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uma publicação composta por alunos e professores do

2 dezembro 2009 3

Maria Christina*

FINAL DE ANO. TEMPO DE REFLEXÃO E ALGUMAS DESPEDIDAS.

Como resumir em poucas palavras tantos anos de convivência? Como traduzir a mágica que se renova a cada período letivo, como ao receber o 5º ano, tão pequenini-nhos e vê-los, em dezembro, já vislumbran-do a adolescência? Como falar do prazer de vivenciar cada personalidade se delineando, se formando, se fortalecendo? E do carinho dos alunos, seus abraços, beijos, brincadei-ras, apelidos, e-mails? E do convívio dos

::Editorial::ESPAÇOS DE CONVERSA

texto: BrisaRecentemente aconteceu no Colégio Viver a assembléia do namoro. Todos embasados meio ao rebuliço e motivados a possibilidade de libertação das regras foram convocados a tal evento. Pouco do que consegui observar do encontro, me intrigou. Ouvi frases como: “mesmo que seja proibido nós faremos” ou o que seria bom senso na relação?”, “Na idade?”, “Na paixão?” Ou mesmo “no namoro?” e “O que poderia ou não poderia acontecer na escola?”.

Não vou escrever sobre esta assembléia, nem mesmo sobre namoro. Quero escrever sobre algo que não saiu da minha cabeça, desde esse momento. Sobre que não está, ou está sendo conversado em outros espaços- que não do o do Viver- sobre o que é uma experiência saudável.

Entendo que uma experiência saudável é toda aquela que respeita nossos desejos, nossos princípios e o ambiente em que vive-mos. A adolescência é uma fase conhecida como o momento de quebra de regras, e isso não é a toa. Pois tão jovem percebemos que o mundo se modifica com nossas atitudes, que nosso próprio corpo pode ser limite para nossas experiências, que existe uma busca incessante para descobrir o lugar que nos pertence, o lugar que nos sentimos seguros e acolhidos, o lugar que podemos ser nós mesmos, sem muita pentelhação ou explicação. Sobretudo na adolescência percebemos que muitas das regras sociais que permeiam tudo ao nosso redor, como a hora que comemos, tomar banho, fazer lição de casa, vir para escola, absolutamente a maioria das situações que seguimos não foi criada por nos, porem pode ser manipulada de acordo com a nossa vontade.

Nessa fase tão rica nos ligamos a música, a ensinamentos, a festas e encontros (pois eles são únicos mesmo), possivelmente a religiões, a paixões de todos os tipos, normalmente bastante extre-mistas, e sexo também, pois além da mudança corporal que vivemos, aparece de forma clara nossos desejos. Acontece que vem sobrando para a escola a tarefa de conversar sobre temas muitos falados, como sexo, por exemplo.

Penso que a possibilidade de termos esse tipo de conversa em casa, é também a possibilidade que nossos pais têm de trazer a tona a própria experiência que eles tiveram. Penso que muitos não conversam com seus filhos por pura proteção, porque não querem que seus filhos vivam coisas que eles viveram, pois pais quase sem-pre desejam o melhor, o ambiente mais saudável, a conversa mais segura, e fracassados da possibilidade de não ter o melhor momento, deixam de fazer. Deixam de lado, algo essencial para o desenvolvi-mento dos seus filhos.

Conheço muitos pais também que acham que esse tipo de conversa não pode ter e pronto. E seus filhos são obrigados a tirarem suas dúvidas em outros espaços, as vezes esses lugares podem não ser um continente tão saudável quanto o da casa.

Percebo que a dificuldade de conversar com os adolescentes é uma via de mão dupla, pois a assembléia do namoro não foi uma con-versa simples. Revelou para nós uma onipotência bastante presente na idade, no qual, ora tudo podia ora nada podia. Me lembro de um pedido de bom senso por parte dos docentes, em relação a namo-rar na escola, esse pedido foi refutado por muitas falas como- “se não namorarmos aqui vamos namorar onde?”. Estou defendendo portanto, que bom senso começa na segurança de termos segredos, amigos mais próximos, namorados (as) especiais, ou até beijos na boca irreverentes, mas que essas experiências devem ser construí-das no seio seguro, pois está é a possibilidade de entender de forma saudável as vivencias da idade. Assim a conversa como sempre é a forma mais difícil e mais segura de criar o melhor território de desenvolvimento, tanto em casa quanto no Viver.

colegas, com os quais sempre aprendi alguma coisa? E como falar da Anna e da Maria Amélia, que me mostraram um lado tão humano na direção de uma escola? Deixo o Viver com o coração cheio de lembranças boas e alegres que jamais se apagarão. Que todos da família Viver tenham um feliz Natal e que em 2010 possam concretizar seus sonhos e atingir suas metas.

