tcc terena vivencias da terra - permacultura

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UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Artes/SP & UMAPAZ Universidade Aberta do Meio Ambiente e da Cultura de Paz TERENA ZAMARIOLLI CORADI Vivências da Terra: integrando arte e permacultura na formação do ser para o novo paradigma São Paulo 2011

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Page 1: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Artes/SP

& UMAPAZ – Universidade Aberta do Meio Ambiente

e da Cultura de Paz

TERENA ZAMARIOLLI CORADI

Vivências da Terra:

integrando arte e permacultura na formação do ser para o novo paradigma

São Paulo

2011

Page 2: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

2

TERENA ZAMARIOLLI CORADI

Vivências da Terra:

integrando arte e permacultura na formação do ser para o novo paradigma

Monografia apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Artes do Instituto de Artes da UNESP - Universidade

Estadual Paulista e da UMAPAZ - Universidade Aberta do

Meio Ambiente e da Cultura de Paz como exigência

parcial para obtenção do título de especialista em

Ecologia, Arte e Sustentabilidade.

Orientadora: Prof.ª Mestre Regina Chiesa

São Paulo

Page 3: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

3

Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do

Instituto de Artes da UNESP

C787v

Coradi, Terena Zamariolli, 1986-

Vivências da terra : integrando arte e permacultura na formação do ser para o novo paradigma / Terena Zamariolli Coradi. São Paulo : [s.n.], 2011.

61 f. : il. Orientadora: Regina Fiorezzi Chiesa. Monografia (Lato Sensu em Ecologia, Arte e Sustentabilidade)

– Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes e Universidade Aberta do Meio Ambiente e da Cultura de Paz (UMAPAZ), 2011.

1. Arte. 2. Educação. 3. Teatro e sociedade. 4. Permacultura. I.

Chiesa, Regina Fiorezzi. II.Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Universidade Aberta do Meio Ambiente e da Cultura de Paz (UMAPAZ). IV. Título.

CDD – 707

Page 4: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

4

À todos que colaboram para a construção de um mundo melhor.

Page 5: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

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AGRADECIMENTOS

Aos professores e colegas de curso pelo aprendizado e amadurecimento alcançados.

À Regina Chiesa pela cuidadosa orientação.

Aos participantes das experiências do Programa Vivências da Terra pela disponibilidade e pela oportunidade de troca.

Aos amigos que tornam o caminho mais feliz e mais leve.

Aos meus pais pela presença e compreensão.

Ao meu companheiro de trabalho e de vida por estarmos juntos nesse caminhar.

Gratidão.

Page 6: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

6

“Perceber a Terra através da terra. Ver a semente assumir a forma

de planta e a planta forma de alimento, o alimento que nos dá vida.

Ensina-nos a paciência e o manuseio cuidadoso da terra entre o

semear e o colher. Aprender que as coisas não nascem prontas.

Precisam ser cultivadas, cuidadas. Aprendendo, também, que o

mundo não está pronto, está se fazendo, está nos fazendo; que sua

construção exige persistência, paciência esperançosa da semente

que, em algum momento, será broto e será flor e será fruto.”

Moacir Gadotti

Page 7: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

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RESUMO

O objetivo da presente pesquisa é investigar as relações, conexões e diálogos entre Arte e Permacultura na formação do ser para o novo paradigma, tendo como estudo prático as experiências do Programa Vivências da Terra. Este programa integra Permacultura e Teatro Social em contextos educativos e tem como intuito propiciar o despertar da consciência ecológica e criativa, e fomentar práticas que integrem as pessoas e o meio ambiente, tendo como base a ética da Permacultura do cuidado com a Terra, cuidado com as pessoas e partilha justa. Desta forma serão abordados o contexto e a visão de mundo do paradigma atual, assim como os princípios e valores necessários para a construção de um novo paradigma. Por desempenhar um papel fundamental na transição entre um paradigma e outro, o tema educação será desenvolvido. O estudo de algumas experiências educativas será usado como referência. Ao reconhecer a inter-relação e a interdependência de toda a Teia da Vida, amplia-se a visão de mundo e assume-se o compromisso ético com a vida e com a sua sustentação. Ao contemplar um olhar mais integral para o ser humano e para o processo educativo, compreendendo que este precisa estar fortemente vinculado ao contexto local e, ao mesmo tempo, à dimensão global, e que a relação entre teoria e prática, pensamento e corpo, forma e conteúdo, pode ser dialógica e não dicotômica, o processo educativo assume uma perspectiva mais ampla. Neste contexto a integração entre Arte e a Permacultura surge como uma possibilidade para um processo educativo que aborde a relação dialógica citada acima, e que contemple as dimensões intelectual, emocional, física, social, criativa, ética e espiritual do ser humano, assumindo um comprometimento ético com a vida. Assim o potencial criativo e transformador da Arte, a ética e os princípios da Permacultura são analisados. Por fim a análise de experiências práticas do Programa Vivências da Terra fomenta a reflexão e aponta alguns caminhos possíveis para uma formação integral que visa à construção do novo paradigma.

Palavras chaves: Arte. Educação. Teatro e Sociedade. Permacultura.

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ABSTRACT

This research investigate the relationships, connections and dialogues between Art and Permaculture on educations programs for the new paradigm era, with practical studies around the “Earth Experiences Program”. Based on the Permaculture ethics of caring of earth, beware of people and fair share, this program integrates Permaculture and Social Theatre in educational settings with the intention of promote the awakening of the creative and environmental awareness and promote practices that integrate people and environment. By this way will related the current worldview and paradigm, as well as the principles and values needed for the new paradigm construction. During this transition time between paradigms, the education subject has an important capacity to connect them, so this subject will be the focus in this research. The study of some educational experiences will be used as references. Recognizing the interrelationship and interdependence of all species in the Web of Life, it broadens the worldview and becomes the ethical commitment to life and with your support. When contemplating a more integral to the human being and to the educational process, understanding that this needs to be strongly linked to the local context and at the same time, the global dimension, and that the relationship between theory and practice, thought and body shape and content can be dialogical rather than dichotomous, the educational process takes a broader perspective. In this context the integration of Permaculture and Art emerges a possibility for an educational process that addresses the dialogical relationship mentioned above and including the intellectual, emotional, physical, social, creative, ethical and spiritual human being, assuming an ethical commitment with life. So creative and transformative potential of art, ethics and principles of Permaculture are analyzed. Finally the analysis of practical experiences of the Earth Experiences Program fosters reflection and suggests some possible paths for a comprehensive training that aims to build the new paradigm.

Keywords: Arts. Education. Theatre and Society. Permaculture.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ----------------------------------------------------------------------------- 10

1 PARADIGMA

1.1 Contexto e paradigma atual ------------------------------------------------------------ 13

1.2 Novo paradigma --------------------------------------------------------------------------- 16

1.3 Papel da educação ----------------------------------------------------------------------- 22

2 ARTE

2.1 Contribuições da arte para a formação do ser ------------------------------------ 25

2.2 Potencial Criador -------------------------------------------------------------------------- 26

2.3 Potencial Transformador ---------------------------------------------------------------- 28

3 PERMACULTURA

3.1 Uma cultura permanente ---------------------------------------------------------------- 31

3.2 A ética do cuidado ------------------------------------------------------------------------ 32

3.3 Os Princípios ------------------------------------------------------------------------------- 33

3.4 A Flor da Permacultura ------------------------------------------------------------------ 36

4 VIVÊNCIAS DA TERRA

4.1 Construindo o caminho ------------------------------------------------------------------ 38

4.2 Pedagogia da Integração --------------------------------------------------------------- 46

4.3 Programa Vivências da Terra ---------------------------------------------------------- 48

4.4 Experiência e análise --------------------------------------------------------------------- 50

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ------------------------------------------------------------ 57

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ------------------------------------------------- 59

Page 10: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

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INTRODUÇÃO

O percurso que levou ao encontro e integração da Arte e Permacultura em

processos educativos teve seu início com o Teatro. A palavra Teatro, do grego

theatron, significa “lugar de onde se vê”. Onde o público pode ver a representação

da vida. E onde o artista pode ver e compreender o Homem através da experiência

de vivenciar várias vidas.

Esta experiência artística possibilitou a ampliação da percepção, tanto a nível

individual e subjetivo, quanto a nível coletivo. O processo de autoconhecimento, de

perceber-se enquanto um ser criador e criativo e de descobrir a própria

expressividade, constituiu a base para a percepção do eu. O olhar sensível que ao

mesmo tempo percebe a poesia e é capaz de se colocar distante e observar o

mundo com certo estranhamento levou ao reconhecimento do outro, do que é

diferente de nós, e propiciou uma análise crítica do contexto histórico e social. Esse

processo, ao ampliar a percepção do “eu” e do “nós” trouxe uma ampliação da visão

de mundo.

Ao ampliar a visão de mundo a trajetória foi então conduzida para um diálogo

com a Educação, com o interesse em compreender o processo educativo também

como um processo criativo, ao mesmo tempo de autoconhecimento e de

conhecimento do mundo.

Os pontos de encontros entre a Arte e a Educação foram muitos. O diálogo foi

intenso e produtivo, e a parceria se estabeleceu na busca de processos educativos e

criativos que partissem do interesse dos educandos e fomentassem autonomia e

liberdade, tanto no contexto individual, quanto no coletivo. Neste momento deu-se o

encontro com a Educação Democrática, tema que será abordado mais

cuidadosamente no capítulo quatro.

Assim surgiu a necessidade de ampliar o olhar para as dimensões que

envolvem a formação do ser. Uma percepção mais holística e integral levou a

Page 11: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

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compreensão de que um processo educativo envolve as dimensões: intelectual,

emocional, física, social, criativa, ética e espiritual.

Fez-se necessário então ampliar o conceito de educação para além dos

muros das escolas e das grades do currículo, ampliando com isso o olhar para os

espaços e os tempos em que o processo educativo se constrói. Neste momento, o

conceito de Bairro-escola, que será abordado mais especificamente no capítulo

quatro, e principalmente a experiência prática do trabalho com crianças no bairro da

Vila Madalena1, zona oeste de São Paulo, trouxeram muitas reflexões, ampliando e

enriquecendo a discussão.

Esta percepção mais ampla do ser e da vida levou ao questionamento da

relação que o Homem tem estabelecido com a natureza, assim o tema da

sustentabilidade e da visão sistêmica de mundo fez-se presente. A trajetória nesse

momento deparou-se com a Permacultura.

A palavra Permacultura vem da ideia de uma cultura de permanência, ou seja,

uma abordagem que busca soluções sustentáveis para as principais necessidades

humanas, visando a integrar o homem ao meio ambiente, sem comprometer as

futuras gerações. Uma grande flor que integra diferentes áreas através de princípios

e de uma ética simples e bastante profunda: cuidar das pessoas, cuidar da Terra e

realizar uma partilha justa. Segundo Bill Mollison (1998, p.5), um dos criadores da

Permacultura, esta ética “permeia todos os aspectos dos sistemas ambientais,

comunitários, econômicos e sociais”.

Esta visão mais ampla proporcionou um novo olhar para o teatro, com a

descoberta do seu enfoque social. Assim o Teatro Social, inspirado no Teatro do

Oprimido de Augusto Boal, apresentou-se enquanto possibilidade para conhecer,

interagir e transformar a sociedade com poesia e beleza, resgatando a dimensão do

sonho e apontando caminhos para sua concretização. A perspectiva do teatro

enquanto “meio de conhecimento e transformação da realidade interior, relacional e

social” (VANZAN, 2008, p. 31) fez-se presente, redesenhando novos caminhos.

1 Projeto Escola na Praça ,da Associação Cidade Escola Aprendiz, tem como proposta pedagógica os conceitos

de Bairro-escola e Trilha Educativa. Para maiores informações ver: ASSOCIAÇÃO CIDADE ESCOLA

APRENDIZ. Bairro-escola passo a passo. São Paulo, 2007

Page 12: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

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A integração fez-se então uma necessidade. Assim surgiu o programa

Vivências da Terra - em parceria com Felipe Pinheiro, engenheiro civil e permacultor

- que tem como objetivo integrar permacultura e arte em processos educativos que

visam à formação do ser para o novo paradigma.

Assim o objetivo da presente pesquisa é desta forma definido: investigar as

relações, conexões e diálogos possíveis entre Arte e Permacultura na formação do

ser para o novo paradigma, tendo como estudo prático as experiências do Programa

Vivências da Terra.

O primeiro capítulo abordará a questão do paradigma atual, do novo

paradigma e o papel da Educação nesta transição.

O segundo capítulo terá como tema central a Arte, trazendo a perspectiva do

seu potencial criador e transformador.

O terceiro capítulo abordará o tema Permacultura, ética e princípios.

