processual civil experimental (RPCE) foi introduzido pelo Decreto-Lei nº 108/2006, de 8 de Junho, com objectivo de assegurar um tratamento processual específico para os litigantes de massa, designadamente através da criação de um regime de processo civil mais simples e flexível. O RPCE é aplicável às acções declarativas cíveis a que não corresponda processo especial e às acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos. O RPCE entrou em vigor no dia 16 de Outubro de 2006 mas apenas em termos experimentais, limitando-se a regular os processos que deram entrada em 4 tribunais: Juízos de Competência Especializada Cível do Tribunal da Comarca de Almada, Juízos Cíveis do Tribunal da Comarca do Porto, Juízos de Pequena Instância Cível do Tribunal da Comarca do Porto e Juízos de Competência Especializada Cível do Tribunal da Comarca do Seixal - Portaria nº 955/2006, de 13 de Setembro. O legislador confessou expressamente que pretende testar e aperfeiçoar novos mecanismos de agilização processual durante 2 anos antes de aplicar este regime a todo o território nacional, o que levou os detractores desta iniciativa a falar de “experimentalismo judicial”. Durante este período experimental, este regime processual poderá ser aplicado a um número estimado de cerca de 10 000 processos, mas poderá ser aplicado a cerca de 100 000 processos/ano quando for alargado a todos os tribunais do país, como se pretende, ou seja, a 20% dos processos cíveis entrados nos tribunais judiciais de 1.ª instância (segundo números estimados pelo Ministério da Justiça que tiveram em conta o universo de processos entrados no ano de 2005). Estes números justificam maior atenção para esta iniciativa do que aquela que a comunidade judicial lhe tem conferido. Os três grandes objectivos deste novo regime são expressamente indicados nos trabalhos preparatórios e no preâmbulo do diploma: a) Promover a simplificação e flexibilidade do processo; b) Fomentar a colaboração entre as partes e destas com o tribunal; c) Promover a celeridade processual;

Quanto ao objectivo de simplificação e flexibilidade, as grandes diferenças em relação ao processo civil codificado que conhecemos são as seguintes: 1- O RPCE prevê uma única tramitação para todas as causas, independentemente do seu valor. A tramitação passa a ser única para todos os processos, sem especialidades ou diferenças. 2- Prevê-se uma tramitação mais adaptável, em que o juiz passa a poder analisar as regras processuais e só as aplica se as considerar adequadas ao processo. 3- O RPCE permite que a sentença possa ser sucintamente fundamentada e ditada imediatamente para a acta, podendo ser proferida através de remissão para os fundamentos invocados pelas partes nos seus articulados e, caso decida no mesmo sentido que um acórdão de uniformização de jurisprudência, o juiz deve simplesmente remeter para os seus fundamentos. Quanto ao objectivo de colaboração entre as partes e destas com o tribunal, as inovações são as que se passam a discriminar: 1- As partes passam a poder apresentar conjuntamente o processo, através de petição conjunta, indicando logo os factos em relação aos quais já existe acordo e os factos que ainda terão que ser provados, passando o processo a ter “carácter urgente”. 2- Quem pretenda apresentar uma acção pode escolher “convidar” a pessoa contra quem queira apresentar um processo a apresentar uma acção conjunta, enviando-lhe uma citação/carta modelo definido por Portaria do Ministro da Justiça. 3- Prevê-se a inquirição de testemunhas por acordo, caso em que o processo também passa a ter carácter urgente: a) As partes passam a poder inquirir todas as testemunhas fora do tribunal, quando estejam de acordo. b) O depoimento das testemunhas passa a poder ser prestado exclusivamente perante as partes, por exemplo no escritório dos seus advogados, sendo lavrada uma acta. 4- As partes beneficiarão de vantagens em termos de custas processuais se optarem pelos mecanismos de colaboração entre as partes. Quanto ao objectivo da celeridade processual, as medidas mais relevantes são as seguintes: 1- É criada a figura da agregação de acções, que permite, por iniciativa do juiz ou de uma das partes, a associação temporária de processos para que o juiz possa, em qualquer momento, praticar um ou mais actos ou realizar uma diligência que abranja vários processos; depois de praticado o acto, os processos continuam a ser tramitados separadamente. 2- As partes apresentam a prova com os articulados. 3- A distribuição de processos aos magistrados passa a ser feita diariamente. 4- A citação edital passa, em regra, a ser feita através de anúncio em página da Internet (http://www.tribunaisnet.mj.pt) e nos casos em que sejam incertas as pessoas contra quem é posta uma acção deixa de ser afixado um edital na porta do tribunal e deixam de ser publicados dois anúncios em jornais. 5- O juiz passa a poder decidir a causa principal logo com o pedido cautelar nos casos em que o procedimento cautelar contenha todos os elementos que permitam decidir sobre a causa principal e depois de ouvidas as partes. Foi prevista uma “avaliação legislativa através dos serviços do Ministério da Justiça competentes” da aplicação deste novo regime, aplicável, numa primeira fase, apenas aos tribunais supra indicados, e previu-se a revisão deste regime no prazo de 2 anos a contar da data da sua entrada em vigor.