O tema do Página nessa edição é escrever sobre o que não falamos. A idéia surgiu numa conversa entre Brisa, Vitor, Carol e eu quando discutíamos um assunto muito polêmico aqui no Viver: o namoro. Estávamos analisando o quanto eles (os alunos) precisam de espaços privativos e o quanto a Escola pode (ou não) disponibiliza-lo. Como éramos apenas nós quatro, logo pensamos em chutar o pau da barraca e fazer um Página bem polêmico para exorcisar nossos demônios e tabus e, prin-cipalmente para provocar os pais a terem conversas mais abertas com seus filhos.

O tempo passou e uma assembléia sobre o tema “namoro no Viver” foi promovida. Nossa (professores e coordenadores) idéia era justamente promover uma conversa mais franca e aberta aos adolescentes e dis-cutirmos o espaço escolar, a conduta dentro da escola e os desejos deles. Quem esteve presente (as votações não foram de presença obrigatória, como nas outras assembléias)

diverge em opiniões: uns acharam perda de tempo, outros acharam válido. Não posso falar pelo Vitor, mas sei que ele não curtiu.

Por outro lado, eu gostei. A impressão que tive da assembléia foi do quanto os próprios adolescentes (estou generalizando) são resistentes a conversar e a “jogar limpo”. Eles, que queriam tanto um espaço, não colocaram suas idéias e nem suas vontades. E, nós, adultos, angustiados para fazê-los falar, falamos mais que eles... E mesmo assim, achei bom. Gostei porque conversar com eles não é tarefa fácil. Mas conversamos e, acima de tudo, deixamos alguns pontos mais claros.

Demonstrar a eles nossa disposição para o diálogo é nossa tarefa. Dos pais principalmente.

Agora, se você estiver esperando os textos que Vitor, Brisa e eu queríamos fazer no começo do papo, esqueça! Os textos abordam questões polêmicas (com exceção das colunas de despedida e uma das críticas musicais), mas não os considero chocantes. Pelo contrário, é muito difícil ser radical em questões controversas. Por isso, lhe convido a refletir sobre os textos e responde-los (envie sua participação ao [email protected]).

***::Expediente::Editores: Dani e Vitor (enxuto dessa vez, né?)Valeu Vitor!

* Maria Christina foi a professora de português do F2 que agora se despede do Viver.

4 dezembro 2009 5

Aprendi uma coisa valiosíssima com uma amiga: é possível preparar um excelente almoço sem uma única gota de óleo. Refogo a cebola, o frango, faço arroz (integral ou branco) sem nadinha de gordura. Mas, confesso: não resisto a uma colherinha de manteiga no purê de mandioquinha e ainda tenho uma latinha no armário para garantir uma porção de bananas à milanesa ou boli-nhos de arroz. De todo o modo, já sei que, se estivesse disposta, poderia perfeitamente passar a vida sem nem precisar untar uma assadeira (já que dispomos de tecnologia de teflon).

Aprendi a cozinhar com minha avó. Mineira, generosa e doceira, D. Rosa jamais poderia conceber a possibilidade de erradi-carmos aquele brilho de nosso prato sujo de restos de comida. E eu, graças a essa amiga (que coincidentemente leciona ciências aos nossos alunos), vivo livre do pensamento que meu jantar estaria arruinado porque o óleo acabara!

Mas não estou aqui para levantar bandeiras lights nem de convencê-lo a passar tahine no pão francês. Estou aqui para lembrá-lo que tem coisas que a gente faz porque aprendemos com nossas avós (ou com nossos tios ou professores ou com livros, ou nem mesmo nos lembramos quem nos ensinou) e a gente simplesmente encara isso como um fato, um padrão. Tampouco quero filosofar, então me dêem licença para chamar esses padrões de paradigmas.

