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DIREITO DO TRABALHO NEWSLETTER RVR 3 Setembro de 2007 A ORGANIZAÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO Miguel Regal / Luís Miguel Varela [email protected] [email protected] No mundo laboral existem diversas actividades profissionais que, por circunstâncias várias, implicam que a prestação de trabalho seja muitas vezes satisfeita fora das instalações da entidade empregadora e do período de horário de trabalho contratualmente fixado. O enquadramento legal da prestação de trabalho de tais actividades determina a necessidade de apreciação das condições legalmente previstas quanto à organização do tempo de trabalho. Pela especial relevância que revestem, analisaremos as seguintes situações: I. Definição de horário de trabalho e as suas incidências; II. Isenção de horário de trabalho; III. O regime da adaptabilidade. A DEFINIÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO E SUAS CONSEQUÊNCIAS Compete exclusivamente à entidade patronal a definição dos horários de trabalho dos trabalhadores ao seu serviço, não sendo necessário qualquer acordo com estes – cfr. art. 170, nº 1, do Código do Trabalho (CT). Como único condicionalismo à referida liberdade de estabelecimento dos horários de trabalho está o facto das organizações representativas dos trabalhadores deverem ser consultadas previamente, sob pena de a entidade patronal incorrer em contra-ordenação leve – cfr. art. 659, nº 2, do CT. A prestação de trabalho para além do período de horário de trabalho fixado tem como consequência a aplicação das regras legais relativas ao trabalho suplementar. O TRABALHO SUPLEMENTAR E AS SUAS IMPLICAÇÕES

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DIREITO DO TRABALHO NEWSLETTER RVR 3

Setembro de 2007

A ORGANIZAÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO

Miguel Regal / Luís Miguel Varela [email protected] [email protected]

No mundo laboral existem diversas actividades profissionais que, por circunstâncias várias,

implicam que a prestação de trabalho seja muitas vezes satisfeita fora das instalações da entidade

empregadora e do período de horário de trabalho contratualmente fixado.

O enquadramento legal da prestação de trabalho de tais actividades determina a necessidade de

apreciação das condições legalmente previstas quanto à organização do tempo de trabalho.

Pela especial relevância que revestem, analisaremos as seguintes situações:

I. Definição de horário de trabalho e as suas incidências;

II. Isenção de horário de trabalho;

III. O regime da adaptabilidade.

A DEFINIÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Compete exclusivamente à entidade patronal a definição dos horários de trabalho dos

trabalhadores ao seu serviço, não sendo necessário qualquer acordo com estes – cfr. art. 170, nº

1, do Código do Trabalho (CT).

Como único condicionalismo à referida liberdade de estabelecimento dos horários de trabalho está

o facto das organizações representativas dos trabalhadores deverem ser consultadas previamente,

sob pena de a entidade patronal incorrer em contra-ordenação leve – cfr. art. 659, nº 2, do CT.

A prestação de trabalho para além do período de horário de trabalho fixado tem como

consequência a aplicação das regras legais relativas ao trabalho suplementar.

O TRABALHO SUPLEMENTAR E AS SUAS IMPLICAÇÕES

Como se referiu, o estabelecimento de horários de trabalho implica que será considerado trabalho

suplementar todo aquele que for prestado para além do referido horário, incluindo, portanto, o

trabalho prestado antes do início, após o término ou nos intervalos do horário de trabalho..

O trabalho suplementar é apenas admissível quando o empregador tenha de fazer face a

acréscimos de trabalho pontuais e transitórios e, por isso mesmo, não justificam a admissão de

outro trabalhador.

O referido trabalho suplementar está, no entanto, sujeito a limites de duração estabelecidos em

função do número de trabalhadores da empresa e obriga a entidade patronal a conceder períodos

de descanso obrigatório ao trabalhador.

A retribuição devida pelo trabalho suplementar varia consoante as condições em que é prestado e

é calculada tendo em conta o valor do salário-hora.

A ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO

O Código do Trabalho prevê três situações em que é possível celebrar acordo de isenção de

horário de trabalho (IHT), podendo tal acordo ter lugar aquando da admissão do trabalhador ou

na vigência de um contrato de trabalho inicialmente celebrado sem isenção de horário:

a) os trabalhadores que exerçam cargos de administração, de direcção, de confiança, de

fiscalização ou de apoio aos titulares desses cargos;

b) os trabalhadores que executam trabalhos preparatórios ou complementares que, pela sua

natureza, só possam ser efectuados fora dos limites dos horários normais de trabalho;

c) os trabalhadores que exerçam regularmente a sua actividade profissional fora das

instalações da entidade patronal e sem controlo imediato por parte da mesma.

Em qualquer dos casos previstos na lei, é sempre necessário o acordo expresso do trabalhador

relativamente à isenção de horário de trabalho.