O quarto capítulo trará uma análise da proposta metodológica do Programa

Vivências da Terra, com uma pesquisa bibliográfica sobre Educação.

Page 13: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

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1. PARADIGMA

1.1 Contexto e paradigma atual

A nossa é uma Sociedade de Crescimento Industrial. Sua economia depende do consumo sempre crescente de recursos. Para manter seus motores funcionando, a Terra é a um só tempo seu depósito de suprimentos e seu esgoto (MACY; BROWN, 2004, p. 29-30)

A partir do pensamento de Macy e de Brown de uma sociedade de

crescimento industrial, na qual a Terra é o depósito de suprimentos e o esgoto, será

feita uma análise do paradigma atual, ou seja, da ideia central que reúne em torno

de si valores, modelos e padrões que estruturam a sociedade atualmente.

A primeira análise que se faz é que esta estrutura é bastante frágil, na

medida em que a relação que se estabelece como esgoto, ou seja, como lugar para

onde vão os resíduos, prejudica a relação que se estabelece como depósito de

suprimentos, uma vez que há a contaminação dos recursos naturais.

Numa segunda análise pode-se refletir sobre a visão do planeta Terra

apenas como depósito de suprimentos. Tratar a Terra como um depósito que não

necessita de cuidados, que pode ser explorada infinitamente, que não é digna de

respeito, que existe unicamente para a satisfação humana, evidencia uma visão de

mundo na qual o ser humano coloca-se acima de todos os outros seres, como um

ser aparte, e com mais direitos sobre a natureza.

Já a perspectiva da Terra como esgoto, destino de resíduos, de

agrotóxicos, de materiais contaminados ou que demoram séculos para se decompor,

revela uma visão imediatista, na qual não existe a preocupação com as gerações

futuras.

Por fim, a análise desta sociedade como sendo de crescimento industrial,

evidencia a dependência da produção, assim como da utilização dos recursos

naturais, numa escala sempre crescente. Baseada no consumo desta produção, a

relação estabelece-se visando ao lucro, que muitas vezes está ancorado na

exploração irresponsável dos recursos naturais e da mão-de-obra. Portanto, nenhum

Page 14: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

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ser vivo, nem mesmo o próprio homem, é respeitado nesse processo. Isso revela

que este modo de funcionamento está baseado na desigualdade - é preciso que

exista o explorador e o explorado, o opressor e o oprimido.

E a situação chegou a tal ponto que:

Pela primeira vez na história da humanidade – não por efeito de armas nucleares, mas pelo descontrole da produção industrial (o veneno radioativo plutônio 239 tem um tempo de degradação de 24 mil anos)-, podemos destruir toda a vida do planeta (GADOTTI, 2000, p. 31)

Para se ter um exemplo do tamanho da crise socioambiental que enfrenta

a sociedade nos dias de hoje, um estudo sobre o impacto ambiental causado pelo

homem, denominado Pegada Ecológica, realizado por WWF em parceria com a

Rede Global Footprint Network, deu origem ao relatório Planeta Vivo 20062, que

revela que estão sendo utilizados cerca de 25% a mais do que o planeta dispõe de

recursos naturais, ou seja, os recursos naturais estão sendo consumidos mais

rápido do que sua capacidade de regeneração.

Este mesmo estudo aponta que só a população dos EUA tem uma

pegada ecológica que equivale ao consumo dos recursos naturais de cinco planetas

Terra. Só o modelo de consumo dos norte-americanos tem um impacto tão destrutivo

que seriam necessários cinco planetas Terra para conseguir prover os recursos

naturais utilizados. E vale observar que muitas vezes este mesmo modo de consumo

é visto como exemplo de desenvolvimento a ser seguido.

Segundo Gadotti (2000) a insustentabilidade do sistema econômico

capitalista é parte intrínseca do seu modelo de desenvolvimento. Desta forma, é um

mito a ideia de que os países subdesenvolvidos devem imitar os países

desenvolvidos, pois o subdesenvolvimento não é uma fase anterior ao

desenvolvimento, mas a consequência deste mesmo modelo.

Assim, o contexto mundial em relação às questões socioambientais está

agravando-se, e por isso, ocupando cada vez mais espaço na pauta dos assuntos

de interesse mundial.

2 Mais informações em: http://www.wwf.org.br/informacoes/bliblioteca/?4420

Page 15: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

15

Compreendendo a especificidade e importância do tema, diversas ações

têm sido realizadas a nível nacional e mundial, como a ECO 92, Agenda 21 e a

Carta da Terra.

Reconhece-se hoje que estas questões não dizem respeito apenas ao

meio ambiente, elas perpassam todos os aspectos da vida humana: educação,

saúde, economia, alimentação, moradia, lazer e cultura, e ultrapassam todas as

fronteiras.

A dimensão é mundial não por uma escolha, mas por uma percepção de

que o que acontece em um lugar reverbera em outro. A utilização dos recursos

naturais, a poluição, a destruição de florestas, a segurança alimentar, a questão da

energia, o aquecimento global são questões de caráter mundial. Nesta perspectiva

faz sentido pensar-se uma civilização e uma cidadania planetárias (GADOTTI,

2000), uma vez que se reconhece a inter-relação e a interdependência destes

fatores.

Por outro lado, a constatação da insustentabilidade desse sistema conduz à

visão de que é necessário e urgente transformar nosso modo de vida. O conjunto de

valores, modelos e padrões da sociedade atual não dá conta da complexidade das

questões enfrentadas. Visão fragmentada, desigualdade, competição, pensamento

linear, desperdício, exploração, consumismo são alguns aspectos deste paradigma

atual.

Este contexto exige da sociedade atual um posicionamento. Se é um

desejo comum desfrutar de uma vida plena no presente, garantindo o mesmo para

as gerações futuras, faz-se necessário mudar o rumo da história. Freire (1996, p. 19)

lembra que é preciso “reconhecer que somos seres condicionados mas não

determinados. Reconhecer que a História é tempo de possibilidade e não de

determinismo, que o futuro é problemático e não inexorável”.

Reconhecer o futuro como possibilidade abre caminho para se construir

uma história diferente. Ter consciência de que condicionamento não significa

determinismo abre espaço para a transformação, para o novo.

Page 16: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

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1.2 Novo paradigma

A causa-consciência ecológica talvez possa representar esse pontapé inicial de um novo projeto (paradigma) de sociedade que indique a direção e forneça a força necessária para a construção de um mundo ‘menos feio, mais justo e mais humano’, como dizia Paulo Freire. (GADOTTI, 2000, P. 32)

O momento histórico atual é um momento decisivo para a humanidade e,

portanto, exige que sejam feitas algumas escolhas importantes. A primeira delas é

como encarar este momento de crise: como uma fatalidade ou uma oportunidade?

Com desespero ou com esperança? Com medo da transformação ou com coragem

de mudar?

Se a resposta é fatalidade, desespero e medo não resta nada mais do

que ficar em casa e esperar. Mas se este momento de crise é encarado como uma

oportunidade para rever posturas e valores, se existe a confiança na vocação

ontológica do ser humano de ser mais (FREIRE, 1996), se existe a entrega à

transformação, então este momento pode ser encarado como pontapé inicial para a

construção do novo paradigma.

Entre o fim de um paradigma e o início de outro não existe um limite

estanque, há uma fase de transição na qual os dois convivem juntos. Algumas

pessoas já fizeram sua escolha e assumiram o compromisso com a mudança,

iniciando este momento de transição.

Esse movimento de mudança de paradigma começa a se desenvolver

quando têm origem as primeiras discussões sobre a questão da sustentabilidade e

do impacto ambiental; quando surgem as primeiras ecovilas (assentamentos

humanos sustentáveis); quando Bill Mollison e David Holmgren desenvolveram um

sistema de design para planejar e construir espaços humanos sustentáveis a partir

da observação dos padrões da natureza, denominado Permacultura; quando no

Equador a natureza passa a ser considerada legalmente um ser de direito; quando

se reconhece um código de ética planetário, como Carta da Terra.

Cada experiência citada acima, de acordo com seu contexto e suas

especificidades, busca vivenciar novos valores e princípios.

Page 17: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

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Mas que valores e princípios são estes?

Basicamente são aqueles que dizem respeito ao direito à vida e

representam a busca pela sua sustentação. A vida numa concepção mais ampla,

não apenas a vida humana. E não são valores e princípios “novos” porque foram

“inventados” agora, são novos porque exigem um olhar renovado, numa relação

dialógica com a história da humanidade, para compreender nesta trajetória o que é

preciso ser resgatado e o que é preciso ser superado. Neste sentido, a ética,

enquanto entendimento e responsabilidade compartilhada em relação ao direito à

vida, torna-se uma bússola importante para esta análise, que longe de ter fim,

apenas inicia os primeiros passos. Portanto, as ideias que serão abordadas a seguir

não têm o intuito de encerrar o assunto, mas ao contrário, fomentar a discussão.

Um dos princípios que estruturam este novo paradigma é a visão

sistêmica. Segundo Capra (2003, p.4): “uma das mais importantes considerações da

compreensão sistêmica da vida é a do reconhecimento que redes constituem o

padrão básico de organização de todo e qualquer sistema vivente”.

A visão de mundo do novo paradigma, portanto, é a da Teia da Vida, na

qual todos os elementos estão interconectados e são interdependentes. Segundo

Capra (2003) a rede é um padrão da vida. Não mais a estrutura hierárquica na qual

o homem ocupa o topo, mas uma relação de teia, na qual cada ponto é vital para a

manutenção da estrutura. O ser humano passa a sentir-se parte da natureza e

começa a estabelecer não mais uma relação de exploração, mas de cooperação.

Esta mudança fundamental de pensamento e de atitude leva à busca de

soluções sustentáveis para as principais necessidades humanas a partir de uma

nova lógica.

A sustentabilidade é outro princípio que estrutura este novo paradigma,

mas um conceito de sustentabilidade que:

Vai além da preservação dos recursos naturais e da viabilidade de um desenvolvimento sem agressão ao meio ambiente. Ele implica um equilíbrio do ser humano consigo mesmo e, em consequência, com o planeta (e mais ainda com o universo). A sustentabilidade que defendemos refere-se ao próprio sentido do que somos, de onde viemos e para onde vamos (...) (GADOTTI, 2000, p. 34-35)

Page 18: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

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Este sentido mais amplo do conceito de sustentabilidade insere-se não

somente no campo das ações, mas essencialmente no campo da ética. Não se trata

apenas de utilizar materiais ecológicos ou fazer construções sustentáveis, a questão

é mais profunda que isso. A pergunta que deve ser feita é qual o sentido desta ação,

o por que desta escolha. O que está em jogo é a mudança na lógica do pensamento,

não apenas nos materiais ou tecnologias utilizadas. Porque senão corre-se o risco

de:

(...) que as mudanças sejam apenas ‘cosméticas’ e não estruturais, mantendo na base a mesma estrutura de dominação – talvez até com alguns avanços práticos de liberdade, mas sem nenhuma reforma estrutural (GALLO, 1995, p. 179)

Este é um cuidado que é preciso ter - as mudanças não podem ser

superficiais, precisam ser profundas, e só representarão uma real transformação se

houver de fato uma mudança na estrutura.

E, neste sentido, a mudança precisa operar-se tanto no pensamento

quanto no corpo, na matéria. Boal (1998) afirma que ideias, emoções e

pensamentos estão indissoluvelmente entrelaçados, que um movimento corporal é

um pensamento e um pensamento também se exprime corporalmente. Vanzan

(2008) pontua que, nesta perspectiva de ser humano como globalidade de corpo,

mente e emoção, a aprendizagem-transformação envolve todos os três aspectos,

em forte relação.

Desta forma é superada a dicotomia corpo-mente, teoria-prática, forma-

conteúdo, discurso-ação. O ser humano passa a ser visto de forma integral, todas

suas dimensões encontram-se intrinsecamente relacionadas. A coerência, neste

sentido, é a bússola que direciona o caminho. E o norte desta bússola é a ética.

Quando, porém, falo da ética universal do ser humano estou falando da ética enquanto marca da natureza humana, enquanto algo absolutamente indispensável à convivência humana (...) E é no domínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a necessidade da ética e se impõe a responsabilidade. A ética se torna inevitável e sua transgressão possível é um desvalor, jamais uma virtude (FREIRE, 1996, p. 18)

Page 19: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

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É a dimensão da ética que possibilita a todos exercer a vocação

ontológica de ser mais, de se assumir enquanto um ser inacabado, um ser da busca,

que consciente desse inacabamento assume-se como sujeito no e com o mundo,

pois “o mundo não é, o mundo está sendo” (FREIRE, 1996, p.76). O ser humano

está em construção e dialogicamente construindo o mundo. Esta ética universal do

ser humano é a ética que tem como base o direito à vida e o compromisso com a

sua sustentação.

