universidade candido mendes avm faculdade … · posição enciclopédica que se pode fazer um...

45
1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE INTEGRADA PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” ASSÉDIO MORAL: VISÃO LEGAL, DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL AUTOR SHILEIDE MOREIRA BARROS DA SILVA ORIENTADOR PROF. CARLOS AFONSO LEITE LEOCADIO RIO DE JANEIRO 2011

Upload: truongdat

Post on 03-Dec-2018

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

1

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

ASSÉDIO MORAL: VISÃO LEGAL, DOUTRINÁRIA E

JURISPRUDENCIAL

AUTOR

SHILEIDE MOREIRA BARROS DA SILVA

ORIENTADOR

PROF. CARLOS AFONSO LEITE LEOCADIO

RIO DE JANEIRO 2011

Page 2: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

ASSÉDIO MORAL: VISÃO LEGAL, DOUTRINÁRIA E

JURISPRUDENCIAL

Monografia apresentada à Universidade Candido Mendes – AVM Faculdade Integrada, como requisito parcial para a conclusão do curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito e Processo do Trabalho. Por: Shileide Moreira Barros da Silva

Page 3: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

3

Agradeço aos colegas, professores, meus filhos Junior, Alicia e ex marido Alessandro pelo apoio.

Page 4: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

4

Dedico este trabalho a todos os professores que passaram no curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito e Processo do Trabalho.

Page 5: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

5

RESUMO

O assédio moral é um mal que existe desde os primórdios das relações humanas. Tornou-se nos últimos anos grande preocupação do Direito do Trabalho, em razão de ser uma violência que causa impactos extremamente negativos às relações de trabalho e à saúde do trabalhador. A doutrina o define como sendo toda forma de agressão continuada, dirigida a uma pessoa, abalando-a psicológica e fisicamente, prejudicando com isso sua atuação e desenvolvimento no trabalho. No contexto de dependência jurídica, econômica, social ou técnica, que o empregado vivencia em face do empregador, surge o ambiente propício para assédio moral. Em decorrência do receio de ficar desempregado, ou de não receber seu salário, de ser punido, excluído, transferido, discriminado, o empregado se sujeita aos mandos, sem limites, do empregador. As medidas preventivas devem ser pensadas com legislação específica, ações imediatas, a curto, médio e longo prazo, além de um sistema de ampla informação, que atinja desde o alto escalão ao chão da fábrica, além da explícita desaprovação pela empresa de qualquer comportamento abusivo e constrangedor no ambiente de trabalho.

Page 6: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

6

METODOLOGIA

O presente trabalho constitui-se em uma descrição detalhada das

características jurídicas do fenômeno em estudo, do tratamento conferido a cada

uma delas pelo ordenamento jurídico nacional e de sua interpretação pela

doutrina especializada, tudo sob o ponto de vista específico do direito positivo

brasileiro.

Para tanto, o estudo que ora se apresenta foi levado a efeito a partir do

método da pesquisa bibliográfica, em que se buscou o conhecimento em diversos

tipos de publicações, como livros e artigos em jornais, revistas e outros periódicos

especializados, além de publicações oficiais da legislação e da jurisprudência.

Por outro lado, a pesquisa que resultou nesta monografia também foi

empreendida através do método dogmático, porque teve como marco referencial

e fundamento exclusivo a dogmática desenvolvida pelos estudiosos que já se

debruçaram sobre o tema anteriormente, e positivista, porque buscou apenas

identificar a realidade social em estudo e o tratamento jurídico a ela conferido, sob

o ponto de vista específico do direito positivo brasileiro.

Adicionalmente, o estudo que resultou neste trabalho identifica-se,

também, com o método da pesquisa aplicada, por pretender produzir

conhecimento para aplicação prática, assim como com o método da pesquisa

qualitativa, porque procurou entender a realidade a partir da interpretação e

qualificação dos fenômenos estudados; identifica-se, ainda, com a pesquisa

exploratória, porque buscou proporcionar maior conhecimento sobre a questão

proposta, além da pesquisa descritiva, porque visou a obtenção de um resultado

puramente descritivo, sem a pretensão de uma análise crítica do tema.

Page 7: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 9

CAPÍTULO I

ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO................................................................... 11

1.1 – CONCEITUAÇÃO DE ASSÉDIO MORAL................................................. 11

1.2 – PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS........................................................... 12

1.3 – NATUREZA JURÍDICA............................................................................. 13

1.4 – DOS AGENTES E SEUS MOTIVOS......................................................... 13

CAPÍTULO II

ASPECTOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS.................................... 21

2.1 – A SUBORDINAÇÃO JURÍDICA, A DEPENDÊNCIA ECONÔMICA E A

DIGNIDADE DO TRABALHADOR..................................................................... 21

2.2 – ABUSO DO PODER DIRETIVO................................................................ 23

2.3 – DISTINÇÃO ENTRE ASSÉDIO MORAL, ASSÉDIO SEXUAL E OUTRAS

FIGURAS.............................................................................................................. 26

CAPÍTULO III

MEDIDAS DE PREVENÇÃO E COMBATE AO ASSÉDIO

MORAL................................................................................................................. 32

3.1 – MEDIDAS DE PREVENÇÃO...................................................................... 32

Page 8: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

8

3.2 – DO ÔNUS DA PROVA NA QUESTÃO DO ASSÉDIO

MORAL................................................................................................................. 35

CONCLUSÃO...................................................................................................... 40

BIBLIOGRAFIA................................................................................................... 42

Page 9: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

9

INTRODUÇÃO

O presente trabalho é um estudo sobre o assédio moral: visão legal,

doutrinária e jurisprudencial. Nesse contexto, o trabalho dedica-se a conceituar

assédio moral na visão jurídica e multidisciplinar; analisar as decisões

jurisprudenciais aplicadas ao tema e levantar a discussão doutrinária acerca do

instituto assédio moral

Adicionalmente, o presente estudo apresenta as medidas legais

cabíveis que podem ser utilizadas nos casos de assédio moral contra o

empregado nas empresas. O estudo do tema e das questões analisadas em torno

do mesmo justifica-se pelo fato de que o assédio moral na esfera do trabalho

representa significativa preocupação social, tendo em vista os desgastes que

provoca por causa dos impactos negativos à saúde e ao bem-estar do

empregado-vítima, bem como à imagem da empresa empregadora. Em que pese

o fato de ser uma prática antiga das relações humanas, é considerado um

fenômeno novo sob o ponto de vista da sua visibilidade.

O tema tem sido muito discutido na esfera trabalhista, além de ter um

enfoque multidisciplinar, englobando a opinião de médicos, psicólogos, gestores,

sindicatos. Operadores do Direito, entre outros. É consenso na doutrina que o

assédio moral pode ser desenvolvido em toda e qualquer relação de trabalho.

Deste modo, além de o empregado poder ser afetado pelo assédio moral, todos

os trabalhadores estão sujeitos a esta prática. Entretanto, a legislação no Brasil

para assegurar os direitos daqueles que sofrem assédio moral nas organizações

é insuficiente. Não há uma lei federal específica como no caso do assédio sexual

que consta no Código Penal. Além disso, o que se pode perceber é a falta de

ações coletivas mais efetivas para a conscientização e luta contra as práticas de

assédio moral no trabalho, independente de existir legislações, visto que sua

prática fere não só a moral, como a ética e a dignidade da pessoa humana.

Page 10: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

10

A pesquisa que precedeu esta monografia teve como ponto de partida

o pressuposto de que, através da mídia toma-se conhecimento de alguns

processos de indenização por parte de trabalhadores vítimas de assédio moral.

São casos ainda difíceis para a Justiça do Trabalho, tanto quanto a dificuldade de

diagnóstico como a quem punir e qual punição aplicar. Visto os danos

psicológicos que a vitima de assédio moral pode sofrer pelo resto da vida, parece

insuficiente apenas uma punição financeira a empresa onde esse trabalhava.

Entende-se que as vítimas buscam a Justiça procurando amenizar seu sofrimento

por meio do reconhecimento do mal que enfrentaram e o desejo de que o

agressor seja punido. Os processos por assedio moral, por enquanto, estão

sendo tratados pela Justiça do Trabalho como pedidos de indenização por dano

moral. Não se tem ainda Legislação Federal específica com punições cabíveis.

Visando um trabalho objetivo, cujo objeto de estudo seja bem

delineado e especificado, a presente monografia dedica-se, especificamente, às

questões contidas nas decisões jurisprudenciais e legislação que contemplem a

questão do assédio moral na esfera trabalhista brasileira.

O tema tem sido muito discutido na esfera trabalhista, além de ter um

enfoque multidisciplinar, englobando a opinião de médicos, psicólogos, gestores,

sindicatos. Operadores do Direito, entre outros.

É consenso na doutrina que o assédio moral pode ser desenvolvido em

toda e qualquer relação de trabalho. Deste modo, além de o empregado poder ser

afetado pelo assédio moral, todos os trabalhadores estão sujeitos a esta prática.

Entretanto, a legislação no Brasil para assegurar os direitos daqueles que sofrem

assédio moral nas organizações é insuficiente.

Page 11: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

11

CAPÍTULO I

ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO

1.1 – CONCEITUAÇÃO DE ASSÉDIO MORAL

O estudo do assédio moral irá ater-se, aqui, especificamente, à sua

ocorrência no âmbito laboral, com a análise de seus principais aspectos,

características, partes, ambiente, enfim, toda a abordagem adequada à análise de

tal fenômeno que se vem disseminando em níveis alarmantes e, por isso,

conquistando atenção da área jurídica e social em geral, como sindicatos,

profissionais da medicina do trabalho, estudiosos da sociologia e da psicologia.

