cumprimento e não cumprimento das obrigações - casos práticos

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Faculdade de Direito da UCP Maria Luísa Lobo 2011/2012 Página 1 CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES ANO LECTIVO 2011/2012 TODAS AS TURMAS PROF. JOÃO TIAGO ANTUNES HIPÓTESES PRÁTICAS I Américo vendeu a Benedito, maior, um tractor com reboque pelo preço de 10.000 €. Américo comprometeu-se a entregar o tractor e o reboque, mediante o pagamento simultâneo do preço acordado, no dia 31 de Agosto de 2006. Na data estipulada para o cumprimento do contrato, Américo entregou a Benedito o tractor e disse-lhe que o reboque só poderia ser entregue daí a 15 dias. Estará Benedito obrigado a aceitar o tractor sem o reboque? De acordo com o Princípio da Pontualidade (art. 406º/1 CC), o cumprimento deve coincidir ponto por ponto em toda a linha com a prestação a que o devedor se encontra adstrito. Resulta como corolário deste princípio, o Princípio da Integralidade (art. 763º) segundo o qual o devedor deve realizar a prestação integralmente e não por partes, não podendo o credor ser obrigado a aceitar o cumprimento parcial. Pretendendo o devedor efectuar uma parte apenas da prestação e recusando-se o credor a recebe-la não existe mora do credor (art. 813º - existe uma causa legal justificativa), mas existe mora do devedor, a partir da data do vencimento da prestação, relativamente a toda a prestação e não apenas quanto à parte que não cumpriu (art. 804º). Pode ainda existir excepção do não cumprimento do contrato, operando em relação a toda a prestação a que está adstrito (art. 428º), na medida em que as obrigações emergentes são sinalagmáticas. Importa ainda salientar que o Princípio da Integralidade poderá apresentar excepções legais (obrigações incorporadas em letras e cheques; regime da imputação do cumprimento;

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 1

CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES

ANO LECTIVO 2011/2012

TODAS AS TURMAS – PROF. JOÃO TIAGO ANTUNES

HIPÓTESES PRÁTICAS

I

Américo vendeu a Benedito, maior, um tractor com reboque pelo preço de 10.000 €.

Américo comprometeu-se a entregar o tractor e o reboque, mediante o pagamento

simultâneo do preço acordado, no dia 31 de Agosto de 2006.

Na data estipulada para o cumprimento do contrato, Américo entregou a Benedito

o tractor e disse-lhe que o reboque só poderia ser entregue daí a 15 dias. Estará

Benedito obrigado a aceitar o tractor sem o reboque?

De acordo com o Princípio da Pontualidade (art. 406º/1 CC), o cumprimento deve coincidir

ponto por ponto em toda a linha com a prestação a que o devedor se encontra adstrito. Resulta

como corolário deste princípio, o Princípio da Integralidade (art. 763º) segundo o qual o

devedor deve realizar a prestação integralmente e não por partes, não podendo o credor ser

obrigado a aceitar o cumprimento parcial. Pretendendo o devedor efectuar uma parte apenas da

prestação e recusando-se o credor a recebe-la não existe mora do credor (art. 813º - existe uma

causa legal justificativa), mas existe mora do devedor, a partir da data do vencimento da

prestação, relativamente a toda a prestação e não apenas quanto à parte que não cumpriu (art.

804º). Pode ainda existir excepção do não cumprimento do contrato, operando em relação a toda

a prestação a que está adstrito (art. 428º), na medida em que as obrigações emergentes são

sinalagmáticas.

Importa ainda salientar que o Princípio da Integralidade poderá apresentar excepções legais

(obrigações incorporadas em letras e cheques; regime da imputação do cumprimento;

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pluralidade de fiadores que gozem do benefício da divisão – art. 649º; compensação com dívida

de menor montante – art. 847º/2); resultantes da boa fé ou dos usos.

1) Se Benedito fosse interdito por anomalia psíquica, a quem é que

Américo estaria obrigado a entregar o tractor e o reboque?

Se o contrato de compra e venda também tivesse sido celebrado pelo interdito, o

contrato era anulável por incapacidade de exercício e assim mesmo que a coisa fosse

entregue ao representante legal, o cumprimento estava padecido de um vício, podendo-

se exigir a repetição do indevido.

Considerando que Benedito tinha capacidade para celebrar ou considerado que o

contrato foi celebrado pelo seu representante, este seria válido.

Nos termos do art. 769º do CC, a prestação deve ser realizada ao credor ou ao seu

representante. Uma vez que o credor, Benedito, era interdito por anomalia psíquica,

Américo encontrar-se-ia obrigado a entregar o tractor e o reboque ao representante legal

de Américo.

Nos termos do art. 764º, o cumprimento feito a um incapaz é em princípio um

cumprimento anulável e sujeito o devedor a um novo cumprimento, segundo a regra

clássica de que quem paga mal paga duas vezes. Contudo, esta regra admite duas

excepções previstas no nº2 do art. 764º. Uma é a de a prestação feita ao incapaz chegar

ao poder do seu representante; outra é a de o património do incapaz ter enriquecido com

a prestação. No primeiro caso, considera-se eficaz o cumprimento; no segundo caso

considera-se eficaz na medida do enriquecimento. Não há motivo, na verdade, nestes

casos, para a anulação total do cumprimento.

Em suma, Américo estaria obrigado a entregar o tractor e o reboque ao representante de

Benedito, podendo ainda assim entrega-los ao próprio Benedito correndo todavia o risco

que esse cumprimento seja anulado, excepto se se enquadrar numa das duas excepções

em cima enunciados.

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2) Suponha que Américo, em vez de entregar o tractor e o reboque a

Benedito, o fez ao pai deste, Carolino. No dia seguinte, Benedito

morreu num acidente de viação. Poder-se-á considerar que

Américo cumpriu o contrato celebrado com Benedito? E se

Benedito não tivesse morrido, a solução seria a mesma?

A prestação pode e deve ser feita ao credor ou ao seu sucessor, a título universal ou a

título particular nos termos do art. 769º, 138º e 764º/2. Caso Benedito fosse maior e

incapaz para receber a prestação, quem a deveria receber seria o seu pai na medida em

que seria o seu representante legal. No entanto não foi o que sucedeu, pois Américo era

maior e perfeitamente capaz pelo que em princípio a prestação feita a terceiro foi mal

feita.

Nos termos do art. 770º, a prestação feita a terceiro não extingue a obrigação sendo

ineficaz perante o credor, podendo no entanto o autor da prestação exigir a sua

restituição com fundamento no enriquecimento por prestação. Há todavia casos em que

a prestação feita a terceiro extingue o vínculo obrigacional, liberando o devedor, como

se fosse feita ao próprio credor.

Aplicar-se-ia a al. c) do art. 770º à primeira parte do caso, na medida em que Carolino

adquiriu o crédito mortis causa. O cumprimento não deixou, em tal hipótese, de ser

mal feito, desde que a aquisição do crédito é posterior ao acto solutório. Contudo,

não seria razoável nem conveniente que se anulasse a prestação efectuada a

terceiro, forçando o devedor a cumprir de novo perante o antigo credor, para que

este, por seu turno, efectuasse nova prestação a quem dela foi privado.

Caso Benedito não tivesse falecido, o contrato só poderia considerar-se celebrado,

se tal tivesse sido estipulado ou consentido pelo credor (art. 770º al. a)); se o

credor o ratificasse (art. 770º al. b)), ou se o credor não tivesse interesse em um

novo cumprimento da obrigação, o que sucederia se ele viesse a aproveitar-se do

cumprimento (art. 770º al. d)).

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3) Imagine, agora, que, depois de ter concluído o contrato com

Benedito, Américo se lembrou que o tractor e o reboque lhe faziam

falta para as vindimas. Na data estipulada para o cumprimento do

contrato, Américo entregou a Benedito uma furgoneta, avaliada

em 12.500 €. Quid iuris?

De acordo com o Princípio da Pontualidade (art. 406º/1 CC), o cumprimento deve coincidir

ponto por ponto em toda a linha com a prestação a que o devedor se encontra adstrito. Como

consequência deste princípio resulta o facto de o obrigado não se poder desonerar, sem o

consentimento do credor, mediante prestação diversa da que é devida, ainda que a prestação

efectuada seja de valor equivalente ou até superior, excepto se o credor aceitar sendo que nesse

caso a situação já não é de cumprimento mas antes de dação em cumprimento.

A dação em cumprimento (art. 837º) sendo uma forma de extinção das obrigações

consiste na realização de uma prestação diferente da que é devida com o fim de

mediante acordo do credor extinguir imediatamente a obrigação. É necessário um

acordo das partes uma vez que envolvendo a realização de uma prestação diferente da

devida ela só extinguirá o crédito se o credor der o seu assentimento (tácito ou expresso)

no momento em que a dação se realiza. Da dação em cumprimento consagrada no art.

847º distingue-se a dação em função do cumprimento. Esta, consagrada no art. 840º, tal

como a dação em cumprimento também necessita do assentimento do credor, mas difere

da mencionada na medida em que não consiste num meio de extinguir a obrigação, mas

sim de facilitar a sua extinção.

Deste modo, será sempre necessário interpretar a intenção do devedor, ou seja se

pretendeu extinguir imediatamente a obrigação ou se apenas pretendeu facilitar o seu

cumprimento.

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II

Diogo emprestou 5.000 € a Eduardo. O empréstimo foi garantido através da

constituição de uma hipoteca sobre um imóvel pertencente a Eduardo e seguro na

Seguradora Sinceridade, S.A.

1) Poderá Diogo pagar o prémio de seguro em atraso?

Em princípio é sobre o titular passivo da relação obrigatória que recai o dever de

prestar. A lei admite no art. 767º que a prestação possa ser feita pelo devedor (pode não

ser o devedor originário, tendo-se em vista o devedor à data do cumprimento) ou

representante legal, e ainda por terceiro, embora o credor se lhe possa opor quando a

prestação não seja fungível. Deste modo, embora o credor só possa exigir a prestação do

devedor, ela pode em princípio ser realizada por terceiro, sem que o credor a tal se possa

opor.

Nos termos do art. 767º/2, o terceiro só não terá legitimidade para cumprir se a

prestação tiver caracter infungível (por natureza ou por convenção das partes), ou seja

quando se encontre directamente relacionada com a pessoa do devedor, por atender às

qualidades ou à situação especial deste, na medida em que substituição do devedor por

outrem prejudicaria o credor. Caso a prestação seja infungível, o credor não poderá ser

constrangido a receber de terceiro a prestação, podendo por conseguinte recusá-la e

exigir que o cumprimento seja realizado pessoalmente pelo devedor.

No presente caso, uma vez que estamos perante uma obrigação pecuniária que é

naturalmente fungível e ainda pelo facto de não haver convenção em contrario, Diogo,

embora terceiro, pode pagar o premio à seguradora.

Razão de ser: se um terceiro cumprir a obrigação todos em rigor ficam satisfeitos – o

credor vê o seu interesse realizado, não por intermédio do seu devedor mas por

intermédio de um terceiro; mas o próprio devedor também não fica prejudicado pois na

pior das hipóteses terá de pagar ao terceiro aquilo que devia ao credor.

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2) Caso Eduardo se oponha a que Diogo pague o prémio de seguro, pode a

Seguradora Sinceridade, S.A. recusar-se a receber o pagamento do

prémio?

No presente caso já se verificou que o terceiro tem legitimidade para cumprir a

prestação, pelo que à partida o credor não pode recusar a prestação por ele oferecida, e

se o fizer incorre em mora como resulta da conjugação do art. 768º/1 e art. 813º.

A lei (art. 768º/2) apenas admite a recusa por parte do credor se o devedor também se

opuser ao cumprimento, desde que o terceiro não tenha interesse directo na satisfação

do crédito, por ter garantido a obrigação ou por qualquer outra causa. A existência de

interesse directo corresponde às situações em que a não realização da prestação lhe

acarreta prejuízos patrimoniais próprios, independentes das consequências do

incumprimento para o devedor.

No presente caso, o credor (Seguradora) não pode recusar-se a receber a prestação,

independentemente da oposição do devedor (Eduardo), na medida em que existe uma

sub-rogação legal (art. 592º) em que o terceiro (Diogo) é directamente interessado na

satisfação do crédito, sendo titular de um direito real de garantia sobre a coisa objecto

da obrigação.

3) Se Diogo pagar o prémio de seguro, poderá exigir a Eduardo o valor

pago?

Nos termos do art. 593º/1 Diogo poderá existir a Eduardo o valor pago na medida em

que existe uma transmissão do crédito.

Caso não estivéssemos perante um caso de sub-rogação (art. 591º a 599º) coloca-se a

questão de saber que direitos teria o terceiro que cumpre e que não está sub-rogado.

Neste caso, tal dependeria da relação interna entre o terceiro e o devedor: poderia ter

actuado enquanto gestor de negócios (art. 464º a 472º); poderia ter actuado enquanto

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mandatário; poderia estar a efectuar uma liberalidade (doação); poderia existir lugar ao

enriquecimento sem causa, por exemplo.

III

Fernando e Guilherme venderam a Helena um carro por 5.000 €. No contrato

foi estipulado que Helena só teria de pagar o preço no dia 1 de Janeiro de 2011. O

pagamento da quantia em dívida foi garantido pessoalmente por Isabel. Fernando

teve conhecimento de que Helena se encontra insolvente. Poderá Fernando exigir

hoje de Helena o pagamento dos 5.000 €?

O momento em que a obrigação deve ser cumprida pode ser fixado por convenção das

partes ou por disposição legal. No presente caso é claro que os interessados estipularam

um prazo, a data em que a obrigação se vencia, ou seja o momento a partir do qual a

obrigação podia ser exigida.

As obrigações podem ser classificadas, tendo em conta o tempo do seu vencimento, em

dois grupos: obrigações puras (aquelas cujo cumprimento pode ser exigido ou realizado

a todo o tempo) e obrigações a prazo ou a termo (aquelas cujo cumprimento não pode

ser exigido ou imposto à outra parte antes de decorrido certo período ou chegada certa

data; o prazo marca a data antes da qual o credor não pode exigir a prestação, se o

devedor ainda não a tiver efectuada ou não pode ser forçado a recebe-la).

O art. 779º estipula que o prazo se tem por estabelecido a favor do devedor quando não

se mostre que foi a favor do credor, ou de um e outro conjuntamente. Uma vez que nada

nos é dito na hipótese presume-se que o prazo foi estabelecido a favor do devedor, ou

seja enquanto o prazo não findar a dívida é pagável mas não é exigível pelo credor.

No presente caso, a fixação do prazo não envolve a necessária caducidade do negócio

mas apenas a faculdade de o credor, vencido o prazo sem que a obrigação seja cumprida

resolver o negócio ou exigir uma indemnização pelo dano moratório, pelo que estamos

perante um negócio fixo relativo ou simples, e não perante um negócio fixo absoluto.

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Existem contudo situações que determinam o vencimento imediato da obrigação, por

caducidade do prazo estabelecido, apesar de a obrigação ser a prazo e de este ser

estabelecido em benefício exclusivo ou conjunto do devedor. Nestes casos, o credor

pode exigir o pagamento antes do fim do prazo existindo uma antecipação da

exigibilidade nos termos do art. 780º.

Uma das situações que importa a perda do benefício do prazo nos termos do art. 780º é

a insolvência. A Insolvência consiste na situação em que se encontra o devedor, que por

carência de meios próprios e por falta de credito, se mostre impossibilitado de cumprir

pontualmente as suas obrigações vencidas, quando o activo seja manifestamente

superior ao passivo. Logo que tal se verifique, a obrigação a prazo torna-se

imediatamente exigível a medida em que se deixa de justificar a confiança do credor

que está na base da concessão do prazo, não sendo necessária para o efeito a declaração

judicial previa da insolvência do devedor. Após a sentença de declaração de insolvência

não ocorre apenas a perda do benefício do prazo, verificando-se antes o vencimento

antecipado de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição

suspensiva, independentemente da interpelação. Actualmente, a lei exige a verificação

de uma efectiva situação de insolvência não bastando o justo receio da mesma, na

medida em que a lei considera que essa solução permitiria uma reacção excessiva dos

credores capaz de levar efectivamente o devedor à insolvência.

De acordo com o exposto, o credor (Fernando) poderia exigir hoje ao devedor (Helena)

o pagamento da quantia.

Nos termos do art. 782º, a perda do benefício do prazo não afecta a terceiros que tenham

garantido pessoalmente o cumprimento da obrigação, sendo que como a lei não

distingue entre garantias pessoais (fiador) e reais (hipoteca, penhor ou consignação de

rendimentos) aplica-se a disposição a ambos. Em qualquer caso, só ao devedor que deu

causa ao vencimento imediato da obrigação pode ser exigido o cumprimento (total ou

parcial) antes de terminar o prazo.

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IV

Em Maio de 2005, António, residente no Porto, vendeu a Bernardo,

residente em Coimbra, uma mota de água, que se encontrava depositada num

armazém, propriedade de Carlos, em Sines. O contrato foi formalizado em Leiria,

tendo as partes acordado (i) que o preço de 20.000 € seria pago em quatro

prestações mensais de igual valor, que se venceriam no primeiro dia útil de cada

mês e, bem assim, (ii) que a 1.ª prestação seria paga no dia 1 de Junho de 2005,

data em que o bem seria entregue.

Mais tarde, em Agosto de 2005, Bernardo vendeu a António, por escritura

pública lavrada num Cartório Notarial da cidade de Coimbra, um imóvel de que

aquele era proprietário nessa cidade, pelo preço de 200.000 €, tendo ficando

António devedor de metade do preço. Daniel, amigo de António, constituiu uma

hipoteca sobre um andar de que era dono para garantir a dívida de António.

Pergunta-se:

1) Em 1 de Junho de 2005, Bernardo quer pagar 5.000 €. Qual o local

apropriado para o fazer? Onde deve, por seu turno, António entregar a

mota de água?

Conforme resulta do art. 772º/1, e em obediência ao Princípio da Pontualidade, a

determinação do lugar do cumprimento cabe em princípio as partes, resultando assim de

convenção entre elas, a qual pode ser inclusivamente tácita (art. 217º), derivando da

própria natureza das prestações.

Não havendo convenção das partes a estabelecer o lugar do cumprimento a regra geral é

que ele deve ser realizado no domicílio do devedor, na medida em que se está perante

uma obrigação de colocação (art. 772º/1), sendo esta todavia uma regra meramente

supletiva.

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Se a obrigação tiver por objecto a entrega de uma coisa móvel (mota de água), nos

termos do art. 773º a regra é a de que a obrigação deve ser cumprida no lugar onde a

coisa se encontrava ao tempo da conclusão do negócio (armazém em Sines de Carlos).

Se a obrigação tiver por objecto certa quantia em dinheiro (preço da mota de água), nos

termos do art. 774º a regra é a de que a obrigação deve ser cumprida no domicílio que o

credor tiver ao tempo do cumprimento. Estando face a uma obrigação de entrega, tal

deriva da facilidade que actualmente o devedor possui de proceder à transferência de

quantias em dinheiro e de a solução oposta poder ser particularmente onerosa para o

credor que seria obrigado a ir buscar o dinheiro ao domicílio do devedor.

Porém estas regras cedem em certos casos particulares, como por exemplo o previsto no

art. 885º que estabelece que o lugar do cumprimento da obrigação de pagar o preço da

venda é o mesmo da obrigação de entrega da coisa vendida, só se aplicando a regra

geral do art. 774º se o prazo do cumprimento das duas obrigações não for coincidente.

Para se invocar a excepção de não cumprimento constante no art. 885º, a obrigação de

pagar o preço no momento e no lugar da entrega da coisa constitui um nítido

afloramento do caracter sinalagmático do contrato no momento da execução da venda –

sinalagma funcional – podendo o devedor recusar a entrega da coisa enquanto o preço

não lhe for pago.

Nos termos do art. 885º/2, a 2º prestação devera ser realizada no domicílio que o credor

tiver ao tempo do cumprimento, na medida em que a cláusula de pagamento em

momento diferente da entrega funciona em regra no interesse do comprador sendo justo

por isso o benefício que em contrapartida se estabelece a favor do vendedor.

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2) Em 1 de Junho, Bernardo cumpriu, contra a entrega do bem, a sua

obrigação de pagamento. Porém, em 1 de Julho, invocando “passar por

sérias dificuldades financeiras resultantes de um despedimento de que tinha

sido vítima”, Bernardo falha o pagamento da 2ª prestação. Quid iuris?

De acordo com o Princípio da Pontualidade (art. 406º/1), o cumprimento deve coincidir

ponto por ponto em toda a linha com a prestação a que o devedor se encontra adstrito. O

devedor não goza do chamado beneficium competentiae, ou seja não pode exigir a

redução da prestação estipulada com fundamento da precária situação económica em

que o cumprimento o deixaria. A regra constante do art. 601º e 604º é ade que mesmo

em caso de insuficiência o património do devedor continua a responder integralmente

pelas dívidas assumidas, apenas se excluindo de penhora certos bens que se destinem à

satisfação de necessidades imprescindíveis (art. 822º e 824º-A CPC), existindo como

excepção a obrigação de alimentos (art. 2004º e 2012º) e a indemnização em renda (art.

567º).

Uma vez que não existe uma alteração anormal das circunstâncias, ou seja uma vez que

a situação invocada encontra-se prevista nos riscos próprios da contratação não se

poderia invocar o regime do art. 437º.

Nos termos do art. 781º encontram-se abrangidas as situações de venda a prestações,

sendo que nas dívidas a prestações caso o devedor falte ao pagamento de uma das

prestações admite-se a perda do benefício do prazo. O presente artigo só se aplica às

prestações instantâneas fraccionadas em que o objecto se encontra fixado desde a

constituição da dívida, não se aplicando deste modo às prestações periódicas.

Afim de saber o momento em que existe mora em relação as prestações é necessário

apurar se a referida norma consagra uma situação de antecipação da exigibilidade ou de

antecipação do vencimento.

Em relação à segunda prestação não existe dúvidas que no momento em que vence a

prestação existe mora, colocando-se a questão em relação às restantes prestações.

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No entendimento do Prof. Antunes Varela, à semelhança do que sucede no art. 780º, o

art. 781º constitui uma situação de antecipação da exigibilidade na medida em que o

vencimento imediato das prestações cujo o prazo ainda não se vencera constitui um

benefício que a lei concede ao credor, não prescindido consequentemente da

interpelação do devedor, sendo que esta constitui uma manifestação da vontade do

credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui. Importa ainda referir que caso

estivéssemos perante uma situação de antecipação do vencimento tal poderia conduzir a

uma insolvência do credor. Deste modo, só existirá mora a partir do momento em que o

credor exige e o devedor não paga.

No entendimento do Prof. Almeida Costa, a norma do art. 781º refere-se a uma

situação de antecipação do vencimento, sendo que existirá mora no próprio dia em que

se vence a segunda prestação (art. 805º/2 e art. 806º). Na medida em que é a própria

letra da lei que se refere a vencimento, o Prof. João Tiago Antunes entende que neste

caso dever-se-á seguir a solução de antecipação do vencimento.

Com o não cumprimento da segunda prestação do preço, o credor passou a ser credor de

uma segunda prestação em falta com juros de mora, e na medida em que se venceram as

restantes prestação (antecipação do vencimento) terá o direito aos juros de mora das

prestações restantes. O art. 886º não se poderá aplicar neste caso uma vez que a referida

norma implica a reunião de dois requisitos cumulativos para não se poder resolver o

contrato – (1) Transmitida a propriedade da coisa, ou o direito sobre ela; (2) feita a sua

entrega – traditio – e no presente caso uma vez que tais requisitos se encontram

verificados não é possível a resolução.

Estando perante uma venda a prestação é ainda necessário ter em consideração a norma

do art. 934º que exige a verificação de cinco requisitos cumulativos que impedem a

resolução do contrato ou a perda do benefício do prazo: (1) vendida a coisa a prestação;

(2) reserva de propriedade (irrelevante para a questão da perda do benefício do prazo);

(3) feita a sua entrega ao comprador; (4) falta de pagamento de uma só prestação; (5)

que não exceda a oitava parte do preço. No presente caso, sendo a prestação em falta no

valor de 5mil€ excedendo, deste modo, 1/8 do preço, António poderia resolver o

contrato ou ocorrer a perda do benefício do prazo por parte de Bernardo.

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3) Suponha, agora, que Bernardo efectua o pagamento da 2ª, 3ª e 4ª prestações

do preço a Carlos, convencido de que este adquirira o referido crédito a

António por contrato de cessão de créditos que, afinal, não chegou nunca a

ser celebrado. Considera estes pagamentos válidos? Justifique.

Nos termos do art. 577º, a cessão de créditos consiste numa forma de transmissão de

crédito que opera por virtude de um negócio jurídico, normalmente um contrato entre o

credor e terceiro, independentemente do consentimento do devedor.