A responsabilidade com as futuras gerações, por exemplo, é

consequência da postura ética que se assume nas escolhas de hoje. Mollison e

Holmgren conseguiram sintetizar estas questões de forma clara e profunda ao

estabelecerem como ética da permacultura o cuidado com a Terra, cuidado com as

pessoas e a partilha justa. O conceito de sustentabilidade, portanto, implica acima de

tudo um comprometimento ético.

O conceito de cidadania planetária também aparece como uma das bases

deste novo pensamento.

O conceito de cidadania planetária tem a ver com a

consciência, cada vez mais necessária, de que somos todos habitantes de uma única casa, de uma única morada, de uma única nação. Temos uma identidade terrena, somos terráqueos. Assim como nós, este planeta, como organismo vivo, tem uma história. Nossa história faz parte dele. Nós não estamos no mundo; nós somos parte dele. Não viemos ao mundo; viemos do mundo. Terra somos nós e tudo o que nela vive em harmonia dinâmica, compartilhando o mesmo espaço. Temos um destino comum. (GADOTTI, 2009, p.2)

A consciência planetária traz uma dimensão maior do nível de relações

em que o ser humano está inserido enquanto habitante deste planeta. E, desta

forma, também o entendimento de que uma ação local repercute globalmente, e

vice-versa. Nesta perspectiva, a Terra aparece como um ser vivo, como parte

integrante desta teia, e não apenas como suporte para ela. Esta consciência traz

consigo uma maior responsabilidade diante do destino comum.

Page 20: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

20

Outro princípio que estrutura o novo paradigma é o reconhecimento das

várias dimensões que constituem o ser humano. A dimensão intelectual responsável

pelo pensamento lógico-racional. A dimensão emocional que envolve a capacidade

de lidar com as sensações e sentimentos. A dimensão física que representa o canal

de comunicação com o mundo, numa relação dialógica entre sentir/perceber e

expressar. A social que envolve a habilidade de se relacionar, de estar e viver em

grupo. A dimensão ética que faz a mediação da relação eu-mundo. A criativa que

representa todo o potencial de criar, em todos os aspectos da vida. E a espiritual

que busca um sentido maior para a vida, uma conexão com o todo, independente de

religião.

Esta perspectiva mais ampla do ser humano implica uma outra postura

frente ao mundo. O conhecimento, por exemplo, não é abordado apenas a partir do

viés intelectual; da mesma forma a saúde não é abordada apenas na dimensão

física. O ser humano pode ser visto também a partir de visão sistêmica, na qual

todas as suas dimensões estão interconectadas e são interdependentes. Desta

forma se faz necessário superar o pensamento linear e a fragmentação na busca por

uma abordagem mais transdisciplinar.

Outro principio importante deste novo paradigma diz respeito à liberdade

e autonomia. E é preciso não confundir liberdade com licença, nem autoridade com

autoritarismo, confusões muitas vezes realizadas quando se aborda o assunto.

A liberdade precisa ser entendida em sentido coletivo (GALLO, 1995), ou

seja, a liberdade precisa ser compartilhada. Não é possível falar em liberdade

quando há opressão, e sempre há opressão quando existe uma ação que impede ou

inibe a vocação do outro de ser mais. Neste sentido a liberdade não está dada, ela é

conquistada, construída. Está fortemente vincula à ética e à responsabilidade. “O

educando que exercita sua liberdade ficará tão mais livre quanto mais eticamente vá

assumindo a responsabilidade de suas ações” (FREIRE, 1996, p. 93).

Da mesma forma se dá com a autonomia. Não se nasce autônomo, mas

se constrói a autonomia. “Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir”

(FREIRE, 1996, p. 107). Ou seja, é preciso assumir a autonomia como um processo,

como uma conquista, da qual a autoridade, e não o autoritarismo, faz parte.

Page 21: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

21

E é preciso pensar a liberdade e a autonomia tanto a nível individual

quanto a nível coletivo. Nesta perspectiva quando se pensa a gestão de um grupo

ou instituição, por exemplo, não é possível seguir o sistema hierárquico e

fragmentado de antes, é preciso criar uma gestão compartilhada, participativa, com

liderança circular, de forma que todos que participam do processo possam

reconhecer-se e responsabilizar-se por ele. A visão sistêmica possibilita esse olhar

para a rede, para uma atuação em rede, tanto dentro de um mesmo grupo, quanto

na articulação de diversos coletivos.

Em relação aos valores do novo paradigma faz-se necessário pensar

naqueles que são fundamentais para que se consiga seguir os princípios citados

acima, com base na garantia da vida, em seu sentido mais amplo, e da sua

sustentação. Como a temática de valores é muito extensa, e não é este o foco desta

pesquisa, optou-se por citar apenas os que neste contexto foram considerados

fundamentais. O objetivo não é encerrar a questão, uma vez que se reconhece que

a construção de um novo paradigma é algo bastante complexo e que está em

permanente processo de recriação.

A cultura de paz é um dos valores centrais do novo paradigma. Ela traz

consigo o valor da não violência e do respeito, em todos os seus aspectos e

pensando em toda Teia da Vida. Entre os homens há a valorização do diálogo como

principal forma de resolver divergências. E o respeito aparece também como uma

forma de cuidado.

Outro valor base para esta nova forma de encarar a vida é a valorização

da diversidade, tanto biológica quanto cultural, como algo necessário para a

sustentação da vida. A cooperação e a solidariedade aparecem como valores que

fortalecem as relações nessa sustentação conjunta. A responsabilidade, nesta

perspectiva, é compartilhada.

A busca pela harmonia orienta as ações e posturas; a humildade nos faz

reconhecer nosso justo valor; a compaixão permite sentir com o outro; a gratidão

reconecta a teia da vida e valoriza cada um de seus pontos; a alegria traz a leveza e

o prazer; e o amor o sentido maior da jornada neste planeta.

Page 22: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

22

1.3 O papel da educação

Uma vez que se tem consciência de onde se está e clareza de onde se

quer chegar, é necessário trilhar o caminho. E neste caminho a educação

desempenha um papel fundamental, tanto em relação ao entendimento da

complexidade que envolve a questão ambiental e social que se vive hoje, quanto em

relação ao fortalecimento de novos hábitos e valores para a construção de um novo

paradigma.

Desta forma é preciso refletir sobre os processos educativos, investigar

como é a relação educador-educando, como é desenvolvido o conhecimento, como

são trabalhados os valores. Para tal será utilizado como referência o pensamento de

Paulo Freire. Segundo ele, é preciso reconhecer que conceito de homem e de

mundo revela a ação educativa, pois “não pode existir uma teoria pedagógica, que

implica em fins e meios da ação educativa, que esteja isenta de um conceito de

homem e de mundo. Não há, nesse sentido, uma educação neutra” (FREIRE, 1974,

p.7).

Paulo Freire evidencia a intencionalidade do ato de educar, pontuando a

responsabilidade inerente a tal ação. Se todo processo educativo expressa uma

visão de homem e de um mundo, representa, portanto, um ato político e neste

sentido não existe neutralidade.

Nesta perspectiva Freire (1974) identifica dois movimentos distintos em

relação à educação: formar para a adaptação ou para a transformação do mundo.

Ao primeiro grupo ele dá o nome de “educação bancária”, que é baseada em uma

postura depositária de informações, na qual o educador ocupa o lugar central, como

sujeito da ação, e cabe aos alunos, como objetos da ação, somente a acumulação e

reprodução das informações.

Nesta concepção o saber é uma doação, e não um processo de busca e

construção. E isso incentiva à passividade por parte dos alunos, uma vez que eles

não participam como sujeitos do processo educativo. Também não existe uma

análise crítica das informações, nem espaço para a criatividade. A consequencia

deste tipo de educação é a manutenção da sociedade tal qual ela se encontra.

Page 23: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

23

(FREIRE, 2005).

Ao segundo grupo ele chama de educação progressista, libertadora ou

problematizadora, na qual existe o entendimento de que formar é muito mais do que

puramente treinar. Nesta perspectiva educar não é transferir conhecimento, do

sujeito para o objeto, mas criar possibilidades para que educador e educando, como

sujeitos, atuem juntos na sua construção.

Este segundo movimento será analisado mais detidamente para que se

entendam as contribuições deste pensamento para a formação do ser para o novo

paradigma, visto que a “educação bancária” tem como finalidade a reprodução dos

valores, padrões e modelos da sociedade atual, reconhecidamente insustentáveis

uma vez que ameaçam a vida de todos os seres que habitam a Terra, incluindo o

próprio homem.

O processo educativo, na perspectiva problematizadora, se constrói de

forma dialógica, educador e educando são parceiros no processo pedagógico e

compreendem que ensinar e aprender são ações que cabem a ambos. O

conhecimento tem forte vínculo com a realidade do educando. O saber de

experiência feito (FREIRE, 1996) é valorizado, ou seja, a experiência e o saber do

educando são reconhecidos. O processo educativo parte do que Freire chama de

curiosidade ingênua ou espontânea para curiosidade epistemológica, de um saber

mais superficial para um saber aprofundado e crítico.

Segundo Freire (1996) a leitura do mundo precede a leitura da palavra,

desta forma a ação de aprender um conteúdo não pode estar desvinculada de uma

leitura crítica da realidade. O processo educativo não pode se constituir à parte da

realidade, ele deve, ao contrário, estabelecer uma relação dialógica com ela, de

reflexão, questionando e transformação.

A visão de homem como um ser histórico, social, biológico e cultural traz

uma compreensão de que a realidade que se vive agora é uma construção e não

uma fatalidade, portanto esta realidade pode ser questionada e, principalmente,

transformada. Freire aponta ainda a importância do processo de conscientização,

tanto individual quanto social, como base para a transformação da realidade,

juntamente com o que ele denomina ética universal do ser humano, algo

Page 24: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

24

absolutamente indispensável à convivência humana (FREIRE, 1996).

Segundo Freire (1996, p.17) “não podemos nos assumir como sujeitos da

procura, da decisão, da ruptura, da opção, como sujeitos históricos,

transformadores, a não ser assumindo-nos como sujeitos éticos”.

Freire coloca a ética como ponto fundamental da relação do ser para

consigo mesmo e para com o mundo. É o compromisso que se assume na

construção do mundo, da História.

A vocação ontológica do ser humano para ser mais, ou seja, a disposição

natural e inerente para transcender, superando condicionamentos e limitações, nos

faz seres da procura, da busca. É a consciência da nossa incompletude que nos faz

buscar o conhecimento (FREIRE, 1996).

E somente a liberdade proporciona o desenvolvimento da vocação

ontológica do ser humano para ser mais. Toda ação que impede ou inibe esta

vocação é considerada uma opressão, que, portanto, nega a visão do ser humano

enquanto o ser da procura, da opção. Neste sentido esta é uma pedagogia da

autonomia e da liberdade e, portanto “tem que estar centrada em experiências

estimuladoras da decisão e da responsabilidade” (FREIRE, 1996, p. 107).

Assim uma educação que tenha por objetivo a transformação da realidade

precisa estar pautada no profundo respeito ao educando, na construção

compartilhada de um conhecimento vinculado à realidade, na experiência prática da

autonomia e da liberdade, e no testemunho ético.

Page 25: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

25

2. ARTE

2.1 Contribuições da arte para a formação do ser

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Me ajuda a olhar! (GALEANO, 2009, p. 15)

O texto acima leva o título de “A função da arte”. Galeno, desta forma, associa

a arte com o olhar. Não apenas com o ato de enxergar, mas, sobretudo com a

capacidade sentir, compreender e se encantar diante da beleza. A arte função da

arte neste sentido é ajudar as pessoas a olharem.

A arte pode contribuir de muitas formas para formação do ser, mas uma das

principais contribuições, sem dúvida, diz respeito ao olhar. O olhar pra si e o olhar

para o mundo. Num processo constante de ampliação da percepção e visão de

mundo, desenvolvendo o olhar crítico e também o olhar poético. Realizando um

processo de autoconhecimento e de conhecimento do mundo, numa relação

dialógica entre o dentro e fora.

Apropriar-se de diferentes linguagens artísticas é, neste sentido, ampliar o

repertório de expressão e comunicação, e assim adquirir melhores condições para

ler e interpretar os fatos que acontecem no mundo interno e externo.

Outra contribuição tão importante quanto a do olhar diz respeito ao despertar

do potencial criativo e transformador do ser. Processo este que conduz a

conscientização e ao empoderamento, tanto num nível individual e subjetivo, quanto

numa dimensão coletiva e global.

Page 26: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

26

2.2 O potencial criador

Ostrower (2009, p.5) considera “a criatividade um potencial inerente ao

homem, e a realização desse potencial uma de suas necessidades”.

