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Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015 1 UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL NO ESTADO DO PARANÁ A PARTIR DAS CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL ZANETTI, Patricia da Silva (UNIOESTE) 1 ZANARDINI, Isaura Monica Souza (Orientadora/UNIOESTE) 2 Introdução A atual política para a educação da pessoa com deficiência visual no Estado do Paraná em muito tem deixado a desejar em investimentos e em formação de seus professores. Esses fatores e a ausência de uma concepção teórica suficiente têm contribuído para que a educação destas pessoas mova-se de maneira caótica, insuficiente e, sobretudo, inadequada se o objetivo é reunir a necessária procura de formação legítima para um ser humano que possa, segundo a perspectiva histórico- cultural, sentir, mediatizar e mediar a sua formação cultural, educação formal, arranjos sociais, comunitários e políticos. Tais são tecidos complexos pelos quais são movimentadas conscientemente ferramentas, assimilando, assim, signos e instrumentalizando o indivíduo psiquicamente ao ponto de sua personalidade íntegra em totalização superar seu acometimento. Desta forma, a presente pesquisa busca compreender qual concepção teórica tem realmente embasado a atual política direcionada para este segmento social no Estado do Paraná e de como a teoria vigotskiana pode colaborar para concluir se a atual política tem ou não contribuído para uma educação com qualidade para a pessoa com deficiência visual. 1 Discente no Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação - Nível Mestrado da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, linha de pesquisa: Educação, Políticas Sociais e Estado. Endereço Eletrônico: [email protected]. 2 Docente e Orientadora no Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação - Nível Mestrado da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Endereço Eletrônico: [email protected].

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Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

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UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA AS PESSOAS COM

DEFICIÊNCIA VISUAL NO ESTADO DO PARANÁ A PARTIR DAS

CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

ZANETTI, Patricia da Silva (UNIOESTE)1

ZANARDINI, Isaura Monica Souza (Orientadora/UNIOESTE)2

Introdução

A atual política para a educação da pessoa com deficiência visual no Estado do

Paraná em muito tem deixado a desejar em investimentos e em formação de seus

professores. Esses fatores e a ausência de uma concepção teórica suficiente têm

contribuído para que a educação destas pessoas mova-se de maneira caótica,

insuficiente e, sobretudo, inadequada se o objetivo é reunir a necessária procura de

formação legítima para um ser humano que possa, segundo a perspectiva histórico-

cultural, sentir, mediatizar e mediar a sua formação cultural, educação formal, arranjos

sociais, comunitários e políticos. Tais são tecidos complexos pelos quais são

movimentadas conscientemente ferramentas, assimilando, assim, signos e

instrumentalizando o indivíduo psiquicamente ao ponto de sua personalidade íntegra em

totalização superar seu acometimento.

Desta forma, a presente pesquisa busca compreender qual concepção teórica tem

realmente embasado a atual política direcionada para este segmento social no Estado do

Paraná e de como a teoria vigotskiana pode colaborar para concluir se a atual política

tem ou não contribuído para uma educação com qualidade para a pessoa com

deficiência visual.

1 Discente no Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação - Nível Mestrado da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, linha de pesquisa: Educação, Políticas Sociais e Estado. Endereço Eletrônico: [email protected]. 2 Docente e Orientadora no Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação - Nível Mestrado da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Endereço Eletrônico: [email protected].

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Justificativa

Muitas teorias, na sua maioria conservadoras, vêm defendendo a ideia de que

educar pessoas com deficiência é indiferente. A educação proposta ocorreria apenas

enquanto uma dada forma de socialização, não necessariamente atentando para as

questões de como se move o processo de ensino-aprendizagem. Em tal tese, relativiza-

se o fator inerente a instituição de ensino, ao ponto de que, se adotado este princípio e o

levado ao cabo, pode até mesmo acometer e comprometer seriamente o

desenvolvimento de uma pessoa com deficiência. A exemplo das demais crianças e

jovens que frequentam nossas escolas, por meio do perverso flexibilizar e minimização

da possibilidade e necessidade do ensinar e aprender, quando, supostamente, os

aprendizes não precisariam receber qualquer tipo de instrução que tenha como

perspectiva o acesso aos conhecimentos científicos historicamente construídos e

elaborados pela humanidade.

