tributação em revista 54
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Tributação em RevistaTRANSCRIPT
ISS
ICMS
IRIE
IPVA
IPIII
IVVC
IVVC
IPTU
ITCD
e m r e v i s t a ano 14 N° 54
ributaçãoTissN 1809-3426Uma publicação do sindicato Nacional dos auditores-Fiscais da receita Federal do Brasil – Unafisco sindical
Sistema tributário:qual é a saída?
Entrevista com Marcos Cintra, vice-presidente da FGV
PáGina 4
35 anos semGérson augusto da Silva
PáGina 4
abril–set 08 r$ 7,00
sumário6
34
38
Editorial5
QuEstõEs polêmicas dE dirEito tributário Cobrança de COFINS de profissionais liberais (Anderson Nakamura e Natalie Cevallos Mijan)
45
O que é o SPED?Autor explica o Sistema Público de Escrituração Digital (Nivaldo Cleto)
47A Organização Mundial do Comércio e o Sistema Geral de Preferências – aspectos tarifáriosNo artigo, a autora avalia o contexto da criação da OMC em substitução ao GATT (Cácia Pimentel)
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Fiscus, ascensão e declínioArtigo conta desenvolvimento do Fiscus e sua estrutura (Por Foch Simão Júnior)
55
1214
HomEnagEm Apresentação Gerson Augusto da Silva. (Tarcízio Dinoá Medeiros)
Reforma aduaneira no Brasil(Gerson Augusto da Silva)
Tributação da prestação de serviços intelectuais no Brasil. Considerações jurídicas e econômicasO autor analisa as regras relativas à tributação da prestação de serviços intelectuais no Brasil e as compara com paramêtros apresentados por Richard Posner (Danilo Augusto Barboza de Aguiar)
A instrumentalização do combate à sonegação fiscal como um meio de defesa do contribuinte que paga seus tributos – algo precisa ser feitoArtigo faz um contraponto aos estudos do Direito Tributário no Brasil (Hélio Silvio Ourem Campos)
EntrEvistaMarcos CintraProfessor da FGV avalia a proposta de reforma tributária e fala sobre a criação do Imposto Único.
artigo dE opinião
dirEtoria ExEcutiva nacional (dEn)presidente Pedro Delarue Tolentino Filho
1º vice-presidente Gelson Myskovsky Santos
2º vice-presidente Ildebrando Zoldan
secretário-geral Rogerio Said Calil
diretor-secretário Ricardo Skaf Abdala
diretor de Finanças Luiz Gonçalves Bomtempo
diretor-adjunto de Finanças Iran Carlos Toneli Lima
diretora de administração Ivone Marques Monte
diretor-adjunto de administração Mauricio Gomes Zamboni
diretor de assuntos Jurídicos Wagner Teixeira Vaz
diretor-adjunto de assuntos Jurídicos Kleber Cabral
diretor de defesa profissional Rafael Pillar Junior
diretora-adjunta de defesa profissional Renata Lobo Rossetto
diretor de Estudos técnicos Luiz Antonio Benedito
diretor-adjunto de Estudos técnicos Roberto Barbosa de Castro
diretor de comunicação social João Ricardo de Araujo Moreira
diretor-adjunto de comunicação social Alcebíades Ferreira Filho
diretor de assuntos de aposentadoria, proventos e pensões Clotilde Guimarães
diretor-adjunto de assuntos de aposentado-ria, proventos e pensões Amilton Paulo Lemos
diretor de seguridade social Carlos Antonio Lucena
diretor-adjunto de seguridade social Jesus Luiz Brandão
diretor de assuntos parlamentares Eduardo Artur Neves Moreira
diretor-adjunto de assuntos parlamentares João da Silva dos Santos
diretor de relações intersindicais Dagoberto da Silva Lemos
diretor de relações internacionais Robson Canha Ferreira
diretores-suplentes Claudio Marcio Oliveira Damasceno Renato Augusto da Gama e Souza Agnaldo Néri
conselho Fiscal membros titulares Henrique Gehrke Humberto Guedes Acioli Toscano Benedito Giovaldo Freire
membros suplentes Almerindo Arruda Botelho Domiciano de Oliveira Neto Valmir da Cruz
Tributação em Revista é uma publicação do sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da
Receita Federal do Brasil – Unafisco Sindical.
conselho EditorialPedro Delarue Tolentino Filho, Hélio Socolik,Luiz Antonio Benedito, Roberto Barbosa de Castro.
diretor Executivo da tr Roberto Barbosa de Castro
coordenação Executiva Alvaro Luchiezi Jr.
revisão Luciana Melo
Edição Patrícia Cunegundes
projeto gráficoErika Yoda
diagramação Fabrício Martins
Fotolito e impressão Kaco Gráfica e Editora
tiragem 3 mil exemplares
produção Editorial
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redação e correspondência SDS, Conjunto Baracat – 1º andar, salas 1 a 11 Brasília-DF - CEP 70392-900 Fonefax: 61 3218-5255 www.
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Diretor Patrícia Cunegundes
(61) 3349 2561
E M R E V I S T AributaçãoT
colaboração:Os artigos, inéditos, devem ser enviados para tributação em revista – Unafisco Sindical, Departamento de Estudos Técnicos, SDS, Conjunto Baracat, salas I e II, Brasília-DF, CEP 70.392-900 ou para o e-mail [email protected]. Os textos serão submetidos ao Conselho Editorial quanto à conveniência de publicá-los, poderão sofrer revisão e, se necessário, serão devolvidos ao autor com sugestões de mudanças ou solicitação de informações. Nenhuma modificação de estrutura ou conteúdo será feita sem consentimento do autor. As matérias publicadas por tributação em revista só poderão ser reproduzidas mediante autorização do Unafisco Sindical. Os originais devem ser apresentados em disquetes, CD-ROM ou enviados por email, em arquivos do Word e Excel (tabelas), corpo 12, até 15 páginas e deverão conter: Página inicial abordando os principais tópicos do artigo; Notas e referências bibliográficas; Currículo do autor (máximo 5 linhas);
TRIBUTAçãO em rev i s ta 5
ditoriale
Este ano é marcado pela efeméride relativa ao trigésimo quinto aniversário da morte de Gerson Augusto da
Silva, ocorrida em 5 de julho de 1973. Quando se escrever a história do Ministério da Fazenda, forçosamente
aparecerá em relevo a figura desse notável brasileiro que, de maneira brilhante e persistente, organizou o sistema
tributário e modernizou da administração tributária em nosso País.
Não obstante a sua formação acadêmica em Medicina, graças à extraordinária capacidade de compreensão dos fe-
nômenos econômicos e administrativos ligados tributação, aliado ao constante exercício de imaginação criativa, logrou
inaugurar, praticamente, o uso do instrumental tributário mais adequado para a implementação da estratégia geral do
desenvolvimento econômico e social.
Merecem destaque em sua obra a Reforma Aduaneira de 1957 que introduziu a tributação ad valorem e a adoção da
Nomenclatura Aduaneira de Bruxelas. Criou o Conselho de Política Aduaneira, do qual foi Presidente, e como Diretor
de Rendas Internas empreendeu estudos e encaminhou a reforma do antigo Imposto de Consumo (depois transformado
no Imposto sobre Produtos Industrializados) e do Imposto do Selo. Teve participação ativa e liderança na Comissão de
Reforma do Ministério da Fazenda, da qual resultaram o Código Tributário Nacional e a Reforma Tributária, consubstan-
ciada na Emenda Constitucional nº 18, de 1965. Foi fundador e primeiro Presidente do Conselho de Administração do
Serviço Federal de Processamento de Dados – SERPRO.
TRIBUTAçãO EM REVISTA presta, a Gerson Augusto da Silva, pequena homenagem. Primeiro, lembrando sua
contribuição para o aperfeiçoamento das instituições tributárias brasileiras. Segundo, republicando um de seus “Estudos
Aduaneiros”, justamente a propósito da Reforma Aduaneira de 1957, marco inicial da evolução que resultou no atual
modelo de Administração Aduaneira no Brasil. Dentre todos os seus trabalhos, esse foi o escolhido a propósito da outra
efeméride que se comemora neste ano: o ducentésimo ano da aduana brasileira.
Os leitores da TRIBUTAçãO notarão que a tradicional seção dedicada à análise da arrecadação foi bastante reduzida
neste número. Está sendo publicada uma pequena resenha da arrecadação federal no ano, até o mês de agosto. Nas
próximas edições, pretendemos retornar ao tradicional formato de análise completa e minuciosa dos dados.
Entre outros assuntos que julgamos importantes e interessantes para nossos leitores, estamos introduzindo, nesta edi-
ção, matéria relativa à administração tributária das mais importantes, enfocando o Sistema Público de Escrituração Digital
e, em particular, da nota fiscal eletrônica. Dada a sua significância para a evolução de todo o ambiente administrativo-
fiscal e do relacionamento fisco-contribuinte, esse tema deverá freqüentar nossas páginas com bastante assiduidade.
Por último, cabe registrar que, por dificuldade de editar trimestralmente nossa TRIBUTAçãO EM REVISTA, como
seria desejável, esta edição cobre o período abril/setembro de 2008.
6 TRIBUTAçãO em rev i s ta
ntrEvistae
o professor marcos cintra é economista, doutor e mestre pela universidade de Harvard. É professor titular da Fundação getúlio vargas, da qual é, atu-almente, vice-presidente. É articulista do jornal Folha de são paulo e ga-
zeta mercantil e colaborador nas áreas de política e economia de mais de 300 jornais em todo o país. autor de 10 livros e inúmeros artigos especializados sobre finanças públicas, teoria econômica e agricultura, no brasil e no exterior, é o idealizador da proposta do imposto Único, projeto que defende desde 1990, e que o tornou um debatedor assíduo sobre reforma tributária no brasil. É um crítico ferrenho do atual sistema tributário brasileiro. Foi secretário de planejamento do município de são paulo em 1993. Foi eleito vereador por são paulo, cargo que ocupou até 1996 e para o qual foi novamente eleito em 2008. Exerceu o mandato de deputado federal entre 1999 e 2003 e presidiu a comissão de Economia, indústria e comércio da câmara dos deputados em 2001.
Foi membro da comissão Especial de reforma tributária, comissão de Finanças e tributação e da comissão mista de planos, orçamentos públicos e Fiscalização. Foi secretário de Finanças da prefeitura de são bernardo do campo entre 2003 e 2006. É membro do conselho superior de Economia da Federação das indústrias do Estado de são paulo (FiEsp), do conselho de Economia, sociologia e política da Federação do comércio do Estado de são paulo (Fecomercio) e presidente do con-selho de Economia da Federação de serviços do Estado de são paulo (Fesesp).
Arquivo Pessoal
o que pensa a respeito da atual proposta de reforma
tributária?
A proposta de reforma tributária tem um defeito de
fundo: não contribui para aumentar o número de contri-
buintes e assim reduzir a carga tributária individual. Ela
centraliza a legislação do ICMS e quase cria um imposto
único federal sobre valor agregado. Isto simplifica, unifica
e poderá resultar em economias operacionais e adminis-
trativas importantes para o governo federal. Mas, por ou-
tro lado, cria para o governo central um grande imposto
cujos fatos geradores serão em grande parte coincidentes
com a base do ICMS (a única exceção são os serviços que
serão tributados pelo novo IVA-F, e não pelo ICMS, com
algumas exceções). Os fatos geradores sofrerão tributação
dupla, estadual e federal, cujas alíquotas devem ser so-
madas para caracterizar a carga tributária total incidente
sobre eles. Com certeza será superior a 20-22%, o que
deverá estimular a evasão e a sonegação.
Quais os problemas que o senhor identifica?
A proposta é limitada. Ela silencia sobre importantes
tributos. Há inúmeros detalhes, alguns oportunisticamen-
te inseridos em meandros pouco explícitos do projeto e
que demandarão análise detalhada. Mas chamo atenção
inicialmente para alguns aspectos gerais.
1 – A reforma é parcial. Não abrange tributos como o
IR, o IPI e os impostos municipais, contemplando apenas
tributos sobre o consumo. É perfunctório quanto à deso-
neração da folha de pagamentos;
2 – Não há indicações quantitativas sobre os impactos
das medidas, e nem sobre alíquotas, bases e formas de cál-
culo. Convém lembrar que em matéria tributária o diabo
mora nos detalhes;
3 – Altera critérios de partilha fiscal. Como ponto po-
sitivo inclui novos tributos federais nos mecanismos de
divisão da arrecadação. Por outro lado, dificulta a apura-
ção para saber se Estados e municípios receberão mais ou
menos recursos;
4 – Desconstitucionaliza critérios de partilha do
ICMS. Isso vai prejudicar as capitais e os grandes muni-
cípios brasileiros;
5 – Critérios de partilha incertos. Os métodos de en-
forcement não estão claramente definidos, principalmente
porque os repasses não serão de cima para baixo (União
para Estados e Municípios). As transferências serão laterais
(entre Estados). Não se sabe quanto vai custar a estrutura
de fiscalização, quem irá fiscalizar e nem se os mecanis-
mos de punição de estados que não repassarem o ICMS
serão eficazes;
6 – Incertezas dos impactos do ICMS no destino. As
compensações pelo Fundo de Equalização são incertas
e subjetivas, não dando garantias seguras aos estados
perdedores;
7 – Reforma protelatória. O governo pressupõe que
governadores e prefeitos só pensam em seus respectivos
mandatos e que aceitarão azedumes se ocorrerem daqui a
dez ou vinte anos;
8 – Nota fiscal eletrônica. É uma medida ingênua e
de difícil execução já que gera custos para sua instalação,
não considera o ambiente sócioeducacional da população
e nem que a informalidade é quase uma regra no Brasil.
Será uma “espada de Dâmocles” sobre a cabeça dos esta-
dos na medida em que sua não implementação fará com
que eles não participem do Fundo de Equalização. Se o
governo acha que ela resolve o problema da sonegação, é
bom lembrar que basta tirar o aparelho da tomada que a
operação não será registrada;
9 – Abertura para a multiplicação de alíquotas. Os es-
pecialistas em IVA consideram ideal a existência de apenas
uma alíquota ou no máximo duas ou três.
o senhor tem abraçado causas polêmicas como o im-
posto Único. por que o imposto único?
A idéia de um imposto único sobre as movimentações
financeiras nos bancos representa uma revolução na estru-
tura tributária e fiscal do País. A idéia é simples: eliminar
TRIBUTAçãO em rev i s ta 7
A proposta de reforma tributaria que aí está é limitada. Silencia sobre
importantes tributos
todos os tributos arrecadatórios e substituí-los por um tri-
buto sobre movimentação bancária, semelhante à CPMF,
que foi um tributo testado e que funcionou bem e barato,
insonegável e justo para todos, pois se todos pagam, cada
um paga pouco. O Imposto Único foi idealizado visando
combater a principal anomalia do sistema que é a sonega-
ção, reduzir o custo para o governo e para o contribuinte e
simplificar nossa caótica estrutura de impostos. O projeto
que cria o Imposto Único Federal (PEC 474/01) foi apro-
vado por unanimidade por uma Comissão Especial criada
para analisá-lo na Câmara dos Deputados e hoje está em
condições de ser votado.
como se enquadraria o imposto Único dentro da atual
proposta do governo federal de uma reforma tributária?
A reforma tributária vai voltar a ser debatida e o pro-
jeto do imposto único é a alternativa viável para o País ra-
cionalizar a estrutura de impostos. É o projeto que a socie-
dade deseja, conforme apuraram 3 pesquisas de opinião.
Os institutos Datafolha, CNT/Sensus e Cepac divulgaram
levantamentos nos últimos anos que mostram que duas
em cada três pessoas que conhecem o projeto do imposto
único são favoráveis a ele. O imposto único é uma propos-
ta que beneficia tanto o governo como os contribuintes. O
poder público vai arrecadar de forma automática, rápida
e barata e os trabalhadores e as empresas terão uma carga
tributária menor em relação à atual por causa da expansão
da base de cobrança. Quem paga pouco imposto sonegan-
do vai começar a pagar mais e quem é sobretaxado para
compensar essa situação vai recolher menos.
A redução do custo tributário para as empresas e a
classe média alavancará o mercado consumidor e os inves-
timentos e, assim, a economia poderá crescer a taxas mais
elevadas por um período longo.
como o senhor recebeu a notícia da rejeição da cpmF?
por que o senhor defendia esse imposto?
A abrupta redução de R$ 40 bilhões do orçamento foi
um ato demagógico e irresponsável. Alertei que a queda
da CPMF seria compensada aumentando outros tributos
e cortando despesas, o que penalizaria os mais necessi-
tados. Não é por meio de atos como a extinção da CPMF
que a carga tributária será reduzida e a estrutura será
racionalizada. Ademais, foi lamentável que se tenha ex-
tinguido um tributo simples e barato como a CPMF. Eu
jamais defendi a CPMF como um imposto a mais. Sou
favorável à técnica de arrecadação dela. Aliás, ela surgiu
a partir da proposta do imposto único em 1990, mas,
infelizmente, acabou se tornando mais um imposto que
contribuiu para o aumento acelerado do ônus tributário
imposto à sociedade nos últimos anos. A CPMF provou
que o imposto único é viável no Brasil.
críticos dizem que a cpmF era injusta porque o pobre
pagava mais. o que o senhor pensa sobre isso? sem o
tributo os que ganham menos serão beneficiados?
É mais um mito que se criou na esfera tributária e
muitos passaram a repetir isso sem qualquer embasa-
mento técnico. Alguns estudos foram realizados para
apurar se a tributação sobre a movimentação financeira
é regressiva e o resultado desmente essa tese. Com base
na POF (Pesquisa de Orçamento Familiar) e na matriz
interindustrial, ambas do IBGE, apurei que a CPMF re-
presenta 1,6% para uma pessoa que ganha um salário
mínimo e 1,4% para outra de recebe mais de 20 salários
mínimos, ou seja, é praticamente um imposto propor-
cional. No estudo “Parâmetros Tributários da Economia
Brasileira”, publicado na revista Estudos Econômicos da
FEA/USP (out./dez. 2006), os autores concluem que a
CPMF é o tributo mais harmonioso da estrutura brasilei-
ra. Já a professora Maria da Conceição Tavares afirmou
que é falso o argumento de que o imposto sobre circula-
ção financeira penaliza os mais pobres, uma vez que em
seus exercícios se constatou que as alíquotas efetivas são
maiores para os mais ricos. Portanto, é falsa a afirmação
que a CPMF é um imposto injusto porque o pobre é mais
penalizado. O tributo é proporcional. O maior beneficia-
do pela sua extinção será o sonegador.
A redução do custo tributário para as empresas e a classe média alavancará
o mercado consumidor e os investimentos.
8 TRIBUTAçãO em rev i s ta
TRIBUTAçãO em rev i s ta 9
o senhor acredita que os parlamentares que votaram
contra a cpmF se basearam em pesquisas que aponta-
vam que a sociedade era contra o tributo?
Será que se fizesse uma pesquisa de opinião pergun-
tando se o povo era contra ou a favor o imposto de renda,
o ICMS, a Cofins, ou qualquer outro tributo, o resultado
seria diferente? Será que a maioria diria que é a favor de
algum tributo? Ninguém gosta de pagar imposto, seja no
Brasil ou em qualquer lugar do mundo. Porém, esse é o
preço que pagamos para viver numa sociedade civiliza-
da. O povo não era contra a CPMF especificamente, mas
contra a opressão tributária que assola nosso país, contra
a complexidade que impõem pesados custos ao setor pro-
dutivo e contra a injustiça que obriga a classe média arcar
com um elevado ônus para compensar por aqueles que so-
negam. O que a sociedade deseja na verdade é um sistema
simples e barato, situação que só a CPMF poderia propor-
cionar. Se tivesse que escolher entre acabar com a CPMF
e manter impostos como o IR, o ICMS e a Cofins, por
exemplo, ou mantê-la e utilizá-la para substituir outros
tributos, o resultado seria parecido com um levantamento
que fiz no ano passado onde 95% das pessoas disseram
que preferiam a CPMF no lugar de outros impostos.
o senhor disse que a cpmF provou que o imposto único
é viável para o brasil. como ele poderia ser implantado?
O ponto de partida poderia ser a PEC 474/01 que está
no Congresso. Poder-se-ia acabar aos poucos com alguns
tributos federais. A idéia é começar aliviando o ônus sobre
a classe média assalariada, que é quem mais paga imposto
no País. Seria extinto de imediato o imposto de renda das
pessoas físicas e em seu lugar seria criado um IMF. Para esti-
mular o aumento da oferta de empregos e a formalização de
postos de trabalho, poderia ser extinto também os 20% de
INSS cobrados sobre a folha de pagamento das empresas.
São duas medidas que causariam um forte impacto positivo
sobre os ganhos da classe média e sobre o mercado de tra-
balho. Depois outros impostos caros e complexos como a
Cofins, o IPI e outros poderiam ser substituídos pelo IMF.
Qual seria a alíquota do imposto único?
O conceito de imposto único é um ideal a ser atingi-
do. Idéia debatida há séculos. O problema é que nunca se
conseguiu identificar um fato gerador que fosse suficien-
temente forte e amplo para permitir que com apenas um
imposto o Estado Moderno arrecadasse o que ele necessita
hoje para manter o seu nível de atividade. O grande pro-
blema sempre foi como identificar a base tributária, com
alíquota baixa para evitar evasão fiscal e manter a carga
tributária em 20%, 25% do PIB. E nunca se conseguiu
isso. Eu já fiz o cálculo. Se eliminarmos todos os impostos
no Brasil e ficarmos com apenas um tributo sobre movi-
mentação financeira, a alíquota seria de 5,3% – 2,65% no
débito bancário e 2,65% no crédito bancário – para man-
termos a carga tributária em 36% do PIB, como é hoje.
o senhor acha que podemos caminhar para uma contri-
buição financeira que financie a previdência brasileira?
Sim. Acho que vamos caminhar para isso. Essa propos-
ta foi feita pela primeira vez em 1993 na famosa Comissão
Ariosvaldo Mattos, presidida por Ariosvaldo Mattos Filho,
diretor da escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas.
Ele presidiu, a convite do então presidente da República,
Itamar Franco, uma comissão composta pelos mais impor-
tantes tributaristas brasileiros. E uma das propostas que
saiu naquele período foi exatamente esta. O sistema pre-
videnciário brasileiro deve ser custeado com um tributo
primeiro testado, com um tributo que incida sobre toda
a sociedade. Porque o nosso sistema previdenciário não é
um sistema de capitalização, é de repartição, é quase uma
obrigação. É uma política pública de garantia de aposenta-
doria até o teto do governo.
Arquivo Pessoal
10 TRIBUTAçãO em rev i s ta
Há viabilidade para se chegar a esse cenário?
Há interesse do governo em caminhar no sentido da
chamada desoneração da folha de salário das empresas,
que é a redução da contribuição patronal à Previdência,
principal mecanismo de custeio do sistema previdenci-
ário. A idéia seria desonerar, reduzir o imposto sobre a
folha de pagamento e substituir isso por um tributo sobre
movimentação financeira.
Esta é uma questão interessante, pois todas as cone-
xões que tentam fazer, entre fato gerador e benefícios
da previdência social, são abstratas. como seria a alí-
quota desse imposto?
