um celeiro para o futuro

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o longo de nossa experiência em consultoria, temos visto que, muitas vezes, o RH perde a chance de contribuir de modo verdadeiramente estratégico para o planejamento sucessório nas organizações – especialmente quando considera que seu trabalho termina com a promoção (ou contratação) de um gerente. A promoção é apenas o início do trabalho. Promover alguém a gerente significa apenas contabilizar um ativo de capital que, para ser convertido em um recurso funcional, exige ainda muita atenção ao processo de adaptação. É preciso garantir que o profissional tenha acesso aos recursos para que possa se encaixar, ampliar sua eficiência e entregar valor ao negócio. A situação não é diferente no primeiro nível gerencial, mas com um agravante: aqui é onde fica o berço dos talentos que podem vir a preencher todo o pipeline de liderança da organização. Quando ignora as peculiaridades da transição para a primeira gestão, a empresa perde a oportunidade de desenvolver um celeiro de líderes – e é justamente o que acontece com a maioria. Essa transição é um período em que o indivíduo é mais receptivo ao aprendizado, ao desenvolvimento e à socialização. Durante a passagem para a carreira gerencial, ele se mostra mais motivado e pronto para a mudança. E esta motivação é fundamental para a aquisição de novas habilidades interpessoais. A UM CELEIRO PARA O FUTURO A TRANSIçãO PARA A PRIMEIRA GESTãO é O MOMENTO MAIS PROPíCIO PARA O APRENDIZADO DE FUTUROS LíDERES. PLANEJAR SOLUçÕES DE DESENVOLVIMENTO SOB MEDIDA PARA GESTORES DE PRIMEIRA VIAGEM PODE SER O FATOR DE SUCESSO NO PLANO DE SUCESSãO CíNTIA MARTINS LABORATÓRIO | UM ESPECIAL | MATÉRIA Antônio Barros Jr.

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Artigo "Um celeiro para o futuro" publicado na Revista LABORATÓRIO do LAB SSJ. www.labssj.com.br

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Page 1: Um celeiro para o futuro

o longo de nossa experiência em consultoria, temos visto que, muitas vezes, o RH perde a chance de contribuir de modo verdadeiramente estratégico para o planejamento sucessório nas organizações – especialmente quando considera que seu trabalho termina com a promoção (ou contratação) de um gerente. A promoção é apenas o início do trabalho. Promover alguém a gerente significa apenas contabilizar um ativo de capital que, para ser convertido em um recurso funcional, exige ainda muita atenção ao processo de adaptação. É preciso garantir que o profissional tenha acesso aos recursos para que possa se encaixar, ampliar sua eficiência e entregar valor ao negócio.

A situação não é diferente no primeiro nível gerencial, mas com um agravante: aqui é onde fica o berço dos talentos que podem vir a preencher todo o pipeline de liderança da organização. Quando ignora as peculiaridades da transição para a primeira gestão, a empresa perde a oportunidade de desenvolver um celeiro de líderes – e é justamente o que acontece com a maioria.Essa transição é um período em que o indivíduo é mais receptivo ao aprendizado, ao desenvolvimento e à socialização. Durante a passagem para a carreira gerencial, ele se mostra mais motivado e pronto para a mudança. E esta motivação é fundamental para a aquisição de novas habilidades interpessoais. A

UM CELEIRO PARA O FUTURO

a transiçãO para a primeira gestãO é O mOmentO mais prOpíciO para O aprendizadO de futurOs líderes. planeJar sOluçÕes de desenvOlvimentO sOb medida para gestOres de primeira viagem pOde ser O fatOr de sucessO nO planO de sucessãOcíntia martins

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O aprendizadO necessÁriOA transição normalmente é tratada a partir de uma única dimensão: a aprendizagem das competências necessárias para se atenderàs prerrogativas de um gestore para o estabelecimento de relacionamentos-chave. O desafio de se tornar gestor é apresentado como um desafio meramente intelectual. Entretanto, nossa experiência comprova o que Linda A. Hill descobriu ao acompanhar um grupo de novos gestores em seu primeiro ano no cargo, definindo que “a transição para gerente não está limitada a adquirir competências ou a formar relacionamentos. Em vez disso, constitui uma profunda transformação, ao mesmo tempo em que os indivíduos aprendem a pensar, sentir e avaliar como gerentes.”

