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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” USO DO BARRO – “UM REVELAR DE NOSSA NATUREZA PRIMITIVA” VALÉRIA SPERANZA ORIENTADORA Mª. DINA LÚCIA CHAVES ROCHA Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

USO DO BARRO – “UM REVELAR DE NOSSA NATUREZA PRIMITIVA”

VALÉRIA SPERANZA

ORIENTADORA

Mª. DINA LÚCIA CHAVES ROCHA

Rio de Janeiro

2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

USO DO BARRO – “UM REVELAR DE NOSSA NATUREZA PRIMITIVA”

Rio de Janeiro

2010

Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Arteterapia em Educação e Saúde. Por: Valéria Speranza

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AGRADECIMENTOS

A profª Sonira Melo de Oliveira e à memória de Maria

Teresa Vieira minhas precursoras na utilização do barro.

A Rodolfo Berg e a Vânia Ozório meus primeiros

professores de Arteterapia.

A todos os professores deste curso e em especial à Marise

Piloto pela “força” e alegria contagiante.

A Dina Lúcia, por sua paciência...

As amigas de curso em geral, que juntas aprendemos a

dividir nossas vivências e emoções.

A Helena com sua disponibilidade, carinho e força e pelo

auxílio na formatação.

A Drª Maria CLáudia Nabuco por ter me introduzido aos

estudos Antroposóficos.

A minha grande mestra de escultura Valéria Bortolotti que, a

cada momento, me conduz ao caminho da reflexão e

espiritualidade.

Muito obrigada a todos de coração!

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DEDICATÓRIA

Dedico essa monografia sem dúvidas a meu marido

Emanuel, por seu apoio, incentivo e sua abnegação pessoal

nesta jornada.

A meu filho Vittorio, por desde o primeiro sopro de vida me

acompanha no mundo da Arteterapia e a minha mãe Yedda,

por me mostrar o caminho da coragem na vida diária e

determinação constante, e a memória de meu pai, por sentir

sua força esteja onde estiver.

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RESUMO .

A presente monografia aborda o uso do “barro” como objeto material em ateliê tanto de expressão livre, como em ateliê Arteterapêutico. Por ser um material que contem os quatro elementos da Natureza em si mesmo, conduz a quem o manipula, a uma viajem interior, buscando do seu inconsciente a sobrevivência de uma vida psíquica mais equilibrada. O trabalho foi baseado nas concepções Junguianas. Descreve como o barro executa esse passeio mágico dentro das quatro funções básicas postuladas por Jung: pensamento, sentimento, sensação e intuição, propiciando o retorno a fase mais primitiva, mais uterina, até mesmo a fase anterior a essa, retorno a fase urobórica, eclodindo em um turbilhão de emoções contidas, processadas e resgatadas através das imagens produzidas no conteúdo simbólico. Essas imagens emergem sob o domínio da luz da consciência, que é manipulada e trabalhada a cada encontro com esse material tão completo, tão cheio de surpresas e encantador, nos levando a transformação constante e ao nosso caminho individual espiritual.

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METODOLOGIA

A metodologia utilizada para a construção desta monografia, foi a

pesquisa bibliográfica baseada na leitura de Álvaro Gouvêa, brilhante e completo

na descrição sobre a atuação do barro em ateliê terapêutico.

Outros autores foram sendo introduzidos ao texto, principalmente

aqueles referentes à leitura de Carl Gustav Jung, como também Nise da Silveira,

por ser profunda conhecedora das obras de Jung, e a correlação deste com a sua

prática psiquiátrica, utilizando “arte”, no trabalho diário com seus pacientes.

O presente trabalho tem o compromisso de uma maneira geral de

demonstrar através da prática clínica o uso do barro como mediador entre o

inconsciente e o consciente, mas de uma forma não apenas baseada na literatura

encontrada, e sim, transmitindo ao leitor a emoção e a transformação que ocorre

no setting Arteterapêutico.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO 1 10 O USO DO BARRO COMO MATERIAL OBJETO EM ARTETERAPIA 10

CAPÍTULO 2 16

O PASSEIO PELA NATUREZA 16

CAPÍTULO 3 27

O PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO 27

CONCLUSÃO 35

BIBLIOGRAFIA 37

ÍNDICE 40

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INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como objetivo demonstrar a utilização do

barro como objeto material no ateliê terapêutico ou em ateliê livre e a relação

deste com a transformação pessoal.

Sendo o barro um material oriundo da própria natureza, ao se ter

contato com ele, entramos também em contato com um conteúdo desconhecido,

que naturalmente vai se revelar, onde inconsciente e consciente, caminham

juntos.

No decorrente trabalho, irá se fazer o elo entre os quatro elementos da

natureza: água, terra, fogo e ar, elementos existentes na matéria bruta do barro

(do seu si-mesmo), com os tipos psicológicos de C.G.Jung, e o retorno a função

arquetípica da Grande Mãe, que é a natureza primitiva primordial, possibilitando

mudanças que são inerentes à nossa vontade.

O processo é mágico, quando se pensa, na potencialidade deste

material. O poder do passo a passo da execução do símbolo inconsciente que se

materializa no consciente, as emoções que ocorrem quando se depara com a

“peça-símbolo” pronta, frente a nossos olhos, é de profunda transcendência.

No capítulo 1, o uso do barro como objeto material em Arteterapia será

analisado quanto ao seu uso e o que remete quando na sua manipulação levando

o indivíduo a refletir a si mesmo, propiciando um estímulo ao seu processo

individual de crescimento e auto-estima.

No capitulo 2, o passeio pela natureza versará sobre a natureza interior,

presente tanto no barro como matéria prima, como no interior de cada indivíduo,

segundo os conceitos Junguianos , finalizando com os recursos obtidos através

de inconsciente, obtendo assim imagens simbólicas que nos despertará para a

transformação pessoal..

No capítulo 3, o processo de transformação, será demonstrado que na

manipulação do barro entra-se em contato com a essência primitiva, através do

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elo primordial da inconsciência, a união deste com o consciente onde o processo

alquímico da transformação é acionado.

O uso do barro como objeto-material propicia o surgimento de um novo

ser, mais autônomo, mais feliz, mais coerente consigo mesmo. A argila contém as

propriedades necessárias para conduzir a esta direção, pois tem a mesma

natureza química do ser humano, é um material por assim dizer completo.

Quem o experimenta, jamais o esquece! Torna-se vício de constante

trabalho interior e caminho espiritual.

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CAPÍTULO 1

O USO DO BARRO COMO OBJETO MATERIAL EM ARTETERAPIA

Cada ser é único e recebe a Vida para desenvolver seus potenciais, e a Arteterapia contribui para que cada ser humano chegue a sua Essência. A arte, utilizada terapêuticamente facillita-nos a encontrar o nosso ouro, o nosso Si-mesmo. (DINIZ apud PHILLIPINI, 2009, p. 9)

1.1 A Escolha do Material

Sendo o ateliê terapêutico um local de expressão do “eu”, ele se torna

um espaço onde há necessidade de apresentar materiais e ferramentas para que

haja o encontro do potencial criativo e imaginário. Cada material em si guiará o

indivíduo, segundo as suas ordens específicas para elaboração do processo.

“Cada uma de suas propriedades torna-se altamente significativa para o sujeito na

medida em que este perceba que elas o ajudam ou limitam às suas tentativas de

expressão.” (PAIN, 2009, p.69)

E, por que da escolha do barro como material guia, já que existe o

encontro diferente em situações diferentes?