O primeiro relatório preliminar de “avaliação legislativa” já foi elaborado pela Direcção-Geral da Política de Justiça e está disponível em http://www.dgpj.mj.pt/sections/politica-legislativa/projectos-em-destaque/regime-processual-civil/relatorio-de/, com recolha de opiniões de elementos dos diversos grupos profissionais judiciais. Não obstante o curto período de vigência do RPCE, já é possível fazer um primeiro balanço das soluções processuais que encerra e dos efeitos práticos da sua aplicação. Em primeiro lugar, cumpre reconhecer a necessidade de ser estabelecido um tratamento processual específico para os litigantes de massa, designadamente através da criação de um regime de processo civil mais simples e flexível. É por demais evidente que o actual processo civil é demasiado rígido e formalista para permitir que os tribunais assegurem uma resposta adequada e célere aos processos judiciais que têm como causa as relações comerciais dos chamados litigantes de massa. Porém, muitos dos mecanismos processuais introduzidos pelo RPCE não constituem, na nossa humilde opinião, soluções adequadas e eficazes e, em diversos casos, padecem de insuficiente regulação. A primeira grande inovação diz respeito ao eufemisticamente chamado “dever de gestão processual”, que não é mais do que um poder concedido ao juiz de “adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir” – art. 2º, a), do diploma em análise. Este “dever de gestão processual” não está sujeito a qualquer limitação: não se prevêem quaisquer formalidades essenciais, quaisquer garantias mínimas das partes ou nulidades decorrentes da violação de quaisquer preceitos por mais fundamentais que sejam. Salvo melhor opinião, a adequação e agilização processuais, que todos desejamos, não podem ser ilimitadas e deixadas ao inteiro critério discricionário dos juízes. E não podemos passar de um sistema rígido e, porventura, excessivamente “garantistico”, com prejuízo para a celeridade processual e eficácia da justiça, para um sistema de aparência de total plasticidade, sem um mínimo de regras processuais “indisponíveis”. Aliás, antevemos que a falta de regulação do “mínimo processual indisponível” será motivo para a apresentação de recursos que obrigarão os tribunais superiores a pronunciarem-se sobre diversas nulidades processuais invocadas pelas partes (o que poderá ter o efeito perverso deste diploma ser interpretado “em conformidade” com a redacção do actual CPC e em prejuízo dos principais objectivos deste regime). A simplificação da sentença e a determinação de ditar imediatamente a sentença para a acta já está prevista para o processo sumaríssimo – art. 796, nº 7, do CPC – e para as acções declarativas especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e injunção - art. 4º, nº 7, do regime anexo ao DL nº 269/98, de 1 de Setembro – e, como é sabido, não é cumprida pela esmagadora maioria dos juízes. A possibilidade de discriminação dos factos provados e não provados por remissão para as peças processuais não pode deixar de ser aplaudida – art. 15º, nºs 1 e 2 – se bem que julguemos que esta medida não terá um efeito significativo na celeridade processual tendo em conta que os juízes já têm beneficiado da cada vez maior utilização de meios electrónicos para a apresentação

dos articulados – e que em breve se espera obrigatória - e das actuais facilidades tecnológicas de digitalização e reprodução de textos digitalizados. Quanto à possibilidade de agregação de acções para efeitos da prática de um ou mais actos, é verdade que esta medida pode vir a representar uma economia processual muito grande. Imaginemos o caso das sentenças proferidas em processos para cobrança de créditos emergentes de contratos de serviços de consumo, mormente aqueles não contestados, e que agora podem consistir na simples adesão aos fundamentos apresentados pelo Autor (art. 15º, nº 4). Porém, é manifesto que a possibilidade de agregar processos, especialmente aqueles que não pendem perante o mesmo juiz, exige meios informáticos que permitam apurar os processos em que a agregação seja aconselhável. De facto, a aplicação deste mecanismo a Tribunais com diversas secções, como as Varas e os Juízos Cíveis de Lisboa e Porto, exigirão aplicações informáticas de grande fiabilidade e rigor, que ainda não se conhecem, nomeadamente quanto às possibilidades de cruzamento de dados relativos às partes, à natureza dos pleitos e à dinâmica da tramitação processual.1 Por outro lado, o mecanismo da agregação acaba por representar uma forma de “redistribuição transitória” e deverá ser melhor regulado: quais os procedimentos da agregação? Quem monitorizará os processos pendentes no Tribunal para apurar os processos em que a agregação seja aconselhável? O presidente do tribunal pode ter a iniciativa de promover as agregações? E quais são os limites destes poderes? Quanto às medidas que procuram promover a colaboração entre as partes e destas com o tribunal, não podem deixar de ser atribuídas a um entusiasmo pueril do legislador. Quem acredita que as partes passarão a apresentar conjuntamente o processo, através de petição conjunta, indicando logo os factos em relação aos quais já existe acordo e os factos que ainda terão que ser provados? Quem acredita que quem tiver a intenção de apresentar uma acção contra outrem começará por encetar diligências no sentido de convidar o potencial Réu a apresentar uma acção conjunta? Só o legislador! Só o legislador acredita que algumas vantagens conferidas em termos de custas judiciais e algumas penalizações em sede de custas de parte para o Réu que recuse ou não responda ao “convite” de apresentação de petição conjunta fará reinar a colaboração entre as partes. 2 Só o legislador admite que os processos que emergem de conflitos de consumo, em que o potencial Autor se julga com direito a uma prestação pecuniária, e em que o potencial R. não tem, em regra, qualquer interesse na resolução célere do litígio, podem ser resolvidos pela cooperação processual das partes.

1 A ferramenta CITIUS – Magistrados Judiciais, que não conhecemos, está em fase de aperfeiçoamento e pretende dar resposta a esta necessidade. 2 A apresentação de petição conjunta permitirá às partes beneficiar da redução da taxa de justiça a metade, não sendo devida a subsequente – art. 18º, nº1; o Réu que recuse ou não responda ao “convite” de apresentação de petição conjunta renuncia ao direito à compensação, pela parte vencida, das custas de parte e, se o autor for a parte vencedora, a procuradoria é fixada pelo máximo legal – art. 9º, nº 3.

