um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

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ANA EMILIA STABEN MUCATAS E MUSSAMBAZES : UM ESTUDO SOBRE A ESCRAVIDÃO EM MOÇAMBIQUE NO FINAL DO SÉCULO XVIII CURITIBA 2004

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Page 1: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

ANA EMILIA STABEN

MUCATAS E MUSSAMBAZES : UM ESTUDO SOBRE A ESCRAVIDÃO EM MOÇAMBIQUE NO FINAL DO SÉCULO XVIII

CURITIBA

2004

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ANA EMILIA STABEN

MUCATAS E MUSSAMBAZES : UM ESTUDO SOBRE A ESCRAVIDÃO EM MOÇAMBIQUE NO FINAL DO SÉCULO XVIII

Monografia apresentada para a obtenção do grau de Bacharel em História no Departamento de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Doutor Magnus Roberto de Mello Pereira

CURITIBA

2004

Page 3: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

SUMÁRIO Resumo ......................................................................................................................................I Introdução ................................................................................................................................ 1

Primeiro Capítulo - Colonização portuguesa em Moçambique:

1.1 - O comércio antes dos portugueses ...........................................................................7

1.2 - Prazos da Coroa .......................................................................................................9

Os funcionários da Coroa ...............................................................................................12

1.3 - A importância das minas de ouro .......................................................................... 13

1.4 - Falta de um exército mais eficiente ........................................................................16

1.5 - Os afro-portugueses ................................................................................................17

1.6 - Sobre as sociedades africanas ................................................................................20

1.7 - Soluções para o desenvolvimento da colônia .........................................................23

Segundo Capítulo - Escravidão em África:

2.1 - No início um elemento "incidental" .......................................................................26

2.2 - Classificação dos tipos de escravidão ....................................................................28

2.3 - A liberdade dos escravos ........................................................................................31

2.4 - Tráfico de escravos .................................................................................................33

2.5 - Diferentes origens da condição de escravos ...........................................................36

2.5.1 - Escravidão como conseqüência de um julgamento .............................................37

2.5.2 - Escravidão voluntária ..........................................................................................39

Conclusão .................................................................................................................................43 Anexo1 .....................................................................................................................................45 Anexo2 .....................................................................................................................................46 Tipologia das Fontes ......................................................................................................47 Referências Bibliográficas .....................................................................................................48

I

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Resumo As sociedades africanas eram escravistas séculos antes do contato com os

europeus. Porém, nestas sociedades, o escravo era um elemento incidental, e, normalmente, agregava-se à linhagem do senhor. No processo de colonização da África Oriental, os portugueses assimilaram as práticas escravistas africanas, ao mesmo tempo, modificaram certos aspectos desta instituição. A partir do final do século XVIII, as relações escravistas africanas são profundamente alteradas para a produção de escravos para o tráfico atlântico. O propósito deste estudo é compreender quem eram e como viviam os escravos que habitavam as comunidades africanas e afro-portuguesas da colônia portuguesa de Moçambique. As fontes utilizadas nesta pesquisa são relatórios, memórias e correspondências produzidas por funcionários da Coroa que estiveram na região durante a segunda metade do século XVIII. A pesquisa também foi baseada em autores africanistas e especialistas na História de Moçambique. No desenvolvimento deste projeto, primeiramente, identificamos as origens e funções exercidas por estes funcionários dentro do Império Português. Alguns destes funcionários são luso-brasileiros, outros nasceram em Goa. É importante identificarmos as origens, para compreendermos melhor a visão destes sobre a sociedade moçambicana.Em seguida, contextualizamos estes funcionários com os principais aspectos da época em que atuaram, no caso o século XVIII. Neste sentido, ressaltamos a influência das mudanças sociais, política e econômicas, e, principalmente, a importância do ideário iluminista para a formação ideológica destes funcionários. Também analisamos a ocupação portuguesa na África Oriental, e identificamos uma das principais características da colonização portuguesa na região: a instituição dos prazos da Coroa. Em seguida, pesquisamos as observações dos funcionários-viajantes sobre a sociedade moçambicana no período em que lá estiveram. No estudo sobre a escravidão, procuramos compreender a função dos escravos dentro das sociedades africanas tradicionais, as diferentes maneiras que conduziam um indivíduo à condição de escravo, as diversas atividades exercidas por eles nas terras dos afro-portugueses e a influência do crescimento do tráfico de cativos para o mercado externo sobre as práticas escravistas locais. Ao analisarmos os relatos destes viajantes, notamos que a escravidão na África era diferente da que ocorreu nas Américas. Os escravos que habitavam as terras dos afro-portugueses mantinham com seus senhores, uma relação parecida com a servidão medieval. Observamos que muitos africanos se ofereciam seus serviços aos afro-portugueses, não apenas para obter proteção em épocas de fome causadas por guerras e secas, mas muitas vezes para conseguir prestígio dentro desta sociedade.

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Introdução

Para este rio iam marchando muitos Moizas para matarem nele cavalos marinhos com lanças. Todos os cafres destes rios, e pelo que vejo deste interior de África os comem, e tem em grande estima, e tanto mais saborosa lhes é, em geral toda a carne quanto mais corrupta está. Que poder não tem sobre nós a educação, os usos, costumes, e o exemplo!

O autor desta frase é Francisco José de Lacerda e Almeida, paulista formado em

Coimbra, recebeu da Coroa portuguesa a missão de encontrar o melhor caminho por

terra entre as colônias portuguesas de Moçambique e Angola. Seu comentário é bastante

revelador sobre a visão que os viajantes portugueses e luso-brasileiros tinham das

sociedades africanas. Ele passa a idéia de que os africanos eram tão bárbaros que

apreciavam comer carne crua. Comentários a respeito dos afro-portugueses não eram

mais edificantes. Ao mesmo tempo, esta frase revela a imagem que tinham de si mesmo.

O presente trabalho monográfico tem como objetivos contextualizar o processo e

as modalidades de ocupação portuguesa na África; compreender o processo de

“produção” de escravos em Moçambique, quer para o uso na sociedade tradicional

africana, quer para os prazos da Coroa1, quer para o mercado externo; e identificar as

atividades que os escravos exerciam na sociedade colonial moçambicana. Para tanto,

analisamos cartas, memórias, diários e relatórios de funcionários da Coroa portuguesa

alocados nas colônias de Moçambique e Rios de Sena, na segunda metade do século

XVIII. Estes documentos constituem uma das principais fontes sobre a história de

Moçambique.

Por qual motivo estes funcionários escreveram estes documentos?

Até o século XVIII, a monarquia portuguesa foi marcada por disputas políticas,

falta de recursos financeiros e fragilidade do aparelho burocrático. Esta dificuldade em

governar ameaçava seu controle sobre as conquistas ultramarinas.2 Quando o Marquês

de Pombal foi nomeado primeiro-ministro do governo de D. José I em 1750, ocorreu

uma renovação política e cultural em Portugal. Influenciado pelas idéias iluministas,

1 Grandes extensões de terras aforadas em nome de portugueses e seus descendentes. 2 HESPANHA, A M. As estruturas políticas em Portugal na Época Moderna. In: TENGARRINHA, J.(Org.) História de Portugal. São Paulo : EDUSC e UNESP, 2001 p.127

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Pombal promoveu uma reorganização administrativa no Reino e em suas colônias. Essa

reforma modificou as formas de pagamento do aparelho Estatal, submeteu as colônias a

uma cobrança de impostos e a um sistema alfandegário com uma fiscalização maior, e

enfraqueceu o poder do clero.3 Com estas medidas, Pombal procurou afirmar a

autoridade da Coroa e aumentar a força de seu aparelho burocrático. 4

Neste contexto, é criado o primeiro projeto de controle e expansão do Império

Colonial Português.5 Seguindo este projeto administrativo, a Coroa passa a enviar um

número maior funcionários civis e militares para diversas regiões do Império. Pretendia-

se com isto, obter um controle maior de suas conquistas ultramarinas, impor uma

disciplina social mais rigorosa às sociedades coloniais,6 e evitar que membros da elite,

principalmente a brasileira, se identificassem com idéias de independência vindas da

Europa. Estes funcionários deveriam relatar às autoridades portuguesas em que

condições econômicas se encontravam as colônias na qual estavam e propor soluções

para aumentar a produtividade destas regiões. Enquanto eles transitavam pelas colônias,

adquiriam uma visão particular da colonização portuguesa e dos costumes das

populações locais.

É importante ressaltarmos que estes funcionários eram influenciados pelos

movimentos sociais e culturais de sua época. O iluminismo7 foi um dos movimentos

mais marcantes para a formação da mentalidade ocidental do século XVIII. Para melhor

compreendermos os relatos dos funcionários-viajantes, é importante expormos algumas

idéias a este respeito.

Os iluministas acreditavam que todos os homens, de todos os lugares, nascem

com o dom da razão, porém este dom precisa ser aperfeiçoado.8 Por isso, a importância

da educação e dos costumes que Lacerda e Almeida comenta. Se todas as pessoas,

aperfeiçoassem sua razão, não seriam mais movidos por seus instintos, e se tornariam

mais felizes.9 Para os iluministas não há beleza no estado de natureza, portanto, não há

beleza nos selvagens. Estes precisam ser aperfeiçoados pela educação e pelo

3 FALCON, Francisco J.C. A época pombalina : política econômica e monarquia ilustrada. São Paulo : Editora Ática, 1982. p. 390. 4 Ibid. p.425. 5 HESPANHA, op. cit., p. 131. 6 CAPRA, Carlo. O Funcionário. IN: VOUVELLE, Michel (Org). O homem do Iluminismo. Lisboa : Editorial Presença, 1997. p. 254. 7 Movimento promovido por pensadores europeus dos séculos XVII e XVIII que contestavam o antigo regime. 8 HARZARD, Paul. O pensamento europeu no século XVIII. Lisboa : Presença, 1989. p. 36. 9 Ibid. p. 39.

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aperfeiçoamento da razão. A principal missão dos ilustrados era promover um mundo

de homens livres e racionais. Assim sendo, a escravidão passa ser combatida, ela não

poderia ser mais aceita, nem mesmo pelas vantagens econômicas, pois era uma

instituição que promovia a desigualdade e infelicidade nos homens.10

Percebemos nos relatos que os funcionários da Coroa foram influenciados pelas

idéias iluministas. Acreditavam na possibilidade de levar a civilização aos povos

bárbaros. Contudo, ao defrontarem-se com o que eles chamavam de barbárie,

duvidavam dessa possibilidade, pois os africanos não lhes pareciam ser racionais.

No início do século XVIII, também surgiram as expedições científicas

financiadas pelos monarcas. Seguindo o ideário iluminista, começa a se configurar a

crença de que todo o conhecimento deveria ser utilizado para o desenvolvimento das

ciências e da sociedade.11 O conhecimento adquirido nas expedições serviria para

promover o progresso econômico e, como demonstração de poder dos reinos que

patrocinavam os viajantes.12

Os naturalistas começam a trazer para a Europa informações, mapas, plantas,

animais e tudo o que não fosse conhecido até o momento pelos europeus.13 Além das

expedições científicas, são criadas academias de ciência e institutos de pesquisa.14

Em Portugal, existiam círculos de estudos promovidos pelo Conde de Ericena,

desde o final do século XVII, mas foi ao longo do século XVIII, que a Coroa portuguesa

procurou aproximar-se da cultura científica e filosófica de outros países da Europa

Após um breve levantamento de algumas idéias iluministas e o surgimento das

expedições científicas, apresentaremos os funcionários relatores utilizados na presente

pesquisa.

Francisco José de Lacerda e Almeida nasceu em São Paulo. Como outros filhos

da elite luso-brasileira, estudou em Coimbra. Na época, a Universidade de Coimbra

acabara de ser reformada pelo Marquês de Pombal. Um dos principais aspectos desta

reforma foi a criação dos cursos de Filosofia (Ciências Naturais) e de Matemática. Este

segundo curso habilitava os seus alunos em astronomia e topografia.

Lacerda e Almeida foi um dos primeiros formandos do curso de Matemática, em

1777, e, logo depois, foi enviado ao Brasil, para participar das expedições de

10 HAZARD, op. cit., p. 151. 11 BOURGUET, Marie-Noëlle. O Explorador: IN: VOUVELLE, Michel (Org). O homem do Iluminismo. Lisboa : Editorial Presença, 1997. p. 209. 12 Ibid. p.215. 13 Ibid. p. 211. 14 FALCON, op. cit., p. 123.

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demarcação, que visavam estabelecer as fronteiras entre as terras portuguesas e

espanholas. Acompanhado de seu primo e colega de curso, Antônio Pires da Silva

Pontes, passou dez anos nos sertões de Mato Grosso. Concluída sua missão no Brasil,

Lacerda e Almeida voltou para Portugal, tornando-se professor de Astronomia na

Academia da Marinha. Posteriormente, seria incumbido pelo Ministro do Ultramar, D.

Rodrigo de Souza Coutinho, da missão de encontrar o melhor caminho por terra entre

Moçambique e Angola. Como o Ministro era um entusiasta do Iluminismo, escolheu um

experiente cientista para realizar este empreendimento.15

Lacerda e Almeida desembarcou em Moçambique no final do ano de 1797.

