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SIMPLEX NAS SOCIEDADES COMERCIAIS NEWSLETTER RVR 1 Abril de 2007 OS NOVOS MODELOS DE GOVERNO DAS SOCIEDADES ANÓNIMAS Diana Bragança Almeida O Decreto-Lei n.º 76-A/2006 (D.R. n.º 63, Série I-A, Suplemento de 2006-03-29) veio revolucionar verdadeiramente a vida das sociedades comerciais, tornando-se urgente, por isso mesmo, tomar consciência das grandes alterações ocorridas, ao nível da actualização e flexibilização dos modelos de governo das sociedades anónimas, adopção de medidas de simplificação e eliminação de actos e procedimentos notariais e registrais, e aprovação do novo regime jurídico da dissolução e da liquidação de entidades comerciais. A presente análise versa unicamente sobre as alterações introduzidas pelo referido diploma no regime das sociedades anónimas que, efectivamente, carecia de uma revisão vasta e profunda atendendo à necessidade de adaptar os modelos societários à preocupação de promover a competitividade, maior transparência e eficiência das sociedades anónimas portuguesas, permitindo o seu alinhamento com os modelos organizativos mais avançados. Na base da preparação deste Decreto-Lei estiveram as normas comunitárias sobre a matéria e a legislação societária do Reino Unido, Alemanha e Itália. De entre as linhas de fundo da reforma ao nível do regime jurídico a que estão sujeitas as sociedades anónimas, realçamos, de uma forma sumária: 1. A criação de novos modelos de administração e fiscalização que passam a estar à disposição das sociedades anónimas, com a consequente criação de novos órgãos sociais; 2. Distinção das sociedades em função da sua dimensão, encontrando-se uma diferenciação de regimes entre pequenas e grandes sociedades anónimas, onde se incluem as sociedades cotadas em bolsa; 3. Consagração de requisitos exigíveis exclusivamente às grandes sociedades, designadamente, ao nível dos órgãos sociais; 4. Imposição de soluções de fiscalização mais exigentes no que respeita à fiscalização de matérias financeiras; 5. Exigência de um certo grau de profissionalização dos membros dos órgãos de fiscalização, adequado ao exercício das suas funções (vide artigo 414º/5 do Código das Sociedades Comerciais, doravante CSC); 6. Garantia da independência dos membros dos órgãos sociais, através do estabelecimento de um regime mais apertado de incompatibilidades para o exercício das funções (vide artigos 414º/4, 423º-B/3 e 434º/4 do CSC); 7. Maior responsabilização dos administradores, mormente pela consagração de critérios objectivos de aferição da sua responsabilidade.

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SIMPLEX NAS SOCIEDADES COMERCIAIS NEWSLETTER RVR 1

Abril de 2007

OS NOVOS MODELOS DE GOVERNO DAS SOCIEDADES ANÓNIMAS Diana Bragança Almeida

O Decreto-Lei n.º 76-A/2006 (D.R. n.º 63, Série I-A, Suplemento de 2006-03-29) veio revolucionar verdadeiramente a vida das sociedades comerciais, tornando-se urgente, por isso mesmo, tomar consciência das grandes alterações ocorridas, ao nível da actualização e flexibilização dos modelos de governo das sociedades anónimas, adopção de medidas de simplificação e eliminação de actos e procedimentos notariais e registrais, e aprovação do novo regime jurídico da dissolução e da liquidação de entidades comerciais. A presente análise versa unicamente sobre as alterações introduzidas pelo referido diploma no regime das sociedades anónimas que, efectivamente, carecia de uma revisão vasta e profunda atendendo à necessidade de adaptar os modelos societários à preocupação de promover a competitividade, maior transparência e eficiência das sociedades anónimas portuguesas, permitindo o seu alinhamento com os modelos organizativos mais avançados. Na base da preparação deste Decreto-Lei estiveram as normas comunitárias sobre a matéria e a legislação societária do Reino Unido, Alemanha e Itália. De entre as linhas de fundo da reforma ao nível do regime jurídico a que estão sujeitas as sociedades anónimas, realçamos, de uma forma sumária:

1. A criação de novos modelos de administração e fiscalização que passam a estar à disposição das sociedades anónimas, com a consequente criação de novos órgãos sociais;

2. Distinção das sociedades em função da sua dimensão, encontrando-se uma diferenciação de regimes entre pequenas e grandes sociedades anónimas, onde se incluem as sociedades cotadas em bolsa;

3. Consagração de requisitos exigíveis exclusivamente às grandes sociedades, designadamente, ao nível dos órgãos sociais;

4. Imposição de soluções de fiscalização mais exigentes no que respeita à fiscalização de matérias financeiras;

5. Exigência de um certo grau de profissionalização dos membros dos órgãos de fiscalização, adequado ao exercício das suas funções (vide artigo 414º/5 do Código das Sociedades Comerciais, doravante CSC);

6. Garantia da independência dos membros dos órgãos sociais, através do estabelecimento de um regime mais apertado de incompatibilidades para o exercício das funções (vide artigos 414º/4, 423º-B/3 e 434º/4 do CSC);

7. Maior responsabilização dos administradores, mormente pela consagração de critérios objectivos de aferição da sua responsabilidade.

A pedra de toque desta reforma do Código das Sociedades Comerciais foi o alargamento das possibilidades de escolha dos diversos modelos de organização das sociedades anónimas, merecendo especial destaque o aparecimento de um novo modelo de raiz anglo-saxónica, adiante analisado. Cada modelo de governação tem características próprias, devendo a sua escolha ser determinada pelas necessidades funcionais a que visa responder. O diploma em análise consagra os critérios de distinção entre pequenas e grandes sociedades anónimas. Estas últimas passam a compreender as sociedades emitentes de valores admitidos à negociação em mercado regulamentado ou as sociedades que, não sendo totalmente dominadas por sociedades que adoptem este modelo, durante dois anos consecutivos, ultrapassem dois dos seguintes limites:

a) total de balanço – €100.000.000; b) total das vendas líquidas e outros

proveitos – €150.000.000; c) número de trabalhadores empregados em

média – 150. A fim de proporcionar uma mais imediata apreensão das principais alterações introduzidas, optámos por apresentar e tratar a informação que consideramos de maior relevância numa tabela comparativa dos regimes, anterior e actual. É evidente que através do formato escolhido não se pretende dar um tratamento exaustivo a todas as modificações legislativas ocorridas neste domínio, mas tão-só assinalar e comentar sumariamente alguns aspectos que, a nosso ver, o leitor não deverá deixar de conhecer.

Sociedades Anónimas – Modelos de Governo e Órgãos Sociais e suas Competências Regime anterior – DL

262/86, de 2 de Setembro Regime actual – DL 76-A/2006 de 29 de Março

Estrutura da Administração e Fiscalização

As modalidades previstas eram duas: a) Conselho de Administração/um só

administrador, e Conselho Fiscal/um fiscal único (modelo clássico);

b) Direcção/um só director, Conselho Geral e ROC (modelo dualista).

As modalidades possíveis são agora três: a) Conselho de Administração/administrador único, desde que o

capital não exceda € 200.000, e Conselho Fiscal (obrigatório para as sociedades cotadas em bolsa) / fiscal único (modelo clássico);

b) Conselho de Administração, compreendendo uma Comissão de Auditoria (não é permitido administrador único), e ROC – modelo anglo-saxónico, a grande novidade ao nível dos modelos de governação, aproximando a legislação nacional da que vigora nos E.U.A. e Inglaterra;

c) Conselho de Administração Executivo / administrador único, desde que o capital não exceda € 200.000, Conselho Geral e de Supervisão e ROC (modelo dualista).

Conselho de Administração

Era obrigatório o número de membros ser ímpar, e fixado no contrato de sociedade.