Ao afirmar que a realização do potencial criativo é uma necessidade

humana, Ostrower amplia a noção de criatividade, tirando-a de um campo quase

onírico, para trazê-la para a concretude de potencial inerente ao homem. Desta

forma não são apenas os artistas que possuem criatividade, todos os seres

humanos a possuem. E dar vazão a essa criatividade é uma necessidade que

homens e mulheres, de todas as idades, sentem.

Criatividade é o potencial de criar, em todos os sentidos. Ser criativo é dar

vazão a este potencial e desenvolve-lo.

Neste sentido, entende-se que a criatividade é inerente ao ser humano,

mas seu desenvolvimento, ou seja, utilizar-se deste saber de forma consciente é

uma habilidade que precisa ser desenvolvida. E o desenvolvimento de toda

habilidade exige um espaço de experimentação, de treino.

A arte pode ser vista, neste sentido, como uma das formas mais

completas para se desenvolver o potencial da criatividade, uma vez que cria

condições para a livre experimentação. Na arte o indivíduo pode permitir-se, sem a

“obrigação” do acerto. O produto artístico será sempre um resultado do processo

vivenciado, e a condução deste processo pode ser a todo instante repensada e

recriada.

Segundo Ostrower (2009) criar é uma experiência de dar forma, ou seja,

de concretizar e significar a experiência. É o momento da transição entre o mundo

das ideias e o mundo material, no qual o indivíduo exercita sua comunicação através

de diferentes linguagens: corporal, sonora, cênica e plástica. A criatividade é

justamente o desafio de traduzir uma ideia, um sentimento ou uma sensação através

de uma linguagem.

O espaço da experimentação é fundamental neste sentido, pois permite

ao individuo treinar na arte para se preparar para agir na vida.

Segundo Saviani (2004, p.49) “estudar e fazer arte estimula o individuo a

Page 27: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

27

perceber e a desenvolver uma relação mais aberta consigo mesmo, com os outros,

com a natureza e com as situações diversas que a vida lhe apresenta”. Ao pontuar a

amplitude do fazer artístico, a autora traz a dimensão das relações a nível individual

e coletivo, apresentando uma visão integral da arte.

Quando se trabalha com arte coloca-se em movimento percepções,

pensamentos, sentimentos e sensações que envolvem a relação do individuo

consigo mesmo e com o mundo. A experiência artística, neste sentido, é uma

relação dialética entre o que acontece dentro e fora, e desta forma pode ser

reveladora e transformadora de uma realidade.

Nachmanovitch (1993) diz que as formas de arte são uma porta para uma

experiência total na vida cotidiana, pois exercitam a presença, a espontaneidade e a

capacidade de improvisar. Ele lembra ainda que muitas vezes é necessário

desbloquear os obstáculos que impedem o fluxo natural da criação, e que ao invés

de se perguntar como, deve-se perguntar: “o que nos impede?” (p.21). Desta forma

o espaço da arte para a livre experimentação torna-se, além de um espaço de treino,

um espaço de investigação de bloqueios, constituindo-se também um espaço de

autoconhecimento.

Ao fazer uma criação artística o indivíduo realiza um processo de

autoconhecimento, tomando consciência de si, de seus sentimentos, sensações,

desejos e limitações, e se relaciona, ao mesmo tempo, com o outro, elaborando as

questões que envolvem seu estar no mundo.

Ao produzir e apreciar processos artísticos o indivíduo exercita seu potencial

criador. E ao tomar consciência de sua capacidade criadora, assume o seu potencial

transformador. Assim, o exercício da autonomia crítica e criativa possibilita que o

indivíduo assuma o papel de sujeito da sua própria história, e seja capaz de

estabelecer novas relações, criando novas possibilidades de resolução para as

questões enfrentadas.

Page 28: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

28

2.3 O potencial transformador

Creio que o teatro deve trazer felicidade, deve ajudar-nos a

conhecermos melhor a nós mesmos e ao nosso tempo. O nosso desejo é o de melhor conhecer o mundo que habitamos, para que possamos transformá-lo da melhor maneira. O teatro é uma forma de conhecimento e deve ser também um meio de transformar a sociedade. Pode nos ajudar a construir o futuro em vez de mansamente esperarmos por ele (BOAL, 1998, p. 11)

Augusto Boal defende a ideia de que o teatro é um meio de conhecimento

e transformação da sociedade. Entender o fazer artístico desta forma é reconhecer

que a ação da arte não está restrita somente ao campo estético e subjetivo, mas vai

além, desempenhando também um papel de transformação social.

Lançar este olhar para o fazer artístico, mais do que reconhecer o

potencial transformador da arte é reforçar a sua função social.

Saviani (1993, p. 53) pontua que “fazer arte é expressar relações, é

perceber o que elas são e como podem se transformar tanto no campo artístico

quanto na vida”.

Desta forma a arte pode ser entendida como forma de se conhecer e de

conhecer a sociedade, de se transformar e também de transformar a sociedade. A

relação dialética entre o dentro e o fora, o indivíduo e a sociedade, o eu e o mundo,

torna-se parte inerente do processo artístico. Mas neste sentido a transformação

exige mais do que a intenção, exige um engajamento social e ético, exige que o

individuo assuma sua responsabilidade perante o mundo, agindo de forma coerente.

A partir desta visão de arte, o teatro, a linguagem artística mais presente

nesta pesquisa, será analisado. E para reafirmar o engajamento em conhecer,

interagir e transformar a sociedade será utilizado o termo Teatro Social. Este termo

tem sido usado por Giulio Vanzan, artista e educador italiano, mestre em

desenvolvimento local, que tem realizado alguns cursos no Brasil.

O Teatro Social tem grande inspiração do Teatro do Oprimido,

desenvolvido por Augusto Boal. Entretanto a ideia não é apenas reproduzir estas

técnicas, mas a partir delas dialogar com outras referências artísticas e pedagógicas.

No caso de Vanzan técnicas de mimo e de máscara.

Page 29: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

29

O Teatro do Oprimido foi desenvolvido a partir da década de 60,

primeiramente no Brasil, e depois na Europa. A opressão, neste sentido, é entendida

a partir da pedagogia do oprimido de Paulo Freire, e significa toda ação que impede

ou inibe a vocação ontológica do homem de ser mais.

Da mesma forma que na pedagogia do oprimido o processo de

conscientização se faz necessário, é preciso primeiramente reconhecer quais são as

opressões vivenciadas no dia-a-dia e refletir sobre sua dimensão histórica, social e

cultural. A diferença é que esta reflexão acontece em cena, através da linguagem

teatral.

Segundo Boal (1998) a intenção é tornar o espectador protagonista da

ação, pois ao agir em cena ele se prepara para agir na vida e transformar as

situações de opressão.

O Teatro do Oprimido ou o Teatro Social, desta forma, não tem um fim em

si mesmo, mas fazem parte de um processo maior que visa à transformação pessoal

e social.

Segundo Vanzan (2008) não importa que a ação seja feita numa cena

teatral, o importante é que seja ação, pois assim o espectador adquire ferramentas

para se tornar protagonista da sua própria vida.

Boal (1998) tem uma concepção integral do ser humano e compreende

que ideias, emoções e pensamentos estão indissoluvelmente entrelaçados. A

relação entre razão e emoção, ação e pensamento, é dialética. Assim torna-se muito

importante o processo de experienciar e refletir, trazendo para a consciência o

aprendizado realizado.

Para ele muitas vezes o ser humano age de forma condicionada, sendo

necessário por isso um processo de desmecanização para desconstruir máscaras

sociais, padrões e hábitos arraigados e muitas vezes inconscientes. Como corpo e

mente estão intrinsecamente relacionados, o trabalho com o corpo reflete na mente.

Desta forma o processo de desmecanização coloca em movimento todos os

sentidos, estimulando a atenção ao momento presente e ampliando a percepção. É

preciso olhar o que se vê, escutar o que se ouve e sentir o que se toca, pois muitas

vezes essas ações são realizadas de forma tão mecanizada que não é possível

Page 30: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

30

descrever, por exemplo, os detalhes de um trajeto feito a pé ou a textura do alimento

comido minutos antes. Os jogos de desmecanização são muito importantes pois ao

desconstruir certos padrões corporais e mentais, cria-se espaço para o novo.

Através do teatro é possível trabalhar emoções e conflitos de maneira

lúdica, vivenciando diferentes situações e personagens, compreendendo assim os

diferentes pontos de vista.

Uma das diferenças fundamentais do Teatro do Oprimido para o Teatro

Social é que o primeiro trabalha a partir das opressões e o segundo trabalha

também a dimensão do sonho. Ou seja, o primeiro busca a libertação a partir da

compreensão dos mecanismos de opressão que se operam, e é vivenciando estes

mecanismos que se encontram as possibilidades de libertação. Já o segundo

acredita que é possível alcançar a libertação também através do sonho, do que se

deseja como ideal, pois ao acessar em si, através do corpo, da mente, da intuição e

das emoções, a mudança desejada o indivíduo consegue ter clareza de onde quer

chegar e de qual é o caminho. Acessar este estado e registrar esta sensação auxilia

o processo de transformação.

Page 31: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

31

3. PERMACULTURA

3.1 Uma cultura permanente

O termo permacultura surgiu no início da década de 1970 na Austrália.

Segundo Mollison (1998, p.5) “a filosofia por trás da permacultura visa trabalhar com

a natureza, e não contra esta. É um trabalho de observação do mundo natural, com

conclusões transferidas para o ambiente planejado”.

Bill Mollison, na época professor universitário, e David Holmgren, seu

aluno, a partir da observação dos padrões da natureza desenvolveram juntos um

sistema de planejamento de assentamentos humanos visando à integração

harmoniosa das pessoas e do meio ambiente, com o objetivo de prover alimento,

energia, abrigo e outras necessidades, materiais ou não, de forma sustentável

(MOLLISON, 1998).

Eles observaram que existem padrões de funcionamento que se repetem

na natureza como, por exemplo, o dendrítico que tem como função a distribuição e

aparece tanto nos galhos das árvores quando nas veias do ser humano, ou ainda o

padrão de crescimento em espiral que se observa no caracol. Perceberam assim

que existem padrões que são mais eficientes, tanto em gasto de energia quanto em

resistência, e que revelam um equilíbrio dentro dos ciclos naturais. Então, a partir da

observação dos padrões da natureza, buscaram reproduzir nos assentamentos

humanos a diversidade, estabilidade e resistência de ecossistemas naturais, de

forma a cooperar com a natureza, trabalhando a seu favor e otimizando o uso da

energia.

Esta observação cuidadosa da natureza aliada ao diálogo entre a

sabedoria dos povos ancestrais e o conhecimento científico e tecnológico atual

constitui a base em que se estrutura a permacultura.

Esta reflexão entre o que precisa ser resgatado e o que pode ser

transformado ou otimizado fez com que a permacultura desenvolvesse uma

abordagem bastante ampla.

Page 32: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

32

A ideia de uma agricultura permanente que possibilitasse a

autossuficiência alimentar foi o ponto disparador do processo. Entretanto a

complexidade da questão fez com que o olhar se ampliasse-se para a perspectiva

de uma cultura permanente, ou seja, um conjunto de elementos fundamentais para a

sustentação da vida englobando os aspectos ambientais, comunitários, econômicos

e sociais.

Desta forma a permacultura se estabelece como um sistema de

planejamento que visa a um modo de vida sustentável e se realiza-se através da

observação da natureza, integração de seus elementos, resgate da cultura dos

povos tradicionais num processo de diálogo e recriação a partir dos conhecimentos

atuais, que abrange aspectos ambientais, econômicos e sociais e é orientado por

uma ética e princípios específicos.

3.2 A ética do cuidado

De acordo com Holmgren (2002, p.7) “o processo de prover as

necessidades das pessoas dentro de limites ecológicos requer uma revolução

cultural”.

Uma mudança cultural representa, sobretudo, uma mudança de valores.

E se esta mudança tem como base os limites ecológicos, ou seja, o respeito ao

tempo de regeneração dos recursos naturais, estes valores devem ser coerentes

com esta visão. Neste sentido, a ética que orienta a mudança de hábito e a

construção de valores é o ponto chave do processo de transformação social.

A ética que orienta a permacultura é o cuidado com a Terra, cuidado com

as pessoas e partilha justa. Este é o eixo que orienta o pensamento e todas as

práticas.

O cuidado com a Terra diz respeito ao cuidado com a água, solo,

atmosfera, fauna, flora, biomas, enfim tudo que faz parte deste planeta. A Terra,

nesta perspectiva, é vista ao mesmo tempo como o conjunto de tudo que a compõe

Page 33: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

33

e como um ser vivo que também precisa de cuidado. Ações de preservação,

reflorestamento, valorização da biodiversidade e fechamento dos ciclos para não

gerar resíduos são alguns exemplos desse cuidado.