O que eles queremO fato é que temos, inevitavelmente, de tratar do desenvolvimento de uma nova identidade profissional. Esse processo está relacionado diretamente ao nível de expectativa desses profissionais quantoà carreira gerencial. Conhecero que eles esperam e desejam, antes de planejar açõesde desenvolvimento, é fatorcrítico de sucesso para o desenho das soluções para novos gerentes. Essas expectativas podemser as seguintes:amplitude de atuação – Uma das expectativas mais motivadoras, para aqueles que vislumbram assumir seu primeiro cargo de gestão, é a possibilidade de ampliar seu âmbito de atuação e, estando no comando de uma equipe, poder realizar algomais significativo. controle – Costuma aparecer de maneira mais velada entre as expectativas e normalmente vem disfarçada pela “amplitude de atuação”. Isso porque parece politicamente incorreto afirmar categoricamente “quero me tornar gestor para poder controlar fulano e beltrano”. Contudo, o controleé o aspecto central da atuaçãode um gerente, e aprender sobresi mesmo é um fator crítico nesse desenvolvimento.

trabalhar com pessoas – Fator de maior nível de ansiedade entre os que se preparam para a gestão. Mas é fato inescapável: ser gerente é sinônimo de trabalhar com pessoas; gerenciar é obter resultados por meio de outros. Há os que acreditam que seja apenas outro degrau na escada das competências técnicas. Mas, enquanto o escopo do trabalho fica maior, há também uma mudança nas habilidades necessárias. Gerenciar pessoas e investir tempo para que se desenvolvam é a essência da gestão.

detetives e executivOsPerguntados sobre as experiênciasmais marcantes para o desenvolvimento de sua carreira gerencial, a maioria

cOnHecer as expectativas dOs futurOs gestOres é fatOr-cHave para uma sOluçãO eficiente de aprendizagem

dos executivos relata sobre aquelas vividas em seu primeiro cargo como gestor. Foi quando estavam mais abertos à experiênciae à assimilação de como ascoisas funcionam e como lidarcom as pessoas. Em treinamentos e eventos para gestores de primeira viagem, é muito comum encontrarmos aqueles quemais parecem detetivesdo que participantes.Sua postura é a de um pesquisador etnográfico, ávido por informações que contribuam para sua compreensão sobre os padrõesda cultura da empresa.O que isso significa: a transição para a primeira gestão marca um período de tensão e emoção intensas ligadas ao novo cargo.

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mãO na massaAssim como em qualquer capacitação, é fundamental planejar como se dará a transferência da aprendizagem para a prática do gestor de primeira viagem. O treinamento formal proporcionará conhecimento, conceitos e, quando bem elaborado, até uma dose de experimentação sobre os desafios reais. Entretanto, a expertise em gestão é eminentemente fruto da prática – aprende-se gerenciando. Em seu primeiro ano como gestor, o indivíduo se apoia muito nas experiências que permitem o desenvolvimento de suas competências humanas e conceituais. Estas incluem designações e responsabilidades que possibilitam “experimentar” o cotidiano gerencial, tais como: participação em reuniões, liderança de projetos, acompanhamento de seus líderes em forças-tarefa, treinamento de equipes... Alguns gestores afirmam que essas experiências levam à descoberta da satisfação pessoal implícita no trabalho gerencial.

caminHOs tOrtOsQuando se trata de primeira gestão, os programas devem

possibilitar que o indivíduo construa uma estrutura para pensar sobre como lidar com dilemas comuns. Mas nem sempre é assim. As reclamações mais comuns de quem participa de um programa voltado para o desenvolvimento em primeira gestão incluem: muita teoria, pouca prática; falta de explicação sobre práticas da empresa;falta de desenvolvimentode atitudes; pouca exploração de cases, simulações e role plays; fragilidade e inconsistênciano feedback dos instrutores.