Para que ocorra uma situação de cessão de créditos é necessária a reunião dos seguintes

requisitos cumulativos: (1) negócio jurídico a estabelecer a transmissão da totalidade ou

de parte do crédito; (2) inexistência de impedimentos legais ou contratuais a essa

transmissão; (3) não ligação do crédito em virtude da própria natureza da prestação à

pessoa do devedor.

No ordenamento jurídico português, o cumprimento efectuado ao credor aparente não se

considera eficaz, salvo em certos casos excepcionais em que por atenção à boa fé do

devedor a lei reconhece como tal. Uma primeira situação consiste na prestação

efectuada pelo devedor ao cedente, antes de aquele ter conhecimento da cessão (art.

583º/1 e 2); uma segunda situação consiste na realização da prestação ao antigo credor,

por erro, depois de o fiador haver cumprido a obrigação mas não ter avisado o devedor

(art. 645º/1). Nos restantes casos, a prestação efectuada a terceiro (leia-se credor

aparente) não goza de eficácia liberatória, sendo que o devedor pode repetir a prestação

(art. 476º/2), ou seja terá de efectuar uma nova prestação perante o credor.

Em suma, uma vez que não existe uma cessão de créditos e não se enquadrando a

hipótese em nenhuma das excepções referidas, os pagamentos realizados por Bernardo a

Carlos não se consideram válidos pelo que poderá ter de efectuar uma nova prestação

face a António.

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4) Admita, ainda, que a dívida referenciada no segundo parágrafo do texto se

vencia em 30 de Outubro de 2005, e que nessa mesma data António (que

deveria proceder ao pagamento do remanescente do preço) pede a dita

soma emprestada a Bernardo, que aceita tal pedido, tendo ambos declarado

que consideravam extinta a dívida primitiva e que António passaria a dever

a mesma quantia, não já na qualidade de comprador, mas na de mutuário.

Suponha, também, que as partes acordaram que a soma mutuada deveria

ser restituída, de uma só vez, a 31 de Novembro de 2005, tendo António

falhado esse prazo. Face a esta situação, Bernardo reage intentando uma

acção com vista a promover a execução judicial da hipoteca, ao que Daniel

responde alegando, em síntese, que se extinguiu, em 30 de Outubro de 2005,

a obrigação que garantira com a hipoteca do seu imóvel. Quem tem razão?

(extraído do exame final de CNCO de 30 de Janeiro de 2006)

Na presente hipótese coloca-se a questão de saber se ocorreu uma novação ou uma

modificação da causa.

A novação, sendo uma forma de extinção das obrigações, consiste na convenção pela

qual as partes extinguem uma obrigação mediante a criação de uma nova obrigação.

A novação pode ser subjectiva (art. 858º), envolvendo a vinculação do devedor perante

um novo credor ou traduzindo-se na substituição do obrigado exonerado pelo credor por

um novo devedor extinguindo a obrigação anterior, ou pode ser objectiva (art. 857º),

podendo existir uma substituição do objecto como uma simples mudança da causa ou da

fonte da mesma prestação, ocorrendo sempre que a nova obrigação se constitui entre o

mesmo credor e o devedor da obrigação antiga.

No presente caso a fim de descobrir se estamos perante uma novação objectiva teremos

de interpretar a vontade das partes declarada, sendo necessária a existência de uma

declaração expressa com a intenção de constituir uma nova obrigação que vá extinguir a

antiga, não existindo relevância jurídica da declaração tácita. A referida necessidade da

existência de declaração expressa encontra-se consagrada no art. 859º, sendo que a

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 15

declaração expressa aqui referida deve ser interpretada como a declaração que visa

extinguir a obrigação primitiva e não como a declaração relativa à contracção de nova

obrigação. Deste modo terá sempre de existir a intenção das partes em extinguir a

obrigação anterior criando uma nova em sua substituição.

No presente caso diz-se ‘’expressamente’’ que ambas as partes declaram extinta a

obrigação anterior, pelo que estaremos perante uma novação objectiva.

Deste modo, da existência da novação objectiva resulta a consequência de eliminação

das garantias e acessórios pelo que Daniel teria razão.

Caso estivéssemos perante uma modificação do conteúdo da obrigação as garantias

mantinham-se.

Para finalizar cabe referir que o Prof. Vaz Serra defendia que, uma vez que é de

imensa dificuldade interpretar a vontade das partes, seria lícito presumir que existia a

intenção de novar quando a relação obrigação se apresentasse economicamente

diferente como uma relação por completo diferente da que existia.

V

Em 10 de Janeiro de 2006, António celebrou com Bento um contrato de compra

e venda de um iate pertencente a este último, sujeito às condições seguintes:

(i) O preço era de 200.000 €, a pagar em 10 prestações mensais e

iguais, vencendo-se a primeira no dia 1 de Fevereiro de 2006,

contra a entrega do iate, e as seguintes no primeiro dia de

cada um dos meses subsequentes;

(ii) Para assegurar o cumprimento, António constituiu uma

hipoteca a favor de Bento, sobre uma vivenda que possuía no

Algarve e que estava avaliada em 250.000 €.

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 16

Pergunta-se:

1) Se as partes nada tiverem estipulado a esse respeito, onde deverá

ser entregue o iate? E onde devem ser pagas as prestações do

preço?

Conforme resulta do art. 772º/1, e em obediência ao Princípio da Pontualidade, a

determinação do lugar do cumprimento cabe em princípio as partes, resultando assim de

convenção entre elas, a qual pode ser inclusivamente tácita (art. 217º), derivando da

própria natureza das prestações.

Não havendo convenção das partes a estabelecer o lugar do cumprimento a regra geral é

que ele deve ser realizado no domicílio do devedor, na medida em que se está perante

uma obrigação de colocação (art. 772º/1), sendo esta todavia uma regra meramente

supletiva.

Se a obrigação tiver por objecto a entrega de uma coisa móvel (iate), nos termos do art.

773º a regra é a de que a obrigação deve ser cumprida no lugar onde a coisa se

encontrava ao tempo da conclusão do negócio.

Se a obrigação tiver por objecto certa quantia em dinheiro (preço do iate), nos termos do

art. 774º a regra é a de que a obrigação deve ser cumprida no domicílio que o credor

tiver ao tempo do cumprimento. Estando face a uma obrigação de entrega, tal deriva da

facilidade que actualmente o devedor possui de proceder à transferência de quantias em

dinheiro e de a solução oposta poder ser particularmente onerosa para o credor que seria

obrigado a ir buscar o dinheiro ao domicílio do devedor.

Porém estas regras cedem em certos casos particulares, como por exemplo o previsto no

art. 885º que estabelece que o lugar do cumprimento da obrigação de pagar o preço da

venda é o mesmo da obrigação de entrega da coisa vendida, só se aplicando a regra

geral do art. 774º se o prazo do cumprimento das duas obrigações não for coincidente.

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 17

Para se invocar a excepção de não cumprimento constante no art. 885º, a obrigação de

pagar o preço no momento e no lugar da entrega da coisa constitui um nítido

afloramento do caracter sinalagmático do contrato no momento da execução da venda –

sinalagma funcional – podendo o devedor recusar a entrega da coisa enquanto o preço

não lhe for pago.

Nos termos do art. 885º/2 e do art. 774º, a 2º prestação devera ser realizada no domicílio

que o credor tiver ao tempo do cumprimento, na medida em que a cláusula de

pagamento em momento diferente da entrega funciona em regra no interesse do

comprador sendo justo por isso o benefício que em contrapartida se estabelece a favor

do vendedor.

2) Caso Bento fosse menor e o contrato tivesse sido celebrado pelo

seu representante legal, seria válida a entrega do barco feita por

Bento, na data aprazada?

Nos termos do art. 764º/1, a lei ao exigir a capacidade do devedor para cumprir a

obrigação, supõe que a prestação tenha por conteúdo um acto de disposição. Entende-se

por acto de disposição aquele que incidindo directamente sobre um direito existente, se

destina a transmiti-lo, revoga-lo ou alterar de qualquer modo o seu conteúdo. Tratando-

se de um mero facto material, como a prestação de um serviço ou na omissão não é

exigível a capacidade do adimplens.

Tendo sido validamente celebrado o negócio jurídico, a prestação poderá normalmente

ser realizada pelo devedor incapaz, na medida em que se está perante um acto material

uma vez que a transferência da propriedade ocorreu no momento da celebração do

contrato por força do art. 408º/1.

Em suma, uma vez que estamos face a um acto material não existe qualquer problema

de a entrega do iate ser realizada pelo menor em cumprimento de uma obrigação

emergente de um contrato de compra e venda.

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3) Se, após terem sido pagas as duas primeiras prestações do preço,

António causar inadvertidamente um incêndio na vivenda que

hipotecou, provocando uma diminuição do seu valor em 30.000 €

poderá Bento fazer alguma coisa? E se o incêndio tiver sido

intencionalmente causado por Cardoso, conhecido piromaníaco

que fugira do hospital psiquiátrico onde se encontrava internado?

O art. 779º estipula que o prazo se tem por estabelecido a favor do devedor quando não

se mostre que foi a favor do credor, ou de um e outro conjuntamente. Uma vez que nada

nos é dito na hipótese presume-se que o prazo foi estabelecido a favor do devedor, ou

seja enquanto o prazo não findar a dívida é pagável mas não é exigível pelo credor. O

fundamento subjacente ao regime da referida norma assenta na ideia de confiança do

credor no devedor, sendo que tal desaparece a partir do momento em que o devedor

pratica um acto que diminui as garantias desaparecendo a confiança que o credor

depositou no devedor, ainda que as garantias diminuídas continuem ainda a ser

suficientes.

Existem contudo situações que determinam o vencimento imediato da obrigação, por

caducidade do prazo estabelecido, apesar de a obrigação ser a prazo e de este ser

estabelecido em benefício exclusivo ou conjunto do devedor. Nestes casos, o credor

pode exigir o pagamento antes do fim do prazo existindo uma antecipação da

exigibilidade nos termos do art. 780º.

Uma das situações que importa a perda do benefício do prazo nos termos do art. 780º é

a da diminuição das garantias do crédito por causa imputável ao devedor, ainda que a

garantia não se tenha tornado insuficiente.

Deste modo, de acordo com a antecipação da exigibilidade, Bento poderá pedir as

restantes prestações, sendo que se estas não forem pagas existirão juros de mora.

Nos termos do art. 780º/2, Bento poderá, em lugar do cumprimento imediato da

obrigação, pedir a substituição ou o reforço das garantias na medida em que estas

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 19

sofreram uma diminuição. Esta norma refere-se a uma situação de diminuição da

garantia prestada, não se exigindo a insuficiência desta.

Caso a diminuição das garantias ocorra devido a Carlos, piromaníaco que havia fugido

do hospital psiquiátrico onde se encontrava internado, não ocorria a perda do benefício

do prazo por parte de António na medida em que este não praticou nenhum acto que

importe a mesma, não de podendo deste modo aplicar o regime do art. 780º.

O art. 701º estabelece um regime especial de perda do benefício do prazo, exigindo que

a diminuição das garantias deva ser de tal forma grave que ameace o cumprimento da

obrigação, e se tal efectivamente acontecer o credor poderá exigir o reforço das

garantias (ao contrário do que sucede no art. 780º em que para além do reforço das

garantias é possível exigir o cumprimento imediato da obrigação).

No presente caso, não seria possível aplicar o art. 701º na medida em que a diminuição

das garantias foi no montante de 3mil€, não se tornando estas insuficientes. Por sua vez,

o art. 692º só se aplica aos casos em que a coisa hipotecada seja destruída, havendo uma

diminuição do seu valor e o proprietário tenha sido indemnizado. Nestes casos, o credor

continua a ter preferência sobre todos os credores.

Nos termos do art. 489º e 491º que consagram o regime da responsabilidade civil por

factos ilícitos, o princípio geral é o de que existe obrigação de indemnizar no caso de os

incapazes causarem prejuízos a terceiros. Neste caso, quem iria suportar os danos seria

o Hospital, presumindo-se que incumpriu o seu dever de vigilância, a menos que nos

termos do art. 489º por algum motivo o Hospital não garantisse o pagamento da

obrigação, sendo o incapaz a suportar o valor da indemnização.

Deste modo abrangendo o direito do credor hipotecário a indemnização devida por

terceiro (a qual ocupa a sub-rogação o lugar da coisa hipoteca) deve entender-se que ao

credor é legítimo agir directamente contra o devedor da indemnização. O credor ira

manter a garantia e não há perda do benefício do prazo – há a manutenção da garantia

através de sub-rogação legal.

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4) Imagine agora que Bento reservou a propriedade do iate até ao

pagamento integral do preço e que, após ter liquidado as

primeiras oito prestações, António falha o pagamento da nona

(vencida em 1 de Outubro de 2006). Em consequência disso, Bento

enviou a António uma carta a resolver o contrato, exigindo a

imediata restituição do iate. Quid iuris?

A nossa lei estabelece um regime segundo o qual a transferência da propriedade se dá

no momento da celebração do contrato nos termos do art. 408º/1. Deste modo, os

contratos que implicam a constituição ou a transmissão de direitos reais sobre certas e

determinadas produzem em regra por si mesmo essa consequência, sem necessidade de

qualquer acto posterior.

Todavia a nossa lei não consagra em termos absolutos o Princípio da Transferência de

domínio por força do contrato, estabelecendo-o como simples regra supletiva e desde

logo estabelece o nº2 do mesmo artigo algumas excepções a este regime. É ainda lícito

às partes afastar este regime supletivo através de uma cláusula de reserva de

propriedade prevista no art. 409º. Esta cláusula permite que os interessados estipulem

que a transferência da propriedade se opera apenas com o cumprimento total ou parcial

das obrigações do adquirente, com a entrega efectiva da coisa ou com a verificação de

qualquer outro evento. Tal cláusula visa salvaguardar o direito de propriedade, tendo

função de garantia.

No presente caso, estamos face a uma compra e venda a prestação de um bem móvel

não sujeito a registo, compra e venda esta que foi registada com uma cláusula de reserva

de propriedade pelo que à partida se o comprador não pagar o preço o vendedor pode

resolver o contrato, caso haja incumprimento definitivo nos termos do art. 801º. Para

além deste direito o credor tem ainda direito a exigir judicialmente o pagamento do

preço nos termos do art. 817º, os juros de mora nos termos do art. 804º e 806º e a exigir

automaticamente o pagamento antecipado das restantes prestações nos termos do art.

781º. Contudo, é necessário chamar à colação um outro artigo que se relaciona com o

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art. 408º/1 e o art. 801º/1: o art. 886º. Este artigo apresenta-se como norma excepcional

ao regime do art. 408º/1 uma vez que havendo transferência da propriedade e a entrega

da coisa, o credor perde o direito à resolução, pelo que o vendedor não poderia resolver

este contrato. Porém temos de ter em conta que existe uma cláusula de reserva de

propriedade, pelo que embora tenha havido entrega da coisa não houve transmissão da

propriedade e sendo estes dois requisitos cumulativos, não se verificando um deles, não

impede portanto a resolução do contrato. Assim ao se aplicar o art. 409º aplica-se o art.

801º e não o art. 886º.

Todavia, uma vez que estamos face a uma compra e venda a prestações é necessário

considerar o art. 934º que estabelece que não pode ocorrer a resolução do contrato

quando: (1) venda a prestações; (2) com reserva de propriedade; (3) feita a entrega ao

comprador; (4) falte ao pagamento de uma só prestações; (5) prestação essa que não

exceda a oitava parte do preço.

Ora no caso em apreço estão preenchidos todos os requisitos cumulativos pelo que o

vendedor se vê assim impedido de resolver o contrato, podendo apenas: (1) exigir

judicialmente o pagamento do preço da prestação em falta nos termos do art. 817º; (2)

exigir os juros de mora nos termos do art. 804º e 806º; (3) poderia exigir o pagamento

antecipado das restantes prestações como prevê o art. 781º, porem o art. 934º impede

este artigo de funcionar uma vez que não importa a perda do benefício do prazo.

5) Dada a recusa de Bento em receber as prestações de Outubro e

Novembro, António depositou-as num banco, em conta à ordem

daquele. Terá ficado liberado da dívida?

(extraído do exame final de Direito das Obrigações de 29 de Junho de 2000)

Nos termos do art. 841º/1, a consignação em depósito, sendo uma causa de extinção das

obrigações, consiste na possibilidade reconhecida ao devedor nas obrigações de

prestação de coisa de extinguir a obrigação através do depósito judicial de coisa devida

(é um processo judicial), sempre que não possa realizar a prestação com segurança por

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qualquer motivo relacionado com a pessoa do credor ou quando o credor se encontra em

mora (art. 813º).

A lei não considera justo que nestes casos o devedor fique indefinidamente vinculado ao

cumprimento, apenas em virtude de o credor não prestar a colaboração necessária para

esse cumprimento, pelo que confere ao devedor um meio de produzir a extinção da

obrigação sem colaboração com o credor.

Nos termos do art. 841º/2 Trata-se de uma faculdade do devedor que o devedor não é

obrigado de exercer pelo que é lícita a actuação do devedor não realizar a prestação nas

hipóteses referidas no art. 841º.

Na presente hipótese teremos de apurar se existe efectivamente consignação em

depósito e isso depende da verificação dos pressupostos a que esta se encontra adstrita:

(1) terá de existir mora do credor nos termos do art. 813º o que efectivamente se

encontra verificado; (2) sendo a consignação um processo judicial este tem de ser feito

nos precisos termos correntes da lei; (3) a consignação tem de ser realizada na Caixa

Geral de Depósitos, na medida em que esta é o Banco do Estado.

No presente caso o devedor entregou as prestações em causa a ‘’um banco’’ pelo que se

coloca a questão de saber se ficou ou não liberado. Para ter ficado liberado tal depende

da aceitação ou não da consignação pelo credor, não obstante todas as consequências

jurídicas que ocorrem da mora do credor (o risco corre por conta do credor). Além de

tal, o banco referido na hipótese teria de ser a Caixa Geral de Depósitos pela razão já

referida anteriormente.

VI

Amílcar deve a Benedita 1.000 €, vencendo-se a obrigação de pagamento em

31 de Outubro de 2002.

Considere as seguintes hipóteses:

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1) Em Junho de 2002, Amílcar apresenta-se junto de Benedita propondo-lhe a

cessão de um crédito que tem sobre Cardoso, com vista à total extinção do

seu débito. Benedita aceita o negócio proposto. Poucos dias depois, Benedita

informa Amílcar de que a sua dívida para consigo se mantém, uma vez que,

ao tentar cobrar o crédito a Cardoso, este invocara, justificadamente, a

prescrição. Amílcar sustenta, porém, que nada deve a Benedita. Quid iuris?

Nos termos do art. 577º, a cessão de créditos consiste numa forma de transmissão de

crédito que opera por virtude de um negócio jurídico, normalmente um contrato entre o

credor e terceiro, independentemente do consentimento do devedor.

Para que ocorra uma situação de cessão de créditos é necessária a reunião dos seguintes

requisitos cumulativos: (1) negócio jurídico a estabelecer a transmissão da totalidade ou

de parte do crédito; (2) inexistência de impedimentos legais ou contratuais a essa

transmissão; (3) não ligação do crédito em virtude da própria natureza da prestação à

pessoa do devedor.

Na presente hipótese será necessário interpretar a vontade das partes para saber se

estamos perante uma dação em cumprimento ou uma dação em função do cumprimento.

O art. 840º/2 estabelece a presunção que quando existe uma cessão de créditos esta é

feita com o intuito de facilitar o seu cumprimento, pelo que a exoneração do cedente só

se verifica quando o cessionário obtenha a cobrança do crédito devido, ou seja existe a

presunção de que quando estamos perante um caso de cessão de créditos esta é realizada

pró solvendo. Contudo, esta presunção pode ser ilidida nos termos do art. 350º/2,

podendo ser demonstrado que as partes quiserem com a cessão de créditos extinguir

imediatamente a obrigação, pelo que nesse caso estaríamos perante uma dação em

cumprimento nos termos do art. 837º.

O crédito a que o cessionário fica investido é o mesmo que pertencia ao cedente, pelo

que as vicissitudes da relação creditória, que podem enfraquecer ou destruir o crédito

(as excepções oponíveis ao cedente) são transmitidas ao cessionário. Não pode em

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 24

princípio o devedor ser colocado perante o cessionário numa situação inferior àquela em

que se encontrava diante o cedente.

Nos termos do art. 837º, a Dação em Cumprimento, sendo uma forma de extinção da

obrigação, consiste na realização de uma prestação diferente da que é devida, com o fim

de mediante acordo do credor extinguir imediatamente a obrigação. É necessário um

acordo das partes uma vez envolvendo a realização de uma prestação diferente da

devida, ela só extinguirá o crédito se o credor der o seu assentimento (no momento em

que a dação se realiza).

Por sua vez, a dação em função do cumprimento, tal como a dação em cumprimento,

também necessita do assentimento do credor, mas difere-se da referida na medida em

que não consiste num meio de extinguir a obrigação, mas sim de facilitar a sua extinção,

sendo que a dívida se mantém ate o credor conseguir com o bem extinguir a obrigação.

Como no caso não nos são fornecidos elementos para podermos interpretar a vontade

das partes é necessário abrir as duas hipóteses.

No caso de estarmos perante uma dação pro solvendo, na medida em que se presume

que a cessão de créditos é feita pro solvendo (art. 840º/2), como a obrigação não foi

extinta, pelo art. 585º e art. 578º Cardoso pode opor a Benedita o meio de defesa da

prescrição pelo que a obrigação não é cumprida, mantendo-se válida a obrigação

primitiva: Amílcar não extinguiu a sua dívida para com Benedita, continuando a dever-

lhe 1 000€.

No caso de estarmos perante uma dação em cumprimento, admitindo que se fez prova

em contrário da presunção do art. 840º/2, com a cessão de créditos extinguiu-se por

completo a obrigação. Neste caso é necessário ainda referir que o art. 587º estabelece

que quem cede o crédito tem de garantir a existência e a exigibilidade (qualidade do

crédito que pode ser exigido judicialmente) deste: estando o crédito prescrito este não é

exigível.

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Deste modo, o credor (Amílcar) violou esta obrigação nos termos do art. 587º. Na

medida em que a cessão de créditos aqui presente é onerosa aplicam-se as regras

relativas ao contrato de compra e venda, pelo que nos termos do art. 838º o credor tem

de possuir a garantia da coisa ou do direito transmitido, sendo que neste caso de acordo

com o regime do contrato de compra e venda tem o direito a ser indemnizado dos

prejuízos resultantes da dação em cumprimento irregular, podendo optar pela prestação

primitiva e reparação dos danos sofridos (1 000€ acrescidos dos juros e mora).

2) Imagine que o crédito não tinha prescrito, mas que Cardoso era pai de

Benedita. Se Cardoso morrer, pode Amílcar considerar que a sua dívida

para com Benedita se extinguiu nesse momento?

O caso sub Júdice remete-nos para a matéria da cessão de créditos e da confusão.

Como já foi demonstrado na hipótese anterior, quando estamos perante uma cessão de

créditos esta pode ser uma dação em cumprimento ou uma dação em função do

cumprimento, resultante esta da presunção que consta do art. 840º/2.

Contudo, o presente caso levanta também a possibilidade de podermos estar perante a

confusão.

A confusão (art. 863º) consiste na extinção simultânea do crédito e da dívida em

consequência da reunião, na mesma pessoa, das qualidades de credor e devedor.

Para podermos estar perante este instituto é necessário que se encontrem

observados alguns requisitos: (1) reunião na mesma pessoa das qualidades de

credor e devedor, o que efectivamente sucede; (2) inexistência de prejuízo para os

direitos de terceiro (art. 871º/1): a confusão justifica-se por não existir

necessidade jurídica de manter a obrigação, como instrumento de colaboração

inter-subjectiva, a partir do momento em que se verifica a reunião das posições do

credor e do devedor na mesma pessoa; (3) não pertença do credito e da divida a

patrimónios separados: no caso de o credito e a divida pertencerem a patrimónios

separados determina o art. 872º a não verificação da confusão. A consequência que

decorre deste último requisito assenta na impossibilidade de verificação da

confusão uma vez que esta a ocorrer poria em causa essa mesma separação ao

fazer desaparecer os valores activos de um património em benefício da extinção de

responsabilidade de outro património. Se a confusão se verificar em consequência

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de o devedor adquirir o credito por herança, continua ele a responder pela sua

obrigação até à liquidação e partilha (art. 2074º/1 + 2070 – pelo menos durante

5anos-mesmo que uma pessoa seja o único herdeiro para assegurar a realização

das preferências – findo os 5anos pode acontecer que ainda seja a herança não

tiver sido partilhada), altura em que se extingue a separação de patrimónios (ate à

liquidação integral – herança jacente – pressupõe que existem vários herdeiros).

