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UniSALESIANO LINS CENTRO UNIVERSITÁRIO CATÓLICO SALESIANO AUXILIUM CURSO DE DIREITO MARCELA CIOCCIA NEVES A HERANÇA DIGITAL E O FUTURO DOS BENS VIRTUAIS LINS, 2017

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UniSALESIANO LINS

CENTRO UNIVERSITÁRIO CATÓLICO SALESIANO AUXILIUM

CURSO DE DIREITO

MARCELA CIOCCIA NEVES

A HERANÇA DIGITAL E O FUTURO DOS BENS VIRTUAIS

LINS, 2017

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MARCELA CIOCCIA NEVES

A HERANÇA DIGITAL E O FUTURO DOS BENS VIRTUAIS

Monografia apresentada ao curso de Direito do UniSALESIANO, Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium, sob a orientação do Prof. Me. Vinicius Roberto Prioli de Souza como um dos requisitos para obtenção do título de bacharel em Direito.

LINS, 2017

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MARCELA CIOCCIA NEVES

A HERANÇA DIGITAL E O FUTURO DOS BENS VIRTUAIS

Neves, Marcela Cioccia

A herança digital e o futuro dos bens virtuais / Marcela Cioccia Neves. – – Lins, 2017.

118p. 31cm.

Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium – UniSALESIANO, Lins-SP, para graduação em Direito, 2017.

Orientadores: Vinicius Roberto Prioli de Souza

1. Bens digitais. 2. Contratos eletrônicos. 3. Direitos das Sucessões. 4. Direito Digital. 5. Herança digital. I Título.

CDU 34

N425h

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MARCELA CIOCCIA NEVES

A HERANÇA DIGITAL E O FUTURO DOS BENS VIRTUAIS

Monografia apresentada ao curso de Direito do UniSALESIANO, Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium, sob a orientação do Prof. Me. Vinicius Roberto Prioli de Souza como um dos requisitos para obtenção do título de bacharel em Direito.

Lins, 16 de junho de 2017.

Professor Mestre Vinicius Roberto Prioli de Souza (Orientador)

Professor Mestre Cristian de Sales Von Rondow

Professor Especialista Dorival Fernandes Queiroz

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Dedico o presente trabalho a minha família, pois sem ela eu nada seria; Sobretudo a minha mãe, Ligia Perin Cioccia, pelo amor e carinho, pelos ensinamentos que jamais irei esquecer, por batalhar dia após dia para que eu e meu irmão pudéssemos estudar; Ao meu pai Valter Roberto Lemes Neves, pelo amor e apoio que me fizeram ser uma pessoa mais forte, sempre com um toque de humor e otimismo; Ao meu irmão Guilherme Cioccia Neves, que apesar da distância física se faz muito presente em nossas vidas, por me ensinar a enfrentar os obstáculos com serenidade. Dedico também ao meu namorado e melhor amigo, Pedro Rodrigues Alves Ferrão da Silva, que me proporciona motivos para sorrir todos os dias, seja pelo amor e pelo companheirismo, seja pela paciência e compreensão de sempre. Cresceremos muito ainda, sempre juntos.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha mãe, Ligia Perin Cioccia, pelo apoio nos momentos difíceis

e pelos cafés fortes (“para acordar”, não é mesmo?), para conseguir enfrentar as

noites em claro em nome deste trabalho; ao meu irmão Guilherme Cioccia Neves, que

me ajudou também na produção desta monografia; e aos meus tios Fernando Luiz

Sastre Redondo e Léa Cecília Perin Cioccia Redondo, pelo incentivo e pelos livros

jurídicos, que muito me ajudaram ao longo da minha vida acadêmica;

Agradeço também ao meu namorado, Pedro Rodrigues Alves Ferrão da Silva,

que também me auxiliou em todas as etapas, seja na sugestão de ideias, seja nas

opiniões;

Aos meus amigos da eterna terceira turma de Direito do UniSalesiano,

sobretudo à Anna Cláudia, Amanda, Eduardo e Lohaine, pelos esclarecedores

debates quanto à temática deste trabalho e por estarem sempre por perto, dividindo

alegrias e compartilhando risadas, espero levar estas amizades pela vida inteira.

Sentirei muitas saudades desta classe, que já está no meu coração;

Agradeço imensamente ao meu professor orientador Vinicius Roberto Prioli de

Souza, pela sabedoria e paciência indescritíveis; e pela empolgação ao aceitar me

orientar neste verdadeiro desafio, assim como me auxiliar na faculdade, me

apresentando, também, ao mundo acadêmico, o que muito me inspirou a trilhar o

mesmo caminho futuramente;

Aproveito o ensejo para agradecer a todos os professores do UniSalesiano, que

de alguma forma marcaram o meu caminho e me fizeram ser uma pessoa mais íntegra

e focada, pois tenho certeza que, seja qual for a profissão que seguirei, terei como

norte os ensinamentos de cada um de vocês; sou eternamente grata;

Ao mestre, advogado e autor de vários livros sobre Direito Digital e Eletrônico,

Renato Ópice Blum, que humildemente arranjou um espaço em sua agenda para me

indicar obras e artigos que tanto me ajudaram a desenvolver este trabalho; desejo-lhe

sucesso, sempre;

Ao professor Alciano Gustavo Genovez de Oliveira, da ETEC-Lins, que me

reservou seu precioso tempo para me auxiliar na delimitação do tema e gentilmente

me elucidou diversas dúvidas;

Ao Anthony Nishida Júnior, pela confiança ao me emprestar o material

necessário à conclusão deste trabalho.

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Imagine um mundo onde os transgressores não deixam pegadas; onde as coisas podem ser furtadas num número infinito de vezes e ainda assim ficam na posse dos seus donos originais; onde coisas de que você nunca ouviu falar possuam a história dos seus assuntos pessoais; onde a física é aquela do pensamento que transcende o mundo material; e, onde cada um é uma realidade tão verdadeira como as sombras da caverna de Platão.

Newton de Lucca.

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RESUMO

Ante as inovações tecnológicas e a complexidade da sociedade digital, a herança

digital também passou a ser discutida como objeto de transmissão causa mortis,

constituindo um novo marco no Direito das Sucessões. Dada a crescente relevância

da matéria, ainda pouco explorada pela doutrina pátria, aborda-se a viabilidade

jurídica de reconhecer bens armazenados virtualmente como parte do patrimônio de

um indivíduo e transmiti-los após a morte, tendo como objetivo geral o de analisar as

consequências e os aspectos jurídicos relacionados ao Direito Sucessório dos bens

armazenados em meio virtual. Os conceitos utilizados abordam temas acerca da

realidade cibernética e os aspectos relevantes do Direito Digital, bem como a origem

do ramo, a terminologia mais adequada a ser utilizada, sua autonomia e

características; tratar-se-ão de temas do Direito das Sucessões, tais como as

modalidades de sucessão, o conceito de herança, a abertura da sucessão e

principiologia constitucional; por fim, abordar-se-ão aspectos da herança digital, tais

como conceito, Projetos de Lei nº 4.099 e n° 4.847 de 2012, contratos eletrônicos e

classificação dos bens digitais de acordo com sua possibilidade de sucessão. No

plano metodológico traçado se adotou a vertente metodológica jurídico-sociológica;

quanto ao tipo metodológico, utilizou-se três tipos: jurídico exploratório, jurídico-

compreensivo e jurídico-propositivo. Quanto ao procedimento, com a intenção de

melhor atender ao que foi disposto acima, a pesquisa se pautou em buscas

bibliográficas e documentais.

Palavras-chave: Bens digitais. Contratos eletrônicos. Direito das Sucessões. Direito

Digital. Herança digital.

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ABSTRACT

In the face of technological innovations and the complexity of the digital society, digital

inheritance has also been discussed as an object of causa mortis transmission,

constituting a new landmark in the Succession Law. Given the growing relevance of

the subject, although little explored by Brazil's doctrine, it seeks the legal feasibility of

recognizing assets stored virtually as part of an individual's assets and transmitting

them after death, having as general objective to analyze the consequences and legal

matters related to the Succession Law of goods stored in virtual environment. The

concepts used deal with topics related to cybernetic reality and the relevant aspects of

Digital Law, such as the origin of the branch, which is the more adequate terminology,

autonomy and characteristics; Themes of the Succession Law, as well as succession

modalities, concept of inheritance, opening of succession and constitutional principles;

Finally, digital inheritance aspects, such as concept, Laws 4.099 and 4.847 of 2012,

electronic contracts and classification of digital goods according to their possibility of

succession. In the methodological plan traced the juridical-sociological methodology

was adopted; As for the procedure, with the intention of better attending to the above,

the research was based on bibliographical and documentary searches.

Palavras-chave: Digital goods. Digital contracts. Succession Law. Digital Law. Digital

inheritance.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 9

2 ASPECTOS RELEVANTES DO DIREITO DIGITAL .......................................... 14

2.1 Da digitalização da sociedade .................................................................. 14

2.2 Da origem .................................................................................................... 19

2.3 Das diversas terminologias ....................................................................... 23

2.4 Da autonomia didática e científica ............................................................ 26

2.5 Das características..................................................................................... 29

2.6 Do surgimento dos bens digitais .............................................................. 33

3 ASPECTOS RELEVANTES DO DIREITO DAS SUCESSÕES ......................... 39

3.1 Das modalidades de sucessão ................................................................. 40

3.2 Da herança .................................................................................................. 42

3.2.1 Da abertura da sucessão ........................................................................... 44

3.2.2 Da indivisibilidade ...................................................................................... 46

3.3 Da previsão e principiologia constitucional ............................................ 49

3.3.1 Do princípio da dignidade da pessoa humana ......................................... 51

3.3.2 Do princípio da proteção à família ............................................................ 54

3.3.3 Do princípio da solidariedade nas relações familiares ........................... 55

4 DA HERANÇA DIGITAL .................................................................................... 57

4.1 Do conceito ................................................................................................. 61

4.2 Dos Projetos de Lei nº 4.099 e 4.847 de 2012 .......................................... 67

4.3 Dos contratos eletrônicos ......................................................................... 71

4.4 Da classificação dos bens digitais de acordo com sua possibilidade de sucessão .................................................................................................................. 78

4.4.1 Dos bens digitais suscetíveis .................................................................... 79

4.4.2 Dos bens digitais não suscetíveis ............................................................ 83

5 CONCLUSÃO ..................................................................................................... 92

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 100

ANEXO A – Ação de Procedimento do Juizado Especial Cível (Autos n° 0001007-27.2013.8.12.0110 – TJ-MS) ................................................................... 116

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1 INTRODUÇÃO

Nos tempos hodiernos, as inovações na área da tecnologia andam em passos

mais largos do que o legislativo pode acompanhar. Há de se convir, portanto, a

necessidade de novas legislações para regulamentar alguns aspectos das tendências

que surgem neste campo.

Sabe-se que são transferidas várias informações via Internet, quer se utilizando

de contas de e-mail, redes sociais, etc., aos quais o usuário somente tem acesso por

meio de uma senha. Desta forma, o titular da conta faz uso do seu direito

constitucional à intimidade e à vida privada.

No entanto, têm sido levados aos tribunais processos em que a família do

falecido deseja obter acesso aos arquivos armazenados na rede, ou às contas do

autor da herança, de modo que se possa usufruir de eventual valor econômico que

esses arquivos possam ter. Ocorre que no ordenamento jurídico brasileiro não há

previsão legal que permita esse tipo de acesso ou faça menção à herança digital e,

em tais circunstâncias, as decisões dos tribunais tendem a ser diferentes.

Nesse sentido, destaca-se a importância de fazer com que o Direito das

Sucessões alcance essas situações e regularize a herança digital, de modo a dar

respaldo para que os magistrados uniformizem suas decisões. Destarte, a relevância

de a lei civil tratar deste tema reside, particularmente, no caráter preventivo de

embates os quais o Judiciário possa ser provocado para a entrega da prestação

jurisdicional.

Nesta toada, o tema a ser explorado consiste no estudo da herança digital e

suas consequências jurídicas. O interesse pelo assunto surgiu quando, buscando um

objeto de pesquisa para a realização desta monografia, percebeu-se que vários perfis

ainda estavam ativos em redes sociais de conhecidos e até mesmo familiares, a

despeito de terem falecido há algum tempo. Em tais perfis, havia diversas mensagens,

desde apoio a luto, sendo revividas em datas de aniversários e ou de óbito destas

mesmas pessoas. Então veio o questionamento: como proceder em relação aos e-

mails, vídeos, itens de jogos, fotografias, perfis em redes sociais, dentre outros bens

que são “acumulados” na Internet durante a vida e persistem para além da morte do

sujeito? É possível transmiti-los a seus herdeiros? Ou não há viabilidade para tanto?

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Neste sentido, ante o tema apresentado, delimitou-se a seguinte problemática:

“Quais são as consequências jurídicas dos bens armazenados em meio virtual ante a

morte de seu titular?”, tendo como objetivo geral o de analisar as consequências e os

aspectos jurídicos relacionados ao Direito das Sucessões de bens armazenados no

meio virtual.

Para contemplar o objetivo geral retro apresentado, elaborou-se os seguintes

objetivos específicos: efetuar investigações da legislação em vigor sobre o tema,

pesquisar projetos de lei e suas implicações, bem como efetuar apreciações dos

princípios constitucionais que perpassem a matéria.

O assunto caracteriza um novo marco do Direito das Sucessões e engloba

vários outros ramos do ordenamento jurídico brasileiro, dentre os quais se destacam

o Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Digital e as

processualísticas pertinentes. Outras disciplinas também foram utilizadas como

instrumento a fim de compreender melhor o objeto de estudo, como a Sociologia

Jurídica, a Filosofia do Direito, a Informática Jurídica e a Tecnologia da Informação

(TI). Deste modo, urge destacar que a herança digital possui grande

interdisciplinaridade, sendo um assunto deveras dinâmico e atual.

Nesse norte, o assunto “herança digital” é relevante e relativamente recente,

não causando estranheza a precariedade de produção científica neste setor. Ainda

que os bens digitais deixados não tenham grande valor monetário, é importante

pensar sobre a destinação deste acervo. Estes ativos digitais, de maneira geral,

trazem a história de seu proprietário, podendo ser adquiridos ou produzidos por ele.

A morte não é um assunto popular. Mas, partindo da premissa de que é uma

certeza, é importante refletir sobre seus aspectos patrimoniais, pois, como se verá

adiante, pode se tornar um problema para quem fica quando o ente falecido não deixa

expressa sua vontade em relação à destinação destes bens.

Neste ínterim, faz-se mister a elaboração desta pesquisa devido ao ineditismo

do tema retratado. O destino dos arquivos digitais depois da morte do autor tem

ensejado questionamentos jurídicos diante de disposições dos termos de uso de

determinados provedores de serviços ou sobre o gerenciamento post mortem.

Vivemos em uma sociedade conectada, cibernética, cuja realidade ainda não

está devidamente regulamentada, vez que o Direito não consegue acompanhar tantas

inovações com a mesma rapidez. Surgem, assim, situações inusitadas ligadas ao

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ambiente digital em que os operadores do Direito se deparam cada vez mais

frequentemente, necessitando de material que possam se apoiar quando isso ocorrer.

Ademais, com o advento de maiores informações sobre a herança digital, busca-se

efetivar a segurança jurídica e a celeridade processual de casos que eventualmente

possam vir a surgir.

Inicialmente, uma das hipóteses resultantes de análises preliminares seria a de

inserir, apenas, os bens digitais em testamento; porém, se o titular não deixasse

nenhuma última vontade expressa, estes bens poderiam, por interpretação analógica,

fazer parte da herança, a fim de serem partilhados entre os herdeiros. Cabe ressaltar

que, ao final do trabalho, tal hipótese se confirmou, entretanto, resultou-se mais

complexa do que imaginada em um primeiro momento.

Adotou-se a vertente metodológica jurídico-sociológica, vez que o Direito

possui laços estreitos com a sociedade, se modificando conforme a sociedade

também se modifica, portanto, como o tema abordado no presente trabalho lida com

uma novidade no Direito, faz-se mister a utilização dessa vertente a fim de que se

adeque o método ao objeto estudado.

Quanto ao tipo metodológico, utilizou-se três tipos: jurídico exploratório,

jurídico-compreensivo e jurídico-propositivo. Isso se dá devido à complexidade e

inovação do tema estudado, tratando assim de uma abordagem preliminar do

problema, ressaltando suas características e percepções (tipo metodológico jurídico

exploratório); mas também, não se olvidando da necessidade de decompor o

problema da herança digital em vários níveis, em vários prismas, analisando-o em

diversos aspectos, a fim de atingir melhor a resposta à problemática proposta (tipo

metodológico jurídico-compreensivo); por fim, não se pode deixar de questionar a

norma imposta, já desatualizada, em relação aos bens suscetíveis de herança,

propondo, por decorrência, uma modificação legislativa concreta para que a mesma

se adeque à nova realidade em que está inserida (tipo metodológico jurídico-

propositivo).

Quanto ao procedimento, com a intenção de melhor atender ao que foi disposto

acima, a pesquisa se pautou em buscas bibliográficas e documentais, já que algumas

das principais fontes do Direito são a doutrina e as normas legais, sendo natural optar

por estes procedimentos em uma pesquisa da área. Assim, procedeu-se ao

levantamento bibliográfico cotejado em livros de doutrina, artigos em revistas

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científicas e publicados na Internet, trabalhos acadêmicos, além de jurisprudências e

legislações.

No segundo capítulo do presente trabalho, “Aspectos relevantes do Direito

Digital”, abre-se o assunto da herança digital contextualizando-o na realidade

cibernética, apresentando o leitor ao Direito Digital, ramo jurídico em ascensão com o

advento da Internet. Busca-se, desta forma, demonstrar uma das facetas decorrentes

da sociedade globalizada e conectada, qual seja, o crescente aumento da produção

de informações e o destino das mesmas com a morte de seus titulares.

Para tanto, tratou-se da digitalização da sociedade e da Revolução

Tecnológica; ainda, mostrou-se a evolução histórica da Internet, dos ambientes

virtuais e arquivos digitais; discorreu-se da origem, das diversas terminologias, da sua

autonomia didática e científica, bem como das características do Direito Digital; e o

surgimento de uma nova categoria de bens, a dos bens digitais.

A finalidade do terceiro capítulo, “Aspectos relevantes do Direito das

Sucessões”, é o de apresentar as modalidades de sucessão; assim como tratar do

conceito de herança, da indivisibilidade do instituto e das modalidades de abertura da

sucessão; discorrer, também, da previsão principiológica constitucional, abordando-

se o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da proteção à família e o

princípio da solidariedade nas relações familiares.

Por fim, no quarto capítulo, “Herança Digital”, tem como objetivo discorrer sobre

a natureza jurídica e a base conceitual desse tipo de herança, de modo a estabelecer

sua validade e natureza jurídicas; cotejar os princípios que atinem ao assunto, bem

como expor as opiniões favoráveis e desfavoráveis aos Projetos de Lei nº 4.099 e

4.847 de 2012; denotar brevemente ideias básicas dos contratos eletrônicos;

apresentar a classificação dos bens digitais de acordo com sua possibilidade de

sucessão, qual seja, dos bens digitais suscetíveis e dos bens digitais não suscetíveis,

sempre se observando a sua valoração econômica e a proteção à privacidade do

falecido. Buscar-se-á, resumidamente, no que diz respeito à manifestação de vontade

do proprietário de bens digitais quanto ao destino desse acervo, alternativas ao

testamento tradicional, indicando soluções modernas e eficazes para o melhor

gerenciamento desse patrimônio.

Portanto, espera-se não o esgotamento do assunto, mas a contribuição para o

âmbito acadêmico e jurídico, vez que a visão encartada neste trabalho sobre a

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herança digital encontra-se limitada pela realidade e pelo momento histórico vivido,

tendo-se ainda muito o que se debater ao longo dos anos. Entrementes, não há

dúvidas de que todos devem refletir sobre o destino de seus bens, inclusive os

armazenados digitalmente, para que não sejam perdidos ou sejam explorados por

quem não é de direito.

Tendo em vista todo o exposto e apresentado sobre o tema, o problema

enfrentado, os objetivos principais e específicos, a justificativa, os instrumentos

metodológicos e a hipótese provisória do presente trabalho, passar-se-á ao

desenvolvimento das ideias concernentes à herança digital e seus desdobramentos

sociais e jurídicos.

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2 ASPECTOS RELEVANTES DO DIREITO DIGITAL

2.1 Da digitalização da sociedade

É impossível tratar sobre herança digital sem antes contextualizar a

humanidade no espaço-tempo, bem como é impossível adentrar em um tema tão

recente sem abordar seus limites de investigação. Para tanto, importante se faz trazer

alguns conceitos teóricos que decorreram da Revolução Tecnológica, bem como as

implicações da mesma nas relações entre pessoas, empresas e instituições.

Castells a chamou de Revolução das novas tecnologias de Informação; Negroponte preferiu denomina-la de Era da Pós-informação; Jean Lojkine nomeou-a Revolução Informacional; e Jeremy Rifkin a apontou como a Era do Acesso. Entre tantas outras classificações, o que parece comum a todos, no entanto, é o uso do computador como instrumento vital da comunicação, da economia e da gestão (WACHOWICZ, 2008, p. 289).

O conceito e nomenclatura de Revolução Tecnológica são de difícil precisão,

pois variam ao longo do tempo e do espaço, bem como os teóricos possuem diferentes

definições acerca do tema. Neste sentido, Wachowicz elucida que (2008, p. 294):

Primeiramente, a Revolução Tecnológica deve ser avaliada como um processo e não apenas um conjunto de descobertas ou avanços tecnológicos havidos numa determinada época. Neste sentido, deve-se efetuar um estudo ao longo do tempo para se perceber as rupturas ocorridas na estrutura do sistema social-político-econômico-jurídico e em seus paradigmas dominantes.

Com o início da Revolução Tecnológica por volta do final da Segunda Guerra

Mundial, tendo os Estados Unidos como pioneiros, houve o aperfeiçoamento dos

computadores e tecnologias de comunicação, permitindo o armazenamento de dados

e a transmissão da informação com uma velocidade cada vez maior. Estas

transformações, no entanto, foram ficando mais intensas nas últimas três décadas

(ALMEIDA; RIGOLIN, 2013, p. 17), de tal forma que afetaram vários ramos da vida

em sociedade, bem como do Direito.

Os processos que envolvem a Revolução Tecnológica mostram uma série de

saltos inesperados, ou seja, avanços qualitativos que transformam a ordem existente.

A Revolução Tecnológica permitiu o desenvolvimento de atividades industriais

que aplicam tecnologias de ponta em todas as etapas de produção, aumentando a

taxa de produtividade. Essa nova fase de produção, com o conhecimento adquirido

devido a várias pesquisas, agregou elevados valores ao produto final, mesmo que

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tenha sido gasto pouca quantidade de matéria-prima para produzi-lo. Como exemplo

de atividades tem-se a produção de computadores, softwares1, microeletrônica, além

da expansão de transmissores de rádio e televisão, telefonia móvel e Internet2, dentre

outras. A inovação de um dos itens citados contribui diretamente ou indiretamente

para o desenvolvimento de outro (FREITAS, 2016).

A herança digital é resultado da Revolução Tecnológica, sendo importante,

portanto, trazer alguns conceitos teóricos acerca desta, bem como suas implicações

nas relações entre pessoas, empresas e instituições.

Toffler (1980, apud PINHEIRO, 2013, p. 32) já destacava, nos anos 70, a

emergência de uma sociedade da informação, que, segundo as lições do aludido

autor, seria regida por dois relógios: um analógico, que segue um tempo físico, com

vinte e quatro horas por dia e sete dias por semana; e um digital, que segue um tempo

virtual, extrapolando os limites das horas do dia e acumulando várias ações que

deverão ser realizadas simultaneamente. Logo, segundo este entendimento, a

sociedade da informação demanda cada vez mais que seus participantes rompam

com os limites de fusos horários e distâncias físicas, fazendo com que executem

tarefas e acessem informações que deverão ser realizadas num tempo paralelo, isto

é, digital.

Para engrossar esta linha de raciocínio, Toffler (1980, apud PINHEIRO, 2013,

p. 32-33) elucidou que a evolução da humanidade poderia ser dividida em três ondas:

A primeira delas teve início quando a espécie humana deixou o nomadismo e passou a cultivar a terra. Essa Era Agrícola tinha por base a propriedade da terra como instrumento de riqueza e poder. A Segunda Onda tem início com a Revolução Industrial, em que a riqueza passa a ser uma combinação de propriedade, trabalho e capital. Seu ápice se dá com a Segunda Guerra Mundial, em que o modelo de produção em massa mostra sua face mais aterradora: a morte em grande escala, causada pelo poderio industrial das nações envolvidas. Como em toda transição, a chegada da Terceira Onda, a Era da Informação, começou a dar seus primeiros sinais ainda antes do apogeu da Segunda Onda, com a invenção dos grandes veículos de comunicação, como o telefone, o cinema, o rádio e a TV, num período de cinquenta anos entre o final do século XIX e início do século XX.

1 A Lei nº 9.609/98 (Lei de Programa de Computador), em seu art. 1º, parágrafo único, define o software: “Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados”. 2 Dependendo da forma como é grafada, esta palavra pode se referir a diferentes tipos de redes. Escrita com “i” maiúsculo, a Internet significa a rede que interliga mundialmente os computadores. Já a grafia com “i” minúsculo refere-se a qualquer rede de computadores que não possui alcance mundial (LUCERO, 2011, p. 39).

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Na Terceira Onda, tem-se o surgimento da tecnologia digital, culminando na

criação da Internet, sendo a sociedade impactada por dois novos elementos: a

velocidade cada vez maior na transmissão de informações, bem como a

descentralização da origem destas (TOFFLER,1980, apud PINHEIRO, 2013, p. 33).

Se a civilização e a cultura se desenvolveram com a escrita, popularizaram-se com a imprensa e foram posteriormente centralizadas, homogeneizadas e hierarquizadas pelos meios de comunicação de massa, “a Internet alterou radicalmente esse quadro, permitindo que a informação, agora em formato digital, seja descentralizada, diversificada e democratizada, possibilitando aos usuários interagir com a informação” (BENKLER apud LEONARDI, 2011, p. 28).

A origem da Internet remonta da Guerra Fria, em meados dos anos 60, nos

Estados Unidos, tendo originalmente fins militares, com o objetivo de criar um meio

para transmissão de dados entre um computador e outro (SOUZA, 2009, p. 75). A

ARPANET – Advance Research Projects Agency Network, como foi denominado esse

sistema tecnológico, permitia que diversos pesquisadores de vários centros de

pesquisa pudessem compartilhar recursos sem o risco de terem seus dados e

informações perdidos por conta de um evento danoso, como um bombardeamento

inimigo, por exemplo (CASTELLS, 1999, p. 82-83).

Pequenas redes locais (LAN) foram criadas e posicionadas em lugares

estratégicos do país, coligadas por meio de redes de telecomunicação geográfica

(WAN), recebendo a denominação de Internet, ou seja, Inter Networking (PAESANI,

2000 apud SOUZA, 2009, p. 76). Posteriormente, esse sistema passou a ser usado

para fins civis, sendo utilizado inicialmente em algumas universidades americanas

como um canal de divulgação, troca e propagação de conhecimento. Esse ambiente

possibilitou o desenvolvimento da Internet como conhecemos atualmente, porém, o

grande marco desta tecnologia se deu em 1987, quando foi convencionada a

utilização para fins comerciais (PINHEIRO, 2013, p. 39).

Tecnicamente, a Internet consiste na interligação de milhares de dispositivos

do mundo inteiro, interconectados mediante IPs (abreviação de Internet Protocol),

utilizando-se um mesmo padrão de transmissão de dados. A conexão do computador

com a rede pode ser direta ou através de outro computador, conhecido como servidor

(este, por sua vez, podendo ser próprio ou, no caso dos provedores de acesso, de

terceiros). O usuário navega na Internet por meio de um browser, programa usado

para visualizar páginas disponíveis na rede (PINHEIRO, 2013, p. 39).

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Souza deixa claro que a Internet não é tão só uma rede que possibilita a

comunicação entre muitos computadores, mas sim uma “teia mundial” que não

possibilita um indivíduo, grupo ou organização controlá-la. “A verdade é que não há

gerenciamento centralizado para esse sistema, pelo contrário, é a forma mais pura e

clara de sistema democrático eletrônico” (2009, p. 79).

González complementa sobre o assunto dizendo que “nenhuma entidade

acadêmica, empresarial, governamental ou de qualquer outro tipo administra a

Internet”3 (2000, p. 41, tradução nossa).

Não há como se falar do Direito Digital sem mencionar também o conceito de

“sociedade convergente” e sua relevância na compreensão de uma população cada

vez mais conectada e usuária de novas tecnologias. Pinheiro diz que a sociedade

convergente nada mais é “que a integração de várias tecnologias criando uma rede

única de comunicação inteligente e interativa que utiliza vários meios para transmitir

uma mesma mensagem, em voz, dados ou imagem” (2013, p. 46).