Segundo Álvaro Gouvêa em seu livro ”O Sol da Terra”, a escolha do

objeto material pelo analista, no caso o facilitador em Arteterapia, é uma tarefa

difícil que requer atenção do arteterapeuta, além de conhecer os diferentes tipos

de materiais e técnicas ele deve estar atento ao seu cliente, pois é ele que dá

pistas do material que deverá ser utilizado, despertando a criatividade e

conseqüentemente libertando conteúdos do inconsciente.

(...) encontrar o objeto que fará surgir a palavra, o gesto, a vivência necessária ao processo de transformação, de mudança do indivíduo, não é tarefa fácil, sendo que o facilitador deverá estar sempre atento às diferentes situações imaginárias que o objeto desperta. (GOUVÊA, 1989, p. 52)

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A proposta do presente trabalho é justamente apresentar o material

“barro” como uma forma de elaboração desse potencial criativo adormecido no

inconsciente pessoal, passando, sem dúvida, por uma situação genérica ancestral.

Em outras palavras, no ponto de vista da Teoria Analítica, é o inconsciente

coletivo vindo à tona num primeiro momento e depois o encontro com o

inconsciente pessoal, até a consciência materializada em forma de símbolos, ali

decodificada.

A arte é um instrumento essencial para o desenvolvimento humano daí seu efeito terapêutico. Auxilia a lidar melhor com seus conteúdos internos, estabelecer seu equilíbrio emocional, encontrar sua própria linguagem expressiva, exorcizar seus demônios e também, assimilar o numinoso. Estas imagens se despotencializam ao serem concretizadas em produções artísticas. (DINIZ, 2003, p. 112).

É importante citar que a escolha deste material seja também para quem

está no papel de facilitador, um “íntimo domínio”, para que não haja possíveis

projeções e transferências tanto positivas quanto negativas que levem o indivíduo

à resistências e, durante o processo, entender claramente todas estas questões

que envolvem o barro, firmando um acordo entre o analisando e o facilitador onde

a mediação por meio deste material torne-se completa, proporcionando uma total

integração e disposição para a transformação.

No que diz respeito à escolha do Objeto Material, cabe ao analista sintonizar-se com aquele que em sua constituição natural ofereça-se a ambos (analista e analisando) e, que no encontro que vier a se estabelecer entre os três o prenúncio de algo novo, salutar e criativo se faça sentir. (GOUVEIA, 1989, p. 47).

Ostrower escreve a respeito do potencial transformador quando na

utilização de materiais comenta o dinamismo “em que a matéria, que orienta a

ação criativa, é transformada pela mesma ação. Transformando-se a matéria não

é destituída de seu caráter. Pelo contrário adquire unicidade e é reafirmada em

sua essência.” (2008, p. 51)

E ainda quando comenta sobre a produção de um jarro de argila há 5

mil anos por um artesão desconhecido, faz menção dessa ação criadora e

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transformadora que a arte proporciona ao homem, onde traz emoções muitas

vezes adormecidas levando-o a criar e se recriar.

(...) algum homem com um propósito bem definido, em moldando a terra moldou a si próprio, impregnou-se com a presença da vida, com a carga de suas emoções e de seus conhecimentos. Criando ele se recriou. (OSTROWER, 2008, p.51)

A argila é composta por silicatos de alumínio hidratados, é o que lhe dá a plasticidade é a alumina, e quando há o predomínio das sílicas, ela se torna mais porosa e quebradiça.

Sua extração se dá nas chamadas ”barreiras” (encosta feita de barro), e a forma ainda é primitiva, retirada manualmente, purificada e peneirada ou socada em blocos não modeláveis. Adiciona-se água a esta, em quantidades apropriadas, onde se obtém a argila líquida a ”barbotina”, é misturada com um grande bastão, até que se inicie a obtenção de uma massa consistente. A barbotina também serve para o processo de colagem das peças ainda antes de entrar no forno para o cozimento.

Após esse processo ocorre a homogeneização e eliminação de bolhas de ar através da socagem, para evitar o trincamento após o cozimento da obra. A massa sempre deverá ser guardada em local úmido e bem acondicionado, por material como saco plástico, para que as propriedades sejam resguardadas.

Hoje em dia, nos países mais desenvolvidos o processo desde a exploração à estocagem é feito de forma simplificada pelo surgimento de máquinas que executam a extração, trituração e peneiração. “A argila, por sua história e qualidades, não pode, de maneira alguma, ser assimilada à massa de modelar, familiar às crianças.” (PAIN, 1996, p.107)

Encontra-se uma variedade de cores da argila:

(...) cada terra possui uma composição própria e plena de elementos enriquecedores de sua massa primordial. O colorido da argila transmuta na história, que é tão antiga quanto a origem de nossos planeta,desta nossa terra ,deste nosso mundo, conhecido e desconhecido em um ir e vir dos tempos e da humanidade. (ALLESSANDRINI, 1996, p. 87)

Desta forma, a escolha do barro foi aqui selecionada, por ser este um

material essencialmente rico, com propriedades ímpares, onde há a preocupação,

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por parte do facilitador em propiciar ao indivíduo, uma comunhão consigo mesmo,

através de suas mãos, transmite o calor necessário para sua recriação.

1.2 A Manipulação do Barro

Diante da massa bruta e escura, segura-se, aperta-se, pesada e leve,

molhada e seca, faz-se furos e os compacta, dá-se socos e acaricia-se retira-se as

impurezas, monta-se, desmonta-se, chega-se até a cheirá-la, lisa sensual, fria,

quente, agrada crianças, adultos e idosos ou odeia-se, fluida e consistente quando

se permite ser, até que se dê uma significação, um fim.

O barro ou a argila como muitos preferem citar, é um suporte maleável,

flexível, sujeito às mudanças de temperatura ao encontrar-se com as mãos. Ele

proporciona o contato com o material inconsciente da psique, para depois

transformá-lo em produções, em expressões reconhecíveis de suas vivências

internas.

No encontro com as mãos, no caso com o barro, a significação emocional é transmitida em concreto ao mundo da consciência, adquirindo solidez, uma forma, em contorno e, dentro do próprio espaço terapêutico uma nova linguagem. (GOUVÊA, 1989, p. 55)

Alguns autores comentam que o encontro com o barro vai além das

mãos, vai ao corpo, além do corpo, vai à alma, ao espírito e, neste entendimento

que se pode dizer que o espelhamento ocorre. “Carrano coloca a argila como um

‘espalho de auto-expressão’, onde o indivíduo aceita suas limitações, organiza

seus conflitos, suas escolhas, facilita o contato consigo mesmo.” (apud CHIESA,

2009, p.55)

Pain e Jarreau (1996) dizem que a modelagem tem uma ligação com o

corpo transmite sensações cinestésicas, fazendo com o sujeito que a manipula

imprima na argila toda a tensão e sensações que está sentindo, quando amassa,

fura, bate, cheira, ele está materializando sentimentos.