Ora, no presente caso, este último requisito (não pertença do crédito e da dívida a

patrimónios separados) não se encontra verificado uma vez que a herança é um

património autónomo que não se confunde com o património pessoal do herdeiro.

Poderíamos ainda levar a questão da herança deficitária: só se pode dizer que uma

determinada dívida se extingue quando se entende que Benedita (credor e devedor

simultâneo) tem interesse em considerar a sua dívida paga através da cessão de

créditos. Sendo a herança deficitária Benedita como herdeira do seu pai iria pagar

alguma coisa – e assim sendo em rigor o credito dele não iria ser pago. Deste modo

a divida Amílcar e Benedita não se extingue, na medida em que o devedor nunca

iria pagar nada a Amílcar (herança enquanto património autónomo só responde

pelas suas dividas e só ele responde por elas) logo ela tem todo o interesse em

cobrar o que Amílcar deve a Benedita. Uma vez que com a confusão a dívida não se

extingue, pode acontecer conjugar-se as regras da confusão com a da dação pro

solvendo (presunção do art. 840º/2 no âmbito da cessão de créditos).

Em suma, não existindo confusão, a dívida de Amílcar par com Benedita mantém-

se; se pelo contrario se tivesse existido confusão, e sendo o activo superior ao

passivo na herança de Cardoso a dívida de Amílcar para com Benedita seria

extinta: Benedita teria interesse em tal uma vez que não teria de pagar o que devia

enquanto herdeira de Cardoso. Havendo confusão e sendo a herança deficitária a

dívida de Amílcar para com Benedita não se extinguiria, e Benedita, enquanto

herdeira de Cardoso, não teria de pagar nada a Amílcar, tendo interesse em cobrar

dinheiro a este.

3) Suponha, agora, que em Novembro de 2002, Benedita escreve a Amílcar

lembrando-o de que a obrigação de pagamento (dos 1.000 €) se vencera em

31 de Outubro de 2002, e que, nessa medida, iria avançar com uma acção

em tribunal a reclamar o pagamento da dita quantia, acrescida dos

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respectivos juros de mora. Em resposta, Amílcar alega ser credor de

Benedita em 2.000 € e respectivos juros, contados desde Outubro de 2001,

mês em que sofrera prejuízos no seu bom nome e honra, em resultado de

uma notícia, falsa, posta a circular por Benedita no jornal “24 Horas” nos

termos da qual se dizia que “A era arguido num processo criminal por

suspeitas de burlas telefónicas cometidas no verão de 2000”. Quid iuris?

Nos termos do art. 847º a compensação consiste numa forma de extinção da obrigação

que permite que quando duas pessoas estejam reciprocamente obrigadas a entregar

coisas fungíveis da mesma natureza é admissível que as respectivas obrigações sejam

extintas, total ou parcialmente, pela dispensa de ambas de realizar as suas prestações ou

pela dedução a uma das prestações da prestação devida pela outra parte. A compensação

apresenta como vantagens o facto de produzir a extinção das obrigações dispensando a

efectiva realização das prestações – facilitação de pagamentos; e de permitir ao

declarante extinguir a sua obrigação, mesmo que não tenha qualquer possibilidade de

receber o seu próprio credito por insolvência do seu devedor – garantia (atípica) dos

créditos. A compensação pode revestir um de duas modalidades: ou ser legal (requisitos

positivos do art. 847º e requisitos negativos do art. 853º), ou ser convencional (segundo

o Prof. Antunes Varela a lei prescinde dos requisitos do art. 847º, mas as partes não

podem derrogar a aplicação dos requisitos do art. 853º). No presente caso, parece claro

que estamos perante um caso de compensação legal, pelo que desta forma teremos de

analisar se os requisitos positivos (art. 847º) e os requisitos negativos (art. 853º) se

encontram preenchidos. Verifiquemos primeiro os requisitos positivos. O primeiro

requisito positivo assenta na Reciprocidade de créditos: é essencial que o devedor, seja

por outro lado credor do seu credor, sendo que o credito com o qual o declarante

extingue a sua dívida se chama crédito activo (aquele que é invocado depois para

contrapor/extinguir o crédito que é pedido, ou seja é o credito de quem invoca a

compensação). O crédito passivo representa aquele contra o qual a compensação opera.

Parece claro que este primeiro requisito se encontra verificado. O segundo requisito

positivo assenta na Validade, Exigibilidade e Exequibilidade do contracrédito (do

compensante), do crédito activo: é necessário que o crédito do compensante seja

judicialmente exigível e que o devedor não lhe possa opor qualquer excepção,

peremptória ou dilatória, de direito material (art. 847º/1 al. a)). Só podem assim ser

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 28

compensados os créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter

a realização coactiva da prestação. Deste modo não podem ser compensados créditos de

obrigações naturais com dívidas respeitantes a uma obrigação civil. E também não pode

ser efectuada a compensação se o crédito ainda não estiver vencido (art. 849º) ou a outra

parte puder recusar o cumprimento (invocação da excepção de não cumprimento (art.

428º), da prescrição (art. 300º), nulidade e anulabilidade -em relação a esta ultima

exige-se que ela tenha ocorrido antes do momento em que se verificou a

compensabilidade dos créditos (art. 850º)). Em suma, o crédito activo não pode ser um

credito não vencido ou natural. Este segundo requisito também se encontra verificado.

O terceiro requisito assenta na fungibilidade do objecto das obrigações: cabendo a uma

das partes determinar o objecto da prestação só se poderá recorrer à compensação se a

escolha implicar prestações de coisas fungíveis homogéneas para ambos os créditos. O

requisito da homogeneidade é corolário do principio de que ninguém pode receber uma

coisa diversa da devida. Contudo já não é necessário que a quantidade das coisas

objecto da prestação seja idêntica. O facto de as dividas não serem de igual montante

determina apenas que a compensação seja parcial em relação à divida de montante

superior (847/2). Por outro lado, o facto de ainda não estar determinada a quantidade

devida não impede que se opere imediatamente a compensação (art. 847/2)

averiguando-se posteriormente o montante em que ela ocorreu. Este requisito também

parece verificado. Por fim, o último requisito positivo assenta na existência e validade

do crédito principal/passivo: o declaratário tem que ser titular de um crédito valido, sem

o que o compensante nunca poderia operar, já que o declarante nem sequer seria

devedor. Esse crédito do declaratário tem que estar na situação de poder ser cumprido

pelo devedor. Não pode assim o declarante pretender compensar uma divida sua ainda

não vencida, se o prazo tiver sido estabelecido em beneficio do credor. Já não constitui

condição para a compensação operar que o declaratário esteja em condições de poder

exigir judicialmente o cumprimento, pelo que nada impede o declarante de compensar

dividas ainda não vencidas se o prazo correr em seu beneficio. Pode igualmente o

declarante utilizar a compensação para extinguir dividas naturais suas com créditos civis

que tenha sobre o declaratário uma vez que em relação a elas se verifica a possibilidade

de cumprimento, ao qual a lei atribui causa jurídica quando espontaneamente realizado

(art. 817º). Mais uma vez, o requisito também se encontra verificado. Uma vez

verificados todos os requisitos positivos, será necessário atender às especificações do

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 29

art. 583º (requisitos negativos). O art. 583º/1 al. a) considera como causa de exclusão da

compensação os créditos provenientes de factos ilícitos culposos. Resulta da lei reprimir

este tipo de comportamentos e retirar os benefícios que dele poderiam resultar. Contudo,

o Prof. Antunes Varela interpreta esta norma num sentido diferente em que nada

impede que lesado venha invocar a compensação para extinguir a sua dívida, sendo que

quem não pode invocar a compensação neste caso seria o devedor da obrigação de

indemnizar pela pratica de factos ilícitos dolosos. A compensação também não poderia

operar se ambos os créditos respeitassem a factos ilícitos culposos. Tal deriva do facto

de a compensação visar simplificar os pagamentos e de ser garante da obrigação de

forma atípica (não se encontra prevista no art. 604º).

4) Suponha, ainda, que a obrigação de Amílcar para com Benedita resultava de

um contrato de compra e venda de um computador portátil e estava

garantida com um penhor de uma jóia pertencente a Cardoso. Suponha,

ainda, que em 31 de Outubro de 2002, data em que Amílcar deveria

proceder ao pagamento do preço, este “pediu a dita soma emprestada a

Benedita, que aceitou, passando, assim, aquele a detê-la a título de mutuário”,

tendo ficado acordado entre as partes que a referida soma deveria ser

entregue, o mais tardar, até ao dia 31 de Outubro de 2003. Nessa mesma

data, Amílcar falha o pagamento, tendo, nessa medida, Benedita interpelado

Cardoso, na sua qualidade de garante, para o fazer. Cardoso, contudo,

recusa-se a fazê-lo, alegando, em síntese, que “a dívida garantida se

extinguira com o novo acordo celebrado em 31 de Outubro de 2002” e que

“ainda que assim não se entendesse, nada devia a Benedita, pois esta estava,

por sua vez, obrigada a devolver-lhe 1.500 € na semana seguinte, em virtude

de um contrato de mútuo celebrado entre ambos”. Quid iuris?

No caso sub Júdice, na sua primeira parte, estamos perante a questão de saber se

ocorreu uma novação (objectiva) ou se ocorreu uma modificação da causa

A novação (forma de extinção das obrigações) consiste na convenção pela qual as parte

extinguem uma obrigação mediante a criação de uma nova obrigação.

A novação pode ser subjectiva (art. 858º), envolvendo a vinculação do devedor perante

um novo credor ou traduzindo-se na substituição do obrigado exonerado pelo credor por

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 30

um novo devedor extinguindo a obrigação anterior, ou pode ser objectiva (art. 857º),

podendo existir uma substituição do objecto como uma simples mudança da causa ou da

fonte da mesma prestação, ocorrendo sempre que a nova obrigação se constitui entre o

mesmo credor e o devedor da obrigação antiga.

No presente caso afim de descobrir se estamos perante uma novação objectiva teremos

de interpretar a vontade das partes declarada, sendo necessária a existência de uma

declaração expressa com a intenção de constituir uma nova obrigação que vá extinguir a

antiga, não existindo relevância jurídica da declaração tácita. A referida necessidade da

existência de declaração expressa encontra-se consagrada no art. 859º, sendo que a

declaração expressa aqui referida deve ser interpretada como a declaração que visa

extinguir a obrigação primitiva e não como a declaração relativa à contracção de nova

obrigação. Deste modo terá sempre de existir a intenção das partes em extinguir a

obrigação anterior criando uma nova em sua substituição.

Ora o presente caso parece sugerir que estamos perante uma modificação da causa da

obrigação, pelo que não houve constituição de uma nova obrigação e não se extingui a

antiga pelo que as garantias permanecem.

O Prof. Vaz Serra defendia que, uma vez que é de imensa dificuldade interpretar a

vontade das partes, seria lícito presumir que existia a intenção de novar quando a

relação obrigação se apresentasse economicamente diferente como uma relação por

completo diferente da que existia.

No caso sub Júdice, a segunda parte deste, remete-nos para a questão de apurar se

estamos perante uma compensação.

A compensação (art. 847º) consiste numa forma de extinção da obrigação que

permite que quando duas pessoas estejam reciprocamente obrigadas a entregar

coisas fungíveis da mesma natureza é admissível que as respectivas obrigações

sejam extintas, total ou parcialmente, pela dispensa de ambas de realizar as suas

prestações ou pela dedução a uma das prestações da prestação devida pela outra

parte. A compensação apresenta como vantagens o facto de produzir a extinção das

obrigações dispensando a efectiva realização das prestações – facilitação de

pagamentos; e de permitir ao declarante extinguir a sua obrigação, mesmo que não

tenha qualquer possibilidade de receber o seu próprio credito por insolvência do

seu devedor – garantia (atípica) dos créditos. A compensação pode revestir um de

duas modalidades: ou ser legal (requisitos positivos do art. 847º e requisitos

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 31

negativos do art. 853º), ou ser convencional (segundo o Prof. Antunes Varela a lei

prescinde dos requisitos do art. 847º, mas as partes não podem derrogar a

aplicação dos requisitos do art. 853º). No presente caso, parece claro que estamos

perante um caso de compensação legal, pelo que desta forma teremos de analisar

se os requisitos positivos (art. 847º) e os requisitos negativos (art. 853º) se

encontram preenchidos. Verifiquemos primeiro os requisitos positivos, sendo eles:

(1) reciprocidade de créditos; (2) validade, exigibilidade e exequibilidade do

contracrédito; (3) fungibilidade do objecto das obrigações; (4) existência e

validade do crédito principal/passivo. Daqui resultam dois pontos a salientar que

podem impedir a existência de compensação. O primeiro refere-se ao requisito da

reciprocidade de créditos: o art. 851º/1 consagra uma excepção na medida em que

sendo o declarante terceiro estaria a invocar um credito de terceiro (devedor de

devedor). Contudo, a parte final do mesmo artigo, consagra a hipótese de tal

acontecer uma vez que ele é titular de um direito real de garantia (é garante de um

penhor). O segundo ponto a salientar refere-se ao requisito da existência,

exigibilidade e validade do crédito activo na medida em que o crédito ainda não é

exigível pelo que este requisito não se verifica e consequentemente a compensação

não pode operar.

5) Em 31 de Julho de 2002, tomando conhecimento de um conjunto de graves

fatalidades que se abateram sobre a pessoa de Amílcar, Benedita escreve a

àquele uma carta onde, em síntese, “lhe propôs o perdão da dívida”. Amílcar

nunca respondeu a esta carta. Entretanto, e como a referida dívida fora

igualmente assumida por Cardoso, possuidor de uma vasta fortuna pessoal,

Benedita exigiu, na data do vencimento da dívida, que a mesma fosse paga,

por inteiro, por Cardoso. Este recusa-se a pagar, invocando, a conselho do

seu advogado, que “houve um perdão de dívida que o beneficia como devedor

solidário”. Quid iuris?

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 32

No caso sub Júdice estamos perante a possibilidade de existir uma remissão. A remissão

da dívida (art. 863º) assenta na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, feita

com a aquiescência da contraparte. A remissão na existência de uma prévia obrigação e

da existência de um contrato entre o credor e o devedor pelo qual aquele abdique de

receber a prestação devida (caracter contratual).

A doutrina discute se a renúncia deve ou não ser tratada como um contrato. Neste

sentido, o Prof. Vaz Serra defendia que a remissão poderia ser feita por contrato, ou

quando fosse gratuita mediante declaração unilateral do credor, embora o efeito

extintivo da renúncia pudesse ser destruído nesse caso pela declaração de recusa do

devedor. Por sua vez, o Prof. Antunes Varela: considera que em qualquer das situações

do art. 863º a remissão tem de ser um contrato, na medida em que a renúncia do credor

constitui uma forma de enriquecimento patrimonial do devedor, que se liberta da

obrigação que onerava o seu património não podendo ser imposta ao titular passivo da

relação creditória. Deste modo, não basta a declaração abdicativa ou renunciativa do

credor, na medida em que esse efeito só resulta do acordo ente os dois titulares da

relação creditória, ainda que a lei seja especialmente aberta à prova de aceitação do

devedor (art. 234º). É na ideia de que o obrigado não deve ser beneficiado se não quiser

que se funda a solução da essencialidade do consentimento do devedor para o

enriquecimento imediatamente criado no seu património com a liberação do débito.

Contudo existe ainda quem defenda, como o Prof. Menezes Leitão que a regra geral é os

direitos extinguirem-se por acto unilateral e se no caso do direito de crédito justifica-se

tomar em consideração a posição do devedor, ate por força o invito benefictum non

datur não se vê razão para a exigência do contrato no instituto da remissão bastando

atribuir-lhe a possibilidade de rejeitar o beneficio, à semelhança do que sucede no

contrato a favor de terceiro (art. 447º/1). Na grande maioria dos casos o credor não

espera resposta á declaração de perdão da divida, nem o devedor vê necessidade de a ele

responder, o que pode tornar problemática a verificação do contrato, exigido pelo art.

863º/1. Sendo a obrigação uma relação complexa, a extinção do vínculo obrigacional

por meio da remissão não envolve apenas uma perda definitiva do poder de exigir,

implicando do mesmo modo um enriquecimento do devedor, traduzido na supressão de

um elemento negativo. O facto de a remissão ter de ser considerada como um negocio

bilateral não impede que se reconheça o papel preponderante do credor, no caso da

remissão a titulo gratuito. Deste modo, poder-se-á dizer que a remissão é no seu cerne

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uma renuncia ao direito do credito. Deste modo, uma vez que Amílcar nunca chegou a

responder é crucial a posição que tomamos para saber se existiu remissão ou não. De

acordo com a posição do Prof. Antunes Varela, defendo a necessidade de existência de

contrato, então neste caso não estaríamos perante um caso de remissão pelo que

Benedita e Cardoso continuavam obrigados (obrigação solidária). Por outro lado, de

acordo com aqueles que defendam que que não é necessário a existência de contrato

então a remissão teria efectivamente se verificado. Quais as consequências que

resultariam da admissão da remissão? O efeito imediato seria a perda definitiva do

crédito e a liberação do débito. Uma vez extinta a obrigação, com ela se extinguem os

acessórios e garantias pessoais ou reais sem necessidade da intervenção de terceiros que

as tenham prestado (interpretação do 866/1). De seguida será necessário verificar se a

remissão é in rem ou in personam, ou seja se era concedida a todos os devedores ou

apenas a um dos devedores. A remissão in rem traduz-se no facto de o credor renunciar

ao poder de exigir a prestação a qualquer um dos devedores, sendo que deste modo

beneficiaria Benedita e Cardoso. Se a remissão for in personam, aplicava-se o regime do

art. 864º, sendo que Cardoso assumiria a dívida como devedor solidário: assunção

cumulativa (art. 595º). Cabe ainda referir o âmbito de aplicação do art. 864º: se a

remissão é in personam, a regra é a de que a remissão exonera o devedor apenas na sua

quota parte (nº1); se a remissão apenas produz efeitos nas relações externas o credor

exige os 1 000€ a Cardoso e este depois exerce o direito de regresso contra Benedita

(nº2)

VII

Abel, Bernardo e Carlos celebraram com Duarte um contrato de compra e

venda em virtude do qual ficaram solidariamente obrigados a pagar a Duarte 900

€.

Supondo que Bernardo detém um crédito de 300 € sobre Duarte e que Carlos se

encontra insolvente, pergunta-se:

a) A quem pode Duarte dirigir-se para obter o cumprimento da prestação

devida?

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 34

Nos termos do art. 512º e do art. 519º/1, estamos perante um caso de solidariedade

passiva, na medida em que existem vários devedores adstritos à mesma prestação e um

só credor, podendo este exigir o cumprimento da prestação devida a Abel, Bernardo e a

Carlos.

O credor poderá exigir 900euros a um dos três devedores (existindo depois direito de

regresso entre eles) ou pode exigir de qualquer dos obrigados uma parte apenas da

prestação, desde que tal não exceda no conjunto das execuções o montante do seu

crédito. Tal representa uma faculdade estabelecida no interesse do credor.

b) Suponha que Duarte se dirige a Abel e este:

(i) Mostra-se disposto a pagar apenas a sua parte;

Nos termos do art. 518º, se o credor interpelar um dos devedores para cumprir em tudo,

o devedor solidário não goza do direito de apenas cumprir a sua parte (exclusão do

direito à divisão), mesmo que chame os co-devedores.

A razão de ser do art. 518º prende-se com o facto de sendo demandado pela totalidade

da prestação, ou por uma parte dela superior à quota que lhe compete nas relações

internas, o devedor tem a faculdade de chamar todos os outros à demanda para com ele

se defenderem. Embora não se exima do dever de efectuar toda a prestação, o

demandado terá interesse em utilizar este meio, não só para que os outros colaborem

com ele na defesa, como para se munir desde logo com o título executivo capaz de lhe

assegurar e facilitar a realização do direito de regresso contra os condevedores.

Em suma, Abel, enquanto devedor solidário demandado pelo credor para cumprir

integralmente a prestação, terá que fazê-lo gozando depois de direito de regresso em

relação a Bernardo e a Carlos nos termos do art. 524º.

(ii) Recusa-se a pagar.

Se a prestação debitória se tornar impossível por causa não imputável a nenhum dos

devedores, a obrigação solidária extinguir-se-á em relação a todos eles, sem prejuízo do

‘’Commodum’’ de representação (art. 794º) de que goza o credor, na hipótese da

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 35

impossibilidade da prestação proporcionar ao devedor algum direito sobre certa coisa ou

contra terceiro.

Se a prestação debitória se tornar impossível por causa imputável a um ou a alguns dos

devedores, há que distinguir quanto à indemnização entre a parte desta, correspondente

ao valor da prestação devida e a parte excedente que corresponda ao dano do credor.

Quanto à primeira parte, nos termos do art. 520º, mantém-se a responsabilidade

solidária de todos os devedores, sendo que quanto à segunda parte só responde por ela o

devedor ou devedores a quem o facto é imputável.

O art. 520º estabelece um princípio geral relativo à impossibilidade da prestação,

impossibilidade está absoluta definitiva e total de cumprimento da prestação que deve

ser entendida no sentido de responsabilidade contratual. O Prof. Antunes Varela

entende que este artigo poder-se-á ainda aplicar aos casos de simples mora. Neste artigo

fundam-se as soluções no princípio de que os acontecimentos relativos a cada um dos

devedores solidários não devem beneficiar nem prejudicar os outros.

Em suma, Abel encontra-se obrigado ao pagamento integral da prestação mais juros de

mora, tendo direito de regresso em relação a Bernardo e a Carlos no tocante à prestação

integral apenas.

c) E se for Carlos quem se recusa a pagar em virtude da sua situação de

insolvência?

Nos termos do art. 526º/1, a quota parte do insolvente é repartida proporcionalmente

entre os demais. Deste modo, se Carlos for insolvente Duarte terá de exigir a prestação a

Bernardo ou a Abel. Quando um dos devedores cumprir na totalidade a prestação

surgem dois factos: (1) o interesse do credor, Duarte, satisfaz-se e a obrigação extingue-

se em relação a todos nos termos do art. 523º; (2) o devedor que satisfaz o cumprimento

da obrigação fica com direito de regresso em relação aos demais devedores nos termos

do art. 524º, presumindo-se que comparticipam em partes iguais na dívida nos termos

do art. 516º.

Deste modo, caso Abel ou Bernardo cumpra integralmente o cumprimento da prestação

fica com direito de regresso no valor de 450€.

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 36

Cálculos Auxiliares

Valor Total da Prestação: 900€

3 devedores com uma prestação de 300€ cada

Um devedor insolvente pelo que nos termos do art. 526º a sua quota-parte é

distribuída em termos proporcionais pelos demais devedores. Logo,

300€:2=150€

Cada um dos dois devedores (Abel e Bernardo) tinha uma prestação de 300€ à

qual acresce a quantia de 150€ = 450€

Nota: Nos termos do art. 526º, caso o devedor demandado tenha demorado a exercer o

seu direito de regresso contra o devedor que veio a tornar-se insolvente ou não

relacionou o seu crédito, e se em virtude de tal resultou a impossibilidade de cobrar a

prestação, a responsabilidade do devedor que pagou incide exclusivamente sobre ele,

pelo que não poderá exercer o seu direito de regresso no que respeita à quota do

insolvente.

Querela Doutrinal sobre o art. 516º

Segundo o Prof. João Tiago Antunes, nos termos do art. 516º, presume-se que quer os

credores solidários quer os devedores solidários participem em partes iguais no crédito.

Tal entronca na assunção de dívida, que possui dois efeitos sendo ou cumulativo ou

liberatória. O novo devedor passa a ser solidário com o antigo se a assunção for

cumulativa, o que corresponde a uma obrigação solidária.

O Prof. Antunes Varela entende que nestes casos não existe em rigor entre os dois

devedores uma perfeita solidária na medida em que não se aplica a norma do art. 526º.

Na assunção cumulativa de dívida, o assuntor cumprindo não poderá exigir o direito de

regresso pois tal violaria a assunção. Existindo quem entenda que podendo ser a

assunção cumprida pelo assuntor e sendo tal verdade, é igualmente verdade que não

estaremos perante uma verdadeira solidariedade passiva na medida em que o que

caracteriza tal é o credor poder exigir a um dos devedores toda a prestação. Não

existindo direito de regresso tal não desqualifica a obrigação como solidaria, até porque

segundo o art. 516º presumem-se nas relações internas que os devedores respondem em

termos iguais, mas que pode não existir direito de regresso.

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 37

Segundo o Prof. Januário Gomes da Costa, o simples facto de não existir direito de

regresso não significa que não estejamos perante uma obrigação solidária.

d) Suponha, agora, que Duarte acciona Bernardo. Poderá este invocar algum

meio de defesa?