Assim, assédio moral, ou manipulação perversa, terrorismo psicológico, ou ainda,

mobbing, bullying ou harcèlement moral, é toda forma de agressão continuada,

dirigida a uma pessoa, abalando-a psicológica e fisicamente, prejudicando com

isso sua atuação e desenvolvimento no trabalho.

Um dos mais prestigiosos autores do assunto, tido por muitos outros

doutrinadores como o “pai do mobbing” por ser o pioneiro no seu estudo, o

etiologista sueco Heinz Leymann (apud Hirigoyen 2003, p., 66), em 1996, por

meio de sua obra “Mobbing”, traduzida para o francês, qualifica tal prática como

psicoterror e assim a conceitua:

“É a deliberada degradação das condições de trabalho através do estabelecimento de comunicação não ética, que se caracteriza pela repetição, por um longo tempo, de um comportamento hostil de um superior ou colega, contra um indivíduo que apresenta, como reação, um quadro de miséria física, psicológica e social duradoura”.(HIRIGOYEN, 2003, p.66)

A referida autora esclarece ainda que um comentário ferino em um

momento de irritação ou mau humor não é significativo, sobretudo se vier

acompanhado de um pedido de desculpas. É a repetição dos vexames, das

humilhações que configura tal fenômeno.

Page 12: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

12

1.2 – PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

Apesar de vir conquistando publicidade há pouco tempo, o fenômeno

do mobbing já existe desde as primeiras relações de trabalho, mas, em virtude de

algumas de suas características serem a obscuridade e a sutileza, tal fato se

torna de difícil identificação, o que deixa a vítima ainda mais vulnerável, pois

terceiros presentes no ambiente não percebem o fato e a vítima não tem como

comprová-lo. Assim, o agressor ganha confiança em si mesmo e mais espaço

para exercer a prática nociva e alcançar seus objetivos.

Mais adiante, será visto neste estudo que uma das principais

estratégias do agressor é a comunicação não verbalizada, o que propicia a

obscuridade e a sutileza da prática, mantendo-a no anonimato. Justamente o

anonimato do assédio é o responsável por que tal prática não seja punida

juridicamente. Além das características já citadas podem-se ressaltar como

alicerces do assédio moral a freqüência e a humilhação.

“O assédio moral não se caracteriza por uma única ocorrência, por um ato isolado, mesmo que este ato esteja enquadrado nas características do mobbing, já vistas. Para que seja constatado o fenômeno são necessárias duração e frequência de tais atos, conforme entendimento unânime entre os autores estudados”.(FIORELLI, 2007, p.28)

Unânime também é a constatação da humilhação da vítima pelo

agressor. A característica da humilhação, quando do assédio, é a principal

ferramenta de tal prática, pois sem ela a vítima não sofreria os danos

constatados, não sentiria terror, não teria as estruturas psicológica e física

abaladas. Assim a humilhação é considerada como o principal efeito do assédio

moral, o que nos leva a entender ser ela a mais importante característica do

assédio moral, sendo considerada a característica das características, por ser a

que configura o assédio.

Ferreira (2010) define o termo humilhação como sendo: “a ação ou

efeito de humilhar, rebaixamento moral, vexame”. Entende-se ainda,

considerando os valores morais da sociedade, que humilhação é um sentimento

Page 13: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

13

de ser ofendido, menosprezado, rebaixado, inferiorizado, submetido, vexado,

constrangido, ultrajado pelo outro. É sentir-se um ninguém, sem valor, inútil,

magoado, revoltado, perturbado, mortificado, traído, envergonhado, indignado e

com raiva. A humilhação causa dor, tristeza e sofrimento, e tudo isso é o que

enfrentam as vítimas do assédio.

1.3 – NATUREZA JURÍDICA

A análise das teorias que tratam a respeito da natureza jurídica do

assédio moral é essencial, pois é por meio da verificação de sua classificação e

posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema.

Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se uma espécie

do gênero" dano moral", pois nada mais é do que uma forma de discriminação, na

qual o empregador utiliza-se de meios espúrios para alcançar seus objetivos.

“Dano moral é aquele que atinge bens incorpóreos como a autoestima, a honra, a privacidade, a imagem, o nome, a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a injúria física, ou moral, a sensação de dor, de angústia, de perda. O dano moral firma residência em sede psíquica e sensorial. Daí a impossibilidade de medi-lo de forma objetiva para fins indenizatórios”. (OLIVEIRA, 2004, p.25)

Desse modo, verifica-se que, da mesma forma que o assédio moral, o

dano moral representa uma lesão psicológica à vítima que pode decorrer de

várias situações diferentes e, na hipótese em análise, se viabiliza,

exclusivamente, por discriminação, por isso que se diz que aquele é uma espécie

do gênero deste.

1.4 – OS AGENTES AGRESSORES

O assédio moral nas empresas pode ser exercido por chefe,

empregados e colegas de trabalho, por uma ou várias pessoas.Dentro do estudo

ligado ao fenômeno do mobbing, especialistas, como a renomada Marie-France,

distinguem a forma como o assédio se apresenta, tomam por base, para tal

distinção, quem exerce e sobre quem recai o assédio, e assim entendem que o

Page 14: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

14

fenômeno se apresenta de duas formas, sendo elas o assédio moral vertical e o

horizontal.

Já para Guedes, o assédio moral ou o mobbing pode ser de natureza

vertical, horizontal ou ascendente, conforme relata em sua doutrina:

“No mundo do trabalho, o assédio moral ou mobbing pode ser de natureza vertical – a violência parte do chefe ou superior hierárquico; horizontal – a violência é praticada por um ou vários colegas de mesmo nível hierárquico; ou ascendente – a violência é praticada pelo grupo de empregados ou funcionários contra um chefe, gerente ou superior hierárquico”.(GUEDES, 2003, p.62)

Compreende-se no assédio vertical a prática perversa do fenômeno

quando oriunda de superior ou chefe, contra inferior ou subalterno, representando

uma a relação autoritária provinda da hierarquia. No assédio praticado de forma

ascendente, a violência é exercida pelo conjunto de empregados contra qualquer

tipo de chefia, ou superior hierárquico. Logicamente, neste caso, não existe a

relação autoritária decorrente da hierarquia. O assédio moral horizontal é assim

denominado porque ocorre entre colegas de trabalho de um mesmo patamar, não

havendo, portanto, a relação de superior e inferior, já que os envolvidos se

encontram no mesmo nível hierárquico.

Hirygoyen (2003, p. 67) apresenta no parágrafo seguinte um exemplo

horizontal de mobbing, pois, apesar de antigo, apenas agora o fenômeno vem

ganhando publicidade, e isto torna difícil a compreensão de tal prática pela

sociedade. A referida autora, que é uma das pioneiras no estudo e na abordagem

do assunto, expõe em seu livro tal exemplo de assédio moral no trabalho, o que

facilita às pessoas entenderem efetivamente, no que consiste o mobbing.

“Cathy tornou-se inspetora de polícia por concurso público. Mesmo sabendo que as mulheres representam apenas um sétimo do pessoal da polícia, ela espera ser admitida e depois passar para o Juizado de Menores. Mas logo que surge um primeiro desentendimento com um colega, ele encerra a discussão, dizendo: “Você não é mais que um buraco em cima de patas! ” O que faz com que os outros colegas caiam na risada e digam outras coisas. Ela não dá a mão à palmatória, zanga-se e protesta. Em represália, isolam-na e tentam desvaloriza-la junto às demais inspetoras: “Vocês, sim, são mulheres competentes, não são presunçosas metidas a besta!” Quando há uma chamada policial, todo mundo se agita, mas a ela não se dá qualquer explicação. Ela faz perguntas: “Onde, quando, como, em que quadro jurídico?”, e não lhe

Page 15: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

15

dão resposta: “Ora, seja lá o que for, você não vai saber fazer mesmo! Melhor ficar aqui e ir fazendo café!” Ela não consegue marcar uma entrevista para discutir a questão com a chefia Como dar nome a alguma coisa que ninguém quer sequer ouvir? Ela tem que se submeter ou opor-se ao grupo. Como se irrita, dizem que é uma desajustada. E esse rótulo torna-se um refrão que Cathy tem que carregar consigo em todas as suas mudanças. Uma noite, depois do serviço, ela deixa, como de costume, sua arma em uma gaveta fechada a chave. No dia seguinte a gaveta está aberta. Ela recebe uma advertência, por ter feito algo errado. Cathy sabe que só uma pessoa pode ter aberto a gaveta. Pede para ver o comissário, decidida a pôr as coisas em pratos limpos. Ele a convoca juntamente com o colega suspeito, falando em sanção disciplinar. No momento da entrevista, o comissário “se esquece” de falar do problema pelo qual se encontram reunidos e emite vagas críticas a respeito do trabalho dela. E, em seguida, o relatório é extraviado. Alguns meses depois, quando ela encontra seu amigo, e companheiro de equipe com uma bala na cabeça, vítima de suicídio, ninguém vem consolá-la. E debocham de sua fragilidade quando ela pede alguns dias de licença por questões de saúde: Ora, estamos em um mundo de machos!” (HIRYGOYEN 2003, P. 67)

1.4.1 – Dos agentes e seus motivos

É vasto o campo dos motivos que justificam o assédio moral no

trabalho. Encontram-se justificativas ligadas diretamente à personalidade do

autor, às políticas de desenvolvimento e crescimento da empresa, e a objetivos

de cunho pessoal. Assim, é importante observar e refletir sobre as razões que

levam uma pessoa a aterrorizar outra em seu ambiente laboral, onde, ao

contrário, deveria existir espírito de equipe, com amizade e colaboração para que

tudo se desenvolvesse da melhor forma.