Embora o ser humano também faça parte da Terra, a ética do cuidado

com as pessoas reforça a importância de cuidar das relações humanas nesta

construção de um modo de vida sustentável. Os seres humanos são um ponto

fundamental deste processo tanto pela sua capacidade de destruição quanto pela

capacidade de transformação. Faz-se necessário pensar nas necessidades básicas

de alimentação, abrigo, educação, trabalho e contato humano de modo a supri-las

com o menor impacto negativo possível, numa relação de respeito e cooperação,

levando em conta as futuras gerações.

A partilha justa diz respeito à redistribuição do excedente e o

estabelecimento de limites para o consumo. (HOLMGREN, 2002). Representa

também a contribuição do excedente de tempo, dinheiro e energia de cada um para

se alcançar os objetivos do cuidado com a Terra e com as pessoas (MOLISON,

1998). Os valores da cooperação e da solidariedade orientam a partilha de modo

que todos os seres tenham suas necessidades satisfeitas.

A ética da permacultura, de maneira geral, é a ética do respeito à vida.

Tudo que compõe a teia da vida tem valor intrínseco e merece cuidado. A lei da

natureza é do equilíbrio e da harmonia.

3.3 Os princípios

A ideia por trás dos princípios da permacultura é que princípios gerais podem ser derivados do estudo do mundo natural e das sociedades sustentáveis da era pré-industrial, e que esses princípios serão aplicáveis de forma universal de modo a apressar o desenvolvimento do uso sustentável da terra e dos recursos, seja num contexto de abundância ecológica e material ou em um contexto de escassez. (HOLMGREN, 2002, p. 7)

Page 34: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

34

Segundo Holmgren a permacultura baseia-se em princípios gerais que

podem ser aplicados em diferentes contextos. Estes princípios são frutos da

observação tanto do funcionamento da natureza quanto da dinâmica de vida de

sociedades sustentáveis anteriores ao período da revolução industrial, quando a

escala de consumo dos recursos naturais e da produção aumentou num ritmo

acelerado e insustentável.

Estes princípios são utilizados com o intuito de gerar ou manter a

abundância dos recursos naturais, ou seja, criar condições para que a geração atual

e as próximas gerações possam usufruir positivamente destes recursos.

Segundo Mollison (1998), um projeto permacultural tem dois movimentos

distintos: um diz respeito aos princípios que podem ser adotados em qualquer clima

ou condição cultural, e o outro, mais associado às técnicas e práticas, pode variar de

acordo com o contexto.

Dentre os princípios que podem ser aplicados em diferentes contextos,

existe uma diferença de abordagem entre Mollison e Holmgren. Mollison tem uma

abordagem mais objetiva ligada ao planejamento e Holmgren apresenta uma visão

mais subjetiva que integra diferentes áreas do conhecimento. Estas diferentes visões

não estão em contradição, pelo contrário, são complementares.

De acordo com Mollison são nove os princípios:

1) Localização relativa – cada elemento (casa, tanque, estrada..) é posicionado em relação a outro, de forma que auxiliem-se mutuamente; 2) Cada elemento executa muitas funções; 3) Cada função importante é apoiada por muitos elementos; 4) Planejamento eficiente do uso de energia para a casa e os assentamentos; 5) Preponderância do uso de recursos biológicos sobre o uso de combustíveis fósseis; 6) Reciclagem local de energia (humanas e combustíveis); 7) Utilização e aceleração da sucessão natural de plantas; 8) Policultura e diversidade de espécies benéficas, objetivando um sistema produtivo e interativo; 9) Utilização de bordas e padrões naturais para um melhor efeito.” (MOLLISON, 1998, p. 17)

Estes princípios são orientações gerais para o planejamento

permacultural de um espaço. São indicações diretas e objetivas que possuem um

Page 35: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

35

caráter universal. De acordo com a visão da permacultura o planejamento ou design

ecológico é uma abordagem que busca soluções para as principais necessidades

humanas, visando a integrar o homem ao meio ambiente, sem comprometer as

futuras gerações. A partir da observação dos padrões da natureza, busca-se planejar

e construir espaços humanos sustentáveis, buscando fechar os ciclos.

Planejamento, na acepção ampla da palavra, consiste em direcionar os fluxos de energia e da matéria, para a finalidade humana. O eco-planejamento (ecodesign) constitui um processo pelo qual nossos objetivos humanos são cuidadosamente entrelaçados com os padrões maiores e os fluxos do mundo natural. Os princípios do eco-planejamento refletem os princípios da organização evolutiva da natureza e que sustentam a teia da vida (CAPRA, 2003, p 9)

De acordo com Capra, planejamento é o direcionamento dos fluxos de

energia e de matéria para o uso humano. Já o planejamento ecológico leva em

consideração não apenas as necessidades humanas, mas também a necessidade

do meio ambiente e realiza-se de forma a contemplar os padrões e os fluxos da

natureza. A sustentação da teia da vida, desta forma, é o foco do planejamento.

Holmgren elaborou um sistema mais complexo de princípios, no qual

cada princípio é acompanhado por uma frase e um símbolo. Esta metodologia, mais

metafórica, possibilita mais interpretações, além de ampliar a área de atuação da

permacultura, pois não visa apenas ao planejamento de um espaço, mas

compreende que existem outros campos de conhecimento que dialogam entre si.

São dozes os princípios:

1) Observe e interaja – a beleza está nos olhos do observador. 2) Capte e armazene energia – produza feno enquanto faz sol. 3) Obtenha rendimentos – você não pode trabalhar de estômago vazio. 4) Pratique a auto-regulação e aceite feedback – os pecados dos pais recaem sobre os filhos até a sétima geração. 5) Use e valorize os serviços e recursos renováveis – deixe a natureza seguir seu curso. 6) Não produza desperdícios – não desperdice para que não lhe falte. 7) Design partindo dos padrões para chegar aos detalhes – as vezes as árvores nos impedem de ver a floresta. 8) Integrar ao invés de segregar – muitos braços tornam o fardo mais leve. 9) Use soluções pequenas e lentas – quanto maior, pior a queda.10) Use e

Page 36: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

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valorize a diversidade – Não coloque todos os seus ovos numa única cesta.11) Use as bordas e valorize os elementos marginais – não pense que você está no caminho certo somente porque ele é o mais batido.12) Use criativamente e responda às mudanças – a verdadeira visão não é enxergar as coisas como elas são hoje, mas como serão no futuro. (HOLMGREN, 2002)

Observa-se que, em relação aos princípios de Mollison, estes princípios

são mais abrangentes, podendo ser utilizados para se pensar tanto espaços quanto

relações. Os seis primeiros princípios partem do micro para o macro, da visão local

para a global. E os seis últimos fazem o caminho contrário, indo do todo para as

partes.

Todos os princípios relacionam-se entre si e cada um deles pode ter

inúmeros desdobramentos. Desta forma Holmgren desenvolveu o conceito da Flor

da Permacultura, integrando as diversas áreas do conhecimento.

3.3 A Flor da permacultura

David Holmgren sistematizou uma ferramenta que integra diferentes

áreas denominada Flor da Permacultura. Esta flor tem como centro a ética e os

princípios da permacultura e possui sete pétalas: 1) manejo da terra e da natureza;

2) espaço construído; 3) ferramentas e tecnologias; 4) cultura e educação; 5) saúde

e bem estar espiritual; 6) economias e finanças; 7) posse da terra e comunidade.

Segundo Holmgren (2002) estes sete campos são necessários para a sustentação

da humanidade.

A imagem da flor é interessante, pois sugere o desenvolvimento de todas

as pétalas ao mesmo tempo, numa metáfora do equilíbrio que deve haver entre os

campos do conhecimento.

Cada uma destas pétalas é um campo a ser pesquisado a partir da ética e

dos princípios da permacultura. São diversas as possibilidades de diálogo e

integração. Cada pétala pode se desdobrar em subtemas formando uma teia de

saberes. Mas até o momento algumas pétalas foram mais exploradas que outras. A

Page 37: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

37

pétala de espaço construído, por exemplo, já acumulou muito conhecimento sobre

bioconstrução, utilização de materiais locais, design eficiente de utilização da

energia e etc. Já a pétala de educação e cultura possui poucas referências e

materiais publicados, representando um campo muito fértil de pesquisa e reflexão.

Desta forma compreende-se que a Flor da Permacultura está em

permanente processo de construção, dialogando com diversas experiências teóricas

e práticas. A forma de desenvolvimento do conhecimento é colaborativa, esta

estrutura de rede que se forma entre os saberes é um espaço aberto à co-criação. A

ideia central é a integração das diferentes áreas a partir da ética do cuidado com a

Terra, cuidado com as pessoas e partilha justa.

Figura 1 – A Flor da Permacultura

Page 38: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

38

4. VIVÊNCIAS DA TERRA

4.1 Construindo o caminho

Diversos educadores trouxerem contribuições significativas para a prática

educativa em todo o mundo. Alguns exemplos, mais presentes no percurso desta

pesquisa, serão citados com o intuito de apresentar algumas referências que podem

ser usadas na construção da educação para o novo paradigma. O objetivo é

estabelecer um espaço de diálogo e reflexão entre as diferentes visões de

educação, buscando observar em que pontos elas podem convergir.

O educador suíço Pestalozzi (1746-1827) traz uma visão integral do ser

humano e propõe a participação das crianças no processo de aprendizagem,

valorizando a experiência como forma de aprendizado, assim como o contato com a

natureza. Pestalozzi propõe como pensamento e a prática educacional:

Ideias como educação integral, que ele resumia em educação da cabeça, das mãos e do coração; educação ativa, em que a crianças aprendem observando e fazendo e não apenas escutando; necessidade de se acompanhar o ritmo da criança no seu desenvolvimento; educação para a autonomia, em que o diálogo e a iniciativa individual exercem papéis fundamentais (INCONTRI, 1997, p. 92)

Como uma prática de educação integral Pestalozzi propõe a educação do

coração, da mente e das mãos, numa metáfora para a aprendizagem

emocional/afetiva/moral, intelectual e prática/vivencial. Em meio à natureza

Pestalozzi convidava seus alunos a experienciar o conhecimento, ou seja, a

construir o saber através da vivência, com respeito ao ritmo e a necessidade de

cada um.

Um dos pontos fundamentais da pedagogia de Pestalozzi é a

compreensão da necessidade e da importância do vínculo afetivo entre educador e

educando. Segundo ele, somente um clima de confiança e de amor permite um

pleno desenvolvimento educacional. Assim o amor constitui a base da educação,

Page 39: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

39

não o amor cego, mas o “amor vidente” aquele que une o acolhimento à reflexão.

O diálogo com Maria Montessori3 (1870-1972) se estabelece não apenas

a partir do método montessoriano, com seus materiais e jogos pedagógicos, mas

principalmente a partir do pensamento que estrutura esta prática. O olhar sensível

para a criança e seu processo de aprendizagem levou Montessori a refletir sobre a

importância da autonomia em relação ao espaço do aprendizado, para que a criança

pudesse ter liberdade em seu fazer. Assim, a adaptação de móveis e objetos ao

tamanho e necessidade das crianças tem como base o pensamento de que

autonomia e liberdade são fundamentais no processo educativo.

Da mesma forma o desenvolvimento dos materiais e jogos pedagógicos

não visa apenas à realização de uma tarefa como, por exemplo, aprender a contar

com material dourado, mas sim a compreensão de que o corpo todo participa do

processo educativo, todos os sentidos fazem parte do aprendizado. O tato, o olfato,

a audição, a visão, o paladar são fontes de conhecimento. O aprendizado se constrói

com todos os sentidos e o prazer da descoberta é um ponto importante deste

processo.

O educador Célestin Freinet (1896- 1966) através de metáforas,

baseadas na observação da natureza, faz uma análise profunda sobre a educação.

Para ele não adianta dar água ao cavalo que não está com sede, também não

adianta trocar a água, é preciso primeiro desenvolver a sede. Também não adianta

colocar agrotóxico, envenenando e exaurindo a árvore, em troca de frutos vendáveis

no mercado. Se o que se quer é uma colheita saudável, cheia de vitalidade, não é do

fruto que se deve tratar, mas da vida que o produz: solo, raiz, ar e folha. Da mesma

forma não adianta fazer escadas planejadas e seguras para quem quer voar: águias

não sobem pelas escadas. E é preciso ter cuidado, pois as ovelhas que vivem

constantemente cercadas e só comem na manjedoura esquecem que seu ideal é

estar lá em cima das colinas e acabam preferindo à rédea ao azul do céu.