O Prof. Antunes Varela indica a existência de três meios de defesa

Meios de defesa que apenas podem ser invocados pelo devedor a que respeitam,

beneficiando todos os devedores do ponto de vista das relações externas, tal

como a compensação por exemplo.

Meios de defesa que apenas podem ser invocados pelo devedor a que respeitam,

não só não beneficiando os outros devedores nas relações externas como

prejudicando os mesmos nas relações internas, tal como a menoridade por

exemplo.

Meios de defesa que apenas podem ser invocados pelo devedor a que respeitam,

não produzindo nenhuma consequência pratica nas relações internas e externas,

tal como a prescrição por exemplo.

No presente caso, de acordo com o primeiro meio de defesa mencionado anteriormente,

Duarte exigindo a Bernardo o cumprimento da totalidade da prestação conduz a que

Bernardo possa invocar em defesa um crédito que possui no valor de 300€ sobre ele.

Deste modo, Bernardo pagaria a Duarte apenas 600€ (900€-300€). Nos termos do art.

523º, o interesse de Duarte encontrar-se-ia satisfeito.

Tendo Bernardo pago 600€ e compensado 300€ goza de um direito de regresso no valor

de 600€, ou seja 300€ de cada um dos restantes devedores (Abel e Carlos).

VIII

António e Berta, que vivem em economia comum numa casa de que são

comproprietários, contrataram com Carlos e David a pintura da sua casa, em data

do mês de Agosto a fixar pelos proprietários e com as cores por estes escolhidas.

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 38

Considere as seguintes hipóteses, isoladamente:

1) Durante o mês de Agosto, António e Berta exigem a pintura da casa a Carlos

e a David. Carlos comunica-lhes que David se ausentou para férias, pelo que a casa

só poderá ser pintada em Setembro. António e Berta pretendem que Carlos lhes

pinte a casa, sozinho.

a) Podem reclamar a pintura de toda a casa apenas a Carlos?

No presente caso estamos face a uma obrigação indivisível, uma vez que a prestação foi

assumida por duas pessoas não podendo ser realizada por partes sem que se prejudique

o seu valor económico global.

Nos termos do art. 535º, a obrigação indivisível considera-se conjunta, salvo se a

solidariedade tiver sido estipulada pelas partes ou resultar de lei. Deste modo, nada nos

dizendo que a obrigação indivisível é solidária, presume-se que é conjunta pelo que o

seu cumprimento só poderá ser exigido a todos os devedores simultaneamente, neste

caso a Carlos e David.

Nota: poder-se-ia colocar a questão de saber se se poderia aplicar o regime do art. 537º.

Tal, como o artigo 520º, pressupõe um incumprimento definitivo o que por consequente

pressupõe uma tomada de posição sobre a impossibilidade (definitiva e absoluta) e a

própria obrigação. O facto de Daniel se ter ausentado em Agosto não faz com que a

prestação se torne definitiva e absolutamente impossível, o que é pressuposto da

aplicação deste artigo. Diferente seria o caso de os credores pretenderem vender a casa

em Setembro, tratando-se neste caso de uma obrigação com termo absolutamente

essencial segundo o Prof. Baptista Machado. Neste último caso, estaríamos no âmbito

de aplicação do art. 537º e Carlos ficaria desonerado. Contudo, não sendo este o caso

tudo indica para que estejamos face a uma situação de simples mora. Posteriormente

ocorrerá a fixação de um novo prazo, mas como entretanto correm juros de mora nos

termos do art. 804º, quem os irá suportar será o devedor que teve culpa neste caso David

sendo que tal resulta da interpretação do art. 537º com o art. 520º.

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 39

b) Se Carlos aceitar, voluntariamente, pintar a casa sozinho, que direitos lhe

assistem em face de David?

Nas relações entre os vários credores vigora o princípio de que cada um dos obrigados

responde apenas pela quota que lhe pertence ao débito comum. Se algum dos devedores

realiza a prestação indivisível devida sem o concurso dos outros terá o direito de exigir

de cada um deles o que lhe compete na responsabilidade comum. No plano das relações

externas, o solvens poderá exigir dos demais devedores a sua quota-parte na

responsabilidade comum.

Nota: o risco da insolvência corre integralmente por conta do devedor da obrigação que,

renunciado à garantia do art. 535º, opta por cumprir a prestação perante o credor.

c) Se Carlos aceitar, voluntariamente, pintar a casa sozinho, pode exigir o

pagamento integral do preço convencionado a António e a Berta?

No presente caso, o pagamento da prestação constitui uma obrigação divisível, na

medida em que o seu fraccionamento é possível sem prejuízo.

Nos termos do art. 534º trata-se de uma obrigação conjunta pelo que Carlos terá apenas

direito ao crédito da sua parte, que se presume igual à parte de David. Relativamente a

essa metade, poderá pedir ¼ do preço a cada um dos devedores.

Nota: caso António e Berta fossem casados aplicar-se-ia o regime da solidariedade

consagrado no art. 1691º e 1695; caso fossem casados com separação de bens não

existiria solidariedade nos termos do art. 1695º/2. Caso António decidisse pagar a

prestação integralmente não estaríamos perante um caso de solidariedade, mas sim de

prestação efectuada por terceiro (interessado ou não), não sendo um caso de sub-

rogação legal nos termos do art. 592º, dependendo portante da relação entre este e Berta

(gestão, enriquecimento sem causa, mandato, doação, etc.)

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 40

2) Durante o mês de Agosto, encontrando-se Berta ausente no estrangeiro e

incontactável, António exige de Carlos e David a pintura integral da casa a “preto”,

para fazer uma surpresa a Berta. Carlos e David, receosos de que Berta não venha a

gostar da cor escolhida, recusam-se a pintar a casa enquanto esta não regressar.

Existe fundamento legal para essa recusa?

Nos termos do art. 538º, a lei optou pela solução de dar a qualquer dos credores o

direito de por si só exigir a prestação inteiro, sendo que o devedor enquanto não for

citado judicialmente só poderá exonerar-se efectuando a prestação a todos os credores

caso contrário poderá ter de cumprir de novo perante qualquer um dos outros credores.

O regime do art. 538º significa que a citação judicial do devedor por um dos credores

transforma a obrigação conjunta em solidária.

Nota: a lei não refere neste caso a possibilidade de extinção da obrigação em relação a

algum ou alguns dos credores, mas parece que neste caso a solução não pode ser

diferente da consagrada no art. 536º. Deste modo, os restantes credores só podem exigir

a prestação do devedor se lhe entregarem o valor da parte que cabia à parte do crédito

que se extingui.

IX

António e Bernardo estavam obrigados a entregar a Carlos e Daniel cinco

toneladas de bananas que estes lhes tinham comprado no dia 7 de Agosto. As

bananas foram colhidas na propriedade de António no dia 10, pesadas por

Bernardo no porto do Funchal no dia 11, carregadas no navio do transportador

Eduardo no dia 12 e descarregadas em Lisboa no dia 21 do mesmo mês.

1) Por via de uma ruptura no navio de Eduardo, ocorrida durante uma

tempestade na viagem, as bananas ficaram inundadas e estragaram-se.

Carlos e Daniel têm de pagar o preço acordado a António e Bernardo?

Compra e Venda das Cinco Toneladas de Bananas: 7 de Agosto

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 41

Colheita das Bananas: 10 de Agosto

Pesagem das Bananas: 11 de Agosto, Porto do Funchal

Carregadas no Navio: 12 de Agosto

Descarregadas do Navio: 21 de Agosto, Lisboa

No presente caso, estamos perante uma obrigação genérica, ou seja o objecto encontra-

se determinado em função do seu género (bananas) e pela sua quantidade (5 Toneladas).

Uma vez que nada na hipótese indica que os adquirentes, Carlos e Daniel, compraram as

únicas bananas existentes, não sendo deste modo o objecto mediato e indivisível ou

concretamente fixado, não se pode considerar que estejamos perante uma obrigação

específica.

A regra constante no art. 796º é que o risco corre por conta do proprietário,

independentemente da entrega já se ter realizado ou não.

A regra geral constante no art. 408º/1 é a de que a transferência da propriedade se dá por

mero efeito do contrato, o que no presente caso seria dia 7 de Agosto. Contudo, o nº2 do

referido artigo contém uma excepção consagrando que quando a coisa seja

indeterminável a transferência ocorrerá apenas no momento da sua determinação. Ao

referido regime excepcionam-se ainda as obrigações genéricas pelo que a transferência

ocorre apenas no momento da concentração da obrigação.

Nos termos do art. 541º, a regra é a de que a concentração ocorre no momento do

cumprimento, pelo que neste caso seria dia 21 de Agosto.

Existem contudo situações em que a concentração ocorre antes do cumprimento,

passando de obrigação genérica a específica, estando estas situações previstas no art.

541º:

Acordo das Partes: a escolha na falta de estipulação em contrário compete ao

devedor nos termos do art. 539º. Contudo, as partes tem a faculdade de confiá-la

a qualquer uma delas ou a terceiros nos termos do art. 400º/1, sendo que para ser

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 42

eficaz a escolha precisa de ser notificada ao devedor quando realizada pelo

credor.

Extinção Parcial do Género: para que ocorra a concentração, nem sempre será

necessário que do género reste apenas uma das coisas nele compreendidas,

bastando que reste uma quantidade igual ou inferior à que é devida deixando de

existir margem de escolha do objecto da prestação debitória.

Quando o credor incorra em mora: na falta de acordo, mesmo que se trate de

uma prestação que deva ser levada ao credor, há-de o devedor oferecer a

prestação por inteiro da coisa escolhida ao credor, recusando-se este a recebê-la

ou a dar a respectiva quitação, tendo-se a obrigação por concentrada a partir do

momento da oferta da prestação.

Entrega ao transportador, expedidor ou receptor da coisa nos termos do art. 797º:

tratando-se de coisa que deva ser enviada por local diferente do cumprimento, a

concentração ocorre logo com a entrega antes por conseguinte da chegada da

coisa ao local de destino

No presente caso é necessário saber por quem corre o prejuízo resultante do

perecimento da coisa devido a caso fortuito ou de força maior, sendo que para o efeito é

necessário abrir duas hipóteses.

Se considerarmos que não se insere em nenhuma das excepções previstas no art. 541º o

risco corre por conta do alienante, sendo que o perecimento da coisa ocorre antes da

concentração o prejuízo corre por conta do devedor, quer ele continue ainda vinculado

quer fique exonerado por ter desaparecido todo o género em que a prestação deveria ser

concretizada. Deste modo, António e Bernardo de efectuar um novo cumprimento

(entregar novas bananas).

Contudo, nos termos do art. 773º, a entrega das bananas deveria fazer-se na Madeira

mas existindo um acordo em que a entrega deve ser realizada em Lisboa poder-se-á

concluir pela existência de uma dívida de envio nos termos do art. 779º. Deste modo, a

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concentração da obrigação ocorre antes da entrega da coisa no dia 12 de Agosto,

ocorrendo em tal dia a transferência da propriedade. Se o perecimento da coisa é

posterior à concentração, ou seja sendo o momento em que a obrigação genérica se

converte numa verdadeira obrigação específica o prejuízo corre por conta do credor

(adquirente) que não poderá exigir a restituição do preço ou terá de pagá-lo se ainda não

o tiver feito. Deste modo, Carlos e Daniel continuariam vinculados à prestação,

continuando obrigados a pagar o valor acordado e a não receber novas bananas (norma

de natureza supletiva).

Nota: O Prof. Almeida Costa coloca a questão de saber se o art. 541º não deverá ser

interpretado em consonância com o regime do art. 408º/2. Se a lei exige no art. 408º/2 o

conhecimento de ambas as partes não deverá haver esse conhecimento para existir a

transferência do risco e da propriedade nos casos previstos pelo art. 541º? O autor

impõe a conclusão segundo a qual a concentração da obrigação que ocorra antes do

cumprimento não pode ocorrer independentemente do conhecimento das partes. Se a

concentração se der nos casos do art. 541º sem o conhecimento das partes só se poderá

dizer que ocorrer a transferência da propriedade e do risco quando tiver ocorrido o

conhecimento de ambas as partes. Esta tese releva especialmente para os casos de

destruição parcial do género em que as partes, ou só o adquirente vêm a ter

conhecimento dessa destruição mais tarde: nestes casos a transferência da propriedade

só ocorre quando for do conhecimento de ambas as partes.

2) António e Bernardo são credores de Carlos e Daniel da quantia de 60.000 €.

Quanto é que o credor António pode exigir ao devedor Carlos?

No presente caso estamos perante uma obrigação divisível, na medida em que o seu

fraccionamento é possível sem prejuízo. É uma obrigação conjunta, na medida em que a

solidariedade só existe quando resulte de disposição legal ou de vontade das partes, nos

termos do art. 513º.

Sendo que cada credor só pode exigir a cada um dos devedores metade da sua prestação,

cada credor pode exigir a cada um dos devedores ¼ do valor da sua prestação, pelo que

no presente caso António poderia exigir a Carlos 15625€.

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Sendo um contrato comercial, quer para os compradores, quer para os vendedores o

regime seria o das obrigações solidárias nos termos do art. 100º do Código Comercial.

3) Distinga uma prestação de coisa fungível de uma prestação fungível, dando

exemplos com base nos elementos constantes da hipótese.

Prestação de Coisa Fungível: prestação que tem por objecto uma coisa que pode ser

substituída por outra da mesma espécie sem causar qualquer prejuízo ao credor nos

termos do art. 207. Exemplo: venda de bananas.

Prestação Fungível: prestação que pode ser realizada por pessoa diferente do devedor

uma vez que as qualidades deste não revelam para o credor, sendo que a substituição

daquele não prejudica o interesse deste. Exemplo: entrega das bananas ou pagamento do

preço.

X

António reservou no hotel “Serra Natura Spa” a suite com vista de

montanha do primeiro ou segundo andar. O hotel tem sete andares, e uma suite

com vista de montanha por andar.

A) Chegado ao hotel, António fica descontente por lhe ter sido destinada a

suite do segundo andar, invocando “ter medo de alturas”. Exige ficar na suite do

primeiro andar, que está ocupada.

1) Pode fazê-lo?

No presente caso, estamos perante uma obrigação composta na medida em que o seu

conteúdo é múltiplo e não uno. Deparamo-nos com uma subcategoria de obrigações

compostas, as obrigações alternativas nos termos do art. 543º, devendo-se tal ao facto de

a determinação do objecto depender de uma escolha feita pelo devedor neste caso: o

Hotel obrigou-se a hospedar António na suite com vista de montanha do primeiro ou do

segundo andar. A escolha é o acto de opção ou selecção por meio do qual se opera em

regra a concentração da obrigação. Numa das prestações em alternativa a que o devedor

se encontra adstrito é colocado termo à indeterminação.

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 45

Nos termos do art. 543º/2, na falta de convenção ou disposição legal em contrario é ao

devedor a quem cabe a escolha, ou seja é ao Hotel que cabe decidir em qual das suite

com vista para a montanha António fica, sendo que se este recusar a aceitar a prestação

incorre em mora, uma vez que não existe causa justificativa.

2) A sua resposta seria a mesma se António, após a reserva, tivesse

recebido um fax do hotel a comunicar-lhe que ficaria instalado na suite

do primeiro andar?

Embora o art. 549º se refira apenas à escolha efectuada pelo credor ou por terceiro, o

Prof. Antunes Varela entende que nos casos em que a escolha da obrigação alternativa

compete ao devedor não há motivo nenhum para não considerar que uma vez efectuada

essa escolha pelo devedor e sendo esta declarada ao credor não fique sujeita ao art. 542º

e seja irrevogável. Ou seja, embora não se possa aplicar directamente o art. 549º nestes

casos existe a remissão para o art. 542º.

Em suma, se o Hotel quiser oferecer outra suite o credor já pode recusar sem entrar em

mora nos termos do art. 813º na medida em que existe uma causa justificativa.

Nota: nas obrigações genéricas a solução é distinta, na medida em que estas só se

tornam em princípio específicas no cumprimento e se a escolha for feita pelo devedor

antes do cumprimento não produz efeitos a não ser que o credor tenha dado o seu

consentimento.

B) Admita que ocorreu um incêndio na suite com vista de montanha do

primeiro andar.

1) Pode o hotel recusar-se a alojar António na suite do segundo andar?

Caso a impossibilidade incida apenas sobre uma ou alguma das prestações, não sendo

no presente caso o incêndio imputável as partes, e como na hipótese nada se diz

presumimos que é o caso, a obrigação considera-se limitada às prestações ainda

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 46

possíveis nos termos do art. 545º. Deste modo, restando apenas uma prestação a

obrigação irá se concentrar nessa única, na medida que o devedor tem de prestar aquilo

que é objectivamente possível. Caso se recuse a fazer, ou seja a instalar António na suite

do segundo andar, o Hotel incorre em mora que pode vir a transformar-se em

incumprimento definitivo.

Em suma, o Hotel terá de hospedar António na suite que sobreviveu ao incêndio, a suite

no 2ºandar.

Nota: a lei não se ocupa expressamente da impossibilidade originária ou da ilicitude de

uma ou de varias prestações, hipóteses em que tendo a obrigação a sua origem num

negócio jurídico vigoram as normas gerais relativas à nulidade parcial deste nos termos

do art. 280º e 292º. Em princípio a escolha fica limitada às restantes prestações ou

substituindo apenas uma, a obrigação torna-se simples. Só não será assim de acordo

com as regras de redução quando se mostre, com base na vontade real ou hipotética das

contraentes que estes não celebrariam o negócio sem a parte viciada. Além disso pode

suceder que o vício atinja todo o negócio e ele resulte inteiramente nulo.

A impossibilidade superveniente consiste na impossibilidade que ocorra entre a

constituição do vínculo obrigacional e a escolha, encontrando o seu regime no art. 545º

a 547º. A escolha constitui a transformação da obrigação em específica e

consequentemente à impossibilidade que venha a verificar-se aplicar-se-á o regime do

art. 790º.

Não se prevê o caso da impossibilidade total por causa imputável às partes, sendo

necessário aplicar as regras gerais. Se a culpa é o devedor a obrigação extingue-se nos

termos do art. 790º e ss; se a culpa é do devedor este é responsável como se faltasse

culposamente ao cumprimento da obrigação nos termos do art. 801º.

2) Se tivesse sido acordado que caberia a António escolher em que suite

ficaria alojado, a sua resposta à alínea anterior seria a mesma, caso o

incêndio fosse imputável ao hotel?

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 47

Sendo a impossibilidade imputável ao devedor (Hotel), é necessário distinguir se a

escolha lhe pertencia ou não. Nos termos do art. 546º, 1ª parte se a escolha pertencesse

ao Hotel ele deveria efectuar uma das prestações possíveis; na 2ª parte da norma caso a

escolha coubesse ao credor, este poderia exigir uma das prestações possíveis ou pedir a

indemnização pelos danos provenientes de não ter sido efectuada a prestação que se

tornou impossível ou ainda resolver o contrato nos termos gerais pelo interesse

contratual negativo.

3) E se tivesse sido acordado que caberia a Beatriz, noiva de António,

escolher entre uma das duas suites?

Se a escolha pertencer a terceiro e tornando-se uma ou algumas das prestações

impossíveis por facto imputável às partes existe uma lacuna na lei na medida em que

não existem normas expressas. Contudo o Prof. Antunes Varela e o Prof. Almeida

Costa entendem que:

Não sendo a impossibilidade da prestação imputável a nenhuma das partes

aplica-se o regime do art. 545º

Sendo a impossibilidade imputável ao devedor, o terceiro pode optar por uma

das prestações possíveis ou pela indemnização dos danos resultantes do não

cumprimento da prestação que se tornou impossível nos termos do art. 546º.

Afigura-se que a opção pela resolução do contrato em virtude do seu caracter

pessoal compete apenas ao credor, sendo o terceiro apenas parte.

Sendo a impossibilidade imputável ao credor considera-se cumprida a

obrigação. Ressalva-se todavia a faculdade de o terceiro optar ela prestação

possível com indemnização dos danos que o devedor tenha sofrido nos termos

do art. 547º.

C) Suponha que António marcou no hotel a suite com vista de montanha do

primeiro andar, mas o hotel reservou a faculdade de o alojar na suite com vista de

piscina do mesmo andar.

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1) Pode António exigir ficar alojado na suite com vista de montanha se o

hotel o alojar na suite com vista de piscina?

No presente caso estamos face a uma obrigação com faculdade alternativa. Tais

caracterizam-se por terem por objecto uma só prestação mas o devedor tem a faculdade

de se desonerar mediante uma outra prestação ou o credor tem direito de exigir uma

prestação diferente da devida: poder de substituição. O regime jurídico não é o das

obrigações alternativas mas sim o das obrigações específicas, não existindo lugar a

nenhuma escolha sendo essa a única prestação que o credor tem direito de exigir e

podendo faze-lo logo que a obrigação se vença. O credor não pode exigir a prestação

alternativa, mas terá de aceitá-la, se o devedor optar por ela sob pena de incorrer em

mora.

No caso em análise, tendo o Hotel reservado a faculdade de alojar António numa suite

com vista para a piscina, o credor terá de aceitar a situação que resultar da escolha feita

pelo Hotel, caso contrário incorre em mora nos termos do art. 813º.

2) Suponha agora que houve um incêndio na suite com vista de montanha

reservada. António exige ficar alojado na suite com vista de piscina. O

hotel recusa, invocando estar ocupada. Quid iuris?

No presente caso, sendo a impossibilidade superveniente a obrigação extinguir-se-á

quando respeitar à prestação devida, em que com este fundamento se extingue a

obrigação simples nos termos do art. 790º.

É necessário saber quem a quem a impossibilidade da prestação é imputável. Se o facto

é imputável ao devedor, neste caso o Hotel, aplicar-se-ia o regime do art. 798º e do art.

801º. Se o facto é imputável a terceiro, a caso fortuito ou de força maior aplicar-se-ia o

regime do art. 790º, ficando o devedor exonerado e do art. 795º podendo exigir de volta

a contraprestação. A obrigação manter-se-á enquanto a impossibilidade afectar apenas a

segunda prestação.

XI

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 49

1. António, credor de Berta por 10.000 €, cedeu o seu crédito a Carla. Berta,

que não foi notificada da cessão, pagou a António o referido montante. Que

direitos assistem a Carla?

Nos termos do art. 577º, a cessão de créditos consiste numa forma de transmissão de

crédito que opera por virtude de um negócio jurídico, normalmente um contrato entre o

credor e terceiro, independentemente do consentimento do devedor.

Para que ocorra uma situação de cessão de créditos é necessária a reunião dos seguintes

requisitos cumulativos: (1) negócio jurídico a estabelecer a transmissão da totalidade ou

de parte do crédito; (2) inexistência de impedimentos legais ou contratuais a essa

transmissão; (3) não ligação do crédito em virtude da própria natureza da prestação à

pessoa do devedor.

No ordenamento jurídico português, o cumprimento efectuado ao credor aparente não se

considera eficaz, salvo em certos casos excepcionais em que por atenção à boa fé do

devedor a lei reconhece como tal. Um desses casos consiste na prestação efectuada pelo

devedor ao cedente, antes de aquele ter conhecimento da cessão (art. 583º/1 e 2).

Nos termos do art. 583º/1, embora a cessão de créditos não pressuponha um acordo do

devedor, este tem de ser notificado e caso não o seja e nem saiba da cessão o

cumprimento realizado ao credor aparente será oponível ao cessionário, tendo o

pagamento eficácia liberatória nos termos do art. 770º al. f).

Para que o cumprimento realizado ao credor aparente não seja oponível ao cessionário é

necessário, nos termos do art. 583º/2, que este prove que o devedor conhecia a cessão.

Neste caso, o empobrecido irá agir contra o credor que recebeu o dinheiro de acordo

com as regras do enriquecimento sem causa.

2. Suponha, agora, que quando Carla exige de Berta o pagamento dos 10.000

€, esta não paga em virtude da sua situação de insolvência. Poderá Carla

exigir a António o pagamento do referido montante?

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Nos termos do art. 587º/2 é necessário apurar se no momento em que é constituída a

cessão de créditos António garantiu a Carla a solvência do devedor, ou seja de Berta.

Caso tenha garantido estamos face a um incumprimento do contrato pelo que Carla terá

direito a ser indemnizada. Caso não tenha garantido, por aplicação do regime supletivo,

quem irá suportar os danos será Carla, cessionária.

3. António, que tinha um crédito de 10.000 € sobre Berta, cedeu parcialmente

esse crédito, no valor de 7.000 € a Carla e sub-rogou Dário no montante

restante.

Se Berta apenas possuir 5.000 € para cumprimento da dívida, como se opera

a satisfação dos créditos?

Nos termos do art. 593º/2, existindo confronto entre o cessionário e o credor sub-rogado

quem prevalece será o cessionário, salvo se existir convenção em contrário. No presente

caso, nada nos dizendo sobre a existência de convenção em contrário prevalece Carla,

cessionária.