Com efeito, seja por ter esperança que o alegado credor nem venha a recorrer a meios judiciais, seja por saber que os custos associados a um processo judicial são elevados apesar de considerar que não é devedor de qualquer quantia, seja por saber que quanto mais tarde o Autor vier a recorrer a meios judiciais maior é a sua esperança de poder vir a invocar com sucesso a prescrição do crédito, seja por simplesmente “não querer saber” uma vez que não é titular de bens penhoráveis e já é executado em diversos processos judiciais, o R. nada fará no sentido de “facilitar” a apresentação da acção judicial e de promover a resolução do litígio da forma mais célere possível. Ademais, como é sabido, esta medida não é nova, pois já decorre do Decreto-Lei nº 211/91, de 14 de Junho, e já decorria do artigo 464-A do CPC, que vigorou até à entrada em vigor daquele Decreto-Lei, e tem tido uma escassa aplicação, tanto quanto sabemos. As partes optarão por apresentar petições conjuntas quando ambas tenham interesse na resolução do litígio em termos céleres, isto é, quando ambas possam retirar vantagens, geralmente de natureza económica, da resolução da causa. Porém, não são estas as condições em que surgem as causas de litigância de massa que conhecemos e que o RPCE pretende regular. Por estas razões, antevemos que as medidas tomadas no sentido de promover a colaboração entre as partes em conflito não terão qualquer aplicação prática. Também o depoimento de testemunhas por escrito não é uma inovação uma vez que já está previsto, em termos praticamente idênticos, para as acções declarativas especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e injunção - art. 5º do DL nº 269/98, de 1 de Setembro. Aliás, a possibilidade de prestação do depoimento das testemunhas por escrito tem sido recebida com muita resistência pelos juízes e muito poucas vezes dispensou - e dispensará - a testemunha de comparecer em Tribunal uma vez que não raras vezes os juízes, oficiosamente ou a requerimento da contraparte, têm decidido pela renovação do depoimento na sua presença, assim obrigando à continuação da audiência de julgamento em data posterior. A limitação a dois articulados, excepto em caso de dedução de reconvenção ou da acção ser de simples apreciação negativa, não permitindo expressamente a resposta a excepções (artigo 3.º, n.º 3 do CPC), articulados supervenientes (artigo 506.º, CPC) e articulados de aperfeiçoamento (artigos 508.º e 264.º, n.º 2 do CPC), viola o princípio do contraditório quando são deduzidas excepções na contestação. Defendemos, aliás, a solução de prever um articulado escrito de resposta às excepções e não a de permitir a resposta às excepções invocadas pelo réu na audiência preliminar ou no início da audiência de discussão e julgamento (art. 3º, nº 4, do CPC), até porque os autos poderão permitir que seja logo tomada decisão quanto à matéria de excepção, tornando desnecessária a marcação de audiência preliminar ou da audiência de discussão e julgamento. A necessidade de indicação dos meios de prova nos articulados parece excessivamente limitadora, mesmo tendo em conta a possibilidade da parte a quem é oposto o último articulado admissível poder alterar o requerimento probatório no prazo de 10 dias após a notificação daquele articulado. No preâmbulo do diploma indica-se expressamente que estes prazos de indicação da prova são estabelecidos “sem prejuízo da faculdade, que permanece intocada, de adicionar ou alterar o rol

de testemunhas até 20 dias antes do início da audiência final”, o que não tem qualquer correspondência nas normas que regulam a apresentação do requerimento de prova, e que apenas prevêem, como já dissemos, a possibilidade da parte a quem é oposto o último articulado admissível poder alterar o requerimento probatório no prazo de 10 dias após a notificação daquele articulado. É de aplaudir a possibilidade das partes requererem a notificação das testemunhas para comparecer ou a sua inquirição por teleconferência, o que incompreensivelmente não se verifica nas acções declarativas especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e injunção (art. 3º do DL nº 269/98, de 1 de Setembro) e, amiúde, tem sido reconhecido pelos juízes como uma verdadeira impossibilidade de descoberta da verdade dos factos. Por último, a possibilidade da decisão da causa principal ser realizada no âmbito do procedimento cautelar quando tenham sido trazidos ao procedimento cautelar os elementos necessários à resolução definitiva do caso e depois de ouvidas as partes, passando a sentença desta providência a dirimir o conflito, pode ser meritória mas carecerá de ser melhor regulada. De facto, a aplicação do RPCE às providências cautelares parece não ter tido em consideração o facto de estas tenderem a ser declaradas sem audição da parte requerida e, naturalmente, sem possibilidade desta produzir qualquer prova3. Ora, o RPCE não prevê expressamente a possibilidade do juiz poderá determinar a não audição da requerida se tal for expressamente requerido na petição inicial. Caso se admita como possível, nunca poderá ser sentenciada a causa principal com audição da requerida mas sem possibilidade desta produzir prova, designadamente de natureza testemunhal, pois daqui resultaria uma perigosa desigualdade de armas entre as partes. Em conclusão, entendemos ser necessário aperfeiçoar os mecanismos criados com intenção de regular a conflitualidade de natureza económica, que não deixará de existir e nunca se resolverá por medidas que pressuponham a cooperação entre partes com interesses sempre diferentes e até opostos. Esperamos que a revisão do RPCE, que necessariamente ocorrerá até Outubro de 2008, possa garantir a simplificação e agilização da tramitação processual sem sacrificar o direito a um processo justo e equitativo, que a todos é constitucionalmente garantido. © Regal, Varela, Ramos & Associados – Sociedade de Advogados RL // 2007

Esta informação tem apenas carácter genérico, não constituindo uma forma de publicidade, de solicitação de clientes ou de aconselhamento jurídico. Caso necessite de aconselhamento jurídico sobre estas ou outras matérias sugerimos que contacte um advogado.

3 No actual Código Processo Civil, a regra é a de audição do requerido, excepto quando a audiência puser em risco o fim ou a eficácia da providência – art. 385, nº1, do CPC. Porém, a nossa percepção da prática judicial é a de que os requerentes conseguem facilmente demonstrar este risco, para além de que o arresto, uma das providências mais requeridas, é sempre decretado sem audição da parte contrária – art. 408, nº 1, do CPC.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL NEWSLETTER RVR 4

Dezembro de 2007

A COMPETÊNCIA MATERIAL DOS JULGADOS DE PAZ - ACÓRDÃO Nº 11/2007, DO STJ

Ana Videira Santos

[email protected]