(FREINET, 2004)

Freinet mostra com isso o quanto as práticas educativas muitas vezes vão

contra os próprios ciclos naturais. Ao invés de desenvolver a sede pelo

3 Mais informações em: http://www.omb.org.br/montessori.php.

Page 40: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

40

conhecimento, obriga-se a criança a aprender. Ao invés de cuidar do ambiente que

receberá a semente, olha-se apenas para o valor de mercado do fruto. Ao invés de

permitir que a vida naturalmente nos prepare para viver, utilizam-se cercas,

caminhos marcados, obrigações, com o discurso de proteção, sem pensar que isso

acaba por enfraquecer a vontade de descobrir, de criar, de viver. Valoriza-se mais a

passividade, a submissão, a execução mecânica de regras e funções do que a

postura ativa, a ação criativa, o potencial transformador.

Freinet acredita que a educação não pode ser descolada da vida, assim o

trabalho, não enquanto rotina maçante, mas como oportunidade de aprendizado

torna-se fundamental na educação. O trabalho de escrever um jornal ou de participar

das atividades de organização do espaço, por exemplo, permitem que os educandos

adquiram habilidades e saberes a partir da experiência.

Freinet (2004, p. 9) afirma que “a educação não é uma fórmula de escola,

mas sim uma obra de vida”. Para ele pedagogia não é algo do campo teórico e

acadêmico, é algo da prática, do dia-a-dia, é uma pedagogia do bom senso, a partir

de uma escuta atenta e um olhar sensível para as crianças e para os ciclos naturais

da vida. Aí está a importância do educador não apenas se colocar no lugar da

criança, mas ser capaz de acessar a sua própria criança, resgatando lembranças e

sensações de quando era pequeno, pois “se você não voltar a ser como uma criança

não entrará no reino encantado da pedagogia.” (FREINET, 2004, p. 28)

Em relação ao movimento definido atualmente como Educação

Democrática, tem-se a importante contribuição dos educadores Korczac, Neill e

Pacheco. Korzac em um orfanato na Europa no início do século XX. Neill em um

internato, Summerhill, fundado em 1921 na Inglaterra, e em funcionamento como

escola até hoje. E Pacheco em uma escola pública em Portugal, a Escola da Ponte,

a partir do final da década de 70.

Segundo Helena Singer (1997) a definição de Educação Democrática é:

(...) presença de assembleias escolares, nas quais todos os membros da comunidade têm o mesmo poder de voto e onde são tomadas todas as decisões relativas ao cotidiano, desde os pequenos problemas do dia-a-dia até questões relativas à própria estrutura escolar; e aulas opcionais, que mantêm o respeito à

Page 41: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

41

liberdade de o aluno decidir se deseja ou não assistir às aulas e acompanhar os cursos. (SINGER, 1997, p. 15)

As experiências dos educadores citados acima mostram que é possível

construir processos educativos democráticos, nos quais o educando exerce seu

papel de sujeito, construindo sua própria autonomia nas escolhas que realiza, tanto

em relação a o quê e como estudar, quanto em relação à gestão dos espaços em

que se realiza o processo educativo.

Korzac primeiro ouviu as crianças, perguntou sua opinião, para entender

o que sentiam. Depois acreditou que elas seriam capazes de participar das decisões

referentes ao cotidiano em que viviam. Assim foi construído um sistema de gestão

baseado em assembleias onde eram discutidas questões do dia-a-dia, tomadas

decisões relativas a tarefas, horários, espaços, o que fazer quando alguém quebra

algo, e etc (KORZAC, 1983).

Korzac observou que as crianças foram capazes não só de gerir

democraticamente o espaço e respeitar as regras criadas coletivamente, mas que

elas foram capazes de usar de bom senso nos encaminhamentos que decorreram

do descumprimento dessas regras.

Neill propõe a prática da liberdade sem medo. Acreditando

essencialmente na criança como um ser bom, considera que “criança difícil é a

criança infeliz, está em hostilidade aberta consigo própria, e, em consequência, em

guerra com o mundo” (NEILL, 1980, p.25). Desta forma respeita o tempo, o ritmo e o

interesse de cada um. Nas assembleias todos falam, são escutados e têm o mesmo

direito a voto. Neill ressalta a importância da mescla de alunos de várias idades,

aliás esta é uma característica deste tipo de experiência, a separação, quando

necessária, não é feita por idade, mas por interesse.

Pacheco reflete sobre a estrutura da escola: separação em salas de aula,

currículo fragmentado, professores trabalhando separadamente e propõe uma

mudança não só na estrutura pedagógica, mas também na estrutura física, e

literalmente quebra os muros para construir a ponte. E a Ponte passa a abrigar

novas abordagens pedagógicas, centradas no interesse dos alunos. Abriga também

um corpo docente que trabalha em conjunto. Abriga espaço para pesquisas, para

Page 42: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

42

trocas, para decisões coletivas, para construção de vínculos afetivos, e abriga enfim

a criação de um novo jeito de educar. Segundo Pacheco (2004, p.103) “a escola da

Ponte apenas mostrou que há utopias realizáveis”.

Depois de sair da escola da Ponte, o educador português continua

caminhando na busca de realizar outras tantas utopias possíveis. Agora em terras

brasileiras.

Outro educador contemporâneo é o brasileiro Tião Rocha, fundador do

Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD). Este Centro foi fundado em

1984, em Belo Horizonte – MG, e atualmente desenvolve projetos em vários estados

brasileiros e também em alguns países na África.

Tião Rocha tem forte influência das ideias de Paulo Freire, e é o autor da

pedagogia da roda e da pedagogia do brinquedo. Estas pedagogias surgiam a partir

de duas perguntas: É possível fazer educação sem escola? E é possível aprender

de forma alegre e prazerosa?

O educador mineiro encontrou algumas respostas com a prática. Ao fazer

diversas rodas na cidade de Curvelo - MG, ele viu que sim era possível aprender

debaixo de mangueiras, com pessoas de diferentes idades. Tião Rocha em uma

entrevista4 diz que:

A escola é o bairro, a sala de aula são todos os espaços, todas as árvores, os espaços públicos e privados disponíveis para os meninos aprenderem. Os educadores são todos que se sentarem na roda. E o conhecimento que essa roda vai praticar é a cultura da comunidade. (ROCHA, 2005)

Segundo Tião Rocha, a educação só acontece no plural, na relação com

o outro, por isso a importância desse momento de troca que se estabelece na roda,

onde todos, independentemente da idade, aprendem e ensinam. Esta além de ser

uma prática de educação é também uma forma de empoderamento da comunidade,

que passa a reconhecer e valorizar o seu saber, a sua cultura e, sobretudo a sua

capacidade de transformação da realidade.

4 Vídeo produzido pela Abravideo sobre a Pedagogia da Roda, tecnologia social do CPCD

certificada pela fundação Banco do Brasil em 2005, acessado em 27/10/2011 link: http://youtu.be/P61E7zZwqrQ

Page 43: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

43

A criança segundo ele, não pode ser pensada como uma página em

branco - é preciso investigar o potencial e os saberes que ela traz. E esta

aprendizagem pode sim acontecer de forma alegre e prazerosa. Tião rocha provou

que é possível aprender a escrever com massa de biscoito ou fazer conta jogando

dama. A ideia principal de sua pedagogia é criar, é inventar.

O CPCD desenvolveu um projeto chamado Cidade Criança, cujo objetivo

é fazer de todo e qualquer espaço social e comunitário da cidade, um espaço-tempo

permanentes de acolhimento, convivência, aprendizagens e oportunidades.

Esta ideia é muito semelhante ao conceito de Bairro-escola que faz parte

da metodologia da Associação Cidade Escola Aprendiz. Este conceito foi

desenvolvido no bairro da Vila Madalena, em São Paulo, a partir da observação da

complexidade das questões trazidas pelas crianças atendidas, e da constatação de

que isoladamente não seria possível abordá-las. Os educadores da Cidade Escola

Aprendiz buscaram então parcerias com escolas, famílias, posto de saúde, espaços

culturais, centros esportivos, com o objetivo de articular o bairro para dar conta da

complexidade das questões que envolvem uma educação que se propõe a ser

integral. A ideia de que o ato de aprender tem a ver com a ação de conhecer e

intervir no meio e de que a educação é uma responsabilidade de toda a comunidade

formam os eixos desta proposta.

Já a proposta metodológica desenvolvida pelo programa Gaia Education -

Ecovillage Design Education surge da necessidade de se pensar uma educação

voltada para o design em sustentabilidade. Educadores da ecovilla de Findhorn

desenvolveram uma metodologia baseada em um mandala que reúne as quatro

dimensões da experiência humana: visão de mundo, ecológica, econômica e social.

Assim cada tema é desdobrado em subitens que são abordados durante o curso.

A dimensão visão de mundo, por exemplo, desenvolve um olhar holístico

e integral do ser humano e suas relações. A espiritualidade é abordada por uma

ótica de engajamento social com a transformação da sociedade. E a natureza

aparece como guia orientador das ações.

Na dimensão ecológica é pensado um desenho integrado, no qual todo o

ecossistema é levado em consideração. Desta forma procuram-se tecnologias

Page 44: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

44

apropriadas e responsáveis, como por exemplo a bioconstrução, para resolver as

necessidades humanas de forma integrada ao meio ambiente.

Na dimensão econômica, a ideia é transformar a economia global em

economia social, trazendo a responsabilidade do sustento justo. Economia solidária,

moedas comunitárias, bancos comunitários, cooperativas são alguns dos temas

abordados.

A dimensão social tem um olhar mais voltado para as relações de grupo.

Assim são abordadas ferramentas de comunicação, resolução de conflitos,

facilitação e tomada de decisão. A valorização da diversidade, o sentimento de

pertencimento e o espírito de grupo são pontos importantes desse processo.

Também a arte tem um papel importante na medida em que desperta a

sensibilidade, aguça a criatividade, trazendo a sensação de prazer e alegria para o

processo.

A metodologia utilizada reúne rodas de conversa, danças circulares, jogos

e dinâmicas de grupo, palestras, estudo do meio, celebrações, construções

participativas como word café, entre outros. A separação em quatro dimensões é

uma questão didática apenas, pois todas estas dimensões estão intrinsecamente

ligadas e são abordadas de forma integrada.

A ecopedagogia também é um movimento de educação que aborda a

questão e o sentido da sustentabilidade. Segundo Gadotti (2000, p. 94) a

ecopedagogia “associa os direitos humanos aos direitos da Terra”. Assim este

movimento não se caracteriza apenas pela preocupação com uma relação saudável

com o meio ambiente, mas pela reflexão do sentido mais profundo da vida como um

todo. A Terra, nesta perspectiva, passa a ser vista como ser vivo. E a humanidade a

desenvolver uma consciência planetária, que conduz à prática da cidadania

planetária e leva à construção de um novo conceito de civilização planetária

(GADOTTI, 2009).

De acordo com Gadotti (2009), a ecopedagogia busca um novo modelo

de civilização sustentável, o que implica uma transformação nas estruturas

econômicas, sociais e culturais. Ele sugere que a relação que os homens têm

estabelecido com a Terra atualmente pode ser analisada sob a ótica da pedagogia

Page 45: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

45

do oprimido de Paulo Freire:

Consideramos hoje a Terra também como um oprimido, por isso precisamos também de uma pedagogia desse oprimido que é a Terra. Precisamos de uma Pedagogia da Terra como um grande capítulo da pedagogia do oprimido. Uma pedagogia que tem como suporte o Paradigma Terra que considera esse planeta como uma única comunidade, una e diversa. (GADOTTI, 2009, p.2)

Olhar para a Terra a partir da visão da pedagogia do oprimido faz muito

sentido, pois a relação que o homem vem estabelecendo com a Terra é de opressão

e exploração. O planeta tem sido visto como um suporte para a vida e não como um

ser vivo. O homem tem agido como se a toda a Terra estive ao seu dispor, julgando-

se detentor de um poder de vida e morte sobre os outros seres. Desta forma a

libertação da Terra faz-se necessária.

A ecopedagogia propõe-se a abordar esta questão e a coloca-la como

ponto fundamental a partir do qual será desenvolvido o processo educativo. Não se

trata apenas de uma educação ambiental, trata-se de uma mudança de visão de

mundo que perpassa todas as áreas do saber.

Esta abordagem mais ampla do sentido da vida, com a compreensão da

Terra como um ser vivo, leva a uma reflexão do próprio sentido da educação. Por

que se ensina determinado conteúdo? O que motiva a escolha de um currículo? Isto

tem a ver com a realidade do educando? Faz sentido para ele? Faz sentido para o

todo, para a civilização planetária? Fomenta uma cidadania planetária?

Estas reflexões são importantes, sobretudo, para dar sentido e orientar o

processo educativo. Se isso não é levado em conta, a educação, desconectada da

realidade, perde o sentido e acaba por assumir um papel burocrático e alienador,

desprovido de vida.