Para ilustrar onde quero chegar com

ILUSÕES GORDUROSASjeito que Picasso fez parecer pintar muito fácil ele enganou todo mundo dizendo que ganhar dinheiro com pinturas seria banal.

O mesmo se aplicaria a qual-quer profissão. Há seres humanos notáveis que conseguiram o mesmo feito de Pablo Picasso: ganham muito dinheiro facil-mente executando o que fazem de melhor.

Do mesmo modo que podemos viver sem óleo de soja para estalar ovos, acredito que agora seja um bom momento para nos livrarmos desse pensamento de que deter-minadas profissões garantem um sustento mais abundante que outras. Quando nossos alunos ou filhos se interessam por ser alguma coisa: bombeiro, bailari-na, piloto, aeromoça, costureira, secretário, advogada, médico, cozinheiro, cientista, cabeleirei-ra... Já é um lindo sinal: há alguém com quem se identificar. Há uma vontade de SER alguém! Portanto, não precisamos, 1: imaginar que essa seja a única coisa que ele fará na vida; 2: acreditar que a escolha decidirá o saldo de sua conta bancária e, finalmente, 3: que o dinheiro ou a profissão ditarão sua felicidade.

texto: Danielle

desenho: Vitor

tudo isso, cito as palavras de minha querida colega, também articulista desse pretensioso jornal escolar, Srta. Ana Clara Buchmann em seu texto “Fases” (Página Aberta, junho de 2009), no qual abordava a dificuldade da escolha da profissão. Aninha lembrava-se de sua animação em se tornar artista, mas ao expressa-la, receberia a negativa imediata dos adultos, muda, exprimida apenas por caretas. O texto é muito mais que isso e aborda de forma bastante legítima a experiência angustiante de ser jovem demais para decidir a vida inteira num ofício. Mas essa pequena passagem me pegou. Ficou ecoan-do aqui dentro.

Acontece que, além de não utilizar óleo para cozinhar arroz, eu sou artista.

Meus pais jamais verbalizaram que meu futuro seria morar debaixo da ponte nem padecer de inanição. Mas também não alimentaram a expectativa de que eu morasse num loft milionário em Nova Ior-que ou vendesse obras a cifras absurdas.

De todo modo, não precisaria ter ouvido essas frases de ninguém. O medo de ser pobre e a fantasia de enriquecer já estão impregnadas na minha mente desde sempre. O mito de ser um Picasso é um pesadelo que poderia acompanhar qualquer ser humano. Pablo Picasso foi um sujeito paupérrimo que se tornou uma das maiores referência no que fazia e foi retribuído com muito, muito dinheiro.

Contudo, não se iludam! Do mesmo

Se você tem conflitos em relação às escolhas profissionais que fez e ainda faz, converse com seu filho, mostre para ele que as perguntas que nos fazemos são preciosas companhias para toda a vida. Passar na prova do vestibular não nos licencia de conviver com um ponto de interrogação na consciência. Acho isso muito mais valioso que as certezas. E você?

6 dezembro 2009 7

François Truffaut, um grande cineasta e crítico de cinema, disse uma vez que somos muito mais exigentes e cruéis com o produto local do que com o estrangeiro, porque este já vem contaminado: Sabemos de antemão quem é o diretor do filme, conhecemos, às vezes pesoalmente, os atores, sabemos suas opiniões políticas e o contexto social em que aquela obra surgiu. Dos gringos, não sabe-mos nada disso e, por isso mesmo, somos muito menos exigentes com eles.

Então, em primeiro lugar, tentemos encarar o funk carioca sem essas opiniões contaminadas. O que nos sobra? Uma batida eletrônica, extremamente dançante, com um grave que vibra dentro do peito e que, ainda por cima, é absolutamente brasileira. Como diria a letra já clássica: “É som de pre-to, de favelado, mas quando toca, ninguém fica parado (tá ligado?)”.