... modelagem apela diretamente ao corpo: às sensações transmitidas pelas extremidades dos dedos, à modulação da

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pressão e tensão muscular à diferenciação profunda dos gestos, ao maior compromisso de toda postura e da dinâmica do corpo que modela. A modelagem supõe a construção de elementos materiais diferenciados obtidos a partir da coordenação entre alguns gestos, em geral repetidos, e seus resultados bem definidos. (PAIN, 1996, p. 142 e 125)

A flexibilidade e a maleabilidade da argila adaptam-se às mais

variadas necessidades, atraente para qualquer idade e é fácil se tornar uno com

ela, pois esta oferece tanto experiências táteis quanto cinestésicas.

A Argila é um suporte a nossos afetos, é interessante analisar diferentes atitudes suscetíveis de se desenvolverem frente a ela, assim como os diferentes modos de aproximação que se pode propor em um ateliê terapêutico.”(PAIN, 1996, p.106)

Conforme afirma Oklander (1980) a argila por ser sensual leva a uma

ponte entre os sentidos e os sentimentos, a auto-estima é fortalecida pelo barro.

Em crianças, onde é maior seu enfoque, o terapeuta pode ver o que se passa com

elas observando a forma como trabalham, constituindo um elo de ligação verbal

para aquelas que ainda não falam, e por outro momento, proporciona silêncio e

escuta interior para aquelas que se expressam demais. A repulsa ao material por

ser ‘sujo’ também é um sinal de observação importante a processos emocionais

mais delicados a serem conferidos e trabalhados com mais cautela.

É preciso estar atentos ao poder criativo ao se manusear a argila. Esta

aciona o potencial adormecido e esquecido da fase infantil sendo este um

fenômeno universal nas crianças e raro nos adultos

Goswami (2008), comenta que ao observar os estudos de Piaget onde

se estabelece que o desenvolvimento infantil ocorre por meios de processos de

assimilação, acomodação e equilibração, designou o termo de equilibração

hierárquica o passo definitivo para o “salto“ no qual se internaliza um contexto

lógico, é esse salto criativo o que se chamou de abstração reflexiva, o salto

”quântico“ no qual considera que este seja o momento limitador do indivíduo que

se tornará um adulto criativo ou não. Uns continuarão exercendo atividades

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materiais, e outros exercitarão atividades abstratas e significativas com um sentido

mais profundo nas coisas, dando continuidade aos processos quânticos.

A criatividade em adultos, para David Feldman (1986):

(...) provém de um ajuste precoce entre seus talentos e sua área de atividade, e que provavelmente essas crianças receberam de forma intencional ou acidental, atenção e treinamento especial para desenvolver um talento especial. (apud GOSWAMI, 2008, p. 244)

Chiesa (2009) brilhantemente, se reporta à utilização do barro, faz

alusão ao estudo de Kagin e Lusebrink (1978) onde quatro níveis de interação

com materiais refletem os diferentes modos de expressão humana: sensório-

motor, o perceptual-afetivo e o cognitivo-simbólico, sendo o último o criativo. Num

nível motor, o movimento de bater e amassar a argila através da ação corporal

libera energia. Em nível sensorial, tocar o barro provoca sensações internas, que

ao fechar os olhos, torna-se possível aprofundar mais e, ter a oportunidade de se

sair do controle. No nível da percepção, o indivíduo vive um distanciamento, para

que uma ordem formal seja estabelecida e se estabeleça uma interação

“isofórmica” (Arnheim, 1996). Ou seja, onde a forma representa a realidade interna

do indivíduo. O afeto estabelece-se neste momento que surgem os sentimentos

expressos ou não. Cognitivamente o barro tem a função de estruturação, aberta a

possíveis soluções para problemas e o trazer do simbólico auxilia no processo

onde se depara com o concreto.

A criatividade é na verdade o produto final deste diálogo entre o

indivíduo e o material. As experiências pessoais, comum a todos os autores

citados até o presente momento, ratifica a apropriação de suas vivências.

Sendo assim este encontro com o material objeto escolhido, leva ao

indivíduo que o aceita, a proposta inicial do encontro com o si-mesmo, o retorno a

sua imagem arquetípica, onde a Grande Mãe Natureza a abriga.

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CAPÍTULO 2

O PASSEIO PELA NATUREZA

Estamos rodeados e envoltos por ela (natureza), sem convidá-la e sem sermos prevenidos, ela nos envolve e nos leva para a roda de sua dança. (GOETHE apud VALLE, 2002, p.22)

2.1 Os Elementos da Natureza e os Tipos Psicológicos

Quando refere-se à natureza lembra-se, de lindos campos verdes,

montanhas, mares, rios, florestas, céu azul, flores, frutos, raízes que alimentam,

mas também nuvens furacões, enchente avassaladoras, tormentas, enfim tanto

situações belas quanto situações indesejáveis que “ela” impõe.

Pensar na Natureza referente à semelhança ao barro é dar atributos a

este de total igualdade, sendo um constante permear de sensações aprazíveis e

desprezíveis frente à ação deste material.

A terra é presente com diferentes nuances e texturas, frente a água que

a envolve lentamente e aos poucos se mistura, amolece e se compacta, cheia de

bolhas de ar, e endurece à ação do calor e do vento e, volta a amolecer frente a

chuva. É, neste caminho, que se está sujeito aos rumos dessa imensidão

desconhecida.

O barro é a nossa base, o nosso mais tradicional abrigo. A água vai amolecê-lo, dando uma plasticidade maior a matéria prima e tornando mais fácil a concretização das imagens psíquicas. O ar evoca o sopro divino, “o mito especial da criação do mundo e da espécie humana”.O fogo surge como última etapa do processo. Terminada a modelagem, ele é necessário para secar e endurecer o barro, no sol ou no forno. Alquímico, vai transformar o que era mole e úmido em duro e seco. Processo de transformação simbólica, já que o fogo é sinal de modificação na essência. Todas as civilizações tiveram cerimônias ritualísticas de transformação espiritual através do fogo. (ZALUAR, 1997, p.13).

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A natureza humana é formada pela união dos quatro elementos, não apenas em nível físico, mas a nível das emoções e a personalidade é influenciada pela presença da água, da terra, do fogo e do ar. Referir-se a natureza é referir-se ao primitivo, como será visto em capítulo adiante, mas quando se refere a esses quatro elementos básicos da natureza, passa-se a ter situações interiores diferenciadas e, na passagem destas é que se chega ao tão almejado equilíbrio e supostamente a transformação.

A antiga filosofia grega também estava baseada na doutrina dos elementos que eram equacionados com as quatro faculdades do homem: moral (fogo), estética e alma (água), intelectual (ar), físico (terra). Modernamente esses elementos constituem a base da astrologia, de todas as ciências ocultas e de algumas religiões.

Os elementos têm sido tradicionalmente divididos em dois grupos: Terra e Água, considerados passivos e receptivos; Fogo e Ar considerados ativos e auto expressivos. “Também se relacionam à concepção grega das duas expressões de energia: Apolônia (fogo e ar que, ativa e conscientemente formam a vida) e Dionísia (água e terra, que representam forças que se manifestam de modo mais inconsciente e instintivo”.) (ARROYO apud NAKANO, 1989, p.69 e 70).

Historicamente, estudiosos como Aristóteles, Goethe, Rudolf Steiner

entre outros comungavam um pensamento único, onde o ser humano, frente a

materialidade e o consumo, vê-se perdido de sua essência e esquece-se de que

existem como seres individuais, dentro de um mundo coletivo, microcosmo dentro

de um macrocosmo, portanto a importância de se cuidar do algo mais que o

habita. Campbell (1997) coloca como “preservar a Natureza”, e o do que venha a

ser natural, é o cuidar de si mesmo de nossa própria preservação.