A sociedade convergente é resultado da evolução tecnológica, teve início com

a criação do telefone e se desenvolve, através da Internet, até os dias atuais. Dado o

primeiro passo através da criação do telefone, o passo seguinte foi a transferência de

pacotes e dados simples para a transferência de conteúdo multimídia, exigindo-se

equipamentos mais capazes e redes de maior velocidade ou com maior largura de

banda. Seguiu-se, então, para um mundo de transmissões em tempo real, por meio

de tecnologia streaming4.

No entanto, este movimento de convergência foi além, saltando do computador

para outros aparelhos, como TV, celulares, etc., passando a abranger toda uma

comunidade móvel. A plenitude do movimento de convergência da sociedade seria

ocasionalmente manifestada, por fim, quando se alcançar a interatividade de todos

esses dispositivos que estão cada vez mais presentes em nossas casas (PINHEIRO,

2013, p. 40).

Comprovando este movimento de convergência, só no Brasil metade da

população está conectada à Internet. Dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra

de Domicílios), divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)

3 “[...] ninguna entidade academica, empresarial, gubernamental o de cualquier outro tipo administra internet”. 4 Streaming é uma tecnologia que envia informações multimídia utilizando as redes de computadores (Internet); a mídia é reproduzida à medida que chega ao usuário, permitindo que o mesmo reproduza esse conteúdo sem a violação dos direitos de autor.

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no dia 29 de abril de 2015 apontam que, em 2013, as regiões Sudeste (57%), Sul

(53,5%) e Centro-Oeste (54,3%) registraram os maiores percentuais de utilização da

Internet considerando-se todos os equipamentos. Em relação ao número de

domicílios, de acordo com a pesquisa, 48% deles tinham acesso à Internet (31,2

milhões de residências). Desse total, 88,4% (ou 27,6 milhões) usavam a Internet por

meio de computador. No restante – 11,6% ou 3,6 milhões de domicílios, a utilização

da Internet era realizada por outros equipamentos.5

É visível que esta complexidade tecnológica é agravada pelo fator tempo e pela

velocidade crescente com que os efeitos de algum acontecimento específico são

sentidos em várias outras partes do mundo. Assim, é necessário que as relações

tecnológicas, sejam entre pessoas, empresas, ou instituições, passem a exigir novas

regras, princípios e regulamentos, aplicando-se também antigos princípios que

continuam atuais para o Direito (PINHEIRO, 2013, p. 40).

As mudanças já vêm ocorrendo em vários segmentos da sociedade, inclusive

no campo do Direito, apesar de encontrar certa resistência em seus primados

clássicos. Porém, Pinheiro (2013, p. 35) elucida que a capacidade de se adaptar

diante das mudanças faz com que o ordenamento jurídico ofereça certo grau de

certeza e eficácia à sociedade – assim, quanto mais uma norma for capaz de se

adaptar, maior será seu grau de sobrevivência.

Uma das mudanças visíveis decorrentes do uso cada vez maior das tecnologias

é no que tange ao Direito de Sucessões. Cresce de forma intensa o número de

usuários da Internet, sendo cada vez mais comum armazenar dados, informações e

bens digitais no espaço virtual, criando-se um verdadeiro patrimônio digital. Como

exemplos temos desde bens comuns, como fotos, vídeos, livros, e-books, bem como

até itens de jogos online6, que são vendidos a preços altíssimos na rede, entre os

usuários.

5 Para maiores informações, é válido acessar os resultados da pesquisa disponíveis no site do IBGE. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, PNAD Suplementar 2013: Acesso à Internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal. Rio de Janeiro, 29 abr. 2015. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/00000021542204122015225529461268.pdf>. Acesso em: 11 set. 2016). 6 Vários games possuem valores altos, como o Entropia Universe, que é um jogo online criado pela empresa sueca MindArk, entrou no Guinness World Records Book em 2004 e 2008 pelo bem virtual mais caro já vendido, e em 2010, uma estação espacial virtual, um destino popular no jogo, foi vendida por US$330 mil dólares (MOST EXPENSIVE VIRTUAL ITEM - CRYSTAL PALACE SPACE STATION SETS WORLD RECORD. 01 jan. 2010. Disponível em:

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A vida “real” e a “virtual” se confundem, sendo que atualmente a população está

tão conectada à rede (vez que é uma sociedade convergente e digital) que se torna

praticamente impossível não acessá-la ao menos uma vez por dia.

Assim, apreende-se que é possível que uma boa parte das informações, ideias,

arquivos, etc. de uma pessoa esteja armazenada na Internet ao longo de sua vida.

Uma situação nova com que o operador do Direito se depara é a destinação deste

patrimônio digital mediante a morte de seu proprietário: é possível transmitir esses

bens digitais para eventuais herdeiros?

Ao enfrentar esta questão e diversas outras mais, exige-se que o pensamento

jurídico seja capaz de ultrapassar a barreira do tempo e acompanhe as inovações

tecnológicas, de tal forma que esteja preparado para novas situações que envolvam

os meios tecnológicos (como é o caso da herança digital), seja por meio de criações

de leis, ou até mesmo aplicações das mesmas ou da busca de soluções particulares

a cada caso concreto.

O Direito Digital, novo ramo jurídico, funcionará como um auxiliar na

compreensão da herança digital, pautando-se sempre no Direito das Sucessões e

demais outros ramos que se fizerem necessários para adentrar no cerne do problema.

Para tanto, por ser uma novidade no Direito, apresentar-se-ão nos próximos tópicos a

origem do Direito Digital, sua autonomia didática e científica, bem como suas

principais características.

2.2 Da origem

Diante do ritmo acelerado das transformações tecnológicas e da velocidade

cada vez maior com que as informações circulam, os meios em que as mesmas

perpassam evoluem também de forma surpreendente, devendo o Direito acompanhar

essas mudanças, vez que é, em sua essência, uma ciência mutável e dinâmica.

É neste ponto que nasce o Direito Digital, que vem tentar regulamentar e

auxiliar em situações que nem sempre os ramos jurídicos tradicionais conseguem

resolver, pois, em sua maioria, foram pensados em uma época em que sequer existia

o computador.

<http://www.worldrecordacademy.com/internet/most_expensive_virtual_item_Crystal_Palace_Space_Station_sets_world_record_101478.htm>. Acesso em: 07 nov. 2016.).

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O Direito Digital enfrenta diversos desafios, seja para encontrar uma definição

que o descreva, seja na escassez de produção científica sobre a temática. Porém, tal

realidade vem mudando ao longo dos anos, vez que está tendo:

[...] o surgimento, em âmbito mundial, de diversos centros de estudos dedicados à análise das implicações jurídicas, sociais e culturais advindas da Internet. Destacam-se, entre outros: a) nos Estados Unidos: Berkman Center for Internet and Society, da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard7; Stanford Center for Internet and Society, da Faculdade de Direito da Universidade de Stanford8; Information Society Project, da Faculdade de Direito da Universidade de Yale9; b) no Canadá: Citizen Lab, do Munk Centre for International Studies da Universidade de Toronto10; c) na Inglaterra: Oxford Internet Institute (OII), mantido pela Universidade de Oxford,11 e Advanced Network Research Group, do Cambridge Security Programme, mantido pela Universidade de Cambridge12; d) no Brasil: Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS), da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro13 (LEONARDI, 2011, p. 29-30).

A primeira corrente doutrinária que tratava sobre o Direito Digital surgiu nos

Estados Unidos, propondo “um direito próprio para a rede. Trata-se da ‘corrente

libertária’ do direito virtual, que tem em doutrinadores norte-americanos seus

principais expoentes” (ROHRMANN, 2005, p. 12-13).

Leonardi (2011, p. 30-31) explica que o primeiro curso brasileiro de “Informática

Jurídica” foi ministrado na Faculdade de Direito da USP em 1973, por Mario Giuseppe

Losano. Inspirado em tal curso, Celso Lafer criou em 1993 a disciplina “A informática

jurídica”. Na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Newton de Lucca

foi o primeiro professor a ministrar uma disciplina dedicada às relações entre o Direito

e a Internet, em nível de pós-graduação.

Atualmente outras faculdades brasileiras de Direito oferecem, já no curso de

graduação, disciplinas a respeito das relações entre o Direito e a Internet. A título de

exemplo, tem-se a Faculdade de Direito Milton Campos, em Minas Gerais14, a

7 BERKMAN KLEIN CENTER. Disponível em: <http://cyber.law.harvard.edu/home>. Acesso em: 02 out. 2016. 8 THE CENTER FOR INTERNET AND SOCIETY. Disponível em: <http://cyberlaw.stanford.edu>. Acesso em: 02 out. 2016. 9 INFORMATION SOCIETY PROJECT. Disponível em: <http://isp.yale.edu/>. Acesso em: 02 out. 2016. 10 CITIZEN LAB. Disponível em: <http://www.citizenlab.org>. Acesso em: 02 out. 2016. 11 OXFORD INTERNET INSTITUTE. Disponível em: <http://www.oii.ox.ac.uk>. Acesso em: 02 out. 2016. 12 CAMBRIDGE SECURITTY PROGRAMME. Disponível em: <http://www.cambridgesecurity.net/public_html/project-anrg.html>. Acesso em: 02 out. 2016. 13 CENTRO DE TECNOLOGIA E SOCIEDADE. Disponível em: <http://direitorio.fgv.br/cts>. Acesso em: 02 out. 2016. 14 DIREITO GRADUAÇÃO. Disponível em: <http://www.mcampos.br/graduacao-direito.php#grade>. Acesso em: 04 out. 2016.

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Faculdade de Direito da Fundação Antônio Álvares Penteado (Faap)15 e a Faculdade

de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie16, em São Paulo, as quais têm no

curso de graduação, as disciplinas “Direito virtual”, “Informática jurídica” e “Direito

Digital e Eletrônico”, respectivamente.

Além disso, há diversos cursos de pós-graduação dedicados ao estudo dessas

questões. Leonardi (2011, p. 31) destaca entre eles o curso de especialização em

Direito da informática, da Escola Superior de Advocacia de São Paulo (ESA-OAB/SP),

o módulo “Responsabilidade civil na Internet e nos demais meios de comunicação”,

integrante do curso de especialização em Responsabilidade Civil, da Fundação

Getúlio Vargas (GVLaw), e o curso de mestrado em “Direito da sociedade da

informação”, das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).

Ademais, como se não bastasse o interesse da comunidade acadêmica pelo

Direito Digital, também insta dizer que, como se vive em uma era tecnológica, é natural

que o Poder Judiciário busque formas de alcançar a celeridade e eficiência em seu

serviço, o que pode ser conseguido através dos meios eletrônicos.

A Informática Jurídica está intimamente relacionada com o Direito Digital, mas

com este não se confunde, tratando-se de aspectos diferentes de um mesmo assunto:

[...] a primeira refere-se aos elementos físicos eletrônicos, como o computador e seus aparatos, aplicado no direito servindo de ajuda e fonte. O segundo [...] engloba a informática jurídica, mas parte do estudo do Direito direcionado a analisar e regular as relações jurídicas geradas pelas novas tecnologias17.

Paiva (2002, p. 1) conceitua Informática Jurídica da seguinte maneira:

Informática jurídica se ocupa com o estudo dos mecanismos materiais eletrônicos aplicados na consecução do Direito, ou seja, a utilidade dos mesmos para a busca de uma justiça mais próxima da realidade e atualidade fornecendo bases físicas que proporcionem ao estudioso alcançar os instrumentos necessários para a proposição e composição de sua pretensão.

Em suma, enquanto que a Informática Jurídica trata de toda ferramenta da

tecnologia da informação que é voltada para as questões jurídicas, com caráter

15 FAAP - FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO: CURSO DE DIREITO. Disponível em: <https://central.faap.br/grade_curricular/grade_curricular.asp?curso=DR>. Acesso em: 04 out. 2016. 16 UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE: FACULDADE DE DIREITO. Disponível em: <http://up.mackenzie.br/fileadmin/user_upload/_imported/fileadmin/PUBLIC/UP_MACKENZIE/servicos_educacionais/graduacao/Direito_SP/MATRIZ_CURRICULAR_2014/5_Etapa.pdf>. Acesso em: 04 out. 2016. 17 FINKELSTEIN, 2004 apud MONTEIRO, J. G. T. A importância do direito eletrônico no ensino superior jurídico do Brasil. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2858, 29 abr. 2011. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/18986>. Acesso em: 8 out. 2016.

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complementar ao trabalho do operador do Direito (exemplo: correta utilização de

editores de texto, instalação de programas, utilização de certificados digitais, envio de

e-mails, criação de sites, etc.), por outro lado, o Direito Digital “é mais complexo, pois

ele aparece sempre que ocorrem os conflitos de interesses gerados em razão da

criação ou uso de novas tecnologias” (MONTEIRO, 2011).

Nas palavras de Rover (2000, p. 210), na Informática Jurídica “valoriza-se o

conhecimento e agrega-se tempo precioso ao processo, o que resulta em profissionais

mais completos e satisfeitos." Para exemplificar como a Informática Jurídica está

presente no Judiciário, tem-se a recente instituição da prática eletrônica dos atos de

comunicação dos atos processuais. O Código de Processo Civil (CPC) de 2015, em

seus arts. 193 a 199, regulamenta a prática eletrônica dos atos processuais, podendo

ser produzidos, comunicados, armazenados e validados por este meio.

Antes mesmo do CPC de 2015, no ano de 2006, entrou em vigor a Lei n°

11.419, que regulamentou a informatização do processo judicial a ser utilizado nas

justiças civil, penal e trabalhista, bem como nos juizados especiais, em qualquer grau

de jurisdição (art. 1º, §1º). O mencionado dispositivo tratou em seu art. 2º da

autorização do:

[...] envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico, com a utilização da assinatura digital18, baseada em certificado digital19 emitido pela autoridade certificadora; ou mediante cadastro do usuário no Poder Judiciário, que permita a identificação do interessado (GONÇALVES, 2015, p. 293).

Sem dúvidas, o meio eletrônico é uma grande ferramenta em prol da duração

razoável dos processos, diminuindo o espaço de tempo para resolução da lide

(BAHIA; et al, 2015, p. 128-129). Promove-se, desta forma, a agilidade na rotina do

advogado e economia, pois elimina a necessidade do uso de materiais (como papeis)

e custos com autenticações adicionais.

Como se observa, é cada vez maior o interesse da comunidade acadêmica,

das instituições (bem como o Poder Judiciário) e da sociedade em geral sobre

18 A assinatura digital serve para assegurar a validade, a eficácia e a autenticidade nos mais diversos documentos digitais, tais como, nos contratos eletrônicos. 19 Certificados digitais são documentos eletrônicos que identificam com segurança pessoas físicas ou jurídicas, por meio da criptografia (tecnologia que assegura o sigilo e a autenticidade de informações), sendo que o certificado digital da OAB é exclusivo para advogados regularmente inscritos. A legislação brasileira define o certificado digital nas seguintes normas: Decreto nº 3.996 de 31 de outubro de 2001, Decreto nº 4.414, de 7 de outubro de 2002, Decreto nº 3.872 de 18 de julho de 2001, Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001 e Lei n° 11.419 de 2006.

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questões jurídicas concernentes à Era Digital. A Informática Jurídica, aliada ao Direito

Digital, abre novos caminhos para o Judiciário, podendo também trazer novas

problemáticas que são cada vez mais comuns na vida das pessoas, questões estas

que só poderão ser resolvidas diante da interdisciplinaridade das matérias jurídicas já

existentes e com o entendimento do uso, bem como dos efeitos, dos recursos

tecnológicos.

2.3 Das diversas terminologias

Como visto no tópico anterior, surgiu uma nova disciplina diante da

preocupação da área acadêmica, das instituições e da sociedade em geral em relação

às implicações das novas tecnologias na área Direito. Porém, há algumas confusões

e dúvidas que desde já deverão ser sanadas para melhor atingir os objetivos deste

trabalho.

A confusão já se inicia pela nomenclatura. Por meio de uma busca rápida em

doutrinas e na Internet, percebe-se que alguns estudiosos utilizam, dentre outras, as

terminologias Direito da Sociedade da Informação, Direito Virtual, ou então Direito do

Espaço Virtual e até mesmo Direito da Internet.20

Como o objetivo deste capítulo não é destrinchar as diversas nomenclaturas

existentes, passar-se-á à análise apenas de algumas delas, a fim de que se traga

mais clareza do porquê da escolha da terminologia utilizada neste trabalho, qual seja,

Direito Digital.

Alguns doutrinadores defendem que a denominação mais correta seria Direito

da Informática: “O termo Direito da Informática foi, talvez, o mais divulgado no Brasil,

pois assim que surgiu [...] propagou o interesse em estudar os efeitos jurídicos

causados pela era da informação” (MONTEIRO, 2011).

20 Nos países de língua inglesa, fala-se em Cyberlaw, Cyberspace Law, Information Technology Law e Internet Law; na Itália, Diritto dell’Informatica e Diritto dell’Internet; na França, Droit de L’Informatique; na Espanha e nos demais países de língua espanhola, Derecho de Informatica, Derecho Informático e Derecho de Internet; em Portugal, Direito da Informática e Direito da Internet. No Brasil, encontramos Direito Eletrônico, Direito Digital, Direito da Sociedade da Informação, Direito Virtual, Direito da Informática, Direito Informático, Direito das Novas Tecnologias, Direito do Ciberespaço, Direito do Espaço Virtual, entre outras (LEONARDI, 2011, p. 36-37).

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A título de exemplo de autores que usam o termo, tem-se Elias21 e Castro,22

este último definindo o Direito da informática como uma “disciplina que estuda as

implicações e problemas jurídicos surgidos com a utilização das modernas tecnologias

da informação” 23. Entrementes, há críticas que se opõem a esta denominação:

Nota-se que o computador é o principal meio quando se fala em informática e, justamente, por isso que Direito da Informática é um termo limitado, que se refere às relações jurídicas causadas pela utilização das tecnologias da informação. [...] Ora, é certo que o computador é o processador de dados que causou forte impacto na modernidade e fez surgir a denominada era da informação. Contudo, é evidente que outros meios, além dos que emergem das tecnologias da informação, são utilizados atualmente e causam significativos reflexos no campo jurídico. Assim, utilizar um termo restrito como Direito da Informática para se referir a um ramo do direito que tem seu alcance muito além da informática é um tanto quanto incoerente e inadequado (MONTEIRO, 2011).

Nessa toada, o mesmo pode ser dito sobre as nomenclaturas Direito da

Sociedade da Informação, Direito Informático, Direito das Novas Tecnologias, Direito

do Ciberespaço e Direito do Espaço Virtual. É notável que tais terminologias limitam

sua abrangência.

Neste ponto é interessante trazer a lume a opinião de Pinheiro (2013, p. 46),

que inicia sua exposição dizendo que, uma vez que os veículos de comunicação que

compõem a sociedade passam a possuir relevância jurídica (pois se tornaram

instrumentos de comunicação em massa), devem, consequentemente, ser abordados

pelo Direito, sob o risco de gerar insegurança ao ordenamento jurídico e à sociedade.

Neste sentido, o rádio, o telefone, a televisão, dentre outros aparelhos,

trouxeram desafios aos direitos autorais, à liberdade de imprensa, ao direito do

consumidor, etc.; porém, mesmo tendo peculiar relevância, não há um Direito

Televisivo, um Direito Telefônico ou um Direito Radiofônico, logo não fazendo sentido

criar um Direito da Internet, um Direito do Espaço Virtual, ou utilizar qualquer outra

terminologia que é mais específica em si mesma, trazendo limitações de abrangência.

Outros pensadores compartilham de opiniões similares. Sommer (2000, p.

1147, tradução nossa), por exemplo, destaca que:

21 ELIAS, P. S. A sociedade, a tecnologia e determinados aspectos fundamentais do direito penal para o direito da informática. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/2782>. Acesso em: 8 out. 2016. 22 CASTRO, A. A. Informática Jurídica e Direito da Informática: capítulo 6. Disponível em: <http://www.aldemario.adv.br/infojur/conteudo6texto.htm>. Acesso em: 04 out. 2016. 23 CASTRO, A. A. Informática Jurídica e Direito da Informática: capítulo 6. Disponível em: <http://www.aldemario.adv.br/infojur/conteudo6texto.htm>. Acesso em: 04 out. 2016.

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[…] muitos poucos ramos do direito são definidos por suas características tecnológicas. Responsabilidade civil não é “o direito dos automóveis”, embora um acidente de carro é um caso paradigmático de prejuízo. Nem o zoneamento urbano é “o direito do elevador”. As tecnologias informáticas modernas não são uma exceção. Esse argumento não é indiferente ao possível impacto de transformação social da Internet. Talvez a Internet, ou outras tecnologias de informação recentes, vão transformar a sociedade, mas o automóvel também o fez. O motor a vapor e a Revolução Industrial provavelmente transformaram a lei Americana, mas o “direito do motor a vapor” nunca existiu. Por que seria diferente com o “direito da Internet”? Em outras palavras, “cyberlaw” e “direito da Internet” não são conceitos úteis. 24

Sendo assim, nota-se, desta forma, que as peculiaridades do veículo (seja

telefone, fax, computador, etc.) devem ser contempladas pelas várias áreas do Direito,

mas não existe a necessidade da criação de nomenclaturas jurídicas específicas para

tratar destas tecnologias da informação.

Foram apresentados vários argumentos com o escopo de afastar algumas

terminologias inadequadas. Entende-se, desta forma, mais pertinente a utilização das

nomenclaturas Direito Eletrônico e Direito Digital, por serem mais abrangentes e mais

pertinentes, sendo adotadas pela maioria doutrinária.

Quanto ao Direito Eletrônico, autores consagrados como Blum25, Lucca26 e

Paiva utilizam este termo. Paiva, por sua vez, o delimita da seguinte forma (2003, p.

01):

O Direito Eletrônico é um ramo do direito que consiste no estudo do conjunto de normas, aplicações, processos, relações jurídicas, doutrina, jurisprudência, que surgem como conseqüência da utilização e desenvolvimento da informática, encontrando direcionamento para a consecução de fins peculiares, como os seguintes: Evolução ordenada de produção tecnológica, visando sua proliferação e propagação dos avanços da informática. A preocupação com a correta utilização dos instrumentos tecnológicos através de mecanismos que regulamentem de maneira correta e eficaz sua aplicação no mundo moderno.

24 “(…) very few bodies of law are defined by their characteristic technologies. Tort law is not ‘the law of the automobile,’ even though the auto accident is the paradigmatic tort case. Nor is urban zoning ‘the law of the elevator.” Modern informatics technology is no exception. This argument is unaffected by the Internet’s possible transformative social impact. Maybe the Internet, or other recent information technologies, will transform society, but sodid the automobile. The steam engine and the Industrial Revolution probably transformed American law, but the ‘law of the steam engine’ never existed. Why should the ‘law of the Internet’ be any different? In other words, ‘cyberlaw’ and ‘the law of the Internet’ are not useful concepts”. 25 ABRUSIO, J. C.; BLUM, R. M. S. O.; BRUNO, M. G. S. (Org.). Manual de Direito Eletrônico e Internet. São Paulo: Editora Lex, 2006. 26 Newton de Lucca, inclusive, ministrou aulas intituladas com o termo Direito Eletrônico, como “Direito eletrônico e processo” em 2008 e a aula magna “A proteção ao consumidor e o direito eletrônico” também em 2008 (LUCCA, N. Currículo Lattes. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/1501178944339003>. Acesso em: 09 out. 2016).

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Neste passo, Monteiro (2011) elucida, quanto ao Direito Digital, que não há

qualquer oposição quanto ao uso desta terminologia, sendo utilizada até como

sinônimo de Direito Eletrônico:

[...] pois as tecnologias capazes de refletir no âmbito jurídico sempre estarão relacionadas ao eletrônico e ao digital. Um pressupõe a existência do outro. Um aparelho de fax, a digitalização de um documento por meio de um scanner, uma mensagem pelo celular, entre outros tantos exemplos que podem ser citados, representam tanto o eletrônico quanto o digital, de forma que, nos referidos casos, é impossível desassociar um sem que desapareça o outro. Com isso, a conclusão é no sentido de que não há qualquer diferença entre eles.

Ambas terminologias (Direito Digital e Eletrônico) indicam um ramo do Direito

que surgiu para tentar solucionar problemas que passaram a existir graças às

modificações sociais advindas dos avanços tecnológicos. Apresentar diversas

nomenclaturas não é novidade, vez que outros ramos do Direito também já

apresentaram mais de uma, como, por exemplo, o Direito do Trabalho que pode ser

denominado, também de Direito Laboral (MONTEIRO, 2011).

Diante destas análises, optou-se, neste trabalho, por utilizar a denominação

Direito Digital, pois o termo abarca diferentes tecnologias da informação – não apenas

algumas tecnologias específicas –, sendo, também, uma nomenclatura muito utilizada

no meio acadêmico, como por exemplo, pelos doutrinadores Blum,27 Pinheiro28 e

Abrusio29. Lado outro, em dados momentos, será utilizado também o termo Direito

Eletrônico, presente em algumas citações de autores que assim preferem chama-lo.

Ademais, há que se dizer, em conclusão, que o termo Direito Digital é mais

acertado e acompanha, de forma mais eficiente, as transformações da sociedade da

informação, já retratada no primeiro tópico.

2.4 Da autonomia didática e científica

Antes de retratar a autonomia didática e científica do Direito Digital, deve-se

recordar que, primeiramente, o Direito é uno; porém, por conta de exigências

27 Blum é professor do curso de extensão em Direito Digital da Escola Paulista da Magistratura (EPM) e também foi professor do 1º curso de Direito Digital da Fundação Getúlio Vargas (FGV/GVLaw) em 2011 (RENATO OPICE BLUM: SÓCIO. Disponível em: <http://www.opiceblum.com.br/renato-opice-blum/>. Acesso em: 09 out. 2016). 28 PINHEIRO, P. P. Direito digital. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. 29 ABRUSIO, J. O cenário atual do Direito Digital. Disponível em: <https://www.epd.edu.br/artigos/2016/02/o-cen-rio-atual-do-direito-digital>. Acesso em: 09 out. 2016.

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científicas e por razões práticas, os conhecimentos específicos obrigam uma

organização e catalogação, realizando-se “a separação do trabalho com o material

pesquisado e normas legais, doutrina e jurisprudência, que são catalogadas e

organizadas pelos setores e ramos do direito” (BRASIL, 2001).

A razão da ordenação do direito em diversos ramos, tem sua origem na influência das relações sociais ou de conteúdo das normas, que vão se formando e delimitando em setores ou ramos, como o direito civil, penal, constitucional, administrativo etc. [...] Assim, este agrupamento de ramos de direito deu origem às Ciências Jurídicas, que estão encarregadas de estudar cada setor que a compete e, para analisar esta situação, é preciso mencionar as bases que sustentam cada um destes ramos e o assunto do qual tratam (BRASIL, 2001).

Diante do exposto anteriormente, percebe-se que o Direito Digital (ou

Eletrônico) já faz parte das disciplinas ministradas em várias faculdades e

universidades de todo o mundo, podendo ser considerado, sem dúvidas, um ramo que

possui uma autonomia didática. Outro ponto que afasta qualquer dúvida, é que o

Direito Digital possui características que lhes são próprias, restando indiscutível sua

autonomia neste sentido.

No entanto, há uma discussão sobre a autonomia científica do Direito Digital,

qual seja: deve este ser tratado como um ramo independente ou deveria continuar a

ser abordado junto com os outros campos do Direito, como já ocorre?

Não se pode confundir autonomia formal com autonomia cientifica. Autonomia formal decorre da existência de um corpo legislativo diferenciado, já a autonomia cientifica de um ramo do direito decorre de vários outros aspectos: existência de um objeto único ou de objetos relacionados de regulação, existência de princípios e institutos próprios, método interpretativo diferenciado (SILVEIRA, 2010 apud MONTEIRO, 2011, p. 03).

Pelo fato do Direito Digital não possuir alguns dos requisitos para alcançar a

autonomia científica, mas possuir outros, Monteiro acredita que é um potencial ramo

do Direito, dotado de autonomia. Continua o referido autor que, apesar de não ter

surgido nenhum bem jurídico a ser tutelado pelo Direito Digital, negar sua autonomia

“é caminhar rumo à insuficiência e à ineficácia do próprio Direito em si”, podendo gerar

instabilidade e insegurança jurídica nos outros ramos jurídicos (MONTEIRO, 2011, p.

01).

Por outro lado, de acordo com Pereira (2001), o Direito Digital possui todas as

características para ser considerado um ramo autônomo, justificando sua posição

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dizendo que o objeto de estudo é a própria tecnologia, subdivida em objeto mediato

(a informação) e imediato (a tecnologia).

Além disso, referido autor alega que o Direito Digital possui metodologia

própria, “a qual visa possibilitar uma melhor compreensão dos problemas derivados

da constante utilização das novas tecnologias da informação (informática) e da

comunicação (telemática)”, sendo utilizado “um conjunto de conceitos e normas que

possibilitam a resolução dos problemas emanados da aplicação das novas

tecnologias às atividades humanas” (PEREIRA, 2001).

A terceira argumentação apresentada pelo autor no que tange à autonomia

científica do Direito Digital é no sentido de que este possui fontes próprias, ou seja,

fontes legislativas, jurisprudenciais e doutrinárias.

A partir do momento que se confere autonomia didática e científica ao Direito

Digital, fica mais fácil abordá-lo e aprofundá-lo – e a partir deste aprofundamento,

torna-se mais fácil também a regulamentação das novas demandas que surgem com

as transformações da sociedade.