Segundo Gadotti (2009), a ecopedagogia ao superar o antropocentrismo

das pedagogias tradicionais concebe o ser humano em sua diversidade e em

relação com a complexidade da natureza, desta forma ao considerar a Terra como

um ser vivo a ecopedagogia pode ser chamada também de Pedagogia da Terra.

As experiências acima citadas são apenas alguns exemplos de propostas

educativas comprometidas com a vida, que podem inspirar a reflexão e a prática

Page 46: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

46

pedagógica. A visão sistêmica de mundo, a visão integral de ser humano, o olhar

para os espaços onde se realizam o processo educativo, as formas de gestão

compartilhada e as diversas formas de construir o conhecimento são contribuições

importantíssimas para se pensar a educação para o novo paradigma.

O diálogo com todas essas referências servirá como base para a

construção de uma prática educativa que responda ao atual contexto mundial de

crise socioambiental. Momento histórico em que se sente a necessidade e a

urgência de tornar a questão da sustentação da vida o principal foco do processo

educativo.

4.2 Pedagogia da integração

Quando se fala em educação para o novo paradigma a ideia não é

inventar uma nova pedagogia, pois não se trata apenas de criar um novo método ou

um novo nome, a questão que se coloca é mais complexa: como desenvolver uma

educação vinculada com a realidade e as necessidades locais, que ao mesmo

tempo esteja comprometida com a realidade global e tenha como base o respeito à

vida e propicie a sua sustentação?

A complexidade desta questão não comporta apenas uma resposta, ou

um tipo específico de pedagogia, por mais ampla que ela possa ser. A diversidade é

tão grande que seria um contrassenso tentar encaixar todas as pessoas e todas as

especificidades locais numa mesma caixa.

Neste sentido, pode-se comparar a educação a um planejamento

permacultural de um espaço. Segundo a permacultura, é preciso primeiro observar e

analisar, pois não existe uma fórmula; o desenho do espaço dependerá dos recursos

locais, das demandas do espaço e das pessoas, do processo cuidadoso de

observação, diálogo, planejamento e construção compartilhados. Mas há algo em

comum em todos os desenhos: a ética e os princípios.

A educação pode ser pensada da mesma forma, é preciso ter uma ética e

Page 47: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

47

princípios orientadores, mas o desenho dependerá de um processo de observação,

análise, diálogo e construção coletivos.

Na educação, a ética e os princípios que orientarão o desenho são os do

novo paradigma. A ética é a do respeito à vida e os princípios, analisados no item

1.2, são: visão sistêmica, planetariedade, sustentabilidade, dimensão integral de ser

humano, valorização da diversidade, transdisciplinaridade, liberdade, autonomia,

gestão e responsabilidade compartilhadas. Os valores que possibilitam esta

construção são a cultura de paz, a cooperação, a solidariedade, o respeito, o

cuidado, a harmonia, a compaixão e o amor.

Analisando as experiências educativas do item 4.1 podem-se elencar

alguns princípios gerais como referências em educação: profundo respeito ao

educando, valorização dos processos de construção da autonomia, valorização da

experiência como forma de aprendizado, formas participativas de gestão tanto do

aprendizado quanto da própria estrutura educativa, aprendizado fortemente

vinculado à realidade do educando assim como a realidade global, valorização das

várias dimensões do ser humano e não apenas da dimensão racional, ampliação

dos espaços de aprendizagem, engajamento ético, desenvolvimento da percepção

da responsabilidade compartilhada, educação num sentido mais amplo como

preparação para vida, valorização das relações e não apenas dos conteúdos,

presença de valores como cooperação, solidariedade, respeito e amor.

Tendo como eixo norteador a ética e os princípios citados acima, a

metodologia utilizada pode ser adequada ao contexto específico. A ideia é poder

utilizar-se de diversas referências educativas e compreender o que cada uma delas

traz de contribuição neste sentido. A proposta é integrar ao invés de segregar, um

dos princípios da permacultura. A perspectiva é que cada grupo sabe o que funciona

para si e para seu contexto. A pedagogia que mais faz sentido neste caso é uma

pedagogia da integração.

Page 48: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

48

4.3 Programa Vivências da Terra

A partir da reflexão sobre a ética e os princípios que devem estruturar a

educação para o novo paradigma, o Programa Vivências da Terra será analisado. O

objetivo é investigar as relações, conexões e diálogos possíveis entre Arte e

Permacultura na formação do ser para o novo paradigma, tendo como estudo prático

as experiências deste programa.

O Programa Vivências da Terra integra permacultura e teatro social em

contextos educativos que visam a uma formação integral do ser. O intuito é propiciar

o despertar da consciência ecológica e criativa, e fomentar práticas que integrem as

pessoas e o meio ambiente, tendo como base a ética da permacultura do cuidado

com a Terra, cuidado com as pessoas e partilha justa.

Um processo educativo que busca formar pessoas para a construção de

relações integradas com o meio ambiente, precisa abranger todas as dimensões do

ser humano: : intelectual, emocional, física, social, criativa, ética e espiritual. Só a

partir de uma compreensão integral do ser humano, pode-se ter uma atuação

integrada com a Teia da Vida.

O Programa Vivências da Terra, que teve seu início no primeiro semestre de

2011, foi desenvolvido a partir da integração do trabalho de Felipe Pinheiro,

engenheiro civil e permacultor, e da pesquisadora, artista e educadora. A ideia de

desenvolver processos educativos mais amplos, que compreendessem todas as

dimensões do ser e fossem capazes de despertar a consciência ecológica e criativa,

foi o ponto de partida. A área de atuação do programa Vivências da Terra abrange

cursos de permacultura, formações para educadores, vivências para crianças e

adolescentes e também peças de teatro.

Nesta busca por uma educação integral e integrada ao meio ambiente, o

diálogo da Arte com a Permacultura apresenta muitos pontos de conexão e diálogo.

Se se compreende, por exemplo, que a relação do aprendizado pode ser dialógica e

não dicotômica, a relação entre homem e meio ambiente, teoria e prática, local e

global, indivíduo e coletivo, pensamento e emoção é pensada de forma integrada.

Assim, se a forma não se separa de conteúdo, não é possível desenvolver um

Page 49: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

49

processo educativo baseado apenas na fala, é preciso demonstrar com a ação, por

exemplo, o que é cuidado com as pessoas. Se se acredita verdadeiramente numa

estrutura horizontal e circular, não se pode assumir uma postura vertical, na qual o

educador é o detentor do saber e os alunos seus depositários.

A integração da arte com a permacultura, nesse sentido, estabelece-se na

busca pela coerência. O processo educativo desta forma precisa contemplar tanto a

dimensão racional quanto a corporal, dialogar com a realidade local e com a global

ao mesmo tempo, valorizar a experiência como forma de aprendizado no qual teoria

e prática se integram, entender que autoconhecimento não se separa de

conhecimento do mundo.

A ideia é a integração e não a sobreposição, ou seja, a proposta é realizar um

trabalho em conjunto, interligado, e não ter um momento de arte e outro momento de

permacultura, de forma fragmentada. O trabalho de relacionar os aprendizados é

que dá sentido à experiência. O espaço de encontro entre as duas áreas é um lugar

de muita potência que precisa ser valorizado.

A arte pode fomentar o processo de autoconhecimento enquanto a

permacultura aborda o contexto da realidade global. A arte desperta os sentidos,

ampliando uma percepção que pode ser usada para o planejamento permacultural.

Através do teatro social experimentam-se as relações que se deseja para o novo

paradigma, e a permacultura pode trazer ferramentas para esta construção. A arte

também pode ser trabalhada como metáfora para preparar alguma aprendizagem

específica, por exemplo realizando um jogo teatral de cooperação antes de se iniciar

uma atividade de mutirão. Trabalhar com a dimensão corporal pode facilitar o

processo de compreensão e interiorização do saber. Abordar outras linguagens,

além da verbal, amplia o espaço de comunicação e enriquece o processo educativo.

Estes são apenas alguns exemplos das possibilidades de diálogo e integração da

arte e da permacultura.

O Programa Vivências da Terra ainda está em fase de aperfeiçoamento por

ser uma experiência relativamente recente, mas possui experiências práticas, que

ao serem analisadas, poderão demonstrar a proposta de atuação do programa e

seus resultados.

Page 50: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

50

4.4 Experiência e análise

Duas experiências de atuação do Programa Vivências da Terra serão

analisadas a seguir.

A primeira delas foi uma aula sobre Bioconstrução (construções

ecológicas que seguem os princípios da Permacultura), realizada na formação em

Permacultura, oferecida aos gestores de parques do município de São Paulo, na

Universidade Livre do Meio Ambiente, em agosto de 2011. E a segunda um curso de

Telhado Verde (técnica de cobertura vegetal sobre telhados) realizado na Casa Jaya,

local onde acontecem palestras e oficinas voltadas para os temas de Arte,

Sustentabilidade e Espiritualidade e onde funciona também um restaurante

vegetariano, na cidade de São Paulo. Este curso aconteceu no mês de setembro de

2011, durante um final de semana.

As experiências do Vivências da Terra começam geralmente com o que

Boal (1998) chama de desmecanização. Esta atividade tem como objetivo

desconstruir padrões corporais e mentais, que se encontram enrijecidos e

arraigados, atuando sem que tenhamos consciência. Para iniciar qualquer

aprendizado é preciso se permitir o novo. Desta forma a desmecanização “prepara o

terreno” do processo educativo e traz a presença individual e grupal para o espaço.

Na formação em Permacultura para os gestores de parques, após esta

atividade, na qual os participantes se movimentaram pelo espaço de formas não

convencionais, o clima geral do grupo se modificou. Algumas pessoas

demonstraram prazer e outras um certo desconforto. Percebeu-se que algumas

pessoas, por não compreenderem a dimensão do que estava sendo trabalhado,

embora isso tenha sido dito no começo do encontro, não se permitiram participar

livremente, pois julgavam a atividade sem sentido. Este é um ponto importante para

ser analisado, pois muitas pessoas consideram a atividade corporal ou artística uma

atividade menor e não compreendem o seu verdadeiro sentido. Isso deve-se a uma

visão fragmentada que separa mente e corpo, valorizando um em prol do outro. Os

processos educativos, de forma geral, privilegiam apenas o aspecto racional, o que

faz com que muitas pessoas, por não terem a experiência, acabem por rejeitar e

Page 51: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

51

desvalorizar o trabalho corporal.

Depois foi realizado um trabalho com a técnica do teatro imagem,

desenvolvida por Boal (1998). No primeiro momento o grupo representou, através da

construção de imagens corporais, como é a realidade de um parque hoje na cidade

de São Paulo. A construção se deu de forma coletiva - um participante moldava o

outro para compor a cena. As imagens que se formaram utilizaram

predominantemente o plano alto e não demonstraram relação entre si. O grupo,

depois de reconhecer que a cena representava a realidade de um parque, passou a

analisá-la: pessoas fazendo exercícios físicos, passeando com o cachorro ou lendo,

um guarda, a casa da administração, um funcionário, um lixo com papeis no chão,

etc. Nesta atividade algumas pessoas permaneceram como espectadoras, não

participando da cena.

Depois o grupo foi convidado a construir outra cena com imagens

corporais representando o plano ideal, a forma como aquele grupo gostaria que

fosse um parque municipal. As imagens que se formaram desta vez utilizaram mais

o plano baixo, o que foi interpretado mais tarde como uma relação mais próxima com

a terra, e a maioria das imagens criadas estavam conectadas de alguma forma.

Nesta cena todos participaram, ninguém ficou apenas como espectador. A análise da

cena revelou que no parque ideal além de ter mais árvores, plantas, flores, animais e

um rio, a relação entre as pessoas, e destas com o meio ambiente, seria diferente.

Na cena as pessoas não estavam apenas passeando no parque, elas estavam se

relacionando com ele, com a natureza, e se relacionando também com as outras

pessoas. Quando foi perguntado aos participantes que personagens eles

representavam e o que faziam ali, muitos se referiram à relação com o outro, o que

não se verificou na primeira cena.

Assim através da concretização corporal de uma cena o grupo pôde

perceber questões que não estavam tão claras num primeiro momento e que

dificilmente seriam abordadas apenas numa dimensão verbal-racional. Ao

experimentar uma outra situação possível, num plano ideal, o grupo pôde visualizar

não apenas os problemas, mas principalmente os caminhos possíveis para a

resolução. Por exemplo, ao reconhecer a falta de conexão e interação entre os

Page 52: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

52

elementos do parque, pode-se pensar em uma ação para promover esta integração.

Ao perceber que a cena teatral era também uma forma de conhecimento,

alguns participantes, que se mostraram mais resistentes no inicio, assumiram uma

postura mais aberta e participativa.