O melHOr investimentOReflita sobre o seguinte dilema: a verba que você possui permite fazer uma única intervenção para melhorar o desenvolvimento de seus novos gestores. Que opção fazer? Pode não ser tão óbvio, mas você deve providenciar treinamentos para seus executivos sobre como desenvolver melhor esses novos gestores.

a transiçãO para O primeirO cargO de gestOr marca um períOdO de tensãO e emOçãO intensas ligadas aO nOvO papel

Está comprovado que a qualidade das práticas e habilidades de um gestor está diretamente relacionada à orientação que recebe de seus superiores. Feedback e delegação estão no topo da lista das habilidades que são mais bem desenvolvidas quando se recebe orientação direta e se conta com o gestor como modelo.

líderes que desenvOlvem líderesO que a capacitação dos executivos que desenvolvem novos gestores deve destacar:- Como compartilhar desafios da transição de contribuidor individual para gestor.- Como estabelecer expectativas apropriadas e como elaborar avaliações efetivas, já que os indivíduos aprendem melhorpela prática combinada comuma avaliação sistemática.- Como responder adequadamente aos erros inevitáveis que os gestores cometerão.

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melHOres prÁticasAs ações formais de desenvolvimento para novos gestores devem levar em consideração os seguintes pontos:

Os novos gestores precisam saber “o que”, “como” e “por que” deveriam estar fazendo o que fazem. Somente se souberem as razões estarão aptos a aplicar as lições no dia a dia.

A abordagem deve possibilitar que eles reconheçam as pressões e angústias emocionais da transição para gestor, até mesmo para os high potentials. Eles devem ser alertados da ligação entre essa emoção e o seu baixo desempenho inicial – estarão desaprendendo a velha função e identidade, e aprendendo novas.

Os novos gestores necessitam de um quadro exato do trabalho gerencial, para que percebam que, a partir daquele momento, seu trabalho é conduzir pessoas para o alcance de resultados – algo muito diferente de ser um contribuidor individual.

A soluções devem levar em consideração que o processo de aprendizado gerencial e o desenvolvimento do julgamento interpessoal se dão pelo método indutivo: observação de uma situação desestruturada e ambígua, reunião e síntese de informações para proposição de soluções.

Novos gestores precisam de conselhos e orientações práticas sobre como alocar seu tempo da melhor forma, para que gerenciem o curto e o longo prazo, priorizando suas atividades no dia a dia.

Devem ser expostos a assuntos estratégicos para que possam ampliar sua visão da relação entre os negócios e o ambiente. Quando deixados por sua própria conta, os novos gestores tendem a negligenciar esse aprendizado.

Devem ser orientados sobre sua responsabilidade na formação de redes, entendendo como podem influenciar outros em prol do trabalho (subordinados, pares e superiores) e como construir uma rede de relacionamentos mutuamente benéficos.

sOluçãO cOmpleta de aprendizagemO desenvolvimento dos indivíduos em transição para a primeira gestão exige planejamento deliberado e cuidadoso da carreira destes talentos. Mas o que mais se vê são abordagens fragmentadas, reativas ou intuitivas. De um lado, aposta-se muito na tática do “afogar ou nadar” ou da “sobrevivência do mais adaptado”. Por outro, persiste-se na visão míope de um desenvolvimento desconectado da realidade – e sem ações de transferência de aprendizado.No planejamento de soluções de aprendizagem para o novo gestor, deve-se dedicar ao desenho de uma experiência completa de aprendizagem – entremeada por ações formais e informais – que tenha seu início antes mesmo da promoção. Essa solução deve servir de alicerce para o novo gestor por, no mínimo, seis meses após a promoção. Catalisar o desenvolvimento desses talentos é agregar valor para o negócio.

cíntia martins é consultora em Alinhamento Estratégico para Processos de Gestão de Pessoas, e professora no Departamento de Pós-Graduação da FAAP.

referências I Linda A. Hill , Novos Gerentes: Assumindouma Nova Identidade, Makron Books, 1993.

II Scott Erker, Ph.D. and Bradford Thomas, Finding the First Rung, DDI (Development Dimensions International), Agosto, 2010.

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