Agora um pouco de história:Em Nova York, no fim dos anos 70, a

música negra estava numa encruzilhada: O Funk (de James Brown e Sly Stone) estava saturado; a Disco já tinha passado por duas modas, virado filme com o John Travolta e ninguém mais aguentava; a Garage Music (um disco mais eletrônico, só de DJs) estava engatinhando e parecia que não iria muito além da garagem. Neste momento, um grupo alemão, de música eletrônica, in-fluenciado pelos experimentos eruditos de Stockhausen, veio tocar na cidade e mudou tudo: O Kraftwerk.

Neste show estavam Afrika Bambataa,

ECHO & THE BUNNYMENPara o texto polêmico da vez escolhi a defesa do indefensável: o Funk Carioca.

INDEFENSÁVEL::Discoteca Básica::::Discoteca Básica::

texto: Cassiano

texto: Rodrigo Barcelos

Como estou vadiando aqui vou postar* sobre uma banda que gosto muito: Echo & The Bunnymen. Eles são mais um quarteto inglês genial dos anos 70, aquela época em que surgiam várias bandas boas. Eles foram muito influenciados pelos Beatles (até gravaram uma versão de All You Need Is Love), The Velvet Underground (a banda que foi acolhida por Andy Warhol) e The Doors, bandas também muito boas, e influenciaram The Jesus and Mary Chain (note a smelhança no esquema dos nomes) que eu gosto também e o The Mission e o Interpol que eu nuca ouvi. Os álbuns deles (a maioria) tem uma coisa em comum: a luz. É sempre uma daquelas luzes que parecem uma lanterna, mas só um pouco maior. Aqui alguns exemplos:

Curiosidade: Quando Ian e Will formaram a banda, se chamava apenas Echo. Só passou a se chamar Echo & The Bunnymen com a entrada de Les Pattinson, e quando conseguiram um contrato com uma gravadora, conseguiram o baterista Pete. Eles se desfizeram e se refizeram em 97, sem o baterista, que tinha morrido em um acidente de moto em 89. Rendeu bons discos, mas nada que se compare a época de 80.

Membros:Ian McCulloch - VocaisWill Sergeant - GuitarraLes Pattinson - BaixoPete de Freitas - Bateria

Kurtis Blow, Mantronix e vários outros inventores do Rap e do Electrofunk. Essa nova sonoridade, totalmente dançante, eletrô-nica e influenciada por esses alemães malucos foi o que chegou no Rio de Janeiro no começo dos anos 80 e que virou febre dos bailes da periferia. Uma das principais equipes de som que promoviam estes bailes era a Furacão 2000, que logo começou a produzir suas próprias faixas, criando o Funk Carioca.

Até a virada do ano 2000, esta era a música da periferia carioca, mas esta música atingiu as rádios de classe média e virou mania nacional. Nacional? Não! Com o aparecimento do novo Electro (de Miss Kyttin e DJ Hell) em Paris, Berlim e Nova York, o funk carioca virou mundial. Hoje em dia há bailes funk até em Tóquio e os shows de Tati Quebra Barraco e Dj Marlboro são disputadíssimos. A can-tora Ânglo-Singalesa Mia e seu marido, o DJ inglês Diplo, são alguns dos responsáveis pela popularização do funk e de outros rítmos dançantes do 3o mundo como o Dancehall da Jamaica, o Reggaeton da américa latina e o Kuduro de Ângola.

Agora o último argumento. Ouça o “Créu” e repare no seguinte: a música é composta por samples de atabaque e berimbau e da voz do MC. Mais nada. É música eletrônica feita só com instrumentos acústicos absolutamente afrobrasileiros. Se pensarmos nos ideais tropicalistas dos anos 60, o Créu é praticamente um manifesto! Quando Gilberto Gil chegou ao Rio de Janeiro e ouviu Jorge Ben pela primeira vez, ele disse a Caetano Veloso que ia voltar para a Bahia, porque aquele rapaz fazia tudo que eles queriam, misturando samba e rock, sem nunca ter pensado a respeito, nem gastado os anos de estudo dos bahianos.

O samba também já foi discriminado e, um dia, teremos orgulho do funk carioca.