Esse cenário que se quer inovado, que tanto chega e mostra-se insistente junto

das instituições escolares, nos diferentes níveis e sistemas de ensino, no caso da pessoa

com deficiência, parece tais acenos fluírem ainda com maior facilidade e vigor, ainda

que abstrato. Essa noção é motivada em meio duma outra também nefasta prática nada

pedagógica, estabelecida ao longo da história na educação das pessoas com deficiência,

pelo fato de predominar a constante presença das instituições segregadas e assistenciais,

que substituíram o Estado na garantia de uma educação para este segmento social.

Como é de conhecimento público, a responsabilidade de educar essas pessoas dava-se

apenas as portas fechadas de instituições filantrópicas, as quais tinham em seu cerne

apenas o dever de guardar aqueles que atrapalhavam a ordem da sociedade burguesa

nascente.

Ao ingressar em 2000 na UNIOESTE - campus de Cascavel no curso de

Pedagogia como estudante de baixa visão, pude, pela primeira vez, ter algum contato

com uma política real de atendimento as necessidades de uma pessoa com deficiência

visual. Estabeleci o meu primeiro contato com pessoas cegas através do PEE –

Programa Institucional de Ações Relativas às Pessoas com Necessidades Especiais da

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UNIOESTE e, desde então, tenho participado/militado na ACADEVI (Associação

Cascavelense de Pessoas com Deficiência Visual).

Durante a minha participação em um grupo de estudos para se ler a obra de

Vigotski, pudemos perceber o quanto o autor, ao realizar seus estudos, conseguiu ver na

deficiência a força, ao invés da debilidade e entender que através de uma reorganização

psíquica a pessoa com deficiência poderia superar seu defeito através da

supercompensação. Segundo ele, "este é um processo contraditório à primeira vista, que

transforma a doença em super saúde, a debilidade em força, a intoxicação em imunidade

e tem o nome de supercompensação" (VIGOTSKI, 2006, p. 35). O autor ainda postula

que:

Se algum órgão, devido à deficiência morfológica ou funcional, não consegue cumprir inteiramente seu trabalho, então o sistema nervoso central e o aparato psíquico assumem a tarefa de compensar o funcionamento insuficiente do órgão, criando sobre este ou sobre a função uma superestrutura psíquica que tende a garantir o organismo no ponto fraco ameaçado (VIGOTSKI, 1997, p. 77).

Depois do término de minha graduação, ingressei em uma pós-graduação em

Educação Especial, a qual possibilitou que eu ingressasse no concurso de 20 horas do

estado em 2005 e posteriormente mais 20 horas em 2009. Atuo, desde que ingressei no

Estado, no CAP – Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento às Pessoas com

Deficiência Visual de Cascavel, onde mantenho um contato de forma constante com as

políticas educacionais direcionadas às pessoas com deficiência visual, que estão muito

longe de atender a necessidade de proporcionar a estes uma condição para a superação

do defeito.

O que o Estado deveria ofertar seriam as condições de acesso aos conteúdos

escolares que estão presentes na disponibilização do livro didático, na formação do

professor da escola comum e na formação do professor do atendimento educacional

especializado. Nenhum destes três itens é cumprido de forma sistemática, organizada e

prática.

O livro didático para o aluno de baixa visão, que deveria ser ampliado conforme

a necessidade do aluno, tem sido deixado a cargo de cada escola, que, na maioria das

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vezes, não tem estrutura física e financeira para garantir o mesmo. O livro em Braille,

que fica a cargo dos cinco CAPs existentes no Estado, é entregue aos alunos em partes,

nunca no tempo correto e, com uma qualidade que deixa a desejar, já que envolve várias

normas a serem cumpridas por cada profissional que trabalha de forma isolada.

A formação de professores também fica a cargo dos CAPs, sendo que cada

equipe faz o que pode sem recursos suficientes do Estado, sem uma articulação entre os

diferentes centros e sem prever a unidade teórico-prática que poderia garantir uma

formação coerente, por meio de uma perspectiva teórico-científica.