XII

António e Benilde Santos devem 200.000 € ao Banco X e 100.000 € ao Banco

Y. Em face das dificuldades económicas sentidas no último ano, António e Benilde

decidiram vender o único imóvel de que eram proprietários ao seu filho Carlos,

residente em Madrid.

Uma vez que, para garantir o cumprimento da dívida contraída junto do

Banco Y, tinham constituído uma hipoteca sobre o referido imóvel e do contrato

constava uma cláusula de acordo com a qual, em caso de incumprimento, o Banco

se tornaria proprietário da fracção autónoma, António e Benilde decidiram pagar

os 100.000 €, na data de vencimento da obrigação.

1) Pronuncie-se sobre a validade da cláusula inserida no contrato

celebrado entre António, Benilde e o Banco Y.

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 51

A cláusula inserida no referido constrato é nula na medida em que substancia um Pacto

Comissório nos termos do art. 694º. Por Pacto Comissório entende-se a convenção

através da qual o credor garantido através de uma hipoteca, penhor ou de outro direito

real de garantia se atribui a ele próprio o direito de ficar com a coisa dada em garantia

caso o devedor não cumpra a obrigação.

A razão que levou o legislador a proibir este tipo de cláusulas é não só a de evitar

situações de usura (devedor fraco e credor forte, como é o caso do banco sendo que tal

seria uma situação em que se estipularia com sanção da anulabilidade e não a nulidade,

uma vez que é essa a sanção para os casos de usura), mas também de tutelar os demais

credores, uma vez que uma cláusula destas pode criar uma situação de vantagem para

certos credores (interesses de natureza pública), sendo que o art. 604º consagra a

igualdade de credores. Em suma, estamos face a uma razão complexa que incide sobre

três grandes focos de interesse: (1) proteger o devedor de situações de usura; (2)

interesses gerais do comércio jurídico; (3) interesses de outros credores que devem ser

pagos numa posição de igualdade e não numa posição de preferência.

Nota: o pacto comissório é extensivo a outros direitos reais de garantia, tais como o

penhor e a consignação de rendimentos. O Pacto Comissório pode revestir uma de duas

modalidades, sendo ambas proibidas pelo art. 694º: (1) pactos comissórios reais:

verificando-se o incumprimento da obrigação ocorre automaticamente a transmissão

para o credor; (2) pactos comissórios obrigacionais: o credor garantido tem o direito de

exigir a transmissão da coisa.

O Prof. Antunes Varela entende que a proibição consagrada no art. 694º é apenas

aplicável às convenções realizadas antes do incumprimento, considerando que as

convenções celebradas depois do incumprimento revestem o caracter de dação em

(função do) cumprimento. Contudo, o autor considera que caso o pacto tenha sido

acordado depois com o objectivo de o credor beneficiar de um novo prazo estar-se-á

novamente no âmbito de aplicação do art. 694º, uma vez que o pacto está a ser ajustado

antes do vencimento da obrigação.

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 52

Figura prima do Pacto Comissório é o Pacto Marciano: este, consagrado no art. 11º da

Lei dos Novos Acordos da Autonomia Financeira, teve origem na reclamação efectuada

pelos bancos na medida em que as garantias financeiras eram insuficientes. Não se

verificando a restituição da garantia em dívida, o Banco ficaria com o crédito mas teria

de restituir o remanescente. Pacto Marciano, permitido apenas nas situações e garantia

financeira, distingue-se do anterior na medida em que o beneficiário da garantia

verificando o incumprimento do devedor pode fazer sua a coisa da em cumprimento

desde que restitua a diferença em relação ao crédito (problema da violação do princípio

da igualdade quanto aos outros credores; regra da igualdade do património do devedor).

Existe uma querela doutrina acerca do facto de saber se o Pacto Marciano será válido

fora do diploma específica e se poder-se-á fazer entre dois particulares. Ou seja,

segundo o art. 694º apenas o Pacto Comissório é nulo?

Segundo o Prof. João Tiago Antunes, sendo o art. 604º uma norma estrutural no

direito das garantias e não existindo causa legítima de preferência todos os credores se

encontram na mesma posição de igualdade, pelo que o Pacto Marciano apenas se poderá

aplicar aos casos previstos no diploma, sendo nulo nos termos do art. 694º, sob pena de

causar uma distorção no Princípio da Posição de Igualdade dos Credores.

Uma visão mais liberal considera que não se deve atender ao art. 604º, não existindo

verdadeira igualdade entre os credores.

2) O que pode fazer o Banco X para acautelar os seus direitos?

Nos termos do art. 615º/2, quando o pagamento é realizado ao Banco Y não poderá

existir impugnação pauliana, uma vez que o cumprimento da obrigação vencida não é

susceptível de ser atacado pela impugnação.

Embora o negócio jurídico simulado (venda realizada ao filho) seja nula, a lei considera

no art. 615º/1, que a simples circunstância de um acto ser nulo não impede que se possa

impugnar paulianamente o acto. Nos termos do art. 605º/2 o acto declarado nulo

regressa à esfera jurídica do devedor, ficando lá até ser atacado por aquele que invocou

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 53

nos termos do art. 616º/1. No entanto é necessário relembrar que provar a simulação por

vezes se torna bastante difícil uma vez que se encontram proibidas a prova testemunhal

e a prova documental.

Para se poder invocar a impugnação pauliana é necessário que se verifiquem os

requisitos elencados no art. 610º e 612º: (1) acto que envolva uma diminuição da

garantia patrimonial; (2) crédito anterior a esse mesmo acto; (3) sendo o acto posterior,

o acto terá de ter sido praticado com dolo; (4) desse mesmo acto resulte a

impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito; (5) sendo o

acto oneroso, o terceiro e o devedor se encontrarem de má fé.

Embora seja mais fácil requer a acção de nulidade na medida em que não é necessário

provar que o acto nulo agravou ou gerou a insolvência do devedor, é necessário

relembrar que provar a simulação por vezes se torna bastante difícil uma vez que se

encontram proibidas a prova testemunhal e a prova documental.

Nos termos do art. 611º, o ónus da prova cabe ao credor provar que não existiam mais

bens para cobrir a dívida e ao devedor provar que ainda conserva bens impenhoráveis

que satisfaçam o direito do credor, sendo mais fácil a prova de facto positivo pelo

devedor que a prova de facto negativo pelo credor.

Se se encontrarem verificados todos os requisitos, o Banco X poderá executar o imóvel

directamente ao património Carlos nos termos do art. 616º/1. Sendo a impugnação uma

garantia pessoal patrimonial, ela só aproveitará ao credor que impugnou tal como se

encontra consagrado no art. 616º/4. O credor tem o prazo de 5anos para impugnar o acto

de acordo com a regra contida no art. 618º.

3) A resposta anterior seria a mesma se, em vez de terem vendido o

imóvel ao seu filho Carlos, António e Benilde tivessem prometido

vender-lhe o referido andar, através de um contrato-promessa ao

qual tivessem atribuído eficácia real, e constasse da escritura

pública que o preço tinha sido integralmente pago nesse

momento?

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 54

Coloca-se a questão de saber se pode exigir impugnação pauliana num contrato

promessa com eficácia real, nos termos do art. 413º, em que já houve pagamento

integral do preço.

Numa primeira posição, poder-se-ia dizer que não pode haver impugnação pauliana na

medida em que existe apenas um contrato promessa de compra e venda e ainda que já

tenha sido p pago o preço não houve a venda efectiva, logo a propriedade do bem ainda

se encontra na esfera jurídica do devedor pelo que ainda não ocorreu a diminuição das

garantias não se encontrando preenchido deste modo um dos requisitos do art. 610º. O

facto de Carlos ter na sua esfera jurídica um direito real de aquisição, segundo esta

posição não é relevante pois nada garante que ele não vá resolver o contrato ao invés de

recorrer à execução específica em caso de incumprimento.

Numa segunda posição, considera-se que efectivamente já houve uma diminuição das

garantias pois o preço já foi integralmente pago (ter em consideração que o dinheiro é

um bem material facilmente dissipável), pelo que é de admitir a impugnação pauliana

pois estamos perante um negócio de fraude à lei.

XIII

No dia 20 de Janeiro de 2004, Carlos celebrou com Daniel um contrato de

compra e venda de um apartamento, propriedade de Carlos, pelo preço de 250.000

€. Daniel, que não dispunha do referido montante, contraiu um empréstimo junto

do seu amigo Edgar. As partes acordaram que Daniel deveria restituir a quantia

mutuada no dia 30 de Outubro de 2004.

Para garantir a restituição da quantia mutuada, o Edgar celebrou com Joel

um contrato de fiança. Na data acordada, Daniel não restituiu a quantia mutuada.

1) Qual o valor da garantia prestada por Joel, se o contrato de mútuo

tivesse sido celebrado por documento escrito assinado pelo Daniel?

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 55

Entende-se por fiança, o vínculo jurídico pelo qual um terceiro (fiador) se obriga

pessoalmente perante o credor, garantindo com o seu património a satisfação do direito

de crédito deste sobre o devedor.

Nos termos do art. 628º, a declaração de fiança necessita de revestir a forma exigida

para a obrigação principal, não vigorando o Princípio da Liberdade de Forma constante

no art. 219º, mas sim o da equiparação à obrigação principal. Tal deriva do facto de a

dívida contraída pelo fiador ter em regra o mesmo conteúdo que a dívida principal. A lei

exige ainda que a declaração de vontade de prestar fiança seja expressa, ou seja a

vontade de cobrir a obrigação do devedor tem de resultar directamente da declaração do

fiador.

Nos termos do art. 1143º o contrato te mútuo seria nulo por inobservância de forma

(remissão para o art. 220º).

Nos termos do art. 632º/1 considera-se que a fiança não é valida se a obrigação

principal, neste caso o mútuo, não o for. Tal configura a característica da acessoriedade

enunciada no art. 627º/2 determinado que a obrigação do fiador se apresenta na

dependência estrutural e funcional da obrigação do devedor, sendo determinada por essa

obrigação em termos genéticos, funcionais e extintivos.

Nota: se estivéssemos a falar de um contrato de mútuo entre comerciantes o contrato

não estaria sujeito a forma escrita nos termos do art. 396º do Código Comercial. Se o

contrato de mútuo fosse celebrado entre o particular e um banco nesse caso o contrato

seria válido desde que tenha sido celebrado por qualquer documento assinado pelo

mutuário.

2) Suponha que Edgar se dirige a Joel e que este não paga, alegando

que Daniel ainda tem bens que podem responder pela dívida. Quid

iuris?

Nos termos do art. 638º/1, de acordo com a característica da subsidiariedade, existe a

possibilidade de o fiador invocar o benefício da execussão impedindo o credor de

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 56

executar o património do fiador enquanto não tiver tentado sem sucesso a execução

através do património do devedor. Deste modo, a razão assiste a Joel.

Nota: nos termos do art. 638º/2, o fiador pode recusar-se a pagar se foi por culpa do

credor que não pode pagar. Para além de tal o art. 639º refere que a subsidiariedade da

fiança opera mesmo existindo garantias reais constituídas por terceiro antes da fiança, já

que o fiador tem igualmente o direito de exigir a execussão prévia das coisas sobre que

recai a garantia real. O benefício da execussão é um meio pessoal de defesa que permite

limitar a obrigação assumida pelo fiador, sendo a fiança a última garantia a ser

chamada.

art. 641º/1: ónus de chamar o devedor à demanda, sendo que não chamar o fiador está a

renunciar a beneficio da execussão.

3) A solução seria diferente se Joel se tivesse constituído como fiador

e principal pagador?

Nos termos do art. 640º al a) a subsidiariedade da fiança constitui uma característica não

essencial uma vez que o fiador pode renunciar a ela.

4) Uma vez que o Edgar devia, por sua vez, 250.000 € a Daniel,

quando aquele interpelar Joel para cumprir a obrigação em

dívida, poderá este invocar a compensação entre o crédito de

Daniel contra Edgar e o seu débito, para extinguir a sua

obrigação?

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 57

Nos termos do art. 847º, a compensação consiste numa forma de extinção da obrigação

que permite que quando duas pessoas estejam reciprocamente obrigadas a entregar

coisas fungíveis da mesma natureza é admissível que as respectivas obrigações sejam

extintas, total ou parcialmente, pela dispensa de ambas de realizar as suas prestações ou

pela dedução a uma das prestações da prestação devida pela outra parte. Para que se

verifique a compensação é necessário que se encontrem reunidos os requisitos positivos

do art. 847º e do art. 851º.

Nos termos do art. 642º é permitido ao fiador recusar o cumprimento enquanto o direito

do credor puder ser satisfeito por compensação com um crédito do devedor ou se este

tiver a possibilidade de se valer da compensação com uma divida do credor, sendo ainda

lícito ao fiador recusar o cumprimento enquanto o devedor tiver a possibilidade de

impugnar o negócio.

Nos termos do art. 637º, o fiador pode exercer perante o credor para alem dos meios de

defesa que lhe são próprios as excepções que competem ao devedor, salvo se tais forem

incompatíveis com a sua obrigação. Deste modo, o fiador pode utilizar perante o credor

tanto as excepções respeitantes à relação de fiança como as excepções relativas à

própria obrigação do devedor, não produzindo a renúncia deste a essas excepções

qualquer efeito em relação ao fiador.

Existe uma querela doutrinal que assenta em saber se o fiador chamado a cumprir a

obrigação pelo credor, pode invocar a compensação com a sua obrigação de fiador com

um crédito que o seu devedor tenha para com o credor. Tal levante o problema do art.

651º/2, na medida em que segundo esta norma na compensação o compensante só pode

utilizar créditos seus, sendo o compensante o fiador e estando a utilizar créditos de uma

terceira pessoa, designadamente créditos do devedor afiançado para o com o credor.

Segundo o Prof. Antunes Varela, em princípio pelo art. 637º poderia existir

compensação contudo o art. 851º impede que assim seja. O âmbito de abrangência do

art. 851º assenta nas garantias reais, não incluindo a fiança. O art. 637º é uma norma

que consagra que nas relações entre o credor e o fiador este último possa exercer contra

o credor todos os meios de defesa que lhes sejam próprios e aqueles que competiam ao

devedor, só não podendo invocar os meios de defesa do devedor se estes forem

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 58

incompatíveis, parecendo que cabe na letra desta norma a compensação. Contudo,

optando por esta interpretação em que o art. 851º/2 nega a possibilidade de

compensação e em que o art. 637º afirma o extremo oposto, existe o art. 642º que

desempata ao afirmar que se o direito do credor puder ser satisfeito por compensação, o

fiador pode recusar-se a cumprir enquanto essa compensação seja possível. Em suma,

ao art. 642º não permite invocar a compensação mas permite recusar o cumprimento por

parte do fiador pelo que deve prevalecer sobre o art. 637º - norma especial prevalece. O

Prof. João Tiago Antunes afirma que face a uma recusa do cumprimento nunca

existiria reciprocidade de créditos.

Segundo o Prof. Menezes Cordeiro, no confronto entre o art. 637º e o art. 642º

prevalece o primeiro na medida em que, se por exemplo nesta hipótese, Edgar decidir

pagar a divida que tinha face ao seu devedor Daniel não é possível ao fiador recusar o

pagamento. O Prof. João Tiago Antunes não concorda com esta posição.

XIV

Análise do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2001, de 23 de

Janeiro.

XV

Paulino, construtor civil, obteve um empréstimo do Banco X, mediante a

constituição de uma hipoteca sobre um edifício para habitação cuja construção

Paulino estava a realizar. Depois de concluído, o prédio foi constituído em

propriedade horizontal e Paulino celebrou seis contratos-promessa de compra e

venda com diferentes promitentes-compradores. Estes passaram desde logo a

habitar nos respectivos andares.

Ao fim de alguns meses, apurou-se que Paulino não dispunha de meios para

satisfazer as suas dívidas ao Fisco e à Segurança Social. Entretanto, o Banco X

pretende executar judicialmente a hipoteca constituída a seu favor sobre o edifício

construído, mas também os habitantes das seis fracções autónomas, bem como o

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 59

Estado consideram ser titulares de garantias especiais relativas à satisfação dos

respectivos créditos.

Quid iuris?

No presente caso, existe entre o Banco X e Paulino um contrato de mútuo e uma

hipoteca. Por sua vez, Paulino celebrou com seis promitentes-compradores seis

contratos de compra e venda acompanhados de traditio. Deste modo, os promitentes-

compradores possuem um direito de retenção sobre a hipoteca resultante da conjunção

do art. 755º/1 al f) com o art. 759º/2. Por fim, Paulino possui dívidas em relação à

Segurança Social e ao Fisco consubstanciando tal privilégios imobiliários gerais

(incidem sobre todos os imóveis).

Embora se entendesse antigamente que o Estado se encontrava em primeiro lugar, hoje

a hierarquia passa: (1) Direito de Retenção nos termos do art. 759º/2; (2) Hipoteca; (3)

Privilégios Creditórios nos termos do art. 751º (Estado) e do art. 749º

Razão de ser: O Código Civil em 1986 admitiu os privilégios imobiliários, quer os

gerais ou especiais. Entendia-se que os privilégios imobiliários seriam sempre especiais

até surgir a legislação ordinária em 1980 que consagrou a possibilidade de os referidos

também poderem ser gerais.

Colocou-se a questão de saber se os privilégios imobiliários gerais se encontravam

inseridos no âmbito de aplicação do art. 751º. Durante muito tempo acreditou-se que

sim, surgindo sempre o Estado à frente do Direito de Retenção e das hipotecas. Deste

modo, a hierarquia naquela altura seria: (1) Privilégio Imobiliário (especial ou geral);

(2) Direito de Retenção; (3) Hipoteca

Nota: nos termos do art. 733º, o privilégio tem como fonte a lei tendo por base a ideia

que este produz efeitos em relação a terceiros independentemente do registo. Segundo

os Acórdãos era extremamente injusto que um credor diligente procurasse alguma

garantia para tutelar uma dívida de que era titular e verificando que aquele imóvel não

tinha nenhum registo registava a sua hipoteca e posteriormente poderia ter de responder

por uma dívida do Estado. Segundo o Prof. Antunes Varela o credor diligente dever-

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 60

se-ia indagar junto daquela pessoa e averiguar se esta tinha ou não dívidas fiscais,

gerando tal um choque com o princípio da confidencialidade.

XVI

Análise dos Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 362/2002 e nº 363/2002.

XVII

António, proprietário de uma garagem que se dedica à compra e venda e

reparação de automóveis, vendeu a Bento uma carrinha usada por 7.500 €. As

partes convencionaram que o preço seria pago em 10 prestações de 750 € cada,

mas que a carrinha seria entregue quando tivessem sido cumpridas as duas

primeiras prestações.

1) Pagas as cinco primeiras prestações, Bento encarrega António de

proceder à mudança de óleo no automóvel que lhe tinha comprado.

Poderá António recusar-se a entregar o automóvel até que o preço da

mudança de óleo seja pago?

No presente caso, num primeiro momento temos o facto de António vender o automóvel

a Bento e consequentemente ser credor do preço, e num segundo momento o facto de

existir um contrato de prestação de serviços pelo pagamento do preço do próprio serviço

de mudança de óleo. Deste modo, o crédito que António possui sobre Bento provém de

um contrato de prestação de serviços (mudança de óleo). Sabendo que Bento não paga o

serviço e que António pretende ficar com a carrinha enquanto o preço não for efectuado,

coloca-se a questão de saber se tal é possível.

Uma primeira hipótese seria existir nos termos do art. 428º uma excepção de não

cumprimento do contrato, sendo que tal aplica-se nas relações sinalagmáticas. Tal não

se aplica no presente caso uma vez que António já prestou o serviço, e a entrega do

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 61

carro é acessória à obrigação principal que é a reparação. Em suma, não existe

sinalagma entre a mudança de óleo e a entrega do carro.

Uma segunda opção seria existir nos termos do art. 754º e ss direito de retenção, sendo

que se António se encontra obrigado a entregar a coisa a Bento possui,

simultaneamente, um crédito. Para poder existir direito de retenção é necessária a

existência de uma conexão entre ambos: danos causados pela coisa e despesas feitas por

causa da mesma. No presente caso, a mudança de óleo consubstanciou a despesa pelo

que existe a conexão exigida pela norma podendo haver direito de retenção.

Nota: Enquanto o direito de retenção pressupõe que o devedor se encontre adstrito à

prestação que tenha por objecto a entrega da coisa, consubstanciando-se a dívida na

obrigação de entrega da coisa, a excepção de não cumprimento pode consubstanciar

uma obrigação facere. Por outro lado, a excepção de não cumprimento pressupõe um

nexo de sinalagma, ou seja que uma obrigação seja causa da outra. No direito de

retenção não se exige a referida conexão, mas sim e apenas a do art. 754º. A excepção

de não cumprimento pode ser afastada pelo regime do art. 428º/2 comparando com o

art. 756º se outra parte prestar garantias. O direito de retenção não funciona quando a

outra parte prestar caução suficiente.

Funções do Direito de Retenção:

Função de Garantia: será igual às outras garantias reais, ou seja se o direito de

retenção visa derrogar a regra da igualdade de credores, não criando problema

de preferência de credores, a maior garantia é a dada pelo direito de propriedade,

sendo este um direito real de garantia. Existindo um crédito e não sendo este

pago garante-se o respectivo credor com a possibilidade.

Função Compulsória: consubstancia-se na obrigação de cumprimento, ou seja

consiste na função máxima dada pela sanção pecuniária compulsória pelo que

por esta segunda função se deve admitir mesmo tendo como objecto coisas

próprias.

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 62

Só há lugar ao direito de retenção quando se verifique:

Um caso do art. 755º - não sendo necessário analisar os requisitos positivos do

art. 754º nem os requisitos negativos do art. 756º.

Haja alguém que se encontre obrigado a entregar determinada coisa (devedor de

uma obrigação entrega), sendo o devedor simultaneamente credor da pessoa a

quem essa coisa deve ser entregue e possuindo um credito especifico (quer por

despesas feitas por conta da coisa ou por danos que essa coisa tenha causado).

Subhipotese: imaginando a hipótese igual mas com reserva de propriedade, por

exemplo que a propriedade só se transferiria com a última prestação estaríamos perante

um caso de retenção de uma coisa própria (proprietário).

2) Se Bento pagar a mudança do óleo, pode António recusar-se a entregar o

automóvel, invocando que o primeiro não pagou a última prestação do

preço do automóvel?

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 63

Não existindo uma conexão material, ou seja uma vez que o crédito não resulta de

despesas realizadas por causa da coisa, falha um dos requisitos do art. 754º não podendo

deste modo existir direito de retenção.

Não existindo sinalagma entre as duas prestações, ou seja entre a que se pretende

cumprir e a que foi incumprida, sendo que a coisa seria entregue com as duas primeiras

prestações não se pode invocar a excepção de não cumprimento. Não existe sinalagma

na medida em eu a entrega da coisa já foi inicialmente feita antes do pagamento, sendo

as próprias partes a dizer que a entrega da coisa não tem a contrapartida de pagar o

preço, ou seja as próprias partes afastam o sinalagma, sendo que estar-se-ia perante um

venire contra factum próprio admitir a excepção de não cumprimento.

Em suma, António encontrava-se obrigado a entregar o automóvel a Bento.

Nota: coloca-se a questão de saber se existe direito de retenção sobre um bem

pertencente a terceiro. Imaginando que Bento, comprador com reserva de propriedade,

levou a arranjar a um terceiro o automóvel, e não pagando este o preço poderia o

terceiro reter a coisa? Segundo o Prof. Júlio Gomes é duvidoso que o direito de

retenção possa funcionar sobretudo quando não foi o terceiro proprietário da coisa

devida que deu origem ao crédito, sendo que à partida, nestas hipóteses, deve-se rejeitar

o direito de retenção.

XVII

Francisco contratou Michael, famoso tenista estrangeiro, para lhe dar uma

aula de ténis. Michael adoeceu gravemente ficando, assim, impossibilitado de dar a

aula a Francisco.

1) Terá Francisco de pagar a Michael o preço correspondente à aula de ténis?

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 64

No presente caso existem duas obrigações: a do aluno pagar preço da aula se esta

ocorrer e a do professor dar a aula.

A presente hipótese refere-se a um incumprimento não imputável ao devedor

(professor), havendo nos termos do art. 790º e 797º um não cumprimento da aula,

tornando-se a prestação impossível por caso fortuito (abrange desde logo os casos em

que o devedor não cumpre a prestação porque está doente).

Considerando que a impossibilidade é temporário, ou seja admitindo que o professor irá

recuperar, aplicar-se-ia o art. 792º. Embora a impossibilidade temporária que o art. 792º

consagra seja uma norma gémea do regime jurídico da mora, a distinção passa pelo

facto de no regime da mora o devedor se encontrar obrigado a indemnizar o credor.