“Inveja, competição, desvio de caráter, interesse pessoal, medo de perder o emprego, medo de tornar-se inferior, puro prazer, são alguns dos motivos que alimentam a fúria do agressor em sua prática. Separadamente, ou até mesmo acumulados, são estes os mecanismos que promovem todo o fenômeno do assédio moral no trabalho”.(ALKIMIN, 2007, p.114)

Nesse sentido, Hirigoyen (2003), complementa informando que a

ocorrência do assédio moral deve-se aos desvios de personalidade dos

agressores, ressaltando, entre esses desvios, que toda pessoa em crise pode ser

levada a utilizar mecanismos perversos para se defender. Os traços narcisísticos

da personalidade são muito comumente encontrados: egocentrismo, necessidade

de ser admirado, intolerância à crítica.

Page 16: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

16

Considerando todos os aspectos que já foram analisados sobre o

fenômeno, seria ingenuidade, inobservância e ignorância, atribuir apenas aos

distúrbios psicológicos os motivos que os agressores apresentam para o exercício

de tal prática. Não necessariamente, todo agente do mobbing é narcisista ou

megalomaníaco, esta associação é feita devida à percepção de características

desses distúrbios na personalidade do agressor.

Por isso, não se pode deixar de considerar a competição no mercado

de trabalho, que instiga uma pessoa a ter que ser sempre melhor que a outra; não

podemos ignorar as desavenças pessoais, em que as pessoas envolvidas não

têm nenhuma harmonia e são inimigas (em uma relação como esta quem é

superior quase sempre é o ileso); não podemos deixar de notar o preconceito que

há na sociedade em geral, logo, no ambiente laboral também, onde as pessoas

se recusam a viver com o diferente, com o novo.

Por último, deve-se atentar para o fato de que também há o interesse

pessoal como um dos grandes motivos dos agressores, é nele que se encaixa a

questão do assédio sexual. O agressor persegue a vítima com o intuito de

conseguir satisfazer seu interesse pessoal na mesma.

1.4.2 – Estratégias

Para garantir o sucesso da prática no mobbing sobre suas vítimas, os

agentes adotam medidas específicas, representativas de algumas das mesmas

características que o fenômeno possui no geral: perversidade, violência e sutileza.

Às medidas utilizadas pelos agentes podem se tratadas como estratégias, pois é

através do planejamento e execução de cada uma delas que o agressor alcança

seu objetivo e, por serem o principal instrumento garantidor do mobbing, devem

ser conhecidas.

São muitas as estratégias usadas, quase todas, porém, comuns a

qualquer tipo de assédio. A maioria delas está relacionada ao tipo de

comunicação estabelecida com a vítima. Existem também as estratégias que se

estabelecem de acordo com o sentimento que o agente mantém sobre a vítima,

que é o caso do vampirismo.

Page 17: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

17

A manipulação da comunicação é a mais inteligente e criativa das

estratégias usadas pelos agressores. Eles a utilizam, tanto para atingir a vítima,

quanto para esconder de terceiros o que estão fazendo protegendo-se, assim,

das consequências que seus atos possam vir a lhes causar, e garantindo também

a continuidade de seu terrorismo, sem interferências. Isso só é possível por haver

várias formas de comunicação: escrita, falada e gestual. Assim diz Hirigoyen

(2003, p.112): “Mesmo oculta, não verbal, abafada, a violência transpira através

dos não ditos, dos subentendidos, das resistências, e exatamente por isso, é um

vetor de angústia”.

De todas as estratégias de comunicação para desestabilizar a vítima e

levá-la à impotência, a grande colaboradora é a comunicação não falada, não

verbal. Através deste tipo de comunicação, o paciente não tem, expressamente,

nada declarado pelo agressor contra a sua pessoa. É exatamente neste ponto

que se encontra o perigo. Nada é dito, tudo é subentendido através de gestos,

caretas, silêncio, enfim, só a vítima percebe que algo está errado e começa a

questionar o que seja. Sem resposta, e sem ter como abordar a questão com o

agente, a vítima não tem como agir.

“Entra-se em um mundo no qual há pouca comunicação verbal, apenas observações em pequenos toques desestabilizantes. Nada é nomeado, tudo e subentendido, basta um alçar de ombros, um suspiro. (...) Como nada é dito, tudo pode ser objeto de reprovação. (...) A agressão é perpetrada pela recusa em dar nome ao que sucede, em discutir, em encontrar soluções juntos. Se se trata de um conflito aberto, a discussão seria possível e uma solução poderia ser encontrada. Mas na mecânica da comunicação perversa é preciso, antes de tudo, impedir o outro de pensar, de compreender, de reagir.”(HIRIGOYEN, 2003, p.167)

Outras estratégias para desestruturar o paciente recaem sobre a reputação

da pessoa, são piadinhas, mentiras, ofensas, ridicularização de um defeito físico,

derrisão pública em relação à sua opinião ou ideia, humilhação em geral. Já para

abalar a dignidade profissional da pessoa, o perverso lhe atribui trabalho não

condizente com sua capacidade, como tarefas humilhantes, ou tarefas perigosas,

ou então é cobrado da vítima trabalho muito além do que realmente poderia

realizar, enfim, tudo para passar a ideia de incapacidade e incompetência. Existe

ainda a prática batizada por Marie-France como vampirismo, pois o perverso, em

uma linguagem figurada, suga as forças da vítima com o intuito de enfraquecê-la

Page 18: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

18

perante o ambiente laboral e, consequentemente, se fortalecer. Esta estratégia é

escolhida pelo agressor quando ele inveja sua vítima, e quer possuir tudo o que

ela tem, e ser tudo o que ela é.

1.4.3 – Das vítimas

Em regra, por mais que possa impressionar, toda engrenagem do

fenômeno mobbing, está ligada diretamente às características da vítima, pois todo

processo, segundo Lipmann (2009), tem início quando estas características

despertam a atenção do agente e este, então, escolhe sua vítima e passa a

exercer sobre ela o “vampirismo”.

O “vampirismo”, como já visto no item anterior é a necessidade que o

agressor tem de “sugar” as qualidades da vítima, para, desta forma, sentir-se

superior. Isto leva a concluir que, ao contrário do que se possa pensar, as vítimas

do mobbing são pessoas repletas de qualidades, a ponto de causarem inveja aos

seus agressores. Estas qualidades são como: prazer em viver, autoestima

elevada, autoconfiança, prestígio entre os colegas, escrúpulos e força, entre

outras mais.

As pessoas vítimas do assédio só são escolhidas por serem fortes,

muito competentes e por possuírem considerável senso de responsabilidade. São

estas características que as fazem acreditar serem culpadas e responsáveis pelo

que está havendo, e se cobrarem mais profissional e pessoalmente. É justamente

por isso que passam a sofrer os danos inerentes de tal assédio.

“A falha que vai ser atacada pelo perverso em seu parceiro situa-se, na maior parte das vezes, nos mecanismos de desvalorização e culpa. Um procedimento evidente no sentido de desestabilizar o outro é o de levá-lo a sentir-se culpado. (...) São pessoas apegadas à ordem, no campo do trabalho e das relações sociais, dedicadas a seu próximo e raramente aceitando que os outros lhe prestem serviço. Esse apego à ordem, esta preocupação em fazer bem as coisas, levam tais pessoas a assumirem uma quantidade de trabalho superior à media, que lhes dá boa consciência, mas deixa-as com sensação de estarem sobrecarregadas de trabalho e de tarefas até os limites do possível. É, pois, a força vital das vítimas que as transforma em presas. Elas têm necessidade de dar e os perversos narcisistas de tomar: não se pode sonhar encontro mais ideal... Um recusa toda e qualquer culpa, o outro tem uma propensão natural a sentir-se culpado”.(LIPPMAN, 2009, p.67)

Page 19: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

19

Os pacientes funcionam como parceiros consoladores dos agentes, pois

suprem as deficiências que os agentes têm das qualidades que possuem, pois

dão fim às qualidades existentes em sua personalidade quando pressionados

pelo agressor.

1.4.4 – Reflexos sofridos

Quando já atingidos pelo terror praticado por seus agentes, as vítimas

começam a apresentar os reflexos de tal prática, modificam seu interior e

exteriorizam o sofrimento sentido. Demonstram aos agressores que estes estão

tendo sucesso em sua prática.

Por se interiorizarem com tamanho sofrimento e com a impotência de

poder reagir, as vítimas apresentam alterações psicológicas, visto que seu

comportamento se modifica.

Conforme Lippman (2009, p. 131):

“Muitas vezes, ou melhor, na maioria delas, apresentam alterações em sua saúde, que podem levá-las até à morte, mas do abalo que a vítima sofre em sua saúde vamos tratar adiante, mais especificamente. Neste item vamos apenas fazer um breve relato sobre os reflexos gerais apresentados pelas vítimas. -Sentimento de inferioridade e incompetência, logo, culpa; -Dificuldade para enfrentar as agressões da organização do trabalho e interagir em equipe; -Rompimento dos laços afetivos entre os pares, relações afetivas frias e endurecidas, aumento do individualismo e instauração do “pacto do silêncio” no coletivo; -Comprometimento da saúde, da identidade e da dignidade, podendo culminar em morte; -Sentimento de inutilidade e “coisificação”; -Descontentamento e falta de prazer no trabalho; -Aumento do absenteísmo e diminuição da produtividade; -Demissão forçada e desemprego”.(LIPPMAN, 2009, p. 13)

Analisando de forma ponderada cada um dos reflexos apresentados pelas

vítimas, pode-se ter uma breve noção de seu sofrimento, e compreender todo o

abalo psicológico e o desencadeamento de suas doenças.

Com esta análise, também pode-se perceber que, após o

desencadeamento do processo de reflexos sofridos pela vítima, seu desenrolar

Page 20: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

20

funciona como efeito dominó. Um reflexo levará a outro e depois a outro, e assim

sucessivamente, até que a vítima esteja em seu limite.