Em Cascavel, existe um grande número de pessoas cegas e com baixa visão que

alcançaram o ensino superior, este fato parece ir a desencontro das condições oferecidas

a esses alunos. É claro que o caminho percorrido pela supercompensação pode não ser

apenas o do sucesso, como coloca Vigotski:

Mas a supercompensação é somente o ponto extremo de uma das duas saídas possíveis deste processo, de um dos dois pólos do desenvolvimento complicado pelo defeito. O outro pólo é o fracasso da compensação, o refugiar-se na enfermidade, a neurose e o caráter anti-social da posição psicológica (VIGOTSKI, 1997, p. 34).

Como, apesar das inúmeras dificuldades encontradas nas políticas de educação

ofertadas às pessoas com deficiência visual no Estado do Paraná, as mesmas conseguem

ter um processo educacional com êxito? A resposta a esta pergunta só pode ser

respondida por meio da compreensão de qual política é atualmente ofertada e quais são

suas bases teóricas e, analisá-las a partir da teoria histórico-cultural sobre a pessoa com

deficiência.

Revisão de literatura

A política para a educação de pessoas com deficiência deve ser referenciada na

própria política de educação ofertada à classe trabalhadora como um todo, já que grande

parte das pessoas com deficiência são oriundas dessa classe e dependem do que o

Estado as oferta ou deixa de ofertar para terem ou não acesso a educação. Na atualidade:

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[...] o conceito de política encadeou-se, assim, ao do poder do Estado - ou sociedade política - em atuar, proibir, ordenar, planejar, legislar, intervir, com efeitos vinculados a um grupo social definido e ao exercício do domínio exclusivo sobre um território e da defesa de suas fronteiras (SHIROMA, 2002, p. 7).

Desta forma, o Estado que defende a classe burguesa, embora tente de forma

paliativa manter políticas sociais para a classe trabalhadora, o faz por necessidade de

manter a ordem capitalista.

As políticas sociais conduzidas pelo Estado capitalista representam um resultado da relação e do complexo desenvolvimento das forças produtivas e das forças sociais. Elas são o resultado da luta de classes e ao mesmo tempo contribuem para a reprodução das classes sociais (FALEIROS, 2009. p. 46).

Em relação as pessoas com deficiência, os registros da oferta de uma educação

mais sistematiza apoiada pelo Estado data do final do século XVIII na França, com a

criação, segundo Silveira Bueno, “de instituições especializadas para surdos e cegos que

tinham como função perspícua oferecer escolarização a essas crianças que, em razão

dessas anormalidades, não poderiam usufruir de processos regulares de ensino”

(SILVEIRA BUENO, 1993, p. 18).

Essas instituições eram filantrópicas e, através da insistência de seus dirigentes,

recebiam algumas subvenções do Estado. A comoção social era a maneira destas

instituições obterem recursos para se manterem. No Brasil, ainda no período colonial o

modelo de institucionalização de pessoas com deficiência foi a primeira iniciativa de se

educar essas pessoas. A primeira instituição foi criado em 1854 e a segunda, em 1857.

A educação especial no Brasil tem como marcos fundamentais a criação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos (hoje, Instituto Benjamin Constant) e do Instituto dos Surdos-Mudos (hoje, Instituto Nacional de Educação de Surdos-INES), ambos na cidade do Rio de Janeiro, por iniciativa do Governo Imperial (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 85).

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No Brasil ficou evidente que essas instituições eram mais asilares do que

educacionais, conforme coloca Silveira Bueno:

Mas há uma diferença fundamental: enquanto os institutos parisienses se transformaram em oficinas de trabalho, seus similares brasileiros tenderam basicamente para o asilo de inválidos. Essa diferença reflete, por um lado, a pouca necessidade de utilização desse tipo de mão-de-obra, na medida em que uma economia baseada na monocultura para exportação não exigia a utilização dessa população pelo incipiente mercado de trabalho. Por outro lado, espelha também o caráter assistencialista que irá perpassar toda a história da educação especial em nosso País (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 86).

Neste período, foram poucas as instituições criadas. Embora as mesmas não

tivessem o cunho educativo, a educação da maioria das pessoas também não era

oferecida, já que, para a organização da sociedade da época não era necessária.