No começo do século, o austríaco Rudolf Steiner já abordava o

conhecimento sobre os temperamentos humanos e os relacionou a estágios de

evolução espiritual, onde esses se tornam um dos pilares da Antroposofia, ciência

holística na qual o homem é visto como um todo, considerando-se corpo, mente,

alma e espírito, a todas as questões que o envolvem, intrinsecamente ligados.

Têm-se uma ordem humana quaternária, ligada aos elementos da natureza e aos

fluidos. E sistemas originando quatro tipos de temperamentos: colérico,

sanguíneo, fleumático e melancólico, sendo esses, vitais sinais de observação no

conceito antroposófico. Esses temperamentos são opostos, porém os visinhos se

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interpõem e se misturam. Por exemplo, um melancólico é oposto a um sanguíneo,

e um fleumático oposto a um colérico, a disposição é similar a conhecida tipologia

de Jung a qual é descrita um pouco mais abaixo.

Steiner (1990) usou como base a teoria hipocrática-galênica, onde cada

pessoa nasceria com uma certa combinação de “temperos” dos quais os humores

básicos, sangue (quente – úmido - ar); fleuma (fria e úmida - água); bílis negra

(fria - terra) e bílis amarela (ardente - fogo) deveriam se equilibrar, mas na maioria

dos casos havia uma predominância de um ou dois humores, e isso contribuiria

tanto para a formação dos tipos físicos diferentes como personalidades diferentes.

Steiner (1990) comentava que um ser humano é um enigma para os outros

e para si mesmo, devido à natureza da essência peculiar a cada um.

Ao observar a vida humana com olhar abrangente, devemos ficar especialmente atentos a este enigma individual do ser humano, porque toda a nossa vida social, o nosso comportamento de pessoa para pessoa deve depender mais de como, em cada caso isolado, somos capazes de aproximar-nos, não só da razão, mas com o sentimento e a sensibilidade, desse enigma único que é cada homem com quem cruzamos muitas vezes todos os dias e com quem frequentemente temos que lidar. (STEINER, 1990, p. 10)

Mas foi com o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), com a

divulgação em sua teoria dos ”Tipos Psicológicos” que esse conceito ganhou

ênfase, onde Jung observou que o indivíduo, para relacionar-se com o mundo na

presença de outro, torna-se sempre um grande desafio. Em seu trabalho distingui

dois tipos de relação frente ao encontro do ‘objeto’, um extrovertido, e outro

introvertido, baseados na maneira como esse indivíduo se relaciona com o outro

no mundo. No introvertido a energia psíquica, a qual denominou de libido, recua

diante do objeto, e no extrovertido, ela flui, dessa forma generalizou-se os termos.

(SILVEIRA, 2000)

Porém havia mais do que isso e concluiu que para adaptar-se ao

mundo havia diferenças psíquicas sutis, a que denominou de “funções psíquicas”

(pensamento, sentimento, sensação e intuição), que agindo em conjunto com os

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dois tipos de personalidade, serviriam como guias, como uma espécie de pontos

cardeais de orientação, onde o ideal seria um passeio constante por essa

natureza interior, saindo claro, de um ponto principal, sua maior característica.

As quatro funções são um pouco como os quatro pontos da bússola; elas são igualmente arbitrárias e igualmente indispensáveis. Nada nos impede de alterar os pontos cardeais tantos graus quantos desejamos em uma ou outra direção, ou dar-lhes nomes diferentes. (JUNG apud SHARP, 1995, p. 107)

No momento em que as funções agem como uma bússola, têm-se

essas dispostas duas a duas, em oposição, permeadas com as características de

extroversão e introversão. Portanto tem-se um total de oito tipos psicológicos,

onde um desses ocupa a função principal ou superior, sendo seu opositor a

função inferior, uma função secundária e outra auxiliar, vide abaixo, um esquema

dessas representações por Sharp (1988, p.112) e a descrição desses a seguir:

Dessa forma um indivíduo possui características diferentes ao longo de

sua existência:

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• A Função Sensação refere-se ao que é tangível, a realidade objetiva, ao

presente, ao aqui e agora, aos sentidos físicos, a forma, a Terra.

• O Pensamento ao que é significa, discrimina, julga, classifica, ligado às idéias,

ao lógico e a imparcialidade, ao intelecto, a linha, ao Ar.

• O Sentimento, o que nos vale, estabelece um relacionamento cultivado pelo

coração, permite a flexibilidade e a maleabilidade, a cor, a Água.

• A Intuição ligada a possibilidades futuras, a percepção do inconsciente, a

apreensão da atmosfera, planejar ante ao executar, ao ponto, ao Fogo.

Os elementos água e a terra são ligados ao feminino, já os elementos

ar e fogo ligados ao masculino, ao lidar com esses elementos contidos todos em

um só, isso permite ao indivíduo desenvolver a adaptação necessária ao seu

processo de equilíbrio proposto. É quando a função que seja preponderante ou

principal vai se ajustando as demais, permitindo aos poucos a proposta

Junguiana.

Para Jung (apud Silveira, 2000) seria ótimo que as quatro funções

acontecessem em proporções iguais para que estabelecêssemos ligações com os

objetos sob seus quatro aspectos, haveria uma distribuição equivalente da energia

necessária à atividade de cada função ele chega a admitir o perigo quando uma

dessas funções é sublimada, pois há o perigo do escape do consciente,

mergulhado no inconsciente, podendo provocar perturbações neuróticas (onde só

atuaria a função inferior), por outro lado, esta poderá vir a ser trabalhada

terapeuticamente como ponte entre o consciente e o inconsciente.

Tem-se nesse momento a nossa atuação como facilitadores, utilizando

o barro como material objeto, onde o contato do indivíduo com os quatro

elementos presentes neste, o faz sentir e tocar o barro dando-lhe uma

significação, deparando-se com a consciência, o faz experimentar sensações

prazerosas ou angustiantes, momentos de dor inconsciente, de escuridão, o faz

pensar a respeito de sua produção, ou do que irá produzir, com o calor das mãos

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transforma, organiza, simboliza o que antes era frio, escondido, faz seu passeio

pela Natureza, de uma forma sutil, porém com um potencial próprio de

possibilidades de transformação.

... na ânsia em encontrar a si mesmo, de dentro o homem busca-se fora e o encontro acontece na natureza, a raiz mesma do homem numa ruptura com a mesmice de uma imagem grudada à sua essência, à sua existência o homem passa a coexistir com o objetável do objeto. (GOUVÊIA, 1989, p.27)

Portanto em sua totalidade o barro desempenha a função de guiar o

seu manipulador, norteando-o em direção a sua cadência individual, quando nos

momentos de silêncio se dialoga com ele consegui-se trazer a tona conteúdos do

inconsciente, isso traz grande benefício, mesmo que não se consiga naquele

momento compreender o significado do que foi criado. Quando se cria, se

concretiza algo, entra-se em contato com a alma.

2.2 Os Símbolos - Imagens do Inconsciente

Quando se pensa em símbolos, muitas vezes há uma confusão entre

marcas, logomarcas e sinais, mas a palavra símbolo no contexto presente, vai

muito mais além, não podem ser definidos de uma maneira prática e rápida, como

se consultá-se um manual de instruções.