Os Julgados de Paz foram instituídos pela Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, com o objectivo de estimular a composição dos litígios por acordo das partes e orientados por princípios de simplicidade, adequação, informalidade, oralidade e absoluta economia. A intenção do legislador era criar um meio mais célere e equitativo, em oposição aos processos judiciais que se arrastam por períodos longos de tempo nos tribunais judiciais. Os Julgados de Paz têm competência maioritariamente cível, prevendo o art. 9º da Lei supra indicada as acções que integram a sua competência material, nomeadamente, e a título meramente exemplificativo, as acções para entrega de coisas móveis, as resultantes de direitos e deveres de condóminos, e as que respeitem à responsabilidade civil contratual e extracontratual, entre outras. Ora, desde cedo que a questão da competência material dos Julgados de Paz suscitou dúvidas: tratar-se-ia de uma competência material exclusiva ou meramente alternativa aos meios jurisdicionais tradicionais, nomeadamente os tribunais de 1.ª instância? A Lei nº 78/2001 é omissa quanto a esta matéria, apenas elencando as acções de que os Julgados de Paz podem conhecer. A doutrina tem-se pronunciado de forma divergente, ora propugnando a exclusividade da competência material, ora perfilhando o entendimento da competência meramente alternativa em relação aos tribunais judiciais. Também a jurisprudência dos tribunais superiores tem sido pouco pacífica quanto a esta questão: a Relação do Porto tem entendido unanimemente a exclusividade da competência dos julgados da paz, ao invés da Relação de Lisboa, onde as duas posições já foram defendidas em diferentes acórdãos, o mesmo sucedendo no Supremo Tribunal de Justiça que em três acórdãos sobre esta matéria perfilhou o entendimento da competência exclusiva por duas vezes e o entendimento da competência alternativa por uma vez. É neste contexto, de divergência e de dúvida, que surge o Acórdão n.º 11/2007 do Supremo Tribunal de Justiça, acórdão uniformizador de jurisprudência.

Este acórdão tem por base uma acção declarativa de condenação com processo sumaríssimo, onde se pedia o ressarcimento de um dano num veículo automóvel, intentada no Tribunal de Pequena Instância Cível de Lisboa. O juiz convidou as partes a pronunciarem-se sobre a questão da competência em razão da matéria do respectivo tribunal, e o autor pronunciou-se no sentido da competência daquele Tribunal Judicial. Não obstante, o juiz proferiu sentença declarando o tribunal incompetente para conhecer do pedido por entender que a competência para o referido pedido se inscrevia na competência dos Julgados de Paz, e absolveu a ré da instância. O Ministério Público interpôs recurso de agravo para a Relação de Lisboa que, por maioria, negou provimento ao mesmo. Após parecer emitido pela Ministério Público, foi decidido dirimir esta controvérsia mediante um acórdão uniformizador de jurisprudência. O referido acórdão analisa a questão confrontando a competência material dos Julgados de Paz com a dos tribunais judiciais e analisando a possibilidade de Recurso para os tribunais de 1.ª instância das decisões proferidas pelos Julgados de Paz. Nos projectos de lei do diploma que instituiu os Julgados de Paz previa-se uma alteração à Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), de forma a reduzir a competência material destes últimos e a conceder competência exclusiva aos Julgados de Paz. Porém, a Lei que instituiu os Julgados de Paz não consagrou essa solução. Assim, a competência exclusiva destes últimos ficou seriamente comprometida e daqui resultou uma solução de competência concorrencial. Esta posição é sublinhada pela remessa dos processos que tramitem nos Julgados de Paz quando se suscitar algum incidente ou for requerida prova pericial e pelo recurso das suas decisões para os mencionados tribunais de 1.ª instância. A organização judiciária, como configurada pela Constituição e pela LOFTJ, não contempla os Julgados de Paz enquanto tribunais judiciais, mas sim como órgãos jurisdicionais de resolução alternativa de litígios, pelo que não sucedem ou substituem os tribunais da ordem judicial. Ademais, a competência exclusiva dos Julgados de Paz seria fonte de desigualdade no acesso à justiça a favor das pessoas sem condições objectivas de accionarem estes meios e contra aquelas com essas condições. É o caso da impossibilidade das pessoas colectivas accionarem nos julgados de paz, quanto à exigência de prestações pecuniárias. Inclusive, resultaria incongruente que os tribunais de 1.ª instância só pudessem conhecer das referidas acções a partir de certa vicissitude processual e nunca ab initio. Veio, assim, o Supremo Tribunal de Justiça uniformizar esta questão controvertida, nos termos seguintes: “No actual quadro jurídico, a competência material dos julgados de paz para apreciar e decidir as acções previstas no artigo 9º, nº 1, da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, é alternativa relativamente aos tribunais judiciais de competência territorial concorrente”. © Regal, Varela, Ramos & Associados – Sociedade de Advogados RL // 2007

Esta informação tem apenas carácter genérico, não constituindo uma forma de publicidade, de solicitação de clientes ou de aconselhamento jurídico. Caso necessite de aconselhamento jurídico sobre estas ou outras matérias sugerimos que contacte um advogado.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL NEWSLETTER RVR 4

Dezembro de 2007

O REGIME JURÍDICO DAS CUSTAS DE PARTE

Paulo Ramos

[email protected]

O Dec. Lei nº 324/03, de 27 de Dezembro, consagrou uma alteração significativa no regime das custas judiciais, designadamente quanto às custas de parte, passando a prever a interpelação da parte vencedora à parte vencida em ordem ao pagamento das mesmas, evitando-se, assim, o acto de contagem a realizar pelo tribunal. Cumpre desde já referir que as alterações introduzidas por aquele diploma apenas se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor, ou seja a partir de 1 de Janeiro de 2004. Com este novo regime de pagamento de custas, pretendeu o legislador promover a simplificação do acto de contagem, uma vez que, por regra, as custas de parte deixam de ser incluídas na conta final. Deste modo, parte vencedora passou a dispor de um prazo de 60 dias a contar do trânsito em julgado da sentença para remeter à parte vencida uma nota discriminativa e justificativa das custas de parte. Caso a parte vencida não opte pelo pagamento voluntário das custas suportadas pela parte vencedora, esta pode executar a sentença e requerer o pagamento das custas ou, caso não pretenda a execução da sentença, requerer ao Ministério Público que instaure execução por custas à parte vencida. Uma vez recebida a nota de custas, a parte vencida pode, no âmbito da acção judicial, reclamar e requerer a reforma da nota apresentada pela parte vencedora, à semelhança das reclamações da conta de custas que as partes podem deduzir, mas com prévio depósito da quantia total indicada na nota da parte vencedora. Caso a parte vencida não reclame da nota, dispõe de 10 dias para proceder ao pagamento das custas peticionadas, com as seguintes dilações:

� 5 dias, se o responsável residir no continente ou numa das ilhas das RA e naquele ou nestas correr o processo;

� 10 dias, se o responsável residir no continente e o processo correr numa das ilhas das RA, ou se residir numa destas e o processo correr noutra ilha ou no continente;

� 30 dias, se o responsável residir no estrangeiro;

� Para entidades públicas (ex. estado, RA, autarquias, instituições de segurança social) o prazo acaba no último dia do mês seguinte ao do envio da carta.