Segundo Silveira Bueno, “após a proclamação da República, a educação especial

foi se expandindo, embora de forma extremamente lenta, fenômeno que não se refere

somente a ela, mas que perpassa toda a educação brasileira” (SILVEIRA BUENO,

1993, p. 87).

Essa lentidão no processo de expansão da educação especial no Brasil pode ser

corroborada pelo fato de que apenas três entidades para cegos foram criadas na década

de 20 do século XX “a União dos Cegos do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1924, o

Instituto Padre Chico, em São Paulo e o Sodalício da Sacra Família, no Rio de Janeiro,

ambos em 1929” (Ibidem, p. 88).

Podemos perceber que a tendência assistencialista filantrópica privada continua

presente na oferta da educação da pessoa com deficiência visual no Brasil, inclusive

com grande influência sobre a política educacional oferecida pelo Estado destinada a

este segmento, que demora a se sistematizar como política proveniente do Estado.

Já nas décadas seguintes a educação de pessoas com deficiência foi se

expandindo.

Nos anos 30 e 40, a quantidade maior de instituições privadas de atendimento de deficientes incidiu nas áreas das deficiências mentais e visuais. [...] Na área da deficiência visual, foram

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criados os Institutos de Cegos do Recife (1935), da Bahia (1936), São Rafael (Taubaté/SP, 1940), Santa Luzia (Porto Alegre/RS, 1941), do Ceará (Fortaleza, 1943), da Paraíba (João Pessoa, 1944), do Paraná (Curitiba, 1944), do Brasil Central (Uberaba/MG, 1948) e de Lins (SP, 1948) (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 90).

Verifica-se aqui a criação da primeira instituição direcionada às pessoas cegas

no Estado do Paraná, com a criação do Instituto Paranaense de Cegos em 1944. No

Paraná, apenas Curitiba recebeu um instituto, que mantinha pessoas cegas até quase o

final do século XX, mantendo hoje a sua estrutura, mas sem receber pessoas para o

internato.

A educação da pessoa com deficiência visual no Paraná se iniciou de forma

sistemática apenas com o surgimento do Instituto, embora existam registros de pessoas

cegas estudando na rede pública no Paraná, já na década de 30 do século XX, mesmo

não havendo qualquer política destinada ao atendimento de pessoas com deficiência

visual no Estado.

[...] merece registro o fato de um estudante cego da cidade de Curitiba ter recorrido ao recém criado Conselho Nacional de Educação (1932) para ter assegurado o seu direito de estudar numa escola comum. Conforme o parecer do relator do Processo nº 291, de 04 de novembro de 1932, o Professor Cesário de Andrade, apesar de entender que não seria possível para um professor da escola comum ministrar aulas para um aluno cego que se vale de métodos de ensino tão diferente, junto com os demais alunos, tocado pela compaixão e com base na equidade, acabou concedendo o direito do aluno cego frequentar uma sala de aula do ensino comum (ROSA, 2008, p. 13).

Estes institutos não conseguiam abarcar o grande número de pessoas com

deficiência existente, deste modo não apenas o caso citado acima deve ter ocorrido,

como muitos outros casos, onde pessoas com deficiência puderam frequentar a escola

comum, mesmo sem as chamadas adaptações necessárias.

Segundo Silveira Bueno, 1993:

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Após a Segunda Guerra Mundial, a educação especial brasileira distinguiu-se pela ampliação e proliferação de entidades privadas, ao lado do aumento da população atendida pela rede pública, que foi se configurando, cada vez mais, como uma ação em nível nacional, quer pela criação de federações estaduais e nacionais de entidades privadas, quer pelo surgimento dos primeiros Serviços de Educação Especial nas Secretarias Estaduais de Educação e das campanhas nacionais de educação de deficientes, ligadas ao Ministério da Educação e Cultura (Ibidem, p. 94).

Embora houvesse um grande número de instituições privadas, a educação, de

modo geral, também estava se expandindo, a rede pública se via obrigada a atender às

necessidades destas crianças que chegavam às escolas e que apresentavam algum tipo

de deficiência ou dificuldade de aprendizagem “a educação especial pública passou por

processo intenso de ampliação, com a criação de classes e escolas especiais, que

culminou, na década de 70, com a criação de Serviços de Educação Especial em todas

as Secretarias Estaduais de Educação” (Ibidem, p. 96).