Para realizar sua missão foi nomeado Governador dos Rios de Sena. Este cargo

concedia autoridade sobre os moradores da região, que deveriam colaborar com

carregadores e barqueiros, além de fornecerem mantimentos para a realização da

viagem. O matemático recebeu mapas, relatórios de antigos governadores e secretários,

e também conseguiu informações de mercadores e escravos vindos do interior do

continente. Na sua viagem levou uma grande quantidade de tecidos para obter a

colaboração dos chefes africanos.16 Além das ameaças de tribos hostis, das deserções

dos carregadores e do roubo de seus equipamentos, acabou debilitado pela malária; as

febres constantes dificultaram ainda mais sua viagem.17 Mesmo com todos estes

contratempos o cientista conseguiu percorrer cerca de mil e seiscentos quilômetros da

Vila de Tete até o Reino do Cazembe.18 Contudo, não resistiu à doença e morreu em

outubro de 1798.19

Manuel Galvão da Silva nasceu na Bahia e graduou-se em Ciências Naturais na

Universidade de Coimbra, em 1776.20 Foi convidado por Domingos Vandelli21 para

participar das "Viagens Filosóficas", expedições científicas para recolher e pesquisar

plantas, animais e minerais, pelo interior do Brasil. Logo após graduar-se, passou cinco

anos no Museu da Ajuda em Lisboa, preparando-se para essas expedições.22 Galvão

15 SANTOS, Maria Emília Madeira. Viagens de exploração terrestre dos Portugueses em África. Lisboa : Junta de Investigação Científica do Ultramar/Instituto de Cultura Portuguesa, 1978. p. 184. 16 Ibid. p. 191. 17 Arquivo Histórico Ultramarino - AHU, Moçambique, cx. 81, n. 97. 18 SANTOS, op. cit., p.200. 19 Ibid. p.201. 20 SIMON, W. J. Scientific Expeditions in the Portuguese Overseas Territories : and the role of Lisboan in the Intellectual-Scientific Community of the Eighteenth Century. Lisboa : Instituto de Investigação Científica Tropical, 1983. p. 18. 21Conhecido médico e professor de química da cidade de Pádua, foi convidado para lecionar em Coimbra, após a expulsão dos jesuítas. SIMON, op. cit., p. 5. 22 Ibid. p. 20.

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viajaria para o Pará, mas o então Ministro do Ultramar, Martinho de Melo e Castro,

decidiu mandá-lo para Moçambique, substituir o Secretário Geral do Governo,

Francisco Barbosa de Miranda.

Galvão desembarcou em Goa em 1784, onde iria começar suas coletas e análises

de espécies.Viajou pelo interior do continente africano, de onde enviou para o Museu de

Ajuda diversas espécies de plantas, minérios, ostras, peixes preservados em álcool e até

a cabeça de um hipopótamo. Em seus relatos vemos que sua preocupação maior era

encontrar e levantar as potencialidades de minas de ouro. Iinformações sobre Galvão

aparecem pela última vez em 1791, nos documentos oficiais como Procurador Geral da

Fazenda de Moçambique.23

Relatamos com mais detalhes informações sobre Lacerda e Almeida porque

tivemos acesso a uma farta documentação pesquisadas por conta de uma bolsa de

pesquisa.24 Sobre Manuel Galvão há muitas informações na tese do americano Willian

Joel Simon. A bibliografia dos demais autores foi obtida nas obras que reúnem seus

relatos.

Ignácio Caetano Xavier é um autor conhecido dos historiadores da África

Oriental. Nasceu em Goa e morou a maior parte da vida em Moçambique, por isso

conhecia todos os dialetos da região. Provavelmente, começou a escrever seus relatos

por solicitação do primeiro Governador de Moçambique, Francisco de Melo e Castro,

mas continuou a escrevê-los enquanto foi secretário do Governo de Pedro de Saldanha e

Albuquerque. Xavier morreu em 1761, alguns anos depois de terminar seus escritos as

relações econômicas e sociais das regiões de Moçambique e Rios de Sena. 25

Sobre Baltazar Pereira do Lago sabemos apenas que tomou posse como

Governador de Moçambique em 1766.26 Deve ter passado algum tempo na Índia, pois

sempre aconselha a adoção de sipaes indianos para formar um corpo militar em

Moçambique.

Os relatos de Antonio Pinto de Miranda sempre remetem a nomes e costumes

brasileiros, por isso acredita-se que fosse luso-brasileiro ou tenha morado no Brasil. Era

Secretário Geral do Governo de Moçambique em 1766, época em que escreveu seu

23 Ibid. p. 75. 24 Bolsa PIBIC/CNPq. Participante do projeto: Os Naturais do Brasil (Crioulos) no Quadro das Ciências Naturais do Iluminismo Português. Sob orientação do professor Magnus Pereira. 25 ANDRADE, Antônio Alberto.(Org.) Relações de Moçambique Setecentista. Lisboa : Agência Geral do Ultramar, 1995. pp. 20-24. 26 ANDRADE, op. cit., p. 29.

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relato.27 Assim como Caetano Xavier, também é um personagem conhecido dos

pesquisadores da história de Moçambique.

Por fim, Dionízio de Melo e Castro, nasceu em Goa, casou com uma afro-

portuguesa e administrava os prazos de Detima e Bueça. Escreveu seus relatos a pedido

do Governador de Moçambique, Pedro de Saldanha e Albuquerque.28 Nesta época,

1762, era Coronel da Milícia de Sena, mas também foi Governador dos Rios de Sena e

de Moçambique.

27 Ibid, p. 472. 28 ESTUDOS DE HISTÓRIA DA GEOGRAFIA DA EXPANSÃO PORTUGUESA. Anais, Volume IX, Tomo I. Lisboa : Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar, 1954. p. 16.

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Primeiro Capítulo - Colonização portuguesa em Moçambique.

1.1 - O comércio antes dos portugueses:

Cerca de oito séculos antes dos portugueses desembarcarem na África Oriental,

o comércio de ouro, marfim e escravos com povos da África Oriental já existia. Muitos

historiadores29 chamam os mercadores que comercializavam estes produtos

genericamente de árabes, mas na verdade estão se referindo aos suahilis.30 Por volta do

século VII, os árabes que traziam mercadorias do oriente para a África Oriental,

estabeleceram feitorias nas ilhas da região. Da fusão dos grupos árabes e africanos,

surgiram as cidades suahilis. Zanzibar, Melinde, Mombaça e Quíloa,31 são algumas

destas cidades. Nestas, a religião mulçumana era predominante, mas com elementos de

rituais africanos. Segundo o historiador Ki-Zerbo, os habitantes destas cidades eram

bastante influenciados pela cultura africana. A língua desta população miscigenada

chamava-se suahíli, que significa "a costa" em árabe; uma mistura de banto com

palavras árabes.32

Além dos suahílis, os hindus também traziam mercadorias orientais,

principalmente tecidos indianos e chineses, para serem trocados por ouro, marfim e

escravos. Estes produtos eram bem aceitos nos mercados mulçumanos e orientais.33 Os

produtos comercializados pelos suahílis continuaram a ser os principais produtos

comercializados pelos portugueses durante todo o período colonial. 34

O primeiro português que esteve na África Oriental foi Pêro da Covilhã.35

Enviado pelo rei D. João II para verificar as potencialidades econômicas do comércio

com a Índia, Perô da Covilhã esteve em Sofala em 1489. Nove anos depois, Vasco da

Gama passou pelos portos e ilhas da África Oriental, em seu caminho até a Índia. 36

29 LOBATO, Alexandre. Colonização Senhorial da Zambézia e outros estudos. Lisboa : Junta de Investigação do Ultramar, 1962. HOPPE, Fritz. A África Oriental Portuguesa no tempo do Marquês de Pombal (1750-1777). Lisboa : Agência Geral do Ultramar, 1970. PÉLISSER, René. História de Moçambique : Formação e oposição (1854-1918). Lisboa : Editorial Estampa, 1987. 30 KI-ZERBO , Joseph. História da África Negra, Parte 1. Mira - Sintra : Publicações Europa-América, 1990. p. 157. 31 Ibid. p. 242. 32 Ibid. p. 245. 33 KI-ZERBO. op. cit., p. 157. 34 LOBATO. op.cit., p.10. 35 Viajante experiente enviado por D. João II para visitar a Índia. LOBATO. op. cit., p. 9. 36 LOBATO. Colonização Senhorial da Zambézia e outros estudos. Lisboa : Junta de Investigação do Ultramar, 1962. p. 10.

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Nesta viagem reconheceu o rico comércio do ouro em Sofala, até então, monopolizado

pelos suahílis da cidade de Quíloa.37

No início de sua colonização, os portugueses comercializavam o ouro da

Zambézia com os próprios suahilis.38 Afim de obter o monopólio deste comércio, os

portugueses conquistaram, primeiramente, as feitorias de Sofala e Angoxe.39

Em 1506, alguns portugueses foram enviados para estabelecer relações

comerciais com o grande soberano da Zambézia, o Monomopata. As regiões de Sena e

Tete foram doadas por este soberano à feitoria portuguesa de Moçambique, na prática à

Coroa Portuguesa.40 No início do século XVI, notícias da existência de minas de ouro e

prata nas regiões do rio Zambeze atraíram muitos renóis e indianos para a região. Estes

passaram a ocupar terras dos régulos41 em troca de tecidos.42 Nesta época, os

portugueses tinham esperança de que a região tivesse tanto ouro quanto o México;

esperanças que nunca se concretizaram.

Todas as decisões administrativas e jurídicas das colônias de Moçambique, no

litoral, e Rios de Senas, no interior do continente, eram tomadas em Goa; pois estas

colônias faziam parte do Estado Português da Índia. No entanto, isto ocorreu até 1752,

quando o Marquês de Pombal separou definitivamente a administração da África

Oriental do Vice-reinado da Índia, e passou toda a responsabilidade administrativa para

o Governador General de Moçambique. O primeiro a exercer tal cargo foi Francisco de

Melo e Castro.43 O interior do continente era administrado pelo Governador General dos

Rios de Sena, este estava subordinado ao Governo de Moçambique.

Entretanto, mesmo independentes politicamente, as colônias da África Oriental

continuariam a depender das mercadorias vindas de Goa, Surate, Cambaia, Bengala e

Diu. Estas mercadorias, que consistiam basicamente em miçangas, pólvoras, pérolas e

tecidos de diversos padrões e cores, eram conhecidas como fazendas livres ou fazendas

de lei. As fazendas livres eram negociadas livremente pelos comerciantes de

37 KI-ZERBO, op. cit., p. 244. 38 LOBATO. Evolução Administrativa e econômica de Moçambique (1752 – 1763). Lisboa : Agência Geral do Ultramar, 1957. p. 24. 39 LOBATO, Colonização Senhorial da Zambézia e outros estudos. Lisboa : Junta de Investigação do Ultramar, 1962. p. 10. 40 LOBATO. Evolução Administrativa e econômica de Moçambique (1752 – 1763). Lisboa : Agência Geral do Ultramar, 1957. p. 25. 41 Soberanos de reinos pequenos. 42 Os soberanos negros doaram, do século XVI ao XVIII, muitas terras aos portugueses. Os reinos africanos viviam em constante conflito com outros reinos, por isso muitos procuravam apoio militar e armas dos portugueses. Em troca desta colaboração os portugueses e a Coroa recebiam terras dos soberanos negros. LOBATO. op. cit., p. 10. 43 HOPPE. op. cit., p. 63.

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Moçambique. Por sua vez, as chamadas fazendas de lei eram negociadas pela a

Superintendência do Comércio, subordinada ao Conselho da Fazenda de Goa.44 Os

tecidos, conhecidos como panos da Índia, eram os produtos mais procurados pelos

africanos, pois funcionavam como moeda na África Oriental. Com eles era possível,

inclusive, pagar tributos aos soberanos negros locais.

1.2 - Prazos da Coroa:

Na tentativa de manter os portugueses na África, a Coroa oficializou as terras

conquistadas por meio de Cartas de Aforamento. No início do século XVII, surge o

termo “Prazos da Coroa” para denominar terras pertencentes oficialmente a portugueses

e seus descendentes. Não é simples explicar esta instituição característica da história de

Moçambique. A palavra vem do latim, placitum, que significa “de acordo” ou

contrato.45 Os prazos foram o resultado de quatro modelos de apropriação de terras: as

sesmarias, as capitanias hereditárias, as encomiendas46 e a concessão de cargos

administrativos na Índia. Durante a Idade Média, em Portugal, existiam as sesmarias,

terras “alugadas” por três gerações. Os objetivos das sesmarias eram povoar áreas

abandonadas e fixar as populações. Já as capitanias eram concedidas aos funcionários

ilustres para a ocupação de terras nas ilhas Atlânticas, no Brasil e em Angola. Os

donatários cuidavam da justiça e da defesa, cobravam tributos dos povos conquistados e

tinham o monopólio das mercadorias comercializadas. As encomiendas, utilizadas pela

Espanha no Novo Mundo, davam direito aos encomendeiros de cobrar tributos e

trabalho, sem alterar a hierarquia social desta sociedade. Em troca os espanhóis davam

proteção e cristianizavam os povos indígenas. Na Índia e no Ceilão, para incentivar a

permanência de seus funcionários e do corpo militar, a Coroa portuguesa concedia

cargos públicos, títulos, terras e a cobrança de tributos de aldeias às viúvas de fiéis

vassalos do Rei ou às órfãns de Portugal.47

Prazo da Coroa é a denominação de um grande território, conquistado à força,

ou concedidos pelos soberanos negros, a um português, goês ou mestiço em troca de

tecidos ou como retribuição por auxílio militar. Os que obtinham estes territórios

exerciam sobre seus moradores os mesmos privilégios e obrigações das chefias

44 Ibid. p. 124. 45 PÉLISSER. op. cit., p.17. 46 NEWITT, Malyn. História de Moçambique. Lisboa : Publicações Europa-América, 1997. p. 208. 47 NEWITT. op. cit. p. 209.