Para além desta interpelação directa à parte vencida para pagamento das custas de parte, com o subsequente pagamento realizado por uma à outra parte, as custas também podem ser liquidadas através de quantias depositadas à ordem do tribunal e devidas à parte vencida. Neste caso, a nota discriminativa e justificativa das custas de parte também deve ser enviada ao tribunal para que o mesmo proceda ao seu pagamento. Tendo em conta este novo regime, cabe à parte vencedora discernir que despesas, lato sensu, pode incluir nas custas de parte a apresentar à parte vencida. O artigo 33º do Código das Custas engloba nas custas de parte aquilo que a parte haja despendido com o processo e de que tenha direito a ser compensada. Cabe desde já precisar os conceitos e vincar que só englobam o conceito de custas de parte todas as despesas realizadas pela parte que se demonstrem indispensáveis para a implementação e decurso do processo (v. g., preço de certidões, papel utilizado nas peças processuais). Assim, não serão de considerar como custas de parte as despesas que a parte realizou por causa do processo (no sentido de que as mesmas só existem porque existe o processo), mas que não se demonstre serem indispensáveis à implementação e ao decurso do processo (v. g., custos de deslocação ao tribunal, portagens, despesas com alimentação). Desta forma, esquematicamente, as custas a peticionar são as seguintes:

1. Taxa de justiça (art. 33º, nº 1, alínea b) do CCJ): a) Com prévio procedimento de injunção: contabilizar a taxa de justiça da injunção, a taxa

de justiça inicial paga na altura da distribuição para o tribunal cível e a taxa de justiça subsequente, caso tenha sido paga.

b) Acção declarativa: peticionar a taxa de justiça inicial e a taxa de justiça subsequente, caso tenha sido paga.

2. Custas adiantadas (art. 33º, nº 1, alínea a), do CCJ):

a) Procedimentos cautelares; b) Produção antecipada de prova; c) Incidente de habilitação; d) Antecipação do acto de contagem de custas – art. 51º CCJ;

3. Procuradoria (art. 33º, nº 1 c) e art. 41º, nºs 1 e 2, ambos do CCJ):

a) Valor fixado na sentença; ou, se não for fixado, b) Um décimo da taxa de justiça devida pelas partes no final do processo.

4. Preparos para gastos e despesas (art. 43º, 1 e art. 32º, nº1, alíneas b) a d) e nº 5, ambos

do CCJ). a) Pagamentos devidos ou adiantados a quaisquer entidades (art. 535º e 538º, ambos

do CPC) – v.g. documentos, pareceres, plantas, serviços requisitados pelo tribunal; b) Retribuições a intervenientes acidentais – v.g. testemunhas, peritos, tradutores,

intérpretes, depositários, encarregados de venda, técnicos; c) Despesas de transporte e ajudas de custo – deslocação de intervenientes

acidentais;

5. Remunerações do solicitador de execução, despesas efectuadas por ele e demais encargos da execução – art. 454º, nº 3 do CPC e Portaria nº 708/03, de 4 de Agosto.

6. Reembolsos ao cofre dos tribunais – ex. despesas relativas à transcrição da prova.

7. Reembolsos ao estado do dispêndio com apoio judiciário (art. 32º, 1 alínea e), do CCJ).

8. Custos da citação por funcionário judicial, caso o autor a tenha requerido (art. 32º, 1 alínea

f), do CCJ).

9. Outras despesas (art. 33º, nº 1 do CCJ): a) Certidões (ex. certidões de conservatórias); b) papel gasto nos instrumentos processuais – valor estimado em € 0,05 por cada

folha (cfr. Ac. Relação de Lisboa de 28/01/03, in CJ, ano XXVII, 2003, Tomo I, págs. 86 e 87);

c) serviço de tradução e procurações; d) outros documentos.

© Regal, Varela, Ramos & Associados – Sociedade de Advogados RL // 2007

Esta informação tem apenas carácter genérico, não constituindo uma forma de publicidade, de solicitação de clientes ou de aconselhamento jurídico. Caso necessite de aconselhamento jurídico sobre estas ou outras matérias sugerimos que contacte um advogado

DIREITO PROCESSUAL CIVIL NEWSLETTER RVR 4

Dezembro de 2007

A REFORMA DOS RECURSOS EM PROCESSO CIVIL

Sandra Lemos

[email protected]

O Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, introduziu uma profunda alteração no Código de Processo Civil, com particular incidência no regime dos recursos. O regime dos recursos tem vindo a sofrer alterações, algumas mais expressivas que outras, sendo a mais significativa a que se designou como a reforma de 1995/96. A reforma ora realizada foi precedida de um estudo global levado a cabo pelo Ministério da Justiça, que pretendeu avaliar o aspecto jurídico e a tramitação processual dos recursos, bem como o funcionamento dos tribunais superiores, no que respeita aos meios humanos e materiais ao seu dispor. O objectivo principal era o de definir as medidas administrativas e legislativas, nomeadamente através da simplificação das regras processuais e de procedimentos, que favorecessem a eficiência do sistema e a qualidade das decisões. Como resultado do estudo efectuado, concluiu-se que o número de recursos de matéria cível que entraram nas Relações aumentou significativamente desde os anos 80, sendo que 50% dos mesmos respeitaram a dívidas civis e comerciais. Do mesmo estudo, constatou-se, ainda, a quase inexistência de recursos de revista per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, com percentagens inferiores a 0,5% do total de recursos de revista findos nesse tribunal. Por último, chegou-se à conclusão de que a duração média para ser proferida decisão num recurso não tem sido superior aos quatro meses a contar do momento da entrada do processo no tribunal superior, sendo certo que, até à entrada do recurso no tribunal superior, podem chegar a decorrer mais de seis meses. Assim, com a publicação do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, pretendeu-se atingir três objectivos essenciais: 1. Simplificação dos recursos:

a) adopção de um regime monista de recursos cíveis, com a eliminação da clássica distinção entre recurso de apelação e recurso de agravo;

b) introdução da regra geral de impugnação de decisões interlocutórias apenas com o recurso que vier a ser interposto da decisão que põe termo ao processo; c) equiparação das decisões de mérito e de forma para efeitos de recursos das decisões que põem termo ao processo; d) concentração em momentos processuais únicos dos actos de interposição de recurso e apresentação de alegações e dos despachos de admissão e expedição do recurso; e) revisão operada no regime de arguição dos vícios e da reforma da sentença, ao estabelecer-se que, cabendo recurso da decisão, o requerimento de rectificação, esclarecimento ou reforma é sempre feito nas respectivas alegações; f) na fase do julgamento, foi alterado o regime de vistos aos juízes adjuntos, estabelecendo-se que estes se realizam com a entrega da cópia do projecto de acórdão, processando-se simultaneamente por meios electrónicos.