Nos termos do art. 792º, a impossibilidade temporária não conduz, em princípio, nem à

extinção da obrigação nem à mora do devedor. O cumprimento é apenas protelado para

um momento posterior (para quando for possível), sem consequências para o devedor.

Este fica exonerado apenas enquanto a impossibilidade se mantiver, não incorrendo em

mora por não cumprir durante o período do impedimento.

Deste modo, não sendo o devedor responsável pelo retardamento da prestação não terá

de indemnizar o credor desta prestação pelos prejuízos que haja sofrido, sendo o credor

que responde por estes prejuízos. Mantém-se a contraprestação, ou seja o professor de

ténis continua obrigado a dar a aula não se colocando deste modo nenhum problema de

risco de contraprestação.

Necessário será notar que de acordo com o art. 792º/2, a impossibilidade só é

verdadeiramente temporária enquanto o interesse do credor se mantiver pelo que existe

a possibilidade de transformar a impossibilidade temporária em definitiva.

Por outro lado, considerando que a impossibilidade é definitiva, uma vez que o

professor adoeceu gravemente é necessário apurar se o devedor fica exonerado e o que

sucedeu à contraprestação.

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 65

A primeira questão a colocar é se a prestação em causa tem caracter fungível ou

infungível. Estar-se-á perante uma prestação infungível, no caso de a prestação pela sua

natureza, estipulação das partes ou disposição legal implicar que o devedor não possa

ser substituído por terceiro, bastando a impossibilidade subjectiva para a extinção da

obrigação (art. 791º). Se pelo contrário a prestação for fungível, só a impossibilidade

objectiva constitui causa extintiva do vínculo (art. 790º).

No presente caso, presume-se que a prestação seja infungível (‘’Michael, famoso tenista

estrangeiro’’), sendo que por aplicação do art. 791º a obrigação extingue-se ficando o

devedor exonerado. Ou seja, o credor perde o direito de exigir a prestação assim como

não tem direito à indemnização pelos danos provenientes do não cumprimento.

O risco da contraprestação encontra-se regulado no art. 795º, sendo este regime

aplicável a contratos bilaterais/sinalagmáticos. Por força do sinalagma a impossibilidade

deve afectar ambas as partes do contrato devido ao Princípio da Interdependência das

Prestações, impedindo que uma prestação seja efectuada sem que a outra o seja. Embora

a solução seja a extinção de ambas as prestações é necessário distinguir se a

impossibilidade é ou não imputável ao credor.

No presente caso, não sendo imputável ao credor, nos termos do art. 795º/1 o credor fica

desobrigado da sua contraprestação, se a prestação do devedor se tornou impossível. É o

corolário natural da chamada condição resolutiva tácita. Se já tiver realizado a sua

contraprestação, pode pedir a restituição dela nos termos prescritos paras o

enriquecimento sem causa. o aluno não terá de pagar o preço.

Em suma, caso estejamos perante um caso de impossibilidade definitiva nem o

professor se encontra obrigado a dar a aula de ténis, nem o aluno se encontra obrigado a

pagar o preço da aula.

2) Suponha, agora, que Michael não pôde dar a aula devido a um temporal

que ocasionou um corte de luz durante todo o período em que o famoso

professor esteve em Portugal. Terá Francisco de pagar o preço acordado?

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 66

Nos termos do art. 790º, estamos perante um caso em que a impossibilidade é definitiva

(‘’temporal ocasionou um corte de luz durante todo o período em que o famoso

professor esteve em Portugal), não sendo esta imputável ao devedor na medida em que

se trata de um caso fortuito. Nos termos do referido artigo, o devedor fica exonerado e a

obrigação extingue-se.

Devendo-se a impossibilidade a um caso fortuito (‘’corte de luz’’), não imputável ao

devedor deste modo, nos termos do art. 795º/1 o credor fica desobrigado da sua

contraprestação, se a prestação do devedor se tornou impossível. É o corolário natural

da chamada condição resolutiva tácita. Se já tiver realizado a sua contraprestação, pode

pedir a restituição dela nos termos prescritos paras o enriquecimento sem causa. o aluno

não terá de pagar o preço.

3) Imagine que é Francisco quem adoece faltando, por isso, à aula de ténis.

Sabendo que Michael já se encontrava em Portugal, para onde se deslocou,

excepcionalmente, a fim de dar a referida aula, terá Francisco de pagar a

Michael o preço correspondente à aula de ténis?

A presente hipótese levanta o problema teórico de saber se existe efectivamente

impossibilidade. Tal depende da noção de prestação: se se entender que tal inclui o

interesse do credor existe impossibilidade; se por outro lado entender-se que tal não

inclui o interesse do credor, mas apenas a conduta devida, sendo a prestação

abstractamente possível, pressupondo a prestação a colaboração do credos e não sendo

nestes casos já essa colaboração viável então existirá igualmente impossibilidade.

É necessário distinguir três tipos de situações:

Frustração do Fim da Prestação: encontra-se relacionado com o efeito útil,

não podendo mais ser realizado – existem situações em que a impossibilidade

provém de um facto relativo ao credor mas sem que este possa ser assacada a

menor culpa na sua verificação. Exemplo: A contrato B, medico, para o operar

com vista a remover um tumor. Estando a operação marcada para o diz X, o

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doente morre antes dessa doente. Nesta circunstância em que se contratou uma

prestação que não vai ser realizada pelo devedor porque existe uma situação

superveniente que se verificava no nascimento da obrigação, extingue-se a

obrigação na medida em que deixa de fazer sentido: a obrigação já não tem

objecto.

Realização da Prestação por outra via que não a realização da conduta

devida. Exemplo: o doente que contrata o médico para ser operado, antes da

operação cura-se – operação desnecessária. Obrigação é contratada mas depois

da sua contratação, verifica-se uma situação, em que de acordo com a finalidade

da operação esta deixa de fazer sentido. Em suma, a obrigação ainda tem objecto

mas já não tem interesse para o devedor.

Problemas jurídicos destas duas situações:

Problema Teórico: nos casos de frustração do fim da prestação e nos casos da

realização da prestação por uma via diferente do cumprimento ainda se pode

falar em impossibilidade? Exemplo: quando o doente morre ou se cura antes de

ser operado ainda estamos perante uma situação de impossibilidade de prestação

por parte do médico? Há quem entende que quando se fala em impossibilidade,

esta apenas ocorre quando a prestação do devedor se torna impossível de tal

forma que já não haverá impossibilidade nos casos em que a prestação ainda

pode ser realizada pelo devedor mesmo que nenhum interesse tenha para o

credor. O Prof. Antunes Varela entende que o médico pode operar um cadáver

ou uma pessoa que julgava doente, mas qual é o interesse que o devedor tem? A

resposta depende de saber se dentro do conceito de impossibilidade se

equacionam duas variáveis: se estiverem reunidos então são casos de

impossibilidade – nestes casos existe a falta de interesse do devedor.

Problema prático: o que acontece à contraprestação? Exemplo: um médico tem

direito a cobrar o dinheiro da cirurgia do doente que morreu ou que se curou?

Quem é o causador da impossibilidade? Aplica-se o art. art. 795º/1 ou o art.

795º/2? Segundo o Prof. Antunes Varela, na sequencia do Professor Vaz Serra e

Professor Baptista Machado e Professor Menezes Leitão tal são casos em que

rigor se não pode aplicar nem o nº1 nem o nº2 uma vez que pensando bem nas

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duas hipóteses (doente que morre ou que se cura) a causa da impossibilidade

esta mais próxima do doente (credor) e tal levaria à aplicação do nº2. Contudo

como este problema não é em rigor de impossibilidade, e como tal também

poderia ser injusto na maioria dos casos, aplica-se o regime da gestão de

negócios, art. 468º do CC. O médico embora não tenha operado pode ter perdido

tempo na análise do caso, por exemplo, sendo justo uma indemnização –

indemnizado das despesas que fundadamente tenha considerado indispensáveis.

O risco da contraprestação é mitigado pagando o credor das despesas descritas

anteriormente.

Não exercício do credor do direito a uma prestação com termo

absolutamente fixo: estamos perante um caso de risco da prestação, que se

designa como ‘’a terra de ninguém’’ nas palavras do Prof. Baptista Machado.

Estamos perante casos de impossibilidade não imputável e de mora do credor,

ou seja de não exercício definitivo do direito por causa imputável ao credor. No

presente caso, o professor de ténis vinha de propósito a Portugal para dar a aula

de ténis e esta acabou por não se realizar devido a doença do aluno – a prestação

era possível no momento aprazado para o cumprimento da obrigação. Existe o

não exercício do direito no momento próprio, visto tratar-se de prestações com

termo absolutamente fixo.

Exemplo: compra de um bilhete de cinema para a sessão das 15h. Chegando

atrasada já não me deixam entrar. Casos de impossibilidade? Não só a obrigação

era possível de cumprir (chego atrasado porque quero) como o terá sido na

maior parte dos casos (no cinema o filme é exibido). A prestação do devedor é

teoricamente possível como a obrigação é inclusivamente cumprida por parte do

devedor – prestação com prazo absolutamente fixo que não é aceite por parte do

credor por um facto que lhe é imputável. Não sendo um tema de impossibilidade

na medida em que a obrigação cumpriu-se e extinguiu-se o problema prático

assenta em saber o risco da contraprestação.

Inicialmente, tendeu-se a classificar estas situações como casos de

impossibilidade não imputável ao credor (art. 790º ou 791º & art.

795º/1).

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Faculdade de Direito da UCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 69

Surgiu alguma doutrina a clarificar estas situações como casos de mora

do credor, na medida em que tal pressupõe uma situação em que o credor

não aceita a prestação ou não pratica os actos necessários à realização da

prestação e a verdade é que não existe motivo justificado para o fazer. Só

se deve dizer que há impossibilidade não imputável quando a prestação

não é cumprida por um determinado facto relativo a pessoa do credor

mas mesmo que essa situação não existisse ainda assim a obrigação não

poderia ser cumprida. Exemplo: aluno que contrata um guia de

montanha e não comparece – pode ser impossibilidade não imputável

caso no dia em que o aluno não compareceu não se podia ir a montanha

por causa do tempo; caso o tempo fosse óptimo e não se tivesse realizado

porque ele não comparou então é mora do credor - só não sendo quando

exista um motivo justificado/legal, não incluindo em tal os casos de

doença do credor.

Prof. Baptista Machado: é um instituto cinzento que distingue os casos

de impossibilidade definitiva da mora do credor. Quando existe uma

causa para ‘’não ir ao cinema’’ ocorre a aplicação do art. 815º/2.

Prof. Antunes Varela: tais situações não se tratam de casos de mora do

credor nem de impossibilidade não imputável, mas sim de prestações

com prazo absolutamente fixo. Existia um prazo temporal muito curto

para que a prestação fosse aceite: o credor não aceita a prestação que lhe

é oferecida dentro daquele prazo, existindo o não exercício pelo credor

do direito a uma prestação, prestação essa que tem um prazo

absolutamente fixo. Não são casos de impossibilidade na medida em que

não só a prestação que o devedor assumiu é possível mas sem

colaboração do próprio devedor, como sucede na maior parte dos casos,

senão em todos foi realizada. É necessário distinguir entre risco da

prestação e risco da utilização da prestação que corre sempre por conta

do credor. O autor considera que nos casos de ‘’terra de ninguém’’ por

força do art. 795º/2 deve-se incidir o risco junto da pessoa do credor.

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Faculdade de Direito da UCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 70

Não sendo um caso de impossibilidade não se pode aplicar o art. 795º,

interpretando o autor o art. 813º. Em suma, no não exercício do credor de

uma prestação com prazo absolutamente fixo aplica-se analogicamente o

regime do art. 815º - situação em que há lugar à contraprestação

Prof. Maria de Lurdes Pereira & Prof. Menezes Leitão: nos casos de

‘’terra de ninguém’’ estamos perante uma situação de mora do credor. A

referida autora interpreta o art. 813º tendo em conta que o motivo

justificado é só em relação à primeira parte do artigo, só fazendo sentido

quando o credor não aceita a prestação. Deste modo, há mora do credor

quando se verifica (1) ele não aceita, ou (2) existe motivo justificado. A

referida, influenciada pelo pensamento da mora do credor do 813º

interpreta a doença como casos fortuitos que podiam ser entendidos

como motivos justificados. Quando é necessário ao credor praticar uma

serie de actos para realizar a prestação é irrelevante saber se existe ou

não motivo justificado.

No presente caso estamos perante uma situação de mora do credor nos termos do art.

813º: o credor que, sem motivo justificado, recusar a prestação ou não praticar os actos

necessários à realização da prestação incorre em mora. Alguma doutrina defende que o

motivo justificado só releva para a primeira parte da norma, sendo indiferente o facto de

o credor estar doente na medida em que existia uma parte da prestação que só poderia

ser realizada com a sua colaboração.

4) Caso Michael não fosse estrangeiro e a aula de ténis pudesse ter lugar num

dia diferente do acordado, poderia o professor recusar-se a dar aula num

dia diferente e simultaneamente receber o preço convencionado com

Francisco?

Embora o problema presente no caso seja semelhante ao da alínea anterior, coloca-se a

questão de estabelecer a diferença entre o regime da impossibilidade e o regime da mora

do credor, não se colocando na verdade um problema de ‘’terra de ninguém’’.

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Faculdade de Direito da UCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 71

A lei estabelece no 813º que o credor incorre em mora sempre que sem motivo

justificado não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os

actos necessários ao cumprimento da obrigação. Pressupostos: (1) recusa ou não

realização pelo credor da colaboração necessária para o cumprimento; (2) ausência de

motivo justificado para essa recusa ou omissão

A fronteira entre a impossibilidade da prestação e a mora do credor constitui uma das

questões jurídicas mais controversas actualmente.

Tradicionalmente entendia-se que quando o credor estava impedido por uma causa

estranha de colaborar no cumprimento, se estaria perante uma situação de

impossibilidade não imputável, com a consequente exoneração do credor em relação à

realização da contraprestação 795º nº1.

Posteriormente passou-se porém a entender que o impedimento do credor para aceitar a

prestação ou colaborar no cumprimento não constitui impossibilidade, mas antes mora,

não ficando assim o credor exonerado do dever de efectuar a contraprestação. Só

haveria assim impossibilidade se mesmo com a colaboração do credor, fosse impossível

para o devedor realizar a contraprestação. Se a razão da não realização da prestação

reside apenas na falta da colaboração do credor, seja qual for o motivo porque esta não

ocorreu, há mora do credor, tendo este que continuar a realizar a contra prestação. Em

suma, tem de contraprestar a não ser que o credor alegue e prove que mesmo que ele

tivesse praticado os actos necessários ao cumprimento da prestação que a prestação não

se teria realizado – ex. o aluno estava doente logo não pode ir a aula mas mesmo que ele

não tivesse doente e mesmo que ele tivesse ido a aula teria havido um corte de luz e a

aula não poderia ser dada na mesma.

Segundo o Professor Antunes Varela este tipo de situações não se reconduz à

impossibilidade (porque os factos radicam próximos da pessoa do credor) mas também

não constitui mora (neste caso porque estar doente é um motivo justificado), o que estes

casos podem configurar é uma situação em que o credor não recebe uma prestação a que

tem direito num prazo absolutamente fixo – temos de distinguir o risco da prestação e o

risco da utilização da prestação e fazer incidir o risco no credor para o obrigar a

contraprestar, ou seja suportar todas as despesas que o devedor teve de fundadamente

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 72

suportar por conta dessa prestação – neste caso seria a viagem . Ao valor desta

indemnização vamos abater todas as vantagens e benefícios que o devedor tenha tido

com o facto de não ter realizado a prestação – se o professor não deu a aula aquele aluno

mas deu a outro aluno. Se por qualquer motivo a prestação se tornar impossível por

facto não imputável a nenhum das partes – ex. O professor morreu – aplicamos o 792º.

Aplicamos as normas jurídicas do regime da impossibilidade e da mora

Segundo o Prof Baptista Machado embora considere que a inutilização da prestação por

motivo atinente ao credor gravita na mesma esfera de problemas da mora do credor,

pois o risco está mais próximo do credor (temos de distinguir entre risco da utilização

da prestação e risco da prestação), não considera que esses casos se possam integrar sem

mais neste instituto, atento ao pressuposto da ausência de motivo justificativo. O autor

vem afirmar que não é mora é um caso de lacuna na lei – resolve dizendo que o 816º -

norma que contem um principio geral aplica-se mesmo que não haja mora do credor

por aplicação analógica do 808º - o devedor pode fixar um prazo ao credor para que ele

esteja disponível para ele cumprir – se não tivesse disponível o aluno na nova aula a

obrigação extingue-se

Segundo o Prof. Menezes Leitão deve ser aplicado o regime da morado credor e não o

da impossibilidade a todos os casos em que o credor omita a prática dos actos

necessários ao cumprimento independentemente do motivo por que o faz.

Efectivamente o devedor ao se obrigar a prestar não assume o risco de a sua prestação

não se realizar por ausência de colaboração do credor, mesmo que não derivada de

culpa deste. Não se justificaria por isso exonerar nestas situações o credor do dever de

efectuar a contraprestação, como resultaria da aplicação do regime da impossibilidade –

a prestação não se extingue, existindo mora porque interpreta o 813º “sem motivo

justificado” – só respeita á recusa da prestação – nesta tese 815º nº2 risco corre por

conta do credor + indemnização - 816º - não se pode recusar a dar a aula no dia

seguinte

XIX

Page 73: Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações - Casos Práticos

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 73

António vendeu a Joaquim toda a sua produção de laranjas, por 5.000 €.

Ficou acordado que as laranjas seriam colhidas no mês seguinte. Quinze dias

depois e antes das laranjas serem colhidas, a poluição provocada por uma unidade

fabril provocou o apodrecimento de metade da fruta. Joaquim já tinha pago os

5.000 €.

1) Quem era o proprietário das laranjas, quando a poluição

provocada pela unidade fabril provocou o apodrecimento de

metade da fruta?

A regra constante do art. 408º/1 é a de que o direito de propriedade se transmite por

efeito do contrato. Contudo, uma vez que a presente hipótese respeita a frutos naturais,

no âmbito do art. 408º/2 a transferência da propriedade só ocorre no momento da

colheita ou da separação, pelo que o vendedor (António) é o proprietário. Nos termos do

art. 796º/1 o risco corre por conta do proprietário pelo que terá de devolver metade da

quantia recebida (2500euros), ou se não quiser devolver este valor terá de efectuar uma

nova (metade da) prestação.

2) Com que fundamento é que Joaquim pode pedir a restituição do

que havia pago a mais?

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 74

Nos termos do art. 440º ocorreu uma antecipação da totalidade do cumprimento,

existindo entre a antecipação e a entrega da coisa um facto que provocada a destruição

de metade da produção.

Trata-se de um caso de impossibilidade parcial imputável a terceiro, pelo que nos

termos do art. 793º, fica extinta uma parte da obrigação por impossibilidade de

cumprimento o devedor cumprirá o que for possível.

Havendo lugar a um simples cumprimento parcial da obrigação, nos termos do art. 793º,

haverá igualmente lugar à redução proporcional da contra prestação a que a outra parte

estiver vinculada, sendo que daqui se conclui que o risco do preço, da contraprestação

ou da compensação corre por conta do devedor desonerado da prestação por

impossibilidade desta.

A redução da contraprestação é feita nos termos prescritos no art. 884º, sempre que se

se trate de um contrato oneroso de alienação de bens ou de estabelecimento de encargos

sobre eles, como resulta do art. 939º.

Em suma, nos termos do art. 796º o risco não corre por conta do comprados na medida

em que não é o proprietário das laranjas no momento em que ocorre a destruição de

metade destas. O devedor terá que entregar as laranjas que não foram destruídas, sendo

a contraprestação é proporcionalmente reduzida, ou seja só irá receber 2500euros

(correspondente a metade das laranjas) por força do art. 795º.

Nota: o regime do art. 795º (risco em contratos obrigacionais), no presente caso,

encontra-se em consonância com o regime do art. 796º (risco em contratos com eficácia

real). Caso ocorresse uma divergência aplicar-se-ia o artigo 796º.

3) Estará Joaquim obrigado a aceitar metade da fruta?

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 75

Nos termos do art. 793º/2, não existindo interesse justificado, por parte do credor, no

cumprimento parcial, este pode resolver o negócio.

O Prof. Baptista Machado entende que o devedor pode obstar à resolução do contrato,

fundada na impossibilidade parcial da prestação, eliminando os defeitos da prestação ou

procedendo à substituição desta, dentro do prazo razoável ficado pelo credor, nos

termos do art. 808º/1. Dificilmente se concebe, no entanto, que uma prestação

verdadeiramente impossível (mesmo só em parte) possa ser corrigida ou substituída por

outra, a não ser por outro arranjo contratual livremente negociado por ambas as partes.

4) Se António tiver direito a receber 2.700 € pelos danos causados

pela unidade fabril, que poderá fazer Joaquim?

O ‘’Commodum’’ de representação ou Sub-Rogação Real Legal consagrada no art. 794º

é uma figura com muito pouca aplicação pratica no nosso ordenamento jurídico na

medida em que pressupõe a não transferência da propriedade. Ora, a regra no Direito

Português é a de que a transferência da propriedade das coisas ocorre por mero efeito do

contrato, nos termos do art. 408º/1, pelo que passam a pertencer ao credor, devendo ser

ele directamente o titular da indemnização sem necessidade de sub-rogação. O

‘’Commodum’’ de representação só se aplica nos casos do art. 408º/2 e nos casos do art.

409º.

Uma vez que a presente hipótese remete-nos para a matéria dos frutos naturais,

incluindo-se no âmbito do art. 408º/2, coloca-se a questão de saber como conciliar o

regime do ‘’Commodum’’ de representação, presente no art. 794º com o regime do art.

795º, referente aos contratos bilaterais.

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 76

Trata-se de uma opção: o credor da obrigação recíproca terá que fazer uma escolha: ou

opta por exercer os direitos que decorrem do ‘’Commodum’’ de representação e, no

presente cabo, recebe 2700euros mas continua obrigado à contraprestação, ou opta pela

desoneração da contraprestação e recupera aquilo que prestou, ou seja os 2500euros.

Neste caso, a solução mais conveniente seria a que deriva do ‘’Commodum’’ de

representação na medida em que o valor é superior.

XX

No dia 10 de Março de 2006, António vendeu a Bento uma cómoda D. Maria

de pau-santo por 5.000 €. As partes convencionaram que António deveria entregar

a referida cómoda na casa de Bento, no dia 15 desse mesmo mês, contra o

pagamento do respectivo preço. A cómoda ficou destruída por um incêndio

fortuito ocorrido no armazém de António.

Para responder a cada uma das alíneas só deverá ter em conta em conta o

corpo da hipótese.

1) Se o incêndio tiver ocorrido no dia 14 de Março, terá Bento de

pagar o preço da cómoda a António?

A regra constante do art. 408º/1 é a de que o direito de propriedade se transmite por

efeito do contrato, pelo que Bento será o proprietário.

No presente caso, estamos perante uma impossibilidade objectiva não imputável a

nenhuma das partes, na medida em que a destruição da comoda ocorreu devido a um

incêndio. Ou seja, existe uma impossibilidade objectiva derivada de caso fortuito ou de

força maior, pelo que nos termos do art. 790º/1 o devedor ficaria desonerado de entregar

a cómoda.

Coloca-se a questão de saber quem suporta o risco da contraprestação. Nos termos do

art. 795º/1, Bento sendo o proprietário desde de dia 1 de Março não teria de pagar o

preço. Contudo, o referido artigo cede face ao art. 796º quando ocorra uma divergência.

Deste modo, nos contratos com efeitos reais em que se aplica o art. 796º este prevalece

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 77

face ao art. 795º devido a uma relação de especialidade. Nos termos do art. 796º/1 o

risco corre por conta do adquirente, sendo que quem irá suportar o risco será Bento,

encontrando-se obrigado a pagar o preço mas a não receber a cómoda.

Nunca se colocaria a questão de aplicação do ‘’Commodum’’ de representação (art.

794º) na medida em que a transferência da propriedade ocorreu com o contrato, pelo

que seria sempre Bento a receber a prestação.

2) A resposta à pergunta anterior seria a mesma se as partes

tivessem convencionado que a propriedade da cómoda só se

transferia para Bento quando este procedesse ao integral

pagamento do preço?

No presente caso existe uma cláusula de reserva de propriedade (art. 409º), pelo que nos

termos do art. 796º/3 é necessário apurar quem suporta o risco.

Existe uma divergência doutrinal acerca da natureza jurídica da cláusula da reserva de

propriedade, pelo que a solução irá sempre depender da posição adoptada.