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africanas.48 Para garantir a posse deste território, o português, ou goês, ou mestiço,

precisava do reconhecimento formal "dos representantes máximos dos dois mundos"49;

ou seja, o reconhecimento legal, através dos contratos de aforamento obtidos junto as

autoridades portuguesas, e o reconhecimento formal dos chefes das aldeias que

habitavam este território.50

Portanto, para os europeus, prazos eram terras aforadas pela Coroa Portuguesa a

seus vassalos mediante um contrato de arrendamento, neste contrato comprometiam-se

a produzir algum gênero nas terras e pagar tributos em ouro em pó à Coroa. Para os

africanos os prazos eram simplesmente chefias que garantiam alguma proteção.51 A

vantagem que os portugueses e seus descendentes tinham em legalizar a propriedade da

terra segundo as leis portuguesas, era a garantia da posse deste território e o direito à

cobrança de tributos das aldeias que habitavam este território; pelo menos durante três

gerações.

Esta foi a melhor forma para conseguir a permanência de seus súditos nas

regiões conquistadas, uma vez que a Coroa não tinha dinheiro para financiar a

colonização direta da África Oriental.

Para receber e manter a Carta de Aforamento, o colono português deveria

cumprir algumas obrigações. Primeiramente, deveria pagar um tributo anual, em ouro

em pó, à Fazenda Real. Não podemos esquecer que todas as terras do além mar

colonizadas por portugueses pertenciam à Coroa. Também deveria zelar pela

manutenção da ordem entre as aldeias que estivessem no território concedido52. Além

disso, providenciar soldados, barqueiros e carregadores sempre que a Coroa enviasse

um representante.

As terras deveriam voltar para a Coroa Portuguesa quando o neto do primeiro

proprietário falecesse. Entretanto, ao final da terceira geração, a concessão do prazo era,

normalmente, renovada.53 Foram os prazeiros, e não a Coroa, que expandiram e

conservaram os domínios portugueses pelo interior da Zambézia.

Apesar de certas ordens religiosas administrarem prazos, eram, normalmente, as

mulheres que recebiam o título enfitêutico. Para obtê-lo, comprometiam-se a casar com 48 SILVA, Alberto da Costa e Silva. A manilha e o libambo : a África e a escravidão, de 1500-1700. Rio de Janeiro : Nova Fronteira: Fundação Biblioteca Nacional, 2002. p. 672. 49 NEWITT, op. cit., 204. 50 SILVA, op. cit., p. 672. 51 NEWITT. op. cit., p 203. 52 Ibid, p, 209. 53 LOBATO. Evolução Administrativa e econômica de Moçambique (1752 – 1763). Lisboa : Agência Geral do Ultramar, 1957. p. 218.

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europeus ou descendentes.54 A sucessão dos prazos também era realizada pela linha

feminina, as filhas mais velhas herdavam as terras e também deveriam casar com

portugueses ou descendentes de portugueses.55 Algumas terras doadas pelos soberanos

negros à Coroa foram oferecidas às chamadas “órfãs do rei”.56 Desta maneira, Portugal

acreditava resolver dois problemas: recompensar as famílias de seus fiéis servidores e

impedir que os prazos fossem herdados por mestiços, filhos de portugueses com

africanas. A Coroa temia perder para os reis africanos a influencia sobre as terras e

colonos portugueses.57

Muitas determinações da Coroa nunca foram cumpridas. Teoricamente, ninguém

poderia ter mais que um prazo, mas através dos casamentos as famílias acabavam

unindo as terras. Os prazos deveriam ser pequenos, mas na prática eles se tornaram

enormes, em meados do XVIII, levava-se um dia para percorrer o menor deles.58 Os

maiores chegavam a ter dezenas de dias de comprimento.

Era difícil trazer europeus para a África, a maioria preferia migrar para o

Brasil.59 Além disso, muitos europeus que casavam com as enfiteutas morriam por

doenças tropicais. As viúvas, ainda jovens, casavam-se novamente. Por estas razões,

tornou-se comum o casamento de donas de prazos com indianos cristianizados e com os

próprios africanos. Na ausência de herdeiras mulheres, muitos prazos passavam a

titulares masculinos, que, na falta de mulheres européias, casavam-se com africanas. Na

geração seguinte, era sua filha mulata mais velha que herdava as terras. Em outros

casos, prazeiras sem filhos transferiam suas terras para sobrinhas ou sobrinhos muitas

vezes mestiços. Como no Brasil, ocorreu em Moçambique uma intensa miscigenação

racial e cultural.60

Assim como a instituição dos prazos foi, provavelmente, algo único na história,

a independência em que viviam muitas donas de prazos, representou outra peculiaridade

da colonização portuguesa na África Oriental. A maioria dos prazos era administrada

pelos maridos, também era comum o pai escolher o noivo de sua filha. Contudo, em

54 PÉLISSER. op. cit., p. 28. 55 NEWITT. op. cit. p. 209. 56 Filhas de vassalos do rei mortos no real serviço. BOXER, Charles. O Império Marítimo Português (1425-1825). São Paulo : Companhia das Letras, 2002. p. 142 57 ALENCASTRO, Luiz Felipe. O trato dos Viventes : formação do Brasil no Atlântico Sul, Séculos XVI e XVII. São Paulo : Companhia das Letras, 2002. p. 18. 58 BOXER. op. cit., p. 153. 59 SANTOS, Maria Emília Madeira. Viagens de exploração terrestre dos Portugueses em África. Lisboa : Junta de Investigação Científica do Ultramar/Instituto de Cultura Portuguesa, 1978. p. 149. 60 SILVA. op. cit. p. 671.

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Moçambique ocorreram diversos casos em que as mulheres escolheram seus noivos,

cuidavam de suas terras, participavam de conflitos e comandavam exércitos de

escravos.61 As donas de prazos tinham por todo o Reino fama de insolentes e altivas.

Estes prazeiros ou prazeiras não cultivavam nenhum produto agrícola, viviam

apenas da cobrança de tributos das aldeias que habitavam suas terras. Estas eram

chefiadas pelos chamados fumos ou mambos. Antes da chegada dos portugueses, eram

estes fumos que recolhiam os tributos de sua aldeia e entregavam ao Imperador de um

reino maior. Quando os colonos portugueses conquistaram a região, os fumos passaram

a ser os principais representantes das aldeias junto aos prazeiros.62

OS FUNCIONÁRIOS DA COROA

A maior parte dos historiadores que pesquisaram a história de Moçambique,

baseou suas pesquisas em documentos produzidos por funcionários da Coroa, que

estiveram na região. Eram naturalistas, militares, civis e eclesiásticos que deixaram

memórias, correspondências, ordens régias, com informações preciosas sobre a

sociedade colonial moçambicana na época em que lá estiveram. Os documentos

referentes ao século XVIII e XIX oferecem ainda mais informações; pois durante a

segunda metade do século XVIII tornou-se quase que obrigatório aos funcionários

portugueses a escrita de relatórios e memórias sobre o estado das colônias nas quais

prestavam serviço.

Na análise dos documentos escritos por estes funcionários da Coroa, devemos

considerar que estavam em uma parte do Império Português diferente da sua região de

origem; alguns destes viajantes eram luso-brasileiros, outros naturais de Goa. Talvez,

pelo estranhamento de uma colônia diferente da sua, criticassem os costumes das

populações africanas e afro-portuguesas que habitavam a região. Além disso, estes

homens estavam em Moçambique a serviço das autoridades portuguesas e deveriam

propor soluções para o desenvolvimento econômico desta colônia.

61 CAPELA, José. Donas, Senhores e Escravos. Porto : Edições Afrontamento, 1995. p. 67. 62 PÉLISSER. op. cit., p. 36.

Page 17: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

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1.3 - A importância das minas de ouro:

Todos autores pesquisados procuraram informar as autoridades locais e

portuguesas a localização de minas de ouro e suas potencialidades. Ao que parece, havia

um mito de que os de metais da região do Zambeze seriam exportados para o Norte da

África desde a antiguidade. O secretário Antonio Pinto de Miranda afirma que as minas

do Rei Salomão localizavam-se em Manica.63 Por sua vez, o governador Baltazar

Pereira do Lago comenta que as minas de Quiteve produziam ouro para a Rainha de

Sabá.64

Os locais onde se comercializavam os produtos mais valiosos da região, entre

eles, ouro, marfim e tecidos, eram conhecidos como feiras. As mais movimentadas, no

século XVIII, eram as de Zumbo e Manica.65 O ouro comercializado nestas feiras era

retirado dos chamados bares.66 Algumas feiras localizavam-se ao lado dos bares, como

a de Manica. Segundo o secretário Caetano Xavier, o ouro negociado em Zumbo era

extraído das minas de Quiteve, Manica e Baroé.67 Tanto as feiras, quanto os bares

localizavam-se fora das terras da Coroa.68

Quando os portugueses encontravam ouro em determinado terreno, obtinham a

permissão dos régulos para explorá-lo em troca de tecidos. Os africanos sacrificavam

algum animal, normalmente uma cabra ou um carneiro, e derramavam o sangue destes

animais sobre as minas, para que estas fossem férteis. É importante ressaltar que

nenhuma mina era explorada em toda sua profundidade, os africanos, normalmente,

mineravam apenas na superfície.69 Os relatos do naturalista baiano Manuel Galvão da

Silva nos dão uma idéia de como era feito o trabalho nas minas.

63 MIRANDA, Antonio Pinto. Secretário do Governo de Moçambique. Memorias da Costa d´Africa Oriental e algumas reflexões uteis para estabelecer melhor, e fazer mais florente seu commercio (1762). In : ANDRADE, Antônio Alberto.(org.) Relações de Moçambique Setecentista. Lisboa : Agência Geral do Ultramar, 1995. p. 280. 64 LAGO, Baltazar Manuel Pereira. Governador de Moçambique. Instrucção que o Ill.mo Ex.mo Sr. Governador e Capitão General Baltazar Pereira do Lago deo a quem lhe suceder neste Governo. In : ANDRADE, op. cit., p. 333. 65 LOBATO, Alexandre. Evolução Administrativa e econômica de Moçambique (1752 – 1763). Lisboa : Agência Geral do Ultramar, 1957.p. 46. 66 Minas de ouro. HOPE, op. cit., p. 109. 67 XAVIER, Ignácio Caetano Xavier. Secretário do Governo de Moçambique. Noticias dos dominios portugueses na costa da África Oriental In : ANDRADE, op. cit. p. 156. 68 LOBATO Evolução Administrativa e econômica de Moçambique (1752 – 1763). Lisboa : Agência Geral do Ultramar, 1957. p. 42. 69 XAVIER, op. cit. p. 165.

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Como as negras são as que mais se ocupam neste trabalho, raríssimas

vezes profundão as minas, e se contentam em buscarem o ouro na

superfície da terra, e pelas margens dos rios, principalmente quando

estes transbordam, depois de grandes chuvas, que lhes tenham trazido o

ouro que encontrão pelos lugares mais altos, e pelos montes vizinhos. É

nestas inundações, que os cafres chamam mafuçueiras, que se tira

sempre dobrado ouro do que se costuma tirar nos anos em que não há

cheias.70

Para as feiras, iam os chamados mussambazes, africanos considerados por

alguns funcionários-viajantes como escravos de confiança. Estes negociavam no lugar

de seus senhores. Os mussambazes dos afro-portugueses levavam tecidos para trocar por

ouro, já os mussambazes dos africanos faziam o comércio oposto, levavam ouro para

trocarem por tecidos.71

Quanto mais para o interior do continente, mais difícil de chegarem os tecidos;

conseqüentemente os assaltos aos mussambazes eram mais freqüentes.72 Segundo

Dionízio de Melo e Castro,73 a Coroa portuguesa deveria enviar mais soldados para

proteger estes mussambazes.

Um número maior de soldados também protegeria os afro-portugueses que

exploravam as minas. Segundo os autores pesquisados, os bares de ouro não duravam

mais do que dois meses de exploração, pois os régulos e prazeiros, normalmente,

iniciavam uma guerra pelo controle destas minas.74 Caetano Xavier comenta que um

Padre recusava-se a tirar todo o ouro possível para não despertar a cobiça de seus

vizinhos.75 Pinto de Miranda afirma que os régulos tomavam de volta as terras de quem

principiava a tirar muito ouro delas. Da região de Quiteve, não se retirava tanto ouro

quanto poderia, porque os régulos vizinhos disputavam o controle das minas. Por causa

destas disputas, existiam muitas minas abandonadas.76 Para acabar com estes conflitos,

70 SILVA, Manuel Galvão. Formado em Ciências Naturais e Secretário do Governo de Moçambique. Diários das viagens, feitas pelas terras de Manica. In : Estudos de História da Geografia da Expansão Portuguesa. Anais, Volume IX, Tomo I. Lisboa : Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar, 1954. p. 328 e 329. 71 XAVIER , op. cit. p. 169. 72 ALMEIDA, Francisco José de Lacerda. Matemático e Governador dos Rios de Sena. Diários de Viagem de Francisco José de Lacerda e Almeida. Rio de Janeiro : Instituto Nacional do Livro, 1944. p. 216. 73 Casado com uma prazeira, foi Governador de Rios de Sena e mais tarde Governador de Moçambique. 74 XAVIER, op. cit. p. 165. 75 Ibid. p. 166. 76 MIRANDA, op. cit., p. 279.

Page 19: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

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Baltazar Pereira do Lago sugeriu a construção de uma fortaleza em Quiteve, protegida

por soldados indianos conhecidos como sipaes. Por sua vez, Galvão solicitava mais

soldados para proteger a Feira de Manica de posse dos portugueses.77

Os afro-portugueses também fugiam das guerras entre os soberanos negros.