Além das situações expressamente previstas no Código do Trabalho, a lei admite que sejam

estabelecidas outras situações de isenção de horário através de instrumentos de regulamentação

colectiva de trabalho.

De referir ainda que, ao contrário do que sucedia na vigência da legislação anterior, o acordo de

isenção de horário já não depende de autorização prévia por parte da Inspecção-Geral do

Trabalho, sem prejuízo de ter que ser remetido àquela entidade fiscalizadora, sob pena de se

incorrer em prática de contra-ordenação laboral grave.

O Código do Trabalho indica as diversas modalidades que a isenção de horário de trabalho pode

compreender:

a) A primeira permite a não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de

trabalho, diários ou semanais, podendo, portanto, a prestação de um trabalhador com

isenção de horário exceder esses limites estabelecidos;

b) A segunda traduz-se na possibilidade de se alargar a prestação de trabalho a um

determinado número de horas, diárias ou semanais, a estabelecer pelo empregador,

mediante acordo com o trabalhador;

c) A terceira modalidade de isenção de horário corresponde ao que também é conhecido

por “horário flexível”, concedendo-se ao trabalhador a possibilidade de determinar os

momentos de início e término da sua prestação laboral, estando apenas obrigado a

cumprir o período de trabalho convencionado.

Caso não se estipule expressamente qual das modalidades de isenção de horário se pretende

estabelecer, aplicar-se-á, como regime supletivo, a indicada como alínea a).

A adopção do regime de isenção de horário de trabalho tem efeitos ao nível dos períodos de

descanso e da retribuição a liquidar ao trabalhador, que ficará acrescida do valor de uma ou duas

horas de trabalho por dia, consoante a modalidade de isenção adoptada.

De referir ainda que a contrapartida devida por IHT apenas será devida enquanto a prestação

laboral for prestada nas condições que justificam a sua atribuição.

Significa isto que à entidade patronal é legítimo deixar de liquidar a compensação devida por IHT

caso a prestação do trabalhador passe a ser realizada no chamado “horário normal”.1

O REGIME DA ADAPTABILIDADE

Dentro das regras legais que conferem ao empregador a possibilidade de organizar e configurar a

duração do tempo de trabalho, conta-se igualmente o regime especial de adaptabilidade - cfr. art.

165 do CT.

Esta figura foi profundamente alterada pelo Código do Trabalho e, por isso, na actual

configuração, está ainda pouco tratada em termos de Jurisprudência.

O regime da adaptabilidade consiste na organização do período de trabalho em termos médios,

tendo por referência períodos que, em regra, não deverão exceder quatro meses.

A adopção do referido regime de duração do período de trabalho implica, necessariamente, o

acordo entre a entidade patronal e o trabalhador, o qual deverá ser reduzido a escrito.

1 Este entendimento não resulta expressamente de qualquer norma jurídica mas é pacificamente aceite pela Doutrina e Jurisprudência mais relevante (vide, a título de exemplo, o Ac. da RC de 07.03.1996, in Colectânea de Jurisprudência, 1996, 2º Vol, pag. 63). A Jurisprudência tem divergido nos casos em que a isenção resulta do clausulado do contrato de trabalho e sem que expressamente se indique que a contrapartida pelo IHT cessará caso as funções deixem de ser prestadas nas condições que o justificam, pelo que caberá às partes acautelar esse tipo de situações.

Uma das características do regime da adaptabilidade é o facto de o seu estabelecimento não

implicar, por si, qualquer acréscimo de remuneração ao trabalhador.

O regime de adaptabilidade prevê o limite diário de duas horas para o período normal de trabalho

bem como o limite semanal de cinquenta horas.

A violação de tais limites legais constitui contra-ordenação grave, punida pelo art. 658 do CT.

CONCLUSÕES

As formas de organização do tempo de trabalho previstas na lei apresentam diferenças quanto à

flexibilidade e duração da prestação laboral, quanto aos períodos de descanso associados e quanto

aos encargos salariais decorrentes de cada uma delas.

Grosso modo, poder-se-á dizer que o “período normal” de trabalho enquadrará adequadamente

situações em que não é expectável que a prestação laboral decorra fora deste período e que a IHT

será melhor adequada a situações em que a prestação laboral possa, tendencialmente, exceder o

número de horas previstas no período normal de trabalho e/ou decorra, com frequência, fora do

chamado período normal de trabalho, apresentando-se a figura da adaptabilidade como uma

solução intermédia entre as duas anteriormente referidas.

© Regal, Varela, Ramos & Associados – Sociedade de Advogados RL // 2007

Esta informação tem apenas carácter genérico, não constituindo uma forma de publicidade, de solicitação de clientes ou de aconselhamento jurídico. Caso necessite de aconselhamento jurídico sobre estas ou outras matérias sugerimos que contacte um advogado