Seria um tributo com base ampla, de alíquota de 0,5%
– ou 0,25% na entrada e 0,25% na saída –, que arrecadaria
o mesmo montante de recursos que a contribuição patronal
das empresas ao INSS, cuja alíquota é de 20% sobre a folha
de pagamento. O mais importante é que não é apenas o
Brasil que tem problemas de financiamento da Previdên-
cia. Porque essa vinculação entre a Previdência e o traba-
lho assalariado, ou folha de salários, está se desfazendo no
mundo moderno. Hoje em dia, devemos levar em conta
os processos de terceirização, autonomização no trabalho,
auto-emprego, poupança de mão-de-obra nos processos de
produção. O que está acontecendo? A base tributária sobre
a qual hoje se assenta o financiamento da Previdência está
encolhendo em todo o mundo. E é uma base profundamen-
te instável, varia de acordo com a conjuntura econômica. A
Europa está discutindo essa questão ativamente – encontrar
uma nova base de financiamento da Previdência que não
seja a folha de salários das empresas, que está encolhendo.
E, na medida em que encolhe, aumenta a base de cálculo,
incentivando a economia informal. No Brasil há um estudo
do professor (Celso) Pastore que mostra que a cunha fiscal
sobre o trabalho é de 100%. Ou seja, o trabalhador assala-
riado leva para casa hoje 50% daquilo que está custando
para a empresa. Não é possível um sistema deste.
conversando um pouco sobre desenvolvimento. gostaria
que o senhor comentasse sobre a relação, hoje, do desen-
volvimento com o desenvolvimento das instituições.
Uma abordagem interessante é discutir tributação e de-
senvolvimento, como o professor Eurico Santi está fazen-
do na FGV. Essa interdisciplinaridade é importante, essa
preocupação em romper barreiras e analisar fenômenos
como um complexo social. E a área do desenvolvimento
econômico hoje está passando por um processo semelhan-
te. Hoje, os grandes teóricos do estudo do desenvolvimen-
to econômico no mundo todo não estão mais seguindo
a linha clássica, que era analisar taxa de poupança, taxa
de investimento, relação capital-produto, porque se tinha
a concepção de que o desenvolvimento econômico era o
resultado direto da poupança. Isso não é necessariamente
verdade – há países que poupam muito e crescem pouco
e vice-versa. Porque existem outros mecanismos que per-
mitem o financiamento do desenvolvimento econômico.
Aí se passou a um estudo de outras variáveis. Durante as
décadas de 1940, 1950, 1960 e 1970 discutiu-se a questão
da inovação tecnológica. Aí então o economista começou
a concentrar sua preocupação não mais na poupança, mas
no desenvolvimento tecnológico como o grande motor do
desenvolvimento econômico. Mas esta tendência também
está sendo superada. Hoje, quando se discute desenvol-
vimento econômico ele tem uma visão muito mais insti-
tucional e discute segurança jurídica, estabilidade institu-
cional, boas instituições, boa educação, segurança, saúde,
como componentes importantíssimos na definição de
potencial de crescimento de uma economia. É essa visão
interdisciplinar que está presidindo a preocupação com o
tema desenvolvimento.
o senhor fala que hoje os economistas estão preocupa-
dos com as instituições, com a segurança jurídica, en-
tre outros assuntos. podemos passar para a discussão
do gasto público e da reforma do Estado?
O Estado brasileiro hoje não é transparente. Não sei
se em outros países poderíamos dizer a mesma coisa.
Mas o Poder Público é muito transparente. Ocorre que
ele tem regras de proteção, de autodefesa que acabam
tirando a transparência do sistema. Só que o mundo
moderno está ficando cada vez mais sofisticado. A glo-
balização está fazendo com que conceitos antigos per-
cam a validade. O Estado está perdendo capacidade até
de tributar seus entes nacionais. A incapacidade de o
administrador público entender o que se passa no mun-
do globalizado acaba tornando menos transparente o
TRIBUTAçãO em rev i s ta 11
Poder Público. Hoje a proliferação de normas que re-
gem a questão de preço de transferência é tão absurda
que vai nos levar a uma Torre de Babel. Novos conceitos
surgem a cada momento. Os dogmas tributários refle-
tem ainda uma economia do século XIX. Hoje as em-
presas produzem de maneira descentralizada no mundo
inteiro. No Brasil temos um problema muito sério. A so-
ciedade brasileira é profundamente estadista. Ela adora
o governo. O povo brasileiro depende do governo. É
uma concepção diferente de Estado, por exemplo, dos
povos anglo-saxões.
Mas estamos vivendo um processo no Brasil, apesar de
todas as críticas que fazemos ao Estado, no fundo, estamos
avançando. Acredito que o Brasil, apesar de todas as difi-
culdades que vivemos, finalmente está a ponto de crescer
como uma grande sociedade. Finalmente conseguimos
nos inserir na comunidade financeira internacional como
um país sério, do ponto de vista econômico, como uma
alternativa de investimento confiável. E à medida em que
isso acontece, as instituições vão melhorando. Aliás, este é
um debate. São as instituições que geram crescimento ou
o crescimento que gera boas instituições? A segunda hipó-
tese parece mais provável. À medida que o Brasil cresce,
vamos aperfeiçoando as nossas instituições e começamos
a ter uma perspectiva de sermos uma sociedade mais pro-
gressista e de realizarmos uma sociedade mais justa, mais
igual, mais igualdade de distribuição de renda. O Brasil
vai melhorar.
Há um senso comum de que o sistema tributá-
rio funcionaria como uma “mão invisível” que
regula a economia, cuidando da igualdade
entre as pessoas. mas, há também espe-
cialistas que defendem a tese de que esta
“mão invisível” pode não agir por meio do
sistema tributário, mas por via de incentivos
financeiros. Qual é a opinião do senhor sobre essas
diferentes posições?
Incentivo fiscal como instrumento de desenvolvimen-
to econômico e de política pública é profundamente inefi-
ciente. Os exemplos que temos no Brasil são gritantes e o
mais impressionante de todos eles é a questão da Sudene.
Esse órgão foi responsável por um grande programa de
incentivo fiscal orientado para o desenvolvimento da Região
Nordeste, que não gerou absolutamente nada do objetivo a
que se propunha. Muito pelo contrário, houve desvio e má
aplicação de recursos. Outro exemplo é a Zona Franca de
Manaus, que tem profundas distorções econômicas. As em-
presas se instalam lá unicamente porque têm isenção do IPI,
mas há um aumento de custos com deslocamentos.
O incentivo fiscal é a maneira mais ineficiente de o Estado
promover desenvolvimento econômico. Acho que tributação
tem de ser universal em função da capacidade contributiva
efetiva e que a transação financeira é a melhor maneira de se
medir isso. Tem de ser um sistema que não puna o sucesso.
Sistemas excessivamente progressivos no mundo globaliza-
do induzem à fuga de capitais. Hoje a Europa está reduzindo
as alíquotas máximas e uniformizando impostos para evitar
esse fenômeno.
Um sistema razoavelmente proporcional, ligeiramente
progressivo e universal, para mim, é a melhor maneira de
arrecadar. Com isso, o Estado pratica política social e de de-
senvolvimento via gastos públicos, o que efetivamente trans-
fere renda. Desse modo, você consegue orientar melhor os
recursos em vez de de uma política de incentivos que é
muito abrangente, apesar de o Estado não ser eficiente no di-
recionamento desses recursos. Portanto, isso é mais eficiente
do que atirar com chumbo grosso em incentivos fiscais, que
acaba não tendo controle de quem se beneficia.
12 TRIBUTAçãO em rev i s ta
hEm Memória de Gerson Augusto da Silva
tarcízio dinoá medeiros 1
comemora-se, neste ano do bicentenário da
trasladação da família real para o Brasil, com sua
corte e sua burocracia, a instalação, no Rio de Janeiro,
da alta administração fazendária e dos serviços alfandegários,
respectivamente o Erário Régio e a Superintendência Geral
dos Contrabandos. Insere-se nas comemorações a reabertura
dos portos a navios de outros paises, pelo que representou
para a incipiente economia local e para o bom relacionamento
com as chamadas nações amigas.
A mudança da direção aduaneira de Lisboa para o Rio
de Janeiro, aliada à reabertura dos portos, forçosamente
redundaria em alterações na legislação que regia as al-
fândegas. O próprio ato que decretou o acesso de navios
estrangeiros aos portos do Brasil (Carta Régia de 28 de ja-
neiro de 1808) já estabeleceu as primeiras alterações. Daí,
alguns historiadores terem este ato como o início efetivo
da história da instituição alfândega brasileira. Sem dúvida
alguma, aquela Carta Régia fez a primeira reforma da le-
gislação alfandegária em solo brasileiro, e a partir daí, sur-
giram, ainda que muito espaçadamente, outras alterações
mais, ou menos, abrangentes.
Com referência a esse assunto, a TRIBUTAçãO EM
REVISTA está dando a lume um trabalho de Gerson Au-
gusto da Silva sobre a evolução da legislação aduaneira
brasileira, originalmente uma conferência publicada em
espanhol, reunida com outros escritos seus, pela Organi-
zação dos Estados Americanos, sob o título Política y Admi-
nistración Tributarias. Recopilación de ensayos escritos por el
Doctor Gerson Augusto da Silva. Em 1983, a ESAF publicou
essa coletânea, traduzida para o português, como um volu-
me intitulado Estudos Aduaneiros, parte da Coleção Gerson
Augusto da Silva. O documento que está sendo publicado
neste número da revista é A reforma aduaneira no Brasil.
Para quem não acompanhou ou estudou a evolução
da administração tributária ou do sistema tributário nos
últimos cinqüenta anos no Brasil, Gerson Augusto da Sil-
va, falecido em 1973, antes de atingir a chamada terceira
idade, é desconhecido. Mas a partir de meados da década
dos anos cinqüenta e até falecer, ele esteve envolvido em
todos os eventos que significaram modernização tributária
em nosso país. Só para situar o leitor, principalmente se
da geração mais nova, traça-se aqui um ligeiro esboço da
omEnagEm
1 Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil (aposentado). Sócio (titular) do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, e (correspondente) do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba e do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
Foto:: M. Mackenzie; Montagem: Erika Yoda
Nesta homenagem a Gérson Augusto da Silva, TRIBUTAÇÃO EM REVISTA traz, abaixo, a apresentação do ilustre tributarista preparada por Tarcízio Medeiros e, na seqüência, reproduz um de seus mais basilares artigos versando sobre a Reforma Aduaneira.
TRIBUTAçãO em rev i s ta 13
Em 1956, Gerson Augusto assumiu a Diretoria de Rendas Internas e logo
iniciou sua moderninzação
atuação desse homem, dotado de grande inteligência, fa-
cilidade de expressão, simplicidade nas exposições e visão
integral dos problemas que abordava.
Ele foi levado para o Ministério da Fazenda, em 1952,
por Otávio Gouveia de Bulhões, contratado como auxiliar
de contabilidade para estudar balanços financeiros dos esta-
dos e rapidamente demonstrou sua capacidade analítica.
Logo em 1954 passou a integrar a Comissão de Re-
visão da Tarifa e também, no ano seguinte, a comissão
para elaboração do Código Tributário Nacional (nesta
última, com os juristas Gilberto de Ulhoa Canto, Alio-
mar Baleeiro e Rubens Gomes de Souza). Da primeira
comissão surgiu a apresentação do projeto transformado
em Lei 3.244, de 1957, o qual estabeleceu a substituição
da tarifação pelo regime ad valorem e induziu a utilização
da classificação de mercadorias segundo a Nomenclatu-
ra Aduaneira de Bruxelas – sobre o primeiro destes dois
itens, o Brasil foi pioneiro na América Latina, e sobre
o segundo, em toda a América. Da segunda comissão,
surgiu em 1957, um projeto de Código Tributário cuja
aprovação não progrediu no Congresso.
Em 1956, Gerson Augusto assumiu a Diretoria de
Rendas Internas e logo iniciou sua modernização. Havia,
então, tabela específica de classificação de produtos para
cobrança do Imposto de Consumo. Sua medida simplifi-
cadora e prática: adotou a mesma classificação da Nomen-
clatura Aduaneira de Bruxelas.
Em 1962, o Ministério da Fazenda fez um contrato
com a Fundação Getúlio Vargas, renovado em 1964, que
propunha diretrizes e providências para uma reforma da
administração fazendária. Foi constituída uma Comissão
de Reforma do Ministério da Fazenda, vinculada à Funda-
ção e dirigida por Gerson Augusto da Silva. Nos próximos
quatro anos aconteceriam as grandes reformas no sistema
tributário e, também, na sua administração.
Já em 1962, por sugestão da comissão, foi instituída, a
partir do exercício de 1963, a Declaração de Bens como parte
integrante da Declaração do Imposto de Renda (Lei 4.069).
Naquele mesmo ano, foram redefinidas as áreas do con-
tencioso fiscal (Decreto 54.767, de 1964), ficando atribuído
ao 1º Conselho o Imposto sobre a Renda; ao 2º, o Imposto
sobre Produtos Industrializados; e ao 3º, os tributos estaduais
e municipais atribuídos à União nos Territórios e os demais
tributos federais não compreendidos nas competências dos
outros dois conselhos. Estabeleceu-se (Lei 4.502, de 1964)
que o Imposto de Consumo passaria a incidir sobre o va-
lor agregado aos produtos industrializados, nos processos de
produção, transformação e beneficiamento (que fez o Brasil
ser o segundo país no mundo a adotar o sistema de impos-
to sobre valor agregado, antecedido, somente, pela França);
transformou a Diretoria de Rendas Internas em Departamen-
to de Rendas Internas e alterou a denominação do cargo de
Agente Fiscal do Imposto de Consumo para Agente Fiscal de
Rendas Internas. A abrangente Lei 4.503, de 1964, criou o
Departamento de Arrecadação, que assumiu as competências
arrecadatórias exercidas até então pelas Alfândegas e Mesas
de Renda, instituiu o Cadastro Geral de Pessoas Jurídicas e
autorizou a implantação da arrecadação das rendas federais
pela rede bancária. Pela Lei 4.506, transformou a Divisão do
Imposto de Renda em Departamento do Imposto de Renda.
Para encerrar 1964, foi criado o Serviço Federal de Processa-
mento de Dados – SERPRO (Lei 4.516).
Em 1965, para racionalizar a administração das repar-
tições dos vários Departamentos subordinados à Direção
Geral da Fazenda Nacional, fez-se (Decreto 55.770) a divi-
são do País em dez Regiões Fiscais. Depois, autorizou-se a
implantação, nas Delegacias do Imposto de Renda, do Re-
gistro das Pessoas Físicas, para inscrição dos contribuin-
tes pessoas físicas obrigados à apresentação de declaração
de rendimentos (Lei 4.862). E o ano se encerrou com a
promulgação da Emenda Constitucional 18/65, de 1º de
dezembro, que reformou todo o Sistema Tributário Na-
cional nas esferas federal, estadual e municipal. O sistema
tributário adotado por aquela reforma, cujas linhas gerais
foram incorporadas à Constituição de 1988, ainda é con-
siderado por tributaristas e estudiosos do assunto como o
melhor de que já dispôs o Brasil.
Em 1966, pelo Decreto-Lei 37, foram reorganizados
os serviços aduaneiros e a Diretoria de Rendas Aduaneiras
foi transformada em Departamento de Rendas Aduaneiras
(este decreto-lei, moderno, revogou a legislação antiga e
totalmente antiquada, inclusive a Nova Consolidação das
Leis das Alfândegas e Mesas de Renda, de 1895, e decretos
de 1916 e 1931, ainda em pleno vigor).
14 TRIBUTAçãO em rev i s ta
Ainda nesse ano de 1966, considerando que se havia
implantado um novo sistema de tributação, Gerson Au-
gusto da Silva e sua equipe reviram seu antigo projeto de
código tributário, de 1957 e fizeram a atualização confor-
me disposto na Emenda Constitucional 18/65. O projeto
foi transformado na Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966
– é o Código Tributário Nacional vigente até nossos dias.
Em 1968, a Comissão propôs a reforma da estrutura
do Ministério da Fazenda, que foi implantada por seu inte-
grante e então Diretor Geral da Fazenda Nacional, Antônio
Amílcar de Oliveira Lima; extinguiu-se a Diretoria Geral e
seus Departamentos de Arrecadação, de Rendas Aduanei-
ras, de Imposto de Renda e de Rendas Internas, criando-se
a Secretaria Geral e a Secretaria da Receita Federal.
Mas Gerson Augusto da Silva não teve papel relevan-
te só no Brasil. Em toda a América Latina sua influência
se fez sentir, a tal ponto que é considerado o principal
ideólogo da antiga Associação Latino-Americana de Livre
Comércio – ALALC, transformada em Associação Latino-
Americana de Integração (ALADI) em 1980. Convidado,
foi para a Organização dos Estados Americanos, onde as-
sumiu a missão de modernizar os sistemas tributários dos
países latino-americanos, nos quais deixou sua marca de
eficiência. Para facilitar o intercâmbio entre as administra-
ções tributárias latino-americanas e homogeneizar o en-
tendimento sobre tributação, fundou, sob patrocínio da
OEA e administração da Fundação Getúlio Vargas do Rio
de Janeiro, a Escola Interamericana de Administração Pú-
blica – EIAP, que, por quase vinte anos, formou, em grau
de pós-graduação (lato sensu) funcionários no Curso de
Política e Administração Tributária e no Curso de Política
e Administração Aduaneira.
Só merece encômios, portanto, esta iniciativa de a
TRIBUTAçãO EM REVISTA publicar A reforma aduaneira
no Brasil, tanto pela oportunidade do momento, como pelo
reconhecimento que merece Gerson Augusto da Silva –
médico, por formação acadêmica, auxiliar de contabilida-
de, pelo cargo no serviço público, mas reconhecidamente
o grande mentor da modernização do sistema tributário e
de sua administração no Brasil.
A REFORMA ADUANEIRA NO BRASIL
gerson augusto da silva *
i – introduÇão No presente trabalho procuraremos expor, em grandes
traços, os antecedentes históricos e as características gerais das reformas introduzidas no sistema aduaneiro no Brasil nos últimos anos.
Evitamos deliberadamente nos estender em considera-ções de índole doutrinária e procuraremos orientar o traba-lho dentro das características de um documento informativo, já que, dessa maneira, cremos servir melhor aos estudiosos que se disponham a efetuar uma comparação das experiên-cias brasileiras com os demais países latino-americanos.
Várias dessas informações nos foram proporcionadas pelo Conselho de Política Aduaneira e pelo Serviço de Es-tatística Econômica e Financeira do Ministério da Fazen-da. Utilizamos também, amplamente, dados e citações do estudo de Nícia Vilela Luz sobre A Luta pela Industrializa-ção do Brasil e do Relatório da Comissão Mista da Câmara dos Deputados, encarregada do exame do Projeto de Re-forma Tarifária compreendida na Lei n. 3.244, de 14 de agosto de 1957.
Em diversas oportunidades nos vimos obrigados a en-trar na análise dos instrumentos de política cambial e de outras restrições não-tarifárias aplicadas às importações. Procuramos, contudo, limitar tais incursões ao que nos pareceu estritamente indispensável para a melhor compre-ensão da evolução da política aduaneira, entendida, em sentido amplo, como um conjunto de medidas tendentes a disciplinar as estruturas das importações.
Esperamos que este trabalho possa representar uma pe-quena contribuição aos esforços em favor da integração eco-nômica latino-americana. E que a descrição da experiência brasileira chegue a ser de alguma utilidade para outros paí-ses do continente, pelo menos para evitar o alto preço que o Brasil teve de pagar pelos graves erros que cometeu.
ii – antEcEdEntEs Historicos a) A primeira Tarifa brasileira (1808-44) Em novembro de 1807, horas antes que entrassem em
Lisboa as tropas napoleônicas, o príncipe-regente de Portu-
* Publicado originalmente em Estudos Aduaneiros / Gerson Augusto da Silva; Brasília, ESAF, 1983 p. 181 - 227
TRIBUTAçãO em rev i s ta 15
gal – depois D. João VI – embarcava com a corte real para o Brasil, para onde seria então transferida a sede do Reino.
A Carta-Régia de 28 de janeiro de 1808, ao abrir os portos brasileiros ao comércio internacional, instituiu um imposto de 24% ad valorem sobre as importações em geral, com o que se iniciou a história aduaneira do Brasil.
Quase imediatamente se seguiram várias medidas complementares com o objetivo de estimular a industriali-zação do País. Eliminaram-se os impostos que vinham do regime colonial, ao tempo em que se concedeu uma série de privilégios às indústrias nacionais1.
O caráter protecionista dessas medidas provocou, con-tudo, uma imediata reação por parte dos países mais dire-tamente interessados no mercado brasileiro e, por Decreto de 11 de junho de 1808, reduziu-se a tarifa que incidia sobre as mercadorias procedentes de Portugal. Dois anos mais tarde, o Tratado de 19 de fevereiro de 1810 outorga-va aos produtos ingleses uma tarifa preferencial de 15%, inferior, portanto, à que prevalecia para as mesmas merca-dorias portuguesas.
Como conseqüência do clima reinante nas relações entre o Brasil e Portugal, em seguida à Declaração de In-
dependência (7 de setembro de 1822), D. Pedro I, por decreto de 30 de dezembro desse mesmo ano, restabele-ceu, para as mercadorias portuguesas, uma tarifa de 24% aplicada à generalidade das nações. E só três anos mais tarde, depois da assinatura do Tratado de Paz e Aliança, as mercadorias procedentes de Portugal tornaram a ser equi-paradas às de origem inglesa.
Essa equiparação foi estendida a cada um dos países que reconheceu o Brasil como país soberano, até que, por lei de 24 de setembro de 1828, por iniciativa do ministro Pereira de Vasconcelos, a Tarifa de 15% passou a ser apli-cada sem discriminação a todos os países do mundo.
Contudo, só em 1843 – quase vinte e dois anos de-pois de se haver declarado independente de Portugal – o Brasil pôde livrar-se da dependência econômica que lhe impunha o Tratado com a Inglaterra, celebrado em 1810 e prorrogado em 1827, por mais quinze anos.
Dois anos antes de sua expiração, a Assembléia-Ge-ral2 autorizou o Poder Executivo a elaborar uma Tarifa Aduaneira com os direitos variáveis entre 2% e 60%, que seria aplicada aos produtos importados, pelo País, de to-das as procedências.
1. Cartas-Régias de 1º a 8 de abril de 1808
2. Resolução de novembro de 1841
16 TRIBUTAçãO em rev i s ta
Por decreto de maio de 1863, o ministro Manuel Alves
Branco estabeleceu as linhas mestras da política aduaneira
que deveriam presidir a elaboração da nova pauta tarifária.
E, finalmente, aprovada pelo Decreto nº. 376, de 12 de
agosto de 1844, entrava em vigor a que se pode considerar
como primeira tarifa aduaneira do Brasil.
A tarifa Alves Branco foi à sua época fortemente combatida
por gregos e troianos e os livre-cambistas, apoiados pelos repre-
sentantes da agricultura, consideravam-na “atentatória contra
os saudáveis princípios da livre concorrência”, criando privi-
légios injustificáveis para certos produtores. Em contrapartida,
os industriais acusavam-na de não conferir suficiente proteção
à indústria nacional, já que a maioria das manufaturas assim
produzidas no País estava tributada com uma alíquota média
de apenas 30%, considerada absolutamente insatisfatória.
Apesar de suas alegadas funções protecionistas, em verdade
a tarifa Alves Branco, como quase todas as reformas posterio-
res, esteve inspirada basicamente pela preocupação de fornecer
ao Tesouro os recursos financeiros de que necessitava.
b) Predomínio da corrente liberal (1845-89)
Desde o advento da tarifa Alves Branco, até o fim do
período monárquico, em 1889, foram realizadas numero-
sas reformas aduaneiras no Brasil, e cada uma delas variou
de acordo com sua maior ou menor amplitude ou em fun-
ção das tendências protecionistas de seus inspiradores.