A partir dessa proposta iniciou-se uma discussão sobre o velho e o novo

paradigma, contextualizando a permacultura e introduzindo o tema de bioconstrução.

Conclui-se desta forma que a dimensão corporal pode ser muito

reveladora de uma situação, ampliando a percepção e trazendo conteúdos sutis, que

dificilmente são abordados em processos educativos voltados apenas para a

dimensão verbal-racional. E que o processo de representar a situação ideal através

do corpo, dos sentimentos, das emoções e da interação, acessa outros níveis de

compreensão e facilita a interiorização do aprendizado. Outro ponto importante a ser

destacado é que iniciar o processo educativo partindo do conhecimento dos

educandos é extremamente importante para se construir efetivamente o

conhecimento de forma participativa e não depositária.

A segunda experiência a ser analisada foi o curso de telhado verde

realizado na Casa Jaya.

Este curso tinha como proposta abordar a teoria e a prática da construção

de um telhado com cobertura vegetal. O curso iniciou-se com exercícios de

desmecanização, depois os participantes foram convidados a se dividirem em duplas

e a realizarem um percurso cego pelo espaço. Uma pessoa conduziu a outra

apresentando o espaço e explorando os sentidos. Sentir o cheiro de uma planta,

sentir a textura da parede, perceber a relação de luz e sombra mesmo com os olhos

fechados, perceber a relação de confiança que se estabelece com a sua dupla,

foram algumas das ações realizadas pelos participantes. No momento de

compartilhar as impressões foi consenso que esta atividade ampliou a percepção.

Muitos relataram que puderam perceber coisas que não tinham percebido antes e

com muito mais detalhes.

Depois de despertar os sentidos, ampliar a percepção e criar um clima de

confiança e harmonia entre o grupo, foram realizadas pequenas cenas, em grupos

menores, com a técnica do teatro imagem. Nesta adaptação da técnica, a

Page 53: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

53

pesquisadora dá um título à cena que deverá ser criada. Os temas abordados foram

as relações, e as indicações para a cena foram: relação professor e aluno hoje,

relação médico e paciente hoje, relação patrão e empregado hoje e por fim a relação

do homem com a natureza hoje. Ao se realizar cada cena pedia-se a um grupo para

congelar a imagem para que os outros pudessem analisar. Primeiro perguntava-se

se o grupo observador reconhecia a cena, depois se conseguia identificar os

personagens. Então o facilitador dirigia-se aos personagens da cena e perguntava

quem eles eram, o que faziam e como se sentiam. De uma maneira geral as

relações foram muito parecidas e era possível identificar em todas uma clara relação

de opressão. As leituras realizadas sobre o paradigma em que estas relações estão

inseridas revelaram a presença de autoritarismo, opressão, desigualdade,

distanciamento, isolamento e individualismo.

A ideia inicial seria que o grupo repetisse as relações propostas no

começo, mas agora representando o plano ideal, a forma como cada um gostaria

que fosse cada relação. Porém devido à falta de tempo o grupo realizou apenas

cena do que seria a relação professor- aluno ideal. Diferente da cena que

representou a situação atual, nesta não era tão fácil reconhecer os personagens do

professor e do aluno. De acordo com a leitura do grupo todos estavam de alguma

forma aprendendo e ensinando. Existia uma proximidade física entre os

personagens, e todos estavam conectados. A partir dessa cena o grupo analisou

qual é o paradigma desejado: relações horizontais, união, cooperação, decisões

compartilhadas, etc.

Esta atividade revela que de uma forma geral, às vezes até

inconscientemente, as pessoas sabem o que elas desejam para si, para o mundo e

qual direção seguir para alcançar o ideal. O que falta muitas vezes são as

ferramentas para se construir este caminho. E neste sentido a permacultura pode

auxiliar muito neste caminhar, pois ela apresenta soluções concretas e acessíveis

para as questões de alimentação, energia, moradia, economia, água e tratamento de

resíduo.

Depois dessa reflexão e da apresentação de algumas informações mais

teóricas sobre permacultura e bioconstrução, iniciou-se a montagem do telhado

Page 54: TCC Terena Vivencias Da Terra - Permacultura

54

verde. A proposta foi fazer a estrutura com bambu, assim o grupo iniciou o trabalho

medindo, cortando e pregando os bambus. No dia seguinte esta atividade deveria

continuar então como proposta de abertura do dia, preparação do processo

educativo e como forma de contato com o material que seria utilizado, foi proposto

um jogo com os bambus. Os participantes foram convidados a formar duplas e a

equilibrar entre si dois bambus, primeiramente apoiando na palma da mão e depois

livre experimentação. Este jogo trouxe a presença dos participantes, despertou a

atenção e a concentração, e criou uma forte conexão entre o grupo, primeiramente

entre as duplas e depois, quando todos se juntaram, entre o grupo todo. A harmonia

e a sintonia que foram despertadas neste momento ficaram muito presentes durante

todo o processo de construção com os bambus, facilitando o trabalho em grupo.

Alguns participantes deram um depoimento escrito sobre a experiência. O

primeiro relato, descrito na íntegra, foi este:

L.A. “Para mim o que muda no processo educativo com a realização de atividades

como fizemos no início de cada dia é o seguinte: 1 - Nível de concentração: Achei

que trabalhando como fizemos, trazendo o corpo para a atividade que iríamos

realizar, foi fundamental para poder aproveitar de fato a atividade. Senti que a

atividade me trouxe um relaxamento grande e me fez de fato viver aquele momento,

podendo aproveitar todos os detalhes da atividade e fazendo com que pensamentos

digamos ‘estranhos’ a atividade, ou seja, aqueles pensamentos que vão invadindo a

sua cabeça e consequentemente lhe distraindo, fossem de alguma maneira embora

e somente ficassem os pensamentos ligados às atividades. Resumindo, a atividade

colaborou para aumentar o meu nível de concentração, capacidade para prestar

mais atenção aos detalhes e melhorar minha capacidade de aprendizado durante a

prática. 2 - Internalização do conhecimento: Ao final da atividade como um todo me

senti como que se tivesse injetado na veia o conhecimento. Para mim a dinâmica

que fizemos, ao mesmo tempo que teve um efeito em mim, aumentando o nível de

concentração e capacidade de absorção, também teve um efeito coletivo, gerando

um clima favorável de troca e transmitindo uma mensagem que para mim foi

fundamental, que é a cooperação como forma de construção, seja ela de

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55

conhecimento ou de entregas palpáveis como o telhado.”

A partir deste depoimento podem ser analisados alguns resultados da

proposta do Programa Vivências da Terra. Observa-se que de fato a atividade

artística fez sentido dentro do processo e foi desenvolvida de forma integrada ao

conteúdo do curso. Colaborando tanto para a preparação do aprendizado, ao

despertar atenção, concentração, trazer a presença e criar um clima de cooperação

entre os participantes, quanto para compreensão do aprendizado e internalização do

conhecimento. A expressão “senti como que se tivesse injetado na veia o

conhecimento” demonstra este processo de internalização e revela a presença da

dimensão corporal no aprendizado. No final do depoimento reconhece-se que o

processo de aprendizado foi de fato colaborativo, e não depositário, pois a

cooperação aparece como forma de construção do conhecimento e do próprio

telhado.

Outro participante, após fazer um resumo em que relata o desafio de se

montar um telhado verde em dois dias, destacou que:

R.M. “Ao início de cada um dos dias foram realizadas dinâmicas, utilizando de

recursos teatrais e sensoriais que, entre várias consequências, destacam-se a

rápida integração gerada entre as pessoas do grupo, uma percepção mais

‘presencial’ do lugar em que estávamos atuando e transformando, um despertar do

nosso corpo para as atividades, maior disposição, motivação, bem estar,

cumplicidade e senso de cooperação. A dinâmica do segundo dia traduziu muito

significativamente a sensação de nos conectarmos através do bambu e juntos

construirmos algo que é resultado da dedicação de cada um, mas sintonizados no

ritmo e na direção de todos. Na permacultura os ciclos, os círculos, as espirais são

a essência dos processos e introduzir dinâmicas e diálogos em que estávamos

juntos e em roda nos permitiu uma visão individual e do todo ao mesmo tempo (foco

e periferia.....especialização e generalização)... e com isso pudemos nos conhecer

intensamente neste dois dias e interagirmos cooperativamente. Fazer algo junto,

em mutirão e sintonizados é uma experiência que levamos para vida toda”.

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Este depoimento cita algumas contribuições da utilização dos recursos

teatrais e sensoriais no processo educativo: integração rápida do grupo, ampliação

da percepção do espaço, valorização da presença, o despertar do corpo, maior

disposição, motivação, bem-estar, cumplicidade e senso de cooperação.

A integração do grupo é algo fundamental quando se pensa em uma

construção colaborativa e compartilhada do conhecimento, pois é necessário criar-se

um espaço de acolhimento, respeito, cooperação e valorização da diversidade para

que todos se sintam à vontade para se expressar. A ampliação da percepção conduz

a uma ampliação da visão de mundo, pois evidencia que existem outros pontos de

vista, outras formas de perceber e interagir. A valorização da presença é importante

para que a experiência possa ser de fato aproveitada. E a dimensão corporal, além

de trazer a presença para a experiência, desperta a atenção, favorece a

concentração e ainda desperta um estado maior de disponibilidade.

Outro ponto levantado por este participante foi a dimensão individual e

coletiva da experiência, pois segundo ele tanto a visão individual quanto a visão do

todo foram desenvolvidas. A estrutura circular das atividades e das rodas de

conversa, numa relação horizontal entre os participantes, são entendidas enquanto

parte da proposta da Permacultura, que se utiliza dos padrões da natureza de ciclos,

círculos e espirais, numa relação dialógica entre especialização e generalização,

foco e periferia, contexto local e contexto global, micro e macro, parte e todo.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise das experiências acima possibilita a compeensão da proposta

pedagógica do Programa Vivências da Terra, assim como da relação entre Arte e

Permacultura em processos educativos. A formação do ser para o novo paradigma

aparece não mais como uma ideia abstrata, mas como uma ação concreta. Isso

contribui para ampliar e aprofundar a discussão sobre o tema.

As relações e conexões entre Arte e Permacultura aparecem como uma

forma de responder a demanda de uma abordagem mais integral da vida e do

conhecimento. E o Programa Vivências da Terra torna palpável as diversas

possibilidades de diálogo entre estas duas áreas. Um diálogo que se estabelece

como forma de integração e não de sobreposição.

O processo educativo neste contexto adquire um sentido mais amplo, pois

compreende-se que um curso de telhado verde, por exemplo, não tem como objetivo

apenas instrumentalizar os participantes sobre uma técnica específica. O objetivo de

um processo educativo que se propõe a formar pessoas para o novo paradigma e

que se baseia em uma ética de cuidado com a Terra, cuidado com as pessoas e

partilha justa não pode deixar de levar em conta a dimensão humana, relacional,

social, criativa e espiritual. Desta forma o processo educativo adquire uma amplitude

muito maior, pois além de ter uma diversidade maior de abordagens, assume um

comprometimento ético e social pela construção do mundo, pois como nos lembra

Freire (1996, p.76) “o mundo não é. O mundo está sendo” . E é preciso assumir a

responsabilidade por esta construção.

E dentro deste processo é fundamental desenvolver um movimento

constante de ação e reflexão, abrindo espaço para um constante recriar. Ao

reconhecer que todo aprendizado é uma construção coletiva abre-se um espaço

permanente para o diálogo. Ao se trabalhar a partir de uma relação dialógica entre o

eu e o mundo, dentro e fora, local e global, reconhece-se que o processo educativo

é algo dinâmico, e que, portanto, não é possível criar fórmulas, e sim olhar para as

pessoas e para o espaço em que ele se constroi.

Esta pesquisa não pretende, portanto, encerrar o assunto, mas a ampliar

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a discussão. O Programa Vivências da Terra, enquanto proposta pedagógica de

diálogo com contexto local e com os participantes, estará sempre se recriando. E

como a relação entre teoria e prática é dialógica, e de certa forma interdependente,

pode ser colocado como uma meta para Programa Vivências da Terra a

sistematização constante das experiências, para que estas sirvam de objeto de

reflexão para o próprio programa e também para outras pessoas.

Observando os padrões da natureza pode-se pensar o desenvolvimento

do Programa Vivências da Terra de duas formas: a partir do padrão de crescimento

em espiral, onde cada camada expande um pouco mais o entendimento,

aprofundando com isso a reflexão, ou como um sistema dendrídico, no qual a partir

de um eixo central surgem desdobramentos, e estes geram outros desdobramentos,

formando assim uma estrutura de rede.

A ideia é que este programa siga o desenvolvimento natural e faça parte

desta rede colaborativa para a construção do novo paradigma.

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