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DIREITO PROCESSUAL CIVIL NEWSLETTER RVR 4 Dezembro de 2007 A REFORMA DOS RECURSOS EM PROCESSO CIVIL Sandra Lemos [email protected] O Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, introduziu uma profunda alteração no Código de Processo Civil, com particular incidência no regime dos recursos. O regime dos recursos tem vindo a sofrer alterações, algumas mais expressivas que outras, sendo a mais significativa a que se designou como a reforma de 1995/96. A reforma ora realizada foi precedida de um estudo global levado a cabo pelo Ministério da Justiça, que pretendeu avaliar o aspecto jurídico e a tramitação processual dos recursos, bem como o funcionamento dos tribunais superiores, no que respeita aos meios humanos e materiais ao seu dispor. O objectivo principal era o de definir as medidas administrativas e legislativas, nomeadamente através da simplificação das regras processuais e de procedimentos, que favorecessem a eficiência do sistema e a qualidade das decisões. Como resultado do estudo efectuado, concluiu-se que o número de recursos de matéria cível que entraram nas Relações aumentou significativamente desde os anos 80, sendo que 50% dos mesmos respeitaram a dívidas civis e comerciais. Do mesmo estudo, constatou-se, ainda, a quase inexistência de recursos de revista per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, com percentagens inferiores a 0,5% do total de recursos de revista findos nesse tribunal. Por último, chegou-se à conclusão de que a duração média para ser proferida decisão num recurso não tem sido superior aos quatro meses a contar do momento da entrada do processo no tribunal superior, sendo certo que, até à entrada do recurso no tribunal superior, podem chegar a decorrer mais de seis meses. Assim, com a publicação do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, pretendeu-se atingir três objectivos essenciais: 1. Simplificação dos recursos : a) adopção de um regime monista de recursos cíveis, com a eliminação da clássica distinção entre recurso de apelação e recurso de agravo;

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Page 1: A REFORMA DOS RECURSOS EM PROCESSO CIVIL - rvr.pt · DIREITO PROCESSUAL CIVIL NEWSLETTER RVR 4 Dezembro de 2007 A REFORMA DOS RECURSOS EM PROCESSO CIVIL Sandra Lemos slemos@rvr.pt

DIREITO PROCESSUAL CIVIL NEWSLETTER RVR 4

Dezembro de 2007

A REFORMA DOS RECURSOS EM PROCESSO CIVIL

Sandra Lemos

[email protected]

O Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, introduziu uma profunda alteração no Código de Processo Civil, com particular incidência no regime dos recursos. O regime dos recursos tem vindo a sofrer alterações, algumas mais expressivas que outras, sendo a mais significativa a que se designou como a reforma de 1995/96. A reforma ora realizada foi precedida de um estudo global levado a cabo pelo Ministério da Justiça, que pretendeu avaliar o aspecto jurídico e a tramitação processual dos recursos, bem como o funcionamento dos tribunais superiores, no que respeita aos meios humanos e materiais ao seu dispor. O objectivo principal era o de definir as medidas administrativas e legislativas, nomeadamente através da simplificação das regras processuais e de procedimentos, que favorecessem a eficiência do sistema e a qualidade das decisões. Como resultado do estudo efectuado, concluiu-se que o número de recursos de matéria cível que entraram nas Relações aumentou significativamente desde os anos 80, sendo que 50% dos mesmos respeitaram a dívidas civis e comerciais. Do mesmo estudo, constatou-se, ainda, a quase inexistência de recursos de revista per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, com percentagens inferiores a 0,5% do total de recursos de revista findos nesse tribunal. Por último, chegou-se à conclusão de que a duração média para ser proferida decisão num recurso não tem sido superior aos quatro meses a contar do momento da entrada do processo no tribunal superior, sendo certo que, até à entrada do recurso no tribunal superior, podem chegar a decorrer mais de seis meses. Assim, com a publicação do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, pretendeu-se atingir três objectivos essenciais: 1. Simplificação dos recursos:

a) adopção de um regime monista de recursos cíveis, com a eliminação da clássica distinção entre recurso de apelação e recurso de agravo;