Destaca-se que, quando se analisa o Direito Digital, percebe-se que é um caso

de transdisciplinaridade. No escólio de Nicolescu (2000, p. 22), o prefixo “trans”

significa “aquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através e além de

qualquer disciplina”. Para complementar este conceito, segue o seguinte excerto:

O transdisciplinar é o que dá um passo além da interdisciplinaridade, no tratamento teórico de um tema ou objeto. Seria como um salto de qualidade, uma auto-superação científica, técnica e humanística capaz de incorporar à própria formação, em grau elevado, quantitativa e qualitativamente, conhecimentos e saber diferenciados. [...] A transdisciplinaridade decorre de uma assimilação progressiva de outros saberes que venha a constituir um como software incorporado, qual segunda natureza, no conhecimento e na análise de uma problemática (COIMBRA, 2016, p. 08).

A transdisciplinaridade vai além da multidisciplinaridade e da

interdisciplinaridade30. Almeida Filho (2005, p. 5) traz um exemplo para ilustrar tal

30 O multidisciplinar evoca basicamente um aspecto quantitativo, numérico, sem que haja um nexo necessário entre as abordagens, assim como entres diferentes profissionais. O mesmo objeto pode ser tratado por duas ou mais disciplinas sem que, com isso, se forme um diálogo entre elas. Já a interdisciplinaridade consiste num tema, objeto ou abordagem em que duas ou mais disciplinas intencionalmente estabelecem nexos e vínculos entre si para alcançar um conhecimento mais abrangente, ao mesmo tempo diversificado e unificado. Verifica-se, nesses casos, a busca de um entendimento comum (ou simplesmente partilhado) e o envolvimento direto dos interlocutores. (COIMBRA, J. A. A. Considerações sobre a Interdisciplinaridade. Disponível em: <http://www.ft.unicamp.br/vitor/processo-seletivo-2014/texto-avila.pdf>. Acesso em: 10 out. 2016. p. 06-07).

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conceito no âmbito do Direito Digital: quando uma determinada pessoa cede sua

assinatura para que seja reproduzida por meio de scanner, tem-se uma reprodução

originária de meios próprios da informática; porém, a partir do momento em que esse

meio digital é reproduzido, como no caso de utilizar a assinatura do indivíduo em notas

promissórias, passa-se a um universo maior, que importa em conhecimentos mais

abrangentes que os restritos à informática (no caso da nota promissória,

conhecimentos de Direito Empresarial ou do Decreto nº 2.044, de 31 de dezembro

1908, dentre outros). Ou seja, a partir deste exemplo, tem-se que é certo que a

informática é espécie do gênero digital.

Ademais, nesta mesma linha de raciocínio, vale transcrever as seguintes

palavras de Pinheiro (2013, p. 46):

O Direito Digital consiste na evolução do próprio Direito, abrangendo todos os princípios fundamentais e institutos que estão vigentes e são aplicados até hoje, assim como introduzindo novos institutos e elementos para o pensamento jurídico, em todas as suas áreas (Direito Civil, Direito Autoral, Direito Comercial, Direito Contratual, Direito Econômico, Direito Financeiro, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Internacional etc.).

Deste modo, o Direito Digital não é totalmente inédito, muito pelo contrário, tem

guarida na maioria dos princípios do ordenamento jurídico pátrio, além de aproveitar

a maior parte da legislação em vigor, sendo necessário, inclusive, realizar uma

interpretação extensiva dos dispositivos legais (PINHEIRO, 2013, p. 49).

Atualmente, cabe dizer que, diante das particularidades que permeiam o meio

digital, aplica-se a legislação em vigor do mundo físico, cabendo ao juiz fazer

interpretações analógicas a casos anteriores.

2.5 Das características

O Direito Digital possui algumas características, que passarão a ser estudadas

a seguir. Pontua-se desde já que essas características, aliadas ao Direito das

Sucessões, servirão para nortear os estudos referentes à herança digital.

Em suma, o Direito Digital abarca todas as áreas já existentes do Direito e as

aplica à realidade social, sendo este ramo caracterizado pelo dinamismo das relações,

bem como por estabelecer uma conexão entre o Direito Codificado e o Direito

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Costumeiro31, usando o que ambos têm de melhor para solucionar questões que

envolvem o novo paradigma da sociedade digital (PINHEIRO, 2013, p. 47).

A partir desta colocação, iniciar-se-á os estudos pelos elementos (ou

características) trazidos pelo Direito Costumeiro, os quais, segundo Pinheiro, estão a

amparar o Direito Digital. São eles: a generalidade, a uniformidade, a continuidade, a

durabilidade e a notoriedade (ou publicidade). Ressalta-se que o fator tempo é

essencial em um “mundo em que transformações tecnológicas cada vez mais

aceleradas, determinando a importância de duas práticas jurídicas no Direito Digital:

a analogia e a arbitragem” (2013, p. 47).

Primeiramente, a generalidade determina que certo comportamento deva ser

repetido razoavelmente para evidenciar a existência de uma regra, amparada pela

ideia de que a norma deve ser genérica, sendo aplicada ao caso concreto pelo uso da

analogia32 e com o recurso da arbitragem33.

No mundo digital, em muitos casos, não há tempo hábil para criar jurisprudência pela via tradicional dos Tribunais. Se a decisão envolve aspectos tecnológicos, cinco anos podem significar profundas mudanças na sociedade. Mesmo assim, a generalidade pode ser aplicada aqui, amparada por novos processos de pensamento do Direito como um todo: a norma deve ser genérica, aplicada no caso concreto pelo uso da analogia e com o recurso à arbitragem, em que o árbitro seja uma parte necessariamente atualizada com os processos de transformação em curso (PINHEIRO, 2013, p. 47-48).

Quanto à uniformidade, esta característica reza que, a partir do momento em

que há uma decisão prolatada, é recomendável que outras empresas, sites,

provedores, etc., procurem adequar-se a tal posicionamento, a fim de não sofrerem

sanções semelhantes (PINHEIRO, 2013, p. 48).

O elemento da continuidade também é importante, pois as “decisões devem

ser repetidas ininterruptamente, dentro de um princípio genérico e uniforme”

(PINHEIRO, 2013, p. 48). Tal pensamento nos leva à durabilidade, sendo que esta

31 Apenas a título de explicação, Diniz elucida que o Direito Costumeiro, ou Common Law, é originalmente a lei comum ou costume geral e imemorial que designa a lei não escrita ou estatuída, criada por decisões judiciais. É conjunto de normas consuetudinárias, baseado nos precedentes judiciários, não escrito, que tem por base casos resolvidos pela Corte de Justiça, imperando na Inglaterra e em outras nações que o adotaram (DINIZ, 2010, p. 132). 32 “É a aplicação, a um caso não regulado de modo direto ou específico por uma norma jurídica, de uma prescrição normativa prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante ao caso não contemplado, fundando-se na identidade do motivo da norma e não na identidade do fato” (DINIZ, 2010, p. 41). 33 “Jurisdição ou poder conferido a certas pessoas determinadas por lei ou indicadas pelas partes para solucionarem a controvérsia judicial ou extrajudicial relativa a direito patrimonial disponível, suscitada entre elas. É o julgamento feito por árbitros, ou seja, o processo que decide um litígio entre duas partes, que escolhem, para tanto, árbitros” (DINIZ, 2010, p. 48).

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promove a criação da crença no uso dos elementos supramencionados, trazendo

segurança aos usuários da rede e, por consequência, ao ordenamento jurídico.

Completando o raciocínio, é importante entender a notoriedade, que nada mais

é que tornar públicas as decisões arbitrais, para que sirvam de referência para todas

as pessoas. No Brasil, “significa tomar por base decisões de questões que começaram

a ser discutidas há pelo menos cinco anos, um tempo que pode ser fatal em uma

época de velozes transformações como essa em que vivemos” (PINHEIRO, 2013, p.

48).

Além destas características trazidas pelo Direito Costumeiro, no Direito Digital,

por existirem muitas questões previstas em contratos, o princípio do pacta sunt

servanda é de suma importância. Ou seja, os contratos fazem a lei entre as partes,

obrigando o cumprimento de seus termos, desde que estejam em conformidade com

as regras e normas relacionadas e elas (arts. 104 e 166, II do Código Civil).

Nesse ponto, destacamos a importância de todos os contratos que envolvam tecnologia possuírem cláusula de vigência, especialmente se pensarmos que a maioria dos softwares tem uma usabilidade muito curta, necessitando de constantes atualizações (upgrades) para continuar operando de forma adequada (PINHEIRO, 2013, p. 48).

O Direito Digital deve regulamentar as relações advindas do uso da tecnologia

e intermediar os conflitos resultantes das mesmas, seja por meio da aplicação das leis

(especificamente os arts. 107 e 112 do Código Civil (CC), que tratam da manifestação

de vontade válida), seja recorrendo à analogia, aos costumes ou aos princípios gerais

de Direito (art. 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro - Decreto-Lei n°

4.657/42). Isso porque, segundo Pinheiro:

[...] no caso de problemas específicos da Internet, o Direito Digital tem por base o princípio de que toda relação de protocolo hipertexto-multimídia, por ação humana ou por máquina, gera direitos, deveres, obrigações e responsabilidades (2013, p. 48).

Outras características que podem ser listadas do Direito Digital são a

celeridade, dinamismo, a autorregulamentação e poucas leis. Sempre as relações

jurídicas devem ser pautadas de acordo com os princípios universais do Direito, como

a boa-fé, suum cuique tribuere (“dar a cada um o que é seu”), neminem laedere (“a

ninguém lesar”) e honeste vivere (“viver honestamente”) (PINHEIRO, 2013, p. 49).

A título de explicação, a celeridade é a tentativa de uma rápida solução do

litígio, fornecendo às partes uma definição veloz e eficiente sobre o seu caso concreto.

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32

Já a boa-fé pode ser tanto objetiva, quanto subjetiva. A primeira é “modelo de conduta

social ao qual cada pessoa deve ajustar-se para agir com probidade”, enquanto que

a boa-fé subjetiva nada mais é do que aquela que “se litiga a um convencimento

individual de estar agindo conforme a lei” (DINIZ, 2010, p. 84).

Não se confunde boa-fé objetiva com boa-fé subjetiva. A boa-fé subjetiva decorre da boa intenção interna, da crença, ou ainda do desconhecimento de uma situação fática, da convicção de estar-se agindo corretamente – como, por exemplo, quando se paga a alguém a quem julga ser o verdadeiro credor. Já a boa-fé objetiva decorre da conduta externada pelo sujeito de acordo com o direito. Diz respeito aos deveres de lealdade, retidão de conduta e demais princípios nos quais os comportamentos humanos devem estar pautados, respeitando-se um padrão ético (SOUZA, 2016, p. 04).

Pinheiro (2013, p. 46-47) defende que não deve criar uma infinidade de leis

próprias sobre o tema, pois tal legislação seria limitada no tempo (vigência) e no

espaço (territorialidade). Assim, no Direito Digital, prevalece a autorregulamentação -

ou seja, o conjunto de regras é criado pelos próprios participantes diretos da relação,

com soluções práticas, como por exemplo, o uso cada vez mais comum de

disclaimers34.

Há portanto, a valoração dos princípios em relação às regras, pois o ritmo da

evolução tecnológica sempre será maior que o da atividade legislativa. Pinheiro

defende-se nesta seara, principalmente, a aplicação de princípios, “ou seja, diretrizes

gerais sobre alguns requisitos básicos que deveriam ser atendidos por todos os

usuários da rede” (2013, p. 43). Isso porque princípios são mais flexíveis, urgindo,

assim, criar bases e fundamentos para o Direito Digital, ao invés de editar, tão

somente, uma regulamentação à matéria.

Nesse sentido, ressalta-se que “qualquer lei que venha a tratar dos novos

institutos jurídicos deve ser genérica o suficiente para sobreviver ao tempo e flexível

para atender aos diversos formatos que podem surgir de um único assunto”

(PINHEIRO, 2013, p. 47).

34 “No Direito Digital deve haver a publicação das “normas digitais” no formato de disclaimers, como já fazem os provedores, ou seja, estar publicada na página inicial a norma à qual se está submetido, sendo ela um princípio geral ou uma norma-padrão para determinada atuação. Desse modo, a publicidade das regras possibilita maior conhecimento do público e consequentemente aumenta sua eficácia. Em nosso ordenamento jurídico ninguém pode alegar desconhecimento da lei, mas no caso do Direito Digital, em que a autorregulamentação deve prevalecer, faz-se necessário informar ao público os procedimentos e regras às quais está submetido, onde este ponto de contato com a norma se faz simultaneamente à situação de direito que ela deve proteger” (PINHEIRO, 2013, p. 47).

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33

Assim, depreende-se que há um elemento muito importante presente no Direito

Digital, inclusive já citado anteriormente, que de certa forma assegura outros

elementos já listados acima: o tempo. Toda norma tem um tempo determinado em

que produz efeitos no ordenamento jurídico, sendo este elemento chamado de

“vigência”.

Entretanto, Pinheiro doutrina no sentido de que o tempo, na disciplina do Direito

Digital, extrapola o conceito de vigência, abrangendo a capacidade de resposta

jurídica a um fato específico (2013, p. 49). Isso porque o conjunto “fato, valor e norma”

necessita certa velocidade de resposta para que tenha validade dentro da sociedade

digital. Segundo a referida autora, este tempo pode ter uma relação ativa, passiva ou

reflexiva com o caso concreto:

Consideramos como tempo ativo aquele em que a velocidade de resposta da norma pode implicar o próprio esvaziamento do direito subjetivo. [...] Consideramos tempo passivo aquele que é explorado principalmente pelos agentes delituosos, acreditando que a morosidade jurídica irá desencorajar a parte lesada a fazer valer seus direitos. [...] Consideramos como tempo reflexivo aquele que opera de modo ativo e de modo passivo, simultaneamente, provocando efeitos em cadeia e prejudicando outros que se encontrem conectados no espaço virtual (PINHEIRO, 2013, p. 50-51).

A aplicação, portanto, da fórmula Tridimensional do Direito adicionada do

elemento “tempo” resulta do Direito Digital, sendo determinante para estabelecer

obrigações e limites de responsabilidade entre as partes. Portanto, um erro de

estratégia jurídica pode ser fatal em uma sociedade em que a mudança é uma

constante, devendo os operadores do Direito estarem atentos a esta particularidade

no Direito Digital (PINHEIRO, 2013, p. 50).

Estas são, portanto, as características do Direito Digital que mais despontam,

devendo ser seguidas a fim de se trazer uma solução mais eficiente aos problemas

jurídicos decorrentes da sociedade digital, sempre prezando pela rapidez das

decisões, vez que a velocidade das transformações tecnológicas está também cada

vez maior, consistindo em um desafio aos operadores do Direito.

2.6 Do surgimento dos bens digitais

Como já visto, ao contrário da Era Agrícola e da Era Industrial, na Era Digital o

maior instrumento de poder é algo imaterial: a informação (recebida e refletida). A

liberdade individual e a soberania do Estado são hoje medidas pela capacidade de

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acesso a esta informação, pois “a tecnologia da informação35 passou a ser um recurso

disponível para o desenvolvimento, tal como o capital e as máquinas em geral”.

(WACHOWICZ, 2008, 295).

Castells (1999, p. 69) ressalta que “as novas tecnologias de informação não

são simplesmente ferramentas a serem aplicadas, mas processos a serem

desenvolvidos”, continuando o aludido autor que “pela primeira vez na história, a

mente humana é uma força direta de produção, não somente um elemento decisivo

no sistema produtivo”. Isso porque usuários e criadores podem ser a mesma pessoa,

havendo uma relação muito estreita entre processos sociais de criação e

manipulações de símbolos (ou seja, a cultura da sociedade) e a capacidade de

produzir e distribuir bens e serviços (forças produtivas).

Para Negroponte (apud PINHEIRO, 2013, p. 33), “no modelo industrial, cada

bem de consumo produzido é indivisível e tem um fim único. Na indústria da

informação, os bens podem ser infinitamente duplicados por quem quer que seja”.

Nesta seara, afere-se que há, portanto, outro elemento que caracteriza a informação:

o seu caráter de riqueza inesgotável. Como exemplo de tal ideia, tem-se o download36

de um software, onde o consumidor copia o produto para o seu computador, podendo

este mesmo software ser copiado inúmeras outras vezes mais.

Nesse contexto do processo de digitalização, decorrente da Era Digital, houve

o aparecimento de novos bens, os quais ganharam rapidamente relevo jurídico,

nomeadamente os “bens digitais”, que possuem o caráter de riqueza inesgotável

supra retratado. Esses bens digitais consequentemente trouxeram diversos desafios

para o Direito Civil, Autoral, Industrial, etc., bem como no Direito das Sucessões.

Muito se mudou no cotidiano do cidadão com o advento da Internet. Antes,

comprava-se livros e discos, colocando-os em estantes, ou então pintava-se quadros

e os pendurava nas paredes. Com a morte do proprietário destes bens,

automaticamente estes eram transmitidos aos sucessores.

Porém, atualmente, não é tão fácil a questão da transmissão dos bens da

herança, especialmente quando são digitais. Na rede mundial de computadores é

possível adquirir e-books, músicas ou aplicativos em lojas online, que, em geral, são

35 “A tecnologia da informação pode ser conceituada como recursos tecnológicos e computacionais para a guarda, geração e uso da informação” (WACHOWICZ, 2008, 295). 36 Download é o armazenamento da mídia de um servidor remoto no disco rígido de um computador local, copiando-a para o mesmo.

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protegidos em contas digitais por meio de login e senha. Não raras vezes, com a morte

do usuário, impossibilita-se a transferência desses bens aos seus sucessores.

Além disso, a situação fica ainda mais delicada quando os dispositivos

informáticos que armazenam esse tipo de conteúdo contêm arquivos de família e

informações sobre o patrimônio e o trabalho, de valor sentimental para os parentes e

amigos mais próximos do falecido. Em uma sociedade cada vez mais convergente e

digitalizada, onde o mundo real se confunde com o virtual, faz toda a diferença pensar

no futuro desses bens digitais diante da morte ou da incapacidade de seus titulares.

Primeiramente, faz-se importante entender o conceito e a classificação dos

bens digitais, uma vez que, para que um sujeito tenha herança digital, deve o mesmo

ter, por decorrência, bens armazenados no meio digital. Para tanto, será utilizada a

analogia entre a base legal já existente e o surgimento desta nova categoria de bens

em tela, advindos da Era Digital.

Diniz (1991, p. 390), conceitua “bem” como “coisa material ou imaterial que tem

valor econômico e pode servir de objeto a uma relação jurídica”, enquanto que “coisa”

abrange tudo que existe na natureza, exceto a pessoa. Já Soibelman entende que a

maioria dos doutrinadores usa indiferentemente a palavra “bens” ou coisas”, mas que

há autores que reservam a palavra “coisa” apenas para os bens materiais. Assim o

autor define “bem” como “tudo que tem valor econômico, coisas e direitos. Valores

materiais e imateriais. Corpóreos e incorpóreos” (1973, p. 120).

Embora mais extensa do que a acepção meramente econômica — que se limita à suscetibilidade de apreciação pecuniária —, os bens jurídicos podem ser definidos como toda a utilidade física ou ideal, que seja objeto de um direito subjetivo. Neste enfoque, podemos afirmar, sem dúvida, que todo bem econômico é bem jurídico, mas a recíproca, definitivamente, não é verdadeira, tendo em vista que há bens jurídicos que não podem ser avaliáveis pecuniariamente (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 266).

O Código Civil Brasileiro possui numerosa categoria de bens. O Livro II da Parte

Geral disciplina os bens em cinco capítulos distintos, consistindo, segundo

Emerenciano (2003, apud FERREIRA; WILKENS, 2008, p. 05) em: “I – Dos bens

considerados em si mesmos; II – Dos bens reciprocamente considerados; III – Dos

bens públicos e particulares; IV – Das coisas que estão fora do comércio; V – Do bem

de família.” No entanto, as classificações variam conforme os objetivos e interesses

daquele que as classifica. De acordo com Emerenciano (2003, p. 77), "o uso de

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36

classes é exterior ao objeto classificado. O homem realiza o ato de classificar

dependendo de seus objetivos e interesses.”

Assim, além da classificação apresentada pelo Código Civil, a doutrina também

adota uma classificação proveniente do Direito Romano, que distribui os bens em dois

grandes grupos: os das coisas corpóreas e o das coisas incorpóreas, tendo como

premissa a possibilidade de serem ou não tocadas (GAIU apud FERREIRA;

WILKENS, 2008, p. 05). Desta forma, segundo Sá (1995 apud FERREIRA; WILKENS,

2008, p. 05) os bens:

[...] corpóreos possuem uma forma identificável e são materiais ou concretos, podem ser tocados em razão de possuírem substância material. Os incorpóreos, por sua vez, não possuem correspondente material para sua significação, em geral são patentes, marcas, entre outros. São elementos que figuram no patrimônio da empresa, podem ser negociados, mas não possuem substância física e que, sem serem abstratos, não podem ser tocados, mas podem ser comprovados.

Pode-se citar, como bens jurídicos que não podem ser avaliáveis

pecuniariamente, os inseridos no Direito da Personalidade (v.g. direito à vida, à honra,

à liberdade, à privacidade, etc.).

Essa diferenciação (entre bens incorpóreos e corpóreos), apesar de não ter

sido positivada pelo legislador do Código Civil de 2002, possui interesse prático,

residindo no fato de que as coisas corpóreas se transferem pela tradição (como a

compra e venda e a doação), enquanto que os bens incorpóreos se transmitem pela

cessão37 (MONTEIRO, 1962 apud FERREIRA; WILKENS, 2008, p. 05).

Ademais, caso alguma coisa consistir em um bem econômico, o direito que a

ele correspondente será disciplinado, por exemplo, pelas regras do Direito das

Sucessões, enquanto que se esse bem não possuir valoração econômica, o direito a

ele ligado será regido pelo Direito da Personalidade.

Então, dentro da classificação dos bens em incorpóreos e corpóreos, devido às

características dos bens digitais, pode-se inclui-los no primeiro grupo. Esta

classificação dos bens digitais, no campo jurídico, serve para compreensão posterior

da transmissão dos mesmos diante da morte de seu titular. A seguir, colaciona-se o

conceito de bens digitais tecido por Ferreira e Wilkens (2008, p. 02):

37 “O ato determinante dessa transmissibilidade das obrigações denomina-se cessão, que vem a ser a transferência negocial, a título gratuito ou oneroso, de um direito, de um dever, de uma ação ou de um complexo de direitos, deveres e bens, de modo que o adquirente, denominado cessionário, exerça posição jurídica idêntica à do antecessor, que figura como cedente.” Espécies: cessão de crédito, cessão de débito e cessão de contrato. (DINIZ; GOMES apud GONÇALVES, 2013, p. 216).

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[...] são uma nova categoria de bens, e surgem com o comércio eletrônico e a Internet; são fornecidos através da própria rede via downloading (descarga), e existem de forma virtual, isto é, são incorpóreos no que diz respeito à materialidade; temos como exemplos: livros eletrônicos, programas de computador, músicas, filmes, jogos, entre outros. Vale lembrar que tanto a sua venda quanto sua entrega são feitas por meio eletrônico.

Emerenciano (2003, p. 83), por sua vez, conceitua bens digitais da seguinte

maneira:

Os bens digitais, conceituados, constituem conjuntos organizados de instruções, na forma de linguagem de sobre nível38 [...], armazenados em forma digital, podendo ser interpretados por computadores e por outros dispositivos assemelhados que produzam funcionalidades predeterminadas. Possuem diferenças específicas tais como sua existência não tangível de forma direta pelos sentidos humanos e seu trânsito, por ambientes de rede teleinformática, uma vez que não se encontram aderidos a suporte físico. Feitas essas considerações, pode-se afirmar que os bens digitais constituem software sem suporte tangível, sendo aplicadas todas as normas em que a referida definição seja encontrada.

Ressalta-se ainda que a intangibilidade dos bens digitais se refere aos sentidos

humanos, podendo existir uma forma de existência corpórea qualquer. Todos os bens

digitais na Internet imitam o objeto físico, real, material ou produzem os mesmos

efeitos em nossos sentidos, como por exemplo as fotografias digitais, a música

transferida, os livros eletrônicos, os jogos, os desenhos técnicos, entre outros

(EMERENCIANO, 2003 apud FERREIRA; WILKENS, 2008, p. 06).

Digitalizar compreende o processo de representar um objeto concreto ou analógico em bits. A imagem digitalizada se transforma em conjuntos de pixels, que podem ser compreendidos visualmente pelo olho humano e também por programas de computação (DOBEDEI, 2008, p. 28).

Uma vez elucidado o conceito de bens digitais, procedendo-se a uma busca

rápida, percebe-se que muitas questões decorrentes dos mesmos ainda não foram

totalmente resolvidas pelas empresas de tecnologia e pela legislação. Inclusive, os

próprios usuários não sabem lidar com o destino dos ativos digitais39 de falecidos ou

incapacitados, ou sequer refletem qual será a destinação desses bens digitais quando

eles próprios falecerem.

38 “O computador opera com as instruções transmitidas em linguagem de baixo nível, que é a linguagem capaz de ser interpretada pela máquina. As linguagens são de alto ou baixo nível conforme sua maior ou menor proximidade com a linguagem humana” (EMERENCIANO, 2003, p. 83). 39 Aqui entendido também como “acervo digital” ou “patrimônio digital”, vez que configura o “conjunto de bens de potencial valor econômico armazenados virtualmente ou virtuais” (COSTA FILHO, 2016, p.189).

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No cenário atual, ao se ler um termo de uso de algum site, é bem provável que

não encontrará disposições sobre o assunto. Se encontrar alguma disposição, não

raro se deparará com a proibição de transferência desses bens ou então a alegação

de que o usuário apenas adquire a licença de uso, não a propriedade do ativo digital,

ou seja, o usuário investe num patrimônio que muitas vezes não pode ser transferido

aos seus herdeiros.

Há, no entanto, interesse dos sucessores de acesso ao conteúdo desses bens

de valor patrimonial e sentimental como legado. Em alguns casos há ainda

necessidade de acesso a esses bens digitais para fazer prova em processo ou até

mesmo para prosseguimento de uma empresa que tinha funcionamento apenas na

internet.

Portanto, é válido se aprofundar no assunto sobre herança digital, vez que é

um direito do indivíduo, direito este que, em geral, poucos sabem que possuem, pois

falta um maior conhecimento dos usuários, bem como dos operadores do Direito.

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3 ASPECTOS RELEVANTES DO DIREITO DAS SUCESSÕES

O Livro V do Código Civil, que trata sobre o Direito das Sucessões40, reveste-

se de fundamental importância, pois, como assevera Leite (2003, p. 14-15):

[...] entre a vida e a morte se decide todo o complexo destino da condição humana. O aludido direito se esgota exatamente na ideia singela, mas imantada de significações, de continuidade para além da morte, que se mantém e se projeta na pessoa dos herdeiros. A sucessão, do latim succedere (ou seja, vir ao lugar de alguém), se insere no mundo jurídico como que a afirmar o escoamento inexorável do tempo conduzindo-nos ao desfecho da morte que marca, contraditoriamente, o início da vida do direito das sucessões.

O aludido autor continua dizendo que é inquestionável a importância das

sucessões no Direito Civil, pois o homem desaparece, mas os bens continuam; grande

parte das relações humanas se transmite para a vida dos que sobrevivem, dando

continuidade na manutenção da imagem e na atuação do falecido para depois da sua

morte.

Nessa perspectiva, resgatou-se junto a Oliveira (2004, p. 58) o entendimento

de que, no âmbito do Direito das Sucessões, ocorre “uma espécie de imortalidade do

titular dos bens no aspecto de direcionar sua posse, de transmiti-la a certas pessoas

e sob certas condições”, sendo que não é totalmente correto dizer que o Código Civil

rege a vida das pessoas desde o nascimento até a morte, “pois, mais que isso, a lei

estende seus efeitos para depois da morte da pessoa, nas esferas patrimonial e da

sucessão hereditária”.

Maximiliano (1942, p. 2) ainda aduz que o Direito das Sucessões possui dois

sentidos, um objetivo e outro subjetivo. Objetivo porque “é o conjunto das normas

reguladores da transmissão dos bens e obrigações de um indivíduo em consequência

de sua morte”; subjetivo porque é “o direito de suceder, isto é, de receber o acervo

hereditário41 de um defunto”. Tal entendimento é seguido até hoje pela maioria dos

doutrinadores, dentre eles Tartuce (2014) e Gonçalves (2016).

Estabelecidos os pontos mais relevantes sobre o Direito das Sucessões, a

seguir serão estudadas as suas modalidades.

40 O Livro V do Código Civil de 2002 traz quatro títulos sobre o Direito das Sucessões, sendo eles: Título I – Da Sucessão em geral (arts. 1.784 a 1.828); Título II – Da Sucessão Legítima (arts. 1.829 a 1.856); Título III – Da Sucessão Testamentária (arts. 1.857 a 1.990); e Título IV – Do Inventário e da Partilha (arts. 1.991 a 2.027). 41 Acervo hereditário é constituído pela massa dos bens deixados, inclusive podendo ser composto apenas de dívidas, tornando-se passiva.