Nos anos seguintes, as reformas estiveram marcadas
por nítida tendência antiprotecionista. Sob pressão dos li-
berais, aliados aos interesses agrícolas, então dedicados à
monocultura do café3 , foram feitas várias reformas à tarifa
Alves Branco, reduzindo direitos, criando isenções e eli-
minando vários privilégios concedidos a certas indústrias.
Essa tendência liberalizante prolongou-se até a segunda
metade da década de 1860, quando as dificuldades financeiras
do Tesouro, agravadas por despesas surgidas da guerra do Pa-
raguai (1865-70), provocaram novas exigências à elevação dos
direitos aduaneiros e à cobrança de 15% de sua importância
em ouro4. Terminada a guerra, tornaram a predominar os in-
teresses antiprotecionistas, culminando com uma votação, em
1874, da tarifa Rio Branco5, de acentuado cunho liberal.
O desarmamento tarifário resultante dessa reforma foi
agravado, nas décadas seguintes, pela intensa tecnologia
em grandes centros industriais. A introdução de novos
meios de produção apressou a obsolescência tecnológica
da incipiente indústria nacional6.
O desenvolvimento das linhas ferroviárias e da rede te-
legráfica, acelerado a partir de 18807, contribuiu também
para apressar a liquidação de muitas indústrias dispersas
no interior do país e que sobreviviam em função do eleva-
do custo dos transportes e da precariedade dos meios de
comunicação então existentes.
Em 1879, uma revisão tarifária, realizada por proposta
da Comissão presidida por Costa Pinto, assinalou um triun-
fo ligeiro da corrente protecionista, anulado em grande par-
te pela crescente desvalorização e pelas reformas introduzi-
das, dois anos depois, por pressão da corrente liberal.
O período monárquico termina em meio a uma for-
te crise do café, com taxas de câmbio sujeitas a intensas
oscilações e a indústria do país em graves dificuldades.
Durante todo esse período a Tarifa Aduaneira se caracteri-
TABELA 1
período anostaxa média de
pennies por mil réis
D. João VI 1809-14 73
1815-19 62
1820-22 49
Primeiro Império (D.Pedro I) 18233-27 46
1825-31 26
Regência 1832-40 29
Primeiro Império (D.Pedro II) 1841-45 26
1846-50 26
1851-55 28
1856-60 26
1861-65 25
1866-70 20
1871-75 25
1876-80 22
1881-85 20
1886-89 24
3. A produção agrícola, representada pelo café, estava orientada para a exportação. A importação de alimentos representava, nessa época, mais de 20% do total das impor-tações.
4. Medida autorizada pela Lei Orçamentária nº. 1.507, de 26 de setembro de 1876.
5. Tarifa aprovada com a orientação do Visconde do Rio Branco (Decreto nº. 55.580, de 31 de março de 1874), caracterizada por uma redução geral do nível de direitos.
6. Em relatório publicado em 1877, o ministro Coelho de Almeida, da Agricultura, assinalava a existência, no País, de indústrias de produtos químicos, instrumentos óticos e náuticos, guarda-chuva (39 fábricas), sapatos e outros artigos de couro, vidros, papel, charutos e cigarros, fundições de ferro e aço, tecidos (30 fábricas), cerveja e vários outros produtos.
7. Em 1885, a rede ferroviária do país alcançava 7.062 km, dos quais 3.778 km foram construídos entre 1880 e 1885.
TRIBUTAçãO em rev i s ta 17
zou por ser um instrumento básico de política financeira
e de comércio exterior, em torno da qual giravam as mais
importantes decisões do Governo, no plano econômico.
No período que precedeu a tarifa Alves Branco, os es-
forços no sentido de promover o desenvolvimento indus-
trial do País tropeçaram sempre com o antiprotecionismo
de certos grupos, fortemente apoiados pelos interesses li-
gados ao comércio exportador da Inglaterra. Nos quarenta
e cinco anos restantes do período monárquico, os adeptos
e opositores do protecionismo continuaram lutando den-
tro e fora do Parlamento, sucedendo, alternativamente, as
fases de predomínio de uma ou outra corrente.
A tendência antiprotecionista se apoiava no liberalismo
econômico então em voga, reforçado pela luta em favor da
liberação de escravos. A pregação dos liberais, de conteúdo
meramente doutrinário, foi habilmente explorada pelos inte-
resses ligados ao comércio e à agricultura, basicamente repre-
sentada pelo café. Em contraposição com a intensa pregação
da corrente liberal, os esforços em favor de uma melhor pro-
teção aduaneira só encontravam apoio nas vozes de alguns
estadistas, como Alves Branco e Rodrigues Torres e na ação
isolada de certos industriais. Somente depois da criação da
Associação Industrial, em 1881, seus membros começaram
a atuar um pouco mais organizadamente, sob a liderança do
comendador Malvino Reis e de Antonio Felício dos Santos.
Mas, seja pela prédica dos estadistas ou o clamor da
classe interessada, em verdade o que em diversas oportu-
nidades impediu que a indústria do país fosse destruída
pela concorrência estrangeira foram as dificuldades finan-
ceiras do Tesouro, obrigando a elevação dos direitos adua-
neiros, então a mais importante fonte de receitas do País8.
c) Fortalecimento do protecionismo (1889-1930)
A primeira fase do período republicano prolongou-se
até a Revolução de 1930, ano que assinala, ademais, o co-
meço dos efeitos depressivos sobre a economia do País,
conseqüência da grande crise mundial de 1929. Durante
os quarenta anos dessa fase prosseguiram as lutas em tor-
no da tarifa aduaneira, agora com maiores possibilidades
para os defensores do protecionismo.
Um ano depois da Proclamação da República, Rui Bar-
bosa, à frente do Ministério da Fazenda, obteve aprovação
de uma nova Tarifa, de tendência nitidamente protecionista,
e instituiu a cobrança, em ouro, dos direitos aduaneiros9 a
fim de preservar seus efeitos das fortes flutuações cambiais.
Em defesa da reforma proposta, Rui Barbosa afirmava que
“a Tarifa Aduaneira não deve e não pode ser conformada sobre
princípios de escola, sobre leis abstratas; ela pertence ao núme-
ro dos fatos de ordem positiva que têm que obedecer, em sua
execução, às questões práticas que está chamada a resolver ou
regular”. E, referindo-se aos exageros da prédica livre-cambista,
afirmava que sua influência levou “nosso sistema fiscal a re-
pousar unicamente sobre a renda das Alfândegas; a encerrar a
riqueza em mãos de terras-tenentes, que tinham o monopólio
do café; a matar a indústria e a privar o País da classe industrial,
que não podia sobreviver em nosso meio asfixiante, e que tanta
falta nos tem feito no mecanismo político da sociedade”10.
Os dez anos seguintes se caracterizaram por fortes de-
sequilíbrios que ficaram assinalados na História do Brasil
com a denominação de “encilhamento”. A inflação interna
e a especulação desenfreada se refletiram no comporta-
mento da taxa cambial que, desde 1889 até 1899, se ele-
vou de 13 a 34 mil réis por libra esterlina.
Nesse período introduziram-se várias reformas no regime
aduaneiro do país, sendo as mais importantes as de 1896 a
1897. A primeira teve como pretexto a correção das incon-
gruências na fixação dos níveis tarifários, resultante, segundo
seus autores, da “pressão de grupos interessados” 11. A reforma
de 189712, promovida pela Comissão presidida por Leopoldo
de Bulhões, provocou a forte reação dos setores industriais em
virtude de sua orientação nitidamente livre-cambista.
Ao se iniciar o século XX, Joaquim Murtinho, então
ministro da Fazenda, promoveu uma nova revisão geral da
tarifa13, elevando os direitos aduaneiros e uma quota co-
brada em ouro, que chegou até 25%14. Tais alterações não
tiveram, contudo, inspiração protecionista alguma. Seus
objetivos eram de caráter estritamente financeiro. A eco-
nomia do País experimentou certo grau de recessão, mas
o equilíbrio financeiro foi restabelecido e fortalecida a po-
sição cambial, reduzindo a respectiva taxa, no quadriênio
8. Nas últimas décadas do período monárquico, os direitos aduaneiros contribuíram com mais de 60% dos recursos orçamentários.
9. Decreto nº. 391 C, de 10 de março de 1890, modificado posteriormente pelo Decreto nº. 804, de 4 de outubro do mesmo ano.
10. Relatório apresentado ao Presidente da República, Marechal Deodoro da Fonseca.
11. Relatório da Comissão Mista do Congresso, da qual faziam parte Serzedelo Corrêa e Leite e Oiticica, este último como relator.
12.Decreto nº. 2.743, de 17 de dezembro de 1897.
13. Decreto nº. 3.617, de 19 de março de 1900..
14. Abolida em 1891, a quota-ouro foi restabelecida pela Lei nº. 559, de 31 de dezembro de 1898, na base de 10%, elevada a 15% pela Lei nº. 581, de 20 de junho de 1899.
18 TRIBUTAçãO em rev i s ta
Campos Sales, de 34 para 22 mil réis por libra esterlina.
Nos quadriênios Rodrigues Alves (1903-6) e Afonso
Pena (1907-10), prosseguiram os esforços de consolida-
ção da situação financeira e cambial do País.
Em 1903 uma tentativa de reforma tarifária, de ca-
ráter protecionista, tropeçou com a tenaz oposição de
Leopoldo de Bulhões, agora à frente do Ministério da Fa-
zenda. E em 1906 a quota-ouro foi novamente elevada
de 25 para 35%.
No período seguinte, ocorre a depressão mundial de
1913. Os preços do café e da borracha sofrem um violento
declínio no mercado internacional. O mercado interno se
contrai. A indústria, especialmente a têxtil, entra em crise.
Sobrevém, em seguida, a I Guerra Mundial. A conjuntu-
ra obriga uma forte redução das importações, ocasionando o
declínio equivalente das rendas aduaneiras. Em compensa-
ção, se expande o parque industrial do País, que faz crescer,
paralelamente, a renda proveniente dos impostos internos15.
Em 1919, o ministro Homero Batista apresentou ao
Congresso um projeto de Reforma Tarifária, que contou
com forte oposição do setor industrial. A Câmara, sob a
pressão do grupo liderado por Paulo de Frontin, aprovou
uma alternativa de caráter protecionista que, sem embar-
go, ficou detida no Senado Federal. Como no Império, a
tarifa aduaneira continuou no centro dos debates políticos
durante toda a primeira fase do período republicano.
Com o correr dos anos, os direitos de importação fo-
ram perdendo sua antiga preeminência como fonte de re-
cursos para o Tesouro. As crescentes dificuldades, porém,
do balanço de pagamentos mantiveram a tarifa no primei-
ro plano das decisões econômicas. Eminentes estadistas de
formação liberal, como Leopoldo Bulhões, continuaram a
se opor tenazmente às elevações dos direitos aduaneiros.
A corrente protecionista, agora reforçada, no plano dou-
trinário, pelos conceitos de Frederico List e Alexandre Ha-
milton, ganhava, entretanto, novos adeptos.
A persistência da crise do café e a ampliação do mercado
interno obrigaram a diversificação da produção agrícola, fa-
zendo surgir, ao lado dos industriais, uma nova corrente pro-
tecionista representada pelo movimento ruralista, que teve
em Alberto Torres um de seus grandes líderes. Essa mudança
de tendência se tornou nítida depois da conclusão da I Guer-
ra Mundial. Nos dez anos que se seguiram, os níveis médios
da tarifa efetivamente aplicada no país foram os seguintes:
1919 – 21,8% 1924 – 32,1%
1920 – 24,0% 1925 – 32,1%
1921 – 39,0% 1926 – 35,0%
1922 – 27,0% 1927 – 35,1%
1923 – 31,5% 1928 – 35,7%
Os industriais prosseguiram com seu esforço de orga-
nização, fundando, em 1928, o Centro das Indústrias de
São Paulo, com a presidência de Roberto Simonsen.
E finaliza a Primeira República no Brasil sob o impacto
da grande crise mundial de 1929-30.
iii – o procEsso dE marginaliZaÇão do sistEma aduanEiro – (1930-1957)
Com a queda do regime constitucional em outubro de 1930,
iniciou-se o período arbitrário do Governo de Vargas, que se
prolongou até 1945. Restabelecida a normalidade constitucio-
nal, seguiram-se os períodos presidenciais do Marechal Dutra,
TABELA 2
períodos nº total de itens
nº de itens ad-valorem
nível mais elevado em
termos Ad-valorem
1 – Monárquico
1844 – Dec. 376, de 12-8 Manuel Alves Branco 2.162 46 60%
1857 – Dec. 1914, de 28-3 J. M. Wanderley 1.704 75 50%
1860 – Dec. 2004, de 3-11A. M. da Silva Ferraz 1.530 313 50%
1869 – Dec. 4343, de 22-3Visconde de Itaboraí 1.275 236 50%
1847 - Dec. 5580, de 31-3Visconde de Rio Branco 1.277 215 50%
1881 – Dec. 8360, de 31-12J.A. Saraiva 1.129 88 50%
1887– Dec. 9746, de 22-4J. Belisário S. de Sousa 1.104 91 60%
2 – Republicano
1890 – Dec. 836, de 11-10Rui Barbosa 1.085 89 60%
1896 – Dec. 2.261, de 8-4Rodrigues Alves 1.085 89 84%
1897 – Dec. 2743, de 17-2Bernardino de Campos 1.071 116 200%
1900 - Dec. 3617, de 19-3Joaquim Murtinho 1.070 114 100%
15. Renda, em mil réis: Impostos 1914 1917
` Importação 150.548 91.980
Consumo 52.223 93.514
TRIBUTAçãO em rev i s ta 19
Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, em cujo Governo se rea-
lizou a grande reforma tarifária de agosto de 1957, que assinala o
término deste segundo período da história aduaneira do Brasil.
a) A grande depressão e a tarifa de 34 (1930-1939)
O primeiro decênio dessa fase esteve marcado pelos
efeitos da grande depressão mundial sobre o comércio ex-
terior do País, substituídos, a partir de 1939, pelas per-
turbações ocasionadas pela II Guerra Mundial. Com um
pequeno interregno no biênio 46-47, todo o resto do pe-
ríodo esteve caracterizado por uma inflação de ritmo cres-
cente e por profundas transformações estruturais.
Ao iniciar-se essa nova fase, a tarifa aduaneira aplicada
no País era, todavia, com pequenas alterações, a aprovada
em 1900, segundo a orientação do ministro Joaquim Mur-
tinho. Em 1931, o Decreto nº. 29.380, de 8 de setembro,
autorizou uma revisão geral da tarifa em vigor, fixando os
critérios que deveriam orientá-la. A reforma, entretanto,
somente foi levada a cabo em 1934, durante a gestão do
ministro Oswaldo Aranha. Entre as alterações introduzidas
no regime aduaneiro do País16, se destacam as seguintes:
a) Atualização da nomenclatura, aumentando o núme-
ro dos itens, de 1.070 a 1.897;
b) Redução para 7 das posições com direitos ad valorem;
c) Instituição duas modalidades de direitos: gerais e
mínimos; e
d) Extinção da cobrança dos direitos em ouro.
A supressão dos direitos ad valorem teve como obje-
tivo, entre outros, preservar as rendas aduaneiras frente à
tendência declinante dos preços no mercado internacio-
nal. Sem embargo, a tarifa Oswaldo Aranha somente se
aplicou quando esses preços já se encontravam novamente
em ascensão, com a economia mundial em plena fase de
recuperação. Não obstante, mais grave do que a genera-
lização do sistema de direitos específicos, foi a supressão
da chamada taxa-ouro, que assegurava, parcialmente, o
reajuste automático de seu valor real em vista da crescente
desvalorização da moeda nacional.
A partir da Reforma de 1934, a Tarifa foi perdendo
importância gradualmente, já como fonte de recursos para
o Tesouro, já como instrumento de política de comércio
exterior. No decênio anterior à grande crise, as rendas
aduaneiras contribuíram com quase 40% da renda global
do País. No período de vigência da tarifa Oswaldo Aranha,
essa participação foi declinando, até chegar a 3,24%, em
1956. O nível médio de proteção dos direitos aduaneiros
decresceu paralelamente, baixando de 35% em 1934, até
menos de 5%, em 1956.
Ao contrário do que ocorreu no período monárquico e
na primeira fase do período republicano, a partir da reforma
de 1934, a tarifa aduaneira ficou inteiramente marginaliza-
0% 10% 20% 30% 40%
1823 a 1832
1833 a 1842
1843 a 1852
1853 a 1862
1863 a 1872
1873 a 1882
1883 a 1892
1893 a 1902
1903 a 1912
1913 a 1922
1923 a 1932
1933 a 1942
1943 a 1950
1951
1952
1953
1954
1955
16. Tarifa aprovada pelo Decreto nº. 24 343, de 9 de junho de 1934.
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80%
1823 a 1832
1833 a 1842
1843 a 1852
1853 a 1862
1863 a 1872
1873 a 1882
1883 a 1892
1893 a 1902
1903 a 1912
1913 a 1922
1923 a 1932
1933 a 1942
1943 a 1950
1951
1952
1953
1954
1955
GRÁFICO 1
GRÁFICO 2
20 TRIBUTAçãO em rev i s ta
De US$ 474 milhões, em 1928, as exportações decli-
naram a US$ 179 milhões em 1932, e só depois de 1941
chegaram a recuperar os níveis anteriores à crise. Essa que-
da de 63% na capacidade de importar do País determinou,
desde o começo, uma violenta elevação da taxa de câmbio
que, de 1929 a 1931, sofreu uma desvalorização de 75%,
passando de Cr$ 8 a Cr$ 14 por dólar.
Para prevenir novas desvalorizações cambiais e assegurar
a importação de produtos essenciais à economia nacional, o
Governo, “atendendo à anormalidade da atual situação e à
necessidade de centralizar as operações de aquisição cambial
a fim de evitar especulações danosas aos interesses do país”,
pôs em vigor o Decreto nº. 20 451, de 8 de setembro de
1931, que estabelecia o monopólio da compra de divisas pelo
Banco do Brasil e que determinava a forma de sua transferên-
cia aos bancos para a cobertura das importações. Esse decreto
instaurou, no País, um regime de controle cambial que, com
pequenas interrupções, perduraria durante mais de 30 anos.
Em maio de 1939, cinco meses antes da declaração do
conflito mundial, o Governo, por Decreto-Lei nº. 1.201,
restabeleceu parcialmente a liberdade de compra de di-
visas pelos bancos, que ficavam, contudo, obrigados a
transferir 30% ao Banco do Brasil segundo as taxas fixadas
por este, restabelecendo o regime de mercado duplo de
câmbio-oficial e livre – que perdurou até 1946.
TABELA 3
ano Exportações us$ ano Exportações us$
1928 474.133 1937 397.694
1929 461.577 1938 295.643
1930 319.959 1939 305.357
1931 241.111 1940 263.432
1932 179.403 1941 352.128
1933 222.244 1942 392.955
1934 285.750 1943 444.258
1935 372.804 1944 577.026
1936 372.815 1945 657.307
b) Auge e decllnio da licença prévia
Mas as perturbações do comércio exterior obrigaram,
já em 1941, a criação, no Banco do Brasil, da Carteira de
Exportação e Importação, com o fim de pôr em prática um
sistema de licença prévia que progressivamente fosse se
tornando mais rígido.
Terminada a guerra, o Brasil havia acumulado no exte-
rior volumosos saldos em divisas. Com o desejo de com-
bater a inflação e estimular a entrada de capitais estran-
geiros no País, o Governo estabeleceu, por Decreto-Lei nº.
9 025, de 27 de fevereiro de 1946, que as operações de
câmbio se realizariam pelo mercado livre, ficando o mer-
cado oficial limitado somente aos serviços governamentais
e a 20% das importações.
Essas medidas de liberação do comércio exterior, am-
pliadas por atos posteriores, trouxeram como resultado o
esgotamento, em pouco mais de um ano, das reservas em
dólares do País, permanecendo unicamente os saldos em
moedas inconversíveis, bloqueados em poder dos países
europeus. Essa situação se agravou, a partir de 1947, com
a decisão do Governo, por meio da Resolução da SUMOC,
de suprimir o mercado livre e passar a operar em um re-
gime de taxa única de câmbio, declarada ante o Fundo
Monetário Internacional na base Cr$ 18,50 por dólar.
A rigidez da taxa de câmbio, aliada ao completo desar-
mamento tarifário do País, contribuiu para incrementar as
importações e desestimular as exportações e a entrada de
capitais estrangeiros, dando como resultado uma crescen-
te acumulação de atrasados comerciais.
À medida que a situação se ia agravando, foram estabele-
cidos, por Resolução da SUMOC, certos controles cambiais
até que, por Lei nº. 262, de 23 de fevereiro de 1948, foi reim-
plantado no País um sistema de restrições administrativas di-
retas, a cargo da antiga Carteira de Exportação e Importação.
Nesse mesmo ano, a Lei nº. 313, de 30 de julho de
1948, ratificou a adesão do Brasil ao Acordo Geral sobre
Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT), aprovando a Lista
III, anexa a esse Acordo, pela qual se congelavam os níveis
tarifários correspondentes a mais de 70% das importações
brasileiras. Com essa medida, se completou o processo de
marginalização do sistema aduaneiro, no quadro dos ins-
trumentos de política financeira e econômica do país.
Prorrogado, sucessivamente, pelas Leis nº. 752 e 842, de
30 de junho e 4 de outubro de 1949, o regime instituído pela
Lei nº. 262 se prolongou até 1951. Nesse ano, o conflito da
Coréia, ao ameaçar se estender, levou as autoridades mone-
da como instrumento de política econômica, sendo subs-
tituída por restrições administrativas e controles cambiais,
manipulados diretamente pelas autoridades monetárias.
Essa marginalização proveio da extrema rigidez do instru-
mento aduaneiro, inteiramente incompatível com a rapidez de
soluções exigida pela conjuntura, caracterizada por violenta
alterações na estrutura do comércio internacional. Na década
de 1930, essas alterações refletiram os efeitos depressivos da
grande crise de 1929, conforme se observa na seguinte tabela:
TRIBUTAçãO em rev i s ta 21
tárias a liberar as importações, com receio de deixar o País
privado de matérias-primas, equipamentos e outros produtos
estrangeiros essenciais à sua economia. Em conseqüência, o
total das importações se elevou, entre os anos 1950 e 1951,
de 1085 a 1987 milhões de dólares. No biênio 1951-1952,
apesar do notável incremento das exportações, o déficit da
balança comercial foi da ordem de U$ 780 milhões.
Em janeiro de 1953, a Lei 1807 introduziu novas re-
formas no sistema cambial. O mercado livre foi restabele-
cido para certas operações. As importações, porém, conti-
nuaram sendo processadas, no mercado oficial, pela taxa
de câmbio declarada ante o FMI.
A forte discrepância existente entre essa taxa e a paridade
real do cruzeiro provocou a violenta ampliação da demanda de
toda a gama de produtos estrangeiros. E o sistema de licença-
prévia, a cargo da antiga Carteira de Exportação e Importação,
que devia ser aplicado a produto por produto, em cada opera-
ção, começou a sucumbir ante as pressões, provocando intensa
corrupção nas altas esferas administrativas, ademais da grave
distorção nas correntes de importação do País.