Segundo o Prof. Antunes Varela, o Prof Pires de Lima é impossível afirmar que a

cláusula de reserva de propriedade é uma condição na medida em que incide sobre um

elemento essencial do negócio. No entanto, apesar de afirmarem tal entendem que

nestes casos se aplica analogicamente o regime do art. 796º/3, 2ªparte por uma razão de

bom sendo, na medida em que se a não transferência da propriedade até que o preço seja

pago visa proteger o vendedor, faz todo o sentido que o risco corra por conta dele.

Deste modo, segundo o Prof. Antunes Varela e a Jurisprudência a cláusula de reserva de

propriedade constitui uma cláusula suspensiva, consagrada no art. 796º/3, 2ªparte. Na

condição suspensiva o domínio ou o direito (real) sobre a coisa não se transfere ou não

se constitui enquanto o evento não se verificar, pelo que o risco durante a pendencia da

condição corre por conta do alienante; uma vez verificada a condição, o risco passa

naturalmente a correr por conta do credor (adquirente). Ou seja, enquanto não se

verificar o evento condicionante que pode ser o pagamento do preço, a propriedade fica

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 78

suspensa não ocorrendo a transferência da propriedade como se transferia nos termos do

art. 408º/1.

Segundo o Prof. Menezes Leitão, a cláusula de reserva de propriedade constitui uma

condição resolutiva, pelo que nos termos do art. 796º/3, 1ªparte, a cláusula não impede o

efeito translativo (imediato) do contrato, sendo que o risco do perecimento da coisa

corre por conta do credor (adquirente), necessitando para tal que a coisa lhe tenha sido

entregue. Assenta na ideia da relação entre o art. 409º e o art. 886º que derrogam o art.

801º tornando-se resolúvel o contrato promessa. Deste modo, o risco já não corre por

conta do adquirente nessa mesma pendencia caso a coisa lhe tenha sido entregue.

Nota: segundo o Prof. João Tiago Antunes mesmo que se seguisse o entendimento que a

cláusula de reserva de propriedade consistia numa condição resolutiva, no presente caso

nunca se poderia aplicar o art. 796º/3, 1ªparte na medida em que tal pressupõe a entrega

da coisa, entrega essa que no presente caso não ocorreu.

3) Terá Bento de pagar o preço da cómoda, caso esta só pudesse ser

entregue no dia 15, porque António precisava dela até esse

momento?

No presente caso estamos perante uma compra e venda, em que a coisa não é entregue e

fica na posse do alienante durante certo período de tempo, período esse em que ocorreu

um incêndio não imputável a nenhuma das partes.

Nos termos do art. 796º/2, tendo a coisa ficado em poder do alienante, em consequência

de termo constituído a seu favor, o risco só se transfere para o adquirente com o

vencimento do termo ou a entrega da coisa, salvo se houver mora do alienante (art.

807º), não bastando que a coisa seja colocada à disposição do adquirente.

Deste modo, o risco corre por conta de António ficando este sem a coisa e sem o valor

da comoda na medida em que Bento não é obrigado a pagar o preço.

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 79

4) Imagine que o incêndio ocorreu no dia 16 de Março e que António

não tinha procedido ainda à entrega da cómoda, porque se

esqueceu que tinha combinado com Bento entregar a cómoda no

dia 15. Terá Bento de pagar o respectivo preço?

No presente caso, estamos perante uma situação em que existe mora do devedor uma

vez que a entrega da comoda deveria ter sido realizada no dia 15 de Março e não foi

(art. 798º, 801º, 804º e 805º/2).

A mora do devedor foi seguida de impossibilidade definitiva não imputável a nenhuma

das partes, ou seja presumindo-se o incêndio fortuito. A consequência prática da

impossibilidade objectiva definitiva não imputável a nenhuma das partes e posterior à

mora do devedor encontra-se consagrada no art. 807º/1.

O regime do art. 807º/1 constitui uma excepção ao regime consagrado no art. 790º,

sendo que a mora perpetua a obrigação. Da aplicação desta norma resulta que: (1) o

devedor ao incumprir terá de indemnizar os prejuízos causados pelo não cumprimento;

(2) o risco da contraprestação corre inteiramente pelo devedor em mora, pelo que o

credor não terá de contraprestar (art. 795º). Daqui resulta que António ficará sem a coisa

(a cómoda ficou destruída no incêndio), e sem o dinheiro, sendo ainda suspeito de um

caso de responsabilidade contratual tendo Bento direito a uma indemnização.

Nota: Segundo o Prof. Vaz Serra ‘’Parece razoável que, estando em mora o devedor, se

presuma que a impossibilidade da prestação devida a facto a ele não imputável se

verificou justamente por causa dessa mora. É de crer que, se a obrigação não tivesse

sido cumprida em tempo, tal impossibilidade se não teria dado.’’

Precisamente porque se trata de uma presunção – a da existência dum nexo de

causalidade entre a mora e a perda ou deterioração da coisa – o devedor é admitido a

provar que o credor teria sofrido igualmente o dano, se a obrigação tivesse sido

cumprida. É esta a doutrina do art. 807º/2, tratando-se de um caso de relevância

negativa da causa virtual do dano. A prova imposta ao devedor é difícil. Devem ocorrer

circunstancias muito especiais, para que possa considerar-se afastado o nexo de

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causalidade pressuposto na lei. Mas, feita a prova, não há razão que possa justificar a

responsabilidade do devedor, devendo ele responder apenas pelos efeitos da mora.

5) Suponha, agora, que não foi António quem se esqueceu de

entregar a cómoda, mas foi Bento que não recebeu a cómoda, por

ter decidido aproveitar os primeiros dias soalheiros de 2006 e ir

para Vila Nova de Mil Fontes. Terá Bento de pagar o preço da

cómoda? A resposta seria a mesma se o incêndio se devesse a uma

imprudência indesculpável de António?

Relativamente à primeira parte do caso, existe uma situação de mora do credor nos

termos do art. 813º na medida em que não existe motivo justificado que leve Bento a

não aceitar a prestação. Os motivos que justificam o não recebimento na prestação

podem dizer respeito ao seu objecto ou à forma por que o devedor pretende cumprir a

obrigação. O motivo justificado que o credor pode invocar para não incorrer em mora

tem de ser um motivo que encontre a sua justificação na lei, ou seja um motivo

legítimo.

Nos termos do art. 815º/1 o risco corre por conta do credor (Bento), que apesar do

incêndio terá de pagar o valor da coisa (o devedor só responde se a impossibilidade

resultar de dolo, e não quando resulte de mera culpa – art. 795º/2).

Nos termos do art. 815º/2, 1ªparte o credor não se encontra exonerado da

contraprestação, pela extinção da obrigação do devedor, visando-se não prejudicar o

obrigado em consequência da mora accipiendi.

Nos termos do art. 815º/2, 2ªparte se o devedor retirar algum benefício com a extinção

da sua obrigação deve o valor de tal benefício ser descontado na contraprestação.

Relativamente à segunda parte do caso, coloca-se a questão de saber se se trata de um

caso de dolo eventual ou de negligência inconsciente.

Configurando uma situação de dolo eventual, o agente previu o resultado como

consequência da sua possível conduta, não se abstendo porem de a empreender e

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conformando-se com a produção do resultado; configurando um situação de negligencio

consciente, o agente, admite, prevê como possível a realização do resultado típico, mas

confia podendo e devendo não confiar, em que o mesmo não se realiza ou mostrando-se

indiferente à sua produção.

Resulta da conjugação do art. 814º/1 com o art. 815º/1, que o risco corre por conta de

Bento. Contudo, uma vez que António entra em mora nos termos do art. 807º/1 ocorre

uma inversão do risco que passa a correr por conta do alienante.

Existe igualmente um agravamento do risco o que leva a responsabilidade contratual por

causa não imputável.

6) Se Bento não tivesse recebido a cómoda, porque se encontrava

hospitalizado por ter sofrido um ataque cardíaco, continuaria

obrigado a pagar os 5.000 € acordados?

No presente caso, não existe mora do credor nos termos do art. 813º uma vez que existe

uma causa justificativa. Tal consubstancia uma situação de difícil fronteira entre

impossibilidade por causa não imputável a nenhuma das partes e impossibilidade por

causa imputável ao credor.

Nos termos do art. 790º existe uma situação de impossibilidade objectiva ficando o

devedor desonerado, e nos termos do art. 792º existe uma situação de impossibilidade

temporária pelo que o devedor não vai responder pela mora.

A regra constante do art. 408º/1 é a de que o direito de propriedade se transmite por

efeito do contrato, pelo que de acordo com o art. 796º/1 será Bento quem suporta o

risco. Daqui resulta que Bento ficará sem a cómoda (cómoda destruída no incêndio) mas

terá de pagar o preço (5mil Euros).

Nota: aplica-se o art. 796º/1 ao invés do art. 815º/1, na medida em que este é mais

favorável a Bento que não terá de suportar a negligência.

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 82

7) Caso as partes tivessem acordado que a propriedade da cómoda só

se transferiria para Bento quando este tivesse pago o preço,

estaria Bento obrigado a fazê-lo se o incêndio fortuito tivesse

ocorrido em sua casa, depois da cómoda lhe ter sido entregue, mas

antes dele ter liquidado o seu preço?

A regra constante do art. 408º/1 é a de que o direito de propriedade se transmite por

efeito do contrato, pelo que de acordo com o art. 796º/1 o risco corre por conta de Bento

independentemente da entrega da coisa.

Contudo, no caso em análise existe uma cláusula de reserva de propriedade (art. 409º)

pelo que não se encontram verificados todos os efeitos da compra e venda presente no

art. 879º: (1) transferência da propriedade – não; (2) entrega da coisa – sim; (3)

pagamento do preço – não.

Existe uma divergência doutrinal acerca da natureza jurídica da cláusula da reserva de

propriedade, pelo que a solução irá sempre depender da posição adoptada.

Segundo o Prof. Antunes Varela, o Prof Pires de Lima é impossível afirmar que a

cláusula de reserva de propriedade é uma condição na medida em que incide sobre um

elemento essencial do negócio. No entanto, apesar de afirmarem tal entendem que

nestes casos se aplica analogicamente o regime do art. 796º/3, 2ªparte por uma razão de

bom sendo, na medida em que se a não transferência da propriedade até que o preço seja

pago visa proteger o vendedor, faz todo o sentido que o risco corra por conta dele.

Deste modo, segundo o Prof. Antunes Varela e a Jurisprudência a cláusula de reserva de

propriedade constitui uma cláusula suspensiva, consagrada no art. 796º/3, 2ªparte. Na

condição suspensiva o domínio ou o direito (real) sobre a coisa não se transfere ou não

se constitui enquanto o evento não se verificar, pelo que o risco durante a pendencia da

condição corre por conta do alienante; uma vez verificada a condição, o risco passa

naturalmente a correr por conta do credor (adquirente). Ou seja, enquanto não se

verificar o evento condicionante que pode ser o pagamento do preço, a propriedade fica

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Faculdade de Direito da UCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 83

suspensa não ocorrendo a transferência da propriedade como se transferia nos termos do

art. 408º/1.

Segundo o Prof. Menezes Leitão, a cláusula de reserva de propriedade constitui uma

condição resolutiva, pelo que nos termos do art. 796º/3, 1ªparte, a cláusula não impede o

efeito translativo (imediato) do contrato, sendo que o risco do perecimento da coisa

corre por conta do credor (adquirente), necessitando para tal que a coisa lhe tenha sido

entregue. Assenta na ideia da relação entre o art. 409º e o art. 886º que derrogam o art.

801º tornando-se resolúvel o contrato promessa. Deste modo, o risco já não corre por

conta do adquirente nessa mesma pendencia caso a coisa lhe tenha sido entregue.

O problema coloca-se quando a coisa já foi entregue. Existe uma lacuna na lei, na

medida em que na condição resolutiva afirma-se que o risco só se transfere quando

ocorra a entrega, nada se dizendo quanto à condição suspensiva.

Uma interpretação literal do art. 796º/3, 2ªparte seria que o risco corre sempre por conta

do alienante. Contudo, o Prof. Antunes Varela, Galvão Telles e Pires de Lima fazem

uma interpretação sistemática da referida norma e defendem que, nos casos em que a

condição é suspensiva, o risco corre por conta do alienante na pendencia da condição,

mas se a coisa for transferida para o adquirente durante a pendencia da condição o risco

passa a correr por conta deste.

Nota: o Prof. Ferreira Pinto entende que a cláusula de reserva de propriedade é uma

condição suspensiva apenas quanto à transferência da propriedade.

8) Por último, suponha que, na data acordada, António se recusa a

entregar a cómoda, alegando que Bento ainda não lhe pagou o

preço de um relógio antigo que António lhe vendeu, em Janeiro

desse mesmo ano, pelo preço de 8.000 €. Quid iuris?

No presente caso, poderiam existir teoricamente duas opções para proteger Bento: (1)

excepção de não cumprimento nos termos do art. 428º. Contudo, neste caso não poderia

ser invocada uma vez que não existe sinalagma entre as duas obrigações em causa, e

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Faculdade de Direito da UCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 84

alem disso são dois contratos diferentes; (2) direito de retenção nos termos do art. 754º.

Para existis pressupõe uma conexão material, ou seja o crédito tem que resultar de

despesas tidas com a cómoda ou danos por ela causados, coisa que aqui não acontece.

Nestes termos, António terá que entregar a cómoda e se não entregar sujeita-se a

incorrer em mora ou em incumprimento.

XXI

António, coleccionador de relógios antigos, encontrou no antiquário de

Bernardo um relógio Gray de 1765. António comprou o relógio a Bernardo por

4.500 €. Foi acordado que o preço só teria de ser pago 30 dias depois da celebração

do contrato.

Como o preço não foi pago, Bernardo pretende saber:

1) Se pode exigir a António os 4.500 € acrescidos de uma indemnização?

O art. 779º estipula que o prazo se tem por estabelecido a favor do devedor quando não

se mostre que foi a favor do credor, ou de um e outro conjuntamente.

Nos termos do art. 804º estamos perante um caso de mora do devedor, sendo que para

tal se encontram verificados os requisitos: para além da culpa verifica-se que está é

certa, liquida e exigível.

Presumindo-se que o retardamento da prestação é imputável ao devedor, nos termos do

art. 804º, o vendedor pode exigir os 4500euros.

Nos termos do art. 806º, uma vez que estamos no âmbito das obrigações pecuniárias o

vendedor tem direito a uma indemnização a partir do 30ºdia de atraso (desvio às normas

do art. 563º). Sendo uma obrigação civil, o juro civil é de 4%; se constituir uma

obrigação comercial, o juro comercial é regulado de 6 em 6 meses, sendo que

actualmente ronda à volta dos 9%.

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Faculdade de Direito da UCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 85

Nota: no caso em análise não se pode aplicar o art. 806º/3 na medida em que esta norma

não se aplica aos casos de responsabilidade civil contratual, mas tão só aos casos de

responsabilidade civil extracontratual. O Prof. Antunes Varela critica:

O critério geral fixado no art. 566º/2 para o cálculo da indemnização em

dinheiro devida pelo lesante, sempre que a restituição natural não proceda,

conduz em princípio ao resultado que o art. 506º/8 consagra, com o

inconveniente de sugerir que tal não possa ocorrer quando não haja mora do

lesante.

Dificilmente se concebe que, na prática, no âmbito da responsabilidade civil

extracontratual ou da responsabilidade fundada no risco, credor e devedor

possam ter convencionado qualquer juro compensatório ou um juro moratório

diferente do legal.

2) Se pode exigir a António a devolução do relógio?

António só poderia obter a devolução do relógio caso resolvesse o contrato. Para tal

resolução ocorrer tal teria de ser realizada nos termos do art. 808º através da

transformação da mora em incumprimento definitivo, ou seja realizando uma

interpelação admonitória.

Contudo, no caso em análise encontram-se verificados os pressupostos do art. 886º: (1)

Transferência da Propriedade – no momento da celebração do contrato por força do art.

408º/1; (2) Entrega da Coisa; pelo que não pode haver resolução do contrato impedindo

a devolução do relógio.

Se não tivesse ocorrido a entrega do relógio, poderia o credor transformar a mora em

incumprimento definitivo através dos mecanismos do art. 808º e do art. 801º o que

levaria à possibilidade de reaver o relógio.

3) No caso de lhe ser devolvido o relógio, se pode pedir uma indemnização

a António decorrente do facto de, depois de lhe ter vendido o relógio, ter

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 86

aparecido no seu antiquário outro coleccionador que estava disposto a

pagar 5.000 € por aquele relógio, mas que entretanto morreu?

Ao ocorrer a devolução do relógio ocorreu anteriormente a resolução do contrato por

aplicação do art. 801º/2.

No presente caso, o credor pede uma indemnização pelo interesse contratual negativo,

ou seja quer ficar colocado na situação em que estaria se o contrato não tivesse sido

celebrado. Nos termos do art. 564º/1, in fine o lucro cessante seria de 500euros uma vez

que tal corresponde à diferença resultante da oportunidade perdida de vender o negócio

e o valor do contrato celebrado com António.

Coloca-se a questão de saber o credor pode cumular a resolução com a indemnização

por interesse contratual negativo.

Nos termos do art. 562º e ss sim, uma vez que a indemnização pedida resulta das regras

gerais dos referidos artigos pelo que em primeiro lugar deve-se atender à restituição

natural, e só não sendo possível esta restituição é que a indemnização é em dinheiro.

É de notar que esta indemnização abrange tanto os danos emergentes como os lucros

cessantes, tal como resulta do art. 564º.

Nota: coloca-se a questão de saber se na indemnização pode-se incluir os danos morais.

O Prof. Antunes Varela considera que não devido a razes de certeza e segurança

jurídica e para não aumentar a litigiosidade. Contudo, tal argumento é rebatível na

medida em que o art. 496º/1 refere os danos morais que pela sua gravidade merecem

tutela do direito (posição da doutrina e da jurisprudência).

Coloca-se ainda a questão de saber o art. 494º é ou não aplicável a responsabilidade

contratual. Embora o Prof. Menezes Leitão considere que sim, o Prof Antunes Varela

considera que não, na medida em tal artigo é uma norma excepcional e deste modo não

comporta interpretação analógica – lacuna da lei.

XXII

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Faculdade de Direito da UCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 87

António obrigou-se, por escrito particular, a vender a Bernardo uma

fracção autónoma de um edifício situado no concelho de Cascais. A título de sinal e

de princípio de pagamento, Bernardo entregou a António 100.000 €. Ficou,

igualmente, acordado que a escritura pública seria feita até ao final do ano de

2006. No dia 4 de Outubro, António telefonou a Bernardo, para lhe comunicar que

já não estava interessado em vender-lhe o andar. Em face deste comportamento,

Bernardo considera que tem direito a receber imediatamente 200.000 €.

1) Como qualifica a declaração telefónica de António?

Declaração Antecipatória Inequívoca: declaração através da qual o devedor, antes do

vencimento da obrigação, declara em termos claros e inequívocos que não vai cumprir a

obrigação.

Existe uma divergência doutrinária acerca da relevância da Declaração Antecipatória

Inequívoca.

Segundo o Prof. Antunes Varela, o Prof. Ribeiro de Faria e o Prof. Menezes

Cordeiro (numa primeira fase) existe um incumprimento definitivo da obrigação

imputável ao devedor, sendo que um incumprimento definitivo num contrato promessa

conduz à resolução do contrato ou à devolução do sinal em dobro ou à perda deste.

Segundo o Prof. Menezes Leitão, o Prof. Galvão Telles e o Prof. Almeida Costa

existe uma situação de simples mora (art. 805º/2 al. a) e c)), pelo que embora existam

casos em que a interpelação admonitória deixa de fazer sentido, e mesmo sem

interpelação existe mora, neste caso faz sentido em que o devedor mediante declaração

afirme claramente que não vai cumprir. Ou seja, não faz sentido que o credor tenha de

interpelar o devedor nos casos em que este já disse que não vai cumprir. No contrato

promessa incumprido a simples mora já autoriza a resolução do contrato (condição

resolutiva tácita – art. 442º/3, in fine).

Segundo o Prof. Pessoa Jorge não se está perante um caso de incumprimento definitivo

da obrigação imputável ao devedor nem perante um caso de mora: não atribui qualquer

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relevância jurídica dessa declaração, sendo que o credor só pode exercer os seus direitos

se se verificar o incumprimento uma vez que o devedor tem ate ao fim do prazo para

cumprir (está a recusar a um benefício que a lei lhe confere pelo que não se pode dizer

que declarando ele não vai cumprir).

2) Considera que Bernardo tem direito a receber imediatamente 200.000 €?

Nos termos do art. 442º, mesmo que se entenda que se trata de um caso de simples

mora, existe a possibilidade de receber o sinal em dobro.

XXIII

Ana, negociante de antiguidades e proprietária de um piano avaliado em

5.000 €, acorda com Benedita, pianista, trocá-lo por um vaso antigo pertencente a

esta, com valor de mercado de 6.000 €.

Antes da entrega do vaso este foi destruído, porque Benedita o deixou cair,

por descuido.

1) Poderá Ana recusar-se a entregar o piano e exigir que Benedita lhe

entregue 1.000 €?

No presente caso, estamos perante um incumprimento definitivo imputável ao devedor.

Coloca-se de saber se no âmbito dos direitos dos credores, se pode cumular o pedido de

resolução do contrato com o pedido de indemnização pelo interesse contratual positivo.

Segundo a posição clássica defendida pelo Prof. Antunes Varela, Prof. Galvão Telles,

Prof. Almeida Costa, Prof. Ribeiro de Faria e pela Jurisprudência quase na sua

totalidade a resolução opera-se por meio de declaração unilateral recíproca do credor

(art. 436º), tornando-se irrevogável logo que chega ao poder do devedor ou dele é

conhecida (art. 224º/1 e art. 230º). Mesmo nos casos de resolução existe direito à

indemnização pelo interesse contratual negativo, ou seja pelo prejuízo que o credor teve

com o facto de celebrar o contrato, prejuízo que ele não sofreria se não tivesse celebrado

o contrato. Pelo interesse contratual negativo visa-se repor a situação de origem como se

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o contrato nunca tivesse sido celebrado. Pretende-se a exoneração da obrigação que

assumiu e a reposição do seu património no estado em que se encontraria se não tivesse

sido celebrado o contrato. Argumentos a Favor:

Efeito Retroactivo da Resolução (art. 434º)

Equiparação dos efeitos da resolução aos efeitos da nulidade/anulabilidade (art.

433º)

Segundo o Prof. Vaz Serra, o Prof. Baptista Machado, a Prof. Ana Prata e o Prof.

Romano Martinez o credor pode optar pela indemnização quer seja a que resulta do

interesse contratual positivo quer seja a que resulta do interesse contratual negativo.

Verificando-se o incumprimento definitivo resolutivo, que tem por fonte um contrato

bilateral, o credor pode optar entre a Grande Indemnização (art. 801º/1) e a Pequena

Indemnização (art. 801º/2). A Grande Indemnização corresponde à totalidade do valor

da prestação incumprida, caso em que ele terá de cumprir a sua contraprestação. A

Pequena Indemnização corresponde ao credor pedir a diferença que resulta entre a

prestação incumprida por parte do devedor e o valor da sua própria contraprestação,

sendo que ele não se encontra obrigado a realizá-la, podendo utilizá-la com o intuito de

compensar o valor da prestação incumprida que lhe terá de ser indemnizada.

Argumentos a Favor:

Nem sempre ocorre o efeito retroactivo da resolução (art. 434º/1). Exemplo:

contratos de execução prolongada ou quando se mostre contrário à vontade das

partes.

A lei não distingue no art. 801º o tipo de indemnização em causa, pelo que pode

ser perfeitamente interpretado de maneira a conceber esta indemnização como

indemnização pelo interesse contratual positivo, ou seja colocando o credor na

situação em que estaria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido.

De acordo com o art. 802º, num regime de impossibilidade parcial a lei consagra

que o credor pode resolver o contrato ou optar por manter em qualquer um dos

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 90

casos o direito à indemnização. Deste modo estar-se-ia a tutelar mais o credor

numa hipótese de impossibilidade parcial do que numa impossibilidade total.

Segundo o Prof. Menezes Leitão, tal como o Prof. Antunes Varela defende, não é

possível pedir uma indemnização pelo interesse contratual positivo se a prestação já

tiver sido efectuada. Contudo, numa hipótese em que o credor cujo crédito ficou

desfeito em termos finais e absolutos quer resolver o contrato para não ter de prestar, tal

como o Prof. Batista Machado defende, pode haver indemnização pelo interesse

contratual positivo, ou seja quando a prestação se torna impossível e o credor de tal

ainda não cumpriu. O Prof. Menezes Leitão apoia-se em duas teorias:

Teoria da Sub-rogação (Prof. Antunes Varela): existe a obrigação de entregar a

coisa para receber a indemnização, sendo que a prestação impossível passa a ser

substituída pelo seu valor expresso em dinheiro.