Page 2: A REFORMA DOS RECURSOS EM PROCESSO CIVIL - rvr.pt · DIREITO PROCESSUAL CIVIL NEWSLETTER RVR 4 Dezembro de 2007 A REFORMA DOS RECURSOS EM PROCESSO CIVIL Sandra Lemos slemos@rvr.pt

b) introdução da regra geral de impugnação de decisões interlocutórias apenas com o recurso que vier a ser interposto da decisão que põe termo ao processo; c) equiparação das decisões de mérito e de forma para efeitos de recursos das decisões que põem termo ao processo; d) concentração em momentos processuais únicos dos actos de interposição de recurso e apresentação de alegações e dos despachos de admissão e expedição do recurso; e) revisão operada no regime de arguição dos vícios e da reforma da sentença, ao estabelecer-se que, cabendo recurso da decisão, o requerimento de rectificação, esclarecimento ou reforma é sempre feito nas respectivas alegações; f) na fase do julgamento, foi alterado o regime de vistos aos juízes adjuntos, estabelecendo-se que estes se realizam com a entrega da cópia do projecto de acórdão, processando-se simultaneamente por meios electrónicos.

2. Celeridade processual:

• esta simplificação irá permitir ganhos significativos na celeridade processual, não apenas na fase de julgamento, mas também na fase que decorre no tribunal recorrido.

3. Racionalização do acesso ao STJ, acentuando-se as suas funções de orientação e uniformização da jurisprudência:

a) revisão do valor da alçada da Relação, que foi agora fixada nos €30.000,00; b) introdução da regra da fixação obrigatória do valor da causa pelo juiz; c) regra da “dupla conforme”, pela qual se consagra a inadmissibilidade de recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na primeira instância. Existem, no entanto, três excepções a esta regra:

i. quando esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

ii. quando estejam em causa interesses de particular relevância social; ou iii. quando o acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo STJ, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. Neste caso, ressalva-se sempre a hipótese de já ter sido proferido acórdão de uniformização da jurisprudência com ele conforme, caso em que se retoma a regra da inadmissibilidade do recurso.

No que concerne à uniformização da jurisprudência, consagraram-se, ainda, as alterações seguintes:

a) o relator e os adjuntos passaram a ter a obrigação de suscitar o julgamento ampliado da revista sempre que verifique a possibilidade de vencimento de uma solução jurídica que contrarie jurisprudência uniformizada do STJ; b) foi introduzido um recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência para o pleno da secções cíveis do STJ, quando este tribunal, em secção, proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

Nos recursos em que o seu objecto se resume à decisão sobre matéria de facto, consagrou-se a obrigação do recorrente proceder à identificação da passagem da gravação em que funde essa impugnação, sem prejuízo da possibilidade de proceder, se assim o entender, à respectiva transcrição, e a possibilidade de discussão oral do objecto do recurso de revista, quando o relator, oficiosamente, ou a requerimento das partes, a entenda necessária. Para além da alteração do valor da alçada da Relação, foi também actualizado o valor da alçada dos tribunais de primeira instância para os €5.000,00.

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Outra novidade, em matéria de recursos cíveis, é a ampliação dos casos em que é admissível o recurso extraordinário de revisão, permitindo-se que a decisão transitada em julgado possa ser revista quando viole a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ou outras normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte. Relativamente aos processos de resolução de conflitos, prévios à resolução da questão material da causa, optou-se pela solução de terem de ser suscitados oficiosamente e de passarem a ser resolvidos com carácter urgente, num único grau e por juiz singular. Reflecte-se ainda na revisão da matéria relativa aos recursos aquele que tem sido o grande princípio que o actual Governo pretende fazer valer em várias áreas de actuação, isto é, a aplicação dos meios informáticos e tecnológicos, consagrando-se aqui a inovação tecnológica da justiça, fomentando sempre que possível a utilização dos meios informáticos ao dispor dos cidadãos, como forma de atingir a celeridade e simplicidade na resolução dos litígios. Assim, pretende-se que sejam utilizados os meios tecnológicos, com vista a desmaterializar os processos judiciais, permitindo-se a prática dos actos processuais através dos meios electrónicos, dispensando-se a sua posterior reprodução em papel. O Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, entrará em vigor, na sua íntegra, no dia 1 de Janeiro de 2008, muito embora a nova redacção de todos os artigos que foram alterados visando única e exclusivamente a adaptação do processo à prática de actos processuais por via electrónica tenha já entrado em vigor no dia seguinte à sua publicação em Diário da República, isto é, em 25 de Agosto de 2007. © Regal, Varela, Ramos & Associados – Sociedade de Advogados RL // 2007

Esta informação tem apenas carácter genérico, não constituindo uma forma de publicidade, de solicitação de clientes ou de aconselhamento jurídico. Caso necessite de aconselhamento jurídico sobre estas ou outras matérias sugerimos que contacte um advogado