A dualidade dos mercados de câmbio foi mantida, ade-
mais da taxa de paridade declarada ante o FMI. As divisas
provenientes das exportações eram adquiridas pelo Banco
do Brasil em regime de monopólio, segundo a taxa oficial,
acrescentada, não obstante, de uma bonificação fixa por
dólar ou seu equivalente em relação a outras moedas.
Os produtos de importação foram distribuídos em
cinco categorias, conforme graus decrescentes de prio-
ridade. A quinta categoria estava constituída por todos
os produtos não especificados nominalmente nas quatro
categorias anteriores.
Salvo uns poucos produtos, como o petróleo e o tri-
go, sujeitos a um regime especial de quotas, todas as de-
mais importações passaram a ser efetuadas pelo sistema
de leilão de divisas, realizado semanalmente pelas Bolsas
de Valores do País.
Conhecidas as disponibilidades cambiais, se procedia,
desde o começo, à reserva do montante destinado aos ser-
viços governamentais e a outras operações consideradas
de alta prioridade. O resto era, então, dividido pelas au-
toridades monetárias em quotas correspondentes a cada
uma das cinco categorias de importação, que deviam ser
licitadas, em pequenos lotes, mediante o pagamento, pelo
importador, de um ágio ou sobretaxa, que variava, em
cada leilão, segundo a lei da oferta e da procura.
O mecanismo de licença prévia, que deveria ser conce-
dido em cada operação, foi assim substituído por um siste-
ma de contingenciamento global de quotas por grupos de
produtos. A única atribuição da autoridade consistia na de-
terminação prévia do montante de divisas que devia ser ofe-
recido em licitação dentro de cada categoria. Daí em diante,
a seleção dos importadores e dos produtos que deviam ser
importados era automática e estritamente impessoal.
A distribuição das disponibilidades cambiais era reali-
zada, tentativamente, pela autoridade monetária a fim de
produzir ágios médios crescentes a partir da primeira até a
quinta categoria, como se pode observar na tabela 5.
TABELA 4
taxas de câmbio (cr$ por dólar )
ano oFicial llvrE ano oFicial livrE
1928 8,3 - 1943 16,5 19,6
1929 8,4 - 1944 16,5 19,6
1930 9,2 - 1945 16,5 19,5
1931 14,2 - 1946 16,5 19,4
1932 14,1 - 1947 18,73
1933 12,7 - 1948 18,72
1934 12 14,9 1949 18,72
1935 11,9 17,4 1950 18,72
1936 11,8 17,2 1951 18,72
1937 11,4 16 1952 18,72
1938 - 17,6 1953 18,72 43,32
1939 16,6 19,2 1954 18,72 62,18
1940 16,6 19,8 1955 18,72 73,54
1941 16,6 19,7 1956 18,72 73,54
1942 16,6 19,6 1957 18,7 2 68,99
c) O regime de leilão de divisas (1953-1957)
Nesse mesmo ano, a Instrução da SUMOC, nº. 70, de 9
de outubro, seguida pela Lei nº.2 145, de 29 de dezembro,
instauram no País um novo regime de comércio exterior. A
antiga Carteira de Exportação e Importação foi dissolvida e,
em substituição, se criou a Carteira de Comércio Exterior, cuja
atribuição seria a de administrar o sistema a ser inaugurado.
tabEla 5
anos total
ágios médios ponderados – cr$ por us$
categorias
1ª 2ª 3ª 4ª 5ª
1954 41,25 26,48 33,55 63,44 83,85 133,35
1955 93,66 68,88 86,41 157,18 204,34 284,72
1956 91,71 64,23 92,28 131,17 200,76 290,46
1957 67,33 43,13 64,29 89,19 135,94 296,55
22 TRIBUTAçãO em rev i s ta
Quando a diferença entre uma e outra categoria tendia
a se afastar dos limites considerados desejáveis, bastava al-
terar a distribuição das divisas que deviam ser leiloadas nas
próximas licitações. A combinação da taxa fixa de câmbio
com o ágio médio, variável por categoria, correspondia a
um sistema cambial de taxas múltiplas e flutuantes.
Até certo limite, o ágio funcionava como um corretivo
da taxa oficial de câmbio, mantida desde 1947, na base
artificial de Cr$ 18,50 por dólar, não obstante a crescente
perda de poder aquisitivo interno da moeda. Acima desse
limite, o ágio passava a ter uma função protecionista, em
substituição aos direitos aduaneiros, totalmente erodidos
pela inflação. A quinta categoria correspondia a uma quase
proibição de importar, em virtude de serem extremamente
reduzidas as quotas de divisas que lhe eram atribuídas.
Não obstante sua nítida superioridade em comparação
com o regime anterior, caracterizado por taxas de câmbio
e licenças prévias para cada importação, em pouco tem-
po começaram a acumular queixas contra o novo sistema,
que foi estabelecido com caráter provisório, e funcionou
somente durante dois anos. Sem embargo, o regime insti-
tuído pela Lei nº. 2145 foi prorrogado sucessivamente até
1957, agora cada vez com maiores dificuldades17.
d) A ponte para a reforma tarifária
Em conseqüência, já em 1954, o ministro Oswaldo Ara-
nha, pela segunda vez à frente do Ministério da Fazenda,
determinou que fossem acelerados os trabalhos relativos à
reforma aduaneira, confiando-nos a coordenação geral da
excelente equipe técnica incumbida de sua execução.
A obsolescência da tarifa de 1934 acentuou-se sobre-
maneira a partir de 1953. Sua nomenclatura, que não havia
acompanhado a evolução tecnológica, ficou completamente
desatualizada. Corroídos pela inflação, os direitos específicos
haviam perdido toda a importância como instrumento de
proteção do trabalho nacional e inclusive como simples fonte
de receita. Disso resultaram algumas conseqüências de alta
significação. Se, por um lado, a reforma tarifária não encon-
trou apoio algum na experiência anterior; por outro lado, ela
pôde ser realizada com inteira liberdade de concepção com
relação ao sistema aduaneiro então vigente.
Na fixação das alíquotas correspondentes a cada produto
o projeto se apoiou, fundamentalmente, no que se conveio
em designar como “componente tarifário” implícito nos ágios
cambiais. Para tal fim, se partiu da concepção de que, na pri-
meira categoria, os produtos estavam submetidos a um trata-
mento, equivalente às posições livres de direitos aduaneiros.
O ágio correspondente atuava, de maneira exclusiva, como
fator de correção da taxa de câmbio. A partir desse limite, a
parte excedente dos ágios das demais categorias era conside-
rada como um componente de efeito protecionista.
A tabela 6, com os dados relativos ao exercício de 1954,
ilustra numericamente o mecanismo antes descrito.
TABELA 6
categ. tarifa
oficial de câmbio
cr$
ágio médio cr$
total cr$
taxa corrigida de câmbio
cr$
componente tarifário
cr$ %
1ª 18,72 26,48 45,20 45,2 0 0
2ª 18,72 33,55 52,27 45,2 7,07 15
3ª 18,72 63,44 82,16 45,2 36,96 82
4ª 18,72 83,85 102,57 45,2 57,37 126
5ª 18,72 133,35 152,07 45,2 106,87 237
TABELA 7
catEgorias
anos 1º 2º 3º 4º 5º
% % % % %
1954 - 15 82 126 237
1955 - 20 101 112 246
1956 - 34 81 164 272
1957 - 34 75 149 409
17 .Essas prorrogações, que se constituíram em verdadeiras batalhas dentro do Congresso, foram as seguintes:
Lei Data Prazo de Prorrogação
2140 29 de janeiro de 1955 18 meses
2807 28 de junho de 1956 6 meses
3053 22 de dezembro de 1956 6 meses
3187 28 de junho de 1957 30 meses
Essa deformação do ágio da quinta categoria se foi
acentuando com o correr dos anos, conforme se pode ob-
servar na tabela 7.
Partindo dos níveis reais de proteção implícitos no me-
canismo dos ágios cambiais, fixaram-se as alíquotas para
os diversos produtos, levando em conta, ademais:
a) O grau de elaboração do produto; e
b) A existência, ou não, de produção nacional.
A combinação desses critérios resultou, afinal, na
TRIBUTAçãO em rev i s ta 23
TABELA 8
nivEis tariFários
catEgorias atÉ 10%
mais dE 10%
atÉ 30%
mais dE 30% total
Primeira 72% 19% 9% 100
Segunda 74% 19% 7% 100
Terceira 36% 33% 31% 100
Quarta 12% 33% 55% 100
Quinta 5% 9% 86% 100
distribuição dos níveis tarifários por categoria, segun-
do a tabela 8.
Por esse artifício de raciocínio – representado fun-
damentalmente pela decomposição dos ágios em dois
componentes, um cambial e outro tarifário – o projeto de
reforma aduaneira pôde estabelecer uma ponte entre o re-
gime resultante da Lei nº. 2145 e o que lhe seguiu.
Com o suicídio de Vargas, em agosto de 1954, Oswaldo
Aranha deixou o Ministério da Fazenda, porém os trabalhos
da reforma tarifária prosseguiram sem interrupção durante
os Governos transitórios de Café Filho e Nereu Ramos que,
em 27 de dezembro de 1955, enviou uma mensagem ao
Congresso Nacional com o projeto de lei que dispunha so-
bre uma nova tarifa aduaneira do Brasil.
Durante 18 meses o Projeto de Tarifa foi objeto de in-
tensos debates nas Câmaras do Congresso. Era a primeira
vez, nesse século, que o Parlamento brasileiro tinha opor-
tunidade de discutir uma reforma aduaneira. Chegou a se
criar no País a convicção de que inclusive seria impossível
fazê-lo por via legislativa. A participação do Congresso,
porém, foi altamente construtiva, neste caso, contribuindo
inclusive para o aperfeiçoamento da proposta original do
Poder Executivo. Esse fato se deveu ao notável esforço de
um excelente grupo de parlamentares integrantes da Co-
missão Mista presidida pelo deputado Brasílio Machado
Neto, que contou, em todo o transcurso dos trabalhos,
com a estreita colaboração da equipe técnica responsável
pela elaboração do anteprojeto.
Concluída sua votação pelo Congresso, em 14 de agos-
to de 1957, o Presidente Juscelino Kubitschek sancionou a
Lei nº. 3244, que punha em vigor a nova tarifa aduaneira,
de tão marcada influência na história recente da vida eco-
nômica e administrativa do Brasil.
iv – a rEForma aduanEira dE 1957 A Lei nº. 3244 determinou uma completa reformu-
lação das linhas diretivas e dos instrumentos da política
de comércio exterior do país, destacando-se os seguintes
pontos:
a) Instituição de uma nova tarifa aduaneira e estabele-
cimento de normas para disciplinar sua aplicação;
b) Criação do Conselho de Política Aduaneira e defini-
ção de suas atribuições; e
c) Adaptação das normas cambiais então vigentes.
a) Características gerais da Tarifa
A nova tarifa representou, na época de sua instituição,
uma iniciativa precursora dentro do esforço de moderni-
zação dos sistemas aduaneiros da América Latina. Foi a
primeira a utilizar a Nomenclatura elaborada pelo Conse-
lho de Cooperação Aduaneira – Nomenclatura Aduaneira
de Bruxelas18. Somente depois da criação da ALALC, em
1960, foi ela também adotada por outros países da área.
Lamentavelmente, a nomenclatura brasileira não foi
inteiramente fiel ao padrão de Bruxelas, afastando-se dele,
parcialmente, em dois ou três capítulos. Essa discrepância
se explica pelo fato de que a NAB, então recentemente
publicada19, todavia, não tinha inspirado a confiança que
logrou conquistar um pouco mais tarde.
Não tanto singular, porém muito mais dramática foi,
além disso, a decisão de estruturar a tarifa inteiramente sobre
a base de direitos ad valorem. Dezenas de anos de tradição de
Tarifa totalmente específica haviam marcado, profundamen-
te, a mentalidade do pessoal aduaneiro, ao qual se juntava
a circunstância de que, por falta de experiência, os serviços
aduaneiros não estavam preparados para exercer, em condi-
ções satisfatórias, o controle de preços nas mercadorias.
Em razão disso, foi necessário apelar, pelo menos du-
rante certo tempo, para os serviços da Carteira de Comér-
cio Exterior do Banco do Brasil que, no exercício de suas
atribuições, havia acumulado apreciável experiência em
matéria de verificação de preços20.
18. Hoje é denominada Nomenclatura do Conselho de Cooperação Aduaneira. (N. do R.)
19. O projeto básico de reforma foi elaborado entre 1954 e 1955.
20. No sistema então implantado e ainda em vigor, o controle de preços se realiza antes do desembarque da mercadoria no porto de destino. Sobre a base de uma declaração prévia de importação, a Carteira de Comércio Exterior procede à análise dos preços indicados pelo importador e remete o resultado de suas investigações à Alfândega em que se deu seu despacho.
24 TRIBUTAçãO em rev i s ta
A definição de valor que serve de base ao cálculo do impos-
to foi estabelecida pela Lei nº. 3244, nos seguintes termos:
“Art. 5º – O imposto ad valorem será calculado com
base no valor externo da mercadoria, aumentado com os
gastos de seguro e frete (valor CIF).
Parágrafo único – Considera-se valor externo da mer-
cadoria o preço, ao tempo da exportação, pelo qual ela, ou
uma mercadoria similar, é normalmente oferecida à venda
no mercado atacadista do país exportador...”
Como na Definição de Valor de Bruxelas, o conceito adota-
do pela Lei nº. 3244 se apoiava, também, na idéia de um valor
normal que pode não coincidir com o preço real constante da
fatura. Ademais, a forma de determinar o que se deve entender
por valor normal apresenta, entre as duas definições, algumas
diferenças fundamentais, resumidas no quadro 1.
dispensável estabelecer uma nova zona de alíquotas entre
79 e 150%21, em virtude da situação de fato existente em
funçãp da reforma tarifária.
As dificuldades geradas pela guerra e, posteriormente, o
desequilíbrio crônico do balanço de pagamentos impuseram,
a partir de 1940, fortes limitações ao fornecimento de produ-
tos estrangeiros necessários à economia nacional. Em conseqü-
ência, a substituição de importações passou a se constituir no
principal mecanismo propulsor da industrialização do País.
Na ausência de programação adequada, esse processo se
desenvolveu um tanto anarquicamente, gerando desvios na
composição dos investimentos, ademais de novas pressões
sobre o balanço de pagamentos. As restrições impostas à im-
portação de bens não essenciais exerceram um forte efeito
promocional, estimulando sua produção interna com custos
sociais elevados e com prejuízo de outros investimentos de
mais alta essencialidade. Por não poder correr o risco de pro-
vocar desinvestimentos nesse setor, a reforma tarifária optou
pela alternativa de sustentar tais produções, inclusive com di-
reitos elevados, pelo menos durante o tempo necessário para
sua adaptação a novos padrões de produtividade.
Daí a presença, na Tarifa de 1957, de alíquotas de 70%
até 150%, raramente justificáveis, inclusive em uma eco-
nomia em processo de desenvolvimento como a do Brasil,
uma vez que é dotada de uma estrutura produtiva mais
racionalmente orientada.
b) Negociações internacionais
A fim de assegurar a plena aplicação do novo instrumen-
to, fazendo desaparecer completamente todos os vestígios
da tarifa anterior, a Lei nº. 3244 estabeleceu o seguinte:
“Art. 62 – O Poder Executivo deverá, no prazo de um
ano, a contar da data de publicação desta lei:
[...]
II. Promover as gestões necessárias para a atualização
Quadro 1
dEFiniÇão dE bruxElas
1. Compreende todas as parcelas que integram o preço da mercadoria até sua colocação no ponto de entrada do país importador (valor CIF).2. Toma como base o preço corrente no mercado mundial.3. O preço corrente corresponde ao vigente no momento da importação.
dEFiniÇão da lEi nº. 3244
1. Restringe-se ao valor externo da mercadoria (valor FOB). As despesas de frete e seguro, ainda que integrem o valor aduaneiro, não estão incluídas no conceito de “valor normal”.2. Toma como base o preço corrente no mercado atacadista do país exportador.3. O preço corrente corresponde ao vigente no momento da exportação.
tabEla 9
grupos alÍQuotas nº. dE itEns
%
I Livre 124 1,9
II Até 10% 1 953 30,3
III Entre 15 e 60% 2701 41,9
IV Entre 70 e 150% 1 665 25,9
Total 6443 100
21. O limite de 150% foi estabelecido um tanto arbitrariamente. Correspondia, em termo médio, ao componente tarifário da quarta categoria
A Definição de Valor de Bruxelas é, sem dúvida, mais
completa e de aplicação mais universal, com o que apre-
senta uma nítida superioridade sobre a adotada pela Lei
nº. 3244. As diferenças se explicam, não obstante, pela
necessidade, então perfeitamente compreensível, de con-
ferir-lhe maior facilidade de aplicação, pelo menos na fase
de implantação da reforma aduaneira.
A Tarifa de 1957 compreendia mais de 6.000 itens,
com alíquotas variáveis entre 0 e 150%, distribuídas se-
gundo a tabela 9.
As alíquotas até 10% foram as únicas incluídas na Ta-
rifa com finalidade estritamente financeira. O Grupo 3
compreende os direitos aos quais se atribuiu função nor-
mal de caráter protecionista. Não obstante, se tornou in-
TRIBUTAçãO em rev i s ta 25
política comercial da Argentina, Brasil, Chile e Uruguai.
Ficou então acordado solicitar do GATT, na reunião de ou-
tubro do mesmo ano, uma cláusula especial de salvaguar-
da que preservasse os acordos tarifários latino-americanos
do principio de nação mais favorecida, por considerar-se
todavia não viável a utilização de qualquer das duas for-
mas de associação econômica – união aduaneira ou zona
de livre comércio – previstas no Artigo XXIV do GATT.
As Partes Contratantes, porém, entenderam que a soli-
citação importaria na criação de uma nova preferência, so-
mente possível mediante emenda ao Acordo Geral, firmada
e ratificada pela unanimidade de seus membros, o que tor-
nava impraticável a medida, pelo menos a curto prazo.
Sem embargo, pressionada pela exigência da Lei nº.
3244, a delegação brasileira propôs, já em Genebra, com
o apoio das Representações do Chile e Uruguai, que, sem
prejuízo do prosseguimento dos estudos em torno do pro-
jeto de mercado comum latino-americano, se tentasse a
celebração entre os países do “cone sul” de um acordo de
zona de livre comércio, dentro do qual o Brasil pudes-
se reorganizar, sobre novas bases, as concessões tarifárias
constantes dos acordos bilaterais, todavia, vigentes.
Dessa semente resultou mais tarde a ALALC22. E, em
janeiro de 1962, entrava em vigor a Lista Nacional que
continha uma centena de reduções de direitos da nova Ta-
rifa, outorgadas pelo Brasil às demais partes contratantes
do Tratado de Montevidéu. Extinguiram-se, em conseqü-
ência, os últimos vestígios do regime implantado, no país,
com a reforma aduaneira de 1934.
c) o Conselho de Política Aduaneíra23
Tão importante quanto a reforma do instrumento ta-
rifário foi a instituição do mecanismo capaz de assegurar
sua permanente atualização frente à rápida transformação
da estrutura econômica do País, assim como também de
sua posição no quadro do comércio internacional.
A tradição do sistema presidencialista brasileiro havia
consagrado uma interpretação demasiado restritiva do prin-
cípio constitucional da não-delegação de competências pri-
vativas de cada um dos três Poderes da República. E entre
dos acordos internacionais em matéria de tratamento adu-
aneiro e que importem na aplicação de imposto diferente
do estabelecido na Tarifa.”
Nessa época, o Brasil mantinha dois tipos de acordos
comerciais com listas de concessões aduaneiras baseadas
nos direitos específicos da antiga Tarifa:
a) Um acordo multilateral com os países-membros do
GATT; e
b) Acordos bilaterais com a Argentina, Chile, Uruguai,
Paraguai e Bolívia, dependendo ainda este último da rati-
ficação por parte do Congresso Nacional.
Em fevereiro de 1958, iniciaram-se em Genebra as pro-
longadas e difíceis negociações com as Partes Contratantes
do GATT, as quais culminaram com a substituição da antiga
Lista III – Brasil, anexa àquele Acordo, por uma nova lista
baseada nos direitos constantes da tarifa já em vigor.
Apesar de serem também membros daquele organismo,
os entendimentos com o Chile e com o Uruguai ficaram
para ser realizados em conjunto com os demais países sul-
americanos, com os quais o Brasil estava ligado por acordos
tarifários bilaterais. Esses entendimentos apresentavam, não
obstante, sérias dificuldades. Em virtude da cláusula incon-
dicional de nação mais favorecida, as concessões aduaneiras
constantes desses acordos se estendiam, automaticamen-
te, a todas as Partes Contratantes do GATT, retirando-lhes
qualquer caráter de tratamento preferencial.
O intercâmbio comercial entre os países do chamado
“cone sul” vinha sendo mantido, com grande irregularidade,
a custo de preferências geradas artificialmente pelos acordos
bilaterais de pagamentos. Sem embargo, nessa época, o mun-
do já retornava ao regime de plena conversibilidade mone-
tária, e nossos países eram fortemente pressionados, nesse
mesmo sentido, pelo Fundo Monetário Internacional.
O abandono do bilateralismo, sem outras medidas
compensatórias, poderia, sem embargo, representar o co-
lapso de parte substancial do comércio da área. E o mer-
cado comum latino-americano, já proposto pela CEPAL,
parecia um sonho de concretização, todavia remota.
Para um exame geral da situação, Raul Prebisch con-
vocou em Santiago, em agosto de 1958, os diretores de
22. Já em dezembro de 1958, em uma reunião do Conselho de Política Aduaneira, realizada no Rio de Janeiro, expusemos a Raul Prebisch as bases de um acordo de zona de livre comércio que nos pareceu perfeitamente viável. Em janeiro de 1959, a pedido de Prebisch, participamos, com outros técnicos da CEPAL, na elaboração de um primeiro esboço de convenção. Depois de um novo encontro em Santiago, realizaram-se as reuniões em Rio, Uma e Montevidéu, onde finalmente foi assinado o Tratado, em 18 de fevereiro de 1960.
23. Inicialmente o Conselho de Política Aduaneira teve alterada sua organização pelo Decreto-lei nº. 730, de 5 de agosto de 1969. Nessa ocasião, sob a presidência do ministro da Fazenda, passou a ser integrado por outros ministros de Estados, dirigentes e órgãos públicos, assim como por representantes das classes produtoras e dos trabalhadores. Mais tarde. foi ele extinto pelo Decreto nº. 83 955, de 12 de setembro de 1979, transferida sua competência para o Conselho Nacional do Comércio Exterior. E a Comissão Executiva do extinto Conselho de Política Aduaneira passou a denominar-se Comissão de Política Aduaneira, para a qual se transferiu sua competência. (N. do E.)
26 TRIBUTAçãO em rev i s ta
as competências privativas do Congresso figurava a de votar
leis sobre a criação, extinção ou reforma dos tributos.
O rigor com que tradicionalmente se vinha aplican-
do essa norma jurídica conferia ao instrumento aduaneiro
extrema rigidez, impossibilitando sua adequada utilização
como instrumento de política de comércio exterior e de
desenvolvimento econômico.