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3.1 Das modalidades de sucessão

No Direito, costuma-se fazer uma divisão genérica das formas de sucessão,

com base no art. 1.786 do CC. Dela decorre que a sucessão pode derivar de um ato

entre vivos (inter vivos) ou em virtude da morte (causa mortis).

Na sucessão inter vivos, tem-se como exemplos a cessão de crédito, doações,

transferência de bens, etc. Esta forma de sucessão pode se dar por título singular

(sucessão de um bem ou em certos bens determinados) ou a título universal

(totalidade dos direitos e obrigações daquele patrimônio) (VENOSA, 2015, p. 01-02).

A outra forma de sucessão é a que deriva ou tem causa na morte (causa

mortis), esta tratada pelo Direito das Sucessões. Esta via se dá quando os direitos e

obrigações da pessoa que faleceu se transferem de forma universal (ou seja, a

totalidade do patrimônio, a herança) ou a título singular, que se dá por via do

testamento (surgindo a figura do legatário, vez que este recebe uma parte certa dos

bens, individualizada como legado) (VENOSA, 2015, p. 01-02).

Em termos gerais, duas são as modalidades básicas de sucessão causa mortis,

que podem ser apreendidas do art. 1.786, CC: “A sucessão dá-se por lei ou por

disposição de última vontade.”

A partir do texto legal supra colacionado, percebe-se que a primeira modalidade

é a sucessão legítima (ou ab intestato – “daquele que não testou”), ou seja, aquela

que decorre de lei, que enuncia a ordem de vocação hereditária. A vocação hereditária

engloba os herdeiros legítimos expressamente indicados pelo art. 1.829 do CC, que

seguem uma ordem preferencial de chamada (TARTUCE, 2014, p. 09).

Como segunda modalidade de sucessão, tem-se a sucessão testamentária,

que nas palavras de Tartuce, “tem origem em ato de última vontade do morto, por

testamento, legado ou codicilo42, mecanismos sucessórios para exercício da

autonomia privada do autor da herança” (2014, p. 09). Ressalta-se que prevalece,

contudo, as disposições legais naquilo que for omisso ou silente no instrumento.

42 Codicilo é ato de última vontade, destinado a disposições de pequeno valor ou recomendações para serem atendidas e cumpridas após a morte. Pode o codicilo ser utilizado para: a) fazer disposições sobre seu enterro; b) deixar esmolas de pouca monta; c) legar móveis, roupas ou jóias, de pouco valor, de seu uso pessoal (art. 1.881); d) nomear e substituir testamenteiros (art. 1.883); e) reabilitar o indigno (art. 1.818); f) destinar verbas para o sufrágio de sua alma (art. 1.998); g) reconhecer filho havido fora do matrimonio (GONÇALVES, 2016, p. 299-301).

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No testamento, o testador pode dispor da totalidade de seus bens em caso de

não haver herdeiros necessários, ou, havendo herdeiros necessários (ascendentes,

descendentes ou cônjuge), divide-se a herança em duas partes iguais, sendo que o

testador só poderá dispor livremente da metade (porção disponível), pois a outra

metade constitui a legítima (art. 1845 a 1.847 do CC). Ressalta-se que o testamento

pode ser utilizado pelo falecido para diversas finalidades e não apenas para dispor

acerca de seus bens (art. 1.857, §2º, CC).

É mister dizer que o testamento pode ser alterado e refeito a qualquer

momento, quantas vezes forem necessárias (art. 1.858, CC). Porém, apesar da

relativa facilidade, salienta-se que esta última modalidade de sucessão não é comum

no Brasil. A sucessão legítima foi a mais difundida, talvez por questões de ordem

cultural ou costumeira, bem como ao fato de o legislador brasileiro ter disciplinado

muito bem a sucessão legítima, chamando a suceder exatamente aquelas pessoas

que o de cujus elencaria se não houvessem regras e o mesmo tivesse que laborar um

testamento (GONÇALVES, 2016, p. 42).

A completar tal divisão, preconiza o art. 1.788 do CC:

Art. 1.788 - Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo.

Assim, será ainda sucessão legítima se o testamento caducar (isso é, tornar-

se ineficaz por causa ulterior) ou for julgado nulo43, como consta na parte final do retro

transcrito dispositivo legal. Ou, também outra hipótese, é a sucessão simultaneamente

legítima e testamentária, possível quando o testamento não compreender todos os

bens do de cujus, onde os não incluídos passarão aos seus herdeiros legítimos

(GONÇALVES, 2016, p. 42-43).

A sucessão legítima, portanto, é subsidiária à sucessão testamentária, exceto

quanto aos herdeiros necessários, que obrigatoriamente sempre herdam, no mínimo,

a metade da herança (a legítima).

Como visto, a modernidade e o advento da Internet trouxeram vários desafios

aos operadores do Direito. Não foi diferente com o Direito das Sucessões: os bens

43 A validade do testamento está condicionada à apuração de elementos intrínsecos – capacidade do testador, espontaneidade da declaração, objeto, limites – e elementos extrínsecos ou formais – espécies e requisitos.

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digitais pertencentes a usuários comumente restam sem titular diante de seus

falecimentos, sendo que há, não raro, a vontade de que estes bens sejam repassados

para seus herdeiros. A herança digital, tema do presente trabalho, entra na espécie

de transmissão causa mortis44, sendo que para resolver a citada problemática é

necessário, antes de tudo, saber como funciona alguns aspectos desta espécie de

sucessão.

3.2 Da herança

Primeiramente, urge destacar que herança é diferente de sucessão. Diniz

(2010, p. 37) e Venosa (2015, p. 06-07) ministram que sucessão é o ato pelo qual

alguém substitui o de cujus nos direitos e obrigações (seja por ato entre vivos ou por

causa morte), enquanto que herança é o conjunto de direitos e obrigações

transmitidos em razão da morte a uma pessoa, ou a um conjunto de pessoas que

sobreviveram ao de cujus, sendo elas herdeiras legítimas ou testamentárias. A partir

desta colocação, é possível constatar que a herança entra exclusivamente na

sucessão causa mortis.

Sanadas as dúvidas do assunto, adentrar-se-á no estudo da herança. O termo

tem origem latina, proveniente da palavra hereditas, que significa “ação de herdar,

herança”. Como relata Silva (2004 apud PRINZLER, 2015, p. 25), “em sentido comum

é entendido como o conjunto de bens ou o patrimônio deixado por uma pessoa que

faleceu”.

É sabido que a existência da pessoa natural termina com a morte (art. 6º, CC).

Assim, não há de se falar em herança de pessoa viva, apesar de que possa ocorrer a

abertura da sucessão do ausente, presumindo-lhe a morte (art. 26 e ss do CC).

Gonçalves (2016, p. 32) explica que o Código Civil de 2002 aperfeiçoou sua redação

ao não mais falar de transmissão do “domínio e posse da herança” (termo utilizado no

art. 1.572 do Código Civil de 1916), pois o vocábulo “domínio” se restringe aos bens

corpóreos, enquanto que a palavra “herança” possui uma maior amplitude.

44 Nesse contexto categórico, o termo “sucessões”, para fins deste trabalho, deve ser lido apenas para incorporar a sucessão causa mortis, ou seja, que decorre da morte, do falecimento, do fim da pessoa natural.

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Explica-se essa preferência porque a herança abrange “o patrimônio do de

cujus45, que não é constituído apenas de bens materiais e corpóreos [...], mas

representa uma universalidade de direito, o complexo de relações jurídicas dotadas

de valor econômico”. Como exemplo de bens incorpóreos que podem ser transmitidos

pela herança, temos o direito do autor, que embora transmitidos, não mantêm relação

com a propriedade ou a posse; a propriedade e a posse só recaem sobre bens

corpóreos ou materiais, e não imateriais, como os direitos do autor (TARTUCE, 2014,

p. 22).

Venosa (2015, p. 07) ainda lembra que a herança contém bens materiais ou

imateriais, mas sempre haverá coisas avaliáveis economicamente. No mesmo sentido

narram Cahali e Hironaka (2007): pelo fato de o conteúdo da herança, atualmente,

possuir natureza prevalentemente patrimonial ou econômica, a universalidade das

relações jurídicas do autor é transmitida a seus herdeiros.

Veloso (2002 apud GONÇALVES, 2016, p. 32) complementa dizendo que a

herança compreende a somatória do passivo e o ativo do falecido (arts. 91, 943, 1.792

e 1.997, todos do CC), ou seja, “se incluem os bens e as dívidas, os créditos e os

débitos, os direitos e as obrigações, as pretensões e ações de que era titular o

falecido, e as que contra ele foram propostas, desde que transmissíveis”.

Nas palavras de Diniz (2002, p. 36), com a abertura da sucessão, ocorre a

“mutação subjetiva do patrimônio do de cujus, que se transmite aos seus herdeiros,

os quais se sub-rogam nas relações jurídicas do defunto, tanto no ativo como no

passivo até os limites da herança”. Deste modo, os encargos superiores às forças da

herança deixados pelo falecido não se transmitem aos herdeiros (art. 1.792 do CC).

Diniz (2010, p. 37-38) também lembra alguns casos em que não há a

transmissão de todos os direitos e de todas as obrigações do autor da herança:

a) Há direitos personalíssimos que se extinguem com a morte, como o poder familiar, a tutela, a curatela e os direitos políticos; b) há direitos e deveres patrimoniais que não passam aos herdeiros, por serem inerentes à pessoa do de cujus, como a obrigação de fazer infungível (CC, art. 247); a empreitada ajustada em consideração à qualidade pessoal do empreiteiro (CC, art. 626, in fine); o uso, o usufruto e a habitação (CC, arts. 1.410, II, 1.413 e 1.416), as obrigações alimentares, salvo a exceção do art. 1.700.

45 A expressão de cujus se refere ao morto, autor da herança (proveniente da frase latina de cujus sucessione agitur – “aquele de cuja sucessão se trata”) (VENOSA, 2015, p. 07).

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Antes de encerrar este tópico, cumpre salientar a diferenciação entre herança

e espólio, a fim de que não haja confusões entre os termos. A palavra “espólio” é

utilizada sob o prisma processual, servindo para delimitar o conjunto de direitos e

deveres pertencentes ao de cujus ao tratarmos dos grupos com personificação

anômala, sendo visto como uma simples massa patrimonial que permanece coesa até

a atribuição dos quinhões hereditários aos herdeiros (partilha). O inventariante é quem

representa o espólio em juízo (VENOSA, 2016, p. 07).

Expostos estes aspectos da herança e sua diferenciação para espólio, a seguir

será analisado o momento da abertura da sucessão e suas consequências.

3.2.1 Da abertura da sucessão

A sucessão hereditária gravita em torno da morte (fato jurídico), logo, a morte

do titular de um patrimônio determina a sucessão, pois indica o momento em que “a

herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários” (art.

1.784, CC). Nisso consiste o princípio da saisine, muito importante no Direito das

Sucessões.

Como o patrimônio do falecido não pode restar sem titular, “o direito sucessório

impõe, mediante uma ficção jurídica, a transmissão da herança, garantindo a

continuidade na titularidade das relações jurídicas do defunto por meio da

transferência imediata da propriedade aos herdeiros” (LEITE, 2003 apud

GONÇALVES, 2016, p. 33). Hironaka (2003 apud GONÇALVES, 2016, p. 38)

arremata que “embora não se confundam a morte com a transmissão da herança,

sendo aquela pressuposto e causa desta, a lei, por uma ficção, torna-as coincidentes

em termos cronológicos”.

O tempo e o lugar da abertura da sucessão são importantes para as

consequências jurídicas desta. No Brasil, “a sucessão abre-se no lugar do último

domicílio46 do falecido” (art. 1.785). Fixa-se, portanto, neste local o foro universal da

46 “Como domicílio, deve-se entender o local onde a pessoa pode ser sujeito de direitos e deveres na ordem civil. Em regra, o local de domicílio é o local de residência, onde a pessoa se estabelece com ânimo definitivo de permanência, conforme consta no art. 70 do próprio Código Civil” (TARTUCE, 2014, p. 25).

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herança. Como a sucessão se abre no lugar do último domicilio do falecido (art. 1.785,

CC), é nesse domicílio que também deve ser ajuizado o inventário47 (art. 48 do CPC).

Urge nesta altura explicar brevemente o conceito de inventário. A herança fica

em estado de indivisibilidade até a partilha. Portanto, há a necessidade, para que se

chegue à atribuição dos bens a cada herdeiro e à satisfação dos credores do falecido,

que se saiba exatamente do que é composto o monte hereditário. Daí, então, tem-se

a necessidade de ser elaborado o inventário da herança. “Tal interesse não é apenas

privado, já que é da conveniência dos herdeiros terminar com o estado de comunhão,

como também o Estado, que deverá receber o tributo causa mortis” (VENOSA, 2015,

p. 41).

O inventário é um instrumento jurídico utilizado como meio eficaz para resolver

o levantamento, apuração e partilha dos bens do autor da herança. Em arremate,

pode-se dizer que o inventário é o procedimento judicial, ou extrajudicial, que visa

apurar os bens deixados pelo falecido, a fim de que sobre sua universalidade seja

procedida a partilha (VENOSA, 2015, p. 42). Destaca-se aí a função primordial que o

inventário exerce quanto à descrição pormenorizada dos bens que integram o acervo

patrimonial deixado pelo de cujus, para que as dívidas sejam satisfeitas e atendidos

os herdeiros ou legatários (DINIZ, 2007 apud PRINZLER, 2015, p. 26).

Tendo em vista que o domicílio do falecido pode ser incerto, houve por bem o legislador, outrossim, especificar a regra, no tocante ao local da abertura do inventário, fazendo-o incidir, nesse caso, no local da situação dos bens. Prescreve, com efeito, o parágrafo único, I, do aludido art. 48 que, se o autor da herança não possuía domicílio certo, é competente “o foro da situação dos bens imóveis” (GONÇALVES, 2016, p. 48).

Se, porventura, os bens que compõem a herança se situarem em locais

diversos, tem aplicação o disposto no inciso II do mencionado parágrafo único,

segundo o qual é competente o foro “do lugar em que ocorreu o óbito, se o autor da

herança não tinha domicílio certo e possuía bens em lugares diferentes”. Para a

hipótese de pluralidade domiciliar, permitiu o legislador a abertura do inventário em

qualquer foro correspondente a um dos domicílios do finado (art. 46, §1º do CPC).

Na esfera da competência internacional, dispõe o art. 23, II, do CPC que

compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra, “em

matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação de testamento particular e

47 Cumpre salientar que a abertura da sucessão não é o mesmo que abertura do inventário, há, todavia, uma coincidência entre a norma substantiva e a de natureza processual (GONÇALVES, 2016, p. 47).

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ao inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja

de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional”.

Somente, portanto, se o brasileiro ou estrangeiro, falecido no exterior, deixar bens no Brasil é que o foro competente será o da Justiça brasileira. Se os bens deixados estão localizados no exterior, o processamento do inventário e partilha, quanto a esses bens, escapará à jurisdição brasileira, competindo ao país onde se situem. Se forem feitos inventário e partilha de bens situados no Brasil em país estrangeiro, a sentença não terá validade no Brasil, nem induzirá litispendência (AMORIM; OLIVEIRA, 2005 apud GONÇALVES, 2016, p. 314-315).

A constituição traz regra específica no art. 5º, XXXI, sobre a sucessão de bens

de estrangeiros situados no País, que será regulada pela lei brasileira em benefício

do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhe seja mais favorável a lei

pessoal do de cujus: “se a lei nacional do de cujus estrangeiro, aqui domiciliado, for

mais favorável ao cônjuge supérstite ou aos filhos brasileiros, aplicar-se-á aquele

ordenamento jurídico (critério do jus patriae)” (MELLO FILHO, 1984, p. 374).

Por fim, quanto ao tempo, em decorrência do princípio da saisine, ”regula a

sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela”

(art. 1.787, CC). Em matéria de vocação hereditária e extensão de quota hereditária,

portanto, rege a lei do dia da morte (MONTEIRO, 2003 apud GONÇALVES, 2016, p.

41).

A eficácia das disposições testamentárias também é regida pela lei do tempo

da abertura da sucessão. Entrementes, no que toca à elaboração do testamento, às

suas formalidades ou à capacidade para testar, prevalece a lei do tempo em que é

feito o testamento. “Assim, se a disposição foi válida de acordo com a lei anterior, mas

a lei vigente ao tempo da morte negar-lhe validade, dever-se-á considerar como não

escrita a cláusula testamentaria” (LEITE; HIRONAKA, 2003 apud GONÇALVES, 2016,

p. 41).

Como se nota, a matéria sobre a abertura da sucessão reflete vários aspectos

importantes. Explicado alguns deles, passar-se-á ao estudo da indivisibilidade da

herança, dentre outras informações concernentes para a solução do problema

proposto neste trabalho.

3.2.2 Da indivisibilidade

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Na forma prevista pelo art. 80, II do CC, o conjunto de bens e direitos, objeto

da sucessão, isto é, a herança, é considerada imóvel, por ficção jurídica, tanto para

os casos de alienação quanto para pleitos judiciais, mesmo que consista apenas em

bens móveis. Desse modo, a sucessão aberta segue as peculiaridades relativas a

essa espécie de bens. Tal definição gera diversos efeitos, uma vez que o direito a

sucessão aberta está sujeito à cobrança de diversos impostos e obrigações próprias

dos bens imóveis, uma vez que não se admite, por exemplo, que a propriedade dos

mesmos seja transferida pela mera tradição simples.

Além de sua imobilidade, a herança é um bem indivisível antes da partilha,

conforme o escólio de Diniz (2010, p. 39):

Imobilizada a massa hereditária, exige-se, para sua cessão, escritura pública (CC, art. 1.793), e, para a demanda judicial, outorga conjugal para que o respectivo titular possa estar em juízo. E a herança, conforme o art. 91 do Código Civil, é uma universalidade juris indivisível até a partilha, de modo que, se houver mais de um herdeiro, o direito de cada um, relativo à posse e ao domínio do acervo hereditário, permanecerá indivisível até que se ultime a partilha (CC, art. 1.791, parágrafo único).

Nos termos do art. 1.791 do CC, “a herança defere-se como um todo unitário,

ainda que vários sejam os herdeiros”. Isto significa que até a partilha nenhum herdeiro

tem a propriedade ou a posse exclusiva sobre um determinado acervo hereditário,

isso porque apenas a partilha individualiza e determina os bens que cabem a cada

herdeiro (RODRIGUES, 2002 apud GONÇALVES, 2016, p. 50). Com efeito, só após

o julgamento da partilha “fica o direito de cada um dos herdeiros circunscritos aos

bens do seu quinhão” (art. 2.023, CC).

Também pode-se afirmar, pelo mesmo comando legal, que até a partilha o

direito dos coerdeiros será regulado pelas regras relativas ao condomínio, pois forma-

se um condomínio eventual pro indiviso em relação aos bens que integram a herança

(TARTUCE, 2014, p. 45). Há várias consequências decorrentes deste condomínio,

uma delas é a possibilidade de qualquer um dos coerdeiros “reclamar a herança, no

todo ou em parte, de terceiros”, nos termos dos arts. 1.825 e 1.827 (VENOSA, 2015,

p. 51). Segundo a lição de Beviláquia (1958, p.760):

Um herdeiro não pode pedir de outro a entrega da totalidade da herança, porque ambos têm direito igual [...]. o inventariante [...] tem a faculdade de usar das ações possessórias contra estranhos, ou contra herdeiros [...] assim como o herdeiro pode acionar o estranho à herança pela totalidade dela, na sua qualidade de condômino.

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Assim, quem detiver indevidamente a posse de bens da herança deverá

devolvê-los aos herdeiros. Outra consequência da indivisibilidade da herança, são as

restrições ao direito do herdeiro em ceder o quinhão hereditário a outrem (art. 1.793,

CC).48 Na lição de Tartuce (2014, p. 45), “a cessão engloba apenas os direitos

hereditários, e não os deveres jurídicos que decorrem da transmissão sucessória, pela

própria dicção da lei”.

Ademais, é ineficaz a cessão pelo coerdeiro sobre qualquer bem considerado

singularmente ou sem autorização judicial, se pendente a indivisibilidade, conforme

preleciona os artigos 1.791 e 1.793, §§ 2° e 3° do Código Civil. Portanto, antes da

partilha, o coerdeiro pode alienar ou ceder apenas sua quota ideal, ou seja, o direito

à sucessão aberta, considerada bem imóvel (exigindo-se, portanto, escritura pública

e outorga uxória), não lhe sendo permitido transferir a terceiro parte certa e

determinada do acervo (GONÇALVES, 2016, p. 51).

Para tanto, importante observar o que o art. 1.794 prescreve: “O coerdeiro não

poderá ceder sua quota hereditária a pessoa estranha à sucessão, se outro coerdeiro

a quiser, tanto por tanto”. No entanto, o coerdeiro pode alienar sua quota, respeitada

a preferência estabelecida nos arts. 504 e 1.314, parágrafo único do CC:

[...] a terceiro sua parte indivisa, ou seja, a fração ideal de que é titular; pode mesmo alienar uma parte alíquota de seu quinhão, mas não pode, jamais, alienar um bem que companha o acervo patrimonial ou hereditário, pois este bem é insuscetível de ser alienado por um dos condôminos sem assentimento dos demais (RODRIGUES, 2002, p. 24).

Para arrematar os estudos sobre a sucessão causa mortis, Nader (2008, p. 64)

afirma, resumidamente que:

Há quatro etapas distintas no processo de transmissão do patrimônio mortis causa. A primeira é a abertura da sucessão, coincidente com a morte do autor da herança [...] a segunda é a delação, pela qual os herdeiros são chamados a manifestarem o seu propósito de aceitarem ou não a herança. Segue-se a aceitação ou renúncia da herança. Finalmente, com a partilha, a herança perde seu caráter indivisível e cada herdeiro recebe os bens que já faz jus pelo critério legal ou de acordo com as cláusulas testamentárias.

Realizadas estas colocações, prosseguir-se-á ao estudo da previsão e

principiologia constitucional aplicáveis à herança.

48 Como titular do patrimônio, o herdeiro legítimo ou testamentário pode ceder, de forma gratuita ou onerosa, seus direitos hereditários (transferindo para outro herdeiro, legatário ou pessoa estra à herança). É o que se denomina “cessão da herança” ou “cessão de direitos hereditários” (VENOSA, 2015, p. 33-34).

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3.3 Da previsão e principiologia constitucional

Urge salientar, antes de tudo, que a constituição de um país tem por

característica ser um reflexo do momento histórico da sociedade que pretende

regulamentar. Assim, a Constituição Federal Brasileira de 1988, por sua vez, resulta

da luta contra o autoritarismo do regime militar, buscando da defesa e da realização

de direitos fundamentais nas mais diferentes áreas (LENZA, 2013, p. 58).

Rivabem (2005, p. 10), por seu turno, lembra da importância da observância

dos princípios constitucionais, vez que “constituem expressão dos valores

fundamentais [...], conferindo harmonia e unidade às normas que o compõem”,

inclusive ganhando força normativa e servindo como fonte de interpretação,

principalmente quando se procede à análise de casos concretos.

Na realidade pós-positivista, os princípios constitucionais ganharam um novo papel, plenamente aplicáveis às relações particulares. Dos princípios gerais do Direito saltamos à realidade dos princípios constitucionais, com emergência imediata. [...] Ademais, com o novo Código Civil brasileiro, os princípios ganham fundamental importância, eis que a atual codificação utiliza tais regramentos como linhas mestres do Direito Privado. Muitos desses princípios são cláusulas gerais, janelas abertas deixadas pelo legislador para nosso preenchimento, para complementação pelo aplicador do Direito. Em outras palavras, o próprio legislador, por meio desse novo sistema aberto, delegou-nos parte de suas atribuições, para que possamos, praticamente, criar o Direito (BONAVIDES, 2005 apud SILVA, 2006).

Neste sentido, situando o direito à sucessão dentro da matéria constitucional,

é possível vislumbrar que o mesmo vem figurado como um direito fundamental no art.

5º, XXX da Carta Maior – tal disposição apresenta o fundamento legal do Direito das

Sucessões. Quanto à disposição constitucional sobre o direito de herança, o ministro

Corrêa destacou que “a Constituição garante o direito de herança, mas a forma como

esse direito se exerce é matéria regulada por normas de direito privado” (ADI 1.715-

MC/DF, DJ de 30/04/2004, p. 27).

Ademais, procedendo-se a um exame ao texto da Constituição Federal de

1988, pode-se encontrar também os seguintes princípios informadores que devem ser

seguidos na busca da solução do problema da herança digital, no âmbito do Direito

das Sucessões, sendo eles: o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III);

princípios da liberdade, da justiça e da solidariedade nas relações familiares (art. 3º,

I); princípio da tutela especial à família (art. 226, caput); princípio da beneficência em

favor dos participes do organismo familiar (implícito).

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50

A relevância dos princípios constitucionais retro mencionados residem no fato

de que o Direito Sucessório vem fundamentado na perpetuidade da família, bem como

interessa ao Estado que nenhum patrimônio reste sem titular, pois lhe traria um ônus

a mais (PEREIRA, 2005, p. 7-8). Não é demais se falar que, desta forma, também se

estabelecem noções de trabalho e economia à população.

Ráo (1991 apud PRINZLER, 2015, p. 24) ainda argumenta que o direito de

suceder, para os herdeiros, se torna uma projeção à memória de seus antepassados,

absorvendo a posição social e os bens alcançados.

[...] o princípio da continuação da personalidade do de cujus por seus herdeiros justifica a transmissão sucessória por conta de seu alcance moral que eleva os laços e os vínculos familiares. Nesse sentido, a justificativa ética da propriedade se situa na concepção dos bens servir como meio de realização das finalidades da família. Parentesco e sucessão estão estreitamente relacionados, por conta de que a transferência do patrimônio lega ao herdeiro a continuidade da pessoa do sucedido. Assim, a sucessão tem como fundamento e princípio os vínculos de sangue (MAZEUD, 1976 apud PRINZLER, 2015, p. 23).

Diniz (2010, p. 05) complementa dizendo que o fundamento do direito

sucessório é a propriedade, conjugada ou não com o direito de família; por isso, é

verdadeira a afirmação de que o direito das sucessões tem a sua razão de ser em

dois institutos combinados: a propriedade e a família. Neste norte, se “não houvesse

direito à herança, estaria prejudicada a própria capacidade produtiva de cada

indivíduo, que não tenha interesse em poupar e produzir, sabendo que sua família não

seria alvo do esforço” (VENOSA, 2015, p. 04).

Venosa (2015, p. 05-07) explica que há vários casos de concreção do direito à

sucessão (trazido pela norma superior), “na linha que propõe a Escola do Direito Civil

Constitucional, capitaneada por Gustavo Tepedino, Luiz Edson Fachin e Paulo Lôbo,

entre outros”. Para ilustrar a concreção do direito à sucessão, traz-se como exemplo

acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao qual se filia plenamente, que

expressa que, pelo fato de o direito à herança ser um direito fundamental, pode o juiz

reconhecer a sua proteção de ofício, independentemente de alegação da parte:

Direito processual civil. Embargos de declaração. Ponto omisso. Alegação de intempestividade da apelação. Rejeição. O direito à herança está previsto no artigo 5.º, XXX, da Constituição da República, no rol dos direitos fundamentais, sendo, portanto, matéria de ordem pública, cognoscível pelo magistrado de ofício, independente, até mesmo, de qualquer alegação das partes. Assim, seja como for, diante da remessa dos autos a essa instância superior, a cassação da sentença se impõe, a fim de se garantir a correta partilha dos bens a inventariar. Rejeição dos embargos (TJ-RJ, Embargos de

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Declaração na Apelação Cível 2009.001.53173, 6ª Câmara Cível, Rel. Des. Gilberto Rego, j. 27.01.2010, DORJ 12. 02.2010, p. 188).

Assim, é possível visualizar que o direito à sucessão vem figurado como um

direito fundamental constitucional, sendo que, por sua importância, deve ser

observado e concretado em nosso ordenamento jurídico. Realizada revisão sobre os

fundamentos e a importância do direito de suceder, encaminha-se o estudo para o

exame dos princípios orientadores supramencionados, que norteiam o direito

fundamental à herança e são encontrados na Constituição Federal de 1988.

3.3.1 Do princípio da dignidade da pessoa humana

Como visto, a promulgação da Constituição Federal de 1988 levou a sociedade

brasileira a consolidar importantes instituições que caracterizam o Estado

Democrático de Direito, conferindo particular atenção ao reconhecimento dos direitos

sociais e individuais, assim como às garantias fundamentais do homem.

No que tange ao reconhecimento dos direitos e garantias do cidadão, o

princípio da dignidade da pessoa humana, disposto no texto constitucional,

especificamente no art. 1º, III, consagrou o ser humano como pilar central em que se

apoiam os fundamentos da República Federativa do Brasil - ou seja, a dignidade da

pessoa humana vem como um valor supremo, constituindo-se fundamento da

República, se repercutindo, portanto, em todo o ordenamento jurídico brasileiro.

Consagrando expressamente, no título dos princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso Estado democrático (e social) de Direito (art. 1º, inc. III, da CF), o nosso Constituinte de 1988 – a exemplo do que ocorreu, entre outros países, na Alemanha -, além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do sentido, da finalidade e da justificação do exercício do poder estatal e do próprio Estado, reconheceu categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal (SARLET, 2002, p. 68).