Número ímpar ou par, desde que fixado no contrato de sociedade (art. 390º).

Órgão de Fiscalização

Se se optasse pela adopção de um Conselho Fiscal: -Número mínimo de membros efectivos – três; -Número máximo de membros – cinco, se assim se estabelecesse no contrato de sociedade.

O Conselho Fiscal, quando se opte pelo mesmo no âmbito do modelo clássico, terá o mínimo de 3 membros efectivos, não se prevendo um máximo de membros a respeitar, mas apenas regras quanto aos membros suplentes. Deve sempre incluir um ROC ou uma sociedade de revisores oficiais de contas e não podem ser accionistas. Ainda dentro do modelo clássico, e em alternativa à adopção de órgão colegial, a fiscalização da sociedade poderá ser atribuída a um fiscal único (que terá sempre um suplente), que deve ser ROC ou sociedade de revisores oficiais de contas, opção esta que se encontra vedada apenas às grandes sociedades. Constata-se, assim, um défice de fiscalização por um órgão multidisciplinar e independente, em face dos exigentes requisitos para a obrigatoriedade de adopção de um Conselho Fiscal. Já as sociedades cotadas em bola terão obrigatoriamente de adoptar um

Conselho Fiscal. Adoptando-se o modelo anglo-saxónico, assegura-se um duplo controlo, pela comissão de auditoria e ROC.

Competências do Conselho Fiscal

Extensão ou alargamento das competências em nome de uma fiscalização mais rigorosa e exigente: a) Fiscalizar a eficácia do sistema de gestão de riscos, do sistema de controlo interno e do sistema de auditoria interna, se existentes; b) Receber as comunicações de irregularidades apresentadas por accionistas, colaboradores da sociedade ou outros; c) Contratar a prestação de serviços de peritos que coadjuvem um ou vários dos seus membros no exercício das suas funções.

Comissão de Auditoria

Não existia. Quando se adopte o modelo anglo-saxónico, a competência deste órgão consiste na apreciação anual da situação da sociedade. É composto por um número mínimo de 3 membros efectivos, sendo uma parte dos seus membros pertencente ao conselho de administração. Nas grandes sociedades anónimas, nos termos supra referidos, este órgão deve incluir pelo menos um membro que tenha curso superior adequado ao exercício das suas funções, conhecimentos em auditoria e contabilidade e que seja independente. Ao abrigo do art. 414º/5, considera-se independente a pessoa que não esteja associada a qualquer grupo de interesses específicos na sociedade nem se encontre em alguma circunstância susceptível de afectar a sua isenção de análise ou decisão, nomeadamente em virtude de: a) ser titular ou actuar em nome ou por conta de titulares de participação qualificada igual ou superior a 2% do capital social da sociedade; b) ter sido reeleita por mais de 2 mandatos, forma contínua e intercalada. Por força do art. 423.º-D, a remuneração dos membros da comissão de auditoria deve consistir numa quantia fixa, de modo a assegurar condições de maior imparcialidade.

Conselho de Administração executivo

O correspondeste a este órgão de Administração era a Direcção, se se optasse pelo modelo dualista. Previa-se que a direcção fosse composta por um número ímpar de membros, no máximo cinco.

O Conselho de Administração optando-se pelo modelo dualista, é composto pelo número de administradores fixado nos estatutos, sem que se estabeleça um número máximo admissível. Tal como no regime anterior, a sociedade só pode ter um único administrador quando o seu capital não exceda €200.000.

Conselho Geral de Supervisão

O correspondente deste órgão era o Conselho Geral. Tinha que ser composto por um número ímpar de membros, mas sempre superior ao número de directores e não superior a quinze. Os membros do Conselho Geral tinham de ser accionistas titulares de acções nominativas ou ao portador registadas e depositadas, comportando a alienação das acções a cessação de funções.