Page 21: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

21

CAPÍTULO II

ASPECTOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS

2.1 – A SUBORDINAÇÃO JURÍDICA, A DEPENDÊNCIA ECONÔMICA E A

DIGNIDADE DO TRABALHADOR

A relação de emprego corresponde a uma relação jurídica contratual

entre empregado e empregador, versando sobre interesses contrapostos: a força

do trabalho e o capital. O contrato de trabalho possui características peculiares,

como a prestação de forma pessoal, contínua, entregando o empregado sua força

de trabalho em troca de salário, fonte de subsistência própria e de sua família,

sujeitando-se ao poder diretivo do empregador, denominado dependência ou

subordinação.

Juridicamente, o ato de subordinar-se, em relação às pessoas:

“Importa numa subalternidade hierárquica, em virtude do que são obrigadas a cumprir as ordens e instruções regulamentares emanadas de um chefe, sob cuja dependência (subordinação) e autoridade se encontram”. (SILVA, 1997, p.274)

A subordinação ou relação de dependência, se pode dizer, é o atributo

mais importante da relação de emprego. A dependência jurídica ocorre quando

alguém coloca à disposição de outrem a sua força de trabalho, que a dirige e

orienta de acordo com os interesses da execução do trabalho contratado.

Já o poder diretivo é manifesto pelo controle jurídico sobre o conjunto

da estrutura empresarial e responsabilidade pelos riscos do empreendimento.

Consequentemente, ao empregador incumbe a direção, controle e fiscalização da

prestação pessoal do trabalho.

Page 22: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

22

Poder diretivo é definido por Delgado como:

“o conjunto de prerrogativas dirigidas à organização da estrutura e espaços empresariais internos, inclusive o processo de trabalho adotado no estabelecimento e na empresa, com a especificação e orientação cotidianas no que tange à prestação de serviços”. (DELGADO, 2005, p.631)

Cabe ao empregado acatar as ordens impostas por meio desse poder.

Maranhão (2003) entende que a subordinação é eminentemente jurídica, porque

resulta de um contrato: nele encontra seu fundamento e seus limites. Segundo o

referido autor, o conteúdo desse elemento caracterizador do contrato de trabalho

não pode assimilar-se ao sentido predominante na Idade Média: o empregado

não é “servo” e o empregador não é “senhor”. Há de partir-se do pressuposto da

liberdade individual e da dignidade da pessoa do trabalhador.

Nascimento (2004, p. 51) amplia o conceito, ao entender que a relação

de emprego é uma relação social que se transforma em jurídica, porque é

disciplinada pelo direito. “A vontade, manifesta de modo escrito, verbal ou

meramente tácito, está sempre na base de toda relação jurídica entre empregado

e empregador”.

No que se refere à dependência econômica, o referido autor entende

que o trabalhador, para subsistir, é dependente exclusivamente da remuneração

que lhe dá o empregador, no sentido de que vive unicamente da remuneração do

trabalho que preste a outrem está em estado de dependência econômica.

Quanto à dependência técnica, Gomes ensina que:

“No poder de direção está compreendida a faculdade de o empregador determinar o modo por que deve ser executado o trabalho, a orientação técnica do serviço. O empregado não tem, por outras palavras, plena liberdade para exercer a sua atividade profissional. É um trabalhador que, na realização do trabalho, está subordinado aos critérios técnicos estabelecidos pela direção da empresa”.(GOMES, 2006, p.138)

Page 23: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

23

Apesar de entender que, além de não ser essencial à caracterização

da relação de emprego, a dependência técnica não passa de uma das formas por

que se manifesta a dependência hierárquica ou subordinação jurídica do

emprego.

Exatamente neste contexto de dependência, seja jurídica, econômica,

social ou técnica, que o empregado vivencia em face do empregador, surge o

ambiente propício para assédio moral. Em decorrência do receio de ficar

desempregado, ou de não receber seu salário, de ser punido, excluído,

transferido, discriminado, o empregado se sujeita aos mandos, sem limites, do

empregador. Por outro lado, talvez esta desigualdade seja a grande causa que

leva o empregador, em sua condição mais vantajosa, a abusar do seu poder

diretivo, vindo, muitas vezes, a lesar os direitos fundamentais, como o da

personalidade, da cidadania e da dignidade do trabalhador.

Não apenas sob o aspecto do abuso do poder diretivo, mas como toda

a espécie de desrespeito aos direitos dos trabalhadores, que são aviltantes ao

princípio da dignidade humana, como assevera Cavalcanti:

“Constata-se que relações precárias de emprego provocam uma desconstrução dos valores humanos e fazem desaparecer o respeito à vida, à justiça e à solidariedade. A dignidade humana é, então, aviltada e a autoestima baixada. Com base nessa observação, faz-se necessário mostrar que existem direitos humanos a serem protegidos na relação do trabalho e que têm uma forte direção na nova ordem internacional em construção. Deve-se lembrar, ainda, que sonegar os direitos do trabalhador para auferir lucro e usar o seu trabalho e depois descartá-lo como coisa são ações que ferem o princípio da dignidade da pessoa humana”.(CAVALCANTI, 2007, p. 38)

2.2 – ABUSO DO PODER DIRETIVO

Consoante Dellagrave Neto (2008), o conceito de abuso de direito

estava contemplado apenas na doutrina. Somente após o advento do Código Civil

de 2002 o exercício irregular de um direito, portanto, abusivo, passou a ser

considerado antijurídico, propriamente dito.

Page 24: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

24

Nesse sentido, o autor ensina que o estabelecimento do conceito legal

do abuso de poder foi de grande relevância na órbita trabalhista, principalmente

nas circunstâncias em que o empregador extrapola o seu direito de comando.

Paralelamente, Stadler (2008) entende que as novas formas de

organização e gestão estabelecidas pelas empresas, focadas em produtividade e

competitividade, modificaram as relações de poder e de subordinação no

ambiente de trabalho, fundando-as em abuso de poder, relações assimétricas e

práticas desumanas, marcadas por desqualificações, humilhações,

discriminações:

“Em algumas situações, essas mudanças têm levado a excessos que transbordam o exercício regular do poder do empregador de gerir a atividade empresarial, até mesmo favorecendo a configuração de um ambiente propício a situações de assédio”.(STADLER, 2008, p.41)

Para a autora, muitas das estratégias utilizadas para melhorar o

desempenho das empresas têm sido usadas também em excesso. O empregador

é o titular do direito de dirigir sua atividade, porém este direito está sujeito a

limites, ou seja, o empregador não pode agir de modo a desvirtuá-lo, já que

incorreria assim em uma conduta abusiva.

E neste sentido, Dellagrave Neto (2008) elucida que o jus variandi

patronal quando exercido de forma ilegítima ou mesmo em confronto com os

limites sociais e éticos do contrato de trabalho representa abuso de direito

reparável mediante ação trabalhista.

A comprovação do pensamento de Dellagrave Neto (2008), quando

afirma que o abuso de poder é reprovável e indenizável, pode ser verificada

através de julgamentos realizados pelos Tribunais do Trabalho:

“ASSÉDIO MORAL. CONFIGURAÇÃO. Caracteriza assédio moral a atitude empresarial de não ofertar trabalho à laborista, deixando-a ociosa, sentada em uma cadeira, durante toda a jornada de trabalho, situação essa humilhante e constrangedora. Há, nesse caso, evidente violação ao direito à dignidade do trabalhador e abuso do poder diretivo, o que deve ser rechaçado, com a condenação do empregador ao pagamento de indenização por danos morais.(Recurso Ordinário: 00996.2007.048.03.00-1. 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de

Page 25: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

25

São Paulo, 3ª Região. Relatora: Des. Denise Alves Horta. Decisão: 30 jan. 2008. Disponível em: <www.tst.jus.br>. Acesso em: 15 jan 2012”.

“ASSÉDIO MORAL - ABUSO DE DIREITO POR PARTE DO EMPREGADOR. (...). O assédio moral se configura pela utilização tática de ataques repetitivos sobre a figura de outrem, seja com o intuito de desestabilizá-lo emocionalmente, seja com o intuito de se conseguir alcançar determinados objetivos empresariais. Se, por um lado, o objetivo pode ser apenas e tão-somente a "perseguição" de uma pessoa específica, objetivando a sua iniciativa na saída dos quadros funcionais, pode, também, configurar o assédio moral na acirrada competição, na busca por maiores lucros, instando os empregados à venda de produtos, ou seja, a uma produção sempre maior. O assédio ocorre pelo abuso do direito do empregador de exercer o seu poder diretivo ou disciplinar: as medidas empregadas têm por único objetivo deteriorar as condições em que o trabalhador desenvolve o seu trabalho, numa desenfreada busca para atingir os objetivos empresariais. O empregado, diante da velada ameaça constante do desemprego, se vê obrigado a atingir as metas sorrateiramente lhe impostas - ferindo o decoro profissional. (Recurso Ordinário: 01301-2003-011-03-00-9. 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, 3ª Região. Relatora: Des. Adriana Goulart de Sena. Decisão: 20 ago. 2004. Disponível em: <www.tst.jus.br>. Acesso em: 15jan 2012)”

“DANOS MORAIS - ASSÉDIO MORAL - CARACTERIZAÇÃO - Havendo tratamento discriminatório do trabalhador, caracterizado pelo tratamento desigual em comparação com os demais colegas de trabalho, além de desrespeitoso à sua dignidade pessoal, fato, inclusive, que levou ao reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho, e mesmo que tal conduta tenha sido praticada por preposto do empregador (gerente), que, sob o pretexto de estar agindo dentro do denominado e reconhecido poder diretivo do contrato, caracterizado está o assédio moral, passível de reparação civil, pois o ordenamento jurídico brasileiro elevou, até mesmo à honras de princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana, bem como, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurando, a quem os tem ofendidos, o direito à justa reparação, segundo, logicamente, critérios equitativos do juiz. (Recurso Ordinário: 00192-2006-047-03-00-5. 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, 3ª Região. Relatora: Des. Emerson José Alves Lage. Decisão: 06 set. 2006. Disponível em: <www.tst.jus.br>. Acesso em: 15 jan 2012)”

Ainda, conforme Dellagrave Neto (2008), a subordinação típica da

sociedade em tempos de globalização econômica e desemprego estrutural é

marcante e intensa, porque rompe decisivamente os limites entre a privacidade e

o profissional. Nesse contexto, o autor entende que é preciso personalizar o

sujeito de direito, reconhecendo o trabalhador como ser humano, e, nessa

extensão, “vendo-o como elemento principal e nuclear da nova ordem

constitucional, a qual lhe assegura dignidade, bem-estar e justiça social (art. 1º,

III, art. 170 e 193, da CF)”.