Ao lado da natureza específica de suas alíquotas, essa in-
flexibilidade se constituiu em um dos fatores de progressiva
obsolescência da tarifa de 1934. Ainda que baseada em di-
reitos de caráter ad valorem, a tarifa de 1957 corria também
o risco de se tornar rapidamente desajustada frente às reais
necessidades da economia nacional. E, em conseqüência, o
País ficaria impossibilitado de eliminar as demais restrições
de ordem não-tarifária, inclusive depois de haver alcançado
uma relativa normalização da conjuntura, nos campos da
política cambial e monetária. Para evitar tais inconvenien-
tes, a Lei nº. 3244 instituiu o Conselho de Política Adua-
neira e o dotou de poderes necessários para o permanente
ajuste da Tarifa às exigências do processo econômico.
O Conselho de Política Aduaneira é constituído por
um colegiado (Plenário) com representação paritária dos
órgãos governamentais e do setor privado. Seus membros
são designados pelo Presidente da República com man-
dato fixo de quatro anos, renovando sua composição pela
metade a cada dois anos. Como membro nato do Con-
selho, o diretor do Departamento de Rendas Aduaneiras
atua, por um lado, como elemento de união entre o órgão
normativo e de formulação de política e, por outro lado,
o órgão incumbido da aplicação da tarifa e da supervisão
geral dos serviços aduaneiros do País.
O Conselho dispõe de uma Secretaria Técnica, integrada
por um corpo de engenheiros, economistas e outros funcio-
nários especializados, dirigida por um Secretário Executivo
que participa das reuniões do Plenário, sem direito a voto.
A Lei nº. 2344 conferiu ao Conselho de Política Adu-
aneira uma série de atribuições da mais alta importância,
destacando-se a atualização da nomenclatura e a reforma
da base de cálculo e do nível dos direitos aduaneiros.
A possibilidade de efetuar todos esses ajustes por simples
resoluções do Conselho, além de lhe assegurar maior rapidez
e evitar os lentos trâmites do processo legislativo, contribuiu
também para conservar seu caráter técnico, retirando a medi-
da da influência deformante das pressões políticas.
A faculdade de introduzir correções na nomenclatura
permite mantê-la sempre atualizada, inclusive quanto aos
desdobramentos que forem necessários para acompanhar
a diversificação da estrutura produtiva do País.
Com o fim de encontrar a saída para situações que tornam
difícil a identificação do valor normal da mercadoria, o Con-
selho de Política Aduaneira pode utilizar dois mecanismos: 1)
estabelecer, para o produto, uma pauta de valor mínimo como
base de cálculo dos direitos aduaneiros; 2) converter qualquer
alíquota ad valorem em seu equivalente em termos de direi-
tos específicos. Nessa segunda hipótese, a alíquota deverá ser
reajustada, semestralmente, a fim de manter sua equivalência
exata com os direitos ad valorem correspondentes.
De todas as atribuições que lhe foram conferidas pela Lei
nº. 3244, a mais importante, sem dúvida, consiste na facul-
dade de elevar ou reduzir os direitos constantes da Tarifa.
A fim de que essa atribuição não se caracterizasse como
uma delegação ilimitada de poderes privativos do Con-
gresso a um órgão do Poder Executivo, a lei estabeleceu os
limites dentro dos quais se poderiam efetuar as reformas
de alíquotas24, além de outras exigências, com o objetivo
de assegurar a ampla participação dos interessados na de-
fesa de seus direitos25.
As reformas de alíquotas deverão ser precedidas pela
publicação de ato para conhecimento público. No período
de instrução do processo pela Secretaria Técnica, ou na
fase de deliberação do Plenário, os interessados poderão,
verbalmente ou por escrito, expor suas razões contra ou a
favor da reforma pretendida. Aprovado pelo Conselho26,
o projeto de resolução é submetido à homologação do ni-
nistro da Fazenda, que tem um prazo de trinta dias para
emitir sua decisão. Se for favorável, a resolução entra em
24. No caso de tais modificações, deverão ser observados cumulativamente os seguintes limites:
1 - Níveis máximo e mínimo de cada capítulo; e
2 - Trinta pontos para mais ou menos.
Dessa maneira, uma alíquota de 50% poderia ser elevada até 80% ou reduzida até 20%, se as alíquotas máxima e mínima, existentes no mesmo capítulo da Tarifa, fossem iguais ou superiores a 80% ou iguais a 20% ou então menores.
25. Não obstante, essas atribuições do Conselho de Política Aduaneira foram questionadas ante o Poder Judiciário, mantendo-se por decisão do Supremo Tribunal Federal, e sendo, posteriormente, consagradas por norma expressa da Constituição de 1967.
26. As resoluções são aprovadas por maioria simples de votos. Sem embargo, mais de 90% têm sido aprovadas por unanimidade, não obstante a heterogeneidade dos inte-resses representados no Plenário. Esse fato se deve, em grande parte, ao aperfeiçoamento da metodologia e ao crescente vigor técnico das análises efetuadas pela Secretaria, na instrução prévia do procedimento.
TRIBUTAçãO em rev i s ta 27
vigor quinze dias depois de sua publicação. Caso não seja
homologada, o projeto de resolução, acompanhado das
razões do veto, é submetido a nova deliberação do Conse-
lho, que, por voto da maioria de dois terços de seus mem-
bros, poderá recusá-lo, enviando o ato à publicação, inde-
pendentemente de novo pronunciamento ministerial27.
Relacionadas, todavia, com a reforma do montante dos
direitos devidos, sem afetar por isso as alíquotas constan-
tes da tarifa, figuram as seguintes atribuições conferidas ao
Conselho de Política Aduaneira pela Lei nº. 3244:
a) Conceder o regime de admissão temporária ou de
drawback para a importação de matérias-primas e semi-
manufaturas, que tenham de ser empregadas na fabricação
do produto destinado à exportação;
b) Conceder redução ou isenção de direitos para a im-
portação de matérias-primas e outros produtos básicos,
destinados a complementar a produção interna, vinculada
com a obrigatoriedade de aquisição de determinada percen-
tagem do mesmo produto fabricado no País;
c) Conceder redução de até 50% dos direitos de im-
portação de equipamentos destinados à produção agrícola
e industrial, com relação a modelos, dimensões ou tipos,
todavia não fabricados no País; e
d) Declarar a inexistência de produto similar produzido no
país, condição necessária para o efeito de gozar de isenção con-
cedida a qualquer entidade, pública ou privada.
Mais relacionada ainda com os objetivos da política
cambial, a transferência de produtos de uma ou outra
categoria de importação foi igualmente incluída pela
Lei nº. 3244 entre as atribuições do Conselho de Polí-
tica Aduaneira28.
O Conselho constitui um órgão com características
singulares em relação com as instituições do gênero, não
só na América Latina, senão que em todo o mundo.
Os dez primeiros anos de seu funcionamento demons-
tram que se trata, realmente, de uma experiência bem lo-
grada, com assinalados serviços já prestados ao país.
v – aÇão paralEla das rEstriÇoEs não-tariFárias
Uma inflação de ritmo crescente e o desequilíbrio do
balanço de pagamentos, agravados pelas convulsões so-
ciais e políticas do quadriênio 1961-1965, fizeram com
que se perpetuassem, durante quase dez anos, os controles
cambiais e as restrições administrativas impostas ao co-
mércio exterior do País, perturbando com isso, gravemen-
te, o normal funcionamento da Tarifa e o cumprimento,
por parte do Conselho de Política Aduaneira, da plenitude
de suas atribuições.
Enquanto o Conselho de Política Aduaneira promovia,
com firmeza e prudência, o lento e difícil processo de ajuste
do sistema aduaneiro, as autoridades monetárias introdu-
ziam, a cada passo, bruscas mudanças de orientação na po-
lítica cambial do País, em uma sucessão de marchas e con-
tramarchas que são resumidas nos parágrafos seguintes.
a) Permanência do sistema de leílão de divisas (1957-1960)
A entrada em vigor da nova tarifa aduaneira, em agosto
de 1957, deveria haver sido acompanhada de uma total
simplificação do mecanismo cambial do País. Lamenta-
velmente, a conjuntura econômica e, sobretudo, política,
então prevalecente, impediu que essa simplificação se re-
alizasse, pelo menos no limite em que havia sido desejá-
vel. Inclusive elevados até o nível de 150%, os direitos
aduaneiros eram impotentes para conter a demanda de
produtos externos dentro de limites compatíveis com a
capacidade de importar do país.
Em conseqüência, a Lei nº. 3244, em seu artigo 48,
estabelecia: “Enquanto for indispensável conjugar a Tarifa
com medidas de controle cambial, objetivando selecionar
as importações em função das exigências do desenvolvi-
mento econômico do País, as mercadorias serão agrupadas
em duas categorias: geral e especial.”
O sistema cambial instituído pela Lei nº. 2145, de
1953, foi mantido quase integralmente. Ao lado de diver-
sas taxas de câmbio aplicadas às exportações e das taxas
vigentes no mercado livre (reservado, basicamente, às ope-
rações financeiras e movimentos de capitais), continuou
em funcionamento o sistema de leilão de divisas para a
cobertura das importações.
A única reforma realmente importante consistiu na fu-
são, na categoria geral, das quatro primeiras categorias do
sistema anterior. A antiga 5ª categoria passou praticamen-
27. Em dez anos de funcionamento, uma única Resolução do Conselho de Política Aduaneira deixou de ser homologada pelo Ministro da Fazenda e, ainda assim, por motivos alheios ao seu mérito.
28. O Conselho de Política Aduaneira efetuou numerosas transposições da categoria especial para a geral, no sentido de liberar as importações. Contudo, nunca efetuou transferências em sentido contrário.
28 TRIBUTAçãO em rev i s ta
te a constituir a categoria especial, cujos produtos, apesar
de representarem uma elevada percentagem dos itens da
tarifa, continuaram recebendo nos leilões uma quota ex-
tremamente reduzida de divisas, equivalentes a uma quase
proibição de importar.
Esse regime se manteve sem alterações até 1960, du-
rante o Governo de Juscelino Kubitschek. Acrescentando-
se à taxa oficial de câmbio o ágio médio obtido nos leilões,
nesse período, o custo real do dólar para a importação dos
produtos classificados nas categorias geral e especial era o
que aparece na tabela 10.
gatáveis em 150 dias e com juros de 6% anuais;
b) Aquisição de divisas por parte de cada importador,
limitada a um máximo de US$20 mil dólares semanais; e
c) Licitação, nas Bolsas de Valores, de certificados de
“promessas de licenças”, tratando-se de produto de cate-
goria especial29.
Em junho do mesmo ano, a Instrução 208 eliminou a obri-
gatoriedade da subscrição das letras de importação, com rela-
ção a alguns produtos, inclusive todos os originários dos países
da ALALC, e transferiu ao mercado livre aqueles que haviam
sido excluídos pela 204. Completava-se, assim, o processo de
unificação da taxa de câmbio aplicável a todas as importações.
c) Recrudescimento das restrições cambiais (agosto de 1961
a março de 1964)
Depois da renúncia de Jânio Quadros, em agosto de
1961, iniciou-se o tumultuoso Governo de João Goulart,
encerrado violentamente, em 31 de março de 1964, com
a vitória da revolução que colocou na chefia do governo o
Marechal Castello Branco.
As convulsões sociais e políticas que marcaram esse pe-
ríodo, com graves reflexos na situação econômica do País,
determinaram um retrocesso na tendência liberalizante em
matéria de controles cambiais, inaugurada com a Instrução
nº. 204. O limite semanal de aquisição de divisas e os leilões
de “promessas de licenças” para as importações dos produtos
da categoria especial foram mantidos durante todo o período.
Os depósitos prévios exigidos aos importadores e converti-
dos em letras do Banco do Brasil experimentaram sucessivas
elevações, como se observa no tabela 11.
tabEla 10
catEgoria gEral catEgoria EspEcial
taxa oficial
ágio médio total taxa
oficialágio
médio total
1957 18,82 61,47 80,29 18,82 160 ,85 179,67
1958 18,82 130,53 149,35 18,82 281,54 300,36
1959 18,82 182,93 201,75 18,82 347,06 365,88
1960 18,92 203,87 222,79 18,92 504,45 527,37
tabEla 11
dEpósito prÉvio
instrução da sumoc
depósito sobre o valor da importação
prazo de devolução
condições
204 3/13/1961 100% 150 dias Juros de 6%
218 10/9/1961 150% 150 dias “
229 4/22/1963 80% 150 dias Sem juros
254 10/11/1963 100% 180 dias “
256 10/29/1963 100 e 200% 180 dias “
263 2/19/1964 100 e 200% 180 dias “
29. A licitação foi suprimida para os produtos de categoria geral. No caso da categoria especial, o leilão de divisas foi substituído pelo leilão de licença de importação. No caso de possuir o respectivo certificado, o importador se dirigia ao Banco para efetuar o contrato de câmbio pela taxa vigente no mercado.
A conversão, em cruzeiros, dos valores em moeda es-
trangeira, para efeito do cálculo dos direitos aduaneiros, se
fazia tomando como base uma taxa equivalente ao custo
médio do câmbio na categoria geral. O excedente do custo
do dólar na categoria especial constituía um componente
considerado de natureza não-cambial.
b) Tentativa de restabelecimento da verdade cambial
(fevereiro a agosto de 1961)
Com a instalação do Governo de Jânio Quadros se ini-
ciou uma política de gradual unificação dos mercados, em
busca de uma taxa aplicável a todas as operações e que ex-
pressasse o que então se costumava chamar de “verdade
cambial”. O marco inicial dessa nova tendência esteve re-
presentado pela Instrução nº. 204, de 13 de março de 1961,
da antiga Superintendência da Moeda e do Crédito.
Excetuados o petróleo, o trigo, os fertilizantes e o pa-
pel de imprensa, todas as demais importações foram trans-
feridas para o mercado livre, ficando, assim, sem efeito
a taxa de paridade oficial declarada ante o FMI. Foram
suprimidos os leilões de divisas, ficando, não obstante, as
importações sujeitas às seguintes restrições não-tarifárias:
a) Subscrição compulsória, pelo importador, de letras
equivalentes a 100% do valor do contrato de câmbio, res-
A Instrução 208, de junho de 1961, eliminou o depósito
prévio para todos os produtos procedentes da ALALC, hou-
TRIBUTAçãO em rev i s ta 29
vessem ou não sido objeto de negociações. Essa concessão
unilateral aos demais participantes do Tratado de Montevi-
déu provocou, no entanto, certos abusos, gerando diversos
casos de operações triangulares, com simples simulação de
origem zonal para escapar ao pagamento do depósito.
Em virtude desse fato, em outubro de 1963, a Instrução
256 restringiu o benefício aos produtos constantes da Lista
Nacional do Brasil. Porém, em compensação, eliminou para
a importação desses mesmos produtos o limite semanal da
compra de divisas, elevado, pela Instrução nº. 229, de abril
de 1963, para US$ 30 mil dólares por firma.
A unidade, pelo menos formal, da taxa de câmbio
aplicável às importações não pôde, tampouco, ser as-
segurada por muito tempo. Em 1962, a Instrução 228
restabeleceu parcialmente o monopólio de compra de
divisas pelo Banco do Brasil, que havia sido suprimido,
em junho de 1961, pela Instrução 208. Até setembro
de 1962 as importações estiveram sujeitas a um regime
de taxas cambiais realmente livres, flutuando conforme
as condições do mercado. Daí em diante, o Conselho
da Superintendência da Moeda e do Crédito passou a
determinar a taxa pela qual deveria operar o Banco do
Brasil, taxa que em razão da Instrução 230, de 22 de
abril de 1963, se converteu em obrigatória também para
os demais bancos. Em conseqüência, a taxa chamada
livre de câmbio passou a experimentar desvalorizações
periódicas, em intervalos, nas datas e limites detalhados
na tabela 12.
tabEla 12
taxa dE intErvalo
datas cambio por us$ nº dE mEsEs dEsvaloriZaÇõEs no pErÍodo mÉdia mEnsal
cr$ % %
9 – 62 475 – – –
4 – 63 620 7 30,5 4,3
3 – 64 1200 11 93,5 8,5
9 – 64 1610 6 34,1 5,7
12 – 64 1850 3 14,9 4,9
11 – 65 2220 11 20,0 1,8
2 – 67 2715 15 22,2 1,5
tabEla 13
taxa EFEtiva dE câmbio
parcElas compEtEntEs
1961 abril a dEZEmbro
1962 1963 JanEiro FEvErEiro
1 – Taxa do mercado livre 286,12 389,83 575,08 620,00 1.090,00
2 – Deságio na colocação das letras do Banco do Brasil30 39,52 93,74 136,82 149,30 282,96
3 – “Boneco – 11,92 55,83 264,00 289,00
Total 325,64 495,50 767,77 1.033,00 1.661,96
Como essas taxas não correspondiam às reais condi-
ções do mercado, a correção se fez por meio de um agre-
gado, chamado “boneco”, ajustado entre os exportadores
e importadores e os bancos, sem a aprovação, porém com
pleno conhecimento das autoridades monetárias.
Esse era, em linhas gerais, o contexto dentro do qual
se desenvolveram os primeiros anos de aplicação da nova
tarifa. Impossibilitado de promover uma revisão, em pro-
fundidade, das alíquotas fixadas em 1957, a fim de eli-
minar erros e corrigir distorções, o Conselho de Política
Aduaneira teve que limitar-se ao exame casuístico das nu-
merosas proposições que eram submetidas a seu exame
pelos próprios interessados.
d) Extinção dos artifícios cambiais (março de 1964 a de-
zembro de 1966).
A partir de março de 1964, começou a se inverter a po-
sição dos saldos resultantes do comércio exterior do País.
30. Pela Instrução 233, de 7 de novembro de 1962, as letras do Banco do Brasil foram substituídas por letras do Tesouro, série B.
30 TRIBUTAçãO em rev i s ta
tabEla 14
comÉrcio ExtErior do brasil
anos valor Em us$ 1.000,00
1957 1 392 1 489 - 97
1958 1 243 1 353 - 110
1959 1 282 1 347 - 92
1960 1 269 1 462 - 193
1961 1 403 1 460 - 57
1962 1 214 1 475 - 261
1963 1 406 1 487 - 81
1964 1 430 1 263 + 167
1965 1 595 1 096 + 499
1966 1 741 1 496 + 245
Aos déficits da balança de serviços, normalmente des-
favorável ao Brasil, se somaram os sucessivos déficits na
balança comercial, que alcançaram o montante de US$
399 milhões no triênio 1961-63. Nos anos seguintes, a
melhoria das exportações, por um lado, e a contenção das
importações, por outro, provocam o surgimento de supe-
rávit na balança comercial, que se elevaram a US$ 911
milhões, no triênio 1964-66.
31. Por coincidência, era então superintendente da Moeda e do Crédito o professor Octávio Gouvêa de Bulhões.
32. Nesse ano, a Superintendência da Moeda e do Crédito e o seu Conselho foram substituídos pelo Banco Central e pelo Conselho Monetário Nacional, respectivamente.
Esse desafogo na situação do balanço de pagamentos
tornou possível a execução de uma política de gradual ex-
tinção dos artifícios introduzidos no sistema cambial do
Brasil. Sob a influência dos ministros Roberto de Olivei-
ra Campos e Octávio Gouvêa de Bulhões, retomou-se à
tendência inaugurada no governo de Jânio Quadros, pela
Instrução nº. 204, da Superintendência da Moeda e do
Crédito,31 interrompida nos anos seguintes.
Os depósitos prévios de 100 a 200% foram reduzidos
a 60 e 50% e a 100 e 90%, respectivamente, pelas Ins-
truções 275 e 277, de agosto e setembro de 1964. E em
novembro de 1965, foram totalmente abolidos pela Reso-
lução nº. 9, do Conselho Monetário Nacional 32.
De acordo com deliberações desse Conselho, em maio
de 1966, o Banco Central do Brasil suprimiu o limite sema-
nal de compra de divisas por parte de cada importador (Re-
solução nº. 23, de 31 de maio de 1966) e, em novembro do
mesmo ano, extinguiu os leilões de promessas de licenças
para a importação de produtos da categoria especial.
Infelizmente, várias dessas restrições já haviam sido
eliminadas anteriormente para produtos originários da
ALALC, por meio de negociações ou em virtude de con-
cessão unilateral do Brasil. A extensão da medida ao resto
do mundo importou, assim, na supressão de uma prefe-
rência que vinha beneficiando o comércio intrazonal.
Isso trouxe reclamações das quais o governo brasileiro
se defendeu afirmando que, nos termos da Resolução 53 da
Conferência das Partes Contratantes, não cabe exigência de
compensação pela eliminação de preferências provenientes de
restrições de caráter não permanente, impostas por força de
desequilíbrios conjunturais. Não obstante, se dispunha a ofe-
recer tais compensações, com relação a quaisquer correntes de
comércio, efetivamente geradas por aquelas preferências.
À medida que esses inconvenientes para a posição do
Brasil na ALALC encontrem uma saída por meio de enten-
dimentos com as demais Partes Contratantes, lograr-se-ão
tão somente os efeitos benéficos, emergentes da simplifi-
cação do mecanismo cambial do país.
Com a eliminação das demais restrições impostas ao co-
mércio exterior, a Tarifa Aduaneira foi, finalmente, recoloca-
da em sua função de instrumento básico da política de dis-
ciplina das exportações e de proteção ao trabalho nacional.
vi – rEFormas complEmEntarEs dE 1966-67
A limpeza efetuada na área cambial foi seguida de uma sé-
rie de atos com o fim de atualizar e complementar, em alguns
de seus aspectos básicos, a reforma aduaneira de 1957.
Entre novembro de 1966 e fevereiro e 1967, o Gover-
no brasileiro expediu quatro decretos-leis que dispunham,
especificamente, sobre matéria aduaneira:
- Decreto-Lei 37, de 18 de novembro de 1966
- Decreto-Lei 63, de 21 de novembro de 1966
- Decreto- Lei 169, de 14 de fevereiro de 1967
- Decreto-Lei 264, de 28 de fevereiro de 1967
Desses atos, o primeiro dispõe sobre aspectos gerais do
sistema aduaneiro, e os três últimos introduzem uma série
de modificações na Tarifa.
a) Complementação da legislação aduaneira.
Depois de dez anos de aplicação, diversas normas es-
tabelecidas pela Lei nº. 3244 careciam de atualidade. Ade-
mais, alguns aspectos fundamentais do sistema aduanei-
ro, que haviam sido deixados à margem pela reforma de
TRIBUTAçãO em rev i s ta 31
decreto do Poder Executivo, ajustado às recomendações
dos órgãos técnicos da ALALC e inspirado nas lições da
moderna experiência internacional.
Finalmente, o Decreto-Lei nº. 37 se preocupou também
com a reestruturação e reorganização dos órgãos da admi-
nistração dos serviços aduaneiros. Criaram-se condições para
permitir o reforço de recursos materiais e humanos que pos-
sibilitaram ao Conselho de Política Aduaneira o cabal cum-
primento de suas atribuições. Além disso, foi prevista uma
completa remodelação dos órgãos de direção superior e de
execução dos serviços aduaneiros. E, para assegurar a perma-
nente atualização e maior difusão do conhecimento da No-
menclatura Aduaneira de Bruxelas e de seus desdobramen-
tos, foi instituído o Comitê Brasileiro de Nomenclatura36.
b) Modificação da tarifa aduaneira
Nos meses finais de seu período de governo, o pre-
sidente Castello Branco, por proposta de seus ministros
da Fazenda e do Planejamento, decidiu usar dos poderes
excepcionais de que se achava investido para introduzir na
tarifa vigente uma série de reformas.
Tais medidas se inseriram no contexto geral da política
de estabilização monetária do governo, com o objetivo de
lograr a eliminação das pressões inflacionárias provenien-
tes das restrições impostas às importações por meio de ta-
rifas e outros tributos mais além dos limites compatíveis
1957, exigiam uma nova regulamentação.