Colonos portugueses foram expulsos das minas de Dambarare, Ditito e Mussengueze,

por causa da guerra entre o Imperador do Monomopata e o Régulo Changamira.

Segundo Melo e Castro, Changamira foi um reino que surgiu da revolta de um pastor

contra o Imperador do Monomopata.78

Notamos que o ouro era um elemento essencial nesta sociedade, servia para o

pagamento de tributos e para a aquisição de bens de consumo. Era também muito

valioso para a Coroa. Esta solicitava ao matemático paulista Francisco José de Lacerda

e Almeida que informasse sobre a localização de lavras de ouro e suas potencialidades

durante sua viagem.79 Em Portugal o metalismo, acumulação de metais preciosos, ainda

era um fator muito importante para a sua economia.

1.4 - Falta de um exército mais eficiente:

Freqüentemente os autores queixavam-se às autoridades da falta de oficiais e

soldados preparados para proteger a colônia. Um número maior de soldados traria um

controle maior sobre os povos africanos, protegeria a colônia de invasões estrangeiras e

limitaria o poder dos prazeiros.

Caetano Xavier afirmava que os holandeses já haviam invadido a Vila de

Inhambane e que sempre intentavam invadi-la novamente. Segundo este autor, a região

possuía minas de ouro puro e os melhores escravos para servir, pois eram trabalhadores

e obedientes.80 Segundo Pereira do Lago as autoridades portuguesas deveriam montar

uma companhia de sipaes católicos, para proteger os portos da invasão estrangeira.81

Lacerda e Almeida acreditava que se a Coroa mandasse mais soldados e armas

para a região de Rios de Sena, haveria possibilidade de fazer os prazeiros respeitarem as

77 SILVA, op. cit. p. 326. 78 CASTRO, Dionízio de Melo. Notícia do Império Marave e dos Rios de Sena. In : Estudos de História da Geografia da Expansão Portuguesa. Anais, Volume IX, Tomo I. Lisboa : Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar, 1954. p. 123. 79 ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Moçambique, caixa 77, documento 52. 80 XAVIER, op. cit. p. 157. 81 LAGO, op. cit., p. 323.

Page 20: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

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autoridades portuguesas, inclusive ele próprio.82 Os prazeiros formavam seus exércitos

com os habitantes de suas terras. Como conseqüência, seus poderes eram quase

ilimitados. Mesmo empossado do cargo de Governador dos Rios de Sena, não obteve o

necessário auxilio dos prazeiros para a realização de sua missão. Quando os intimava a

mandarem seus escravos para servirem como carregadores, os afro-portugueses, ou

ignoravam seu pedido, ou mandavam de má vontade. Por causa da omissão de seus

senhores os escravos sempre acabavam fugindo. 83 A única que o ajudou foi Dona

Francisca de Moura Menezes, uma das mais importantes prazeiras da região.84 Lacerda

e Almeida escolheu cerca de 200 africanas de Dona Francisca para carregarem seus

equipamentos.

Entretanto, esta ajuda não foi gratuita, o matemático casou-se secretamente com

Dona Leonarda, sobrinha e herdeira de Dona Francisca.85 Provavelmente, com este

casamento, Dona Francisca pretendia aumentar seu prestígio junto aos demais

moradores dos Rios de Sena e conseguir alguma recompensa da Coroa.

Além das dificuldades para conseguir carregadores, o matemático sofreu para

conseguir juntar um pequeno exército que o acompanhasse na viagem; lamentava o fato

de serem todas a tropas formadas por soldados africanos.86

Aparentemente, não havia solução para o déficit de soldados em Moçambique,

os afro-portugueses não sentavam guarda e a Coroa Portuguesa não tinha homens

suficientes para proteger todo o Império.

1.5 - Os afro-portugueses:

Dos autores estudados, Pinto de Miranda e Lacerda e Almeida são os que

descreveram com mais detalhes o modo de vida dos afro-portugueses. Ainda que sejam

os mais críticos sobre os costumes desta sociedade. Ambos afirmam que os prazeiros

não cultivavam suas terras, nem exerciam qualquer profissão manual. Andavam sempre

carregados nas manchilas, espécie de rede. Além disso, estes funcionários criticavam a

aculturação dos portugueses e seus descendentes pelos africanos.

82 ALMEIDA, op. cit., p. 171. 83 Ibid. p. 191. 84 RODRIGUES, Eugénia. Chiponda, a "Senhora que tudo pisa com os pés". Estratégias de poder das Donas dos prazos do Zambeze no século XVIII. In : Anais de História de Além mar. Nº1, 2000, p. 101-131. 85 A.H.U. Moçambique, Caixa 81, doc. Nº 92. 86 ALMEIDA, op. cit., p. 170.

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Segundo Lacerda e Almeida, os moradores de Quelimane construíam suas casas

"onde queriam e para o lado que lhes convém";87 não havia nenhuma regra para a

construção das casas. Os africanos que moravam próximos aos afro-portugueses

imitavam as construções destes. Conforme navega pelo rio Zambeze observa que os

africanos construíam suas casas "ao seu modo".88 Diferentemente dos africanos que

habitavam os prazos.

Os Governadores de Moçambique e de Rios de Sena também cuidavam da

titulação dos prazos. Lacerda e Almeida comenta o caso da filha de José da Trindade e

Almeida, Dona Mariana Barboza Cabral e Alves. Esta pede auxílio ao Governador para

a confirmação das terras em seu nome, pois há um opositor que se diz herdeiro legítimo

do prazo de Inhacaranga.

Pelo seu oficio de 21 de Março de 1798 fico na inteligência do que me

expoem sobre o provimento da terra Inhacaranga Prazo da Coroa feito

em D. Mariana Barboza Cabral e Alves filha legitima de Jozé da

Tridade e Almeida - Reprezenta-me VM.ce que aparece um opositor

pretendendo embarasar o dito Prazo, que VM.ce deve dar a sobredita

provida, o qual alega ser legitimo herdeiro da terceira vida que ainda

restava. 89

Segundo Pinto de Miranda, os afro-portugueses não observavam as leis cristãs e

viviam na "depravação" como os naturais da terra.90 A Coroa deveria mandar mais

casais portugueses para povoar a colônia. Os funcionários acreditavam que a pouca

quantidade de portugueses influenciava na "cafrealização" 91 dos colonos afro-

portugueses. Segundo Pinto de Miranda as donas de prazos eram todas "altivas e de

condição soberba."92

As suas ocupações consistem em retalharem-se desde o peito até o

ventre, e tingirem ao depois tudo de preto. Terem 40 ou 50, e às vezes

mais escravos

87 Ibid. p. 130. 88 Ibid. p. 140. 89 A.H.U., Moçambique, caixa 81, doc. nº 18. 90 MIRANDA, op. cit., p. 250. 91 Adoção dos costumes africanos por parte dos portugueses e seus descendentes. LOBATO, op. cit. p. 145. 92 MIRANDA, op. cit. p. 254.

Page 22: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

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com que se estão divertindo em danças menos sérias, e mais

decompostas.93

Lacerda e Almeida também escandalizava-se com o fato dos portugueses

adotarem costumes africanos, praticando a poligamia e consultando os feiticeiros para o

tratamento de doenças ou para adivinhação do futuro. É curioso um paulista

escandalizar-se com essa aculturação, pois os portugueses do Brasil adotaram muitos

hábitos e costumes dos povos indígenas. Provavelmente, isto ocorria porque seus textos

eram dirigidos à Coroa portuguesa ou ao público culto europeu.

Lacerda e Almeida e Pinto de Miranda alertavam as autoridades portuguesas

sobre os problemas gerados pelos afro-portugueses que possuíam mais de um prazo. Os

donos de grandes extensões de terra tornavam-se cruéis e despóticos com os habitantes de suas

terras e com seus escravos. 94 O poder destes prazeiros era tão grande que eles não respeitavam

os Governadores, e, possivelmente, nem as determinações da Coroa portuguesa.

Lacerda e Almeida afirma que os donos de vários prazos prendiam, matavam,

cortavam orelhas; enfim, não seguiam nenhuma lei. Comenta o caso de um prazeiro

chamado Custódio de Araújo Bragança que advertido por um Governador para não

cometer excessos com os moradores de suas terras, ameaçou destruir a Vila de Tete se o

Governador insistisse em reclamar de seu comportamento.95 Como Governador dos

Rios de Sena, exercia funções jurídicas, por isso ficou encarregado de resolver diversos

conflitos entre os moradores dos Rios de Sena. O viajante relata alguns casos que

procurou intermediar, entre eles o caso de um degredado, que pela falta de soldados

torna-se sargento-mor.

Um José Gomes Monteiro, sargento mor de milícias, foi mandado como

degredado para Manica por falta de subordinação, sendo oficial da

praça de Sena, contrário ao sossego público e finalmente porque tratava

muito mal a sua mulher, por andar concubinado com outra mulher

casada, das principais da terra, com geral injúria feita a seu marido, que

lhe não merece tão vil procedimento, pois a trata muito bem e é um

pacífico morador desta vila, e o mais rico dela, segundo dizem, porque

tem dinheiro e não deve.96

93 Ibid. p. 254. 94 Ibid. p. 301. 95 A.H.U., Moçambique, cx. 81, nº 81 96 ALMEIDA, op. cit., p. 153.

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Gomes de Monteiro costumava comercializar com o soberano do Baroé, por isso

quando foi informado da chegada do Governador, fugiu para este reino. Procurando

livra-se de alguma punição, tentou subornar Lacerda e Almeida, que se demonstra

ofendido.

Como o dito sargento-mor não foi atendido nos muitos requerimentos

que me fez para ser solto debaixo de frívolos pretextos, recorreu às

poderosas armas que raras vezes deixam de alcançar vitória e mandou-

me oferecer 5.000 cruzados em bom ouro.97

Neste relato, notamos que o matemático procurou demonstrar às autoridades

portuguesas não só a sua honestidade, mas também a grande corrupção que ocorria na

região.

Em sua viagem, encontrou os moradores de alguns prazos levantados e sem

pagar os devidos tributos aos seus senhores. Para Lacerda e Almeida eles não eram

culpados, mas sim os prazeiros que proibiam estes homens de venderem sua produção a

quem pagasse melhor. Se, por acaso, vendessem a outro prazeiro eram duramente

castigados.98 Por isso, também era comum os aldeões de um prazo fugirem para as

terras dos régulos, onde viveriam mais livremente.99

Pinto de Miranda acreditava que além dos afro-portugueses, os indianos também

eram culpados pelas dificuldades econômicas de Moçambique. Os filhos de Goa

seguiam os costumes indianos, vestiam-se como na Índia, viviam divididos por castas,

onde as seis mais pobres não se misturam com as duas mais ricas.100 Segundo este autor,

os indianos eram idólatras, ladrões, corruptos e não cuidavam de suas terras. Por isso,

deveriam ser retirados da colônia de Moçambique.101 Acredito que esta reação de Pinto

de Miranda deve-se a um estranhamento ao diferente; não compreendia os costumes

destes indianos, que apesar de cristãos mantinham costumes hindus. Da mesma maneira,

se escandalizava com os costumes dos prazeiros que continham muitos elementos

africanos.

97 Ibid. p. 155. 98 Ibid. p. 163. 99 A.H.U., Moçambique, caixa 81, doc. nº 18. 100 MIRANDA, op. cit., p. 251. 101 Ibid. p. 252.

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Caetano Xavier, por ser goês, comenta as contribuições dos indianos para a

colonização da Zambézia. Entre outras conquistas, cita a feira de Zumbo, que segundo

este autor foi conquistada por um filho de Goa. Dioízio de Melo e Castro também

nasceu em Goa, mas não faz tantos comentários a respeito dos indianos quanto Caetano

Xavier.

1.6 - Sobre as sociedades africanas:

Os funcionários da Coroa pesquisados também descreveram as sociedades

africanas, alguns mais detalhadamente que outros. Melo e Castro era o que mais

conhecia o assunto. Possivelmente, por não ser viajante, e sim um prazeiro, descreveu

com detalhes os rituais seguidos na corte do Imperador do Monomopata.

Quando alguns sobreditos Reis visitam pessoalmente ao Imperador, é

recebido no seu Palácio, ou Zimbave, na maneira seguinte: Chega a sua

presença, batendo palmas, e se deitam de costas no chão, com a cabeça

em cima das pernas das concumbinas, ou mulheres do Imperador, que

todas assistem a este ato, e assim fica, enquanto um dos grandes

chamado Muandama, implora do Imperador, mande levantar o dito Rei

para se deitar de bruços no mesmo chão; e depois disto se senta em

cima de uma pele de Leão, ou Tigre, e comprimento o Imperador lhe

oferece o seu presente de ouro, marfim, Escravos, gado grosso e miúdo,

e despedindo-se recolhe para os seus domínios.102

Os africanos dos Rios de Sena viviam da caça de elefantes e outros animais,

cultivavam trigo, arroz, milho, coletavam frutos, criavam vacas, cabras, porcos e

carneiros. Plantavam apenas o suficiente para pagarem seus tributos e para seu sustento,

não produziam nenhum excedente.103

Também cultivam algodão, com o qual teciam panos que chamavam de

manxilhas.104 Além das manxilhas, os africanos vestiam peles de animais e cascas de

árvores. Apenas os que pertenciam a classes mais elevadas vestiam-se com tecidos.105

102 CASTRO, op. cit.,p. 140. 103 XAVIER, op. cit. p. 144. 104 MIRANDA, op. cit., p. 234. 105 XAVIER, op. cit. p.146.

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Pinto de Miranda achava um absurdo o hábito dos africanos de vestirem peles de

animais. Pior era o fato dos batizados e não seguirem os preceitos cristãos. Mesmo

escandalizado com estes costumes, sabia que não havia nada a fazer, pois os africanos

estavam em suas terras. Além do mais, os portugueses que deveriam levar a civilização

a região eram poucos.106 Na opinião dos autores, os africanos "não trabalhavam, bebiam

e luxurivam-se o tempo todo. Por isso, passavam fome quase a metade do ano."107

Pinto de Miranda via os africanos como inferiores e muito distantes da

civilização. Achava um absurdo terem muitas mulheres, e comerem as coisas mais

podres. "Pareciam-se mais com feras do que com homens."108 Lacerda e Almeida

também afirma que eles comiam a carne quase crua.109 Seria o hábito alimentar dos

africanos tão diferente dos brasileiros?