Crocodiles - 1980 Evergreen - 1997Ocean Rain - 1984

* texto extraído

do blog do

Rosley: http://

rosleyocioso.

multiply.com

8 dezembro 2009 9

texto: Denis desenho: Vitor

Para Nietzsche o homem é o único, dentre os animais, capaz de medir e calcular o poder do outro. Por muito tempo acreditei que os Super – Heróis atraiam tanto o interesse das crianças pelo simples fato delas serem as únicas a não terem poder algum na escala da nos-sa hierarquia social. Uma hierarquia onde o poder, antes centraliza-do nas mãos de um governante absoluto, agora passa a ser distribuído por todos os cidadãos no sistema democrático (DEMOCRACIA = po-der para todos). Uma democracia que permite ao patrão utilizar de todo seu poder para explorar e dar ordens ao seu empregado, que não raramente chega à casa bêbado e utiliza todo o seu poder agredindo a sua esposa, que por conseguinte dirige todo o seu poder castigando os seu filho mais velho, e este, por não ter empregados, mulher, ou filhos para descontar toda sua irá, direciona todo seu poder sobre o irmão mais novo, com as mais variadas agressões verbais e físicas. Esta criança, por fim, por não ter ninguém mais para se apoderar, apenas aspira com admiração, chegar a ser quem sabe, um Super – Herói com os seus Super Poderes.

Este ano está sendo um ano marcante, como todos os são aqui no Colégio Viver é verdade. Porém, este ano mudei de idéia. Foi neste ano que conheci uma figurinha carimbada. Opa, corrigindo a mim mesmo, mais uma figurinha carimbada, entre tantas outras que se misturam ao nosso corpo de alunos.

Como sempre fui um ser - humano um tanto quanto introspec-tivo, para não dizer calado, não foi raro em minha vida as vezes que acabei me aproximando de pessoas que adoram falar. Sempre me dei muito bem com este tipo de nossa espécie, acredito que realmente sou um bom ouvinte e tenho prazer em escutar quem sempre tem algo interessante a dizer. Neste caso, a pessoa que me chama mui-to a atenção pelas suas idéias, tem lá em torno dos seus seis anos de experiência de vida. Não o bastante, ele já era famoso por encantar os professores no nosso delicioso Viverzinho e agora já está sendo ex-tremamente notado por todo o ensino fundamental do Colégio Viver.

As coisas que ele me fala, têm me deixado encantado a tal ponto, de me dar forças para estar sentado aqui agora, completamente es-gotado após um dia de muito trabalho, disposto a escrever um artigo para o nosso jornal Página Aberta. A este ilustre e inteligentíssimo aluno deram o nome de Rodrigo Noffs.

Durante as nossas conversas, na grande maioria das vezes inicia-das quando me aproximo para tentar convencê-lo a voltar para a sala

AS CRIANÇAS TÊM SUPER-PODERES

de aula, acabo indo embora surpreso com a quantidade de coisas que ele foi capaz de me ensinar em uma única conversa.

Para ilustrar o que estou dizendo vou lhes contar dois dos nossos últimos diálogos.

Há alguns dias atrás fui pedir ao Rodrigo para que retornasse a sala de aula. Ele estava descalço, com a roupa toda de terra, senta-do no meio do mato ao lado da cozinha do colégio. Quando me aproximei, ao invés de responder ao meu chamado, como de costu-me, mudou o foco da conversa para um tema completamente diferente. O assunto de sua preferência, naquele momento, eram as for-migas que o cercavam. Ele me pediu para que eu as observasse. Inexperiente, pedi para que tomasse cuidado para não ser picado por uma delas. Como pude ser tão ingênuo? Rapidamente ele me explicou, muito calmo e tranqüilo, que elas o conhecem tão bem que jamais o picariam, pois estão muito familia-rizadas com a sua pessoa, inclusive ele até fala com elas, coisa que eu jamais poderia fazer, e por tanto, deveria me afastar para não assustá-las. Assim, dei dois passos para trás, enquanto ele com o dedo indicador em cima de uma das formigas me explicava que estava apenas fazendo carinho nela e, se ela saía correndo depois, era porque após rece-ber suas caricias, já sabia para onde deveria ir. Apenas para registro, ele realmente não foi picado.