Esses objetivos foram reunidos no Decreto-Lei nº. 37, de
18 de novembro de 1966, resultante de um extenso trabalho
realizado, sob nossa orientação, por uma equipe de técnicos
da Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda. Suas dis-
posições compreendem, entre outros, os seguintes pontos:
- normas de aplicação da Tarifa;
- isenções e reduções de direitos;
- normas complementares da legislação aduaneira;
- reestruturação dos órgãos de administração dos ser-
viços aduaneiros.
Dentro das normas diretamente relacionadas com a
aplicação da Tarifa pelo Decreto-Lei 37, figuram a carac-
terização do fato gerador e da base de cálculo do imposto.
De conformidade com o preceito estabelecido pelo Código
Tributário Nacional33, o conceito de valor aduaneiro foi
integralmente ajustado à Definição de Valor de Bruxelas,
cumprindo, assim, a recomendação expressa da Conferên-
cia das Partes Contratantes do Tratado de Montevidéu.
A reforma de 1957 havia deixado praticamente intacta a
legislação anterior referente às isenções e reduções de direitos
aduaneiros, regulados, todavia, em seus aspectos normativos,
pelo Decreto-lei nº. 300, de 24 de fevereiro de 1938.
Toda essa legislação foi revista e atualizada pelo Decreto-
Lei 37, no Capítulo III, de seu Título I. Também foram re-
formados o conceito de produto similar fabricado no País e
as normas para sua seleção34. Ademais, foram grandemente
ampliadas as atribuições do Conselho de Política Aduaneira,
ao qual foi outorgada a faculdade de conceder, diretamente,
isenções de direitos para a importação de bens de capital
(sem produção similar no país), considerados essenciais
para o processo de desenvolvimento econômico35.
Outro aspecto importante, não tratado pela Lei nº.
3244, relacionava-se com as normas disciplinadoras dos
serviços aduaneiros que continuavam regulados pela cha-
mada Nova Consolidação das Leis das Alfândegas e Mesas
de Rendas, cujo texto básico datava ainda do século passa-
do. O Decreto-Lei nº. 37, em seus títulos II e III, atualizou
essas normas, fornecendo uma base legal para a elabora-
ção de um Código Aduaneiro, a ser aprovado por simples
33.A partir de janeiro de 1967, entrou em vigor, no Brasil, uma profunda reforma de toda a estrutura do sistema tributário nacional, consubstanciada na Lei nº. 5 172, de 25 de outubro de 1966.
34. O chamado princípio da similaridade, que constitui uma peculiaridade da legislação aduaneira do Brasil, foi regulado pelo Decreto nº. 61 574, de 20 de outubro de 1967.
35. Até novembro de 1966, tais isenções só podiam ser concedidas por lei.
36. Além de determinar o perfeito ajuste da nomenclatura tarifária às disposições da Nomenclatura Aduaneira de Bruxelas, o Decreto-lei nº. 37 foi obrigatório para vários outros fins.
Divulgação
32 TRIBUTAçãO em rev i s ta
com uma política racional de proteção aduaneira. Além da
redução dos níveis tarifários, funcionaria como fator de es-
tímulo para a melhoria da produtividade e da composição
dos investimentos internos.
A execução de uma política orientada nesse sentido se
fez finalmente possível em virtude da situação excepcio-
nalmente favorável de um balanço de pagamentos, que
havia permitido ao país acumular, no exterior, reservas
superiores a U$ 500 milhões.
A revisão tarifária se fazia ademais recomendável por
outros fatores:
1º – A eliminação dos leilões de promessas de licen-
ças, determinada pela Resolução nº. 41 do Banco Central,
exigia ajustes compensatórios nas alíquotas aplicáveis a
alguns produtos, então pertencentes à categoria especial
de importação;
2º – As negociações efetuadas em 1958 com os países-
membros do GATT impediam o desenvolvimento ou a im-
plantação de novos ramos industriais por haver congelado,
em níveis excessivamente baixos, o tratamento aduaneiro
com relação a numerosos produtos que nessa época não
eram fabricados no País ou o eram incipientemente.
Pretendendo alcançar esses objetivos, o Decreto-Lei
nº. 63, de 21 de novembro de 1966, determinou uma re-
visão geral do nível dos direitos em vigor, incluindo 31%
dos itens da Tarifa, dos quais 6% tiveram suas alíquotas
elevadas e 25%, reduzidas.
As elevações corresponderam, em sua maioria, às alí-
quotas inferiores a 30%, com a finalidade de proporcionar
melhores níveis de proteção, especialmente à indústria
química e à produção nacional de equipamentos. As redu-
ções se distribuíram da seguinte forma:
alíquotas itens reduzidos
Menos de 30% .........................13%
Entre 30 e 60% ........................36%
Entre 70 e 160% ..................... 51 %
Essa revisão dos níveis tarifários afetou diversas con-
cessões negociadas pelo Brasil no seio do GATT e com os
países da ALALC. No primeiro caso, o mesmo Decreto-Lei
nº. 63 revogou, expressamente, a Lista III – Brasil, anexa
àquele Acordo, recomendando ao Poder Executivo em-
preender os entendimentos que fossem necessários para
recompor, no futuro, essa lista.
Em relação com as repercussões da reforma no seio da
ALALC, estando em fase adiantada de deliberações o VI
Período de Sessões da Conferência, a Delegação do Brasil
apresentou uma exposição sobre a matéria, em que reafir-
mou sua disposição de cumprir seus compromissos com
as demais Partes Contratantes, restaurando as margens de
preferências negociadas.
As reformas de alíquotas determinadas pelo Decreto-
Lei nº. 63 deveriam entrar em vigor somente a partir de 19
de março de 1967. E, como sua elaboração havia sido um
tanto apressada, estabelecia que antes dessa data o Conse-
lho de Política Aduaneira deveria efetuar as correções que
fossem necessárias.
Em fevereiro de 1967, as autoridades monetárias refor-
mavam a taxa de câmbio de 2,20 a 2,70 cruzeiros novos
por dólar. E, sob o pretexto de compensar os efeitos dessa
desvalorização, foi expedido o Decreto-Lei nº. 169, de 14
de fevereiro de 1967, reduzindo em 20% as mesmas alí-
quotas da Tarifa ainda não vigente.
Para evitar o fracionamento de alíquotas, o Decreto-Lei
nº. 264 determinou quatorze dias mais tarde que perma-
necessem inalteradas as alíquotas até 10% e arredondou as
demais alíquotas resultantes da aplicação da percentagem
de redução prevista no Decreto-Lei nº. 169, que quase fi-
cou sem efeito.
Com as modificações introduzidas pelos Decretos-
Leis nº. 63 e 264, reformou-se sensivelmente a estrutura
geral da Tarifa brasileira, conforme se aprecia no resumo
da tabela 15.
tabEla 15
nÚmEros dE ÍtEns da tariFa
alÍQuotaslEi nº 3.244,
dE 1957dEcrEto-lEi
nº 264, dE 1967
Livre 124 148
2 - 4 - 5 e 7% 363 360
10 - 12 e 15% 1743 2396
20 - 25 e 28% 503 705
30 - 32 e 35% 580 407
40 - 45 e 50% 723 1234
55 - 60 e 65% 737 484
70 e 80% 574 359
90 e 100% 423 381
120 e 150% 654 0
Total 6424 6474
TRIBUTAçãO em rev i s ta 33
tabEla 16
lEi nº 3.244, dE 1957 dEcrEto-lEi nº 264, dE 1967
alÍQuotasnº dE itEns
%nº dE itEns
%
Até 50% 4.036 62,8 5.250 81,1
2.388 37,2 1.244 18,9
Total 6.424 100,0 6.474 100,0
tabEla 17
variaÇão dos podErEs aQuisitivos ExtErno E intErno do cruZEiro
datasnc$ por
us$ÍndicE
prEÇos no mErcado
atacadista
custo dE
vida
Dezembro de 1964
1.85 100 100 100
Dezembro de 1965
2.20 119 152 165
Março de 1967
2.70 146 207 234
Além da redução do limite superior de 150% a 100%, se
observava uma rebaixa geral dos níveis tarifários, tal como se
aprecia perfeitamente no resumo oferecido na tabela 16.
de 1967, para uma queda adicional do nível real dos di-
reitos aduaneiros.
Ainda que o ritmo de inflação se mantenha fortemente
atenuado a partir de março, a defasagem entre as duas cur-
vas de variação se irá alargando até que a taxa de câmbio
seja reposta, finalmente, em seu valor real.
VII – CONSIDERAçOES FINAIS
A partir das medidas adotadas para enfrentar a vio-
lenta queda das exportações proveniente da grande
crise mundial de 1929, o Brasil viveu quase quarenta
anos de artifícios e improvisações no campo da políti-
ca de comércio exterior. Somente agora, transcorridos
quase dez anos da reforma tarifária de 1957, puderam
ser criadas no País as condições mínimas indispensá-
veis para a execução de uma política aduaneira racio-
nalmente orientada.
Os possíveis erros cometidos na última revisão dos
níveis tarifários, em virtude da pressa com que foi efetu-
ada, poderão ser facilmente corrigidos pelo Conselho de
Política Aduaneira que, para tal fim, conta com poderes
sensivelmente ampliados.
Recomposta, em toda sua plenitude, a margem de
preferência resultante das concessões anteriormente ne-
gociadas no seio da ALALC, estamos convencidos de que
o esforço realizado pelo Brasil, no sentido da progressi-
va racionalização da tarifa aduaneira e de sua colocação
como instrumento único de orientação das importações,
constitui uma contribuição da mais alta importância às
etapas futuras do processo de integração das economias
latino-americanas.
Essa foi a rebaixa nominal efetuada nas alíquotas da tari-
fa. A redução efetiva dos níveis reais da proteção aduaneira
conferida à indústria nacional se viu, em verdade, acentuada
dali em diante, se se leva em conta a orientação que presidiu
a política de reajuste das taxas cambiais nos últimos anos.
Uma confrontação entre as curvas de variação dos po-
deres aquisitivos externo e interno do cruzeiro põe de ma-
nifesto uma nítida supervalorização da taxa de câmbio que
contribui, enquanto perdure a situação criada em março
34 TRIBUTAçãO em rev i s ta
Tributação da prestação de serviços intelectuais no Brasil Considerações jurídicas e econômicas
danilo augusto barboza de aguiar1
r ichard Posner defende que um sistema
tributário eficiente deve apresentar as seguintes
características: a) gerar receita suficiente
(função arrecadadora); b) distorcer o mínimo possível
a alocação ótima de recursos (neutralidade fiscal); c) ter
efeitos redistributivos; e d) apresentar baixo custo de
administração2. Ao tratar os impostos isoladamente, o
autor alerta também que eles devem ter uma base ampla
de contribuintes e não devem favorecer o aumento da
desigualdade nem ofender a eqüidade3. O tamanho da base
não nos interessa nesse artigo, em que já se toma como objeto
de análise uma parcela restrita de contribuintes. Quanto
aos efeitos sobre a desigualdade e ofensa à eqüidade, será
estudado em conjunto com os efeitos redistributivos, pois
nos afigura tratar de conceitos correlatos.
O objetivo do presente artigo é analisar as regras rela-
tivas à tributação da prestação de serviços intelectuais no
Brasil e compará-las com os parâmetros apresentados por
Posner. Em seguida, serão analisados os efeitos, imediatos
e mediatos, sobre os cidadãos e empresas atingidos pe-
las regras atualmente vigentes. Por fim, serão expostas as
medidas legais e administrativas que tentaram aproximar
as regras vigentes dos parâmetros de eficiência defendidos
pelo autor do texto.
Em primeiro lugar, cumpre definir serviços de natu-
reza intelectual, ao menos para os fins do tema em aná-
lise. Embora não haja conceito legal específico, para fins
tributários, a prestação de serviço intelectual compreende
as atividades relativas a profissões regulamentadas (advo-
gados, engenheiros, etc.) ou a serviços em que predomi-
na o conhecimento técnico ou a capacidade pessoal do
prestador, como nos serviços artísticos e culturais (ator,
apresentador de telejornal, etc.).
Para quem pretende prestar serviços dessa natureza, apre-
sentam-se duas opções. O indivíduo pode prestá-los direta-
mente, como autônomo, ou constituir uma sociedade para
fazê-lo por meio de uma pessoa jurídica. Exclui-se a hipótese
de serviço prestado como empregado, pois a tributação é se-
melhante àquela incidente sobre a pessoa física autônoma,
mas sua análise faria surgir questões relacionadas à possibili-
dade jurídica de optar entre prestar um serviço como empre-
gado ou como prestador de serviços autônomo.
1. Consultor Legislativo do Senado Federal, mestrando em Direito Constitucional (IDP/DF). E-mail: [email protected]
2. POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. 7. ed. Austin: Wolters Kluwer, 2007, p. 512.
3. Ibidem, 521.
Montagem: Fabrício Martinsa rtigo dE opinião
TRIBUTAçãO em rev i s ta 35
4. Foi utilizado o desconto-padrão para fins de uniformização, pois o imposto devido pelos contribuintes pessoa física é variável em função das despesas com educação, saúde e outros descontos previstos em lei.
5. Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, combinado com art. 1º da Lei nº 11.482, de 31 de maio de 2007
6. Art. 12, V, g, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.
7. Art. 21, § 1º, da Lei nº 8.212, de 1991.
8. No lucro presumido, a base de cálculo do imposto é presumida em função da lucratividade média de determinada atividade. Para as prestações de serviços em geral, supõe-se que o lucro seja de 32%, sobre o qual incide a alíquota do imposto. Desconsideram-se, nesse caso, as despesas incorridas pela pessoa jurídica para auferir a receita. Trata-se de regime semelhante ao já mencionado desconto simplificado do imposto de renda das pessoas físicas.
9. Art. 3º, combinado com art. 15, § 1º, III, a, da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995.
10. Art. 20 da Lei nº 9.249, de 1995, em combinação com art. 17 da MPV nº 413, de 3 de janeiro de 2008
11. Art. 10, II da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, combinado com art. 8º da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, para a COFINS e art. 8º, II, da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, combinado com art. 8º, I, da Lei nº 9.715, de 25 de novembro de 1998, para o PIS/Pasep.
A opção deve ser feita, de forma racional, pela moda-
lidade que maximize seu próprio bem-estar, isto é, pela
economicamente mais eficiente. Assim, se o indivíduo
prefere trabalhar sozinho, com menor custo de adminis-
tração e mais liberdade, optaria por trabalhar como autô-
nomo. Por outro lado, se prefere trabalhar em conjunto
com outras pessoas, com limitação de responsabilidade e
compartilhamento de riscos e acredita, por exemplo, que
um pessoa jurídica daria mais segurança a sua clientela,
deveria optar pela constituição de uma sociedade. Existe,
portanto, algum custo de substituição entre uma e outra
opção. Ocorre que, como se demonstrará, a diferença de
tratamento tributário entre uma e outra modalidade é ta-
manha que, a despeito desse custo, o efeito de substituição
gerado pelas regras tributárias é bastante elevado.
Passemos, então, a descrever a forma como a prestação
de serviços de natureza intelectual é tributada pela atual le-
gislação brasileira, o que será feito de maneira sintética, sem
detalhamento de regras especiais aplicáveis a determinadas
atividades (como serviços hospitalares, por exemplo).
Quando prestado por pessoa física, de maneira au-
tônoma, sem vínculo empregatício, os valores recebidos
como pagamento pelo serviço prestado são considerados
rendimentos tributáveis. Para calcular sua renda tributá-
vel, o contribuinte pode deixar de valer-se de seus gastos
dedutíveis em troca de um desconto-padrão de 20%, até
o máximo de R$ 11.669,724. Feito o desconto, chega-se à
base de cálculo. O valor do tributo decorre da aplicação,
de maneira progressiva (progressão graduada), das alíquo-
tas de 15% e de 27,5%5.
Ao prestar serviços como autônomo, o contribuin-
te se torna segurado obrigatório da Previdência Social.
Deve, pois, passar a contribuir6. Desde o ano de 2007,
é permitido que o trabalhador autônomo opte por uma
contribuição de apenas 11% (onze por cento) sobre o valor
correspondente ao limite mínimo mensal do salário-de-contri-
buição, que equivale ao salário mínimo7. Como contrapar-
tida, abre mão do benefício da aposentadoria por tempo
de serviço, e os demais benefícios serão calculados com
base no salário mínimo. Adotamos, como premissa, que o
contribuinte, visando reduzir sua carga tributária, optaria
por essa contribuição.
Quando prestado por uma sociedade simples, as recei-
tas passam a ser auferidas pela sociedade, que sofre a inci-
dência de impostos e contribuições diversos. A sociedade
poderá optar por apurar seus impostos segundo o lucro
real ou segundo o lucro presumido8. No caso presente,
considerou-se que o mais racional seria a opção pelo lucro
presumido, pois tem custo de administração menor. Tendo
em vista o perfil de atividade de que tratamos no presente
caso prático, implicaria menor incidência tributária. Além
disso, permite-nos calcular a incidência tributária sem
considerar custos particulares de cada pessoa jurídica.
Ao optar pelo regime de apuração segundo o lucro pre-
sumido, terá 32% de sua receita tributada à alíquota de
15% referente ao imposto de renda9 e 12% de sua receita
tributada à alíquota de 9%10, a título de contribuição so-
cial sobre o lucro líquido.
Além disso, a sociedade pagará, sobre a receita bruta
de sua atividade, a contribuição social para o PIS/PASEP e
a COFINS, que incidem às alíquotas de 0,65% e 3%, res-
pectivamente, para sociedades que apuram seus tributos
segundo o lucro presumido11. Por fim, cumpre observar
Quando prestado por uma socie-dade simples, as receitas passam a ser auferidas pela sociedade,
que sofre a incidência de impos-tos e contribuições diversas
36 TRIBUTAçãO em rev i s ta
Quanto ao custo administra-tivo, deve-se lembrar que ele abrange também o custo para
o contribuinte manter sua situação regular com o Estado
que, ao distribuir os lucros entre os sócios da empresa, os
dividendos ingressam no patrimônio dos sócios como ren-
dimento não-tributável. Toda a tributação, portanto, dá-se
sobre a pessoa jurídica.
1. O valor do salário mínimo para cálculo da contribuição para a Previdência: R$ 350,00, de janeiro a março, e R$ 380,00, de abril a dezembro (mais uma contribuição a título de décimo terceiro);
2. Foram desconsideradas as taxas decorrentes da expedição de alvarás e licenças de funcionamento, bem como o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza que, em princípio, incide igualmente nas duas modalidades;
3. A parcela do lucro presumido que excede R$ 240.000,00 sofre um adicional de imposto à alíquota de 10% (Art. 3º, § 1º da Lei nº 9.249, de 1995).
tabEla 1
a
rendimento
anual
b
tributação pessoa
Física1
c
alíquota Efetiva
(b/a)
d
pessoa
Jurídica2
E
alíquota Efetiva
(d/a)
F
diferença
(b/d)
15.000,00 R$533,50 3,56% R$1.699,50 11,33% 0,31
50.000,00 R$5.231,18 10,46% R$5.665,00 11,33% 0,92
200.000,00 R$46.022,00 23,01% R$22.660,00 11,33% 2,03
600.000,00 R$156.022,00 26,00% R$67.980,00 11,33% 2,3
1.000.000,003 R$266.022,00 26,60% R$113.300,00 11,33% 2,35
A tabela abaixo demonstra, com números, a diferença
de tratamento que o sistema tributário dá a uma e outra
forma de prestação de serviço de natureza intelectual. Os
cálculos se referem ao ano-calendário de 2007.
Na primeira faixa, o regime tributário “empurra” o
contribuinte para atuar como autônomo. Nas três últimas,
por outro lado, essa opção se torna economicamente invi-
ável, pois elevaria em aproximadamente duas vezes e meia
o custo tributário. Somente na faixa de R$ 50.000,00, a
opção entre um e outro caminho se daria por critérios de
eficiência alocativa estranhos à questão tributária.
Tem-se, nesse caso, um regime tributário que distor-
ce a alocação ótima de recursos, gerando enorme efeito
de substituição. Por conseqüência, reduz-se a arrecadação
potencial, pois cada contribuinte termina por buscar a for-
ma menos custosa do ponto de vista tributário.
Além disso, carece de efeito redistributivo, uma vez
que quanto mais alta a renda, maior o estímulo para aban-
donar o regime progressivo (presente apenas no Imposto
de Renda das pessoas físicas) em favor do proporcional.
Além disso, o sistema alivia preponderantemente as faixas
mais altas de renda, favorecendo, assim, a desigualdade.
Quanto ao custo administrativo, deve-se lembrar que
ele abrange não só o custo de fiscalização da administração
pública, mas também o custo para o contribuinte manter
sua situação regular perante o Estado. Nesse caso, é bem
mais oneroso para o contribuinte atuar por meio de pes-
soa jurídica, pois exige celebração de contrato social de-
vidamente registrado, registros contábeis mais complexos
e pagamento de uma variedade maior de espécies tributá-
rias, o que exige prestação de contas mais completa para
o Fisco. Também em razão do maior número de tributos,
é de se estimar que o custo de fiscalização também para o
Estado seja maior.
Como conseqüência de médio/longo prazo, tem-se
um contingente enorme de pessoas constituindo-se em
sociedades, sem que outras razões o impelissem a tanto,
muitas vezes com a utilização de sócios meramente for-
mais (cônjuge ou filhos, por exemplo), incorrendo em
gastos desnecessários, apenas para reduzir seu custo tri-
butário. Opta-se pela solução menos eficiente em razão
do regime tributário.
Consegue-se, pois, com essas regras, desatender a to-
dos os critérios estabelecidos por Posner como necessários
a um bom sistema fiscal.
TRIBUTAçãO em rev i s ta 37
Esse problema não passou despercebido pela Admi-
nistração Tributária, que já tentou resolvê-lo de várias ma-
neiras. Com efeito, até 2007 a distorção era ainda maior,
uma vez que o autônomo deveria recolher à Previdência
Social 20% do salário de contribuição até o teto máximo
de contribuição. A tributação da pessoa física, na faixa
de R$ 50.000,00, portanto, seria de aproximadamen-
te R$ 11.200,00. A medida, estabelecida pela Lei Com-
plementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, visava
à inclusão previdenciária de pessoas de baixa renda, mas
indiretamente teve efeito positivo no desequilíbrio da tri-
butação das pessoas físicas prestadoras de serviços.
Em outra oportunidade, tentou-se resolver a questão
elevando a tributação das pessoas jurídicas (Medida Provi-
sória nº 232, de 30 de dezembro de 2004). Se havia algu-
ma lógica econômica na medida (igualar o custo tributário
para que a opção entre uma e outra modalidade voltasse
a se dar por critérios de eficiência econômica), do ponto
de vista político, foi um desastre. Como a maior parte dos
contribuintes estava, pelas razões expostas, sob o regime
de pessoa jurídica, o efeito prático e imediato da medida
seria a elevação brutal da carga tributária sobre o setor. As
resistências opostas contra a medida resultaram na rejei-
ção, pelo Congresso Nacional, dos dispositivos da medida
provisória que majoravam a tributação.