Em diversas passagens de seus relatos, Lacerda e Almeida critica os africanos;

chama-os de preguiçosos, insolentes, ladrões, corruptos, burros, etc. Outras vezes os

defende, afirma que são homens fortes, com muita paciência para enfrentar as

dificuldades, sofrem muito sem reclamar, enfrentam tudo com alegria sempre cantando

e dançando.110 Para o matemático, os afro-portugueses eram mais bárbaros que os

africanos, pois estes obedeciam a seus soberanos e tinham a sua própria cultura. Se

cometiam erros, era por não serem civilizados. Deve-se cuidar com este "relativismo"

cultural, porque apesar de em certos momentos elogiar os africanos, tentar entender

cultura deles, o cientista sempre deixa transparecer que ele é o civilizado e, portanto,

superior aos africanos

Notamos também a falta de compreensão dos autores a respeito dos cultos

religiosos africanos. Pinto de Miranda afirmava que não seguiam as leis de Deus, e

outros seguiam a "terrível" religião de Maomé. "Outros se enterram vivos com seus

senhores." 111 Caetano Xavier vai mais longe, para ele os africanos não tinham religião,

adoravam um deus chamado Mulungu, realizavam festas e ofereciam comida e bebida

aos seus antepassados mortos. 112 Contudo, se eles tinham deuses e reverenciavam seus

ancestrais, logicamente tinham uma religião. Talvez para os autores a única religião

correta fosse a católica. Ou estes cultos lhes pareciam exóticos demais.

106 MIRANDA, op. cit., p. 250. 107 Ibid. 249. 108 Ibid. p. 248. 109 ALMEIDA, op. cit., p. 239. 110 Ibid. p. 167. 111 MIRANDA, op. cit., p. 249. 112 XAVIER, op. cit. p.147.

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Segundo Caetano Xavier, os reis do Monomopata eram batizados, mas não

viviam conforme os costumes cristãos.113 Não poderia ser de outra maneira, já que nem

os afro-portugueses seguiam devidamente os preceitos católicos.

Havia o costume dos Imperadores do Monomopata enviarem embaixadores para

encontrarem com o Governador dos Rios de Sena. Este costume permitia a manutenção

da boa relação entre os soberanos negros e os portugueses.114 Por sua vez, os afro-

portugueses e régulos, vassalos do Imperador do Monomopata, mandavam todos os

anos ouro, marfim, escravos e gado como tributo ao Imperador.115 Além dos tributos, os

régulos deveriam mandar seus homens cultivarem as terras do Imperador e entregarem a

este parte da sua produção a cada dois anos.116

Segundo Galvão e Lacerda e Almeida qualquer viajante que atrasasse as terras

dos régulos africanos deveriam oferecer uma quantidade de fato ao soberano da região.

Quando sabiam da presença de estrangeiros em suas terras, os régulos logo mandavam

representantes cobrar o pagamento de algum tecido para poder passar. 117

1.7 - Soluções para o desenvolvimento da colônia:

Para os autores a decadência da região dos Rios de Sena era decorrência da falta

de civilidade, religião e de vontade de seus moradores. Por preguiça não se

interessavam em cultivar suas terras. Apenas ocupavam-se em dominar o governo local

e não respeitavam as leis.118 Os religiosos não eram melhores que os moradores locais,

pois também dedicavam seus dias a fomentar intrigas entre os moradores.119

Segundo Pinto de Miranda, a presença dos suahílis, era prejudicial ao

desenvolvimento da colônia. Ainda era forte a influência destes sobre o Reino dos

Macuas. Para este autor, as autoridades portuguesas deveriam impedir fatos como estes

ocorressem, pois isto dificultava o comércio dos portugueses.120

Os autores também criticavam a liberdade que os franceses das Ilhas Maurícias

tinham para atracarem seus navios nos portos da colônia e realizarem seu comércio com

os africanos. Estes franceses compravam escravos em troca de armas de fogo. Segundo 113 Ibid. p. 173. 114 Ibid. p. 173. 115 CASTRO, op. cit.,p. 133. 116 Ibid. p. 139. 117 SILVA, op. cit. p. 324. 118 XAVIER, op. cit. p.141. 119 Ibid. op. cit p.143. 120 MIRANDA, op. cit., p. 240.

Page 27: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

23

Pinto de Miranda, além de comercializarem, os franceses poderiam estar espionando as

defesas dos portos portugueses.121 Além disso, o autor alertava sobre o perigo que

representava para os afro-portugueses, a facilidade que os africanos tinham em obter

armas de fogo.

Para tirar a colônia da decadência econômica, os funcionários ofereceram

algumas soluções. Pinto de Miranda sugeria que as autoridades locais utilizassem mão

de obra de africanos que cometessem algum crime, para construírem casas, templos,

conventos e fortificações, estradas e uma casa da moeda em Quelimane.122 Por sua vez,

Pereira do Lago não recomendava a construção de uma casa da moeda, por considerar

pouco o número de soldados para manutenção de tal empreendimento. Apostava na

formação de uma Companhia de Comércio e no recrutamento de sipaes para protegerem

toda a colônia.123

As propostas de Pinto de Miranda eram bem radicais. Para que a colônia não

fosse mais dominada pelos “corruptos e indolentes” donos de prazos e se desenvolvesse

economicamente propunha às autoridades locais que conquistassem as minas de ouro à

força e que os africanos trabalhassem presos a ferro.

Além disto, a Coroa deveria mandar mineiros brasileiros com suas ferramentas e

desta maneira aumentar a extração do precioso metal.124 Lacerda e Almeida também

sugeriu que as autoridades portuguesas enviassem para Moçambique famílias de

lavradores, mineiros, tecelões e especialistas na fabricação de açúcar, farinha de

mandioca, anil do Brasil. Por ser paulista, acreditava que os portugueses da América

eram muito mais habilidosos e honestos que os portugueses de Moçambique. Também

apostava na divisão dos grandes prazos com colonos vindos do Brasil, e que famílias de

São Paulo e de Minas Gerais administrassem a extração de ouro das minas das terras da

Coroa.125

Pinto de Miranda acreditava que através de um exército forte os portugueses

deveriam conquistar e submeter os soberanos negros aos seus interesses. Além disso, os

soberanos negros deveriam pagar tributos e prestar vassalagem à Coroa Portuguesa.126

121 MIRANDA, op. cit., p. 240. 122 Ibid, p. 277. 123 LAGO, op. cit., p. 314. 124 MIRANDA, op. cit., p. 283. 125 A.H.U., Moçambique, cx. 80, doc. 81. 126 Ibid. p. 285.

Page 28: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

24

O autor também recomendava a vinda de um número maior de religiosos e a construção

de mais conventos, para aumentar as conversões e melhorar a conduta dos moradores.127

Sobre os comentários destes funcionários é importante salientar que nenhum

deles nasceu em Moçambique. É bem provável que por serem estrangeiros, funcionários

da Coroa e tivessem seus escritos dirigidos as autoridades portuguesas, estes autores

demonstrassem uma superioridade diante do outro. Por sua vez, este outro, ou seja, o

afro-português, vivia tão distante de Portugal, com tanta autonomia que era natural

construir uma sociedade que servisse aos seus interesses e não aos interesses das

autoridades portuguesas ou de seus representantes.

127 MIRANDA, op. cit., p. 288.

Page 29: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

25

Segundo Capítulo - Escravidão na África

Sabe-se que as sociedades africanas eram escravistas séculos antes do contato

com os europeus.128 É importante ressalvar, contudo, que nestas sociedades o escravo

era um elemento incidental, e, normalmente, agregava-se à linhagem do senhor. No

processo de colonização da África Oriental, os portugueses assimilaram as práticas

escravistas africanas, ao mesmo tempo, modificaram certos aspectos desta instituição. A

partir do final do século XVIII, as relações escravistas na região de Moçambique são

profundamente alteradas para a produção de escravos para o tráfico atlântico.

O presente capítulo retrata as observações dos funcionários-viajantes sobre a

escravidão nas colônias de Moçambique e Rios de Sena. Como viviam e quais as

atividades realizadas pelos escravos que habitavam as comunidades africanas e afro-

portuguesas? Qual a influência dos portugueses nas relações escravistas existentes nas

colônias portuguesas da África Oriental no século XVIII?

2.1 - No início: um elemento "incidental":

Conforme tratamos no capítulo anterior, por volta do século VII, mercadores

árabes instalaram-se nas ilhas da África Oriental para comprar ouro, marfim e escravos

das populações africanas do litoral. Da fusão destes grupos sociais nascem as cidades

suahilis129, dominadas por sultões arabizados e islamizados que se dedicam a negociar

estes produtos com os soberanos negros do interior. Os escravos eram levados para os

mercados do mundo mulçumano, e muitas vezes chegavam até ao extremo oriente.

Segundo o historiador Ki-Zerbo, no início do século XII, era difícil encontrar um

128CAPELA, José. Donas, Senhores e Escravos. Porto : Edições Afrontamento, 1995. LOVEJOY, Paul. A escravidão na África : Uma história de suas transformações. Rio de Janeiro : Editora Civilização Brasileira, 2002. MEILLASSOUX, Claude. Antropologia da Escravidão : O ventre de ferro e dinheiro. Rio de Janeiro : Editora Jorge Zahar, 1995. MILLER, Joseph C. A economia política do tráfico angolano de escravos no século XVIII. In : PANTOJA, Selma e SARAIVA, José Flávio Sombra (Org.). Angola e Brasil : Nas rotas do Atlântico Sul. Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 1999. NEWITT, Malyn. História de Moçambique. Lisboa : Publicações Europa-América, 1997. PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Brasileiros a Serviço do Império: A África vista por naturais do Brasil, no século XVIII. In : Revista Portuguesa de História, Coimbra,1999. SILVA, Alberto da Costa. A manilha e o libambo: a África e a escravidão, de 1500-1700. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: Fundação Biblioteca Nacional, 2002. 129 População mestiça, formada do casamento de árabes com africanas. Habitavam ilhas e cidades da costa da África Oriental. KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra, Parte 1. Mira - Sintra : Publicações Europa-América, 1990. p. 157.

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contonês130 rico que não possuísse escravos negros. O comércio de mercadorias da

África para a China ocorreu até o século XVI, quando os chineses diminuem as

atividades comerciais com o exterior.131

Apesar de existir o tráfico, o número de africanos exportados não era

significativo, por serem os mercados demasiados longe e o transporte caro. O mesmo

ocorreu no tráfico para o Atlântico, até finais do século XVIII. Nesta época, dois terços

dos escravos exportados da África Oriental eram destinados para o mundo mulçumano,

e o outro terço, para as ilhas Maurícias e para a América.132 O tráfico de escravos de

Moçambique para o Brasil começou em 1645, quando os holandeses invadiram Luanda.

Com a expulsão dos holandeses, em 1648, o tráfico de escravos para o Brasil voltou a

tornar-se esporádico até finais do século XVIII.133

Nas sociedades africanas, os escravos trabalhavam na lavoura e no trato com o

gado que pertenciam às famílias que os tinham submetidos. Todavia, ao contrário do

que ocorreu com os afro-portugueses, estes escravos integravam-se à linhagem do

senhor.134

Segundo alguns historiadores africanistas, 135 entre as sociedades africanas,

escravo era o que vinha de fora, era o "estranho" normalmente capturado em guerras ou

refugiado por causa de secas. Quando um indivíduo estranho habitava uma comunidade

deveria ter uma função que produzisse bens para a comunidade. Caso contrário, podia

ser considerado um "imolado" e sacrificado em rituais religiosos ou fúnebres. Por isso,

era mais comum o sacrifício de homens, pois as mulheres podiam ter funções

reprodutivas.136

Segundo os relatos Dionízio de Melo e Castro,137 as mucarangas, concubinas do

Imperador do Monomopata, eram sacrificadas em seus enterros, juntamente com alguns

cafres, africanos. Estes, provavelmente, eram escravos.

130 Nascido na região do Cantão, na China. KI-ZERBO, op. cit., p.243.

131 Ibid, p.244.

132 LOVEJOY, op. cit., p. 108.

133 CAPELA, José. O tráfico da escravatura nas relações Moçambique-Brasil. In : História : Questões e Debates, Curitiba 9(16). p. 187. Jun. 1988.