Page 26: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

26

2.3 – DISTINÇÃO ENTRE ASSÉDIO MORAL, ASSÉDIO SEXUAL E OUTRAS

FIGURAS

Para Guedes (2008, p.44), o assédio moral não se confunde com o

assédio sexual, pois, “para que haja o assédio moral é necessária a presença de

dois requisitos fundamentais”, que são a duração no tempo e o objetivo de

eliminar a vítima do mundo do trabalho pelo “psicoterror”, enquanto o segundo

fenômeno “visa a dominar a vítima sexualmente, normalmente pela chantagem”.

Observa-se que o assédio sexual se configura ilícito penal, e sua tipificação se

encontra na Lei n. 10.224/2001, a qual introduziu o art. 216-A, do Código Penal.

Lippmann (2005, p.19) entende que o tipo penal assédio sexual admite

apenas a forma dolosa, ou seja, requer a “intenção de ofender, mediante atos ou

convites indecorosos, e que haja superioridade hierárquica, ou dependência

econômica de quem pratica o assédio”. É oportuno ressaltar que o dano moral

decorrente do assédio sexual é indenizável, sendo que sua prática gera

implicações no contrato de trabalho.

Segundo Rufino, o assédio sexual pode ser configurado em três

modalidades:

“Por intimidação, que ocorre quando acontece incitação sexual importuna, ou solicitação desta natureza; por chantagem, que ocorre quando a exigência formulada se origina do superior hierárquico, ou alguém que tenha ascendência sobre a vítima; e ambiental, que é quando a importunação é feita entre colegas de trabalho do mesmo nível”. (RUFINO, 2007, p.67)

Para a autora, há um liame estreito entre os dois tipos de assédio, pois

a resistência da vítima do assédio sexual pode estimular a prática de outros atos

perversos por parte do opressor, o qual, sentindo-se rejeitado, pode transformar a

vida daquela num calvário:

Esta situação é muito comum, especialmente nas relações de trabalho,

quando o assediador, que geralmente é o superior hierárquico, isola o assediado

resistente, passa ao mesmo tarefas mais complicadas e o obriga a trabalhar

numa jornada desumana, a fim de vingar-se da rejeição sexual.

Page 27: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

27

Entende-se que nem todas as pessoas que se dizem assediadas o são

de fato. Segundo Lippmann (2005), nem todas as exigências de produtividade,

cobranças de metas de produção e vendas, reprimendas, transferências,

eventuais pressões, conflitos esporádicos, podem ser considerados assédio

moral. Devem ser exercidas de forma razoável, com respeito e sem ofensas à

honra e à dignidade do empregado e dentro do contexto do exercício normal da

atividade empresarial.

Guedes (2008) entende que, por exemplo, a “violação ocasional da

intimidade”, em especial aquela constatada na revista corporal e de objetos

pessoais, não é assédio moral.

Nota-se que a jurisprudência tem demonstrado a preocupação de

alguns juízes em identificar e definir com objetividade o que é e o que deixa de

ser assédio moral, destacando os elementos essenciais do assédio moral e

desviando-se do risco das generalizações:

“RECURSO ORDINÁRIO ALTERAÇÃO CONTRATUAL – É prejudicial ao empregado a alteração contratual promovida pelo empregador quanto à jornada de trabalho, a qual, de seis horas, passou a ser de oito horas, sem aumento do salário. Recurso de provimento negado. RECURSO ADESIVO DO RECLAMANTE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – ASSÉDIO MORAL – O fato de o empregador ter transferido o reclamante do laboratório em que trabalhava para outro laboratório não configura assédio moral decorrente de ato ilícito, que lhe assegure o direito a receber indenização por dano moral. Recurso desprovido. (Recurso Ordinário 00368-2007-771-04-00-5. 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, 4ª Região. Relatora Juíza Cleusa Regina Halfen. Data publicação. 05 jun. 2008. Disponível em: <www.trt4.jus.br>. Acesso em: 13 jan. 2012”.

“RESPONSABILIDADE CIVIL – CULPA DO EMPREGADOR – ASSÉDIO MORAL – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – NEXO CAUSAL – NÃO-CARACTERIZAÇÃO – Para se amparar a pretensão indenizatória por danos morais, necessária a coexistência de três requisitos na etiologia da responsabilidade civil, considerados essenciais na doutrina subjetivista: a ofensa a uma norma preexistente ou erro de conduta, o dano e o nexo de causalidade do evento com o trabalho. Contudo, no presente feito, não restou evidenciado o alegado assédio moral, pois não configurada a culpa da reclamada na prática de qualquer ato que importasse em constrangimento ou humilhação à autora ou que o comportamento de representantes da demandada tenha resvalado para o desrespeito com a pessoa humana. A exigência de metas pelo empregador, ainda que elevadas, não traduz ataque sistemático e prolongado, sendo insuficiente para caracterizar o assédio moral. Assim, indevido o pedido de pagamento por dano moral.( Recurso Ordinário 01378-2005-107-03-00-0. 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da

Page 28: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

28

3ª Região, de Minas Gerais. Relatora Juíza Deoclecia Amorelli Dias. Data publicação. 07 jul. 2006. Disponível em: <www.trt3.jus.br>. Acesso em: 13 jan. 2012.” “ASSÉDIO MORAL – MUDANÇA DOS CRITÉRIOS PARA ATINGIMENTO DE METAS – Eventual pressão exercida pelo empregador a fim de aumentar a venda de seus produtos não configura o alegado assédio moral, não se revestindo o ato de ilicitude a autorizar a reparação por dano moral. (Recurso Ordinário 01316-2007-013-10-00-5. 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região de Brasília. Relatora Juiz Bertholdo Satyro. Data publicação. 04 jun. 2008. Disponível em: <www.trt10.jus.br>. Acesso em: 13 jan. 2012.”

Oportuno lembrar que o assédio moral é comumente confundido com

outras figuras, como o estresse profissional, a gestão por injúria, a discriminação,

por exemplo.

Carvalho (2009, p. 25) recorda que “dentro do meio ambiente de

trabalho, a gestão sob pressão normalmente acarreta o estresse profissional”. A

gestão sob pressão por si só não é suficiente para representar a ocorrência do

assédio moral, mesmo que possa levar o trabalhador ao esgotamento, ao

estresse a até mesmo ao burnout (“depressão por esgotamento”). Veja-se, a

respeito, o julgado abaixo transcrito:

“EMENTA: ASSÉDIO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. O assédio moral consiste no exercício abusivo do poder diretivo, onde a dignidade do empregado é violentada pela existência de verdadeira perseguição. Se da prova dos autos ressai que havia cobrança geral de metas de todos os gerentes gerais, sem que tenha havido, contudo, direcionamento ou perseguição do reclamante, de modo a atentar contra a dignidade da pessoa humana, não há que se falar em assédio moral. Tal procedimento faz parte da realidade dos tempos modernos, em que, cada vez mais, se busca o lucro. (Recurso nº 01691200510703008. Tribunal Regional da 3ª Região, Minas Gerais. 1ª Turma. Relator Desembargador Manuel Cândido Rodrigues. Data publicação: 12 mai. 2006. Disponível em: <www.trt3.jus.br>. Acesso em: 01 jan. 2012”.

Desta forma, uma vez caracterizada a gestão por pressão sem que

seja em detrimento da dignidade do trabalhador e do meio ambiente de trabalho,

não resta configurada a prática de assédio moral. Todavia, compete observar que

se a gestão sob pressão é praticada com a intenção de degradar o ambiente de

trabalho a fim de eliminar o empregado, ou mesmo se ultrapassar o limite do

razoável e assumir característica de gestão por estresse, onde há cobrança de

Page 29: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

29

meta acima da capacidade do empregado ou mesmo incompatível com a

estrutura da empresa, o estresse profissional torna-se uma forma de assédio

moral, passando de uma maneira trivial da moderna organização do trabalho para

o desrespeito à dignidade do trabalhador.

Neste particular, transcreve-se o seguinte julgado:

“ASSÉDIO MORAL - INDENIZAÇÃO. Caracteriza-se assédio moral pela conduta excessiva e prejudicial do empregador ou seus prepostos em relação aos empregados, cobrando-lhes produção acima dos limites normais por meio de ameaças, brincadeiras vexatórias e outros artifícios censuráveis que perturbam o ambiente de trabalho e desequilibram psicologicamente os empregados, os quais muitas vezes acabam se submetendo aos desmandos com medo de perder o emprego. (Recurso nº 01737-2005-108-03-00-5. Tribunal Regional da 3ª Região, Minas Gerais. 2ª Turma. Relator Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira. Data publicação: 08 nov. 2006. Disponível em: <www.trt3.jus.br>. Acesso em: 01 jan. 2012.”