Rivabem (2005, p. 09) vem externar a dificuldade de se conceituar o princípio

da dignidade humana, pois, aduz, é fácil identificar situações em que a dignidade de

um indivíduo é desrespeitada, mas é mais difícil encontrar uma definição precisa

acerca do princípio da dignidade da pessoa humana, já que o mesmo é aberto e não

taxativo, possuindo múltiplos significados.

No entanto, uma coisa é certa: embora não haja um conceito fixo sobre a

dignidade da pessoa humana, há uma máxima relevância jurídica conferida à mesma,

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vez que está em um patamar axiológico-normativo49 superior a todos os outros

princípios, sendo justamente por este motivo que “o intérprete assume importante

valor na sua construção como valor fonte do sistema constitucional brasileiro e reflexo

da sociedade em que está inserido” (RIVABEM, 2005, p. 12). No entanto, a fim de

esclarecer melhor este assunto, neste ponto jaz importante trazer à baila o conceito

elaborado por Sarlet (2002, p. 60):

A dignidade da pessoa humana corresponde à qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover a sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Para esclarecer ainda mais o conceito elaborado por Sarlet, vale aqui

mencionar o que ensina Luño (apud 1992, RIVABEM, 2005, p. 12), que destaca que

a dignidade da pessoa humana possui duas dimensões, quais sejam: “a) a negativa,

que significa que a pessoa não pode ser objeto de ofensas ou humilhações; b) a

positiva, que presume o pleno desenvolvimento e autodeterminação de cada pessoa”.

Apesar de o princípio da dignidade da pessoa humana ser dotado de um certo

grau de vagueza e generalidade, lhe permitindo a concretização sobre várias

situações fáticas, tais características lhe possibilitam acompanhar o ritmo veloz da

evolução da sociedade tecnológica, sem que isso provoque rupturas constitucionais

(RIVABEM, 2005, p. 15).

No caso do Direito das Sucessões, há que se considerar o respaldo no princípio da dignidade da pessoa humana, cujo valor supremo que possui lhe confere caráter nuclear e a capacidade de imantar para si todos os demais princípios constitucionais e de incidir de forma especial e diversa sobre esses mesmos princípios. Essa noção ofertada por Silva (2008) corrobora a ideia de a ofensa a qualquer desses princípios significar afronta não apenas ao próprio princípio da dignidade da pessoa humana, mas a todo o Ordenamento Jurídico brasileiro (PRINZLER, 2015, p. 28).

Verifica-se que, ao assegurar o direito à sucessão, direito este fundamental,

garante-se também a dignidade da pessoa humana. Isso fica ainda mais claro quando

se analisa a função social e os fundamentos deste direito, estudados no tópico

anterior.

49 "Axiologia" significa "teoria do valor", sendo formada a partir dos termos gregos "axios" (valor) e "logos" (estudo, teoria).

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Como visto alhures, pode-se dizer que o fundamento sucessório está

embasado, em bases éticas, morais e familiares, interligadas pelo trabalho e pela

aspiração de cada indivíduo em se perpetuar por gerações por meio da transmissão

das suas relações jurídicas. Ademais, o direito de herança tem função social por

proteger e perpetuar a família, garantir o pleno desenvolvimento dos indivíduos, por

efetivar para depois da morte o princípio da solidariedade, preencher o direito de

propriedade individual e por conter relevantes reflexos econômicos50.

[...] conclui-se que o Direito Sucessório está baseado no direito de propriedade e na sua função social (art. 5.º, XXII e XXIII, da CF/1988). No entanto, mais do que isso, a sucessão mortis causa tem esteio na valorização constante da dignidade humana, seja do ponto de vista individual ou coletivo, conforme os arts. 1.º, inciso III, e 3.º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, tratando o último preceito da solidariedade social, com marcante incidência nas relações privadas (TARTUCE, 2014, p. 04-5).

Deste modo, o direito à herança repercute tanto na esfera individual quanto na

social, não se limitando apenas ao acúmulo de bens e relações jurídicas, possuindo

nítida função social. Portanto, se acaso violado este direito, viola-se, também, o

princípio da dignidade humana e demais outros que englobam o assunto.

No campo dos direitos concernentes à família, Gagliano (2015) argumenta que:

[...] o princípio da dignidade humana pode ser concebido como estruturante e conformador dos demais, nas relações familiares. A Constituição, no artigo 1º, o tem como um dos fundamentos da organização social e política do país, e da própria família (artigo 226, § 7º).

Moraes (2009 apud PRINZLER, 2015, p. 28) relativamente ao princípio em tela,

afirma “que sua fruição oscila entre a ponderação de dois valores que são a liberdade

e a solidariedade, tal como ocorre com o instituto da reserva hereditária que, no campo

do Direito das Sucessões, concilia liberdade e solidariedade”. Neste sentido, a reserva

hereditária também viabiliza a utilização do princípio da dignidade da pessoa humana.

Assim, demonstrados alguns aspectos relevantes concernentes à dignidade da

pessoa humana no campo do Direito das Sucessões, é importante lembrar que o

direito à herança (abrangendo, aqui, a herança digital) também perpassa outros

princípios constitucionais, que serão expostos a seguir.

50 PEREA, N. M. A função social da herança: aplicação do princípio da boa-fé. Disponível em: <http://nayaraperea.jusbrasil.com.br/artigos/258660996/a-funcao-social-da-heranca>. Acesso em: 30 dez. 2016.

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3.3.2 Do princípio da proteção à família

Respaldado no art. 22651, caput, da Constituição Federal de 1988 (CF/1988), o

princípio da proteção (ou tutela) à família obriga o Estado a proteger cada um dos

membros da entidade familiar. A referida tutela não é realizada de modo abstrato

(considerando a instituição familiar em si mesma), mas sim, de forma a considerar

individualmente cada membro, colocando novamente o homem como centro da

proteção estatal. Assim, percebe-se que tal disposição constitucional busca a

concretização da dignidade da pessoa humana (princípio já tratado anteriormente) no

âmbito do Direito de Família e das Sucessões.

A família como formação social, na visão de Perlingieri (2002, p. 243), é

garantida pela Carta Maior por ser o local ou instituição onde se forma a pessoa

humana:

A família é valor constitucionalmente garantido nos limites de sua conformação e de não contraditoriedade aos valores que caracterizam as relações civis, especialmente a dignidade humana: ainda que diversas possam ser as suas modalidades de organização, ela é finalizada à educação e à promoção daqueles que a ela pertencem.

A ideia de proteção estatal à família também é apontada por Gama (2008, p.

72), que diz caber “ao Estado não apenas prevenir atentados e violações contra a

coesão familiar, mas também promover medidas positivas de modo a proporcionar a

tutela especial a todas as famílias.”

Um dos meios de proteção à família é o direito à herança, pois esta confere aos

herdeiros uma proteção de cunho patrimonial, preservando mais facilmente a

perpetuação da família – proteção que se faz ainda mais presente quando se trata

dos herdeiros legítimos (pois se deve obedecer a ordem de vocação do art. 1829, CC),

bem como os herdeiros necessários, para os quais é assegurada a legítima52 (art.

1846, CC).

Viabilizando o pleno desenvolvimento dos indivíduos de uma entidade familiar,

a herança (inclusive a digital), portanto, não sendo indeferida, promove também o

princípio da proteção à família, não sendo lícita qualquer forma de impedimento a esta.

51 “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” (CF/1988). 52 A legítima equivale à metade da herança.

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Resta compreendido, também, que em razão da importância da família para a

formação da sociedade é necessário que o Estado zele pela sua conservação.

3.3.3 Do princípio da solidariedade nas relações familiares

O princípio da solidariedade social é reconhecida como objetivo fundamental

da República Federativa do Brasil pelo art. 3º, I, da CF, no sentido de buscar a

construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Por conseguinte, o princípio da

solidariedade nas relações familiares deriva daquele, já que a solidariedade deve

existir também nos relacionamentos pessoais. O princípio da solidariedade pode ser

observado sob dois ângulos, a saber, interno e externo:

Se for observado externamente, pode-se dizer que cabe ao Poder Público, assim como à sociedade civil, a promoção de políticas públicas que garantam o atendimento às necessidades familiares dos pobres e excluídos. Contudo, se for analisado internamente, percebe-se que cada membro componente de um determinado grupo familiar tem a obrigação de colaborar para que os outros membros da família obtenham o mínimo necessário para o seu completo desenvolvimento biopsíquico (LISBOA, 2002 apud SOBRAL, 2010).

Neste norte, na percepção de Gama (2008, p. 74), com o princípio da

solidariedade nas relações familiares se objetiva alcançar um ponto de equilíbrio entre

os interesses individuais e os interesses sociais e coletivos, ou melhor, entre os

espaços privados e públicos, com a necessária interação entre as pessoas.

Vale lembrar que a solidariedade não é só patrimonial, mas também afetiva e

psicológica. A afeição e o respeito, nas palavras de Lisboa, “são vetores que indicam

o dever de cooperação mútua entre os membros da família e entre os parentes, para

fins de assistência imaterial (afeto) e material (alimentos, educação, lazer)” (2002, p.

46). Assim, o princípio em estudo busca afastar o individualismo e a dar ênfase ao

grupo familiar, pois é nele que se desenvolvem sentimentos de afeição e respeito,

para que, desta forma, se constitua uma sociedade justa, solidária e livre, de acordo

com os preceitos constitucionais.

A solidariedade instiga a compreensão da família brasileira contemporânea, que rompeu os grilhões dos poderes despóticos – do poder marital e do poder paterno, especialmente – e se vê em estado de perplexidade para lidar com a liberdade conquistada. Porém, a liberdade não significa destruição dos vínculos e laços familiares, mas reconstrução sob novas bases. Daí a importância do papel da solidariedade, que une os membros da família de modo democrático e não autoritário, pela co-responsabilidade (LÔBO, 2007 apud SOBRAL, 2010).

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Neste aspecto, o princípio da solidariedade entre familiares guarda pertinência

também com o princípio da beneficência em favor dos partícipes do organismo

familiar. Implícito ao texto constitucional, tal princípio diz respeito ao sentimento que

se deve ter em relação ao próximo. “O princípio da beneficência impõe o respeito e o

auxílio ao outro (‘ao próximo’) como pessoa humana para o desenvolvimento de suas

potencialidades” (GAMA, 2008, p. 76).

Prinzler (2015, p. 30) ainda enfatiza que, como título de exemplo de concreção

do princípio da solidariedade no campo do Direito das Sucessões, tem-se a legitima,

que faz fruir o mesmo “na medida em que preceitua a distribuição compulsória do

acervo patrimonial constituído pelo falecido entre os membros mais próximos da

comunidade familiar”.

Complementando este entendimento, não se pode olvidar que o direito à

herança reforça a solidariedade entre os indivíduos de uma determinada entidade

familiar, vez que um dos aspectos da função social da herança é fazer com que o

autor trabalhe e acumule patrimônio durante o transcorrer da sua vida, pensando na

futura transmissão de seus bens e relações jurídicas aos seus herdeiros, a fim de que

tenham uma vida digna, confortável e com bem-estar.

Com efeito, tem-se um exemplo histórico de que, se abolida a herança,

prejudicar-se-ia o princípio da solidariedade nas relações familiares, bem como a

economia: a extinta URSS aboliu a herança após a revolução de outubro (art. 1º do

Decreto de 27 de abril de 1918), porém voltou atrás, vez que, como assinala

Rodrigues, de tal proibição “resultaram tamanhas e tão funestas consequências para

a economia nacional que o legislador russo teve de recuar de sua posição inicial,

restabelecendo a possibilidade de transmissão” (2002, p. 06).

Deste modo, segundo Kipp (1951 apud GONÇALVES, 2016, p. 27), sem a

herança, seria incompleto, também o direito de propriedade (art. 5°, XXII e XXX,

CF/1988), pois “esta se desfiguraria, convertendo-se em mero usufruto vitalício, se

viesse a ser abolida”, estando, portanto, ambos os conceitos intimamente ligados.

Feitas as considerações quanto à principiologia constitucional, bem como as

modalidades de sucessão e os aspectos da herança, adentrar-se-á agora no assunto

do presente trabalho: a possibilidade da herança digital.

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4 DA HERANÇA DIGITAL

O usuário está cada dia mais conectado com o mundo digital, onde distâncias

e fusos-horários se confundem, onde é possível se realizar várias ações ao mesmo

tempo, ao passo em que se absorve simultaneamente inúmeras informações.

Atualmente, viver desconectado é viver à margem dos principais acontecimentos e

tendências globais.

Como já visto nos tópicos anteriores, diante das mudanças tecnológicas e da

união dos mundos digital e virtual, os bens transformaram-se também, surgindo um

novo conceito inserido na classe bens incorpóreos: o dos bens digitais. Mauro Júnior

(2012, p. 12) diz que os bens incorpóreos “são relativos aos direitos que as pessoas

físicas ou jurídicas têm sobre as coisas ou outras pessoas, tais como: Direitos reais,

obrigacionais, autorais, marcas, patentes, créditos, expressões de propaganda, web

site, nome de domínio, etc.”

Conforme analisado, pode-se dizer que na sociedade atual há a preocupação

cada vez maior de construir um verdadeiro patrimônio digital na rede. Isso porque o

conceito de patrimônio vem sendo construído desde o início da espécie humana até

os tempos atuais. É certo que o ser humano, desde a Pré-História, registrava

acontecimentos e aspectos da sua vida com pinturas em cavernas, a fim de deixar

marcas de sua existência. Conforme os séculos passaram, as pessoas começaram a

utilizar taboas de argila, livros e, atualmente, valem-se da tecnologia para criar e

guardar documentos, conferindo-lhes relevante valor (SILVA, 2014, p. 20).

Até mesmo a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura) já percebeu a importância da conservação da memória de

determinados bens digitais, incluindo alguns deles em sua coleção virtual denominada

“Memória do mundo” 53 (DOBEDEI, 2008, p. 31).

Devido à importância dos bens digitais, é relevante a preocupação quanto à

sua preservação e acesso, visto que os mesmos carregam a história de seus

proprietários e até mesmo de uma nação. Sendo assim, influi-se que a conservação

destes bens atende também ao relevante valor social que possuem. Ferreira (2011,

p. 08), nesse sentido, aponta um problema: “Se a cadência com que a produção da

53 Para mais informações, acessar: PROGRAMA MEMÓRIA DO MUNDO. Disponível em: <http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/communication-and-information/access-to-knowledge/documentary-heritage/>. Acesso em: 19 jan. 2017.

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informação digital é produzida não for acompanhada das acções e estratégias

necessárias à sua preservação, a perda dos dados armazenados digitalmente pode

revelar-se catastrófica para a Humanidade”.

A título de ilustração, o Instituto Brasileiro de Ciência e Tecnologia (IBICT)

aponta que desde a criação da internet fora perdido 25% de seu conteúdo produzido,

material que não se encontra armazenado em nenhum computador do planeta.

“Dados gerados durante os primeiros anos da internet por milhares de usuários, ou

por organizações do porte da NASA, assim como por outros grandes institutos

internacionais de pesquisa, não existem mais em nenhum computador do planeta”

(IBICT, 2014).

Este ponto toca, ainda, em outra problemática: como preservar a memória

cultural de um povo se muito do que é produzido está nas redes, local de grandes

interferências e em constante evolução? A preservação deste tipo de material é

diferente das técnicas empreendidas com documentos em suporte físico, dadas as

diferenças entre os suportes e a fragilidade que o objeto digital possui54. O

posicionamento de Aguilera (2006 apud DOBEDEI, 2008, p. 28-29) é no sentido de

que é muito mais difícil conservar um bem material, porque ele sofre as intervenções

do uso e do tempo, ao passo que:

[...] os bens de natureza imaterial, por serem registrados informacionalmente, não podem e não devem ser mantidos como se encontravam no momento em que foram digitalizados. Desse modo, a garantia da permanência de um bem patrimonial de natureza imaterial reside em sua condição de permanente atividade social e, portanto, de transformação.

Freitas (2008, p. 19-20) ainda lembra que apesar da informação digital poder

ser preservada apenas com uma simples cópia de seus bits, não significa que mais

tarde será possível apreender o sentido da mesma, pois a intensa evolução

tecnológica faz com que as plataformas informáticas (aqui entendidas como hardware

e software, que tornam o objeto digital inteligível ao usuário) percam sua capacidade

de autopreservação num prazo de 5 anos, fazendo com que os bens digitais possam

perder suas inteligibilidade. Deste modo, se faz relevante que, na hipótese de não ser

54 Neste ínterim, segue o conceito de preservação digital: “O conjunto de atividades ou processos responsáveis por garantir o acesso continuado a longo prazo à informação e restante património cultural existente em formatos digitais. A preservação digital consiste na capacidade de garantir que a informação digital permanece acessível e com qualidades de autenticidade suficientes para que possa ser interpretada no futuro recorrendo a uma plataforma tecnológica diferente da usada no momento de sua criação” (FERREIRA, 2006, p. 20).

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possível a preservação do objeto que abrirá o documento arquivado, é necessário que

haja um substituto que seja capaz de realizar tal tarefa (SILVA, 2014, p. 29).

Como se pode perceber, os bens digitais são muito frágeis, sendo importante

uma segunda fonte de gerenciamento dos mesmos, vez que apenas a tecnologia não

é suficiente para evitar a obsolescência destes objetos, também sendo necessárias a

interferência humana e políticas de preservação digital (INNARELLI, 2011, p. 75).

Arellano (2004, p.16) lembra que o desafio da preservação tem outras faces:

O desafio é muito mais um problema social e institucional do que um problema técnico, porque, principalmente para a preservação digital, depende-se de instituições que passam por mudanças de direção, missão, administração e fontes de financiamento.

Outro problema elencado por Sayão (2010, apud SILVA, 2014, p. 29) está na

possibilidade de edição (alteração) destes documentos, podendo fazer com que o

documento perca parte ou a totalidade de suas informações. Deste modo, há várias

dificuldades a serem refletidas quanto à preservação dos mesmos.

Arellano (2004 apud SILVA, 2014, p. 29) destaca três condições para a

preservação de documentos digitais, quais sejam, a preservação física, lógica e

intelectual. A preservação física trata da conversão dos documentos que se

encontram em meio digital para um formato físico, utilizando-se como meio o CD,

DVD, Rolo de fitas, etc. “Essa conversão possibilita a recuperação de documentos em

formatos obsoletos ou de difícil manutenção”. Já a preservação por meio digital ou

preservação lógica “se utiliza do software para a inserção de dados dos documentos,

realizando a conservação de seus bits e capacidade de leitura”. Por fim, “a

preservação intelectual trata da manutenção da integridade e autenticidade do

documento”.

Como se viu, várias estratégias podem ser abordadas com a finalidade de

preservar os bens digitais. Uma das opções, que é abordada neste trabalho, é a

transmissão destes ativos para os herdeiros do de cujus, contemplando a chamada

herança digital. Isso porque os herdeiros recebem estes bens, podendo realizar a

manutenção e a perpetuidade dos mesmos (preservação intelectual).

O problema é que, na maioria das vezes, os proprietários dos ativos digitais

não param para refletir qual será sua destinação após a morte, isto é, qual será o

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futuro desses documentos acumulados tanto em dispositivos quanto na nuvem55.

Além do mais, como a morte é um momento delicado, muitos familiares e até mesmo

amigos não sabem como proceder em relação a estes materiais e/ou contas de

usuário de redes sociais, restando dúvidas se há possibilidade de apagá-las ou

administrá-las para manter a memória do falecido.

Neste rumo, surge uma situação nova para o operador do Direito lidar: é

possível transmitir bens digitais para eventuais herdeiros diante do falecimento do

proprietário? Se sim, qual a procedência o(s) herdeiro(s) ou o testador deve(m) tomar?

Há bens digitais que não podem ser transferidos para os herdeiros? Estes

questionamentos e outros mais podem ser respondidos com a interpelação das

matérias de Direito Digital e do Direito das Sucessões. O primeiro é um ramo jurídico

dinâmico que, como já visto anteriormente, está se desenvolvendo cada vez mais a

fim de solucionar situações que nem sempre os ramos jurídicos tradicionais

conseguem resolver; já o segundo ramo, codificado no ordenamento jurídico pátrio, já

é tradicional no Brasil e entre os operadores do Direito.

A solução prática para o problema seria o falecido deixar senha e demais

informações necessárias para acesso a uma ou mais pessoas de confiança. Porém,

“tal conduta não procede juridicamente, pois em muitos casos configuraria crime de

falsa identidade previsto no art. 307 do Código Penal, através do qual alguém se faria

passar por outrem para ter acesso à identidade e aos bens digitais” (COSTA FILHO,

2016, p. 210). Ainda, é importante lembrar que quem detiver indevidamente a posse

de bens da herança deverá devolvê-los aos herdeiros.

Como se vê, o melhor é tomar as providências legais a fim de obter acesso aos

bens digitais de uma pessoa falecida, a fim de não ensejar algum problema penal ou

civil para o herdeiro. Antes de adentrar efetivamente na problemática trazida no bojo

deste trabalho, urge delimitar o conceito de herança digital, o que será realizado a

seguir, a fim de superar as lacunas deixadas pelo Código Civil de 2002. Afinal, o

legislador civilista não previu a possibilidade de novas formas de patrimônio e

herança, como as que se constituem na forma digital.

55 Trata-se do armazenamento na própria Internet por meio de serviços online como: Google Drive e Mycrosoft Skydriver. Armazenam online fotos, músicas, planilhas, textos etc.

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4.1 Do conceito

No Brasil não há nenhuma lei que regulamente ou proíba a transmissão da

herança digital. Assim, realizando uma interpretação extensiva do texto legal, não há

óbice em inserir os bens digitais no conceito supramencionado de patrimônio e, por

consequência, no de herança, por conta do valor econômico ou sentimental que

carregam.

Neste sentido, no escólio de Oliveira (2015, p. 21), tem-se que a herança digital

é “descrita como o conjunto de ativos digitais, (e-mails, fotos, vídeos, contas das

mídias sociais e todos os outros ficheiros em formato eletrônico), que são os principais

elementos da ‘outra vida’, a vida digital”. Complementando este entendimento, Silva

(2014, p. 31) diz que “todo o legado digital de um indivíduo que fica disponível na

nuvem ou armazenado em um computador logo após sua morte faz parte de sua

herança digital”.

Cahn e Beyer (2013, p. 137-138, tradução nossa) defendem que a herança

digital pode ser dividida em dados pessoais, dados de redes sociais, dados de contas

financeiras e dados de contas empresariais. Alguns outros autores como Arnold,

Bellamy, Gibbs, Nansen e Kohn (2013) utilizam o conceito de propriedade digital para

definir o conjunto de todos os ativos digitais. Diante destas colocações, urge destacar

que Carroll (2012, tradução própria) trouxe uma definição mais clara para ativos

digitais:

O termo “ativos digitais” significa, mas não se limita, a arquivos, incluindo mas não se limitando, a e-mails, documentos, imagens, áudio, vídeo, e arquivos digital similares que atualmente existem ou possam vir a existir conforme o desenvolvimento tecnológico, ou semelhantes conforme a tecnologia se desenvolve, armazenados em dispositivos digitais, incluindo, mas não se limitando, a desktops, laptops, tablets, periféricos, dispositivos de armazenamento, telefones móveis, smartphones, e qualquer dispositivo digital similar que atualmente existe ou possa vir a existir com o desenvolvimento tecnológico ou itens semelhantes conforme a tecnologia se desenvolve, independentemente da propriedade do dispositivo físico no qual o ativo digital está armazenado.56

56 “Digital Assets: The term “digital assets” means, but is not limited to, files, including but not limited to, emails, documents, images, audio, video, and similar digital files which currently exists or may exist as technology develops or such comparable items as technology develops, stored on digital devices, including, but not limited to, desktops, laptops, tablets, peripherals, storage devices, mobile telephones, smartphones, and any similar digital device which currently exists or may exist as technology develops or such comparable items as technology develops, regardless of the ownership of the physical device upon which the digital asset is stored”.

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Carroll (2012, tradução nossa), acrescentou também uma definição para contas

digitais:

O termo "contas digitais" significa, mas não se limita, a contas de e-mail, licenças de software, contas de redes sociais, contas de mídias sociais, contas de compartilhamento de arquivos, contas de gestão financeira, contas de registro de domínio (web), contas de serviço de nome de domínio, contas de hospedagem, contas de serviço de preparação de impostos, lojas on-line, programas de afiliados, e todo tipo de outras contas on-line que atualmente existem ou possam existir à medida que a tecnologia se desenvolve.57

Nesta senda, a herança digital é constituída pelo conjunto de informações

acerca de um usuário (formado pelos ativos digitais e pelas contas digitais) que se

encontra em formato digital (OLIVEIRA, p. 23-24).

Acerca do tema, refere-se Rohrmann (2005, p. 195) ao art. 83, I, do Código

Civil, que constituiu uma importante inovação ao “estender o conceito de bem móvel

às ‘energias que tenham valor econômico. É inegável que os arquivos digitais de

computador são ‘energia armazenada’”. Por decorrência, segundo Costa Filho (2016,

p. 191) é possível considerar o acervo digital como um conjunto de bens móveis para

efeitos legais.

O documento eletrônico, seja uma sequência de bits representativa de um texto acadêmico ou de uma ordem de compra de milhões de reais, é considerado um bem móvel. O novo Código, em conformidade com a lei especial, dispõe, no artigo 83, inciso I, que as energias que tenham valor econômico são bens móveis para os efeitos legais. O critério de valor aplica-se também a bens gratuitos, mas cuja proteção pode ser aferida economicamente58.

Pode-se incluir textos, fotos, arquivos de áudio e tudo mais que pode ser

armazenado virtualmente no patrimônio de cada indivíduo (COSTA FILHO, 2016, p.

191).

Porém, se o conceito de herança já carrega consigo intrinsicamente o princípio

da indivisibilidade, é possível dizer que a herança digital e a herança tradicional são

institutos diferentes? Ou simplesmente uma está inserida na outra? Melhor dizendo,

57 “Digital Accounts: The term “digital accounts” means, but is not limited to, email accounts, software licenses, social network accounts, social media accounts, file sharing accounts, financial management accounts, domain registration accounts, domain name service accounts, web hosting accounts, tax preparation service accounts, online stores, affiliate programs, other online accounts which currently exist or may exist as technology develops or such comparable items as technology develops”. 58 FERREIRA, P. R. G. O Notário e a Contratação Eletrônica: relatório do Brasil. XXIV Congresso Internacional do Notariado Latino. Cidade do México, 17-22 out. 2004. Disponível em: <http://www.notariado.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=MzQ0MA==&filtro=9&Data=>. Acesso em: 30 jan. 2017.

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se a herança é uma universalidade de direitos e deveres indivisível até a partilha, por

que falar em herança digital e herança tradicional? É necessário ter processos de

inventário diferentes?

Num primeiro momento, pode-se dizer que os bens digitais, por se inserirem no

conceito de herança tradicional, fazem, portanto, parte da mesma. Deste modo,

forçoso concluir que não existe uma herança diferenciada da tradicional, ou uma

herança digital no sentido literal do termo, bem como não há a necessidade de criar

um processo de inventário diferenciado para tratar do assunto. Em realidade, é tudo

uma coisa só: os deveres e direitos do âmbito virtual também fazem parte da

universalidade da herança tradicional.

Tem-se que a herança digital está “inserida” na herança tradicional, porém,

para fins didáticos neste trabalho e com o objetivo de tornar mais fácil a diferenciação,

utilizar-se-á o termo “herança digital” para designar a universalidade dos bens digitais

deixados pelo falecido na Internet ou em dispositivos eletrônicos que podem ser

transferidos para seus herdeiros.

A localização da Herança Digital é considerada como estando dispersa por

vários dispositivos eletrônicos, quer seja em armazenamento local (computadores,

notebooks, celulares, pendrivers, discos externos), quer seja em armazenamento em

nuvem (em servidor na Internet) (OLIVEIRA, 2016, p. 25). Atualmente, Caroll e

Romano (2010) alegam que existe uma transição da passagem de alguns dos ativos

físicos para formato digital, posteriormente os armazenando em local físico para

armazenamento em nuvem.

Devido a esta dispersão da herança digital, pode surgir a dúvida de qual foro

se deve entrar com eventual ação para se ter acesso a determinados ativos digitais

ou para retirar do ar algum conteúdo na rede que afete a honra e a imagem do falecido.

O problema é que, geralmente, os termos de serviço (uma forma de contrato de

adesão) trazem cláusulas de eleição que comumente selecionam a lei da sede da

empresa provedora do serviço para reger o contrato, além do fórum mais conveniente

para o provedor (COSTA FILHO, 2016, p. 196).