Essa grande expansão também se deu como consequência das Campanhas feitas

pelo Ministério da Educação e Cultura.

É somente a partir do final da década de 1950, com a instituição de três Campanhas Nacionais de Educação (Campanhas: Surdos em 1957; Cegos, 1958, e das pessoas com deficiência mental, em 1960), que se verificará maior esforço do Estado Brasileiro na busca de configurar os primeiros passos na tentativa de articular políticas de alcance nacional voltadas para o atendimento das necessidades das pessoas com deficiência (ANDRÉ e ROSA, 2013, p. 39).

Silveira Bueno ainda indica que “a Campanha Nacional de Educação de Cegos

teve também como objetivo fundamental a estimulação dos governos estaduais e

municipais e de órgãos comunitários no sentido de ampliar o atendimento dos

deficientes visuais” (LEMOS apud SILVEIRA BUENO, 1993, p. 97).

No Paraná, apenas na década de 70 é que outra instituição para a educação de

pessoas com deficiência visual foi criada “em Curitiba, Paraná, foi fundada a

Associação de Pais e Amigos de Deficientes Visuais (APADEVI), em 1972”

(APADEVI apud TURECK, 2003, p. 53). Tureck continua relatando:

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Considerando a trajetória histórica da educação dos cegos, marcada pelos institutos, foi um passo à frente a implantação de serviços de habilitação e reabilitação para os cegos, com ênfase no apoio à escolaridade e os serviços de estimulação precoce. Esse apoio fundamental à família para o desenvolvimento de suas crianças cegas e o acompanhamento especializado aos alunos com deficiências visuais matriculados nas escolas regulares possibilitou a quantos deles o sucesso escolar para além das séries iniciais até o ensino superior, imprimindo uma nova direção à educação dos cegos (TURECK, 2003, p. 53).

Mas a influência das instituições privadas filantrópicas ainda se mantinha

presente, mesmo nesses serviços que surgiam.

Com o intuito de assegurar a implantação da Educação Especial e sua articulação com a política do CENESP, o Estado do Paraná, ao longo das décadas de 1970 e 1980, regulamentou algumas legislações que normatizaram os serviços de atendimento implantados. Essas ações foram realizadas pelo Estado conjuntamente a iniciativa privada (SILVA, 2013, p. 132).

O apoio à escolarização dos alunos passa a ser a prioridade da política no Estado

do Paraná para a pessoa com deficiência após a década de 80.

[...] a partir de 1983, a política de educação no estado entrou num processo de democratização e, na educação especial, essa tendência manifestou-se pela descentralização e interiorização de serviços educacionais, com ênfase no apoio à escolarização. Ao criar os Centros de Atendimento Especializado, nas áreas de deficiência auditiva, física e visual - CAEDA / CAEDF / CAEDV, o Departamento de Educação Especial explicitou que a educação dos indivíduos com deficiência nessas áreas é na escola comum, com a responsabilidade e competência da educação especial nos programas de apoio especializado, concomitantes ao processo escolar, em contra-turno (Ibidem, p. 53).

O percurso estabelecido para a educação da pessoa com deficiência visual é

fundamentado na filantropia, baseada em uma concepção teórica conservadora e

acrítica, onde a deficiência é vista apenas como sinônimo do fracasso. Por que garantir

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uma educação de qualidade para pessoas que não obterão sucesso?, ou melhor, por que

educar pessoas que não oferecem mão de obra barata, de onde se possa obter mais

valia?

Para Vigotski (1997), essa compreensão equivocada se baseia na concepção

mística que vê na deficiência o corpo frágil e o espírito elevado e a valorização do

padecimento. Ainda, se baseia na concepção biológica onde um órgão pode substituir o

outro, em uma compensação mecânica.

Vigotski foi um grande psicólogo russo que, junto com seus colaboradores,

mantinha um instituto de Defectologia, onde atendiam pessoas com “deficiência” e

realizavam pesquisas e estudos a respeito do tema. Grande parte da obra deste autor é

dedicada à área da educação de pessoas com deficiência. Ele traz para a discussão a

compreensão da deficiência a partir da concepção sócio-psicológica ou Histórico-

cultural.