A gestão por injúria, por sua vez, se caracteriza por atos de

empregadores ou por prepostos que se comportam agressivamente e que

constantemente insultam e pressionam seus empregados. Porém, a gestão por

injúria não visa, via de regra, a um empregado específico e, sim, a todos os

empregados, indistintamente, que passam a ser injuriados, para que produzam

mais, para que atinjam determinadas metas.

Para Hirigoyen, apenas uma ação coletiva pode dar fim à gestão por

injúria. Nota-se que a gestão por injúria vem sendo coibida mesmo em ações

individuais, como demonstra aresto do Tribunal do Trabalho da 2ª Região:

“DANO MORAL. TRATAMENTO HUMILHANTE. DIREITO À INDENIZAÇÃO. Ainda que não configure assédio moral, porquanto ausente a situação de cerco, o caráter continuado das agressões praticadas pela empresa, através de prepostos, caracteriza método de gestão por injúria, que também importa indenização por dano moral. (...). Comprovado que a reclamada submetia o reclamante e seus colegas a reprimendas injuriosas e humilhantes, chamando-os publicamente de "fubazados", "ruins de venda", ou relegando-os como forma de punição, ao trabalho junto à boca do caixa, resta configurado grave atentado à dignidade do trabalhador, a ensejar indenização por dano moral (art. 5º V e X, CF; 186 e 927 do NCC), fixada de modo a imprimir feição suasória e pedagógica à condenação, sempre levando em conta a capacidade econômica da empresa. (Recurso Ordinário: 00335-2003-058-02-00. 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, 2ª Região.

Page 30: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

30

Relator: Des. Ricardo Artur Costa Trigueiros. Decisão: 25.04.2006. Disponível em: <www.tst.jus.br>. Acesso em: 20 jan. 2012”. “DANO MORAL. INSULTOS PRATICADOS POR SUPERIOR HIERÁRQUICO NO AMBIENTE DE TRABALHO. DIREITO À INDENIZAÇÃO. Ainda que não configure assédio moral, porquanto ausente a situação de cerco, o caráter continuado das agressões verbais à secretária, praticadas por diretor, caracteriza método de gestão por injúria que importa indenização por dano moral (art. 5º, V e X, CF; 186 e 927 do NCC). In casu, irrelevante que os insultos frequentemente chegassem à reclamante via rádio, já que tais ultrajes podiam ser ouvidos por todos, no ambiente de trabalho, através do sistema "viva voz". O tratamento despótico dirigido à empregada caracteriza tirania patronal incompatível com a dignidade da pessoa humana, com a valorização do trabalho e a função social da propriedade, asseguradas pela Constituição Federal (art. 1º, III e IV, art. 5º, XIII, art. 170, caput e III). (processo: 01954-2007-044-02-00-8. 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, 2ª Região. Relator: Ricardo Artur Costa e Trigueiros. Data julgamento: 31 out. 2008. Disponível em: <www.trt02.jus.br>. Acesso em: 17 jan. 2012”.

Quanto ao ato de discriminar, consoante Thomé (2008,p.16) pode ser

“fundamento e origem” do assédio moral, mas não pode ser confundido com tal

fenômeno, uma vez que a pessoa assediada pode ser atingida de diversos atos

que não impliquem em afrontamento a algum direito das minorias. Observa-se

que discriminar é todo tipo de “separação que possa fazer entre várias coisas,

entre várias funções ou encargos, distinguindo-as uma das outras, para que se

diferenciem ou possam ser encaradas consoante a divisão”156. Desta forma, a

discriminação em si, produz a limitação, determinação ou separação entre coisas

iguais ou distintas.

Os Tribunais do Trabalho têm-se mostrado atentos às discriminações

que afrontam a dignidade do trabalhador:

“DISCRIMINAÇÃO POR IDADE. OCIOSIDADE IMPOSTA. RESCISÃO INDIRETA. DANOS MORAIS. A ociosidade imposta é uma das mais graves ofensas ao trabalhador. Ainda mais ao intelectual que por longos anos contribuiu para o engrandecimento do nome da empresa. Não bastasse tal situação humilhante, a ela fora levada a autora por motivos discriminatórios em razão de sua idade. Superaram-se os limites do poder potestativo da empresa, ferindo-se, não somente a dignidade da trabalhadora, mas princípios constitucionais, éticos e sociais. A ociosidade imposta à autora se dera com a finalidade de esta deixar a empresa e se firmara em bases discriminatórias, infringindo normas expressas na Constituição Federal e na Lei 9029/95. Devida a

Page 31: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

31

indenização por danos morais.(Processo: 03138-2000-052-02-00-7, 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, 2ª Região. Data publicação: 13 dez. 2005. Disponível em: <www.trt2.gov.br>. Acesso em: 17 jan. 2012”.

Conforme Hirigoyen, as agressões pontuais também não podem ser

confundidas com o assédio moral.

“Uma agressão verbal pontual, a menos que tenha sido precedida de múltiplas pequenas agressões, é um ato de violência, mas não é assédio moral, enquanto reprimendas constantes o são, sobretudo se acompanhadas de outras injúrias para desqualificar a pessoa. A violência externa, oriunda de incivilidades, quer de uma agressão a mão armada ou uma agressão de cliente, não é assédio moral; (...). A violência física não é um assédio em si, mesmo que situações de assédio possam degenerar e que as pessoas cheguem às vias de fato. É importante, neste caso, fazer denúncia. HIRIGOYEN, 20067, p.72)”

Page 32: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

32

CAPÍTULO III

MEDIDAS DE PREVENÇÃO E COMBATE AO ASSÉDIO MORAL

3.1 – MEDIDAS DE PREVENÇÃO

Segundo Guedes (2008) a lei pode ser considerada um primeiro passo

no sentido da prevenção do assédio moral na relação de trabalho:

“Na verdade, no primeiro momento, nós dávamos uma ênfase relativamente grande a essa questão da lei e achávamos que sua existência poderia coibir esse tipo de prática nas relações laborais. Ela exigiria uma ação mais ativa que seria: a sensibilização, a conscientização, a formação e punição do assediador. Para você adotar medidas preventivas, ela passa pela educação, pela sensibilização, passa pela informação, informação, informação. Esse é o primeiro momento de qualquer ação primária no campo da prevenção”. (GUEDES, 2008, p. 28).

Para a autora, após o primeiro momento da criação da lei, a própria

organização do trabalho deveria dar os outros passos na busca de um programa

de prevenção eficaz.

Guedes (2008) observa que as medidas preventivas devem ser

pensadas com ações imediatas, ações a curto, médio e longo prazo, além de um

sistema de ampla informação, que atinja desde o alto escalão ao chão da fábrica,

além da explícita desaprovação pela empresa de qualquer comportamento

abusivo e constrangedor no ambiente de trabalho.

Nas lições de Guedes (2008), nos últimos 20 anos houve, com

segurança, o fortalecimento do assédio moral, em função da passagem do

modelo produtivo fordista para flexibilização produtiva.

Page 33: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

33

Contudo, para a autora, crer que o assédio moral se trata apenas de

um “inelutável fenômeno da pós-modernidade” é uma conclusão inadequada.

Para ela, é necessário considerar, também, os fatores internos da organização do

trabalho, tais como: deficiência na própria organização do trabalho; deficiência no

comportamento das lideranças; exposição social positiva da vítima e, finalmente,

o baixo padrão de moralidade no local de trabalho, ou em determinado setor.

Nesse sentido, Guedes (2003) entende que para haver um eficiente

programa de prevenção, algumas medidas específicas devem ser focalizadas em

mudanças nas condições do trabalho; mudanças na cultura de liderança; melhoria

da condição social de cada indivíduo; melhoria do padrão de moralidade do local

de trabalho; atuação do sindicato e a intervenção do Ministério Público.

Conforme relata a mesma autora, na Itália, a PRIMA – Associação para

o combate do assédio moral e do estresse social – ministra cursos de defesa

pessoal, como por exemplo, Autodefesa Verbal, M-Grupo, Egoísmo Saudável e

Preguiça Positiva.

No que diz respeito à proposta de prevenção, Rufino adverte para a

necessidade da participação do Ministério do Trabalho, como agente fiscalizador:

“É indispensável a prática de condutas preventivas do assédio, com a colaboração de órgãos públicos e privados, desde a realização de campanhas de conscientização e esclarecimento, demonstrando suas características, modalidades e seus efeitos, até uma efetiva fiscalização dos membros competentes do Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério Público, os quais poderão atenuar essa prática ardilosa”.(RUFINO, 2007, p. 37)

Nota-se que as medidas preventivas podem ser implementadas por

meio de manuais de normas e procedimentos internos da empresa e Códigos de

Ética, nos quais a empresa expressamente demonstra seu repúdio à prática do

assédio por parte de qualquer empregado, podendo ter, inclusive, cláusulas

punitivas e de responsabilidade por danos causados à empresa, com

ressarcimento em eventual condenação ao pagamento de indenização por dano

moral ou físico.

Page 34: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

34

Todavia, Gosdal e Soboll (2009) chamam a atenção para a ineficiência

desses recursos, uma vez que o empregado, na maioria das vezes, age de forma

perversa dentro da empresa seguindo padrões internos de funcionamento. Ainda

asseveram as autoras que “a imposição de Códigos de Ética pela direção das

empresas, sem um amplo debate interno, sequer cumpre uma função simbólica,

estimulando ainda mais a desconfiança e a insegurança do corpo assalariado”.

Há várias estratégias que possibilitam prevenir o assédio moral e as

classificam em três grupos: estratégias de informação; estratégias de

normalização e controle e estratégias de formação.

Para as autoras, as estratégias de informação compreendem,

basicamente, ações destinadas a informar as pessoas a respeito da existência do

assédio. As de normalização e controle são as estratégias apoiadas em códigos

de conduta das empresas, privadas ou públicas, dos colaboradores das entidades

de classes, de ensino e religiosas, e a partir daí, um controle rigoroso de sua

aplicabilidade e eficácia. No que concerne às estratégias de formação, os autores

aduzem a necessidade de haver uma complexa e radical transformação de

valores, via ensino e exemplo, contemplando os ambientes públicos e privados.