No entanto, de acordo com a Resolução nº 39/248 da ONU, de 9 de abril de

1985, é dever de todos os Estados membros a proteção ao consumidor. Neste sentido,

embora a própria legislação brasileira (art. 435 do Código Civil e art. 9º, § 2º, da Lei

de Introdução às normas do Direito Brasileiro) estabeleça que o lugar do contrato é o

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da oferta ou proposta, nos contratos de consumo (incluindo contratos eletrônicos

internacionais) considera-se o lugar que melhor beneficie o consumidor:

Caso contrário, haveria clara ofensa ao princípio constitucional de defesa do consumidor, tornando inviável o acesso à justiça pela parte com menor poder de barganha. Inclusive, quanto às provisões de eleição de fórum, o STJ já decidiu que a constatação de tais cláusulas não é óbice a proposta de ação no Brasil, havendo competência concorrente, considerando a ausência de regulação da jurisdição do ciberespaço59 (COSTA FILHO, 2016, p. 196).

Superada esta dúvida, em uma perspectiva principiológica, por que é

importante a preservação e a transmissão do patrimônio digital do usuário falecido

para seus herdeiros? Além disso, dependendo do caso, qual princípio observar a fim

de proteger a privacidade e a imagem do de cujus?

Primeiramente, é salutar dizer que a preservação de qualquer patrimônio se faz

de grande importância, pois este contém informações de várias áreas dos saberes

que contribuem para a sociedade. Preservar um patrimônio significa preservar a

identidade de um determinado tempo, local ou cultura. Além do mais, a herança de

um indivíduo carrega traços de sua personalidade, descreve algumas de suas

caracterizas pessoais e profissionais, sendo até mesmo que, em alguns casos,

revelam o motivo de sua morte (PRINZLER, 2015, p. 49).

Mauro Júnior (2012, p. 29) cita os seguintes princípios concernentes ao assunto

(alguns deles já comentados anteriormente): dignidade da pessoa humana (art. 1º, III,

CF); propriedade (art. 5º, caput, XII, CF); igualdade (art. 5º, caput, CF); intimidade60,

vida privada, honra e imagem (art. 5º, X, CF); inviolabilidade das comunicações de

dados (art. 5º, XII, CF); direito à informação (art. 5º, XIV, CF); direito de autor (art. 5º,

XXVII, CF); direito de herança (art. 5º, XXX, CF); direito a defesa do consumidor (art.

5º, XXXII, CF).

Deve-se lembrar que não interessa ao Estado que o patrimônio de alguém reste

sem titular, sendo que através da herança digital também se perpetua a família (devido

ao seu caráter predominantemente econômico) e projeta a memória dos

antepassados. A herança digital também eleva os laços e vínculos familiares,

reforçando o princípio da solidariedade familiar, pois resguarda muitos registros

especiais entre parentes e amigos.

59 Superior Tribunal de Justiça, 4ª Turma, Recurso Especial 1.168.547-RJ, julgado em 11/05/2010, unânime, DJ 07/02/2010. 60 A palavra intimidade sugere caráter íntimo, relação estrita entre duas pessoas.

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Diante da importância da preservação da herança digital, temos também que

esta toca o princípio da dignidade humana, que ampara os herdeiros quando pleiteiam

acesso a certos materiais ou retiram outros conteúdos da Internet ligados ao falecido.

Garantir a herança digital aos herdeiros legítimos e testamentários é também uma

forma de preservar o princípio da proteção familiar, promovendo seu pleno

desenvolvimento. Ao dispor de seu patrimônio digital em testamento, está também o

usuário exercendo seu direito à herança, bem como o princípio da dignidade humana.

Muitos casos podem ser citados a fim de ilustrar a importância da temática,

como os seguintes, noticiados amplamente na mídia mundial: “Luta de mãe pelo

Facebook da filha expõe questão de ‘herança digital’”61; “Facebook deverá ter mais

mortos que vivos em 2098”62, “Bruce Willis quer que filhas fiquem com suas MP3s

após morte, diz site”63, “Viver online após a morte é a questão enfrentada em uma

batalha judicial no Nebraska (tradução nossa)”64.

Um caso em especial ocorreu no Brasil e envolveu os familiares da jornalista

Juliana Ribeiro Campos, falecida em maio de 2012, na época com 24 anos. Dolores

Pereira Ribeiro, mãe da jovem, conta que, ao tentar cancelar a conta de sua filha

através das ferramentas disponibilizadas pela própria rede social Facebook, foi

informada que a página fora transformada em memorial post mortem, conforme a

política da empresa para usuários falecidos, o que continuaria a permitir a postagem

de conteúdo pelos contatos da filha. 65 Desejando a remoção completa do perfil,

afirmando que a página havia se transformado em um “muro de lamentações”, Dolores

ajuizou ação contra o Facebook Brasil na 1ª Vara do Juizado Central de Campo

Grande, sendo determinado em caráter liminar o imediato cancelamento do perfil com

61 LUTA DE MÃE PELO FACEBOOK DA FILHA EXPÕE QUESTÃO DE ‘HERANÇA DIGITAL’. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/04/150406_heranca_digital_rm>. Acesso em: 13 jan. 2017. 62 FREY, L. Facebook deverá ter mais mortos do que vivos em 2098. Disponível em: <https://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2016/03/09/facebook-devera-ter-mais-mortos-do-que-vivos-em-2098.htm>. Acesso em: 13 jan. 2017. 63 BRUCE WILLIS QUER QUE FILHAS COM SUAS MP3S APÓS MORTE, DIZ SITE. Disponível em: <http://g1.globo.com/musica/noticia/2012/09/bruce-willis-quer-que-filhas-fiquem-com-suas-mp3s-apos-morte-diz-site.html>. Acesso em: 13 jan. 2017. 64 LIVING ONLINE AFTER DEATH FACES NEBRASKA LEGAL BATTLE. Disponível em: < http://www.bbc.com/news/magazine-16801154>. Acesso em: 13 jan. 2017. 65 MÃE PEDE NA JUSTIÇA QUE FACEBOOK EXCLUA PERFIL DE FILHA MORTA EM MS. Acesso em: <http://g1.globo.com/mato-grosso-do-sul/noticia/2013/04/mae-pede-na-justica-que-facebook-exclua-perfil-de-filha-falecida-em-ms.html>. Acesso em: 13 jan. 2017.

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multa de R$500 por dia de descumprimento66. O perfil, no dia 25/04/2013, foi excluído

pela empresa67.

Uma das soluções mais simples encontrada pelos usuários nestas situações

são os serviços online que permitem fazer um planejamento não oficial do destino de

propriedades digitais depois da morte de alguém, tratando-se de um testamento

digital:

Funcionam, em geral, da seguinte forma: o usuário escolhe os bens e serviços digitais que quer que sejam preservados, armazena senhas e informações para acessá-los e determina quem terá o direito de fazer isso, além de indicar alguém para notificar o serviço quando ele morrer (LUÍS, 2011).

Como exemplo se pode citar o site americano Secure Safe68, o My Wonderful

Life69, da criadora Sue Kruskopf, ou o The digital Beyond70. No entanto, ressalta-se

que a segurança do site não basta, pois um hacker pode ter acesso aos dados

aproveitando a suscetibilidade do computador do próprio usuário (LUÍS, 2011).

A empresa Google Inc. também pensou na opção de um testamento virtual, que

logo foi oferecida aos usuários. Através desta ferramenta, pode-se determinar o que

deverá ser feito com suas contas e arquivos armazenados nos serviços da empresa

após sua morte. O recurso, intitulado Gerenciador de Contas Inativas, está

diretamente conectado a serviços como Gmail, Google+, Picasa, YouTube e Google

Drive. Com a ferramenta, os usuários poderão determinar o que será feito com seus

dados assim que as contas ficarem inativas por um determinado período de tempo.

Mas, antes que qualquer decisão seja tomada, o serviço enviará uma mensagem de

texto para o celular do usuário da conta ou para os contatos estabelecidos como sendo

de confiança, impedindo assim que as informações sejam destruídas por engano.71

Para finalizar os exemplos, o Facebook Inc. disponibilizou uma ferramenta

similar à do Google Inc., dando a possibilidade ao usuário de transformar seu perfil na

66 Conferir o Anexo A, com a decisão na íntegra. 67 QUEIROZ, T. 'Vai estar apenas no coração' diz mãe após exclusão de perfil de filha morta. Disponível em: <http://g1.globo.com/mato-grosso-do-sul/noticia/2013/04/vai-estar-apenas-no-coracao-diz-mae-apos-exclusao-de-perfil-de-filha-morta.html>. Acesso em: 19 mai. 2017. 68 SECURE SAFE: TERMS. Disponível em: https://www.securesafe.com/en/terms/>. Acesso em: 03 mar. 2017. 69 MY WONDERFUL LIFE TERMS OF USE. Disponível em: <https://www.mywonderfullife.com/terms_of_use/>. Acesso em: 03 mar. 2017. 70 THE DIGITAL BEYOND. Disponível em:< www.thedigitalbeyond.com>. Acesso em: 03 mar. 2017. 71 SOBRE O GERENCIADOR DE CONTAS INATIVAS. Disponível em: <https://support.google.com/accounts/answer/3036546?hl=pt-BR>. Acesso em: 03 mar. 2017.

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rede social em memorial após a sua morte. Ou seja, mantem a linha do tempo, mas

limita o acesso a alguns recursos.72 O inconveniente é que, quando o perfil se

transforma em memorial, dada a impossibilidade de fazer login na conta, não é

possível gerenciar mensagens ofensivas ou comentários inoportunos.

Ou, então, pode-se encerrar uma determinada conta se houver uma solicitação

formal que satisfaça alguns critérios, como provar o vínculo com o de cujus, anexar a

certidão de óbito do falecido, bem como sua certidão de nascimento, além de

comprovação de autoridade de acordo com a lei local de que você é o representante

legal do falecido ou de seu espólio73.

Devido à importância de sua preservação, no Brasil, existem dois Projetos de

Lei que visam a inclusão da herança digital no ordenamento jurídico, notadamente no

Código Civil. A seguir, serão analisados estes projetos e se é viável o que os mesmos

propõem em seu texto, sendo que, a partir deste estudo crítico, elucidar-se-ão outros

pontos da temática da herança digital.

4.2 Dos Projetos de Lei nº 4.099 e 4.847 de 2012

Almeida e Almeida (2013, p. 193) lecionam que é função do Direito regular as

situações relevantes à sociedade, sendo que para que o fato material seja jurídico, o

mesmo deve se enquadrar nas normas genéricas de imposição estatal, havendo,

portanto, “a incidência da norma jurídica no fato material”. Cabe ao poder legislativo,

nesta esteira, perceber os valores sociais preponderantes, editando normas neste

sentido, sendo que “a adaptação à mudança é uma exigência de sobrevivência da

própria norma – esse é o desafio inserido pela sociedade da era digital”.

Surge a necessidade de compreensão de alguns projetos de lei que tratam da

matéria da herança digital. O Projeto de Lei nº 4.099, de 2012, do deputado Jorginho

Mello (na época pelo PSDB/SC), visa inserir o tema Herança Digital no art. 1.788, do

Código Civil de 2002, através da criação de um parágrafo único com a seguinte

redação: “Serão transmitidos aos herdeiros todos os conteúdos de contas ou arquivos

digitais de titularidade do autor da herança.”

72 CONTAS TRANSFORMADAS EM MEMORIAL. Disponível em: <https://www.facebook.com/help/1506822589577997/?helpref=hc_fnav>. Acesso em: 03 mar. 2017. 73 COMO SOLICITAR A REMOÇÃO DA CONTA DE UM FAMILIAR FALECIDO DO FACEBOOK? Disponível em: <https://www.facebook.com/help/1518259735093203?helpref=related>. Acesso em: 03 mar. 2017.

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O referido Projeto garante a transmissão aos herdeiros dos conteúdos integrais

de contas e arquivos virtuais, sob a justificação de que “o melhor é fazer com que o

direito sucessório atinja essas situações, regularizando e uniformizando o tratamento,

deixando claro que os herdeiros receberão na herança o acesso e total controle

dessas contas e arquivos digitais” (BRASIL, 2012, p. 02). O Projeto foi remetido ao

Senado Federal em 02 de outubro de 2013, em caráter conclusivo, ainda em trâmite.

Por outro lado, o Projeto de Lei nº 4.847, de 2012, de Marçal Filho, na época

deputado pelo PMDB/MS, dispunha também acerca do assunto da herança digital.

Seu texto visava igualmente inserir a mesma ao Código Civil de 2002 através da

criação do Capítulo II-A e dos arts. 1.797-A a 1.797-C. A seguir é possível visualizar

a proposta de redação:

Capítulo II- A Da Herança Digital: Art. 1.797-A. A herança digital defere-se como o conteúdo intangível do falecido, tudo o que é possível guardar ou acumular em espaço virtual, nas condições seguintes: I – senhas; II – redes sociais; III – contas da Internet; IV – qualquer bem e serviço virtual e digital de titularidade do falecido. Art. 1.797-B. Se o falecido, tendo capacidade para testar, não o tiver feito, a herança será transmitida aos herdeiros legítimos. Art. 1.797-C. Cabe ao herdeiro: I - definir o destino das contas do falecido; a) - transformá-las em memorial, deixando o acesso restrito a amigos confirmados e mantendo apenas o conteúdo principal ou; b) - apagar todos os dados do usuário ou; c) - remover a conta do antigo usuário

Importante trazer, de igual maneira, a justificação do Projeto de Lei nº 4.847, a

qual afirma que no Brasil, o conceito de herança digital é pouco difundido, sendo

necessário uma legislação apropriada “para que as pessoas ao morrerem possam ter

seus direitos resguardados a começar pela simples decisão de a quem deixar a senha

de suas contas virtuais e também o seu legado digital.” (BRASIL, 2012b, p 03). Isso

porque, ante a ausência testamentária, os familiares do de cujus são delimitados como

herdeiros pelo Código Civil de 2002. Deste modo, continua a justificação, pretendia-

se com o Projeto de Lei em questão assegurar o direito dos familiares em gerir o

legado digital daqueles que já se foram.

Ressalta-se que o referido Projeto de Lei, apesar de mais completo, não logrou

êxito em ser aprovado, sendo arquivado em 02 de outubro de 2013, em detrimento do

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Projeto de Lei principal, o citado PL nº 4.099/12, constando apenas o texto deste na

Redação Final74.

Antunes e Zampieri (2015, p. 05-06) são favoráveis à proposta, entendendo

que, se for sancionada, haverá:

[...] um enorme progresso na matéria de proteção e garantia de repasse aos herdeiros desses bens digitais, também chamados de ativos digitais, que são todos os arquivos e bens que podem ser armazenados na rede, sendo que o conceito envolve tanto aqueles armazenados em nuvens quando nos mais variados tipos de servidores que encontramos na internet, como por exemplo, aplicativos famosos como o Google Drive, iTunes Match, DropBox, Sky Drive, e Amazon, além de garantir também a preservação e segurança de contas de e-mail e redes sociais, facilitando, finalmente, a transmissão dos bens e dados para seus herdeiros após o falecimento.

Não há dúvidas de que a proposta levantada é um importante passo no sentindo

de se alertar sobre a existência e a necessidade de regulamentação da herança

digital, a fim de que as pessoas possam planejar o futuro dos bens digitais ou, caso

não haja planejamento, para que a família tenha conhecimento de que possa herdá-

los. Este reconhecimento é uma atualização do próprio Direito, a fim de acompanhar

a evolução da tecnologia e o que a mesma acarreta aos seus usuários, sendo que

esse dinamismo que caracteriza o Direito Digital.

Prinzler (2015, p. 11-12), por seu turno, pontua que a proposta legislativa de nº

4.099 tem o intuito de assegurar a razoável duração do processo, conforme o art. 5º

da CF, além de dar embasamento legal aos juízes e proporcionar segurança ao

ordenamento jurídico. Por outro lado, ao mesmo tempo que preza por certos princípios

trazidos pela CF, de outro, vem em detrimento “de alguns princípios também de

natureza constitucional e, porquanto, de igual quilate jurídico e importância social”,

podendo ser citados neste ensejo os direitos da personalidade, como a intimidade e

vida privada.

Esta colisão de princípios deve ser resolvida levando-se em conta “o princípio

da proporcionalidade, de modo a buscar-se a otimização entre os direitos e preservar

os princípios constitucionais em jogo” (PRINZLER, 2015, p. 12).

Não há como ignorar o risco de uma possível inconstitucionalidade do referido

Projeto de Lei, tendo em vista a onda de invasão de privacidade que poderia ser

gerada pela leitura literal da inclusão do citado parágrafo único ao art. 1.788 do CC

74 PL 4847/2012. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=563396>. Acesso em: 28 de jan. 2017.

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(isso não só para o falecido, mas também para terceiros que com aquele se

relacionavam).

Destaca-se que o art. 5º, X da CF, o qual trata do direito a intimidade e a vida

privada, pode-se ler que a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas

são invioláveis. Também de acordo com a Carta Magna, o art. 60, § 4º, discorre sobre

os temas que não serão objeto de deliberação sobre proposta de emenda

constitucional, sendo que o inciso IV trata de temas que pretendam abolir os direitos

e garantias fundamentais:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias individuais.

Diante o exposto, nota-se claro que os direitos e garantias individuais

constituem cláusulas pétreas e, sendo justamente por isso, não podem ser objeto de

discussão em emenda constitucional, tampouco de norma infraconstitucional.

Em entrevista, Jorginho Mello explica que sua proposta não levou em

consideração “possibilidades como, por exemplo, o mau uso das contas digitais dos

falecidos pelos herdeiros, e que se porventura houver maus usos, existem leis que

podem punir estas práticas” (TRUZ, 2013). O deputado ressalta também que ao

herdar algo, o herdeiro tem domínio sobre aquele bem, tendo a possibilidade de dar

uma finalidade ou resolver algum problema concernente àquele determinado bem

digital.

Há quem entenda não ser necessário alterar o Código Civil através deste

Projeto de Lei especificando sobre o legado digital, pois a herança já engloba todo o

patrimônio do indivíduo, como diz Stacchini75. Aliás, o referido autor ainda prega que

a solução à problemática do legado digital seria uma fiscalização mais efetiva por parte

do Estado quanto aos produtos e serviços disponibilizados na Internet, de maneira

que esses “não contenham termos de uso contrários ao atual ordenamento”, bem

como “aguardar a consolidação da jurisprudência sobre a matéria no judiciário”.

Entretanto, ao mesmo tempo, reconhece que tal consolidação ainda pode demorar.

75 Para saber mais sobre o assunto, acessar: TRUZ, I. Mudança no Código Civil: Projeto de Lei quer regulamentar transmissão de heranças digitais. Disponível em: <http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/67232/projeto+de+lei+quer+regulamentar+transmissao+de+herancas+digitais.shtml>. Acesso em: 24 jan. 2017.

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Apesar de uma possível codificação da herança digital trazer maior segurança

jurídica ao nortear o entendimento de julgadores, pode-se dizer, diante da análise

realizada, que o Projeto de Lei nº 4.099 de 2012 ainda não está bem formulado,

trazendo muitas questões à tona quanto ao seu texto.

Destarte, a ausência de tratamento específico sobre o legado virtual não implica

na inexistência de um centro de interesses a ser tutelado juridicamente. Enquanto o

projeto não cumpra o processo legislativo e entre em vigor, ou então haja a edição de

outros projetos que abordem a herança digital, é salutar dizer que a legislação

hodierna supre, ao menos em parte, a problemática, apesar de não trazer encartado

em sua disposição o conceito de bens digitais, muito menos de herança digital. Para

tanto, basta:

[...] uma interpretação lógica e extensiva dos direitos sucessórios advindos do Código Civil de 2002, os quais estabelecem a quem se transmitirá a herança. Razão pela qual, caso não seja da vontade do usuário que os seus familiares tenham acesso aos seus dados privados virtuais, é de suma importância redigir um testamento virtual. A esse tema, ainda, apresenta-se a problemática das políticas, ou regras contratuais dos termos online, de alguns provedores ou grandes empresas virtuais prestadoras de serviços, porquanto estabeleçam uma licença de uso, que se extingue com o usuário, isto é, sem direito de transmissão a outrem. O que não impede, nessa situação fática, entretanto, que a questão seja levada ao Poder Judiciário para apreciação (FÁVERI, 2014, p. 83).

Todos estes pontos concernentes à temática serão estudados ao longo deste

capítulo, se atentando que, a despeito da necessidade da transmissão da herança

digital, saliente-se desde já que não se podem transmitir todos os bens digitais do

falecido aos seus herdeiros.

4.3 Dos contratos eletrônicos

Não obstante a relevância da herança digital, já demonstrada nos tópicos

anteriores, a mesma sofre alguns óbices para sua efetiva transferência ante a maioria

dos contratos eletrônicos dispostos pelos servidores: “Boa parte dos procedimentos

de coleta, armazenamento e processamento de dados pessoais no âmbito da Internet

ocorre em decorrência de uma relação de consumo entre um provedor de serviços

(fornecedor76) e um usuário (consumidor)” (LEONARDI, 2011, p. 198).

76 “Art. 3°, CDC: Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção,

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Urge esclarecer que, ao se tratar do consumidor que se utiliza da Internet para

adquirir determinado produto ou serviço, diz-se que ele é um “consumidor virtual”. Este

tipo de consumidor possui todos os direitos e obrigações descritos na legislação

consumerista (SOUZA, 2009, p. 85).

No que tange à herança digital, a transferência de contas dos usuários (ou de

seus conteúdos), costuma ser limitada nos termos de serviço, dependendo do

provedor e do serviço oferecido: “alguns [provedores] permitem transferências através

de taxas, outros apenas as permitem no caso de morte e muitos não as permitem em

hipótese alguma” (COSTA FILHO, 2016, p. 195-196). Por isso, se faz importante,

neste trabalho, trazer algumas noções sobre os contratos eletrônicos, especialmente

o contrato de adesão, a fim de orientar melhor o leitor.

Apesar de apresentarem forma peculiar devido ao meio utilizado para efetivar

a oferta ou a sua aceitação, os contratos eletrônicos não são espécies distintas de

contratos, mas sim uma maneira dos contratos em espécie se manifestarem. Segundo

Glanz, o contrato eletrônico “nada mais é do que um contrato tradicional celebrado em

meio eletrônico, ou seja, através de redes de computadores – é aquele celebrado por

meio de programas de computador ou aparelhos com tais programas” (1998, p. 72).

Salutar dizer que, se os contratos eletrônicos apresentem os elementos essenciais de

uma relação de consumo, serão regidos pelas mesmas leis consumeristas.

A massificação dos contratos eletrônicos, apesar de terem diversas vantagens

(rapidez, segurança, previsão de riscos, etc.), abre também espaço para que os

agentes em situação de superioridade econômica (empresas, servidores,

fornecedores, etc.) estabeleçam, não raro, condições contratuais amplamente

favoráveis aos seus próprios interesses, desconsiderando as expectativas daqueles

com quem contratam, configurando casos de abusividade e desequilíbrio contratual

(MARQUES, 1999, p. 53).

Neste ínterim, afirma Lobo (2011, p. 35) que é essencial preservar os direitos

do usuário ao elaborar termos de serviço, condições de uso e licenças, ao oferecer

serviços de armazenamento ou lojas virtuais, bem como não só contratos de adesão,

mas como contratos de consumo, pois, aplica-se a estes contratos o sistema legal de

montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”

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proteção do consumidor – notadamente quanto à proteção contra práticas abusivas e

acesso prévio às condições gerais do contrato.

O meio eletrônico permite que as atividades econômicas se relacionem com

uma pluralidade de destinatários, sendo conveniente o uso de condições gerais nos

contratos. As condições gerais “constituem regulação contratual predisposta

unilateralmente e destinada a se integrar de modo uniforme, compulsório e inalterável

a cada contrato de adesão que vier a ser concluído entre predisponente e o respectivo

aderente” (LOBO, 2011, p. 122).

Para Sá, as condições gerais são identificadas como “estipulações

predispostas em vista de uma pluralidade de contratos ou de uma generalidade de

pessoas, para serem aceitas em bloco, sem negociação individualizada ou

possibilidade de alterações singulares” (1999, p. 197). Nestes casos, o diálogo perde

espaço para o monólogo, pois apenas um dos contratantes cuida da regulamentação

do conteúdo e dos efeitos do contrato, restando ao outro apenas a possibilidade de

adesão mecânica ao que foi formulado.

O termo “condições” (e não cláusulas) geralmente são utilizados nos contratos

eletrônicos, pois não surgem de relações intersubjetivas, ao contrário das cláusulas,

onde há esta participação. O termo “gerais”, lado outro, é entendido como constância

e uniformidade, “já que a generalidade permanece ainda que as condições gerais

sejam integradas a um contrato individual assumindo forma de cláusula, podendo

coexistir com aquelas que foram livremente negociadas” (COSTA FILHO, 2016, p.

197). Ademais, vinculam juridicamente o predisponente ou utilizador a partir do

momento em que são utilizadas.

Sobre a regulação pátria das “condições gerais” dos contratos, somente com o

Código de Defesa do Consumidor de 1990 (CDC) houve a disciplina do referido

instrumento, ainda que de modo implícito, no Capítulo VI, que trata da “Da Proteção

Contratual”, acerca dos contratos de adesão e as cláusulas abusivas:

O CDC visa a regulamentação das relações de consumo, à garantia dos direitos dos consumidores [...] tal diploma legal objetiva diminuir a diferença de poder existente entre o consumidor e o fornecedor, definindo ambas as figuras, além das práticas comerciais abusivas e tipos de penalidades a serem impostas, regulando, assim, os possíveis conflitos entre esses dois polos constantes da relação de consumo (SOUZA, 2009, p. 84).

Aqui, cabe destaque à diferenciação, desde já, entre contratos de adesão e

condições gerais dos negócios (MARQUES, 2002, p. 56-57):

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Como contratos de adesão entenderemos restritivamente os contratos por escrito, preparados e impressos com anterioridade pelo fornecedor, nos quais só resta preencher os espaços referentes à identificação do comprador e do bem ou serviços, objeto do contrato. Já por contratos submetidos a condições gerais dos negócios entenderemos aqueles, escritos ou não escritos, em que o comprador aceita, tácita ou expressamente, que cláusulas, pré-elaboradas unilateral e uniformemente pelo fornecedor para um número indeterminado de relações contratuais, venham a disciplinar o seu contrato específico.

Neste ponto, salutar se torna explicar que, embora Marques frise a necessidade

de forma escrita para os contratos de adesão, para Barbagalo (apud SOUZA, 2009,

p. 109), o fato de os mesmos se encontrarem em suporte eletrônico (e não impresso

em papel) não descaracteriza sua forma escrita, sendo admitidos, portanto, em meio

eletrônico. Segundo a referida autora, os contratos eletrônicos via web sites podem

ser considerados como contratos de adesão ou como condições gerais dos contratos,

dependendo da forma em que são apresentados: se apresentado como instrumento

contratual, cuja aceitação se dará pela concordância das cláusulas pré-estabelecidas,

tratar-se-á de um contrato de adesão; se for exibido como sendo cláusulas gerais que

integram e regulem sua relação contratual, por outro lado, estar-se-á diante de

condições gerais dos contratos.

No CC não há um capítulo ou disposição que trate exclusivamente das

questões que permeiam o meio virtual. No entanto, algumas disposições são

aplicadas diretamente às questões jurídicas que envolvem a questão da Internet, se

dando de forma positiva e ampliando os mecanismos legais de proteção (BLUM,

2003). O Código Civil, aplicado residualmente aos contratos de adesão e condições

gerais que não sejam celebrados entre fornecedor e consumidor, dedicou dois artigos

ao contrato de adesão, quais sejam, os arts. 423 e 424.

Ainda sobre o assunto, continua Costa Filho:

A existência e validade jurídica das condições gerais são anteriores à existência do contrato individual (contrato de adesão) que as integra, possibilitando-lhes eficácia. Não há oferta nem aceitação, mas predisposição e potencial conhecimento pelos destinatários. A partir da divulgação pelo predisponente, elas passam a existir juridicamente, estando sujeitas a controle preventivo judicial, principalmente mediante ação civil pública. A validade estará assegurada se não implicarem renúncia a direito ou violação da função social do contrato ou da boa-fé, nem forem consideradas abusivas (2016, p. 198).

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As condições gerais tornar-se-ão eficazes após a conclusão do contrato de

adesão que as integrou, desde que presentes os requisitos contratuais77 (COSTA

FILHO, 2016, p. 199), um deles de especial destaque dentro do tema discutido. Tal

requisito é o dever de informar, presente no art. 30 do CDC78, dispondo que “toda

informação que o contratante fornecedor utiliza, inclusive a publicidade, integra a

oferta e o vincula, ainda que ele não tenha tal intenção” (COMPARATO, 1974, p. 07).

Cabe ao predisponente, levando em conta o aderente médio usuário ou adquirente, fornecer as condições de conhecimento e compreensão das condições gerais que integrarão o contrato de adesão. Trata-se da garantia de cognoscibilidade. Esta, no entanto, é objetiva. Registra-se apenas se, em circunstâncias normais, o aderente típico seria capaz de conhecer e entender, sendo irrelevante o efetivo conhecimento e compreensão para a aceitação (COSTA FILHO, 2016, p. 199).

Qualquer tipo de informação promovida e levada ao conhecimento do

consumidor haverá de ser devidamente cumprida, devido ao respeito à relação pré-

contratual estabelecida; destarte, ao criar expectativa legítima, fica vinculado o

fornecedor ao que pactuou com o consumidor, podendo ser coercitivo o cumprimento

do contrato, conforme art. 84 do CDC (art. 48 do CDC); ainda, o consumidor pode,

conforme o art. 35 do mesmo codex, no caso de recusa do prestador de serviço de

cumprir a oferta divulgada, optar entre: cumprimento forçado da obrigação, nos termos

apresentados; aceitar outro produto ou serviço equivalente; ou rescindir o contrato,

com direito a restituição da quantia paga.