Não o bastante, hoje, enquanto eu almo-çava no refeitório do colégio, sentado ao meu lado, o Rodrigo dava mais uma demonstração de como homem e natureza poderiam ter uma relação muito mais próxima, diferente da qual estamos acostumados a ver atual-mente. Ele rabiscava um mapa represen-

tando o caminho das abelhas. Enquanto desenhava ia me con-tando um episódio em que foi atacado por uma abelha má, mas reagiu rapidamente e com seus su-per poderes congelou a abelha no ar, esta imóvel, caiu e padeceu. Eu respondi a ele que jamais havia visto isso em toda mi-nha vida, e ele respondeu que foi justamente assim que aconteceu. Então, perguntei a ele se ele realmente tinha super-poderes, ele me respondeu que sim, claro.

Não muito convenci-do, perguntei se ele poderia me de-monstrar um dos seus poderes. Ele olhou para mim quieto e pensativo. Ao ver sua expres-são tristonha, como quem acabara de ser desmascarado, pen-sei ter cometido um grande erro com meu inútil desafio, que no fundo buscava apenas trazer para realidade todo o seu mundo de criatividade, encanto e fantasia. Será que é re-almente este o papel da escola? Quantas respostas negativas esta visão de mundo racional já não nos trouxe? Serve-nos de exemplo um mundo onde a ciência levou a tecnologia a limites que trouxe-ram conseqüências catastróficas para a própria vida no planeta, chegando inclu-sive a ser uma ciência irracional, um pa-

radoxo. Para minha sorte o Rodrigo foi ligeiro demonstrou como realmente possui super-poderes. Com alguns gritos, agitando o braço direito com o indicador apon-

tado para frente afastava os mosquitos que o cercavam dês do inicio de nossa conversa, possivelmente atraí-

dos pela eterna mistura de roupa e barro que o Rodrigo sempre utiliza para se cobrir. Ai então, confiante e determinado ele olhou para mim e respondeu: Ta vendo como eu possuo super-poderes? Olha

como os mosquitos se afastam quando jogo meu feitiço para cima deles!

Ele realmente conseguiu! Provou para mim e para ele, que ele possuía Super – Poderes de ver-dade!

Assim eu aprendi com o Rodrigo, que ele, assim como todas as crianças, possuem realmente super-poderes. Poderes que conseguem transformar toda realidade a sua volta em um mundo fascinante que muitos adultos não conseguem mais enxergar. Quem dera se este mundo, o nosso mundo, fosse administrado com todo este afeto, com toda esta pureza, sem a dureza e a chatice ra-cional de adultos endurecidos pelo sofrimento da vida. Talvez assim ele poderia ser transformado em algo tão maravilhoso como o mundo da imaginação destas crianças.

Não defendo aqui, de manei-ra alguma, o maniqueísmo da fi-

losofia Humanista que se mantém míope ao não enxergar além do

bem e do mal. É sempre perigoso imaginar um mundo perfeito, pois

se ele fosse possível o que não seriamos capazes de fazer para obtê-lo. Porém, acredito que podemos sim construir para os nossos des-cendentes um futuro muito melhor do que os prognósticos afirmam se não tomarmos outro rumo.

10 dezembro 2009 11

MAS E O NADA?texto: Rodrigo Barcelos

Bem, na minha vida já ouvi muitas vezes falar de algo chamado “o nada”, um lugar que não seria um lugar, e que seria só preto, ou só branco, enfim. Mas, como seria esse tal de nada? Ele teria gravidade? Oxigênio? Fim? Começo? Para mim, nunca existirá nada que possa ser chamado de nada (desculpe o trocadilho, foi acidental). Como alguém chegaria no nada? Haveria um jeito de sair de lá? Talvez a pessoa morresse ao chegar no dito nada, por isso não há como saber se ele existe. Havia uma teoria de que a terra seria “para dentro” (é a teoria da terra invertida) e, se cavássemos a crosta terrestre, acharíamos o nada absoluto. No nada, acho que sua alma ficaria no escuro, sem nada o que fazer, sem um corpo, um local totalmente desconhecido, sem algum significado. Por isso acho o nada impossível. O que você acha?

texto: Murilo

desenho: Vitor

Na sociedade preconceituosa que vivermos, os homossexuais não são olhados muito bem. São vistos por olhos preconcei-tuosos. Mas afinal, qual é o problema? Por que esse preconceito? É diferente, sim, de fato, mas porque implicar com o assunto, com tais pessoas? O que eu mais admiro neles é essa grande coragem de ser, e assu-mir a todos, sabendo que o choque que terá não será um dos melhores, mas fazem isso, pois não se importam com o que os outros pensam, e se decidem virar homossexuais é porque de fato gostam e não se atraem pelo sexo oposto.