Tentou-se, também, por meio da atuação dos órgãos
fiscais, impedir que certos serviços de natureza inte-
lectual, especificamente aqueles prestados em caráter
personalíssimo (atores, apresentadores de programa
televisivo, entre outros), pudessem ser prestados por
meio de pessoa jurídica. Alegou-se que não poderia
constituir renda de pessoa jurídica uma prestação de
serviço que se dá por meio da atuação pessoal e in-
substituível de um determinado indivíduo. O fato ge-
rador, portanto, seria o do Imposto de Renda das pes-
soas físicas12. Do ponto de vista econômico, buscou-se
restringir, ao menos para esse subgrupo dos prestado-
res de serviços intelectuais, o efeito substitutivo que a
tributação majorada da pessoa física gerava. Do ponto
de vista jurídico, vale mencionar que essa interpreta-
ção nunca chegou a ser definitivamente decidida no
âmbito do Poder Judiciário, mas o Poder Legislativo
rechaçou-a ao aprovar o art. 129 da Lei nº 11.196, de
21 de novembro de 2005.
Do ponto de vista econômico, a solução deveria apro-
ximar a carga tributária entre ambas as modalidades de
prestação de serviços, reduzindo uma ou aumentando a
outra, até o ponto em que seu peso se tornasse irrelevante
na escolha entre uma e outra forma, anulando, assim, o
efeito de substituição.
12. Cf. Decisão em Recurso Voluntário nº 127793, da Quarta Câmara, de Carlos Roberto Massa (Ratinho): <http://www.conselhos.fazenda.gov.br/domino/Conselhos/Sin-conWeb.nsf/numRecurso/E92E9FCC5A8AD53203256B850008D2E9?OpenDocument&posicao=DADOS432F5E>. Acesso em: 11 de abril de 2008.
Divulgação
38 TRIBUTAçãO em rev i s ta
A instrumentalização do combate à sonegação fiscal como um meio de defesa do contribuinte que paga
os seus tributos – algo precisa ser feito
Hélio silvio ourem campos1.
Entre as questões de massa, aquelas que surpre-
endentemente mais mereceram destaque neste
primeiro estágio da pesquisa foram a sonegação
seriada que vem ocorrendo no Brasil e o tratamento gra-
dualmente abrandado que provoca uma preocupante sen-
sação de que nada há a fazer.
A jurisprudência precisa indagar-se se não poderia es-
tar sendo forte com o fraco e fraca com o forte.
Dizer que um processo de crime contra a ordem tri-
butária transitou em julgado pelo fato de a denúncia não
haver sido suficientemente específica, de modo a permitir
o amplo direito de defesa, jamais poderia trazer como con-
seqüência a impossibilidade de aditamento da mesma; e,
agora, especificados os fatos, e antes que a prescrição os
socorra, o processo deveria ter o seu recomeço.
Talvez isto sequer merecesse ser entendido como re-
lativização da coisa julgada. Contudo, pode não ser inco-
mum cobrir com o manto da impunidade a extensão de
uma coisa julgada que, na realidade, não há.
Este exemplo, por si só, já demonstra as dificuldades
que serão enfrentadas.
Assim, nesta primeira etapa, pois há um objetivo de
consolidação do grupo de pesquisa no tempo, apresentou-
se como desafio central a aparente precariedade da juris-
prudência brasileira sobre a sonegação e a impunidade
quanto aos crimes fiscais.
A coisa julgada em favor da pretensão dos sonegadores
foi surpreendentemente a descoberta principal do começo
das pesquisas. Eis o ponto de partida: processos findos e
transitados em julgado, permitindo-se acompanhá-los nas
suas razões e contra-razões o mais possível completas.
A procura das causas desta constatação consumiu
a maior parte do tempo, tendo havido a necessidade de
buscar-se a integração endógena e exógena dos órgãos e
1. Doutor e Mestre pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Juiz Federal. Professor Titular em Direito Processual e Tributário da Universidade Católica do Estado de Pernambuco. Ex-procurador judicial do município do Recife. Ex-procurador do Estado de Pernambuco. Ex-Procurador Federal. www.ourem.cjb.net.
Montagem: Fabrício Martins
TRIBUTAçãO em rev i s ta 39
entidades públicas, por meio de reuniões e seminários
dentro e fora do ambiente universitário.
Foram muitos os encontros buscando aproximar as es-
feras municipal, estadual e federal. Esse esforço não se res-
tringiu ao Estado de Pernambuco, pois buscou contactos
e participações efetivas em Brasília, Sergipe, Alagoas, Mato
Grosso do Sul, etc.
Ministros, juízes, desembargadores, auditores e procu-
radores das entidades federativas, professores universitá-
rios não apenas da área jurídica, mas também da econômi-
ca e contábil, orientandos de pesquisa, jornalistas, meios
de imprensa em geral foram mobilizados de modo a se
engajarem num verdadeiro movimento que procuramos
construir.
Não foi fácil, pois houve reação dos setores que se jul-
garam atingidos.
Contudo, após tantos anos lecionando Direito Tribu-
tário e Processual, busquei realizar algo que tivesse efeitos
concretos, uma espécie de contribuição mais direta em fa-
vor da sociedade na qual vivo.
Isto porque sempre considerei necessário aliar teoria
e prática. A teoria sem a prática, pedindo desculpas a
quem pense o contrário, aproxima-se da inutilidade ou
quase isto.
Assim, coloquei-me em confronto com a minha prática
profissional, onde já trabalhei como advogado, consultor,
procurador, juiz, professor etc.
Passei a discutir o lugar-comum de que se pagam
muitos tributos e se recebem poucos e ineficientes ser-
viços no Brasil.
Essa seria a nossa justificativa para a evidente aceita-
ção dos crimes de sonegação fiscal. O contribuinte po-
bre, de classe média, o micro, o pequeno e médio em-
presários, e mesmo o grande empresário que opta pelo
crescimento à custa da sonegação, justifica-se moral e
socialmente com este argumento: não é irregular deixar
de pagar os tributos.
Acho preocupante essa aceitação da sociedade. É ne-
cessário refletir sobre ela.
Primeiramente, se parece consensual que no Brasil exis-
tam escolas de ótima e de péssima qualidades; hospitais ex-
celentes e terríveis e que, para a população mais carente,
quase sempre sobram as piores alternativas, por que se pen-
sar que o tratamento fiscal é isonômico? Ou seja, que todos
os contribuintes recebem um tratamento equilibrado.
Portanto, se é verdade que para alguns há uma carga
tributária escorchante e serviços sofríveis de retorno, não
se deve generalizar também com isto.
O nosso sistema tributário é duplamente regressivo. Ex-
plico melhor. Proporcionalmente, paga mais tributos quem
tem menos; e recebe mais do Estado, quem tem mais.
Basta ver que considerando como bases de imposição
tributária o patrimônio, a renda e o consumo, é sobre o
consumo onde se intensifica a tributação. E é de se preo-
cupar com o fato de que uma pessoa humilde compromete
a maior parte do que tem no consumo (alimentos, material
de higiene e limpeza, etc.).
Logo, a lógica fiscal de optar pelo consumo como base
de imposição tributária preferente é algo que não pode ser
esquecido, e em qualquer reforma tributária precisa ser
levado em conta.
Quanto ao retorno do dinheiro público, os benefícios e
incentivos fiscais são práticas que exigem uma fiscalização
eficiente, haja vista o triste passado de fraudes em institui-
ções como a Sudene e a Sudam.
Ocorre que no Brasil, exatamente em função da visão
distorcida de que todos os contribuintes estariam, na prá-
tica, merecendo o mesmo rigor de tratamento, a sociedade
em geral trata o grande fraudador até com certa admiração,
como alguém de sucesso, que soube lidar com o sistema.
O grande fraudador não é tratado como um criminoso.
Logo, ele não se sente como tal.
Aliás, já cheguei mesmo a escutar em um debate que
também o sonegador tem as despesas decorrentes da sone-
Sanja Gjenero
40 TRIBUTAçãO em rev i s ta
gação que, algumas vezes, passa pelo pagamento da propi-
na ou pela transferência de prestígio social.
Afora as despesas provenientes da sua defesa em juízo
ou fora dele.
Isso estimula a impunidade, que pode ocorrer pela
mera ausência de fiscalização eficiente ou pela interpreta-
ção dos órgãos julgadores administrativos e judiciais.
E note que se trata de um encontro de contas. Se há, ou
não, vantagem em sonegar.
Logo, se realmente se pretende reduzir a sonegação no
Brasil, faz-se necessário tornar desvantajosa a postura do
sonegador, não se permitindo, por exemplo, que faça jus a
parcelamentos que excluam a sua punibilidade.
Afora o fato de que o instituto do parcelamento não
implica senão em suspensão da exigibilidade da dívida,
não fazendo surgir uma nova; pois em nada se confunde
com o instituto jurídico da novação.
Estender-lhe ao sonegador, retira a atitude de respeito
que é preciso ter diante do sistema jurídico, premiando-se
o sonegador, que adquirirá uma vantagem concorrencial
perante aquele que paga os seus tributos em dia.
Afinal, desvio de dinheiro público dá-se tanto quando
o dinheiro se encontra nos cofres públicos e é utilizado
para finalidades privadas quanto quando o dinheiro se-
quer ingressa nos cofres públicos pela via da sonegação.
Aqui vale lembrar que não basta punir os corrup-
tos, pois estes, embora devam ser punidos, virão a ser
substituídos até com alguma facilidade, dentro de uma
cultura como a nossa que aceita e admira a postura do
grande sonegador.
Faz-se imprescindível identificar o corruptor. E parece
que isso é ainda mais difícil.
A dificuldade decorre de questões sociais gerais, mas
também de problemas bem específicos.
Falta-nos integração entre os órgãos públicos. Essa au-
sência é tanto endógena, quanto exógena. Explico melhor.
As Auditorias Públicas (municipais, estaduais, distri-
tais e federais), as Procuradorias, o Ministério Público, o
Poder Judiciário, as polícias (tantas vezes subdivididas em
locais e regionais), etc. possuem uma estrutura interna
que ainda exige uma aproximação bem maior. E se é assim
internamente, muito mais difícil será a integração entre os
órgãos públicos.
Neste ciclo de estudos sobre isonomia, sonegação fiscal,
processo e coisa julgada, procurei exatamente aproximar es-
ses órgãos e a sociedade para que se comece a entender que
cobrar as dívidas fiscais é um dos caminhos para se reduzir
a carga tributária daqueles que efetivamente a pagam.
Montagem: Fabrício Martins
TRIBUTAçãO em rev i s ta 41
No percurso dos nossos estudos, pareceu-me também
surpreendente a questão do medo.
Isto porque se, de um lado, o cidadão comum tem cer-
to receio de passar por uma auditagem, passei a conside-
rar a possibilidade de os auditores terem receio do grande
sonegador, não apenas no que se refere a atentados físicos,
mas também porque a sonegação organizada, e realizada
sistematicamente, quando surpreendida nos seus esque-
mas, reage. E a reação não se trata apenas de se defender
material ou processualmente, mas inclusive adotar uma
postura de ataque, processando os fiscais que não têm a
mesma estrutura judicial, buscando com isso atemorizá-
los e evitar que a perquirição continue.
Logo, se é preciso impedir o abuso da fiscalização;
por outro, faz-se necessário fornecer-lhe tranqüilidade, de
modo que se possa agir com o equilíbrio e a firmeza que
a função exige.
Tudo isto faz crer que seja imprescindível estabelecer
um contraponto nos estudos do direito tributário no Brasil.
Nos congressos, seminários etc., se deve haver de
um lado a exposição dos advogados tributaristas, tão
brilhantes e com tantas teses bem desenvolvidas; de ou-
tro, também precisa haver expositores que defendam
o Fisco e a sociedade que não costuma contratar, até
porque não tem recursos para tanto, os grandes juristas
da área fiscal, que se encontram entre os maiores expo-
entes nacionais.
Só assim é que a juventude jurídica universitária, ainda
em formação, conseguirá encontrar o justo meio termo.
É preciso entender que assim como os grandes deve-
dores têm o direito de contratar advogados sérios e com-
petentes para fazerem as suas defesas; a Fazenda Pública
tem o dever de também proceder às sustentações orais,
sobretudo naquelas causas que repercutem bilhões. Não
se trata de interferência do Executivo no Judiciário, mas
de exercício regular de um direito-dever em benefício de
toda a sociedade, pois é necessário ter em conta que o que
é público é de todos nós.
Até porque, acaso a inconstitucionalidade seja decla-
rada, o normal seria que o dinheiro fosse devolvido para
aquele que realmente pagou o tributo maior, o contribuin-
te que pagou de fato.
Isto só não ocorreria em duas situações: a) quando
aquele que pagou de fato, no preço, autorizar o contri-
buinte de direito a recolher aquilo que foi indevido; b)
quando o contribuinte de direito comprovar que efetiva-
mente arcou com os custos do tributo, sendo ele também
o contribuinte de fato.
Evidentemente que, nesta segunda hipótese, haveria
de abrir os seus livros à fiscalização.
Insisto que se reflita sobre o que digo. Se algum tribu-
to pago for havido posteriormente como inconstitucional,
quem deveria haver de volta o indevido seria aquele que
efetivamente pagou.
É por isso que toda vez que se diz que as mercadorias,
os produtos e os serviços estão bem mais caros porque é
alto o valor do tributo, é preciso refletir.
Ora, é direito do consumidor não apenas saber quan-
to de tributo há no preço daquele produto; mas também
deve ser informado se aquela empresa efetivamente reco-
lhe os valores fiscais embutidos no preço.
Assim como a empresa acessa (SPC, Serasa, Cadin)
os dados do seu consumidor, o consumidor também de-
veria ter a informação sobre os dados da empresa onde
opta comprar.
É uma questão de responsabilidade fiscal. Quem sabe
um selo identificando a empresa que cumpre com a sua
função social de pagar tributos.
As informações precisam ser de mão dupla.
É nessa linha que encontro o art. 198, § 3º, do ctn.
Não é vedada a divulgação de informações relativas a re-
presentações fiscais para fins penais; inscrições na dívida
ativa da fazenda pública; parcelamento ou moratória.
Svilen Mushkatov
42 TRIBUTAçãO em rev i s ta
Quando se diz que há preferência em relação aos cré-
ditos da Fazenda Pública, também creio que isto seja uma
aparente ilusão.
Afinal, se a opção de inadimplência for em direção a
clientes e fornecedores, eles logo cortarão o fornecimento
ou resistirão em comprar. Quanto ao Fisco, aquele que tra-
balhar com execução fiscal verificará que a recuperação de
ativos é muito baixa, pouco freqüentando a preocupação
do devedor inadimplente que, com um mandado de se-
gurança, objetivará atingir a certidão negativa que faltava,
muitas vezes até sem a necessária garantia de pagamento,
haja vista uma parte do setor da construção civil, que re-
siste dizendo que os seus empreendimentos são desligados
das dívidas da empresa.
Mas se poderia dizer que as estratégias jurídicas são meios
lícitos, às vezes, apelidados de planejamento tributário ou eli-
são. Talvez em alguns casos. Mas veja os que vão a seguir, e
diga se esses são meios lícitos ou meras dissimulações:
1. Formações de sociedades com posterior dissolução
com redistribuição de capital de modo a não pagar o
ITBI. Explico melhor. Se duas pessoas forem comprar um
apartamento de poucos mil reais, certamente encontra-
rão dificuldades de pagar o dito ITBI, quando da transfe-
rência de propriedade por meio do registro. Isto porque,
em relação ao poder aquisitivo dos adquirentes, ele será
inegavelmente alto. Contudo, se a unidade imobiliária
atingir alguns milhões, não seria razoável que comprador
e devedor simulassem uma sociedade integralizando o
capital com o dito apartamento e o seu valor correspon-
dente, para logo a seguir dissolvê-la, agora invertendo o
capital integralizado. Aquele que inicialmente ofereceu
a unidade imobiliária sai da sociedade com o dinheiro,
e aquele que inicialmente ingressou com o dinheiro, sai
dessa com o imóvel. Isto tudo para fugir do tributo, ITBI,
menosprezando toda a fiscalização.
2. Dissimulações de pro labore na forma de aluguel de
bens próprios – casas, automóveis etc. Se a empresa vai
mal, e não se pode justificar uma retirada alta de pro labo-
re, supera-se o problema na forma seguinte. A casa (ou as
casas), o automóvel (ou vários deles) que são da proprieda-
de do sócio, são alugados à sociedade, que passa a pagar os
ditos “aluguéis”. Seria esta uma forma inteligente de dizer
que não se paga pro labore, mas meros aluguéis? Que a
sociedade em geral, mas melhor informada, responda.
3.Parcelamentos como formas de extinção de punibi-
lidade e não de suspensão. Utilização de laranjas (fun-
cionários da própria empresa ou não) e fantasmas para
depósito do faturamento. Com isso, reduz-se o fatura-
mento real e se paga menos tributos. Pego o esquema,
busca-se socorrer-se de parcelamentos especiais, e com
isso não apenas suspender o pagamento imediato da
dívida, mas até extingui-la, afirmando-se que a dívida
parcelada em nada se confunde com a original decor-
rente de fraude ao faturamento. A novação funcionaria
aí como uma forma extraordinária de perdão ou de im-
punidade. Note-se que se defende o parcelamento da
dívida decorrente do ilícito fiscal não como uma forma
de suspensão da exigibilidade, ou mesmo da punibili-
dade; mas como uma maneira inteligente de extinguir
a própria punição.
4.Cisões de empresas de modo a pagar o parcelamento
com base no faturamento da empresa cindida, e que
praticamente não mais funciona, pois toda a atividade
passou para a empresa conseqüente da cisão. Assim, a
empresa-mãe tem a dívida, que costuma ser bem alta,
mas detém um faturamento quase inexistente, e é com
base nele que se pretende pagar o débito mediante mó-
dicas prestações, calculadas à base de um faturamento
artificialmente esvaziado.
5. Off shores e preços de transferência. Valores vultosos
são encaminhados para o exterior a pretexto de com-
prar desde jogadores de futebol até produtos de luxo.
O valor do produto ou do jogador é menor, mas assim
se promove evasão de divisas. Por outro lado, quando
uma nova mercadoria estar para chegar, diz-se que vale
bem menos, pois se paga menos tributos (sonegação).
Via de regra, notas fiscais são lançadas no estrangeiro
com valores relativos ínfimos, bastante distantes da-
queles apontados pelo Banco do Brasil, no Siscomex.
Salvo melhor juízo, o encaminhamento criminal não é
uma opção para o juiz, mas uma obrigatoriedade.
6. Más concessionárias de veículos ou empresas de fa-
turização, compras e vendas de notas fiscais, notas fis-
cais calçadas, exercício irregular no setor de combustí-
veis, construção civil, usinas, estivas, bandas musicais,
atividades financeiras suspeitas, especialmente junto a
pequenos e médios bancos etc.
TRIBUTAçãO em rev i s ta 43
Aqui, abro destaque:
a. Para os pseudoprocuradores com poderes mais am-
plos que os dos próprios pseudo-sócios de empresas.
Parece incrível observar que pessoas modestas apare-
cem como sócias de empresas; e outras, bem menos
modestas, surjam como procuradores destas primei-
ras, com amplos poderes para realizar todos os tipos
de negócios em nome dos proprietários. Às vezes, os
sócios diretores, por cláusula contratual, são obriga-
dos a assinar, em nome das empresas, em conjunto,
para que o negócio jurídico tenha validade; enquanto,
ao “procurador”, basta que assine isoladamente;
b. Sobre os pseudo-restaurantes, quando ativida-
des de fachada, caberia um capítulo em separado;
afinal, com os cerca de 8% de ICMS, poderiam
emitir desbragadamente notas fiscais de venda e,
com isso, lavar dinheiro “sujo” a um custo de bran-
queamento bem em conta.
O dever de sinceridade fiscal, como se observa, é um
déficit alto no Brasil e vem retirando a paciência do pa-
gador adimplente, que fica cada vez mais onerado com a
atitude do mau cidadão e da má empresa (concorrência
desleal), que agem pela via dissimulada e estão demons-
trando um resultado de sucesso nos processos findos (coi-
sa julgada), ainda não sendo desvantajoso deixar de adim-
plir com as obrigações tributárias.
Poderia-se dizer: nada há a ser feito.
Penso que não.
O nosso ciclo de estudos vem buscando encontrar so-
luções.
Entre aquelas possíveis, cito duas por enquanto:
a) Buscando a integração entre os órgãos, sugere-
se a criação de coafs (conselho de controle de
atividades Fiscais) regionais. O art. 16, da Lei
9613/03, de março de 1998, prevê a sua composi-
ção, que não vai além de 15 pessoas. É muito pou-
co para um país continental como o nosso. Daí, a
necessidade de Coafs regionais;
b) A melhor fiscalização do financiamento das
campanhas políticas. Ao Tribunal Superior Elei-
toral caberia não apenas indicar o valor real que
cada candidato a deputado federal, estadual, sena-
dor, prefeito, governador, presidente da Repúbli-
ca haveria despendido nas suas campanhas; mas
também deveria disponibilizar para todo cidadão
brasileiro os nomes dos financiadores: empresas
e instituições. Afinal, se é um direito de uma em-
presa financiar um candidato que irá representar
os seus interesses, é também direito da sociedade
em geral o de estar informada do financiamento.
Talvez assim se comece a pensar que alguns re-
presentantes não são tão omissos como parecem;
afinal, é preciso fixar quem na verdade ele estará
representando. Com isto, não apenas os problemas
de sonegação, dificuldade de fiscalização e efetiva
cobrança poderiam ser melhor enfrentados; mas,
quem sabe, inclusive os vícios em licitações pode-
riam ser reduzidos. (vide: os sites “políticos do Bra-
sil” e “transparência Brasil”)
É bem verdade que comparar países diferentes é uma
atitude de risco, mas vale observar os parâmetros norte-
americanos de enfrentamento à sonegação fiscal, não se
esquecendo de que, nos EEUU, há um adágio que diz “só
duas coisas são certas na vida: a morte e pagar impostos”
(tradução livre).
Eis os parâmetros: 1) possibilidade de prisão perpétua, a
depender do montante sonegado; 2) a desvantagem de so-
negar deve ser superior à vantagem; 3) a sanção deve deses-
tabilizar o criminoso; 4) a sanção deve amedrontar as suas
pessoas próximas; 5) deve haver efetividade na punição.
É de se recordar Al Capone e Pete Rose (o maior reba-
Sufi Nawaz
44 TRIBUTAçãO em rev i s ta
tedor de beisebol de todos os tempos). Presos, indepen-
dentemente do prestígio.
Saúde, educação, segurança pública, reforma agrária,
construção de estradas, aposentadorias e pensões. Tudo isso,
e muito mais, o Estado depende dos tributos para custear.
Eis o que ataca a supressão dos recursos públicos pelos
chamados “ricos-pobres”, aqueles cujas empresas vão eco-
nomicamente mal, mas em suas vidas particulares não se ru-
borizam de andar de helicópteros, carros de extremo luxo,
com verdadeiros palácios à beira-mar, viagens constantes ao
estrangeiro com estadias em hotéis refinadíssimos, etc.
Embora haja quem diga que a riqueza seja igual em
qualquer parte, e a pobreza possa ser diferente, ao menos,
no Brasil, é necessário distinguir a origem do dinheiro.
E não se fala aqui da informalidade da microempresa,
que precisa do apoio do Estado mediante uma tributação
reduzida, de modo a permitir que cresça e concorra, não
permitindo o monopólio ou oligopólio de nenhum setor, de
modo a promover o controle de preços pelo setor privado.
É necessário estimular a micro e a pequena empresa; é
necessário estimular a concorrência. É necessário permitir
à grande empresa que possa manter-se no mercado sem a
deslealdade na concorrência. Afinal, quanto maior a carga
tributária, mais elevada será a deslealdade em benefício do
sonegador.