O Conselho Geral e de Supervisão, caso se adopte o modelo dualista, é composto pelo número de membros fixado nos estatutos, mas sempre superior ao número de administradores. Em face do regime actual, os membros deste órgão não têm de ser accionistas. Aos membros deste órgão aplica-se o disposto no art. 414º-A, e não somente o art. 437º (incompatibilidade entre funções de director e de membro do conselho geral e de supervisão que continua em vigor), o que resulta num alargamento de incompatibilidades que impedem o exercício de funções neste órgão. Estas incompatibilidades são as mesmas que se encontram previstas para os membros do Conselho Fiscal, podendo, no entanto, exercer funções em empresa concorrente e que actuem em representação ou por conta desta ou que por qualquer outra forma estejam vinculados a interesses de empresa concorrente. Este órgão assumirá um papel importante no que respeita à intermediação entre accionistas e Conselho de Administração.

Responsabilidade dos Administradores

Regime anterior – DL 262/86 de 2 de Setembro

Regime actual – DL 76-A/2006 de 29 de Março

Deveres Fundamentais

Os administradores e directores de uma sociedade devem actuar com diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.

Verifica-se um alargamento dos deveres fundamentais dos administradores, tendente a uma maior responsabilização dos mesmos em relação à sociedade. É-lhes agora exigido que revelem disponibilidade, competência técnica adequada às suas funções, lealdade atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios, e devem ponderar outros interesses, como os dos clientes e credores, para além dos que já eram exigidos. É de destacar a importância do dever de lealdade que se traduz na obrigação de prossecução do interesse social, em detrimento dos interesses pessoais ou de terceiros, bem como na abstenção de utilização de informação privilegiada a que se tenha acesso por força do exercício de funções de administração. Os titulares de órgãos sociais com funções de fiscalização surgem agora directamente visados nesta disposição, o que indicia uma forte preocupação do legislador com a transparência e rigor no exercício desses cargos.

Legitimidade para demandar

Independentemente do pedido de indemnização dos danos individuais que lhe tenham causado, podem um ou vários sócios que possuam, pelo menos, 5% do capital social propor acção social de responsabilidade contra gerentes, administradores ou directores, com vista à reparação, a favor da sociedade, do prejuízo que esta tenha sofrido, quando a mesma a não haja solicitado.

Verificou-se um alargamento da legitimidade activa para demandar as sociedades, possuindo igual direito, no caso de sociedade emitente de acções admitidas à negociação em mercado regulamentado, os sócios que possuam pelo menos 2% do capital social. Assim, incrementou-se a tutela dos accionistas minoritários das sociedades cotadas, continuando a valer o limiar dos 5% para as restantes sociedades

Desresponsabilização dos administradores

Previa-se a possibilidade de desresponsabilização de administradores apenas pelos danos resultantes de uma deliberação colegial em que não tenham participado ou que tenham votado vencidos.

Actualmente, para além do caso de desresponsabilização que já se previa no regime anterior, a responsabilidade também é excluída se algum dos administradores provar que actuou em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial. Esta possibilidade de exclusão da responsabilidade, totalmente nova, com base numa business judgement rule, acaba por funcionar como o reverso da medalha da maior responsabilização dos administradores resultante da nova redacção do art. 64º, supra analisado.

Caução

A responsabilidade de cada administrador deve ser caucionada na importância que for fixada no contrato de sociedade, mas não podendo ser inferior a €5.000.

A responsabilidade de cada administrador deve ser caucionada na importância que for fixada no contrato de sociedade, mas não podendo ser inferior a €250.000 para as grandes sociedades, e a €50.000 para as restantes sociedades.

© Regal, Varela, Ramos & Associados – Sociedade de Advogados RL // 2007

Esta informação tem apenas carácter genérico, não constituindo uma forma de publicidade, de solicitação de clientes ou de aconselhamento jurídico. Caso necessite de aconselhamento jurídico sobre estas ou outras matérias sugerimos que contacte um advogado.