2. Celeridade processual:

• esta simplificação irá permitir ganhos significativos na celeridade processual, não apenas na fase de julgamento, mas também na fase que decorre no tribunal recorrido.

3. Racionalização do acesso ao STJ, acentuando-se as suas funções de orientação e uniformização da jurisprudência:

a) revisão do valor da alçada da Relação, que foi agora fixada nos €30.000,00; b) introdução da regra da fixação obrigatória do valor da causa pelo juiz; c) regra da “dupla conforme”, pela qual se consagra a inadmissibilidade de recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na primeira instância. Existem, no entanto, três excepções a esta regra:

i. quando esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

ii. quando estejam em causa interesses de particular relevância social; ou iii. quando o acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo STJ, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. Neste caso, ressalva-se sempre a hipótese de já ter sido proferido acórdão de uniformização da jurisprudência com ele conforme, caso em que se retoma a regra da inadmissibilidade do recurso.

No que concerne à uniformização da jurisprudência, consagraram-se, ainda, as alterações seguintes:

a) o relator e os adjuntos passaram a ter a obrigação de suscitar o julgamento ampliado da revista sempre que verifique a possibilidade de vencimento de uma solução jurídica que contrarie jurisprudência uniformizada do STJ; b) foi introduzido um recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência para o pleno da secções cíveis do STJ, quando este tribunal, em secção, proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

Nos recursos em que o seu objecto se resume à decisão sobre matéria de facto, consagrou-se a obrigação do recorrente proceder à identificação da passagem da gravação em que funde essa impugnação, sem prejuízo da possibilidade de proceder, se assim o entender, à respectiva transcrição, e a possibilidade de discussão oral do objecto do recurso de revista, quando o relator, oficiosamente, ou a requerimento das partes, a entenda necessária. Para além da alteração do valor da alçada da Relação, foi também actualizado o valor da alçada dos tribunais de primeira instância para os €5.000,00.

Outra novidade, em matéria de recursos cíveis, é a ampliação dos casos em que é admissível o recurso extraordinário de revisão, permitindo-se que a decisão transitada em julgado possa ser revista quando viole a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ou outras normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte. Relativamente aos processos de resolução de conflitos, prévios à resolução da questão material da causa, optou-se pela solução de terem de ser suscitados oficiosamente e de passarem a ser resolvidos com carácter urgente, num único grau e por juiz singular. Reflecte-se ainda na revisão da matéria relativa aos recursos aquele que tem sido o grande princípio que o actual Governo pretende fazer valer em várias áreas de actuação, isto é, a aplicação dos meios informáticos e tecnológicos, consagrando-se aqui a inovação tecnológica da justiça, fomentando sempre que possível a utilização dos meios informáticos ao dispor dos cidadãos, como forma de atingir a celeridade e simplicidade na resolução dos litígios. Assim, pretende-se que sejam utilizados os meios tecnológicos, com vista a desmaterializar os processos judiciais, permitindo-se a prática dos actos processuais através dos meios electrónicos, dispensando-se a sua posterior reprodução em papel. O Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, entrará em vigor, na sua íntegra, no dia 1 de Janeiro de 2008, muito embora a nova redacção de todos os artigos que foram alterados visando única e exclusivamente a adaptação do processo à prática de actos processuais por via electrónica tenha já entrado em vigor no dia seguinte à sua publicação em Diário da República, isto é, em 25 de Agosto de 2007. © Regal, Varela, Ramos & Associados – Sociedade de Advogados RL // 2007

Esta informação tem apenas carácter genérico, não constituindo uma forma de publicidade, de solicitação de clientes ou de aconselhamento jurídico. Caso necessite de aconselhamento jurídico sobre estas ou outras matérias sugerimos que contacte um advogado

DIREITO PROCESSUAL CIVIL NEWSLETTER RVR 4

Dezembro de 2007

AS OBRIGAÇÕES FISCAIS DOS SOLICITADORES DE EXECUÇÃO

Luís Miguel Varela

[email protected] A reforma do regime da acção executiva previsto no Código de Processo Civil, levada a cabo pelo DL nº 38/2003, de 8 de Março, veio criar no ordenamento jurídico português a figura do agente de execução, cujas funções são desempenhadas, por via de regra, por solicitador de execução.

A remuneração e o reembolso das despesas inerentes à actividade de tais profissionais foi, posteriormente, objecto de regulação através da Portaria nº 708/2003, de 4 de Agosto.

Tendo por base o disposto neste diploma legal, os solicitadores de execução, em geral, têm apresentado aos Autores e exequentes pedidos de honorários e despesas e, bem assim, de provisão por contas das mesmas, cuja conformidade com a lei tem levantado algumas dúvidas.

A matéria em análise assume um carácter delicado, na medida em que, por um lado, há que assegurar o direito dos solicitadores à justa remuneração e reembolso de despesas pela sua actividade, sendo que, por outro lado, o exercício de tal direito precisa ser conjugado com as regras contabilísticas e as obrigações fiscais que impendem sobre os Autores/Exequentes, sobretudo ao nível do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

A referida Portaria nº 708/2003, de 4 de Agosto, dispõe no seu art. 1º, nº 1, que “o solicitador de execução tem direito a receber honorários pelos serviços prestados, bem como a ser reembolsado das despesas realizadas que devidamente comprove”, acrescentando o art. 2º, nº 2, que “sempre que o solicitador de execução exigir provisão [a que tem direito por força do nº 1 do art. 2º], deve emitir recibo do qual constem, detalhadamente, as quantias recebidas e os actos a que as mesmas dizem respeito”.