Um símbolo não traz explicações; impulsiona para além de si

mesmo na direção do sentido ainda distante, inapreensível,

obscuramente pressentido e que nenhuma palavra da língua

falada poderia exprimir de maneira satisfatória. (SILVEIRA, 2000,

p.71)

As imagens obtidas no trabalho arteterapêutico com o barro derivam da

mesma fonte das demais modalidade expressivas utilizadas, onde o estímulo a

criatividade está presente em todo o momento terapêutico. Os símbolos provêem

de um caldeirão adormecido, como uma força orientadora que brota no

inconsciente, uma inesgotável fonte de energia. “As imagens, os símbolos e os

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mitos não são criações irresponsáveis da psique; elas respondem a uma

necessidade e preenchem uma função: revelar as mais secretas modalidades do

ser.” (ELIADE apud URRUTIGARAY, 2008, p.33)

Um bom exemplo para o entendimento do que venha a ser consciente e

inconsciente, pode ser claramente esclarecida, segundo Nise da Silveira, onde

representa-se a psique como um vasto oceano (inconsciente), no qual emerge

pequena ilha (consciente). Dessa forma, projeta-se situações escondidas nesse

inconsciente de uma maneira generalizada, comum a todos, como se tivesse a

mesma linhagem inicial, um tronco guia ao que na linguagem Junguiana chama-se

de Inconsciente Coletivo, e outro mais, diga-se, amenos, de camadas mais

superficiais, quase no limite do consciente, ao que chama-se de Inconsciente

Pessoal.

No Inconsciente Pessoal as experiências são próprias, individuais,

enquanto que no Inconsciente Coletivo as experiências são impessoais,

ancestrais, transmitidas por hereditariedade.

De acordo com a idéia de hereditariedade temos um depósito de

vivências, emoções, tendências semelhantes, chamadas de arquétipos.

Arquétipos seriam como protótipos de conjuntos simbólicos, tão profundamente

gravados no inconsciente que dele constitui uma forma de estrutura.

Arquétipos seriam como uma espécie de consciência coletiva. Desempenham papel motor e unificador considerável na evolução da personalidade.

Na alma humana são como modelos pré-formados ordenados e ordenadores, conjuntos representativos e emotivos estruturados, com dinamismo formador. (CHEVALIER, 1999, p.19)

Assim, os arquétipos agem funcionando como nódulos de energia psíquica

que se transformam em imagens arquetípicas que são enviadas em sonhos, por

exemplo. Esses conteúdos oníricos são comuns ao ser humano e postulam a

existência de uma base psíquica primitiva, onde esta fonte se torna inesgotável

que sofrendo mutações constantes.

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Jung não deposita muita confiança nas possibilidades de sublimação de impulsos do inconsciente. Prefere dar-lhes expressão, confrontá-los, para depois tentar integrá-los. Dar forma objetiva às imagens subjetivas, às experiências internas é estar a caminho da individuação. A apreensão de imagens, sua retirada da torrente avassaladora de conteúdos do inconsciente, permitirá que elas sejam despotencializadas de sua força desintegradora e que sejam confrontadas. Traduzir as emoções em imagens que estão ocultas nas emoções é tarefa fundamental do analista. (SILVEIRA, 1979, p.16)

O inconsciente age como uma “franja do consciente”, são conteúdos que

ficaram, diz-se assim, esquecidos por um momento, tudo que não se está

sentindo, pensando ou agindo de forma voluntária, todas as coisas que serão

feitas no futuro e chegará a um determinado momento no consciente. Dessa forma

o consciente e o inconsciente parecem dialogar constantemente onde a imagem

simbólica aparece como mediadora, seguindo uma forma ordenadora. Ostrower

nos diz que “o formar, o criar, é sempre um ordenar e comunicar, não fosse assim

não haveria diálogo”. (2008, p.24).

2.2.1 O Processo de Modelagem

Uma vez que o processo de modelagem, com o barro, remete a fontes

primitivas ancestrais, ele faz repetir gestuais antigos esquecidos na memória,

como se nunca tivesse entrado em contato com tal situação. A argila sendo

amorfa necessita ser transformada e ganhar uma significação, ganhar um

conteúdo, o qual o indivíduo a utiliza para a transposição do inconsciente para o

consciente.

A manipulação concreta do barro é sustentáculo importante de amadurecimento do cliente em arteterapia. Ao amassar e moldar, a pessoa, impelida pela enorme plasticidade do material e por sua conotação simbólica, torna consciente as imagens que existem por detrás das emoções. (ZALUAR, 1997, p. 13)

Quando o indivíduo se depara com a massa bruta do barro e realiza a

idéia, dando uma forma, um conteúdo uma expressão própria, este frente aquela

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transformação, se encontra e se espelha, perante o objeto. “O barro instaura

instantaneamente a certeza de que a imagem que faço refletir nele é distintamente

um ser diferente de mim embora me contenha.” (GOUVÊA, 1989 p.67)

Seja numa expressão livre ou através de uma expressão dirigida, seja

em expressões banais ou não, os caracteres conceituais surgem de forma

espontânea, assim o manuseio com o barro permite ao indivíduo a tomada de

consciência.

No barro o homem cria e é criado. Vivencia a si mesmo como criatura e criador. No barro ele encontra o espaço da divindade em si. Cria a si mesmo a imagem e semelhança de Deus e dá vazão a sua onipotência sem precisar enlouquecer. A consciência se aproxima da inconsciência ao penetrar nas trevas oriundas da própria matéria. Na alma do barro desvela-se a alma do homem. Na natureza do barro a psique do homem se refugia. (GOUVEIA, 1989, p. 59)

Observando ou sendo observado, os comportamentos, as atitudes e os

sentimentos são expressos de forma que todo seu corpo participa dessa ação,

projetando-se. O papel do facilitador neste momento é crucial, pois a imagem

simbólica representada é apenas uma síntese desta significação. Deve-se ter

atenção minuciosa e delicada a todos os processos corpóreos, desde o primeiro

contato com a massa bruta amorfa até a conclusão final da proposta simbólica.

O “Ser” do barro é massa que, unida à faculdade de formar imagens que o analisando possui, e ao calor de suas mãos, pode transformar, construir um mundo vivo. A plasticidade, a viscosidade e o sol do barro se juntam à plasticidade, e à viscosidade da libido, presentes no calor das mãos do analisando para fluírem juntas no sentido de encontrar uma saída da inércia que o analisando, o analista e conseqüentemente a análise possa se encontrar no momento. A inércia psíquica é ultrapassada quando se dá o encontro no trabalho com o barro.[...] Concluída a construção buscaremos nelas as metáforas possíveis.

O barro se enrola no imaginário do analisando, penetra no reino da pedra que há em seu interior (o Ego) ajudando-o a sonhar seus devaneios, os mais íntimos. E quando se ergue no objeto externo [...] todas as suas riquezas internas do momento são arremessadas ao exterior e os signos do mundo interno, o desenho e a fenda que há no objeto criado, possuem tanto sentido quanto os sonhos que revelam sua alma.(GOUVEIA, 1990, p.58).

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A maneira de o indivíduo pegar o barro, suas mãos emitindo calor

suficiente neste primeiro momento, na relação com a elasticidade, maleabilidade é

quando se percebe a água, o ar, a porosidade já mencionada.