Se, na hipótese de o fornecedor aproveitar-se da desinformação do

consumidor médio e se valer de má-fé, ocultando quaisquer ônus ou desvantagens

de seu produto da oferta veiculada, sendo que aquela oferta foi capaz de criar legitima

expectativa, o consumidor poderá revertê-la com base no art. 46 do CDC.

Dessa maneira, leciona Costa Filho, “ainda que o aderente declare

expressamente conhecer e entender as condições gerais integradas pelo contrato de

adesão, não há óbice a posterior pleito judicial pela ineficácia decorrente do não

77 “Todo operador do Direito tem ciência de que, para que os contratos sejam válidos, algumas condições deverão ser respeitadas. Como todo negócio jurídico, deverá ser analisado o seu objeto, sua forma e suas partes, a fim de se tomar ciência se o negócio é válido ou não.” Tais requisitos estão presentes no Livro III, Título I, que trata do negócio jurídico, sendo que nos contratos eletrônicos a situação não é diferente, também devendo ser respeitados tais requisitos, porém, há algumas particularidades (SOUZA, 2009, p. 97). 78 Art. 30 do CDC: Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

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cumprimento do dever de informar” (2016, p. 199). Nery Júnior se manifesta sobre o

assunto da seguinte forma:

Dar oportunidade de tomar conhecimento do conteúdo do contrato não significa dizer para o consumidor ler as cláusulas do contrato de comum acordo ou as cláusulas contratuais gerais do futuro contrato de adesão. Significa, isto sim, fazer com que tome conhecimento efetivo do conteúdo do contrato. Não satisfaz a regra do artigo sob análise a mera cognoscibilidade das bases do contrato, pois o sentido teleológico e finalístico da norma indica dever do fornecedor dar efetivo conhecimento ao consumidor de todos os direitos e deveres que decorrerão do contrato, especialmente sobre as cláusulas restritivas de direitos do consumidor, que, aliás, deverão vir em destaque nos formulários de contrato de adesão (art. 54, §4.°, CDC) (2001, p. 485).

Não se pode olvidar, também, que todo contrato integrante de atividade

econômica estará sujeito aos princípios estabelecidos no art. 170 da CF.

Costa Filho (2016, p. 195-199) explica que a relação entre usuários e

provedores na rede, em regra, é governada pelos termos de serviço, comumente

apresentados no formato click to agree (clique para aceitar), sendo uma forma de

contrato de adesão79. Este tipo de contrato, comumente, é feito através da adesão de

forma individual às condições gerais já predispostas: ao ser concluído, o consumidor

adere às condições gerais, predispostas pela outra parte, que passarão a produzir

efeitos, ainda que não haja aceitação delas pelo usuário, pois não há preliminarmente

a possibilidade de discutir as condições gerais presentes no contrato.

O indivíduo interage diretamente com um programa de computador, o qual processa todas as informações relativas ao contrato e a relação contratual ocorre entre uma pessoa e um sistema aplicativo previamente programado para a realização do contrato. Este software fica à disposição de uma outra pessoa, sem que esta esteja on-line concomitantemente e, portanto, esta não terá ciência instantânea da celebração do contrato (BARBAGALO, 2001, apud SOUZA, 2009, p. 106).

Cabe aqui trazer algumas considerações sobre o acordo de vontade nestes

casos: o acordo deve ser comprovado e a manifestação da vontade de contratar deve

ser inequívoca, não bastando para tanto um simples “click” no mouse (VENTURA,

2001, p. 49).

Santos (2000, p. 197) complementa o assunto explicando que no Direito

brasileiro prevalece o princípio da ausência de solenidade na celebração dos

79 Art. 54, CDC. “Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.”

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contratos em geral, bastando o simples acordo de vontades para atingir sua perfeição.

Entrementes, a manifestação da vontade pode ser expressa ou tácita, quando a lei o

exige – “A questão básica, portanto, consiste em saber se a declaração de vontade

pode ser considerada validamente emitida mediante o acionamento dos comandos

eletrônicos”.

Nunca se pode perder de vista a situação de vulnerabilidade jurídica dos

consumidores e aderentes, já vista anteriormente, cuja presunção é absoluta, não se

admitindo prova do contrário, pois, além de todo o exposto, há certo grau de

complexidade técnica dos termos empregados, o que torna difícil o grau de

cognoscibilidade de seu conteúdo (LOBO, 2011, p. 27).

Deve-se analisar estes tipos de contrato, por decorrência, com cuidado,

sobretudo se for constatado o desequilíbrio contratual, de modo a restringir alguns os

tipos de cláusulas abusivas80, com fundamente no abuso de direito e sob pena de

nulidade, bem como realizar a interpretação de cláusulas plenamente válidas já

integradas ao contrato eletrônico:

As cláusulas abusivas são previstas não só pelo Código do Consumidor, mas também pelo Código Civil. Enquanto esse dispõe um modelo aberto, sendo aplicável o disposto aos contratos em geral e, especificamente, o art. 424 sobre os contratos de adesão, aquele estabelece extenso rol exemplificativo, permitindo ainda ao julgador analisar o caso concreto e verificar se determinada cláusula não especificada no art. 51 do CDC pode ser considerada abusiva. Porém, ambos os diplomas conferem nulidade às cláusulas abusivas. A declaração de nulidade opera-se ex tunc. Ou seja, a cláusula abusiva jamais integra o contrato ou produz qualquer efeito jurídico, sendo absolutamente inválida. O Superior Tribunal de Justiça admite, inclusive, a discussão judicial da legalidade de condições gerais e cláusulas contratuais que já tenham sido cumpridas (como estabelecido no REsp 293.778). (COSTA FILHO, 2016, p. 201).

Costa Filho (2016, p. 202) ainda aduz que quem pode suscitar a nulidade das

cláusulas abusivas dos contratos eletrônicos é o Ministério Público, as associações

cíveis e entidades estatais, além daqueles individualmente lesados através de ação

individual.

Pinheiro (2014) informa sobre a impossibilidade de sucessão de bens digitais

comprados diante de licenças de uso: “quase tudo que adquirimos na web, conforme

as regras contratuais dos Termos online, é uma licença de uso, logo não geraria direito

80 “As cláusulas abusivas são aquelas que, verificadas em contratos de consumo ou adesão, provocam desequilíbrio contratual desarrazoado em benefício da parte de poder negocial dominante (predisponente ou fornecedor)” (COSTA FILHO, 2016, p. 200).

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de transmissão para outra pessoa, inclusive herdeiros. Ou seja, ela se extingue com

o usuário”. Ainda segundo a autora “logo, ao comprar uma música digital você não se

torna proprietário dela (direito absoluto de fruir a coisa), mas sim tem a posse precária

(direito mais limitado)” (PINHEIRO, 2014).

Portanto, esses direitos de uso terminam assim que termina a vida do contratante, não podendo ser repassados a terceiros, como muitos desejam ao adquirir estas formas de bens. Deste modo essa herança digital adquirida não pode ser transmitida mesmo existindo esta vontade por parte do “comprador” destes bens. Ao adquirir estes produtos, termos são aceitos por parte do contratante e uma vez de acordo com as políticas da empresa, ficam vedadas quaisquer formas de transmissão destes produtos (SILVA, 2014, p. 58).

O tema “contratos eletrônicos” é vasto e merece pesquisas aprofundadas

devido às diversas inovações trazidas pela Internet. Porém, não constarão neste

trabalho por tratar-se de um tema amplo, complexo e, ainda, por não adentrar nos

objetivos propostos inicialmente. O intuito de entrar no assunto antes de abordar a

classificação dos bens digitais é de chamar a atenção do leitor para a modalidade

mais comum de contrato eletrônico entre usuários da rede, qual seja, o de adesão,

cujos termos gerais, se aceitos, produzem efeitos entre as partes.

No entanto, caso perceber que há algum ponto abusivo nos termos, é possível

sim que o usuário pleiteie seus direitos juridicamente, principalmente no que tange

aos bens digitais com valor econômico que poderiam ser sucedidos e partilhados entre

os herdeiros. Por isso é importante, antes de “assinar” um termo de adesão online, lê-

lo detalhadamente, a fim de que não haja surpresas desagradáveis no futuro.

4.4 Da classificação dos bens digitais de acordo com sua possibilidade de sucessão

Como visto anteriormente, há autores que defendem a importância da herança

digital e acreditam que a maioria dos dados digitais possuem valor. Oliveira, também

defensor deste entendimento, ressalta que “o valor total está dividido em valor

monetário e valor emocional” (2015, p. 16). Segundo Carroll e Romano (2010, apud

OLIVEIRA, 2015, p. 16), existem constituintes da herança digital com valor monetário,

que são contas financeiras e websites que podem gerar receitas de publicidade,

dentre outras; os referidos autores defendem também a existência do grande valor

emocional, quer para o utilizador, quer para os seus familiares.

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Nesta esteira, com base nas premissas anteriormente aduzidas, Lima (2013, p.

33) explica que a forma de intervenção dos herdeiros no acervo digital do falecido

pode ser subdividida em duas modalidades: de bens suscetíveis de apreciação

econômica e bens não suscetíveis de valoração econômica.

Entretanto, deve-se deixar claro que esta classificação é apenas para fins

didáticos, vez que, conforme narra Costa Filho:

[...] classificar todos os bens armazenados virtualmente nessas duas categorias não é tarefa simples, o que pode favorecer uma visão mais abrangente de patrimônio para incluir bens de mero valor afetivo. Além disso, tal distinção pode se tornar problemática, considerando que bens virtuais de aparente valor exclusivamente afetivo podem um dia se tornar fonte de propriedade intelectual (2016, p. 209).

Como exemplo para ilustrar a potencialidade do valor econômico de

determinados bens insuscetíveis, em 2009, nos EUA, o serviço de e-mails do Yahoo,

apesar de determinar nas suas condições de uso que as contas são intransferíveis e

são excluídas no caso de morte do titular, foi obrigado a fornecer à família do soldado

Justin Ellsworth, morto no Iraque, cópias de conteúdos “potencialmente significantes

intelectualmente” armazenado em sua conta (TRUONG, 2009, p. 83).

Nesse caso paradigmático, percebe-se que, excluindo a conta de usuários falecidos, companhias como o Yahoo estariam privando herdeiros do acesso a propriedade intelectual potencialmente significante. Caso o falecido imprimisse seus e-mails e os guardasse de maneira física, esses fariam parte inegável de seu espólio (TRUONG, 2009 apud COSTA FILHO, 2016, p. 209).

Tendo este ponto esclarecido e sabendo que há dificuldade em enquadrar

certos bens em uma das classificações, serão discutidas com maior profundidade as

modalidades dos bens digitais de acordo com sua possibilidade de sucessão nos

próximos tópicos.

4.4.1 Dos bens digitais suscetíveis

Antes de tudo, urge destacar a seguinte passagem de Costa Filho:

Bens armazenados virtualmente em hard drives de propriedade do de cujus serão facilmente transferíveis, já que acompanham a mídia tangível que o contém, ou seja, o hardware herdado. Nesse sentido, fotos ou textos armazenados em pastas virtuais no computador pessoal não são tão diferentes de álbuns de fotos, cadernos ou seus demais equivalentes corpóreos que podem ser guardados no armário de casa (2016, p. 192).

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Entretanto, o problema maior a ser enfrentado é o aumento de acúmulo de bens

digitais na chamada computação em nuvem, composta por arquivos adquiridos ou

armazenados através de variados tipos de serviços online, cujas regras de acesso e

transferência acabam ditadas pelos provedores e seus termos de serviço, pois há

ausência de legislação específica (COSTA FILHO, 2016, p. 192).

Entrementes, a despeito da ausência de legislação sobre o assunto, há

compatibilidade do sistema jurídico com o reconhecimento do valor econômico do

acervo digital.

A pesquisa global realizada pela empresa McAfee, publicada em 27 de

setembro de 201181, revelou “que consumidores conferem um valor médio de

$37.438,00 para os seus ‘ativos digitais’ armazenados em múltiplos dispositivos

digitais”82 (2011, tradução nossa). Para chegarem a tal valor, a empresa de pesquisa

MSI International entrevistou mais de 3.000 consumidores em dez países “sobre o

valor financeiro que atribuiriam aos seus ativos digitais, como bibliotecas de fotos,

informações pessoais e arquivos de entretenimento”83 (2011, tradução nossa).

Regionalmente, os norte-americanos entrevistados (Estados Unidos e Canadá)

obtiveram o maior valor atribuído aos seus ativos digitais, citando o valor, em média,

de $52.154,00 ($54.722,00 só nos Estados Unidos).

Como média global, os entrevistados tinham 2.777 ficheiros digitais armazenados em pelo menos um dispositivo digital, num valor total de $37.438,00. Estes recursos incluem: arquivos de entretenimento (i.e. downloads de música), memórias pessoais (i.e. fotografias), comunicações pessoais (i.e. e-mails ou anotações), registros pessoais (de saúde, financeiro, ou de seguros), informações sobre carreiras (i.e. currículos, pastas, cartas de apresentação, contatos por e-mail) além de passatempos e projetos criativos. 27% desses ativos foram considerados "impossíveis de restaurar" se perdidos e não realizado o back-up corretamente, possuindo o valor médio de $10.014 (2011, tradução nossa).84

81 MCAFEE. McAfee Reveals Average Internet User Has More Than $37,000 in Underprotected ‘Digital Assets’. Santa Clara, 27 Set, 2011. Disponível em: <https://www.mcafee.com/in/about/news/2011/q3/20110927-01.aspx>. Acesso em: 29 jan. 2017. 82 “[…] revealing that consumers place an average value of $37,438 on the “digital assets” they own across multiple digital devices […]. In the U.S., people valued their assets at a higher figure than anywhere else, at nearly $55,000”. 83 “[…] about the financial value they would assign to digital assets such as photo libraries, personal information, and entertainment files.” 84 “As a global average, respondents had 2,777 digital files stored on at least one digital device, at a total value of $37,438. These assets included: entertainment files (i.e. music downloads), personal memories (i.e. photographs), personal communications, (i.e. emails or notes), personal records (i.e. health, financial, insurance), career information (i.e. resumes, portfolios, cover letters, email contacts) and hobbies and creative projects. Twenty-seven percent of those assets were considered “impossible to restore” if lost and not backed up properly, and had an average value of $10,014.”

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Quantos aos consumidores brasileiros, foram entrevistados 323 usuários e se

descobrindo o valor médio atribuído ao “patrimônio digital” existente em vários de seus

dispositivos digitais, sendo equivalente a R$ 238.826,00. Os entrevistados indicaram

que 38% dos seus arquivos são insubstituíveis e que, para esses arquivos, o valor

total considerado por eles é de R$ 90.754,0085.

Como se viu, o valor econômico dos bens digitais tende a crescer cada vez

mais. Para Lima (2013, p. 33), não há nenhum óbice em inserir os arquivos suscetíveis

de apreciação econômica na herança, gerando direitos hereditários “pois se

enquadram no conceito mais básico de patrimônio e não encontram divergência na

doutrina”. Assim, os ativos digitais devem constar na lista de bens que serão

repartidos, havendo necessidade de auferir o seu valor econômico (sobretudo, se

estes bens forem objeto de testamento).

O patrimônio digital deixado pelo falecido pode representar um valor econômico de tal maneira que venha a interferir na legítima reservada aos herdeiros necessários, isto é, pode significar mais de 50% de todo o patrimônio. Assim, sendo o de cujus dono de um grande site na internet, por exemplo, site este que continua gerando lucro mesmo após a sua morte, estes valores podem representar mais da metade de todo o patrimônio deixado, ficando os herdeiros necessários prejudicados em seu direito à legítima (LIMA, 2013, p. 33).

Porquanto, de acordo com o CC, se alguém quiser deixar seus bens digitais

para uma pessoa em especial, deverá dispor em testamento, registrá-lo em cartório

e, preferencialmente, assessorado por advogado a fim de assegurar-se de que o

testamento não seja dado por inválido. Contrariamente, se nada for previamente

testado, o CC, como já visto anteriormente, prioriza familiares do falecido para definir

os herdeiros.

Qual é o procedimento para fazer um testamento com bens digitais?86 O ideal

é o indivíduo fazer um levantamento de todos os itens digitais que possuir, estipulando

o que deve ser transmitido e para quem será transmitido no testamento. O mais seguro

é o testamento público, com registro em cartório, pois, após ser entregue, vai para

85 BRASILEIRO CALCULA PATRIMÔNIO DIGITAL EM R$ 238 MIL, DIZ ESTUDO. Disponível em: <http://olhardigital.uol.com.br/noticia/brasileiro-calcula-patrimonio-digital-em-r-238-mil,-diz-estudo/29129>. Acesso em: 29 jan. 2017. 86 Atheniense alega que pessoas já estão incluindo bens digitais ao elaborar testamentos: HERANÇA DIGITAL JÁ CHEGOU AO BRASIL. Valor econômico, 23 dez. 2011. Disponível em: <http://www.valor.com.br/legislacao/1151148/heranca-digital-ja-chegou-ao-brasil>. Acesso em: 03 mar. 2017.

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uma central de testamentos dos cartórios, sendo que quando o titular morre, a família

é imediatamente avisada da existência do documento87.

Ainda que o acervo digital de peso econômico não seja citado em testamento,

deve sim fazer parte dos bens colacionados no momento da abertura da sucessão.

Porém, algumas dúvidas podem surgir, como por exemplo, até que ponto certos bens

digitais possuem valor econômico, ou possam, no futuro, vir a ter uma valoração, como

ocorre, no mundo físico, com artigos antigos e raros que passam a ter valia não pelo

produto, mas sim pela história que carregam (LIMA, 2013, p. 33).

Quando estes bens digitais estão dispostos em testamento elaborado pelo

usuário, não há nenhum óbice em transferi-los aos herdeiros, desde que não estejam

dispostos em plataformas, sites, aplicativos, etc. cujo termo de compromisso traga

cláusula proibitiva de transferência. "Aquilo que não é vedado, a rigor, é permitido. Se

você tem uma conta em um site importante para você, e se há permissão dentro do

provedor, não há nada que impeça (a inclusão no testamento)", afirma Zeger88.

[...] uma parcela da doutrina defende a ideia de que parte dos bens como, por exemplo, músicas, e-books e outros arquivos comprados pela internet integram o patrimônio do autor da herança, porquanto, automaticamente fazem parte do espólio, do que dá direito aos herdeiros de acessá-los (PNHEIRO, 2013, apud PRINZLER, 2015, p. 57).

De qualquer modo, Blum afirma que nem mesmo restrições do próprio provedor

do serviço à inclusão de uma conta como herança seriam um impedimento definitivo.

“Um serviço que estivesse sendo objeto da herança poderia ter alguma restrição em

seus termos de uso. Isso teria de ser discutido juridicamente. Na maioria dos casos,

havendo um bem digital relacionado ao interesse de herdeiros, eles têm direito”89.

Quando não há nada determinado em testamento, o Código Civil prioriza

familiares da pessoa que morreu para definir herdeiros, como já visto anteriormente.

Mauro Júnior (2012, p. 24) sugere o seguinte para os herdeiros:

87 LOPES, A. M. Negócios & Direito Digital: Herança Tecnológica: Bens Digitais em Testamentos Projeto de Lei 4099/2012. 02 dez. 2014. Disponível em: <http://www.diarioinduscom.com/negocios-direito-digital-heranca-tecnologica-bens-digitais-em-testamentos-projeto-de-lei-40992012/>. Acesso em: 20 ago. 2016. 88 BÔAS, R. V. Para quem deixar a herança digital? 31 mar. 2012. Disponível em: <http://www.tribunadabahia.com.br/2012/03/31/para-quem-deixar-a-heranca-digital->. Acesso em: 29 jan. 2017. 89 BÔAS, R. V. Para quem deixar a herança digital? 31 mar. 2012. Disponível em: <http://www.tribunadabahia.com.br/2012/03/31/para-quem-deixar-a-heranca-digital->. Acesso em: 29 jan. 2017.

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Se presumirem haver algo de importante em conta de e-mail, perfil em rede social ou arquivado na nuvem, devem relacionar estes bens no inventário e pleitear ao juiz, através de liminar de antecipação de tutela, a expedição de ofício para as empresas responsáveis, para que preservem o conteúdo e, depois, para que o tragam aos autos.

Em contrapartida, entende-se que há certos arquivos que não podem ser

incluídos na concepção de espólio, vez que não podem ser avaliados financeiramente,

como como fotos pessoais, escritos caseiros e vídeos particulares, por exemplo

(PRINZLER, 2015, p. 60). Aproveitando este gancho, a seguir será discutido alguns

casos de bens não suscetíveis e o porquê de não poderem fazer parte da partilha.

4.4.2 Dos bens digitais não suscetíveis

Em tempos de intensa conexão com a Internet, há grande exposição dos

usuários de suas próprias vidas em perfis de redes sociais. Segundo Rodotá (2010,

p. 129, tradução nossa): “A verdadeira demanda social seria então a visibilidade, não

a privacidade”90. Entretanto, discorre que a regra deve adequar-se a esta nova

exigência da vida, garantindo a liberdade de escolha em cada situação existencial e o

livre trânsito da intimidade à exibição.

Nas redes sociais a garantia de privacidade normalmente decorre da exigência

de cadastro de um login e senha de modo que o usuário tenha protegida sua liberdade

para acrescentar e retirar informações da rede. Com a sua morte, os perfis nestas

redes, assim como as contas de e-mail, permanecem ativos, podendo gerar,

inicialmente, certo desconforto entre os amigos e familiares.

Sabendo-se que algumas produções e arquivos “sobrevivem” na Internet,

malgrado faleça o seu titular, importante é o esclarecimento quanto à situação da

tutela post mortem dos direitos da personalidade do mesmo. O que se deve fazer com

os dados pessoais nas redes sociais após a morte do sujeito? Seu direito à

privacidade com seus dados virtuais permanece após a morte (implicando em

extensão de sua personalidade civil) ou pode o morto ter sua intimidade virtual

revelada aos parentes?

Há que se analisar juridicamente a questão à luz da teoria dos direitos da personalidade, pois o perfil público decorre de uma exteriorização da intimidade do usuário, além do uso de sua imagem, ambos direitos

90 “La verdadera demanda social sería entonces la visibilidad, no la privacidade.”

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personalíssimos, com todos os atributos que lhe são inerentes (MELLO; VANNUCCI, 2008, p. 02).

Os direitos de personalidade estão previstos na parte geral do Código Civil,

especificamente no Capítulo II, do Título I, do Livro I. Conforme o entendimento de

Tepedino (1999, p. 27), “a personalidade pode ser considerada sob outro aspecto, que

a tem “como conjunto de características e atributos da pessoa humana, considerada

como objeto de proteção por parte do ordenamento jurídico”. Como exemplo de

direitos da personalidade temos a vida, a honra, a integridade física, a imagem, a

privacidade, etc.

Fiuza e Godinho ensinam que no desenvolvimento do tema a doutrina vem

entendendo que os direitos da personalidade são genéricos, extrapatrimoniais,

absolutos, inalienáveis ou indisponíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis,

intransmissíveis ou vitalícios, impenhoráveis, necessários, essenciais e

preeminentes91 (2009, p. 113-115).

A morte determina o término da personalidade do indivíduo. Com efeito, os arts.

6º e 11 do CC dispõem o seguinte:

Art. 6o A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva. Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.

De acordo com os trechos de lei supracitados, nota-se que o direito de

personalidade é irrenunciável e que preconiza o fim da existência da pessoa natural

com a morte, que se finda junto a personalidade jurídica da pessoa e dá causa a

abertura da sucessão.

91 “São genéricos por serem concedidos a todos, já que a Lei nº 10.406/02 conferiu o atributo da personalidade a todos nascidos com vida e até a morte [...]. Extrapatrimoniais (ou não-patrimoniais) por não terem natureza econômicopatrimonial. [...] Absolutos por serem exigíveis de toda a coletividade. [...] Inalienáveis ou indisponíveis por não poderem ser transferidos a terceiros. Alguns direitos são, no entanto, disponíveis, como os autorais, os direitos à imagem, ao corpo, aos órgãos, etc., por meio de contratos de concessão, de licença ou de doação. A irrenunciabilidade é característica que não permite a abdicação voluntária dos Direitos de Personalidade, ainda que em parte. [...] Imprescritíveis por não haver, no ordenamento jurídico, prazo para o seu exercício (direito de ação). [...] A característica da intransmissibilidade é outra que se encontra positivada junto ao texto do Código Civil de 2002, tendo-a como impeditiva de transferência hereditária de Direitos de Personalidade, apesar de a tutela de muitos interesses relacionados à personalidade manter-se mesmo após a morte. [...] A impenhorabilidade é conclusão lógica da característica não-patrimonial dos Direitos de Personalidade [...]. Necessários, uma vez que todo ser humano os detém necessariamente, por força de lei. São essenciais porque inerentes ao ser humano. E são preeminentes porque se sobrepujam a todos os demais Direitos Subjetivos”. (FIUZA; GODINHO, 2009, p. 113-115).

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Dessa maneira, Monteiro aduz o seguinte, referindo-se ao evento morte: “até

esse termo final inexorável, conserva o ente humano a personalidade adquirida ao

nascer. Só com a morte perde tal apanágio. Os mortos não são mais pessoas. Não

são mais sujeitos de direitos e obrigações. Não são mais ninguém” (2007, p. 78).

Mediante tais considerações, surge o seguinte impasse a ser aclarado: como

admitir a existência de direitos da personalidade post mortem de seu titular? Para

tanto, importante trazer os dizeres de Gomes no que diz respeito à personalidade:

Sua existência coincide, normalmente, com a duração da vida humana. Começa com o nascimento e termina pela morte. Mas a ordem jurídica admite a existência da personalidade em hipóteses nas quais a coincidência não se verifica. O processo técnico empregado para esse fim é o da ficção. Ao lado da personalidade real, verdadeira, autêntica, admite-se a personalidade fictícia, artificial, presumida. São casos de personalidade fictícia: 1º, a do nascituro; 2º a do ausente [...].Estas ficções atribuem personalidade porque reconhecem, nos beneficiados, a aptidão para ter direitos, mas é logicamente absurdo admitir a condição de pessoa natural em quem ainda não nasceu ou já morreu. Trata-se de construção técnica destinada a alcançar certos fins. Dilata-se arbitrariamente o termo inicial e final da vida humana, para que sejam protegidos certos interesses (2002, p. 143).

Deste modo, resta claro que o morto não detém personalidade e, portanto, os

direitos a ela inerentes; o que não significa, todavia, que o mesmo não os detinha em

vida. Igualmente, não há que se falar em transferência à família dos direitos da

personalidade do falecido, por também não se perfazer em titular desse elenco de

direitos. Por outro lado, não se pode negar a conservação de alguns atributos da

personalidade após a morte e a necessidade de proteção jurídica desse centro de

interesses do morto, aos quais a própria legislação civil brasileira atribui à família a

sua tutela.

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, também reconhece a extensão dos

direitos de personalidade após a morte do ofendido, conforme se verifica, por exemplo

do REsp n. 697.141-MG, DJ 29/5/2006, REsp n. 521.697-RJ, DJ 20/3/2006, e REsp

n. 348.388-RJ , DJ 8/11/2004, e REsp n. 913.131-BA, onde é visível o entendimento

de que o direito, muito embora evocado pelos sucessores, não são oriundos da

herança, mas direito próprio, conferido pelo parágrafo único do art. 12 do Código Civil,

que lhes permite defender a imagem do ofendido. Mesmo entendimento foi seguido

no julgamento da Apelação Cível n. 3277062007826054352, de relatoria do Des.

Alexandre Lazzarini, proferido em 1º de janeiro de 2011, onde asseverou “Ato ilícito

que importa em ofensa aos direitos de personalidade relativos ao nome, imagem e

honra objetiva do de cujus”.

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O próprio ordenamento jurídico reforça a continuidade da tutela de interesses

atrelados à personalidade após a morte de seu titular, protegendo o que aparenta ser

uma continuidade da personalidade do morto (NAVES; SÁ, 2009, p. 74). Muitas vezes

existe o interesse em proteger a imagem ou à honra do falecido, o direito moral do

autor, etc.; ou, então, a ofensa à honra dos mortos pode atingir seus familiares,

exigindo também medidas jurídicas.

Nesta toada, as pessoas elencadas pelo art. 1292, parágrafo único, do CC são

as legitimadas a tutelar os direitos da personalidade do morto, sendo que qualquer

deles poderá “agir em defesa do nome, da vida privada ou da honra da pessoa

falecida” (COELHO, 2010, p. 232-233). Todavia, Diniz (2005, p. 139) se atenta ainda

para o fato de que “há forte tendência doutrinária e jurisprudencial no sentido de se

admitir que pessoas indiretamente atingidas pelo dano possam reclamar a sua

reparação”.

Dos direitos personalíssimos existentes, destacam-se, ante o titular que possui

atividades na Internet, a privacidade, a honra (ambos previstos no art. art. 5, X da CF)

e a imagem (art. 5º, X e XXVIII, CF); ressalta-se desde já que o Estado tem o dever

de proteger o indivíduo, nestas áreas específicas de sua personalidade, de ataques

tanto de particulares, quanto do Poder Público (AUGUSTO; OLIVEIRA, 2015, p. 15).