134 SILVA, op. cit., p. 683.

135 Ver SILVA, op. cit., p. 683. e MEILLASSOUX. op. cit., p. 22.

136 MEILLASSOUX, op. cit., p. 30.

137 Era casado com uma prazeira, foi Governador de Rios de Sena e mais tarde Governador de Moçambique.

Page 31: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

27

Falecendo o Imperador, é sepultado em um lugar circulado de

inaccessíveis matos de arvoredo, no centro do qual abre uma cova larga,

e profunda, quanto possa caber um grande número de suas concubinas,

e alguns domésticos seus, que são lançados todos vivos na mesma cova,

servindo de estiva, e em cima desta o cadáver amortalhado em uma pele

de vaca fresca, e depois disto com grandes alaridos, e toques de

tambores, e outros instrumentos cobrem a tal cova da terra, ficando

todos sepultados, degolam uma rapariga donzela, cujo sangue serve de

borrifar a dita cova, e para guarda desta ficam atados, e bem seguros

dois cafres vivos, até mirrarem de fome e de sede.138

Nas comunidades africanas, os escravos serviam, principalmente, para o

crescimento populacional e para auxiliar outros africanos na produção de víveres.

Quando o número de escravos era superior ao necessário, podiam ser sacrificados em

cerimônias religiosas ou vendidos para o tráfico externo. O crescimento deste comércio

perverte os costumes africanos e os sacrifícios humanos se tornam mais freqüentes.

Em outro relato Melo e Castro aponta para a qualidade doméstica do trabalho

escravo. Segundo este autor, os soberanos negros, vassalos do Imperador do

Monomopata, mandavam seus filhos entregarem a este, uma boa quantidade de ouro,

marfim, gado e escravos. Os escravos serviam o Imperador e suas mucarangas em sua

residência ou trabalhavam nas terras do Imperador.139

Esta tradição de enviar escravos como "presente" continuou após a chegada dos

portugueses. Os régulos entregavam escravos capturados ou que receberam uma pena

por algum crime pequeno, como "presentes" aos prazeiros, mas logo após serem

enviados aos afro-portugueses, estes escravos voltavam para suas terras.140 Talvez o

mesmo ocorresse com parte dos escravos enviados ao Monomopata.

138 CASTRO, Dionízio de Melo e. Notícia do Império Marave e dos Rios de Sena. In : Estudos de História da Geografia da Expansão Portuguesa. Anais, Volume IX, Tomo I. Lisboa : Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar, 1954. p. 142. 139 CASTRO, op. cit., p. 134. 140 MIRANDA. Antonio Pinto de. Governador de Moçambique. Memorias da Costa d´Africa Oriental e algumas reflexões uteis para estabelecer melhor, e fazer mais florente seu commercio (1762). In : ANDRADE, Antônio Alberto. (Org.) Relações de Moçambique Setecentista. Lisboa : Agência Geral do Ultramar, 1995. p. 268.

Page 32: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

28

2.2 - Classificação dos tipos de escravidão:

Todos os funcionários da Coroa portuguesa pesquisados trataram do assunto

escravidão, com a exceção do governador Baltazar Pereira do Lago. Já quem mais

escreveu sobre o assunto foi o secretário António Pinto de Miranda, que fez uma

descrição detalhada das "categorias de escravos" existentes nos prazos. O glossário de

termos sobre a escravidão em Moçambique, que veremos a seguir, foi baseado em seus

relatos:

1. Botacas ou butacas - escravos herdados pelos parentes de alguém que faleceu.

Segundo o autor, não eram tão fiéis ao segundo senhor quanto eram ao primeiro.

2. Mangabas eram nós feitos em cordas para lembrar aos filhos de um escravo que eles

deveriam continuar servindo ao senhor após a morte de seus pais.

3. Manamanbos - filho de um régulo tornado escravo. Houve apenas um caso, o filho do

Rei do Barbeçada fugiu de um milando141 promovido por seu pai para as terras de Dona

Ignez Garcia Cardoso. Esta pacificou o rei oferecendo-lhe presentes. O rei perdoou o

filho, e como forma de agradecimento, mandou-o cuidar das terras de Dona Ignez.

4. Mucazambos - escravos de confiança dos prazeiros. Também conhecidos como

mussambazes, negociavam nas feiras ouro e tecido no lugar de seus senhores. 142

5. Fumos - representantes das aldeias. Também eram chamados de mambos.

6. Bazos - auxiliares dos fumos.

7. Sachicundas - governavam os chicundas.

8. Chicundas - africanos que se ofereciam como escravos aos prazeiros. Capela os

chama de achicunda e afirma que eram os homens de confiança dos prazeiros143,

negociantes de tecidos e ouro.144 Acredito que Capela cometeu um engano. Chicundas

eram os "escravos" que trabalhavam dentro dos prazos, como soldados dos prazeiros;

também podiam trabalhar como pescadores, ourives, cozinheiros, músicos e ferreiros.

Eram os mussambazes que negociavam fora dos prazos. 145

9. Mucatas - substitutos dos sachicundas, segundo Pinto de Miranda. Contudo, Lacerda

e Almeida e Manuel Galvão chamavam de mucatas as negras que trabalham nas minas

de ouro.

141 Julgamento de um crime ou ofensa. 142 XAVIER, Ignacio Caetano Xavier.Secretário Geral do Governo de Moçambique. Noticias dos dominios portugueses na costa da África Oriental. In : ANDRADE, op. cit., p. 169. 143 CAPELA, op. cit., p. 200. 144 Ibid, p. 202. 145 NEWIT, op. cit., p. 683.

Page 33: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

29

10. Macoda - a líder das negras. Provavelmente, das negras que trabalhavam nas minas.

11. Mucensses e butongas - Moradores das terras, não eram cativos. Pagam tributos e

prestavam serviços aos prazeiros. 146

Notamos que os portugueses identificavam os escravos por chicundas,

mussambazes, e outras "categorias"; e os africanos livres como mucenses ou butongas.

Havia, realmente, diversas categorias de relações de trabalho dentro dos prazos.

Muitos dos funcionários-viajantes chamam de escravos todos os trabalhadores

ligados diretamente aos prazeiros, por não terem interesse em demonstrar os diversos

tipos de relações judiciais, de parentesco, ou de liderança existentes nas sociedades

africanas. O único que procurou demonstrar as especificidades da escravidão na

sociedade moçambicana foi Pinto de Miranda.

Aliás, este autor é o único a afirmar claramente que os prazeiros não tinham

escravos, propriamente dito. Este explica que não eram escravos como os da América,

"mas como moços europeus que assentam sua soldada." 147

(...) que ninguém nestas terras possuem escravos em sã consciência

porque se não acham os requisitos necessários para o cativeiro, quais

são o serem prisioneiros em justa guerra, porque se eles, ou por

timoratos, ou pelo interesse nos oferecem as terras que possuem, não sei

que motivo haja para que se cativem.148

Os "escravos" que habitavam os prazos eram obrigados a prestar serviços e

pagar tributos ao senhor, porém conservavam sua autonomia. É importante lembrarmos

que os homens livres tinham as mesmas obrigações, também pagavam tributos e

prestavam serviços ao prazeiros.149

Os prazeiros não tinham grande número de escravos, mas sim servidores.150 Não

eram escravos no sentido de propriedade. Serviam mais como uma demonstração de

poder do que como mão de obra. Além disso, não fazia sentido terem tanta gente

trabalhando para eles, se eles não produziam nada para a exportação.

Pinto de Miranda afirma que os Padres Dominicanos possuíam 300 escravos.

Uma afro-portuguesa chamada D. Ignez Pessoa de Almeida Castelo Branco possuía

146 MIRANDA, op. cit., p. 266. 147 MIRANDA, op. cit., p. 269. 148 Ibid, p. 269. 149 MATTOSO, op. cit.,p. 25. 150 NEWITT, op. cit., p. 216.

Page 34: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

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6.000 escravos em sua casa. Os prazeiros "terão cada um deles 30 ou 40 escravos, e a

terra, ou seu senhorio 600 ou 700". 151

Os prazeiros apoiavam-se em uma grande quantidade de "escravos" para

manterem-se fortes perante seus vizinhos. Possuíam exércitos particulares com cerca de

4.000 e 5.000 "escravos" que habitavam suas terras, pois se sentiam mais seguros contra

ameaças dos africanos e outros prazeiros. 152

Muitos destes guerreiros não eram apenas recrutados para participar em

apenas uma campanha, transformando-se antes numa força armada

permanente ao serviço do senhor que os contratava, sendo estes,

erroneamente chamados de escravos em muitos documentos

portugueses, quem constituiu os alicerces dos imponentes exércitos

chicundas característicos dos séculos XVIII e XIX.153

Os africanos que se voluntariavam para trabalhar nos prazos, trabalhavam como

soldados, mercadores, carregadores ou barqueiros. Por sua vez, as mulheres

trabalhavam nas minas de ouro. Além de minerar, também cultivavam a terra.154 A

maior parte dos autores pesquisados afirma que somente as negras trabalhavam nas

minas de ouro e na agricultura.

As africanas que trabalhavam nas minas tinham um trato com seus senhores,

entregavam uma certa quantia em ouro em pó por semana, em média 14 grãos, ficando

com o restante do ouro que retiravam. Além disso, quando terminassem de retirar a

quantidade que lhes interessava, podiam descansar o resto da semana. O naturalista

baiano Manuel Galvão da Silva achava justo já que seus senhores não as sustentavam,

não lhe davam comida, nem as vestiam.155 Sobre o trabalho delas escreve:

Cada negra (que são as únicas que trabalham nas minas e na

agricultura), toma duas, ou três arrobas de pedra, que quebra das

151 MIRANDA, op. cit., p. 258 - 260. 152 SILVA, op. cit.,p. 681. 153 NEWITT, op. cit.,p. 205. 154 MIRANDA, op. cit.,p. 282. 155 SILVA, Manuel Galvão da. Diários das viagens, feitas pelas terras de Manica. In : Estudos de História da Geografia da Expansão Portuguesa. Anais, Volume IX, Tomo I. Lisboa : Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar, 1954. p. 316.

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pedreiras, onde divisa algum sinal de ouro, e sobre uma rocha as vai

quebrando(...)156

O antropólogo Claude Meillassoux afirma que as constantes guerras criaram a

necessidade de uma classe guerreira permanente que não poderia se dedicar a outras

atividades. Por isso, a utilização de escravos para trabalharem na terra nas sociedades

africanas.157 Provavelmente, nos prazos, a permanência de uma classe guerreira,

formada pelos chicundas, e mercadores, os mussambazes, fosse o principal motivo de

somente as mulheres trabalharem na agricultura e nas minas.

Portanto, os prazeiros tinham um número tão significativo de servidores por três

motivos principais. Primeiro, porque precisavam de muitos homens para protegerem as

terras de possíveis conflitos com soberanos negros e outros prazeiros. Também

precisavam das negras para trabalharem nas minas de ouro. E de mais homens para

negociarem nas feiras ouro, tecidos e marfim em seu lugar.

Possivelmente, a condição dos escravos que trabalhavam dentro da casa dos

prazeiros, se assemelhasse a escravidão que ocorria no Brasil. O matemático paulista

Francisco José de Lacerda e Almeida relatou em seu diário o caso de prazeiros que

foram obrigados a se desfazer de seus escravos, por não terem como mantê-los em

épocas de graves secas. Neste mesmo relato, o matemático afirma que os prazeiros que

mandavam seus escravos embora, "viviam desolados por não terem quem os

servisse".158

2.3 - A liberdades dos "escravos":

Mesmo que existissem escravos vivendo em condições semelhantes aos da

América, a grande maioria vivia livremente, sem estarem rigorosamente ligados aos

prazeiros.

O secretário de governo Caetano Xavier comenta que os escravos fugiam para a

Ilha de Moçambique.159 Talvez estivessem fugindo dos navios que levavam escravos

para o exterior. Também poderiam estar fugindo para ilha, assim como fugiam para

156 Ibid, p. 315. 157 MEILLASSOUX, op. cit.,p. 158. 158 ALMEIDA, op. cit.,p. 169. 159 XAVIER, Ignacio Caetano. Noticias dos dominios portugueses na costa da África Oriental. In : Andrade, op. cit., p. 146.

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outros prazos. Como relata Lacerda e Almeida, os africanos que habitavam os prazos

fugiam para outras terras quando seus senhores os obrigavam a vender os produtos que

cultivavam apenas para eles por um preço menor.160

Para o desespero do matemático, durante sua viagem seus carregadores,

"escravos" dos prazeiros, também fugiam para os prazos vizinhos. Faziam isto, porque

temiam entrar em território desconhecido, e principalmente, por não haver lei que os

obrigasse a seguir rigorosamente suas ordens.

Mandei chamar os Mucazambos, cafres que governam um certo número

de cativos, e eles também o são, e, lhes fiz minha prática, a qual se

mostraram sensíveis, prometendo fazer daqui para diante maior viagem.

Mas a experiência me tem mostrado que no mesmo instante fazem o

contrário do que prometem, como homens que vivem inteiramente

entregues à lei corrupta e viciada natureza, e sem conhecimento da lei

divina, ou humana, que reprimem o estímulos da nossa vontade e

liberdade. 161

Um soberano negro, chamado Caperemera, ameaçou escravizar e mandar para os

navios dos portos de Moçambique, os cafres de Lacerda e Almeida que fugissem para

suas terras. Esta tática funcionou, os carregadores ficaram com medo e passaram a

obedecer ao matemático.

Caperemera, porém, muito irado, lhes disse, que naquele mesmo

instante despejassem suas terras, e se o não fizessem, ele os castigaria e

deitaria por força do seu braço tinha ele o nome de Caperemera, isto é,

de valoroso ou coisa semelhante. Como eu estava seguro, que os nossos

cafres, com medo de ficarem cativos de Caperemera, e serem vendidos

para Moçambique, e dali transportados para fora da África, o maior de

todos os castigos que se pode dar a um cafre, não haviam de fugir. 162

160 ALMEIDA, Francisco José de Lacerda. Matemático e Governador dos Rios de Sena. Diários de Viagem de Francisco José de Lacerda e Almeida. Rio de Janeiro : Instituto Nacional do Livro, 1944., p. 151. 161 Ibid, p. 205. 162 ALMEIDA, op, cit., p. 234.