Se há uma proposta pré-estabelecida ou o significado vem ao acaso

por intuição, se esses conteúdos são de origem estética ou decorativa, se são

conteúdos dramáticos ou exaltam a alegria, infância, maturidade, se há delicadeza

ou raiva no tônus muscular, se há palavras, qual o sentimento que o analisando

demonstra, temor sofrimento. Suas vivências são originadas da alegria, tristeza,

ansiedade, perturbação mental, se sente recusa ou abraça o trabalho? Como

esculpi ou escava para que as formas sejam projetadas? Essas formas são planas

em placas, com muito ou poucos conteúdos, são tridimensionais, grandes,

pequenas, são polidas ou com arestas? Utiliza-se de instrumentos pré-existentes

ou os inventa, se trabalha sentado ou em pé, como se sente ao ‘ocar’ a peça, o

que sente quando esta quebra ou desmorona, e quando vai até o forno? Este é o

grande momento de expectativa, pois é onde ocorre a manifestação de sua

característica de seu traço que será perpetuado e que se obtém o resultado final

da proposta de significação.

É importante estimular o sujeito à criação até o seu conteúdo

final, onde estará obedecendo a ordem nata dos símbolos: quanto a exploração,ao indeterminado, à mediação e a unificação, e exercendo também uma função pedagógica. (CHEVALIER, 1999).

Um indivíduo encontra sua descrição mais profunda no símbolo [a] Este não apenas descreve um ser individual, sua ontologia pessoal, mas o move na direção energética de sua elaboração. Encontramos nosso símbolo a partir de nosso mundo, e ele se torna o sinal “secreto” de cada um, nossa personalidade simbólica. (GRIMBERG, 2003, p. 171).

A compreensão da maneira como os símbolos se organizam e o que

representam é primordial na prática funcional. Este é reconhecido através de duas

características principais: a primeira é a capacidade de estruturação que concentra

a energia psíquica e a redistribui de maneira a transformar os processos

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inconscientes em conscientes e vice-versa, articulando vivências do passado,

presente e futuro; a segunda é que todo símbolo tem sua base numa estrutura

arquetípica universal e genética, vivências históricas tanto a nível individual como

social. (PHILIPPINI,1989)

A imagem interna não é um simples conglomerado de conteúdos do inconsciente. Constitui uma unidade e contém um sentido particular: expressão da situação do consciente e do inconsciente, constelados por experiências vividas pelo indivíduo. (SILVEIRA, 2000, p. 82)

Sendo assim o processo criativo restaura o indivíduo, permite o poder

da observação, audição, experimentação. Promove eventos muitas das vezes

metafóricos os quais são decodificados, à medida que as imagens simbólicas são

solicitadas do inconsciente ancestral e expressos concretamente, frente à

consciência.

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CAPÍTULO 3

O PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO

O mundo tem uma origem Que é a Mãe do Mundo, Quem encontra a Mãe para conhecer os seus filhos; Quem conhece os seus filhos e se volta de novo para a Mãe, estará livre de todo perigo por toda a sua vida. (LAO TZU apud TAO TE KING, 1989, p.91)

3.1 A Grande Mãe Arquetípica

Ao entrar no conceito da Grande mãe arquetípica refere-se a base

primordial. A Grande Mãe é o estágio mais primitivo, mais profundo do

inconsciente.

O contato com o barro, como antes dito, permite a entrada neste

conteúdo cavernoso adormecido, que se iguala ao útero materno.

A sabedoria feminina inconsciente interpretada como aquisição de consciência, torna-se princípio transformador de mentalidades e atitudes. Através desse arquétipo aprofundam-se padrões psicológicos submersos no inconsciente coletivo que podem ser expressos por meios da criatividade e inspiração.(RIBEIRO, p. 206)

Neste conteúdo desconhecido que se funde ao conhecido, vem à tona

uma nova vida, uma nova imagem interna, onde a criação se manifesta. Inicia-se

assim o processo inconsciente dialogando com o consciente, através de imagens

simbólicas arquetípicas.

Em nosso caminhar pela vida existe uma intencionalidade, um objetivo a ser alcançado: o da realização da totalidade individual, com a integração de todos os aspectos de nossa personalidade originária [a] O processo deindividuação deve levar a relações coletivas mais intensas, e não, ao isolamento [a] O objetivo final é a integração de consciência e inconsciente [a] De um lado, a

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identidade pessoal livra-se dos invólucros da Persona, através da qual fugimos de nossa individualidade, muitas vezes adotando um papel rígido e artificial. De outro, a personalidade livra-se do poder sugestivo das imagens primordiais, ou seja, da possessão pelos arquétipos (GRINBERG, 2003, p. 176 e 177).

Essas imagens provêem a princípio, de conteúdos mais primitivos, mais

profundos, no qual reverencia-se a Grande Mãe. “Esse arquétipo é mais poderoso

do que qualquer outro, pois pode despertar medos irracionais e de distorcer a

realidade”.(BOLEN, 2007, p. 46).

A Grande Mãe, nos conceitos de Newmann, é a mãe bondosa e a mãe

terrível. Com a evolução da consciência, percebe-se que o mesmo ente conjuga

essa duas qualidades, ou seja, a Grande Mãe exerce o ambíguo papel de gerar e

devorar a vida, ora ela é útero, ora é túmulo. “A Grande Mãe benéfica era

representada através dos mitos, quando os presenteava com as riquezas da terra

e a Grande Mãe terrível, quando os castigava com a força de seus elementos.”

(NEWMANN apud RIBEIRO, 2008, p. 12)

A imagem mais antiga e legítima encontrada da Deusa está na fase

inconsciente da humanidade, num período anterior à agricultura, quando essa

divindade incorpora o gigantismo da Natureza, e transcende a harmonia entre o

universo e a mulher, seu corpo inspira respeito e medo, pois experiência as

qualidades da Mãe-Terra.

Encontra-se seu nome na mitologia com diversas variações conforme a

nacionalidade. Tem-se como Mãe bondosa: Ísis, Gaia, e suas descendentes Rea,

Deméter, Hera, Afrodite, Cibele, Ártemis, Déa, Isthar. Como Mãe terrível: Nornas,

Moiras, Parcas, Lilith a qual originou Hárpias entre outras.

Todas essa faces da Deusa são análogas às formas e fenômenos da

natureza: montanhas, rios, mares, oceanos, labirintos, florestas, abismos, sol, lua,

que conectados a figura de animais representam a grande diversidade simbólica

do corpo da Deusa. (RIBEIRO, 2008)

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Através do trabalho com o barro, parte-se do princípio que este

manusear nos leva a ação dos elementos da natureza, e, por consequência à

ação do arquétipo da Grande Mãe, durante o processo, seja ele terapêutico ou

não, surgirão respostas mitológicas simbólicas, como todas que vêm da psique, do

inconsciente.

Porém, Newmann diz que jamais uma resposta simbólica deve ser

levada ao pé da letra, porque seria confundida com a resposta da consciência, o

que não tem valor nem para a psique e nem para o inconsciente. Um símbolo

deverá se mostrar como perfeito para a consciência e um destes que se encontra

perfeito originalmente para o autor é o círculo.