Oportuno lembrar que os mecanismos de prevenção e repressão ao

assédio moral ainda estão sendo construídos pela prática empresarial, jurídica.

Incontestavelmente o melhor caminho para se prevenir a ocorrência do assédio

moral é o estímulo ao debate em todos os espaços sociais, com o fim de se

atingir a conscientizado acerca dos limites legais da dignidade da pessoa

humana.

Nota-se que a Ordem dos Advogados do Brasil poderia ter um papel

mais atuante no sentido de fomentar o debate sobre o assédio moral, seguindo a

modelar postura do Magistrado do Trabalho, que há muito tem incluído nas

pautas de seus congressos o tema assédio moral na relação de trabalho, como

no debate ocorrido em audiência pública na Comissão do Trabalho de

Administração e de Serviço Público da Câmara dos Deputados. Vê-se, portanto,

que a atuação dos Sindicatos dos empregados, dos representantes dos órgãos

Page 35: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

35

Públicos como os Auditores Fiscais do Trabalho e do Judiciário como

Procuradores do Trabalho, Associações dos Magistrados da Justiça do Trabalho,

Comissão de Trabalho de Administração e de Serviço Público (CTASP) da

Câmara dos Deputados, Ordem dos Advogados do Brasil pode, de forma conjunta

e solidária, adotar mecanismos para atenuação do problema do comportamento

humilhante que tanto viola as garantias constitucionais do trabalhador, impondo

limites ao direito do empregador de dirigir as atividades do empregado.

3.2 – DO ÔNUS DA PROVA NA QUESTÃO DO ASSÉDIO MORAL

Diante da dificuldade de fazer a prova, vários autores propõem

algumas medidas como, por exemplo, a inversão do ônus da prova. Nesse

sentido a discussão há de sopesar o contrato de trabalho, o tipo de

responsabilidade civil e o ônus probandi.

No que se refere a contrato de trabalho, Dellagrave Neto (2008) elucida

que a responsabilidade civil pode ser dividida em duas dimensões: uma subjetiva,

proveniente das inexecuções contratuais em geral e outra objetiva em face da

assunção do risco pelo empregador, aplicadas nos casos em que o dano do

empregado ocorre independentemente de culpa patronal. Nota-se que, em se

tratando de responsabilidade contratual, o ônus probandi varia conforme o tipo de

inexecução contratual.

Conforme Dellagrave Neto (2008), quando o dano incidir sobre

obrigação de resultado, haverá sempre a presunção de culpa do agente,

exonerando a vítima da prova. Quando o dano decorrer da inexecução de uma

obrigação de meio, a vítima arcará com o ônus de provar o ato culposo do agente.

Oportuno trazer a observação do autor de que, na esfera do contrato

de trabalho, a obrigação patronal de remunerar é considerada uma obrigação de

resultado, e o dever do empregado de trabalhar de forma subordinada é uma

obrigação de meio. Quanto aos deveres de conduta anexos ao contrato (lealdade,

informação e proteção) são, em regra, obrigações de meio para ambos os

contratantes. Assim, vê-se que o ônus de prova, em geral, é da vítima. Comporta

Page 36: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

36

exceções, como salienta o autor, podendo haver caso de inversão do ônus da

prova a favor do trabalhador.

Quanto ao assédio moral, Alkimin (2007) observa que não se pode

ignorar os prejuízos concretos na vida da vítima do assédio moral, pois se

refletem nos aspectos pessoal, social, familiar e profissional, cuja dor moral

promove reações orgânicas e psíquicas, como por exemplo, estresse, ansiedade,

depressão, medo e angústia.

Sako entende que:

“O empregador que pratica ou permite que se pratique o assédio moral no trabalho comete falta grave. A ofensa moral é mais grave do que a ofensa física, pois deixa marcas profundas no interior da vítima e acarreta sérios danos à sua saúde. A saúde física e mental é o bem maior do trabalhador, porque dela depende sua sobrevivência e de sua família, é fonte de dignidade, e conta com proteção especial da lei”.(SAKO, 2008, p.279)

Para a autora, a responsabilidade pela reparação do dano no caso de

assédio moral recai sobre o empregador: “Responde a empresa porque faltou ao

dever de zelar pela higidez do ambiente de trabalho, (...)”.

No que se relaciona à prova judicial do assédio moral, nota-se que se

trata de prova de extrema dificuldade para a vítima, posto que, na maioria das

vezes, o assediante age de maneira dissimulada; “às escuras”.

Entende-se que, além das dificuldades acima expostas, há ainda a

recusa dos próprios colegas de trabalho em testemunhar a favor da vítima. Em

razão disso, Dellagrave Neto (2008) entende que a prova do assédio moral

merece tratamento diferenciado pela doutrina processual do trabalho, isto é,

alteração do axioma central, em relação ao ônus probatório.

Para o autor, até mesmo a gravação das conversas abusivas deveria

ser admitida pelo julgador sem maiores “receios” sem a possibilidade de ser

censurada, como expõe: “E nem se cogite da invalidade dessa prova obtida “por

Page 37: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

37

meios ilícitos” (art. 5º, LVI, CF), sob pena de se beneficiar o réu em detrimento da

vítima assediada.

Dentro desse contexto, o mesmo autor ainda destaca a natureza

especial do assédio moral, uma vez que se está diante de uma “colisão de direitos

fundamentais”284, e para ele, o “critério de preferência e sacrifício deve ocorrer à

luz do Princípio da Proporcionalidade”

Nas lições de Moraes o Princípio da Proporcionalidade visa diminuir as

distorções do rigor da obtenção de provas, em casos de excepcional importância,

ou casos delicados, onde o direito tutelado é mais importante que o direito à

intimidade, segredo, etc.:

Como bem pondera Romita (2007), o Princípio da Proporcionalidade

justifica ações positivas em favor de determinadas categorias de pessoas

desfavorecidas e opera como “ordenador do direito”, ensejando a conciliação de

conflitos entre as normas constitucionais que consagram os direitos fundamentais.

Nesse sentido, a jurisprudência tem se manifestado, como mostra

Acórdão proferido pelo Desembargador Valdir Florindo em que sustenta caber ao

juiz avaliar as circunstâncias e particularidades do caso concreto à luz do princípio

da razoabilidade e proporcionalidade:

“A figura do assédio moral consubstancia-se na pressão psicológica do empregador ou preposto, com caráter não eventual, na busca de fazer dos constrangimentos perpetrados no trabalho, ou em função dele, instrumento de verdadeira coação, para aumento de produtividade ou mesmo induzir o empregado à prematura ruptura de seu contrato de trabalho. O contexto é de desestabilização emocional e humilhação à dignidade da pessoa humana. Ao aplicador do direito cabe o sopesamento das circunstâncias e particularidade do caso concreto, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. do Acórdão: 20081085367”. Turma: 6. Data julgamento: 09 mar. 2008. Data publicação: dez. 2008. Relator: Valdir Florindo. Disponível em: <http:///www.trt02.gov.br>. Acesso em: 02 jan. 2012.

Ressalta-se que, exigir prova robusta e incontroversa da vítima de

assédio é o mesmo que rejeitar sua pretensão de reparação de dano moral.

A proposta da inversão do ônus da prova é tratada por Alkimin (2007),

entendendo que, salvo melhor juízo, a prova do dano moral, inclusive no caso do

Page 38: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

38

assédio moral, não deve se sujeitar à disciplina geral em matéria de prova, no

sentido de que o encargo probatório deve ser transferido àquele que invoca a

tutela jurisdicional (CLT, art. 818 e CPC, art. 333, inciso I), em razão do próprio

desequilíbrio social e econômico entre empregado e empregador.

Nesse sentido, a autora elucida que o juiz tem aptidão para avaliar,

inclusive presumir a existência do dano, determinando, assim, a inversão do ônus

da prova:

“Por outro lado, o juiz valendo-se de sua persuasão racional e da presunção como meio de prova, poderá aferir ou até mesmo presumir a existência de dor, sofrimento, angústia, aflição, desespero, vergonha, humilhação, o descrédito perante os colegas, e admitir a existência do dano, determinando a inversão do ônus da prova, impondo ao agressor o ônus de prova a inexistência de conduta de assediante e da possibilidade de existência do nexo de causalidade; até porque, diante do desequilíbrio social e econômico entre empregado e empregador, perfeitamente justificável é a inversão do ônus da prova”. (ALKIMIN, 2008, P. 56)

Entende-se que outra questão importante é uma mudança no foco da

prova, onde se discute a real necessidade de se provar o dano, ou apenas

bastaria a prova da conduta abusiva para se provar a ocorrência do assédio

moral.

Nesse sentido, é interessante reproduzir a jurisprudência do TRT 23ª

Região, no qual a prova do assédio, não obstante deva continuar a ser robusta,

passa a ser exclusivamente a prova da conduta ilícita:

“O terror psicológico dentro da empresa, que caracteriza o assédio moral, é manifestado através de comunicações verbais e não-verbais, como gestos, suspiros, levantar de ombros, insinuações, zombarias, que visam desestabilizar emocionalmente o empregado, humilhá-lo, constrangê-lo, colocando em risco a continuidade da relação laboral. A prova hábil a configurar o assédio moral, por sua vez, deve ser robusta, com precisa descrição do método empregado pelo infrator, a fim de possibilitar identificar seus elementos e suas características particulares. In casu, o reclamante desincumbiu-se do ônus de provar que sofreu perseguições por parte do empregador, porquanto a prova testemunhal demonstrou que seus prepostos o ridicularizavam em reuniões, conduta ilícita que, a toda evidência, provoca dano à sua honra, imagem, boa fama, intimidade e, consequentemente, obriga a indenizar”. (Acórdão do Recurso Ordinário, RO 00913.2007.003.23.00-4, Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso, 23ª Região. Relator Des. Roberto Benatar. Data julgamento: 01 jul. 2008. Disponível em: <www.trt23.jus.br>. Acesso em: 03 jan. 2012.