A actividade desenvolvida pelos solicitadores de execução nos processos declarativos e executivos em que são designados enquadra-se no conceito de prestação de serviços a que se refere o art. 4º, nº 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), consubstanciando, pois, em regra, uma operação sujeita a IVA.

Significa isso que, nos termos do art. 28º, nº 1, al. b), do CIVA, por cada prestação de serviços os solicitadores de execução estão obrigados, para além do pagamento do imposto, a emitir factura ou documento equivalente, o qual deverá reunir os requisitos enumerados nos nºs 4 e 5 do art. 35º do CIVA e ser emitido no prazo previsto nº 1 da mesma norma legal.

A referida norma legal estipula que as referidas facturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos:

• Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do prestador de serviços (solicitador de execução) e do cliente (Autores/Exequentes);

• Os números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto; • A quantidade e a denominação dos serviços prestados, com indicação expressa da taxa de

imposto aplicável; • O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável; • O montante de imposto devido; • O motivo justificativo da não aplicação do imposto, nos casos de isenção.

Para além disso, para que os Autores/Exequentes possam proceder à dedução do imposto é necessário que os solicitadores de execução lhes enviem os originais das facturas ou documentos equivalentes, conforme resulta do disposto no art. 19º, nº 2 e art. 35º, nº 4, do CIVA, e não apenas meros duplicados ou documentos enviados por telecópia, como muitas vezes sucede.

No caso de pagamentos relativos a prestação de serviços ainda não realizada, a data da emissão do documento supra referido deverá coincidir com a da percepção de tal montante.

Assim sendo, temos que a lei exige que a cada operação sujeita ao pagamento de IVA, nas quais se inclui o pagamento antecipado de prestação de serviços que os solicitadores de execução exigem dos clientes através de pedidos de provisão, corresponda a emissão de uma factura ou documento equivalente.

Ora, se tal exigência legal parece não apresentar grandes dificuldades ao nível dos montantes devidos a título de honorários, desde que os mesmos respeitem os limites impostos pelas tabelas anexas à Portaria nº 708/2003, de 4 de Agosto, o mesmo já não se verifica no que respeita aos valores das despesas a reembolsar, seja em sede conta final ou de pedido de provisão.

Isto porque, conforme já acima se escreveu, a Portaria nº 708/2003, de 4 de Agosto, refere expressamente que o direito ao reembolso das despesas realizadas pelo solicitador de execução estará sempre dependente da apresentação dos respectivos comprovativos.

Acresce que, ao contrário do que já foi sugerido em parecer técnico da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, o solicitador de execução não pode adicionar o valor das despesas não documentadas ao montante devido a título de honorários, uma vez que, assim sendo, estaria a considerá-las, também, como prestação de serviços, o que esbarraria nos limites impostos pelo art. 2º, nº 2, da Portaria nº 708/2003, de 4 de Agosto e pelas respectivas tabelas anexas.

Face a tais condicionalismos legais, parece, portanto, que deverá concluir-se no sentido de que no caso das despesas cuja obtenção de comprovativos seja exequível e o valor de tais despesas o justifique - v.g. despesas referentes ao pagamento de certidões, licenças e/ou emolumentos -, o solicitador de execução deverá suportar inicialmente o seu custo, em nome e por conta do cliente, apresentando-lhe, posteriormente, os originais das facturas ou documentos equivalentes, possibilitando, assim, que o mesmo proceda à dedução de IVA, reembolsando o solicitador de execução de tais despesas. No caso das despesas de valor diminuto ou cuja obtenção de comprovativos não se mostre viável, como é o caso das despesas de expediente do escritório do solicitador de execução, deverá entender-se que o legislador, na ponderação que efectuou ao estabelecer o valor dos honorários para os diferentes actos do solicitador de execução, os quais figuram nas tabelas anexas à Portaria nº 708/2003, de 4 de Agosto, levou em consideração o montante médio expectável de tais despesas não passíveis de comprovação e, por, isso, estas devem-se considerar integradas nos honorários do solicitador de execução. © Regal, Varela, Ramos & Associados – Sociedade de Advogados RL // 2007

Esta informação tem apenas carácter genérico, não constituindo uma forma de publicidade, de solicitação de clientes ou de aconselhamento jurídico. Caso necessite de aconselhamento jurídico sobre estas ou outras matérias sugerimos que contacte um advogado

DIREITO PROCESSUAL CIVIL NEWSLETTER RVR 4

Dezembro de 2007

O REGULAMENTO (CE) Nº 1206/2001

Filipe Silva Paula [email protected]

Foi publicado em 28 de Maio de 2001 o Regulamento (CE) nº 1206/2001 do Conselho, relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados-Membros no domínio da obtenção de provas em matéria civil ou comercial. Este Regulamento tem como principal objectivo contribuir para a melhoria, simplificação e aceleração da cooperação entre tribunais no domínio da obtenção de provas, sem nunca deixar de ter em conta os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade constantes do art. 5º do Tratado. Atendendo, desde logo, ao art. 1º do regulamento, podemos elencar quatro condições cumulativas de aplicação do mesmo. Com efeito, a sua aplicação depende da verificação dos requisitos seguintes:

1. tratar-se de matéria civil ou comercial; 2. consistir em pedidos de obtenção de provas; 3. as provas devem destinar-se a serem utilizadas num processo previsto ou já iniciado; 4. os pedidos têm que ser apresentados por um tribunal de um Estado-Membro.