As pessoas escolhem quem elas gostam, pois se identificam com tais e as acha atraente. Como diz a frase: “Gosto é gosto, e ninguém discute”. O direito é seu de escolher.

Eu, acho estranho um relacionamento homossexual , mas de qualquer forma, a palavra “gay” não pode ser levada como xingamento. E o que que é estranho em um relacionamento homossexual? o fato de um homem beijar um homem? ou uma mulher beijar outra mulher? É isso? Pois então, e se fosse com você ? E se fosse na sua família? Seria da mesma forma esse olhar? E qual a intenção de xingar alguém de gay? Qual é a ofensa?

H

12 dezembro 2009 13

Trocamos o telhado de caixinhas de leite por um de fibra de vegetal com betume. As paredes agora serão de plantas vivas. Já plantamos as mudas e as veremos crescere durante o ano. O chão, como

antes, é de barro batido.

VENHAM VER COMO FICOU NOSSA CASINHA!!

::filme::

OS FILMES QUE FALAM DAS COISAS INDIZÍVEIStexto: Maria Amélia

texto e diagramação: Ligia

Já que a idéia básica dessa edição era tratar das “coisas que não falamos”, resolvi falar de alguns filmes que tratam de temas incômo-dos. Fui pensando em alguns óbvios: violên-cia familiar, morte, preconceitos. E algumas cenas começaram a vir à minha mente. Lembrei de um filme francês (“Há quanto tempo que te amo”) que trata da relação entre duas irmãs, separadas por 15 anos pela prisão da irmã mais velha. Há tantos segredos, coisas não ditas por serem dema-siadamente terríveis, censuras escondidas. Durante o filme inteiro há pistas de todas as mentiras, que só no final se encaixam como em um quebra-cabeças.Não posso dizer mais nada, para não estragar a narrativa do próprio filme, mas recomendo.Relações familiares são muitas vezes cheias de segredos, coisas que preferimos não di-zer para não criar julgamentos ou mágoas entre aqueles que tanto queremos, mas que ficam como fantasmas a rondar pela casa. Outro filme, pesadíssimo, mas sensível e ex-celente, que trata do mesmo tema é o inglês “Segredos e mentiras”, cujo próprio título já justifica ele estar aqui citado.Preconceito é outro tema que deu origem a muito filme bom. De todos escolho um que foi pouco divulgado e que toca com maes-tria em um tema particularmente delicado: a identidade sexual de um menino. Trata-se de “Minha vida em cor de rosa”, história comovente sobre um garoto que pensa que é uma garota - e age como tal. Não se trata de tachá-lo de homossexual, já que ele é muito jovem (7, 8 anos). Trata-se de uma identifi-

cação total com o universo feminino – daí a referência do título. Os pais preocupam-se com a opinião dos vizinhos e não sabem o que fazer. Mas aos poucos, de alguma forma, todos vão se acostumando e aprendendo a viver com a diferença.Há diretores que falam de verdades ocultadas o tempo todo, entre os quais Bergman está bem colocado. Traições, loucura, desejos e re-pressões, culpas, tudo isso constitui a matéria básica sobre a qual o diretor sueco se debruça. Há quem não consiga aguentar seus filmes, seja pelo peso, pelo tom psicanalítico ou pelo ritmo, mas eu parti-cularmente acho que só pela fotografia e direção de atores já vale o ingresso. Depois de tanto não dizer muito para não estragar o encanto dos pró-prios filmes, fico com a sensação de que estou aqui só fazendo uma lista de títulos, e não um artigo. Mas há um filme que eu gostaria de “estragar” contando em grande parte o enredo: Paranoid Park. Trata-se de um filme de Gus van Sant sobre um menino skatista de 16 anos que se envolve em um acidente com trágicas consequências. A culpa e o medo de enfrentar as punições o fazem entrar em um mutis-mo e um isolamento sem fim. Aquela verdade, trancada dentro dele, tem um efeito corrosivo, destruidor.Há uma cena, que me abala particularmente, na qual ele quase che-ga a contar para seu pai, mas não consegue. Fiquei pensando se meu filho tivesse feito algo realmente grave, se chegaria a me contar. As coisas que não são ditas... Por mim, não me importo que ele esconda coisas, isso é apenas o normal. Mas espero que quando ele precise mesmo de falar algo para alguém, que ele possa contar comigo, sem medo.A solução dada no filme é lindíssima, de qualquer jeito: ele escreve para uma amiga, e, a pedido dela, queima a carta antes que ela leia, mas com isso a confissão está feita e ele pode refazer sua vida. Grandes ou pequenas, há várias coisas que são ou parecem muito difíceis de serem compartilhadas, discutidas, ou expressadas por palavras. Há momentos que um bom abraço “fala” mais. Porém, em geral, uma conversa franca desfaz nós e angústias com mais eficácia que simples gestos. Portanto, agradeço a todos aqueles que com sua arte dão exemplos e motivos para falarmos de coisas que normalmen-te ficam presas na nossa garganta.