O círculo, o redondo, a esfera são aspectos do Autocontido, sem começo nem fim; na sua perfeição pré-mundo, precede todo processo, é eterno, porque, em sua rotundidade, não há antes nem depois, não há em cima nem embaixo, na há espaço. Tudo só pode existir com a Luz, da consciência, que ainda não está presente, aqui ainda domina a divindade não exteriorizada, cujo símbolo é, o círculo. (NEWMANN, 2008, p. 27).

Esse círculo é representado pela “Uroboros”, a cobra circular, o dragão

primal do princípio, que morde a própria cauda. Um símbolo do antigo Egito, que

representa a célula-semente da criatividade. A consciência é comparada a esse

uroboros maternal e todas as características da mãe boa estão evidenciadas

neste estágio, no qual vida e psique são uma só coisa é sempre realizadora,

doadora e auxiliadora, é refugio para a humanidade por ser contida no todo.

A uroboros representa o redondo que contém, o ventre o útero,

também a união do masculino-feminino, os ancestrais, pai e mãe unidos em

simbiose permanente. Dessa forma liga-se à origem da vida, a origem espiritual.

As fases do ego em evolução estão contidas aí.

Para que se possa interagir um pouco mais com a linguagem

Junguiana, a denominação de “ego”, é o que traz o sentido de permanência e de

existência das coisas. É o portador da personalidade, é o mediador entre os

conteúdos do mundo exterior, o centro do consciente e o mundo interior, o centro

do inconsciente. (STEVENS, 1993)

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Assim tudo que diz respeito ao profundo, ao abismo, a caverna, ao

mundo interior, a poços, a lagos, a vales, a mares, a terra, a casa, a cidade e a

fontes fazem parte deste arquétipo da Mãe Primordial. Tudo que circunda,

envolve, protege, preserva e nutre. Este envolvimento refere-se à mãe positiva,

porque é sempre realizadora, doadora e auxiliadora. Este retorno ao uroboros é

um acontecimento pleno de confiança, pois a consciência sempre sente o seu

redespertar.

Na natureza opositiva, temos o inconsciente como predominantemente feminino, dá a luz e faz surgir, assim como devora e absorve, e o sistema consciente-ego como masculino, ligados as qualidades da volição,decisão e atividade. Com o surgimento desta fase opositiva, temos o que pode-se dizer o surgimento da fase de separação dos “Pais primordiais”, onde se contém o início da independência do ego e da consciência, um estágio de incremento da masculinidade, entra em cena a fase patriarcal e o fortalecimento do ego. (NEWMAN, 2008, p. 102).

Também o pai primordial está representado na uroboros, unido à mãe,

inseparável. Assim céu e terra, pai e mãe, o em cima e embaixo, Deus e o mundo

se refletem mutuamente. Sua unidade é um estado de existência transcendente e

divina. Ligados ambos aspectos, a dependência entre o ego e a consciência

diante do inconsciente. A dependência entre a seqüência ”criança-homem-ego-

consciência” e a sequência “mãe-terra-natureza-inconsciente” ilustra a relação

entre o pessoal e o transpessoal, assim como a sua dependência recíproca.

(NEWMANN, 2008, p. 50)

Em todo momento, do processo terapêutico, estar em contato com o

Uroboros, o primitivo, é estar em contato com o “impulso criador do novo começo,

a roda que gira por si mesma, o primeiro movimento em espiral, como o

movimento ascendente em círculos de evolução.” (NEWMANN, 2008, p. 33)

À medida que o ego procura às apalpadelas encontrar o seu caminho para sair do uroboros, os opostos são constelados, e tem início o diálogo homeostático entre as partes conscientes e inconscientes da psique. (STEVENS, 1993, p.103)

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Assim sendo o processo de transformação irá ocorrer toda vez que

essa função primitiva for ativada. No caso presente a ativação se faz por meio do

contato com o barro, portador dos elementos da natureza, despertando o

arquétipo da Grande Mãe, permitindo um salto luminoso.

3.2 A Transformação

O processo alquímico se processa. Eis o momento que mesmo ainda

estando inconsciente surge à possibilidade de estar emergindo para a luz. Libertar

e recriar permiti novas descobertas. O caminho já está traçado.

O ser humano é portador de liberdade e de responsabilidade. A liberdade lhe é dada como capacidade de modelar essa matéria ancestral e o mundo ao seu redor. A liberdade lhe é dada como possibilidade para decidir se cultiva os anjos bons ou os demônios interiores. A ele cabe criar uma medida justa de equilíbrio, tirando partido da energia dos anjos e dos demônios e colocando-a a serviço de um projeto que se afina com a sinergia e a cooperação do universo. É sua chance de felicidade ou de tragédia. (BOFF, 1999, p.149)

A idéia da alquimia provém dos filósofos herméticos ou alquimistas

espirituais. Estes sempre entenderam que o verdadeiro laboratório alquímico era o

próprio homem, onde a meta seria em transformá-lo em um novo homem. Jung

acrescentou aos seus estudos, os símbolos alquímicos originados no

inconsciente, reencontrados nos sonhos e imaginações dos homens. (SILVEIRA,

2000)

Para Jung o “opus alquímico e o processo de individuação eram

fenômenos gêmeos ajustavam-se passo a passo.” (SILVEIRA, 2000, p. 121).

O barro é hermafrodita, contém o masculino e o feminino, tem o sol e a

lua, o fogo e a água todos contidos num só. Significa em “termos psicológicos que

a consciência (SOL) e o inconsciente (LUA), estão em correspondência em

duplicidade constante, o que dá ao inconsciente o caráter contraditório“.

(GOUVEA, 1989, p. 62). A superação dessas contradições surge no momento da

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união dessas forças sol e lua, para a linguagem Junguiana, o animus e anima

(encontrado em cada um de nós), forças opostas que se complementam, e dão

ordem ao nosso caos interno.

No contato com o barro o processo alquímico que diz respeito a união

entre o enfoque contemplativo, filosófico e uma investigação prática, química

sobre as possibilidades transmutacionais da matéria.

No processo empírico da alquimia a matéria bruta, pesada e rude se

transforma em um novo, um concentrado nobre através da dissolução, purificação,

refinamento, destilação e finalmente a transmutação.

A matéria então se torna símbolo desse processo alquímico, iniciado

pela natureza, cabendo à consciência do homem o engenhoso esforço de vir a

completar tal curso.O barro abre espaço a essa iniciativa uma vez que o trabalho

assemelha-se ao “Opus Alquímico”.

A concretude do barro desperta a psique de quem a manuseia, e algo do próprio existencial acaba por revelar-se. Algo se faz nascer para a consciência, algo de dentro que possibilitará o encontro com o mundo externo. No encontro com o barro um ego despontará fruto de um desejo deliberado do indivíduo. (GOUVÊA, 1989, p. 84)

Este processo não é diferenciado dos demais, pois ocorre sempre que

há disposição à prática do autoconhecimento, usando o caminho mais pertinente

para a mesma. Seja através da prática da arte pura, processos meditacionais

entre outros, porém o caminho sempre levará a individuação e este virá sempre

acompanhado com o caminho para que a espiritualidade interna se desenvolva e

a verdade interior seja refletida sobre si mesmos.

3.2.1 A Lenda da Flor de Lótus

O homem semeia sua terra interior para o “ressurgir”. No mito da flor de

lótus temos o psico-espírito interno que ascende em busca da sabedoria.