Em todo este processo existem três intérpretes principais e fundamentais: o tribunal requerente, o tribunal requerido e uma entidade central designada por cada Estado-Membro com as funções de fornecer informações aos tribunais, procurar soluções para dificuldades que possam surgir em relação a um pedido e remeter, em casos excepcionais, um pedido ao tribunal requerido, a rogo de um tribunal requerente (art. 3º). Consagra-se também, neste âmbito, que ficará a cargo de cada Estado-Membro optar entre designar a referida entidade central para proceder à avaliação dos pedidos de obtenção directa de provas pelos tribunais requeridos, ou em alternativa, criar, expressamente para tal, uma ou mais autoridades competentes (art. 3º, nº 3). O pedido deverá ser apresentado através de um formulário que foi especialmente criado para o efeito, com indicação de informações essenciais como sejam a identificação dos tribunais requerente e requerido, a identificação das partes e seus representantes, a natureza e o objecto da acção, uma exposição sumária dos factos e a descrição da obtenção de provas a apresentar (art.4º), devendo obrigatoriamente ser redigido na língua oficial do Estado-Membro do tribunal

requerido (ou numa delas, caso existam várias línguas oficiais) ou numa outra língua que este tenha indicado poder aceitar (art. 5º). Após a recepção do pedido, o tribunal requerido dispõe de um prazo de sete dias para enviar um aviso de recepção ao tribunal requerente (art.7º). Por outro lado, caso o pedido não possa ser executado por não conter todas as indicações necessárias nos termos do art. 4º ou por ser necessário que seja efectuado um depósito ou avanço nos termos do art. 18º, nº 3, deverá o tribunal requerido informar desse facto o tribunal requerido, dispondo, para tal, de um prazo de 30 dias (art.8º). Desta forma, podemos distinguir neste regulamento dois métodos de obtenção de provas: a obtenção de provas pelo tribunal requerido e a obtenção de provas directamente pelo tribunal requerente. No âmbito da obtenção de provas pelo tribunal requerido é estabelecido, à partida, um prazo máximo de 90 dias após a recepção do pedido devidamente completado para executar o pedido (arts. 9º, nº 1 e 10º, nº 1), devendo este ser sempre executado de acordo com a legislação do seu próprio Estado-Membro (art. 10, nº 2). É também estabelecido que, quer as partes e os seus representantes, quer os representantes do tribunal requerente, têm direito a estar presentes na obtenção de provas pelo tribunal requerido, desde que tal se encontre previsto na legislação do Estado-Membro do tribunal requerente (arts. 11º e 12º). Na execução do pedido e sempre que se revele necessário, o tribunal requerido aplicará as medidas coercivas que considere apropriadas, conforme estabelecido pela sua própria legislação (art. 13º). Existe também a possibilidade de a execução do pedido ser recusada, embora se esteja, em todo o caso, perante situações perfeitamente delimitadas e, de certa forma, excepcionais. Assim, está expressamente consagrada, desde logo, a hipótese da não execução do pedido se, tratando-se da audição de uma pessoa, esta se recusar a depor ou indicar estar proibida de o fazer nos termos da legislação do Estado-Membro do tribunal requerido ou do tribunal requerente (art.14º, nº1). Por outro lado, é também consagrado que o próprio tribunal requerido pode recusar a execução do pedido (art. 14º, nº2), mas apenas na medida em que: • o pedido não esteja abrangido pelo âmbito de aplicação do regulamento; ou, • nos termos da legislação do Estado-Membro do tribunal requerido, a execução do pedido não faça parte das atribuições do poder judicial; ou; • o tribunal requerente não cumpra a solicitação do tribunal requerido de completar o seu pedido no prazo de 30 dias a contar da data em que o tribunal requerido lho haja solicitado; ou, • sendo necessário um depósito ou avanço, este não seja efectuado no prazo de 60 dias após o tribunal requerido ter pedido esse depósito ou avanço. Como tal, concluir-se-á que mesmo invocando a competência exclusiva na matéria que é objecto da causa ou o não reconhecimento, pela sua própria legislação, do direito de acção na matéria em causa, está absolutamente vedado ao tribunal requerido não proceder à execução do pedido (art. 14º, nº 3). Está também previsto que, caso não possa proceder à execução do pedido no prazo de 90 dias a contar da data da sua recepção, deverá o tribunal requerido informar o tribunal requerente desse facto, indicando os motivos que estão na origem do atraso e o lapso de tempo necessário para a referida execução (art. 15º).

Por sua vez, no âmbito da obtenção de provas directamente pelo tribunal requerido, estabelece-se que o pedido deverá ser apresentado à entidade central ou à autoridade competente designada pelo Estado-Membro requerido (art. 17º, nº 1), que disporá de 30 dias a contar da data da recepção do pedido para indicar ao tribunal requerente se o pedido é aceite e, eventualmente, as condições da sua execução, segundo a lei do seu Estado-Membro (art. 17º, nº 4). É de relevar que também aqui existe a possibilidade, com carácter excepcional, de recusa do pedido por parte do organismo competente, pelo que o mesmo apenas poderá ser recusado se não couber no âmbito do regulamento, não contiver todas as informações necessárias ao abrigo do art. 4º ou se a própria obtenção directa de provas requerida for contrária aos princípios fundamentais da legislação do seu Estado-Membro (art. 17º, nº 5). Porém, a limitação que no fundo acaba por se revelar mais importante relativamente à obtenção directa de provas é que esta apenas poderá ocorrer se for feita “numa base voluntária, sem recorrer a medidas coercivas”, pelo que, se a obtenção directa de provas implicar, nomeadamente, a audição de uma pessoa, o tribunal requerente terá de a informar de que a audição é efectuada numa base voluntária (art. 17º, nº 2). Para finalizar, é de referir que o regulamento é aplicável, no seu todo, e desde 1 de Janeiro de 2004 (art. 24º, nº 2), a todos os Estados-Membros da União Europeia, com excepção da Dinamarca (art. 1º, nº 3), sendo que, no que diz respeito à matéria abrangida pelo seu âmbito de aplicação, prevalece sobre as disposições contidas em acordos ou convénios bilaterais ou multilaterais celebrados pelos Estados-Membros, e em especial, sobre a Convenção da Haia de 18 de Março de 1970 relativa à obtenção de provas no estrangeiro em matéria civil e comercial, nas relações entre os Estados-Membros que nela são partes (art. 21º, nº 1), embora não impeça a manutenção ou celebração de acordos ou convénios entre Estados-Membros destinados a facilitar ainda mais a obtenção de provas (art. 21º, nº 2). © Regal, Varela, Ramos & Associados – Sociedade de Advogados RL // 2007

Esta informação tem apenas carácter genérico, não constituindo uma forma de publicidade, de solicitação de clientes ou de aconselhamento jurídico. Caso necessite de aconselhamento jurídico sobre estas ou outras matérias sugerimos que contacte um advogado