umbanda em preto e branco: valores da cultura afro-brasileira na religião
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Livro de fotojornalismo produzido para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Thales Valeriani, aluno de jornalismo da Unesp. Orientado pela prof. Dra. Eliza CasadeiTRANSCRIPT
Thales Valeriani
UMBANDA EM PRETO E BRANCO
Valores da Cultura Afro-brasileira na Religião
Agradecimentos
Agradeço a minha orientadora Eliza Casadei pela dedicação, atenção e profissionalismo ao longo de todo o período de produção deste Trabalho de Conclusão de Cur-so. O livro de fotojornalismo Umbanda em Preto e Branco: Valores da Cultura Afro-brasileira na Religião foi gestado ao longo de muitas conversas e é resultado de um processo de aprendizagem.
Sou muito grato a Patrícia Alves, sem a sua gentil e perspicaz atenção este trabalho não seria possível. A Ja-naína Azevedo, por sempre estar disposta a sanar dúvidas minhas sobre a religião. Ao Davi Rufino, meu novo amigo, por ter me apresentado a várias pessoas a quem eu pude entrevistar e fotografar para este livro. A Agnes Sofia, mi-nha amiga e confidente, por ter me iniciado no tema. Ao João Pedro, meu amigo, por possibilitar que houvesse uma versão digital desta obra.
Agradeço também a todos aqueles que me recebe-ram e conversaram comigo ao longo destes últimos meses de braços e corações abertos. Sem os entrevistados e a gen-til colaboração de quem se deixou fotografar, este trabalho não existiria.
Espero que esta obra contribua para a compreen-são de uma religião muitas vezes silenciada e incompreen-dida. Como disse Susan Sontag, as fotografias não podem gerar posições morais, mas podem reforçá-las e contribuir para consolidar as que se iniciam. Então consolidemos a posição da visibilidade e da compreensão.
Boa leitura!
Prefácio
Esta obra retrata terreiros de Umbanda em di-
versos momentos festivos e cotidianos. Não dogmático,
apresenta a religião na perspectiva dos valores da cultura
afro-brasileira.
Os dez valores desta cultura- circularidade, copo-
reidade, ludicidade, comunitarismo, memória, ancestrali-
dade, oralidade, musicalidade, religiosidade e Axé- foram
distribuídos em cinco capítulos. Eles não são lineares e es-
tanques. Eles se interpretam, hibridizam e se dão em cone-
xões cotidianas. São a marca dos descendentes dos africa-
nos e africanas trazidas para o Brasil. Valores inscritos na
nossa memória, música, literatura, gastronomia e religião.
Se fotografar é conferir importância, como disse
Susan Sontag, então a reivindicamos por meio deste espa-
ço imagético um lugar entre o grande público para esta re-
ligião afro-brasileira filha do catolicismo e espiritismo po-
pular, candomblé e dos cultos caboclos. E a seus adeptos,
em respeito à sua memória, história e Axé.
Circularidade e Corporeidade
O corpo como instrumento de experiências e me-
mórias. Com sua expressão através da dança, canto, brin-
cadeiras e falas. A corporeidade é um valor que remete ao
respeito ao corpo presente, inteiro e em ação.
Um meio de diálogo e interação com outros cor-
pos através da circularidade que, por sua vez, cria conheci-
mento, tece diálogos, círculos, redes, sensações, sentimen-
tos e observações. Um ato de comunhão que vai além do
encontro entre corpos. É o momento de união. Construção.
Na Umbanda, a questão corpórea não é tratada
como um fator limitador da experiência humana. Pelo con-
trário, o corpo liberta o homem que ali reside na proporção
que permite a ele a experimentação. Esta se dá em rela-
ção ao outro, muitas vezes em processos circulares, com
aprendizagem recíproca entre os presentes.
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Ludicidade e Comunitarismo
Ser lúdico faz parte do celebrar a vida. O prazer e
o aprendizado se dão com amorosidade, alegria e desejo.
Assim deve ser a forma pela qual se ensina as danças, can-
ções e a fazer indumentárias.
Nos terreiros, ela faz-se presente também atra-
vés dos Iêres (espíritos infantis) que brincam, interagem e
atraem as crianças para o espaço religioso. O aprendizado
se dá pelo envolvimento lúdico e gradual nos rituais.
O comunitarismo é ser malungo (companheiro),
saber dividir e compartilhar o espaço, o poder. Pensar em
cultura afro é pensar em coletivo, em pessoas, em diversi-
dade, cooperações e comunidades. Assim é também com a
Umbanda e os seus espaços.
Ela possui uma estrutura hierárquica menos rígi-
da do que o candomblé, sendo o pai ou mãe de santo, au-
xiliares do culto, filhos e filhas de santo, ou de fé, que com-
põem a estrutura do terreiro de forma mais comunitária
com laços que são, muitas vezes, lúdicos também.
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Memória e Ancestralidade
A memória permeia todos os valores da Umban-
da. Eles são ensinados pela fala e vivenciados pelos ensi-
namentos de uma geração para outra. Se relacionam pela
maneira com a qual algumas culturas africanas interpre-
tam o tempo e a vida.
Na Umbanda, mostram-se presentes pelo ensino
do mais velho para o mais novo. Não há um livro religioso,
mas há quem tenha experiência e queira passar para aque-
les que ainda são leigos ou nçao dominam determinado as-
sunto ou rito. É comum se deparar com gerações díspares
no terreiro exercendo, algumas vezes, as mesmas funções.
Resultado de um ensinamento menos formal que valoriza
a tragetória de cada um.
O respeito pelo mais velho, ainda que este não
goze de uma alta hierarquia na casa, evidencia-se pela re-
verência por parte dos mais jovens, em razão das experiên-
cias e memórias que estes outros corpos carregam.
Oralidade e Musicalidade
A oralidade valoriza esferas da sabedoria que não
são calcadas na escrita. Dá valor e espaço a pessoas iletra-
das que possuem memórias e ensinamentos. Valoriza os
territórios humanos como as casas, giras de terreiros e os
nossos corpos.
A cultura oral não é a negação da escrita, mas é
autonomia relacional, de comunicação, de contato. A ora-
lidade associa se ao nosso próprio corpo: voz e expressão
corporal. Cria a relação de ouvir, falar e cantar. Constrói re-
lações baseadas no diálogo.
A musicalidade é a dimensão do corpo que dança,
vibra, responde aos sons. É consciência do próprio corpo
que produz sons e melodias.
E não existem terreiros mudos. São espaços de
vibrações, falas, cantos, cantigas, comemorações. Barulhos
do corpo. Da alma. Dos orixás.
Religiosidade e Axé
O Axé, ou energia vital, se faz presente no cotidia-
no e no imponderável de nossas vidas. Ter uma educação
calcada em tal valor é não tê-la engessada em normas, bu-
rocracias e métodos rígidos, mas no desejo e alegria.
É ter uma perspectiva positiva como força mobili-
zadora para as adversidades que surgem. A religiosidade,
que não deve ser vista como religião, diz respeito a vida, ao
próximo. Remete ao louvor, à saudação e ao cuidado com
o outro.
Na Umbanda eles são vistos não apenas pelas
ações de seus adeptos, mas também pelos instrumentos e
cultos religiosos. Nas oferendas para retribuir aquilo que
foi conquistado, em forma de gratidão, ou para superar
etapas da vida, como oferta. E também na busca pelos ori-
xás por conselhos. Tem-se uma cultura de gratidão e retri-
buição pelas vitórias cotidianas.