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No texto descrito abaixo, há o simbolismo da espiritualidade interna do

homem, a flor, que nasce da lama e só se abre quando atinge a superfície na

presença da luminosidade. Suas pétalas reluzentes e o botão na forma de coração

se abrirão em flor. Contém as possibilidades do ser, o germe inicial.

A lenda pode ser utilizada como análoga a individuação, processo

alquímico de transformação, onde o consciente nasce do inconsciente, na

presença de luz (quando há compreensão de si mesmo), juntos caminham unidos

por uma haste sólida. Este texto resume de forma poética o conteúdo descrito até

então.

A Lenda da Flor de Lótus (Texto retirado do site: Despertar Já).

Certo dia, à margem de um tranqüilo lago solitário, encontraram-se quatro elementos irmãos: o fogo, o ar, a água e a terra.

- Quanto tempo sem nos vermos em nossa nudez primitiva, disse o fogo cheio de entusiasmo, como é de sua natureza.

- É verdade, disse o ar, é um destino bem curioso o nosso. À custa de tanto nos prestarmos para construir formas e mais formas, tornamo-nos escravos de nossa obra e perdemos nossa liberdade.

- Não te queixes, disse a água, pois estamos obedecendo à lei e é um Divino Prazer servir à Criação. Por outro lado, não perdemos nossa liberdade; tu corres de um lado para o outro, à tua vontade; o irmão fogo entra e sai por toda a parte servindo a vida e a morte. Eu faço o mesmo.

- Em todo o caso, sou eu quem deveria me queixar, disse a terra, pois estou sempre imóvel, e mesmo sem minha vontade, dou voltas e mais voltas, sem descansar no mesmo espaço.

- Não entristeçais minha felicidade ao ver-nos, tornou a dizer o fogo, com discussões supérfluas. É melhor festejarmos estes momentos em que nos encontramos fora da forma. Regozijaremos-nos à sombra destas árvores e à margem deste lago formado pela nossa união.

Todos o aplaudiram e se entregaram ao mais feliz companheirismo. Cada um contou o que havia feito durante sua longa ausência, as maravilhas que tinham construído e destruído.

Cada um se orgulhou de se haver prestado para que a vida se manifestasse através de formas sempre mais belas e mais perfeitas.

Em meio de tão grande alegria, existia uma nuvem: o homem. Ah! Como ele era ingrato. Haviam-no construído com seus mais perfeitos e puros materiais e o homem abusava deles, perdendo-os. Tiveram desejo de retirar sua cooperação e privá-lo de realizar suas experiências no plano físico. Porém a nuvem dissipou-se e a alegria voltou a reinar entre os quatro irmãos.

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Aproximando-se o momento de se separarem, pensaram em deixar uma recordação que perpetuasse através das idades a felicidade de seu encontro. Resolveram criar alguma coisa especial que, composta de fragmentos de cada um deles harmonicamente combinados, fosse também a expressão de suas diferenças e independência, que servisse de símbolo e exemplo para o homem.

Houve muitos projetos que foram abandonados por serem incompletos e insuficientes. Por fim, refletindo-se no lago, os quatro, disseram:

- E se construíssemos uma planta cujas raízes estivessem no fundo do lago, a haste na água e as folhas e flores fora dela?

- A idéia pareceu digna de experiência. Eu porei as melhores forças de minhas entranhas, disse a terra, e alimentarei suas raízes.

- Eu porei as melhores linfas de meus seios, disse a água, e farei crescer sua haste.

- Eu porei minhas melhores brisas, disse o ar, e tonificarei a planta.

- Eu porei todo o meu calor, disse o fogo, para dar às suas corolas as mais formosas cores.

Dito e feito. Os quatro irmãos começaram sua obra. Fibra sobre fibra foram construídas as raízes, a haste, as folhas e as flores. O sol abençoou-a e a planta deu entrada na flora regional, saudada como rainha. Quando os quatro elementos se separaram, a Flor de Lótus brilhava no lago sua beleza imaculada, servia para o homem como símbolo da pureza e da perfeição humana.

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CONCLUSÃO

Na jornada heróica pode-se decidir conscientemente o caminho,

baseado nos ensinamentos da Grande Deusa: compaixão por todos os seres

vivos, escolhas de amor e sabedoria, coragem, recuperando o poder da Mãe

Natureza.

Há aqui, uma exposição de conceitos Junguianos, ligados à ação

mágica do barro na atuação como Arteterapeutas. A argila aparece como

mediadora de imagens, abre áreas onde os pensamentos perdidos são

reorganizados transformados em sentimentos; sensações vagas são

amalgamadas e transmutadas pela alquimia intuitiva. O processo ocorre também

de forma inversa; os sentimentos ora demasiados fluidos, poderão ser chamados

à serem ordenados e, seguirem seu fio condutor, através da chama intuitiva da

criação que agora é sentida de forma concreta e realizadora.

Dessa forma os elementos tornam-se passíveis de transformação uns

nos outros, realizando o chamado “solutio”, reproduzindo uma “coagilatio” a fim de

produzir um novo, disposto a emergir perante a luz.

Assim o barro como agente facilitador, permeia esta busca, retorna ao

colo ancestral, traz os argumentos necessários do inconsciente, que se refletem

no consciente, numa conversa íntima constante.

A cada disponibilidade ao retorno sombrio, do próprio ventre escuro, um

encontro de duas partes de si mesmos, que se acasalam, ganham vida para um

novo recomeço e um novo retorno.

A utilização do barro como material-objeto, permite tanto para quem o

manuseia, quanto para o observador, no caso, analisando e facilitador, a missão

corajosa, orientada pela Mãe–Natureza, ao encontro com a força íntima maior, o

centro, a semente, o eu. Tem-se o direito de escolha para encontrar a verdade

absoluta.

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Ao entrar em contato com o barro, nessa mistura voluptuosa de

sensações, sentimentos e ações, o mais íntimo segredo é desvendado de uma

maneira sutil, imperceptível. A transformação é lenta, silenciosa. Decorre de uma

jornada solitária, árdua, que a cada ato realizado, funde-se ao anterior e ao

próximo e assim, sucessivamente. Há uma descida a camadas mais obscuras, as

quais remontam tempos indefinidos, atemporais talvez.

O processo de crescimento através do barro é um processo contínuo e

ilimitado, o movimento é constante, em busca da sabedoria interior e liberdade

pessoal que ultrapassa o sentido terreno de auto conhecimento.

A busca vai além, a missão é de tornar-se um “Ser“, orientado por

forças luminosas, tal qual a “flor de lótus”, que transcende a limitação terrena.

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ÍNDICE

AGRADECIMENTOS 03

DEDICATÓRIA 04

RESUMO 05

METODOLOGIA 06

SUMÁRIO 07

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO 1 10

O USO DO BARRO COMO MATERIAL OBJETO EM ARTETERAPIA 10

1.1 A Escolha do Material 10

1.2 A Manipulação do Barro 13

CAPÍTULO 2 16

O PASSEIO PELA NATUREZA 16

2.1 Os Elementos da Natureza e os Tipos Psicológicos 16

2.2 Os Símbolos - Imagens do Inconsciente 21

2.2.1 O Processo de Modelagem 23

CAPÍTULO 3 27

O PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO 27

3.1 A Grande Mãe Arquetípica 27

3.2 A Transformação 31

3.2.1 A Lenda da Flor de Lótus 32

CONCLUSÃO 35

BIBLIOGRAFIA 37

ÍNDICE 40