Teoria da Diferença (Prof. Batista Machado): não é necessário a entrega da

coisa, mas sim o seu abatimento.

Teoria da Diferença Atenuada: é o credor quem escolhe, podendo ter em alguns

casos um interesse ou não.

Em suma, segundo o Prof. Menezes Leitão é necessário distinguir duas situações

diferentes:

Se a obrigação incumprida foi por parte do devedor quando o credor já havia

contraprestado, a resolução do contrato tem de ser acompanhada pelo interesse

contratual negativo

Se à data em que se verifica o incumprimento o credor ainda não contraprestou

ele não tem de contraprestar e pode receber a diferença, ou seja pode ser

indemnizado pelo interesse contratual positivo.

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 91

A tese mais adequada do ponto de vista do nosso ordenamento jurídico é a Teoria da

Diferença Atenuada, o que equivale a dizer que é a posição do Prof. Baptista

Machado.

O Prof. João Tiago Antunes entende que quando o art. 802º afirma ‘’ em qualquer dos

casos o credor mantém o direito à indemnização’’ tal será sempre realizada pelo

interesse contratual negativo devido à posição beneficia que o regime da

impossibilidade parcial constituiria face ao regime da impossibilidade total caso fosse

pelo interesse contratual positivo.

Deste modo, caso adoptássemos a posição clássica: (1) Ana poderia resolver o contrato

ficando com o piano, podendo pedir uma indemnização pelos danos que sofreu por ter

confiado na celebração do contrato (interesse contratual negativo: lucros cessantes e

danos emergentes), mas não podia exigir os 1000euros; (2) Ana poderia optar pela

manutenção do contrato, ou seja não o resolveria e cumpriria a sua prestação (entregaria

o piano) mas receberia 6mil euros.

Caso adoptássemos a posição moderna, nos termos da Grande Indemnização, Ana

poderia pedir os 6mil euros mas encontrar-se-ia obrigada a entregar o piano; nos termos

da Pequena Indemnização, Ana poderia pedir os mil euros resultantes da diferença entre

os 6mil euros (valor da prestação incumprida pelo devedor) e os 5mil euros (valor da

sua contraprestação).

Caso adoptássemos a posição do Prof. Menezes Leitão, de acordo com a Teoria da

Sub-Rogação, Ana para receber o valor do vaso teria de entregar o piano; de acordo

com a Teoria da Diferença Ana não precisa de entregar o piano na medida em que

tendo um crédito de um vaso e ele foi destruído passa a ter um crédito à indemnização.

2) Caso não tivesse celebrado o contrato com Benedita, Ana teria

vendido o piano a Carolina por 5.900 €. Por este motivo, poderá

Ana exigir que Benedita a indemnize pelos prejuízos sofridos?

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 92

Da conjugação do art. 798º e 801º resulta que Ana poderá resolver o contrato e pedir

uma indemnização pelo interesse contratual negativo, que visa repor a situação que

existia antes da celebração do contrato. O valor do dano resulta da determinação do

valor do lucro cessante que neste caso seria 900euros resultantes da diferença entre a

situação hipotética em que se encontraria se não tivesse confiado na celebração do

contrato e a situação patrimonial actual

3) Suponha, agora, que Ana e Benedita tinham acordado trocar dois

pianos por dois vasos e que Benedita só partiu um dos vasos. Que

direitos assistem a Ana?

No presente caso estamos face a uma situação de impossibilidade parcial prevista no art.

802º, pelo que Ana poderá fazer uma de duas coisas: (1) resolver o contrato e pedir uma

indemnização pelo interesse contratual negativo, não tendo de entregar nenhum dos

pianos; (2) manter o contrato, entregar um dos pianos (redução da prestação), receber

um vaso e pedir uma indemnização pelo interesse contratual positivo.

XXIV

António, pastor, vendeu a Bernardino, 10 ovelhas. Na data e lugar

acordados, António entregou a Bernardino as ovelhas. Por não terem sido feitas as

vacinas impostas por lei, as 10 ovelhas adoeceram e contagiaram o resto do

rebanho de Bernardino.

Que direitos assistem a Bernardino?

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 93

Nos termos do art. 913º, estamos face a uma situação de cumprimento defeituoso.

Os casos de cumprimento defeituoso só fazem sentido na ideia da relação jurídica

obrigacional complexa, uma vez que não correspondem à violação de um dever

principal mas sim de um dos deveres acessórios de conduta.

O que caracteriza o cumprimento defeituoso é o facto de ocasionar danos que não se

relacionam com o incumprimento definitivo nem com a mora: são danos atípicos.

Ao contrário do que sucede com o incumprimento definitivo e com a simples na mora,

não existe na lei nenhum regime específico do cumprimento defeituoso. Tal não implica

que este não exista e que não esteja sujeito a um regime jurídico próprio, sendo a prova

disso o facto e o art. 799º falar expressamente no cumprimento defeituoso.

O art. 799º estabelece uma presunção de culpa, existindo o direito a uma indemnização

tanto pelo interesse no cumprimento como pelos danos (ovelha doente) exteriores

causados com o cumprimento defeituoso. Tal gera direitos como o pedido de reparação,

a sua substituição ou a redução da contraprestação.

No caso em análise, António entregou a Bernardino 10ovelhas, tendo estas um defeito

havendo danos causados no próprio objecto da prestação: as ovelhas adoecem por não

terem levado a vacina (civic rem) ocorrendo responsabilidade contratual.

Contudo, ainda existem os danos causados a coisas que não eram objecto da prestação,

ou seja o contágio ao resto do rebanho (extra rem) ocorrendo responsabilidade

extracontratual.

Deste modo, existem dois tipos de responsabilidade, sendo que pela Teoria da Absorção

ou da Cumulação iremos aplicar a Terceira Via de Responsabilidade Civil.

Segundo o Prof. João Tiago Antunes, trata-se de um caso de responsabilidade

obrigacional na medida em que estamos perante um caso de incumprimento de uma

relação jurídica obrigacional complexa.

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 94

XXV

A sociedade Auto China, Ch, sociedade de direito chinês, é fabricante de

veículos motorizados de quatro rodas e celebrou com a sociedade Carros Chineses,

- Comércio e Distribuição de Veículos Automóveis, SA, em Janeiro de 2005, por

prazo indeterminado, um contrato de distribuição, no território nacional, dos

veículos que produz sob a marca China Speed.

1) A sociedade Carros Chineses – Comércio e Distribuição de Veículos

Automóveis, SA vendeu a António um carro, em Julho de 2005, pelo preço

de € 50.000. António, no início de Novembro de 2007, reclamou junto da

sociedade vendedora por defeito de fabrico do carro que havia adquirido,

uma vez que o mesmo apresentava manifestos problemas de travagem. A

sociedade vendedora reconheceu que o carro apresentava um defeito de

origem mas exige a António a quantia de € 10.000, uma vez que se trata de

uma “reparação muito complexa”. Quid iuris?

No Código Civil, o art. 799º e o art. 813º regula o regime aplicável ao cumprimento

defeituoso da obrigação.

Contudo o Decreto-Lei nº67/2003, e seguidamente o Decreto-Lei nº84/2008 consagram

os termos da responsabilidade do produtos independentemente da culpa, ou seja

destinam-se à protecção do consumidor sendo um regime especial em relação à compra

e venda defeituosa.

Com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº84/2008, que sucedeu ao Decreto-Lei

nº67/2003, o regime consagrado no Código Civil relativamente a esta matéria só se

aplica às compras e vendas defeituosas entre particulares que não estejam numa relação

comercial nem de adquirente/consumidor. Trata-se de um diploma residual que regula

todas as relações que se estabeleçam entre um profissional e um consumidor.

O Decreto-Lei nº84/2008 confere protecção aos adquirentes de bens comuns,

traduzindo-se esta protecção na presunção que eventuais defeitos que existam num

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 95

produto adquirido num prazo entre 2 a 5anos consideram-se defeitos de fabrico/origem,

estando latente, nos termos do art. 3º, que esse mesmo defeito só veio a produzir-se num

período de tempo posterior. Tal presunção consagra no art. 2º/1 a favor do consumidor

pode ser ilidida de acordo com uma incorrecta utilização do veículo por exemplo. O art.

3º/1 e 2 respeitante às garantias do consumidor, consagram o Princípio Geral de que a

presunção é de que os defeitos não se encontram relacionados com o uso que se deu à

coisa.

O art. 4º estabelece uma série de direitos do consumidor que podem ser exercidos sem

qualquer encargo para o devedor: (1) reparar; (2) substituir; (3) reduzir a

contraprestação; (4) resolução.

Nos termos do art. 5º/1 e do art. 5º-A encontra-se consagrado o regime da conjunção

dos prazos:

Os direitos previstos no art. 4º/1 só podem ser exercidos dentro de 2anos, no

caso dos bens móveis, ou de 5 anos no caso de bens imóveis a contar da entrega.

A partir do momento em que o defeito é detectado existe um ónus de denúncia

do mesmo que deve ser efectuada no prazo de 2 meses, no caso dos bens

móveis, ou no prazo de 1 ano, no caso dos bens imóveis, caso contrario os

direitos caducam.

↳ Em princípio estes dois meses estão quase sempre dentro do prazo dos dois

anos, mas imaginemos que o consumidor faz a denúncia no último dia do prazo dos dois

anos: nesse caso terá mais dois meses que já se encontrarão fora do prazo dos dois anos,

mas como a denúncia ainda foi feita dentro desse prazo não existe problema.

No entanto, pode acontecer que todos estes prazos sejam cumpridos mas que o devedor

nada faça colocando-se a questão de saber até quando ele poderá exercer judicialmente

estes mesmos direitos? Resulta da conjugação do art. 5º-A/3 e do art. 917º que poderá

exercer num prazo de dois anos. A jurisprudência entende que deve aplicar-se ao direito

de reparação, substituição e de redução da contraprestação.

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 96

No presente caso:

Compra do automóvel (bem móvel): Julho de 2005

Denúncia: Novembro de 2007

Fim do Prazo de Dois anos: Julho de 2007

No presente caso, o direito que se pretende exercer é de reparação, mas partindo do

princípio que o automóvel foi entregue a António no momento da sua compra, ou seja

em Julho de 2005, o prazo legal de garantia teria terminado em Julho de 2007 uma vez

que já decorrera os 2anos.

Contudo, uma vez que o vendedor reconheceu que o defeito era de origem os direitos

podem ser exercidos de acordo com os prazos. Nos termos do art. 4º, não se pode exigir

o pagamento do preço.

2) Caso a sociedade vendedora houvesse prometido a António “total garantia”

por 3 anos António teria de custear a reparação?

Embora a garantia legal mínima seja de 1ano podem existir garantias adicionais. Resulta

do art. 1º-B al. g) e do art. 9º que pode existir o direito à reparação sem encargos.

3) Suponha que António havia adquirido o seu carro em Janeiro de 2007 e

reclamado junto da vendedora em Outubro de 2007, nos seguintes termos:

“o carro, desde o dia em que saiu do stand que não trava, pelo que exijo a

integral e gratuita reparação do mesmo”. A sua resposta seria a mesma?´

Compra do Automóvel: Janeiro de 2007

Denúncia: 2 meses a partir do momento em que se detecta o defeito

Fim do Prazo dos Dois Anos: Janeiro de 2009

Embora os direitos previstos no art. 4º/1 possam ser exercidos dentro de dois a contar da

entrega, ou seja no presente caso até Janeiro de 2009, o prazo para pedir a reparação do

defeito conta-se dois meses após a detecção do defeito.

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 97

Na medida em que António afirmou que ‘’o carro desde que saiu do stand não trava’’,

tendo ocorrido tal em Janeiro de 2007 António só poderia exigir a reparação até Março

de 2007 pelo que o referido prazo já tinha caducado nos termos do art. 5º-A/2.

Nota: nos termos do art. 10º só se podem aumentar os prazos, nunca se podem diminuir.

4) Imagine agora que a mesma sociedade vendeu a Bernardo, no passado mês

de Agosto, um carro com idêntico problema. A sociedade vendedora oferece

a reparação gratuita do defeito de fabrico. Bernardo exige, todavia, a

devolução do seu dinheiro ou, pelo menos, um carro novo, uma vez que já

não tem “qualquer confiança” naquele carro. Quid iuris?

Coloca-se a questão de saber se existe no art. 4º e 5ç uma precedência logica de direitos

tal como existe no art. 914º em que os direitos que direitos legais são direitos com uma

sequencia logica: primeiro detectado o defeito pede-se a reparação, em seguida a

substituição, depois a redução da contraprestação e só por último a resolução.

O Decreto-Lei nº84/2008 possui uma norma que afasta a precedência lógica permitindo

exercer qualquer direito. O referido diploma tutela em maior medida o consumidor, não

impondo a este que para exercer um dos direitos tenha que ter exercido outro

anteriormente.

No entanto, estes direitos não podem ser exercidos caso sejam impossíveis ou

constituam abuso de direito em face das circunstâncias do caso concreto. Perante o caso

concreto, embora o comprador tivesse de pedir o carro novo é necessário saber se

aquela conduta não se afigura abusiva (pedir a resolução antes da reparação. O Prof.

João Tiago Antunes considera que em última análise o abuso de direito leva à mesma

solução que a regra da precedência lógica.

5) Prefigure ainda que Carlos havia adquirido um outro carro em Setembro

de 2005, o qual apresentava um problema na suspensão. Carlos reclama e a

vendedora oferece a reparação gratuita em Março de 2007. Reparada a

avaria, Carlos vem a ter um acidente em Outubro de 2007, em resultado do

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 98

qual fica paraplégico. Vem a descobrir-se que o acidente foi devido a um

defeito na suspensão entretanto substituída. Quid iuris?

Nos termos do art. 5º/6 a partir do momento da reparação, a nova peça beneficia de um

novo prazo de garantia ou seja possui os direitos consagrados no art. 4º em relação a

essa peça.

Uma vez que para além dos danos no automóvel o acidente causou danos no

consumidor, nos termos do art. 12º/1 Carlos pode pedir uma indemnização pelos danos

sofridos contra o vendedor (responsabilidade subjectiva), podendo ainda pedir uma

indemnização ao produtor por responsabilidade objectiva independentemente da culpa

(Decreto-Lei nº383/99, art. 1º e art. 8º quanto aos danos ressarcíveis – dano de morte;

dano pessoal; dano extra rem).

6) Na sequência do seu acidente, Carlos vem a constatar que a vendedora

“fechou as portas”, pelo que pretende exigir do fabricante, a sociedade Auto

China, Ch, a devolução do preço pago bem como de uma indemnização

pelos “danos irreparáveis” que sofreu. Pode fazê-lo?

Entende-se por produtos, nos termos do art. 1º-B al. d) não só quem fabrica mas

também quem importa.

Nos termos do art. 6º, existe responsabilidade directa do produtor apenas nos casos de

dano morte, lesão pessoal ou danos extra rem. Apenas nos referidos casos é possível

demandar directamente o fabricante, caso contrário o produtor é parte ilegítima.

O lesado pode demandar directamente o produtor nos referidos casos, mas tal só é

possível para pedidos de reparação e de substituição, não podendo ser demandado para

resolução ou redução da contraprestação. Deste modo, Carlos só pode exigir a

devolução do preço face ao vendedor.

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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 99

XXVI

Bento, que vende papel de parede, acorda com António, interessado em que

aquele se encarregue de aplicar o papel em sua casa, não se responsabilizar por

quaisquer prejuízos causados durante a aplicação ou por uma deficiente aplicação

do mesmo, ainda que em caso de dolo ou culpa grave do aplicador.

1) Sabendo que, durante a aplicação do papel, Bento destruiu, por

descuido, uma jarra de António no valor de 100 €, diga que

direitos assistem a António.

Uma primeira questão assenta em saber se existiu ou não cumprimento. Poderia ser

cumprimento defeituoso por violação de deveres laterais de conduta. Poderia ainda ser

considerado um caso de não cumprimento no âmbito da ideia da relação jurídico

complexa que impõe ao devedor deveres de conduta, que Bento terá incumprido.

Uma segunda questão assenta em saber se se aplica o art. 809º, e se tal inclui também os

casos de culpa leve.

A convenção disciplinar da responsabilidade civil pode ser:

Convenção de Exclusão da Responsabilidade Civil: acordos em que se

exclui a responsabilidade civil

Prof. Pinto Monteiro, Prof. Almeida Costa: em casos de culpa leve

estas cláusulas são válidas. Utiliza o argumento sistemático que resulta

do art. 18º al c) das CCG, ou seja a lei admite a exclusão da culpa leve

em casos de culpa levíssima, pelo se nestes (CCG) o problema está

resolvido, por maioria de razão deve admitir-se nos contratos celebrados

pelas partes a mesma solução.

Prof. Antunes Varela, Prof. Menezes Leitão e Prof. Ribeiro de Faria:

o art. 809º não permite qualquer cláusula de exclusão, não sendo

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necessário fazer qualquer interpretação por maioria de razão, na medida

em que as CCG possuem um regime próprio, para além do facto de o

referido artigo ser uma norma positiva devendo ser interpretada

restritivamente. Admitindo as cláusulas deste género estaremos a

transformar uma obrigação civil em natural: o caracter coercivo

desaparece nas situações de incumprimento por negligência.

Nas situações de dolo ou de culpa grave não existe divergência, sendo a

cláusula nula.

A Jurisprudência tem seguido a posição do Prof. Pinto Monteiro e do

Prof. Almeida Costa, tendo sempre em consideração o Princípio da

Autonomia Privada.

No presente caso, estamos perante uma situação de descuido pelo que a culpa será leve

e a solução irá depender da posição adoptada.

Delimitação: limita-se a responsabilidade civil até um certo limite

Entende-se que a cláusula é válida em obediência ao Princípio da

Autonomia Privada, encontrando-se o seu regime no art. 602º

(diminuição das garantias patrimoniais).

Cláusula Penal (art. 810º): fixação antecipada do valor do dano.

Difere do regime do sinal: a função da cláusula penal assente em

determinar com objectividade e rigor o valor a indemnizar verificado o

incumprimento, sendo a função acessória do sinal ‘’constituir’’ com a

sua entrega um acto efectivo de comprimento da obrigação tendo uma

função confirmatória do negócio o que não existe na cláusula penal; o

sinal encontra-se relacionado aos contratos reais quod constitucionem

pressupondo este para a existência/validade a entrega da coisa, ou seja ao

contrário da cláusula penal o sinal é sempre entregue.

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Cláusula Penal duas posições:

Direito Anglo-Saxónico: estabelece o valor da indemnização

super ao valor do prejuízo eventual, sendo a principal função

garantir e punir o incumprimento. Em suma, o valor do dano é

inferior ao valor da cláusula penal.

Clássica dos Direitos Constituídos: o valor do dano é superior à

ao valor da cláusula penal. A cláusula penal funciona como

liquidação antecipada dos danos

Moratória:

Incumprimento Definitivos.

Existe uma divergência acerca da interpretação do art. 811º/3:

Embora o Direito Comparado distinga entre dois tipos de cláusulas

penais, o Código Civil só consagra a Cláusula Penal Clássica, ou seja a

que visa a liquidação antecipada dos danos nos termos do art. 811º/1 e

3. O art. 811º/3 visa apenas as cláusulas penais clássicas existindo o

problema de estas perderem a sua função e de não ocorrer a distinção

entre este regime e o do art. 812º, na medida em que o campo de

aplicação é o mesmo.

Prof. Galvão Telles, Prof. Calvão da Silva e Prof. Ana Prata:

sustenta que o art. 881º/3 não pode ser entendido nem como a

exigência de que o credor tenha que provar os danos, já que tal

representaria um menosprezo da cláusula penal, nem como admissão

da possibilidade de o devedor demonstrar que o credor não teve

prejuízos equivalentes aos da clausula penal para evitar a sua exigência

integral, uma vez que isso equivaleria a transformar a clausula penal

numa convenção de inversão do ónus da prova. Deste modo, o art.

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811º/3 apenas se refere à convenção de indemnização pelo prejuízo

excedente à cláusula penal, referida no art. 811º/2 impedindo que essa

convenção pudesse incluir um montante indemnizatório superior ao

incumprimento da obrigação principal.

Prof. Antunes Varela: considera que se fosse verdade o exposto

anteriormente o devedor ficaria muito mais favorecido se em vez de

aceitar a cláusula penal aceitasse a convenção por agravamento.

O Prof. Pinto Monteiro, com o qual o Prof. João Tiago Antunes

concorda em ser a mais equilibrada, considera que no Direito Civil

Português valem os dois tipos de cláusulas penais sendo que no caso da

punitiva não se aplica o art. 811º/3. Quando o valor da cláusula penal é

muito superior ao valor do dano aplica-se o art. 812º. A função clássica

da cláusula penal encontra-se consagrada no art. 812º e não no art.

811º/3.

2) A resposta seria a mesma se, em vez de Bento, tivesse sido Carlos,

que prestava serviços de aplicação de papel para vários

estabelecimentos, a destruir a jarra? E se Carlos fosse empregado

de Bento?

No presente caso, o dano é causado por terceiro pelo que é necessário apurar se tal é

independente (prestação de serviços) ou se é dependente (em nome do devedor).

No caso de o terceiro ser independente e autónomo, não se encontra ligado à pessoa do

devedor pelo que se causar um dano ao credor o devedor não responde.

No caso de o terceiro ser dependente, só existe lugar à exclusão da responsabilidade nos

casos em que o devedor poderia ficar exonerado da sua responsabilidade.

Nos termos do art. 800º/1 tal configura uma norma absolutamente excepcional que

consagra uma responsabilidade objectiva independentemente da culpa. Por sua vez, o

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art. 800º/2 admite que exista um acordo entre o devedor e o credor, podendo o devedor

fica desonerado. A doutrina entende que tal abrange os casos de dolo ou de culpa grave,

na medida em que é nesse ponto que se diferencia do art. 809º.

Segundo o Prof. Pinto Monteiro só se aplica o art. 800º/2 caso o terceiro seja

independente, ou seja se actuar com autonomia; sendo o terceiro dependente do devedor

tal não se aplica.

No presente caso o terceiro é um prestador de serviços autónomo, sendo que a cláusula

que exclui a responsabilidade civil prevista no contrato é válida uma vez que o art. 809º

consagra uma excepção ao art. 800º/2. Deste modo, quem irá responder será o terceiro e

não o devedor.

XXVII

A empresa Reparações Informáticas, Lda, celebrou com Alfredo um contrato

de prestação de serviços de manutenção do equipamento informático do atelier de

arquitectura deste último. As partes inseriram no contrato a seguinte cláusula:

“Em caso de incumprimento das obrigações por parte do 1º contratante

(Reparações Informáticas, Lda) o 2º contratante (Alfredo) terá direito a receber uma

compensação no montante de 2.000 €.”

Considere sucessivamente as seguintes hipóteses:

1) A empresa de informática não cumpre pontualmente as obrigações

assumidas e Alfredo exige-lhe o pagamento dos 2.000 €. Mas a empresa

entende que não tem de pagar mais do que os danos efectivamente

sofridos por Alfredo que são apenas de cerca de 500 €. Quid iuris?

A função que as partes quiseram alcançar com a cláusula foi a de fixação

antecipadamente o valor da indemnização pelo que aplicamos o 811º quer para a tese

tradicional quer para o Prof. Pinto Monteiro.

Âmbito de aplicação de 811º nº3 – este artigo é muito controverso e susceptível de

muitas criticas pois desvirtua a finalidade que as partes quiseram alcançar com a

cláusula penal de fixação antecipada do valor da indemnização. Esta solução é criticada

quase unanimemente pela doutrina mas ainda assim o Prof. Antunes Varela defende

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que tem que ser aplicada pelo que no caso em análise, o credor não poderia exigir 2 mil

euros mas apenas 500€ que era o valor dos danos efectivamente sofridos.

Já para o Prof. Pinto Monteiro devem ser feitas alguma restrições à sua aplicação pois

se se aplicar o nº3 do 811º o 812º deixa de fazer sentido, assim sendo, não tendo havido

a convenção não era aplicado o nº3 do 811 e por isso o credor poderia exigir o valor dos

2 mil fixado na cláusula penal – invocar o 812º

2) A empresa de informática falta ao cumprimento das suas obrigações,

mas uma vez que os danos de Alfredo foram avaliados em 3.500 €, agora

é este último que pretende exigir da devedora uma indemnização neste

montante. Quid iuris?

Sendo o valor dos danos (3500€) superior ao valor estipulado na cláusula penal (não

existe convenção pelo art. 811º/2) não poder-se-ia exigir uma indemnização de valor

superior ao fixado nesta. Ou seja o credor não tem direito a um aumento equitativo da

clausula penal na medida em que o art. 812º não o permite.