A honra, além de previsão constitucional, possui proteção internacional no

âmbito dos direitos humanos, mais especificamente no art. 11 do Pacto de São José

da Costa Rica, ratificada no Brasil pelo Decreto n. 678/92, que assim dispõe: “toda

pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade”.

No texto infraconstitucional interno, a honra também recebe proteção expressa,

tanto na esfera penal junto ao capítulo V do título I da parte especial do Código Penal,

que trata especificamente dos crimes contra a honra, quanto no âmbito civil, conforme

texto do art. 20 do Código Civil.93

92 Art. 12, CC: “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau”. 93 “Art. 20, CC. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.”

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O direito à imagem, por sua vez, é definido por Durval (1988, p. 105) como "a

projeção da personalidade física (traços fisionômicos, corpo, atitudes, gestos,

sorrisos, indumentárias, etc.) ou moral (aura, fama, reputação, etc.) do indivíduo

(homens, mulheres, crianças ou bebê) no mundo exterior". Bittar, ao seu turno, trata

do direito a imagem, como aquele “que a pessoa tem sobre a sua forma plástica e

respectivos componentes distintos (rosto, olhos, perfil, busto, etc.) que a

individualizam no seio da coletividade” (1989, p. 87).

Assim, como muito bem define o autor, o direito à imagem, muito embora seja direito autônomo entre as espécies de direitos a privacidade, pode ser utilizado como meio para a violação de outros direitos desta espécie, como se verifica em relação à honra, por exemplo, quando a imagem é utilizada para atingir a reputação de um cidadão, caso em que embora a violação a imagem seja meio, o que resta por fim maculada é a honra do sujeito (BITTAR, 1989, apud AUGUSTO; OLIVEIRA, 2015, p. 16).

O direito à privacidade (direito este personalíssimo) e o direito à herança estão

inseridos no art. 5º da Constituição Federal e, em tese, mereceriam o mesmo

tratamento jurídico. Todavia, diante de um caso concreto, há que se resolver o

impasse com a preponderância do direito mais importante no que se refere à essência

da dignidade humana (AUGUSTO; OLIVEIRA, 2015, p. 25). Na circunstância ora

analisada, caberá ao intérprete utilizar o princípio da harmonização de forma a

analisar os bens jurídicos em conflito, e promover a harmonia do texto constitucional.

Ressalta-se que, apesar da ausência de legislação em vigor tratando

especificamente da matéria do legado digital (especificamente no que tange aos bens

digitais não suscetíveis de valoração econômica), o Marco Civil da Internet (Lei 12.965

de 23 de abril de 2014), que trata da Internet como um todo, estabeleceu sólida base

principiológica para lidar com certas indagações provenientes do tema.

O Marco Civil da Internet não considera questões concernentes à pós-morte do

usuário, seu foco é a privacidade. A proteção aos dados dos internautas é garantida

e só pode ser quebrada mediante ordem judicial; quer dizer que se você encerrar sua

conta em uma rede social ou serviço na Internet pode solicitar que seus dados

pessoais sejam excluídos de forma definitiva.

O Marco Civil da Internet também garante a privacidade das comunicações. Até

a referida lei entrar em vigor, o sigilo de comunicações não era válido para e-mails,

por exemplo. A partir de agora o conteúdo das comunicações privadas em meios

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eletrônicos tem a mesma proteção de privacidade que já estava garantida nos meios

de comunicação tradicionais, como cartas, conversas telefônicas, etc.

Importante destacar, neste sentido, os arts. 3º, 6º, 7º, 8º e 10 do Marco Civil da

Internet, pois reiteram a garantia de privacidade de todos os usuários, como se

constatará a seguir:

Art. 3o A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: I - garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal; II - proteção da privacidade; III - proteção dos dados pessoais, na forma da lei; [...] Art. 6o Na interpretação desta Lei serão levados em conta, além dos fundamentos, princípios e objetivos previstos, a natureza da internet, seus usos e costumes particulares e sua importância para a promoção do desenvolvimento humano, econômico, social e cultural. Art. 7o O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; II - inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei; III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial; [...] X - exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação de internet, a seu requerimento, ao término da relação entre as partes, ressalvadas as hipóteses de guarda obrigatória de registros previstas nesta Lei; [...] Art. 8o A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet. Parágrafo único. São nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que violem o disposto no caput [...] Art. 10. A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas.

Tendo em vista os artigos supramencionados do Marco Civil da Internet, em

relação aos arquivos insuscetíveis de valoração econômica, Lima (2013, p. 33) aduz

que prevalece a vontade do de cujus: se inexistir expressão de vontade, não poderão

os herdeiros pleitear a posse dos arquivos pessoais, mas poderão solicitar a retirada

de material publicado ostensivamente94; mas, existindo declaração de vontade

(expressa ou tácita), respeitar-se-á esta manifestação.

O mesmo entendimento é o de Costa filho (2016, p. 194), ao lecionar que “a lei

consolida a privacidade dos dados armazenados, fortalecendo a corrente

94 Rever o caso da jornalista Juliana Ribeiro Campos, já tratado neste trabalho, em que a família pleiteou a retirada do seu perfil em uma rede social após a sua morte: MÃE PEDE NA JUSTIÇA QUE FACEBOOK EXCLUA PERFIL DE FILHA MORTA EM MS. Acesso em: <http://g1.globo.com/mato-grosso-do-sul/noticia/2013/04/mae-pede-na-justica-que-facebook-exclua-perfil-de-filha-falecida-em-ms.html>. Acesso em: 13 jan. 2017.

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jurisprudencial que não concede aos herdeiros acesso ao acervo digital deixado, no

caso de não haver disposição de última vontade do de cujus nesse sentido”. Tal

corrente, tendo em vista a garantia constitucional à intimidade e vida privada (art. 5º,

X, da CF) e o Marco Civil da Internet, privilegia a inviolabilidade e sigilo das

informações em face do direito dos herdeiros (art. 3º, incisos II e III, e art. 7º, incisos

I, II e III do mesmo codex).

É oportuno acrescentar que Bellatoni e Benigni entendem que o objeto do

direito à vida privada tem como “conteúdo o direito à exclusividade do conhecimento

daquilo que atine à esfera pessoal, no senso que ninguém pode tomar conhecimento

e nem revelar aquilo que de tal esfera o sujeito não deseja seja de conhecimento de

outra pessoa” (2007, p. 265).

Comentando sobre esta colocação, Augusto e Oliveira 2015, p. 25) dizem que:

Essa afirmação justifica-se ao ponto que, se atualmente é possível a qualquer pessoa testar livremente seus bens, inclusive, corpóreos, se fosse do seu real interesse repassar a qualquer legatário as informações mantidas reservadamente em vida, não haveria motivação para a discussão adentrar na esfera de transmissão de herança causa mortis.

Para Bulos (2000, p. 249), assim como para Venosa (2003, p. 249), o conceito

de herança e a previsão constitucional de sua proteção baseiam-se justamente na

ideia de destaque de tudo aquilo que representa o patrimônio e sua importância. Ou

seja, o que não representar conteúdo econômico não é capaz de ser repassado aos

herdeiros via causa mortis.

Por outro lado, de acordo com Blum, os parentes têm direito às informações e

arquivos postados por quem já morreu, mas não há nada que possa ser feito quanto

ao destino de uma conta em uma rede social como o Facebook, por exemplo: “O

usuário concordou com essa política no momento em que fez a inscrição no site.

Então, a empresa não está errada em seguir o que foi previamente determinado”.95

O referido autor ainda continua sua linha de raciocínio manifestando que, se a

pessoa não quer que algo se transmita aos herdeiros, deve tomar medidas para evitar

isso, através da redação de um testamento, caso contrário, nada impede que uma

95 BÔAS, R. V. Para quem deixar a herança digital? 31 mar. 2012. Disponível em: <http://www.tribunadabahia.com.br/2012/03/31/para-quem-deixar-a-heranca-digital->. Acesso em: 29 jan. 2017.

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ordem judicial determine o acesso96 (tem-se, como exemplo, o caso já retratado no

tópico 3.4, sobre a família do soldado Justin Ellsworth, que conseguiu acesso a alguns

de seus e-mails devido ao seu potencial valor econômico). Tal colocação está de

acordo com o art. 7º, incisos II e III do Marco Civil da Internet.

No mesmo entendimento está o escólio de Costa Filho (2016, p. 208-209), que

alega que na ausência de disposição de última vontade do titular da conta, é preciso

considerar se o falecido desejaria que seus herdeiros tivessem acesso aos seus

dados e conteúdos privados. Se sim, “nesses casos, os herdeiros poderão pleitear

judicialmente o acesso ou a transmissão do conteúdo armazenado que poderão ser

autorizados por sentença, levando em conta o grau de parentesco”.

Lima (2013, p. 33) similarmente compartilha este entendimento, dizendo que é

relevante “definir herdeiros para administrar o patrimônio eletrônico deixado, pois uma

sentença pode autorizar o acesso a estes bens pelos parentes do falecido apenas

baseado no grau de parentesco”.

Ainda, há quem entenda (como Prinzler (2015) e Corrêa (2007)) que todo o

conteúdo de um perfil digital é ato de criação humana e, não obstante, tem por

características certos aspectos da personalidade de seu criador, sendo frutos da

criatividade humana. Desse modo, são obras e como tais são tuteladas pelo Direito

Autoral.

O ordenamento jurídico brasileiro, neste sentido, adotou a teoria dualista dos

direitos autorais, sendo que os direitos patrimoniais são disponíveis, enquanto que os

direitos morais são indisponíveis e, na qualidade de direito autoral, um direito

intransmissível, apenas o dono do perfil pode decidir se ele continua ativo após sua

morte.97 “Os direitos morais de acesso, de retirada e de modificação da obra se

extinguem com a morte do autor” (POLI, 2008, p. 55).

Por esse conceito, a morte do titular de uma conta em uma rede social não

autoriza, por si só, a retirada dessa conta da rede; contudo, é dever do Estado garantir

plena fruição ao princípio da dignidade da pessoa humana e, nesse caso, podem os

herdeiros pleitear a remoção de referida conta se vierem alegar que a manutenção na

rede do perfil do falecido viola esse direito (PRINZLER, 2015, p. 48), ou então, violar

96 BÔAS, R. V. Para quem deixar a herança digital? 31 mar. 2012. Disponível em: <http://www.tribunadabahia.com.br/2012/03/31/para-quem-deixar-a-heranca-digital->. Acesso em: 29 jan. 2017. 97 Ver neste sentido o art. 24, §1º da Lei de Direitos Autorais.

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o direito à honra e à imagem do falecido, adentrando, novamente, na questão da tutela

dos direitos da personalidade após a morte, já retratado anteriormente na sua

viabilidade no ordenamento jurídico.

Destarte, é possível resumidamente se inferir sobre tal temática que:

[...] fotos pessoais, vídeos caseiros, escritos particulares e arquivos congêneres não geram, prima facie, direito sucessório, porque não possuem valor econômico, apesar de seu valor afetivo. Todavia, nada impede que os sucessores se apropriem desse material caso tenha sido este o desejo do de cujus ou, na hipótese de não haver declaração de última vontade, pleiteiem a retirada desse conteúdo, caso acessível ao público (como o caso de perfis em sites de relacionamento) (LIMA, 2013, p. 32).

Sendo assim, resumidamente, arquivos que não têm valor econômico, em um

primeiro momento, não geram direito sucessório; entretanto, se for o desejo do

falecido, não há óbice em transmiti-los. Porém, depende também de cada caso

concreto, pois há bens que eventualmente podem ter valor econômico, visto que

depende do magistrado analisar o problema e decidir, em um típico caso de colisão

de princípios, qual deve prevalecer.

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5 CONCLUSÃO

Ressalta-se que, em um primeiro momento, embora esta seção traga em seu

bojo a ideia de término, o que ora se conclui não esgota o que pode se expor e o que

pode se pode extrair a respeito da herança digital. Registre-se que, apesar do esforço

em trazer à baila o máximo de informações para a compreensão do estudo, não há

aqui a pretensão de completar o mesmo, riquíssimo em possibilidades de abordagens

críticas. Com efeito, a herança digital é um conceito em construção, reclamando por

novos estudos e aprofundamentos sobre o tema, bem como o acompanhamento pelos

operadores do Direito.

A principal finalidade da pesquisa foi apresentar uma visão geral da matéria,

com suas características e o contexto social que serviu de alicerce para o seu

desenvolvimento, de modo a comprovar sua validade jurídica perante a sistemática

normativa vigente no Brasil.

Um dos objetivos da monografia era o de provocar reflexões sobre o patrimônio

formado na rede pelos usuários, sendo que grande parte do que é produzido acaba

se perdendo por falta de preocupação com a preservação e transmissão. Para

começar a pensar em saídas para o problema, é preciso primeiramente pensar sobre

a morte, que muitas vezes é um grande tabu entre as pessoas, ao mesmo passo em

que é a única certeza que se tem ao longo da vida.

A morte não só traz consequências emocionais para quem fica (para não dizer

também políticas, sociais, econômicas e históricas), mas do mesmo modo acarreta

diversas consequências jurídicas. Uma das consequências é a transmissão da

herança/legado do falecido, que passa a integrar o patrimônio dos herdeiros e/ou

legatários.

O conceito de herança sofreu inúmeras modificações ao longo dos séculos, não

sendo diferente após a Revolução Tecnológica e o advento da Internet. A sociedade

se tornou cada vez mais convergente e digitalizada, tornando-se tênue a linha entre a

realidade e a digitalidade. Esta complexidade tecnológica é agravada pelo fator tempo

e pela velocidade das informações (estas últimas tão preciosas e poderosas na

modernidade). Ante essas mudanças tão rápidas, o ordenamento jurídico encontra

algumas dificuldades em se adaptar. Todavia, há vários esforços neste sentido,

destacando-se, no âmbito da modernidade tecnológica, o ramo do Direito Digital, que

vem se desenvolvendo a fim de solucionar vários entraves que os ramos tradicionais

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do Direito não conseguem resolver. Daí surge sua importância para compreender e

resolver, também, o paradigma que integra a herança digital.

Optou-se pelo uso do termo Direito Digital por ser mais pertinente e abrangente,

abarcando diferentes tecnologias da informação, sendo, também, uma nomenclatura

popular no meio acadêmico. Este ramo do Direito não é totalmente inédito, pelo

contrário, possui guarida na maioria dos princípios do ordenamento jurídico pátrio,

além de aproveitar a maior parte da legislação em vigor, sendo necessário, inclusive,

realizar uma interpretação extensiva dos dispositivos legais.

Algumas das características do Direito Digital auxiliaram a encontrar uma

solução do problema proposto, quais sejam: o uso da interpretação analógica como

ferramenta para integrar conceitos; a generalidade, pela qual se pôde apreender que

eventual norma sobre a herança digital deve ser genérica, aplicada ao caso concreto

pelo uso da analogia; que deve-se guardar observância do princípio do pacta sunt

servanda nos contratos eletrônicos firmados pelos usuários e provedores de redes; e

a valorização do uso dos princípios gerais do Direito para solucionar problemas

concernentes à transmissão do ativo digital.

Tendo em vista estas características para nortear o trabalho, passou-se a

definir os bens digitais, vez que são necessários para que o sujeito tenha uma herança

digital. Estes podem ser: contas de e-mail, conteúdos de redes sociais, áudios, vídeos,

sons e imagens, nomes de usuário e senhas, arquivos armazenados em nuvens ou

diversos outros conteúdos armazenados em qualquer dispositivo informático.

Paralelamente, discorreu-se sobre os aspectos relevantes do Direito das

Sucessões, ramo tradicional do Direito que conferiu importante base principiológica e

legal para se debruçar.

Dissertou-se que existem diversas modalidades de sucessões, aprofundando-

se, logicamente, no estudo da sucessão causa mortis, mais atinente ao tema

retratado. Esta pode se dar de forma universal (ou seja, a totalidade do patrimônio, ou

seja, a herança) ou a título singular, que se dá por via do testamento. Portanto, em

termos gerais, duas são as modalidades básicas de sucessão causa mortis, de acordo

com o art. 1.786 do CC: a sucessão legítima, que enuncia a ordem de vocação

hereditária, prevista em lei; ou a disposição de última vontade, que é a sucessão

testamentária. No entanto, saliente-se que a primeira modalidade é a mais comum no

Brasil, por questões de ordem cultural e costumeira.

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Partindo dessa percepção global das modalidades de sucessão, focou-se no

conceito de herança, o qual foi muito útil para delimitar o conceito da herança digital.

A herança tradicional não se restringe aos bens corpóreos, mas também incorpóreos,

como por exemplo os direitos do autor, que podem ser transmitidos aos herdeiros.

Logo, podem ser inseridos neste conceito os bens digitais - lembrando que há alguns

casos em que não há transmissão de todos os direitos e obrigações do falecido, assim

como a herança contém bens materiais ou imateriais, mas sempre haverá coisas

avaliáveis economicamente.

Também é importante mencionar que o art. 83, I, do CC estende o conceito de

bem móvel às energias que tenham valor econômico. Como os arquivos digitais de

computador são energia armazenada, por decorrência, é possível considerar o acervo

digital como um conjunto de bens móveis para efeitos legais.

No Brasil não há nenhuma lei que regulamenta ou proíba a transmissão da

herança digital. Esta última pode ser descrita como um conjunto de informações

digitais de um sujeito, sendo dividida em ativos digitais e contas digitais que se

encontra em formato digital.

Ressalta-se que, entrementes, decorre do princípio da indivisibilidade que não

existe uma herança diferenciada da tradicional, ou uma herança digital no sentido

literal do termo, bem como não há a necessidade de criar um processo de inventário

diferenciado para tratar do assunto. Em realidade, é tudo uma coisa só: os deveres e

direitos do âmbito virtual também fazem parte da universalidade da herança

tradicional.

Tendo em vista a escassez de legislações que tratam sobre o assunto, houve

tentativas de edição de leis neste sentido, como os PLs n°4.099/2012 e n°4.847/2012.

Este segundo projeto foi arquivado, porém o primeiro, até o encerramento do presente

trabalho, estava em tramitação no Congresso Nacional.

Analisando o PL n° 4.099/2012, apreendeu-se que a parte da doutrina que é a

favor da sua aprovação defende que o objetivo é sanar problemas relacionados ao

acervo digital do falecido, tendo também a finalidade de buscar dar solução às

questões relacionadas à procura da tutela jurisdicional quanto ao acesso de arquivos

digitais do de cujus. Ainda, o projeto visa a segurança jurídica em face de sentenças

divergentes por conta da falta de previsão legal.

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Outra parte da doutrina advoga no sentido de que o texto do PL nº. 4.099/2012

é muito abrangente, entrando em conflito com outros princípios constitucionais que

tocam direitos da personalidade do morto, tais como os da vida privada e da

intimidade. Conclui-se pelo prevalecimento desta corrente, pois não se pode preterir

deliberadamente os direitos à privacidade, à intimidade e dar acesso aos herdeiros a

informações virtuais que pertencem ao falecido. Aprovar referido PL, seria afrontar a

própria Constituição Federal.

Entretanto, durante a pesquisa, confirmou-se que, a despeito de não haver

legislação específica sobre o assunto, bem como o fato de o PL n° 4.099/2012 ser

manifestadamente inconstitucional, há evidente compatibilidade do sistema jurídico

vigente com o reconhecimento do valor econômico do acervo digital e a extrema

relevância dessa nova forma de patrimônio, devendo ser considerada na partilha, isto

é, um centro de interesses a ser protegido juridicamente.

O que se propõe não é a criação de uma infinidade de leis próprias para a era

digital e sim a adequação e utilização da legislação já existente nessa nova realidade.

Desse modo, em suma, é válido para a herança digital o conceito trazido pelo art. 5º,

XXX da CF/1988, que garante o direito à herança, bem como o que é trazido pelo

Código Civil no Título I a IV. Porquanto, é lícito dizer que as normas que regulamentam

o direito sucessório englobam, por interpretação extensiva, o conceito de herança

digital.

Com efeito, procedendo-se a um exame ao texto da Constituição Federal de

1988, pode-se encontrar também os seguintes princípios informadores que devem ser

seguidos na busca da solução do problema da herança digital, no âmbito do Direito

das Sucessões, sendo eles: o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III);

princípios da liberdade, da justiça e da solidariedade nas relações familiares (art. 3º,

I); princípio da tutela especial à família (art. 226, caput); princípio da beneficência em

favor dos participes do organismo familiar (implícito).

Ainda se pode citar, além dos princípios anteriores, o da propriedade (art. 5º,

caput, XII, CF); da igualdade (art. 5º, caput, CF); da intimidade, vida privada, honra e

imagem (art. 5º, X, CF); inviolabilidade das comunicações de dados (art. 5º, XII, CF);

direito à informação (art. 5º, XIV, CF); direito de autor (art. 5º, XXVII, CF); direito a

defesa do consumidor (art. 5º, XXXII, CF).

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Tendo em vista todo o exposto e especialmente os princípios acima encartados,

foi possível realizar duas divisões quanto à transferência dos bens digitais para os

herdeiros.

Bens armazenados em meio virtual suscetíveis de apreciação econômica

fazem parte da herança, sendo direito dos herdeiros, estando previstos em testamento

ou não. Quando não há nada determinado em testamento, o Código Civil prioriza

familiares da pessoa que morreu para definir herdeiros, sendo sugerido que, se os

herdeiros presumirem haver algum bem digital importante, devem relaciona-lo no

inventário e pleitear ao juiz através de liminar de antecipação de tutela, bem como a

expedição de ofício para as empresas responsáveis para que tragam o conteúdo para

os autos.

Já a segunda modalidade de bens digitais, insuscetíveis de valoração

econômica, dependem, a priori, de manifestação prévia do de cujus e ordem judicial.

Não havendo disposição de última vontade, deve-se analisar a juridicamente a

questão à luz da teoria dos direitos da personalidade e de algumas contribuições do

Direito Autoral.

Por este diploma legal, a morte do autor dá causa à transmissão da herança

aos seus herdeiros; porém, os direitos morais de acesso, de retirada e de modificação

da obra se extinguem com a morte do autor. Neste sentido, a morte do titular de uma

conta em uma rede social não autoriza, sozinha, a retirada dessa conta da rede.

Neste ponto entra-se na teoria dos direitos da personalidade. Dos direitos

personalíssimos existentes, destacam-se, ante o titular que possui atividades na

Internet, a privacidade, a honra (ambos previstos no art. art. 5, X da CF) e a imagem

(art. 5º, X e XXVIII, CF).

Como estudado, o morto não detém personalidade e, portanto, os direitos a ela

inerentes; o que não significa, todavia, que o mesmo não os detinha em vida.

Igualmente, não há que se falar em transferência à família dos direitos da

personalidade do falecido, por também não se perfazer em titular desse elenco de

direitos. Por outro lado, não se pode negar a conservação de alguns atributos da

personalidade após a morte e a necessidade de proteção jurídica desse centro de

interesses do morto, aos quais a própria legislação civil brasileira atribui à família a

sua tutela. Nesta senda, as pessoas elencadas pelo art. 12, parágrafo único, do CC

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são as legitimadas a tutelar os direitos da personalidade do morto, sendo que qualquer

deles poderá agir em defesa do nome, da vida privada ou da honra da pessoa falecida.

O Marco Civil da Internet, do mesmo modo estabeleceu uma base

principiológica para compreender esta problemática. O Marco Civil da Internet não

considera questões concernentes à pós-morte do usuário, seu foco é a privacidade.

A proteção aos dados dos internautas é garantida e só pode ser quebrada mediante

ordem judicial; o Marco Civil da Internet também garante a privacidade das

comunicações, ou seja, o conteúdo das comunicações privadas em meios eletrônicos

tem a mesma proteção de privacidade que já estava garantida nos meios de

comunicação tradicionais, como cartas, conversas telefônicas, etc.

Conclui-se, portanto, que se deve privilegiar a privacidade do de cujus,

negando-se o acesso dos herdeiros ante a ausência de testamento. Entretanto, esses

ainda poderão pleitear uma determinação judicial de exclusão do conteúdo

armazenado ou postado.

No entanto, é salutar dizer que podem haver bens digitais que a priori não

possuem valoração econômica, mas que futuramente possam vir a ter. Diante de um

caso concreto desta natureza, no Brasil, deverá o mesmo ser sujeito à interpretação

jurisprudencial.

Aponta-se, neste sentido, a importância da redação de um testamento, seja ele

digital ou não, principalmente àqueles que detenham um valioso acervo eletrônico e

não queiram que determinados parentes tenham acesso (ou não) aos seus ativos

digitais. Não há empecilhos legais para que a pessoa confeccione testamento

incluindo seus bens digitais, como já se faz com os bens corpóreos e os imateriais.

Ocorre que a transmissão dos bens digitais passíveis de valoração econômica

nem sempre é facilitada. No que concerne às regras contratuais de licença de uso

estatuídas por alguns provedores, há determinações em contratos de adesão de

extinção dessa permissão com a morte do usuário.

Embora os termos de uso de serviços costumem reconhecer a propriedade do

usuário sobre o conteúdo por ele armazenado, a transferência é raramente permitida.

No caso da herança de e-books, músicas e filmes, nota-se que os termos de uso

também restringem de forma considerável as possibilidades de dispor do conteúdo,

pois, em regra, adquire-se apenas a licença de uso.

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Maior problema que envolve estes tipos de contratos eletrônicos é a expectativa

que é criada em torno da possibilidade de dispor do conteúdo da mesma maneira que

se poderia adquirindo uma mídia física, muitas vezes criada ou perpetuada pela

própria interface das lojas virtuais. Vislumbra-se, nestes casos, o descumprimento do

dever de informar imposto por lei nas condições gerais.

Tal problemática deva ser levada à apreciação do Judiciário, resolvendo-se os

casos específicos judicialmente. No entanto, aqui tem-se outro entrave: geralmente

os termos de serviço do mesmo modo trazem cláusulas de eleição que comumente

selecionam a lei da sede da empresa provedora do serviço para reger o contrato, além

do foro mais conveniente para o provedor.

De acordo com a Resolução nº 39/248 da ONU, de 9 de abril de 1985, é dever

de todos os Estados membros a proteção ao consumidor. Neste sentido, embora a

própria legislação brasileira (art. 435 do Código Civil e art. 9º, § 2º, da Lei de

Introdução às normas do Direito Brasileiro) estabeleçam que o lugar do contrato é o

da oferta ou proposta, nos contratos de consumo (incluindo contratos eletrônicos

internacionais) considera-se o lugar que melhor beneficie o consumidor. Ademais, o

STJ já decidiu que a constatação de tais cláusulas não é óbice a proposta de ação no

Brasil, havendo competência concorrente, considerando a ausência de regulação da

jurisdição do ciberespaço.

Tal entendimento muito auxilia os herdeiros ante de algum abuso de provedor,

vez que, do princípio da indivisibilidade também se infere, no âmbito digital, que quem

detiver indevidamente a posse dos bens da herança deverá devolvê-los aos herdeiros.

É a possibilidade de qualquer um dos coerdeiros “reclamar a herança, no todo ou em

parte, de terceiros”, nos termos dos arts. 1.825 e 1.827 do CC, perante sites ou

provedores que não querem possibilitar o acesso e transmissão de determinado bem

que tenha valor patrimonial e seja objeto de herança.

É preciso não só a transmissão dos bens digitais, mas também técnicas de

preservação, senão este conteúdo irá se perder da mesma forma. Os bens digitais

são muito frágeis, sendo importante uma segunda fonte de gerenciamento dos

mesmos, vez que apenas a tecnologia não é suficiente para evitar a obsolescência

destes objetos, também sendo necessárias a interferência humana e políticas de

preservação digital. Como se viu, várias estratégias podem ser abordadas com a

finalidade de preservar os bens digitais.

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A solução prática para o problema da herança digital seria o falecido deixar

senha e demais informações necessárias para acesso a uma ou mais pessoas de

confiança. Porém, tal conduta não procede juridicamente, pois poderia configurar

crime de falsa identidade previsto no art. 307 do Código Penal, através do qual alguém

se faria passar por outrem para ter acesso à identidade e aos bens digitais.

Como se vê, o melhor é tomar as providências legais a fim de obter acesso aos

bens digitais de uma pessoa falecida, a fim de não ensejar algum problema penal ou

civil para o herdeiro.

Por fim, resta informar que, diante dos resultados evidenciados e das

conclusões apresentadas, consideram-se que tanto o objetivo geral quanto os

objetivos específicos, foram plenamente atendidos. Nessa mesma toada, vale dizer

que foi corroborada a hipótese também apresentada na introdução, mas, também, foi-

se além durante as explanações do trabalho.

Porém, em que pese nossa proposta de tratamento do assunto, conclui-se que

o objeto de estudo deste trabalho ainda necessita de um aperfeiçoamento teórico por

parte da doutrina e da jurisprudência para que fique claro qual o melhor caminho

jurídico adotar no caso concreto.

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ANEXO A – Ação de Procedimento do Juizado Especial Cível (Autos n° 0001007-27.2013.8.12.0110 – TJ-MS)

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