14 dezembro 2009 15

::Despedidas::

Adriene, Tive uma enorme vontade de te escrever este bilhete, como se sente com o final disso tudo? Com o final do NOSSO Viver? Eu não sei, acho ótimo dar esse passo grande, é libertador, sim, mas só agora, no final do ano, percebo como deixei de aproveitar valiosíssimas coisas por pensar desse jeito, acho que se eu tivesse encarado de ver-dade o fim a coisa não seria tão ruim assim.

Ei Tinho, Sinto-me realmente mal em ter que deixar tudo isso pra traz, odeio falar dessas coisas, começo a chorar.É como se tivesse finalizado uma coisa importante na minha vida e sei que é isso. Queria ter aprovei-tado mais as coisas, tudo sabe? Ter deixado pra lá algumas discus-sões bestas e ter ganhado tempo. Eu realmente não quero encarar o fim. É mais fácil pra mim assim, sempre finjo que o problema não existe, mas quando encaro já é tarde demais. Acho q o tarde de mais já chegou, e agora não adianta mais nada, né? Sim, NOSSO viver acabou, espero que A GENTE não acabe.

Adriene, Eu também não gosto de falar dessas coisas, não sei, pega um lado meu tão não visto pelas pessoas. É, mesmo com esse sentimento de: “poderia ter feito mais”, acho que esse 9º ano foi melhor do que eu imaginava, usamos a particularidade de cada um para podermos mudar, juntos, o que queríamos, as meninas no futebol, o namoro na escola e acho que escrever isso é uma maneira de fingir que nada acabou, afinal, estamos aqui, onze horas da noite, trocando cartas para colocar no Página Aberta, confesso que sempre tive vontade de fazê-lo, eu iria terminar essa carta com: “Voltaremos a nos encon-trar”. Mas não quero que paremos.

Tinho, Realmente, acho que o que mais marcou esse ano foi como cada um se empenhou ao máximo pra tornar tudo diferente. Às vezes fazemos isso pra tentar tornar tudo menos inesquecível, pra marcar. Todos fazendo o gênero “estou fazendo o que me dá na telha” mas na verdade tudo tinha propósito, tudo que era aparentemente confuso fazia sentido. Nossas revoluções... Acho que atingimos nossa meta. Conseguimos! Marcamos cada fato, tornando tudo tão mágico... tão... único. Começo a encarar os fatos, não me sinto bem admitin-do que isso realmente acabou, nem gosto de admitir que preferia que nada disso estivesse acontecendo, mas é necessário, como você disse “é libertador”, uma liberdade que tenho medo de enfrentar. Devo parar com exageros né? Afinal não tenho motivos não é? Vamos voltar a nos ver, ou melhor, não vamos parar de se ver. Acredito nisso, preciso acreditar nisso.

Adriene, o tempo é curto, amanha tenho que entregar todas as minhas coisas do Pá-gina Aberta à Dani, podemos conversar outra hora, ok? Beijos

Troca de bilhetes entre Vitor e Adriene, alunos do 9º ano

desenho: Vitor

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tirinhaVitor