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A única maneira encontrada por Lacerda e Almeida para fazer os carregadores

continuarem a viagem era ameaçando mandá-los para fora da África. Ou seja, tornado-

os escravos literalmente. Observando as diferenças entre a escravidão africana e

brasileira, o matemático afirma que os africanos que eram levados para a América eram

mais eficientes e subordinados, "ou por medo ou pela agilidade que observam nos mais

veteranos."163 Ao contrário do que acontecia em Moçambique, os africanos que

desembarcam no Brasil eram obrigados a trabalhar duro, sem poder fugir.

... pois os cafres jamais tem pressa; isto é, cafres destas terras africanas,

pois os que se vendem na América, ou por medo ou pela agilidade que

observam nos mais veteranos, são diligentes.164

Se havia essa diferença entre a escravidão no Brasil e na África, quem era

considerado cativo entre os povos africanos? Segundo Meillassoux e Costa e Silva, nas

sociedades africanas e afro-portuguesas, pelo menos até o final do século XVIII,

"escravo é o que vem de longe".165 O escravo considerado como mercadoria, era o

sujeito que não pertencia à sociedade. Ele poderia ser um prisioneiro de guerra,

refugiado pelas secas, ou recebido como pagamento por algum delito ou tributo. Não

importava sua origem, era preso e levado para a costa, para ser vendido para fora da

África.166

2.4 - Tráfico de escravos:

Lacerda e Almeida comenta que em sua viagem encontrou um morador de Tete

que levava 150 escravos para serem vendidos em Quelimane. Conta com satisfação que

estes comerciantes não tinham lucro com tal comércio.

Aqui achei outro morador de Tete, o qual levava em gargalheiras cento

e cinqüenta escravos para os vender em Quelimane. Tenho particular

satisfação em confessarem-me todos os comerciantes de escravos com

que tenho falado que jamais ganharam neste contrato, antes asseveram

que não tem tirado a quarta parte do principal, e apontam outros muitos 163 Ibid. p. 234. 164 Ibid, p. 234. 165 SILVA, op. cit.,p. 684. 166 Ibid, p. 684.

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a quem tem acontecido o mesmo. Eu vejo que na perda deste contrato

os fere e castiga a mão de Deus pelas injustiças que praticam, quando de

livres fazem escravos estes nossos semelhantes, pois de tantos escravos

que saem destes rios uma boa parte não é legitimamente cativa.167

Talvez estes traficantes não estivessem sendo sinceros quando afirmavam não

lucrar com tal comércio, isto porque havia a demanda por escravos nas Ilhas Maurícias,

e o tráfico atlântico começava a crescer na época em que Lacerda e Almeida passou

pela região.

Neste comentário, nota-se que havia muitos cativos que não deveriam se

encontrar em tais condições. Segundo o matemático, em Angola existia um tribunal para

julgar se o escravo era legítimo ou não antes de embarcar para o Brasil.168 Acredito que

a única condição legítima de escravidão, para ele, fosse a dos prisioneiros de guerra.

Entre as sociedades africanas tentava-se impedir abusos no comércio de escravos

e o tráfico ilegal. Aceitava-se a escravidão dentro de certos limites. Qualquer tentativa

de impedir abusos e injustiças no tráfico de africanos não resistiu a grande demanda por

mão de obra. 169

A própria missão de Lacerda e Almeida parece ter sido motivada pelo

crescimento do tráfico de escravos. O matemático foi enviado para Moçambique para

descobrir uma rota por terra entre Moçambique e Angola.170 Os principais objetivos de

tal missão, provavelmente, eram facilitar o comércio produtos asiáticos, principalmente

tecidos da Índia, e o transporte do ouro da Zambézia para Portugal e, talvez, facilitar o

tráfico de escravos da costa oriental para o Brasil.

No século XVIII, a produção de ouro no Brasil começou a decair e o Marquês de

Pombal decidiu incentivar a agricultura. A partir da segunda metade deste século,

aumenta da produção agrícola no Brasil, principalmente do cultivo de algodão para a

produção de manufatura em Portugal.171 Para atender a demanda por escravos, Pombal

fundou as Companhias de Comércio do Grão-Pará e Maranhão (1755) e a de

Pernambuco e Paraíso (1759). Inicia-se, então, um fluxo direto de mão de obra da

167 ALMEIDA, op. cit., p. 161. 168 Ibid, p. 162. 169 LOVEJOY, op. cit.,p. 143. 170 AHU, Moçambique, caixa 77. doc. 52. 171 MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo : Editora Brasiliense, 1988. p. 29.

Page 39: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

35

África para o Brasil.172 Talvez visando aumentar a quantidade de escravos para o Brasil,

D. Rodrigo de Souza Coutinho tenha promovido a viagem de Lacerda e Almeida.

Em seu diário e correspondências, Lacerda e Almeida recomenda diversas vezes

à boa amizade como o Rei do Cazembe. Este reino surgiu por volta de 1740. Alguns

anos depois, seus representantes já comercializavam tanto com os prazeiros da

Zambézia, quanto com os reinos da região de Angola, para onde enviavam prisioneiros

de guerra como escravos.173 Provavelmente, Lacerda e Almeida preocupava-se com as

boas relações com este reino por dois motivos. Primeiro, para que o auxiliassem na

viagem até Angola. Outro motivo, talvez fosse o comércio de escravos que este reino

fazia com os comerciantes de Angola. Suponho que Lacerda e Almeida estivesse

aconselhando os portugueses a aproveitarem a experiência e os contatos do Cazembe

com o tráfico para Angola, e a tirarem algum proveito disto.174

O vertiginoso aumento da produção da produção agrícola, citado logo acima,

exigia um aumento na produção de escravos na África.175 Conseqüentemente, esta

demanda por escravos fez com que a venda de cativos para traficantes europeus

passasse a ser a principal fonte de renda de Estados africanos, difundindo-se guerras

pelo interior da África. Impérios estáveis desaparecem e novos surgem "nascidos do

tráfico e vivendo dele".176

O africanista Paul Lovejoy apresenta em seu livro "A escravidão na África",

diversas tabelas referentes à exportação de escravos. A tabela abaixo apresenta o

crescimento do comércio de africanos para a América.177

Exportações estimadas de escravos da África, 1500 - 1800

Setor 1500-1600 % 1600-1700 % 1700-1800 % Total %

Mar Vermelho 100.000 9,3 100.000 4,4 200.000 2,7 400.000 3,7 Saara 550.000 51,0 700.000 31,1 700.000 9,5 1.950.00 18,2

África Oriental 100.000 9,3 100.000 4,4 400.000 5,4 600.000 5,6 Atlântico 328.000 30,4 1.348.000 60,0 6.090.000 82,4 7.766.173 72,5

Total 1.078.000 2.248.000 7.390.000 10.716.000

Dados apresentados no livro de Paul Lovejoy. A escravidão na África : Uma história de suas

transformações. Rio de Janeiro : Editora Civilização Brasileira, 2002.

172 Ibid., p. 33. 173 LOVEJOY, op. cit., p. 131. 174 ALMEIDA, op. cit. p. 182. 175 MILLER, Joseph C. op. cit., p. 14. 176 MATTOSO, op.cit., p. 27. 177 LOVEJOY, op. cit. p. 90.

Page 40: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

36

Observando estes dados, a primeira coisa que notamos é a enorme quantidade de

cativos exportados da Costa Centro Ocidental. Mesmo não sendo tão significativo

quanto o desta região, percebemos um grande aumento no tráfico de escravos da África

Oriental a partir do século XVIII.

Para Lovejoy, o vultuoso aumento das exportações só poderia ter ocorrido com o

respectivo aumento da capacidade de escravizar. Isto porque a produção de escravos

está atrelada a uma fragmentação política das sociedades africanas e a formação de uma

rede comercial que buscava escravos pelas mais diversas regiões do continente africano.

"A exportação de cerca de onze milhões de escravos de 1.500 a 1.800, incluindo o

aumento astronômico entre 1650 e 1800 no setor atlântico, não poderia ter ocorrido

sem a transformação da economia política africana." 178

Até finais do século XVIII, estas transformações não são tão evidentes na África

Oriental, quanto na parte ocidental do continente. Talvez por isso não se pode constatá-

las nos relatos dos funcionários-viajantes. Na verdade, as práticas de "produção" de

escravo relatadas pelos autores, quase que desapareceram no decorrer do século XIX;

época em que os prazeiros formaram exércitos para a captura de escravos com a

intenção de comercializá-los. Quais as práticas de produção de escravos que existiram

até o século XVIII e foram relatadas pelos funcionários?

2.5 - Diferentes origens da condição de escravos:

Nos século XVII e XVIII, existiam cinco padrões para a produção de escravos.

O primeiro era resultado das guerras promovidas por Estados centralizados contra as

populações vizinhas, cujos conflitos não se estendiam além das fronteiras destes

Estados. No segundo padrão, as guerras eram entre vizinhos sem que um Estado forte

participasse. No terceiro, havia a "disseminação da anarquia", onde escravos eram

capturados através de seqüestros aleatórios. No quarto, o sistema de escravização era

visto como punição de crimes, feitiçaria ou dívidas. Finalmente, o quinto padrão aponta

a escravidão voluntária. Os funcionários da Coroa preocuparam-se em relatar

principalmente a escravidão como punição e a voluntária. Talvez isto ocorresse porque

eram processos mais facilmente identificáveis, ou seja, os viajantes conseguiam

178 Ibid, p. 119.

Page 41: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

37

observar estas práticas escravistas. No caso das guerras e seqüestros, o cativo já chegava

devidamente "produzido".

2.5.1 - Escravidão como conseqüência de um julgamento:

O governador Dionízio de Melo e Castro descreveu algumas práticas jurídicas

dos africanos. Através do conhecimento destas, podemos compreender melhor uma das

principais formas de escravização existentes na África Oriental: a escravidão como

penalidade.

Segundo este autor, entre as tribos da região do Zambeze a pena para quem

roubava, matava ou feria alguém, era entregar duas pessoas como escravas à família

lesada. Quem roubava as mucarangas (mulheres do Imperador do Monomopata) era

condenado à morte e todos os seus descendentes ficariam escravos do Imperador. A

mesma pena se aplica a quem se envolvia com alguma mucaranga do Imperador. Os

que cometiam algum crime contra o Estado eram condenados à morte e sua família

perdia todos os seus bens, mas os parentes não se tornavam cativos. Melo e Castro não

especifica qual tipo de crime poderia ser cometido contra o Estado.179 Os condenados

por praticar feitiçaria também eram condenados à morte, mas seus parentes não se

tornavam cativos.180

Nota-se que dentro das sociedades africanas, já existia a escravidão como pena

por algum delito. E as penalidades mais duras eram aplicadas aos que traíam o

Imperador e aos acusados de feitiçaria.

Segundo o naturalista baiano Manuel Galvão da Silva, na Zambézia, o

julgamento de um crime ou ofensa chamava-se milando, o veredicto chama-se tongar, e

a condenação quando se perde a causa, chamava-se chibinga. Alguma autoridade

africana ou luso-africana tonga, ou julga, determinada queixa.181 Portanto, os milandos

que aparecem com freqüência nos relatos de Galvão e Lacerda e Almeida consistiam em

julgamentos que aconteciam por qualquer motivo, sendo o condenado obrigado a pagar

uma determinada quantia de tecidos ou tornar-se escravo, ou mandar algum parente em

seu lugar.182

179 CASTRO, op. cit., p. 137. 180 Ibid, p. 141. 181 SILVA, op.cit., p. 329. 182 MIRANDA, op. cit.,p. 266.

Page 42: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

38

Durante sua viagem pelo interior do continente, Galvão envolveu-se em um

milando. Foi acusado de espionar e enfeitiçar as minas de ouro dos Maraves utilizando

uma marreta, por isso foi obrigado a pagar uma determinada quantidade de tecidos e de

ouro. Segundo o próprio Galvão: "Seria um milagre entrar algum nas terras dos cafres,

e dela sair sem passar por algum milando, sendo o artifício de que se valem para os

seus roubos."183 Os africanos utilizavam-se dos milandos para conseguir tecidos dos

afro-portugueses, já estes, apropriaram-se desta prática para conseguir escravos.

Esta era a prática de escravização mais injusta para o matemático paulista

Francisco José de Lacerda e Almeida. Vejamos seu comentário a respeito dos milandos:

Um dos inimigos dolos que a cafraria liberta mais sente é além de

cativaram os seus parentes, serem estes vendidos a outrem e exportados para

fora do lugar, sem que lhes seja possível ver-los, porque o serem cativos, por

este, ou aquele pequeno pretexto e conservarem-se como refiro em parte aonde

sejam vistos não lhes he pesado pelo Costume que eles pensam infalível, e

prometido, à vista da freqüência dos milandos (litígios) que a cada passo estão

vindo correr sobre eles por pretextos quando não imaginários de pequena

entidade pelos quais são sentenciados a um rigoroso seqüestro do que possuem,

que sem demora se executa, e não chegando aqueles miseráveis bens, ou não os

havendo para que satisfaçam do Milando, fica sendo cativo o miserável que

litiga, seus filhos e muitas vezes seus pais e parentes. Eis aqui soberana

senhora a viagem da maior parte das escravaturas que constituem, e animam

tais apotentados que venho de acusar.184

Enquanto Lacerda e Almeida criticava a utilização dos milandos por qualquer

motivo para a "produção" de escravos, e revindicava um tribunal para separar os

escravos legitimamente cativos dos injustamente condenados à escravidão antes de

embarcarem para fora da África; Pinto de Miranda ia mais longe. Este mostrava-se

contra a escravidão, e pedia, inclusive, que as autoridades portuguesas tomassem

medidas para impedir o cativeiro nesta colônia. Segundo este autor os portugueses

podiam dar atenção a outros produtos como "ouro, prata, cobre, ferro, marfim, e

algodão em que com eles, sem macular consciências, se possa comercializar."185

Meillassoux chama de "penhorados" os condenados a escravidão por culpa ou

dívida. Os relatos de Lacerda e Almeida e Pinto de Miranda demonstram que o

183 GALVÃO, op. cit., p. 329. 184 Arquivo Histórico Ultramarino, Moçambique, caixa 20, documento nº 81. 185 MIRANDA, op. cit., 270.