O que não me destrói me faz mais forte. W. Stern formula esta idéia, indicando que da debilidade surge a força e, das insuficiências, as capacidades. [...] Este é um processo contraditório à primeira vista, que transforma a doença em super saúde, a debilidade em força, a intoxicação em imunidade e tem o nome de supercompensação (VIGOTSKI, 1997, p. 27).

Na perspectiva Histórico-cultural, o defeito não é compreendido como sinônimo

de deficiência, limitação e incapacidade, mas principalmente como fonte geradora de

energia motriz, a qual pode levar à constituição de uma superestrutura psíquica capaz de

reorganizar toda a vida da pessoa, tornando-a alguém de plena valia social.

Em essência, a psicologia, há muito tempo, estudou isto. Os pedagogos há muito tempo que conheciam isto, mas somente agora se formulou com precisão científica a lei principal: a criança irá querer ver tudo se é míope, ouvir tudo se apresenta uma anomalia auditiva, irá querer falar se tem dificuldades na linguagem ou se é gaga. O desejo de voar estará manifestado nas crianças que têm grandes dificuldades inclusive para saltar (Ibidem, p. 31).

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Para Vigotski, as pessoas cegas deveriam estudar em uma escola onde as

mesmas não fossem segregadas.

Também é necessário acabar com a educação segregada, inválida para os cegos e desfazer os limites entre a escola especial e a normal: a educação da criança cega deve ser organizada como a educação da criança apta para o desenvolvimento normal; a educação deve formar realmente do cego uma pessoa normal, de pleno valor no aspecto social e eliminar a palavra e o conceito de "deficiente" em sua aplicação ao cego (Ibidem, p. 87).

Pensar a educação da pessoa cega é ter como fundamento que a mesma pode ser

educada, pode adquirir conhecimento, não de modo fantástico, ou por um esforço

próprio, mas as condições para isto devem ser dadas, já que, para Vigotski (1997),

“deste modo, a leitlínea na psicologia do homem cego está dirigida à superação do

defeito através de sua compensação social, através do conhecimento da experiência dos

videntes, através da linguagem. A palavra vence a cegueira” (p. 82).

Deste modo, constata-se que, na história da educação da pessoa com deficiência

e nas políticas organizadas e ofertadas para este segmento social, existe a constante

presença do assistencialismo e da filantropia, não apenas no controle e efetivação de

serviços, bem como na influência das elaborações das políticas. Uma constante ênfase é

atribuída à segregação, na medida em que as políticas públicas são falhas, o que justifica

o afastamento da escola comum que não oferece as condições necessárias para anteder

essas pessoas.

Atualmente, o Estado do Paraná mantém dentro do Instituto Paranaense de

Cegos uma escola especial e criou outras no interior. Ao invés de avançarmos na

direção contrária ao conservadorismo tem-se retrocedido, inclusive, o Estado do Paraná

vem colocando-se contrário as políticas do governo federal que tem apontado no sentido

de fortalecer a educação inclusiva, mesmo diante das grandes forças estabelecidas pela

educação segregada a qual reúne apoios políticos fortes.

Considerações finais

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A partir da Campanha Nacional de Educação e Reabilitação dos Deficitários

Visuais, instruída pelo Decreto Nº 44.236, de 1 de Agosto de 1958, até as legislações

atuais que versam sobre a inclusão das pessoas com deficiência, um caminho foi

percorrido marcado de um lado pela institucionalização e pela filantropia, por outro

marcado pela luta das próprias pessoas com deficiência para poderem ter acesso a

educação na escola regular.

Compreender as políticas educacionais ofertadas às pessoas com deficiência

visual pressupõe uma análise do percurso histórico da educação ofertada às mesmas no

Brasil e no Paraná. Desta maneira, é possível compreender quais perspectivas teóricas

têm embasado essas políticas e como podem ou não estar em consonância com a

concepção teórica preconizada por Vigotski - o qual busca a compreensão da deficiência

não como limite, mas nela estão dadas as forças para a sua superação, o que o autor

chama de supercompensação.

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