Page 39: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

39

Conforme Alkimin (2007), o assédio moral pode provocar vários tipos

de danos, um “dano psíquico, um dano à saúde, um dano à sua dignidade, à sua

identidade, enfim, à sua personalidade”.

Sobre a dificuldade de se produzir provas, Alkimin (2007) esclarece

que fazer provas do assédio é uma questão muito complexa, ainda mais para o

empregado de “chão da fábrica”, pois ele “não guarda resultado de um exame,

não guarda um atestado, não guarda absolutamente nenhuma prova. Só tem a

sua palavra e seu sofrimento. E sabemos que palavras e fio do bigode, de nada

valem.

E, por outro lado, “(..) tem como aliado o medo dos colegas em se

envolver; raramente tem provas ou quem queira se arriscar e testemunhar a seu

favor”. Vê-se portanto que, em função das inúmeras dificuldades com as quais o

empregado se depara na produção das provas, é necessária uma reavaliação das

regras de produção de prova.

Por fim, entende-se que uma vez reconhecida a dificuldade da prova

nos casos de assédio moral, as discussões sobre a inversão ou alteração do onus

probandi, ou ainda sobre a presunção do dano moral, desviando o foco probatório

para existência ou não da conduta ofensiva, são de grande importância para que

no futuro haja maior conscientização sobre o fenômeno e quem sabe mecanismos

mais eficientes para se coibir essa prática tão nociva para a sociedade.

Page 40: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

40

CONCLUSÃO

Este estudo partiu do pressuposto de que o assédio moral é um caso

ainda difícil para a Justiça do Trabalho, tanto quanto a dificuldade de diagnóstico

como a quem punir e qual punição aplicar. Visto os danos psicológicos que a

vitima de assédio moral pode sofrer pelo resto da vida, parece insuficiente apenas

uma punição financeira a empresa onde esse trabalhava. Entende-se que as

vítimas buscam a Justiça procurando amenizar seu sofrimento por meio do

reconhecimento do mal que enfrentaram e o desejo de que o agressor seja

punido. Os processos por assedio moral, por enquanto, estão sendo tratados pela

Justiça do Trabalho como pedidos de indenização por dano moral. Não se tem

ainda Legislação Federal específica com punições cabíveis.

Buscou-se analisar as medidas legais cabíveis que podem ser

utilizadas nos casos de assédio moral contra o empregado nas empresas, bem

como demonstrar que uma forma de se atenuar e evitar a ocorrência do assédio

moral deve ser a prevenção, com a adoção de medidas que preservem a

qualidade de vida do empregado, mantendo o ambiente de trabalho sadio,

preservando a boa saúde, a vida e, acima de tudo, a dignidade do trabalhador.

A hipótese do presente estudo foi confirmada, pois, indubitavelmente,

não se pode deixar de atentar que a ausência de legislação em nível nacional, e

em diversos países, dificulta a caracterização e a punição do assédio moral,

restando necessária a criação de lei específica. Sabe-se que, mesmo sendo

resultado de muita pesquisa e reflexão, as conclusões deste trabalho acadêmico

não são exaustivas, únicas ou absolutas, haja vista que a sociedade não é

estática, mas sim está em perene transformação.

No entanto, buscou-se demonstrar como a classe trabalhadora se

desestabilizou, principalmente a partir da década de 1980, e ao se precarizar e

viver sob o fantasma do desemprego estrutural, acabou por tornar-se mais

Page 41: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

41

vulnerável ao fenômeno do assédio moral, perdendo todos os limites da tutela da

dignidade da pessoa humana, ou seja, da questão do valor do trabalho humano.

Nota-se que a jurisprudência tem demonstrado a preocupação de

alguns juízes em identificar e definir com objetividade o que é e o que deixa de

ser assédio moral, destacando os elementos essenciais do assédio moral e

desviando-se do risco das generalizações.

Oportuno lembrar que os mecanismos de prevenção e repressão ao

assédio moral ainda estão sendo construídos pela prática empresarial, jurídica.

Incontestavelmente o melhor caminho para se prevenir a ocorrência do assédio

moral é o estímulo ao debate em todos os espaços sociais, com o fim de se

atingir a conscientizado acerca dos limites legais da dignidade da pessoa

humana.

Page 42: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

42

BIBLIOGRAFIA

ALKIMIN, Maria Aparecida. Assédio moral na relação de emprego. 1. ed. 4ª

tiragem. Curitiba: Juruá, 2008.

CARVALHO, Nordson Gonçalves. Assédio moral na relação de trabalho. São

Paulo: Rideel, 2009.

CAVALCANTI, Lygia Maria de Godoy Batista. A dignidade da pessoa humana

como norma principiológica de aplicação no direito do trabalho. In: SILVA,

Alessandro da; MAIOR, Jorge Luiz Souto; FELIPPE, Kenarik Boujikian; SEMER,

Marcelo (coords.). Direitos humanos: essência do direito do trabalho. 1ª ed. 2ª

tiragem. São Paulo: LTr, 2007.

DELLAGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no Direito do

Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 4. ed. São Paulo:

LTr, 2005.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Aurélio. Dicionário da Língua

Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.

FIORELLI, José Osmir; Fiorelli, Maria Rosa; Malhadas Junior, Marcos Júlio Olivé.

Assédio moral: uma visão interdisciplinar. São Paulo: LTr, 2007.

GOMES, Orlando; Gottschalk, Élson. Curso de Direito do Trabalho. Rio de

Janeiro: Forense, 2006.

GOSDAL, Thereza Cristina; SOBOLL, Lis Andrea Pereira (orgs.). Assédio moral

interpessoal e organizacional. São Paulo: LTr, 2009.

Page 43: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

43

GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr,

2008.

HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral.

Tradução de Rejane Janowitzer. 3ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

LIPPMANN, Ernesto. Assédio sexual nas relações de trabalho: o que é assédio

sexual? o que é assédio moral? como processar seu empregador? como prová-lo

em juízo? como evitar reclamações de seus funcionários? como os tribunais

calculam as indenizações? 2. ed. São Paulo: LTr, 2005.

MARANHÃO, Délio Viana. Contrato de Trabalho. In: SÜSSEKIND, Arnaldo;

Maranhão, Délio Viana; SEGADAS, Vianna; TEIXEIRA FILHO, João de Lima.

Instituições do Direito do Trabalho. 21ª ed. atual. São Paulo: LTr, 2003, vol.1.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 16ª ed. atual. EC n. 44/04. São

Paulo: Atlas, 2004.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho - história e teoria

geral do direito do trabalho - relações individuais e coletivas do trabalho. São

Paulo: Saraiva, 2009.

OLIVEIRA, Paulo André de. Desemprego estrutural.

<http://www.fmr.edu.br/publicacoes/pub_08.pdf>. Acesso em: 05 jan. 2012.

ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações do trabalho. 2ª ed. rev.

aum. São Paulo: LTr, 2007.

RUFINO, Regina Célia Pezzuto. Assédio moral no âmbito da empresa. 2. ed. São

Paulo: LTr, 2007

SAKO, Emília Simeão Albino. A prova no Processo do Trabalho. 2. ed. São Paulo:

LTr, 2008.

Page 44: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

44

SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997,

vol. IV, Q-Z, p.274.

STADLER, Denise de Fátima. Assédio moral: uma análise da teoria do abuso de

direito aplicada ao poder do empregador. São Paulo: LTr, 2008.

THOMÉ, Candy Florêncio. Assédio moral nas relações de emprego. São Paulo:

LTr, 2008.

TRT. http.www.trt23.jus.br. Link: Consultas/Jurisprudência Acesso em: 03 jan.

2012.

Page 45: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE … · posição enciclopédica que se pode fazer um estudo mais preciso sobre o tema. Segundo Nascimento (2004), o assédio moral revela-se

45

ÍNDICE

RESUMO............................................................................................................... 5

METODOLOGIA.................................................................................................... 6

SUMÁRIO.............................................................................................................. 7

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 9

CAPÍTULO I

ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO................................................................... 11

1.1 – CONCEITUAÇÃO DE ASSÉDIO MORAL................................................. 13

1.2 – PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS............................................................ 20

1.3 – NATUREZA JURÍDICA.............................................................................. 20

1.4 – OS AGENTES AGRESSORES.................................................................. 20

1.4.1 – Dos agentes e seus motivos................................................................. 20

1.4.2 – Estratégias.............................................................................................. 20

1.4.3 – Das vítimas............................................................................................. 20

1.4.4 – Reflexos sofridos................................................................................... 20

CAPÍTULO II

ASPECTOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS.................................... 22

2.1 – A SUBORDINAÇÃO JURÍDICA, A DEPENDÊNCIA ECONÔMICA E

A DIGNIDADE..................................................................................................... 20

2.2 – ABUSO DO PODER DIRETIVO................................................................. 20

2.3 – DISTINÇÃO ENTRE ASSÉDIO MORAL, ASSÉDIO SEXUAL E OUTRAS

FIGURAS...............................................................................................................26

CAPÍTULO III

MEDIDAS DE PREVENÇÃO E COMBATE AO ASSÉDIO MORAL................... 32

3.1 – MEDIDAS DE PREVENÇÃO...................................................................... 32

3.2 – DO ÔNUS DA PROVA NA QUESTÃO DO ASSÉDIO MORAL................. 35

CONCLUSÃO...................................................................................................... 40

BIBLIOGRAFIA................................................................................................... 42