Page 43: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

39

"penhorado" nunca perdia sua qualidade de parente, vivendo com sua família e além

disto, sua condição era reversível. 186 Normalmente, dentro das sociedades africanas, a

escravidão por dívidas ou penalidades era temporária, isto é, depois do pagamento da

dívida o escravo voltava a condição anterior. Todavia, esta prática judiciária africana foi

corrompida pelos portugueses e também pelos poderosos africanos para a produção de

escravos para o tráfico oriental, e, a partir do final do século XVIII, para o atlântico. 187

2.5.2 - Escravidão voluntária:

O século XVIII foi marcado por dois ou três períodos graves de seca em diversas

regiões da África. 188 Em seu diário Lacerda e Almeida comenta as secas ocorridas nos

anos de 1792 até 1796 que mataram muitos animais e obrigaram os prazeiros a se

desfazerem de seus escravos por não ter como mantê-los.189

A forte seca que gerou milhares de refugiados, no final do século XVIII,

coincidiu com o crescimento dos mercados americanos. Aliás, esta demanda, levará o

tráfico em Angola ao seu apogeu.190

A fome causada pelas secas também desencadeou guerras. Enquanto se

aproximava do Reino do Cazembe, Lacerda e Almeida observou que as terras

tornavam-se mais áridas, a agricultura era fraca e não havia caça. Por isso, os africanos

declaravam guerras às outras tribos e os saques acabaram virando um meio de

sobrevivência.

Pode ser que os cafres, acabado que seja o milho e batatas, que colhem,

obrigados da fome, declarem guerra até as borboletas, e esta inimizade,

e mortandade tenham extinguido a raça das aves e animais. 191

Ao mesmo tempo, com o crescimento do tráfico, as guerras passam a ser

estimuladas pelos traficantes e rapidamente desencadeavam a produção de mais

186 MEILLASSOUX, op. cit. p. 31. 187 PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Brasileiros a Serviço do Império: A África vista por naturais do Brasil, no século XVIII. In : Revista Portuguesa de História, Coimbra, 1999. p.170. 188 LOVEJOY, op. cit., p. 123. 189 ALMEIDA, op. cit., p. 169. 190 MILLER, op. cit.,p. 38. 191 ALMEIDA, op. cit., p. 221.

Page 44: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

40

escravos. "Algumas guerras iniciadas na Costa Ocidental atingiram a região da

Zambézia."192

Fugindo da fome causada pelas guerras, secas ou pragas de gafanhotos, muitos

africanos se ofereciam como "escravos" aos prazeiros.193 Eram os chamados chicundas,

que ficavam ligados ao prazo e não poderiam ser vendidos para o tráfico externo. Os

prazeiros assumiam o compromisso de não cedê-los a outros. Só em casos extremos. 194

Portanto, um escravo incorporado à casa do prazeiro só era vendido em tempos de crise.

Lacerda e Almeida comenta o caso de uma mulher branca que foi assassinada por

parentes de um chicunda que havia sido mandado para a América.

Na ocasião do delito disseram que queriam vingar seus parentes, pois os

brancos os tinham mandado para fora quando na ocasião da fome lhes

tinham vendido o corpo. Na verdade quando estes cafres vendem o

corpo, como repetídissimas vezes acontece, logo põe a condição de não

serem mandados para fora, e se lhes uma conhecida violência e injustiça

quando fazem o contrário. 195

Outro motivo para os africanos se oferecerem como escravos era a importância

de pertencerem a alguém ou a uma comunidade. Como explica Newitt:

O ato de se ligar a uma das grandes casas afro-portuguesas podia ser

entendido como uma estratégia de sobrevivência em tempos de fome ou

guerra, mas também uma forma de prosperar, já que os prazeiros

recorriam aos "escravos" para gerir suas casas, cobrar impostos, efetuar

expedições comerciais. 196

Estes escravos tinham a confiança de seus senhores, por isso, com o tempo,

poderiam receber uma mulher e formar sua própria aldeia. Para os africanos do século

XVIII, era fundamental pertencer a uma linhagem ou a um senhor. Quando pertenciam

a alguém eram reconhecidos, podiam circular com liberdade e ninguém poderia vendê-

192 LOVEJOY, op. cit., p. 131. 193 MIRANDA, op. cit., p. 268. 194 SILVA, op. cit., pp. 683 - 685. 195 ALMEIDA, op. cit., p.158-159. 196 NEWITT, op. cit., p. 217-218.

Page 45: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

41

los; portanto, estavam mais seguros.197 Por outro lado, quando excluídas de uma

sociedade, as pessoas perdiam o vínculo com um "protetor" e eram, normalmente,

vendidas para o tráfico externo.

Os "escravos" dos prazos acabavam incorporados à sociedade que integravam.198

A venda do próprio corpo tratava-se de um "contrato de homens livres que se

dispunham a prestar serviço, sem que tal significasse ficarem escravos do amo com

quem ajustavam".199

Em tempos de fome ou para o pagamento de tributos, os africanos muitas vezes

eram obrigados a entregar seus filhos a outros. Caetano Xavier e Pinto de Miranda

escandalizam-se com o "horrível" costume de venderem os filhos.

Alguns mucazambos, fumos e outros vendem seus próprios filhos para

pagarem os tributos das terras, e outras mangabas, e no caso que algum

os queira regatar lhe dá por cada filho dois escravos. Que maior

impiedade! Que miséria! Estarem os pobres mucenses obrigados a

pagarem os tributos das terras, seja o ano fértil, e abundante ou estéril, e

no caso que não façam ficarem dos Senhorios cativos. Ímpia Lei!

Bárbaro procedimento! 200

Xavier chega a dizer que os africanos eram tão bárbaros que nem sabiam o que era

amar.

Fazem comércio de seus próprios filhos, vendendo-os, e eles também se

vendem muitas vezes, e este será o mistério por que todos os seus

idiomas, que quase todos desta costa entendo, não se articula palavra

que diga amor.201

Talvez os africanos que entregavam seus filhos, fizessem isto, por não ter como

alimentá-los em épocas de seca. Meillassoux não acredita que as relações de parentesco

estimulassem a escravização."Não se vende um filho em sociedades em que se dá

preferência pela agregação de pessoas. É o comércio que vai alterar as formas da

197 Ibid, p. 220. 198 CAPELA, op. cit., p. 191. 199 Ibid, p. 195. 200 MIRANDA, op. cit., p. 269. 201 XAVIER, op. cit., p. 146 e147.

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42

sociedade se organizar."202 Se seguirmos o raciocínio de Meillassoux, os africanos

descritos por Caetano Xavier, que entregavam seus filhos como escravos ,

provavelmente, estariam sendo vítimas das transformações sociais e culturais geradas

pelo crescimento do tráfico.

202 MEILLASSOUX, op. cit., p. 13.

Page 47: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

43

Conclusão

Diante da análise dos documentos escritos pelos funcionários da Coroa

portuguesa em Moçambique, na segunda metade do século XVIII, pode-se constatar que

na sociedade colonial moçambicana não havia grande número de escravos propriamente

dito, mas sim servidores. Os funcionários-viajantes chamavam de escravos todos os

trabalhadores ligados diretamente aos prazeiros, não terem interesse em demonstrar os

diversos tipos de relações judiciais, de parentesco, ou de liderança existentes nas

sociedades africanas. Nestas sociedades, escravo visto como mercadoria era o

"estranho", o que vinha fora, e que não era aceito nesta sociedade por isso é,

normalmente, vendido para o tráfico externo.

Havia diversos processos para a "produção" de escravos, como a captura através

das guerras e os seqüestros. No entanto, os processos que apareceram com mais

freqüência nos relatos dos funcionários era a escravidão como penalidades e a

escravidão voluntária.

Nas sociedades africanas tradicionais existiam os chamados milandos, que

consistiam em julgamentos por qualquer motivo, sendo o condenado obrigado a pagar

uma determinada quantia de tecidos ou tornar-se escravo, ou mandar algum parente em

seu lugar para a pessoa lesada. Estes condenados nunca perdiam a qualidade de parente,

viviam com sua família e além disto, sua condição era reversível. Normalmente, dentro

das sociedades africanas, a escravidão por dívidas ou penalidades era temporária, isto é,

depois do pagamento da dívida o escravo voltava a condição anterior. Todavia, esta

prática judiciária africana foi corrompida pelos portugueses para a produção de escravos

para o tráfico oriental, e, a partir do final do século XVIII, para o tráfico atlântico.

Outra maneira de escravização observada pelos viajantes era a escravidão

voluntária. Os chamados chicundas se ofereciam aos prazeiros para trabalhar em

diversas atividades, principalmente como soldados. Estes homens ficavam ligados ao

prazo e não poderiam ser vendidos para o tráfico externo. Os chicundas se

voluntariavam em épocas de fome e para obter proteção. Para os africanos do século

XVIII, era fundamental pertencer a uma linhagem ou a um senhor. Quando pertenciam

a alguém eram reconhecidos, podiam circular com liberdade e ninguém poderia vendê-

los; portanto, estavam mais seguros. Por outro lado, quando excluídas de uma

Page 48: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

44

sociedade, as pessoas perdiam o vínculo com um "protetor" e eram, normalmente,

vendidas para o tráfico externo.

Os prazeiros tinham um número tão significativo de "servidores" por três

motivos principais. Primeiro, porque precisavam de muitos soldados para proteger suas

terras de possíveis conflitos com seus vizinhos, soberanos negros ou prazeiros. Também

precisavam das negras para trabalhar nas minas de ouro. E de mais homens para

negociarem nas feiras ouro, tecidos e marfim em seu lugar.

O crescimento do tráfico de escravos para a América alterou as práticas

escravistas tanto das comunidades africanas, quanto as afro-portuguesas. No século

XIX, a escravidão observada pelos viajantes do século XVIII, praticamente,

desaparecerá. Os prazeiros mobilizaram seus exércitos para a guerra e captura de

escravos, com a intenção de vendê-los para o mercado externo.

Os relatos dos funcionários-viajantes são uma fonte riquíssima de estudos sobre

a colonização portuguesa em Moçambique; há muitos outros aspectos desta sociedade

ainda por ser estudado. Em relação a este trabalho monográfico, muitas questões

ficaram ainda sem respostas e outras pouco analisadas. Por exemplo: Por quê era

conveniente para os funcionários-viajantes esquecer os detalhes da escravidão em

Moçambique? Por quê eles não relatam a captura de escravos através das guerras e

seqüestros?

Além disso, poderíamos aprofundar mais a questão da diferença entre os

"escravos" e africanos livres que habitavam os prazos. No entanto, este trabalho teve

como principal finalidade dar impulso a estudos posteriores sobre as relações sociais e

culturais existentes nas colônias de Moçambique e Rios de Sena, através do ponto de

vista dos funcionários-viajantes.

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45

ANEXO 1 - Principais cidades comerciais na costa oriental da África até o século XV.203

203 KI-ZERBO , Joseph. História da África Negra, Parte 1. Mira - Sintra : Publicações Europa-América, 1990.

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46

Anexo 2 - Regiões colonizadas ou influenciadas pelos portugueses na África Ocidental e Oriental. 204

204 BOXER, Charles. O império marítimo português : 1415 - 1825. São Paulo : Editora Companhia das Letras, 2002. p. 154.

Page 51: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

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Lacerda e Almeida. Rio de Janeiro : Instituto Nacional do Livro, 1944.

ANDRADE, Antônio Alberto.(Org.) Relações de Moçambique Setecentista. Lisboa

: Agência Geral do Ultramar, 1995. Neste livro estão reunidos relatórios de:

- Ignacio Caetano Xavier, Secretário Geral do Governo de Moçambique de 1758 a

1762.

- Antonio Pinto de Miranda, Secretário de Governo em 1766.

- Baltazar Manuel Pereira do Lago, Governador de Moçambique em 1766.

Estudos de História da Geografia da Expansão Portuguesa. Anais, Volume IX,

Tomo I. Lisboa : Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar,

1954. Neste livro estão reunidos relatos de:

- Dionízio de Melo e Castro, Capitão da Milícia de Rios de Sena em 1762.

- Manuel Galvão da Silva, Secretário Geral do Governo de Moçambique em 1788.

Fontes manuscritas:

- Cartas escritas por Francisco José de Lacerda e Almeida e enviadas à Coroa

portuguesa. Acervo do Arquivo Histórico Ultramarino - Moçambique. Esta

documentação encontra-se em microfilme e pertence ao CEDOPE (Centro de

Pesquisa e Documentação dos Domínios Portugueses), nas dependências da

Universidade Federal do Paraná.

Page 52: um estudo sobre a escravidão em moçambique no final do século xviii

48

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