Impunidade. Esse é um incômodo que a sociedade pre-
cisa afastar. Não vai ser fácil. Afinal, não são apenas leis que
podem ser alteradas, mas depende principalmente de uma
mudança de mentalidade da sociedade e dos seus juízes.
Talvez os números da inadimplência estimulem o cida-
dão a entender do que, na verdade, se estar a falar.
Valores inadimplidos, por órgão de controle (números
apresentados pelo Governo Federal na Exposição de Moti-
vos da Medida Provisória nº 303/2006, a regulamentadora
do então denominado REFIS 3 ou PAEX):
1. Procuradoria Geral da Fazenda Nacional: R$ 343
bilhões.
2. Receita Federal: R$ 260 bilhões.
3. Previdência Social: R$ 160 bilhões.
4. REFIS (parcelamento – recuperação fiscal): R$ 52
bilhões.
5. PAES (parcelamento – parcelamento especial): R$
60 bilhões.
6. Parcelamento Ordinário: R$ 7 bilhões.
Nesse período, final de 2006, o Estado de Pernambu-
co possuía em execução fiscal aproximadamente R$ 7,5
bilhões.
Pois bem, este foi um abreviadíssimo resumo do ciclo
de estudos que vem sendo desenvolvido desde o ano de
2006, a partir do Mestrado da Universidade Católica de
Pernambuco, contando com a colaboração do TRF da 5ª
Região e de tantos outros órgãos públicos e da sociedade
em geral.
Benefícios previdenciários e remunerações de servido-
res públicos são repetidamente apontados como culpados
pelo déficit fiscal. Mas, por que não cobrar de quem deve?
E deve tanto?Montagem: Fabrício Martins
TRIBUTAçãO em rev i s ta 45
uEstõEs polêmicas dE dirEito tributárioq
Cobrança de COFINS de profissionais liberais
anderson nakamuranatalie cevallos mijan
Fotos: Joana Franca
Número do Recurso: 132081
Câmara: PRIMEIRA CÂMARA
Número do Processo: 10840.000211/00-14
Tipo de Recurso: VOLUNTÁRIO
Matéria: RESTITUIçãO/ COMPENSAçãO COFINS
Recorrente: PEREIRA ADVOGADOS
Recorrida/Interessado: DRJ – RIBEIRãO PRETO/SP
Data da Sessão: 20/09/2007
Relator: Fernando Luiz da Gama Lobo D’Eça
Decisão: Acórdão 201-80610
Resultado: DPM – DADO PROVIMENTO POR MAIORIA
Texto da Decisão: Por maioria de votos, deu-se provimento ao recurso. Vencidos os Conselheiros Walber José da Silva e Maurício Taveira e Silva e Josefa Maria Coelho Marques.
Ementa: COFINS. ISENçãO. SOCIEDADE CIVIL DE PROFISSãO REGULAMENTADA. RECOLHIMEN-TO INDEVIDO. RESTITUIçãO DEVIDA. SÚMULA Nº. 276 DO STJ. PRECEDENTES DA CSRF.As sociedades civis de prestação de serviços profissionais estavam isentas de Cofins, nos termos do art. 6º, II, da LC nº. 70, de 1991, portanto, irrelevante o regime tributário de IR adotado pela pessoa jurídica.Recurso provido
46 TRIBUTAçãO em rev i s ta
coloca-se em análise o processo acima transcrito
da Primeira Câmara do Conselho de Contribuin-
te, de novembro de 2007, a respeito da cobrança
da Cofins a profissionais liberais. Em 17 de setembro de
2008 foram julgados na Suprema Corte os Recursos Ex-
traordinários nº. 377457 e 381964, que trouxeram nova-
mente à baila a discussão a respeito do tema.
Faz-se necessário entender alguns conceitos prelimi-
nares antes de se discutir o assunto.
COFINS é a sigla para Contribuição para Financia-
mento da Seguridade Social. Trata-se de uma contribuição
federal de natureza tributária e incide sobre a receita bruta
das empresas em geral. São contribuintes as pessoas jurí-
dicas de direito privado, inclusive as pessoas a elas equipa-
radas, com exceção das empresas que aderiram ao regime
do SIMPLES.
A isenção da cobrança da Cofins para profissionais li-
berais se baseava na Lei Complementar nº. 70, de 30 de
dezembro de 1991, que em seu artigo 6º, inciso II previa a
isenção de tais profissionais: “são isentas da contribuição,
as sociedades civis de que tratam o artigo 1º do Decreto-
Lei nº. 2397/87”.
O referido Decreto-Lei inclui nessa categoria as socie-
dades civis de prestação de serviços profissionais relativos
ao exercício de profissão legalmente regulamentada, regis-
tradas no Registro Civil das Pessoas Jurídicas e constituídas
exclusivamente por pessoas físicas domiciliadas no País.
Evidente que essa lei protege os profissionais citados.
Contudo, a Lei nº. 9.430, de 27 de dezembro de 1996,
com seu artigo 56, veio encerrar tais benefícios: “as socie-
dades civis de prestação de serviços de profissão legalmen-
te regulamentada passam a contribuir para a seguridade
social com base na receita bruta da prestação de serviços,
observadas as normas da Lei Complementar nº. 70, de 30
de dezembro de 1991”.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), à época, com a
intenção de pacificar entendimento a respeito do tema,
editou a Súmula 276 com o seguinte texto: “as sociedades
civis de prestação de serviços profissionais são isentas de
Cofins, irrelevante o regime tributário adotado”.
A partir de sumulado o entendimento pelo STJ, a gran-
de maioria das sociedades de profissionais liberais cessou
o recolhimento de COFINS, pois se criou uma expectativa
de segurança jurídica.
Toda a discussão foi recentemente levada ao Supremo
Tribunal Federal (STF), que, por 8 votos a 2, decidiu que
devem os profissionais liberais pagar o tributo.
Decidiu, ainda, pela retroatividade da cobrança dessa
contribuição à edição da Lei nº. 9430/96, a qual revogou a
Lei Complementar 70/91, que tratava do assunto.
O argumento defendido pelos advogados que interpu-
seram os Recursos Extraordinários supracitados é o de que
é ilegítima a revogação de uma lei complementar por uma
lei ordinária, devido à complexidade que envolve a pro-
mulgação da primeira ser maior que a segunda.
A maioria dos Ministros do STF entende que não existe
hierarquia entre leis, apenas competências determinadas a
cada espécie e, sendo a Cofins uma contribuição prevista
no artigo 195 da Constituição Federal, poderia ser natu-
ralmente regulamentada por lei ordinária.
Analogamente, aceitar que uma lei com um trâmite le-
gislativo mais complexo tenha prevalência sobre as demais
seria como aceitar que uma sentença de rito ordinário ti-
vesse mais peso ou importância que uma sentença de rito
sumário ou sumaríssimo.
Os ministros vencidos, Marco Aurélio e Eros Grau, en-
tendem que, por possuir maior complexidade em sua ela-
boração, a lei complementar não poderia ser revogada por
lei ordinária. Esse entendimento está em consonância com
a posição do Superior Tribunal de Justiça, cujo juízo é o de
que apenas leis da mesma espécie poderiam revogar outra.
O Plenário, conforme sugestão do ministro Gilmar
Mendes, presidente do STF, ainda reconheceu a reper-
cussão geral da matéria debatida e agora todos os Tribu-
nais Regionais Federais poderão aplicar esta decisão aos
demais recursos extraordinários que estavam aguardan-
do a decisão.
Há, ainda, uma grande polêmica neste caso, qual seja
a retroatividade da cobrança desse tributo, tendo em vista
que essa decisão pode gerar efeitos muito danosos, princi-
palmente aos pequenos contribuintes.
A partir de agora todas as pessoas afetadas pelo jul-
gado, incluindo os advogados, que foram os motivado-
res de tal decisão, terão de acertar contas com a União.
Não se sabe ainda como será feita a cobrança. Entretan-
to, espera-se bom senso de ambas as partes para que
não haja prejuízo nem dos profissionais afetados e nem
da Administração.
TRIBUTAçãO em rev i s ta 47
oSistema Público de Escrituração Digital (SPED)
é um projeto implantado por meio de um acor-
do nacional das autoridades tributárias, visando
integrar os dados dos contribuintes aos fiscos municipais,
estaduais e federal, mediante o compartilhamento das in-
formações contábeis e fiscais.
Por esse processo haverá uma sensível melhora do
controle tributário pelo cruzamento de dados contábeis e
fiscais com a auditoria eletrônica, eliminando informações
redundantes dos contribuintes às autoridades tributárias.
O SPED é dividido em três grandes subgrupos: SPED
Contábil, SPED Fiscal e Nota Fiscal Eletrônica.
i - spEd contábilO SPED Contábil foi regulamentado pela Instrução
Normativa RFB nº 787, de 19 de novembro de 2007, que
instituiu a Escrituração Contábil Digital (ECD); estabe-
lecendo a sua obrigatoriedade e aprovando o Manual de
Orientação do Leiaute para geração de arquivos.
O que é o SPED?*
A partir da escrituração contábil de janeiro de
2008, as empresas sujeitas ao acompanhamento tri-
butário diferenciado, de acordo com as Portarias RFB
nº 11.211 e nº 11.213, deverão elaborar o Livro Diá-
rio na forma digital, denominado ECD – Escrituração
Contábil Digital, nos termos estabelecidos na referida
Instrução Normativa.
Essas empresas diferenciadas estão recebendo uma
Notificação das Delegacias da Receita Federal informan-
do sobre o programa de acompanhamento econômico-
tributário diferenciado e informando sobre a entrega
obrigatória da Escrituração Contábil Digital a partir de
janeiro de 2008.
Em breve, estará disponível pela Receita Federal (PVA-
ECD – Programa Validador e Assinador da Escrituração
Contábil Digital) um programa que fará a importação dos
arquivos eletrônicos referentes aos lançamentos contábeis
das empresas, validando-os por meio do leiaute previsto
no Manual de Orientação, anexo à IN 787.
nivaldo cleto 1
* Publicado originalmente na Revista IBEF News, edição nº 121, Agosto 2008, São Paulo, Instituto IBEF
1. Nivaldo Cleto é contador; sócio da Clássico Consultoria, Auditoria e Tecnologia Contábil; coordenador do Projeto Nova Identidade do Profissional Contábil pelo Conselho Federal de Contabilidade - CFC; vogal da Jucesp – representando a União; conselheiro do Comitê Gestor da Internet do Brasil - CGIbr.
Airon Balogh
48 TRIBUTAçãO em rev i s ta
Em seguida o contador e o responsável legal assinam
eletronicamente com a Certificação Digital.
Depois de assinado pelas partes, o arquivo ECD – que
nada mais é do que o Livro Diário em papel, na forma
eletrônica – será enviado juntamente com o requerimen-
to de registro na junta comercial ao Ambiente Nacional
do SPED, gerenciado pela RFB. Paralelamente, a empresa
recolhe os emolumentos para registro da ECD nas juntas
comerciais.
Por meio de um link dedicado ou um aplicativo Web
entre o SPED e as juntas comerciais será feito o controle de
registro dos livros diários, isto é, da ECD.
As juntas comerciais acessam os dados da ECD (antigo
Livro Diário) e o seu conteúdo para constatar se as forma-
lidades legais foram cumpridas (são elas: termo de aber-
tura, termo de encerramento, assinatura do representante
legal e do contabilista).
Depois de validado pela junta comercial, será atribuí-
do o número de registro do Livro, que será acessado via
Web pelo empresário interessado. Pronto! O Livro Diário
Eletrônico ou a ECD está registrado(a) e armazenado(a)
no Ambiente Nacional SPED para que as autoridades –
como a Receita Federal, Previdência Social, Secretarias da
Fazenda, Secretarias Municipais de Finanças, Ministério
do Trabalho e Banco Central do Brasil – acessem, a partir
de um procedimento fiscal determinado na legislação.
Portanto, ao invés da fiscalização emitir a intimação
para a empresa apresentar os Livros Diários em papel, a
intimação será apenas para informar que o livro diário ou
a ECD, daquele ano calendário será acessado junto ao Am-
biente Nacional SPED, dentro do previsto na legislação,
respeitando o sigilo fiscal.
No mês de junho de 2009, ocasião em que as empre-
sas deverão entregar a Declaração de Imposto de Renda
Pessoa Jurídica, será também o prazo para entregar a ECD
do ano base 2008 – empresas de grande porte, sob pena
de sofrerem uma multa de R$ 5.000,00 por mês de atraso
(artigo 10º da IN RFB 787/2007).
É facultada a todas as empresas a adesão imediata à
ECD - Escrituração Contábil Digital, independente do Re-
gime de Tributação.
ii - spEd Fiscal - EscrituraçãoFiscal Digital
O SPED Fiscal - EFD foi instituído através do Convê-
nio ICMS 143, de 15/12/2006, estabelecendo a sua obri-
gatoriedade, e aprova o Manual de Orientação do Leiaute
para geração de arquivos.
Os arquivos de texto gerados pelos contribuintes, rela-
tivos aos livros fiscais de entradas, de saídas, apuração do
ICMS, IPI e Inventário, obedecendo a um leiaute unifica-
do, serão importados e validados através de um aplicati-
vo fornecido pelo SPED-EFD (aplicativo multiplataforma,
independente do sistema operacional por ora chamado de
PVA-EFD - Programa Validador e Assinador da Escritura-
ção Fiscal Digital).
Da mesma forma que o SPED Contábil, o validador
deverá ser único (padronizado), contendo as mesmas re-
gras em âmbito nacional, o que não impedirá que os fiscos
façam outras verificações posteriores para auditoria ou até
exigir a substituição das escriturações.
A Escrituração Fiscal Digital será de uso obrigatório
para os contribuintes do Imposto sobre Operações Rela-
tivas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de
Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação – ICMS ou do Imposto sobre Produtos In-
dustrializados - IPI, a partir de janeiro de 2009.
O contribuinte poderá ser dispensado da obrigação
estabelecida, desde que a dispensa seja autorizada pelo
fisco da unidade federada do contribuinte e pela Secreta-
ria da Receita Federal. A Legislação do Simples Nacional
excetua os contribuintes enquadrados nesse regime da
entrega da EFD.
Após a validação por meio do programa PVA-EFD em
fase de publicação, os arquivos serão assinados pelo re-
Ao invés de a fiscalização emitir
a intimação para a empresa apre-
sentar os livros diários em papel,
a intimação informará que eles
serão acessados pelo SPED
TRIBUTAçãO em rev i s ta 49
presentante legal de pessoa jurídica ou do seu procurador,
com a Certificação Digital e-PJ ou e-CNPJ, e em seguida
serão enviados para o SPED ambiente nacional.
Quando o sistema entrar em prática, significará o fi m
dos livros fiscais do ICMS e IPI em papel.
iii - nota Fiscal Eletrônica - nF-eO projeto que mais evoluiu no SPED foi o da Nota
Fiscal Eletrônica, que está funcionando desde novembro
de 2006.
Trata-se de um modelo nacional de nota fiscal eletrô-
nica que serve para transporte - de mercadorias, por meio
de um sistema integrado entre as empresas e os fiscos es-
taduais e federais.
No momento em que este artigo estava sendo escrito,
os Estados da BA, ES, GO, MA, MS, MG, SC, RS, SP e SE já
haviam emitido 3.2 milhões de notas fiscais eletrônicas.
Há uma confusão generalizada sobre a Nota Fiscal Ele-
trônica do SPED, pois a NF-e vinculada ao SPED é apenas
a Nota Fiscal de circulação de mercadorias, independente
das Notas Fiscais Eletrônicas de Serviços da Prefeitura de
São Paulo e da Nota Fiscal Paulista.
Para maiores detalhes sobre esse projeto, vocês podem
acessar o Portal da Nota Fiscal Eletrônica, no endereço
www.nfe.fazenda.org.br As autoridades tributárias estão
firmando acordos para integrar em breve as informações
das NF-e de Serviços e o SPED NF-e.
os contadores terão que abandonar os seus siste-
mas de escrituração fiscal e contábil e serão obri-
gados a utilizar o spEd, ou esses sistemas terão
que passar a exportar um arquivo padrão para ser
validado pelo spEd?
Os sistemas de escrituração tanto fiscal como contábil
continuam os mesmos, mas ao invés de imprimir os ar-
quivos eletrônicos nos papéis (livros fiscais e contábeis)
esses arquivos serão exportados, num leiaute definido
pela regulamentação, para os programas validadores ECD
e EFD.
Feita a importação pelos programas, após assinado
com os e-CPFs dos responsáveis, serão enviados para o
ambiente SPED.
com o spEd, os livros contábeis e fiscais passarão a
ser eletrônicos? como será o processo de autenticação
desses livros pelas juntas comerciais e pelos registros
civis de pessoas jurídicas?
A regulamentação da IN sobre o SPED Contábil está
bem clara quanto ao registro nas juntas comerciais. Já
quanto aos livros gerados pelo SPED Fiscal, não há mais
motivos para o registro nas juntas comerciais, pois a
assinatura digital, a validação e envio para o ambiente
SPED, substituem essa exigência, a qual já foi abolida
por muito Estados.
como está o interesse pela nova tecnologia? Há aceita-
ção em massa ou algumas empresas ainda se mostram
resistentes e por quê?
Para as grandes empresas, que dispõem de departa-
mentos de tecnologia de ponta ou têm recursos suficientes
para contratar os grandes especialistas em software, creio
que haverá um ganho expressivo no controle dos proces-
sos fiscais e contábeis, além de agilidade no trânsito das
mercadorias (Nota Fiscal Eletrônica). Prova disto é que vá-
rias empresas querem aderir ao programa de notas fiscais
eletrônicas estaduais (ICMS) e estão na fila aguardando a
autorização, pois o SPED Nota Fiscal Eletrônica é um su-
cesso para as empresas da fase piloto.
Para as pequenas e microempresas, que representam a
grande maioria dos contribuintes, creio que será um traba-
lho de transição mais lento, visto que além das dificulda-
Paweł Zawistowski
50 TRIBUTAçãO em rev i s ta
des financeiras para investir em equipamentos e sistemas
modernos, demandará um tempo para capacitação dos
usuários dos sistemas.
Exemplo real ocorre com o Emissor de Cupom Fiscal,
em que os arquivos do pequeno comerciante não conse-
guem integrar com a escrituração contábil para atender a
100% das exigências do Sintegra.
Que benefícios imediatos sentirão os empresários con-
tábeis com o uso dessa nova tecnologia?
Podemos dizer que o benefício será a adaptação ime-
diata a um novo processo de desmaterialização dos livros
contábeis e fiscais, eliminando gastos com impressão e
ocupação de espaços para armazenar os livros.
Os empresários, queiram ou não, deverão rever todos
os processos de informática nas suas empresas, pois desde
já os arquivos eletrônicos deverão ser mantidos dentro de
servidores internos ou externos (data centers), com banco
de dados atualizados para atender à nova demanda digital
do governo eletrônico.
Finalmente, esperam-se benefícios decorrentes da agi-
lização dos processos, de maior segurança na circulação
das informações e, acima de tudo, a grande expectativa
quanto à desburocratização nas relações do contribuinte
com o Fisco.
com a Entrada em vigor do spEd, como fica a in
86/2001 da srF, o manad da previdência social e o
sintegra nos Estados?
Em breve o Sintegra será substituído pelo SPED Fiscal,
pois segundo o Convênio ICMS 143 na cláusula terceira,
parágrafo 2º, o contribuinte obrigado à entrega da EFD, a
critério da Unidade Federada, ficará dispensado das obri-
gações de entrega dos arquivos estabelecidos pelo Convê-
nio ICMS 57/95.
Quanto à IN 86/2001, a IN 787/2007 no seu art. 6º
reza que a apresentação dos livros digitais (ECD) supre,
em relação aos arquivos correspondentes, a exigência con-
tida na IN nº 86/2001 e na Instrução Normativa MPS/SRP
nº 12, de 20 de junho de 2006.
Quanto ao Manad, que trata de folha de pagamento e
de lançamentos contábeis, todas as informações contábeis
que já foram entregues pela ECD, no meu entendimen-
to, não serão exigidas pela Previdência Social; porém, não
houve um pronunciamento legal pelas autoridades tribu-
tárias da Previdência Social a respeito do assunto.Ronnie Bergeron
TRIBUTAçãO em rev i s ta 51
a organização mundial do comércio
no decorrer do século XX, alguns países em desen-
volvimento, como a Coréia do Sul, escolheram
um caminho de rápida industrialização exóge-
na, por meio do investimento tecnológico e mão-de-obra
especializada. Outros, como o Brasil – adotando o progra-
ma de Substituição de Importações, que não fomentava
vínculos comerciais com atores externos – mantiveram-se
principalmente na rota da baixa-rentabilidade da exporta-
ção agrícola (FURTADO, 2006, p. 274-285).
No entanto, a vulnerabilidade de se apoiar na agri-
cultura como principal fonte de recursos contrasta for-
temente com a riqueza gerada pela exportação de pro-
dutos de alta concentração tecnológica, que permitem à
população níveis mais altos de conforto (GUIMARãES,
1999, p. 52).
Nessa lógica é que a Organização Mundial do Comér-
cio (OMC) foi lançada em 1994 pela conhecida Rodada do
Uruguai, em substituição à Organização GATT. A proposta
deste breve estudo é a de, após uma ligeira introdução à
OMC, oferecer algumas constatações tarifárias sobre o Sis-
tema Geral de Preferências. Ao final, o estudo apresenta
algumas considerações prospectivas sobre o cenário inter-
nacional, especialmente a Rodada de Doha.
A constituição da OMC repousa, em síntese, sobre a
intenção de ajudar os governos a consolidarem políticas
de expansão econômica baseadas em mercados competi-
tivos, concedendo a países em desenvolvimento um trata-
mento preferencial para compensar o fosso existente entre
os países industrializados e os países de economia baseada
na agricultura.
A OMC conta hoje com 153 membros e apóia-se em um
conjunto de regras chamadas GATT 1994. A principal delas,
subsidiada na reciprocidade e não-discriminação, é o Princí-
pio da Nação Mais Favorecida (artigo I). Essa regra impõe que
uma liberalização de mercado acordada entre duas nações
deve ser estendida a todos os demais Estados-membros2.
As normas do GATT visam fortalecer as exportações
dos países menos desenvolvidos e em desenvolvimento,
por meio de regras antidumping e medidas compensató-
rias e de salvaguardas. Tome-se como exemplo o artigo
XVIII do GATT, que permite aos países em estágio inicial
de desenvolvimento a adoção de medidas restritivas de im-
cácia pimentel 1
1. A autora é graduada em Direito pela Universidade de Brasília e Master of Laws (LL.M.) pela Cornell University Law School, New York; pós-graduada pela FGV-DF em Direito Econômico e das Empresas; Pesquisadora na Cornell University desde junho/2007, nas áreas de Comércio Internacional e Arbitragem. Email: [email protected]
2. Para mais informações sobre a OMC, ver http://www.wto.org/
A Organização Mundial do Comércio e o Sistema Geral de Preferências – Aspectos Tarifários
52 TRIBUTAçãO em rev i s ta
3. http://www.unctad.org/en/docs//tdbgspform1_en.pdf (acesso em 01/09/08).
4. http://www.unctad.org/en/docs/itcdtsbmisc62rev2_en.pdf (acesso em 01/09/08)
5. De acordo com o UNCTAD, cerca de 200 países podem ser classificados como em desenvolvimento ou menos desenvolvidos. http://www.unctad.org/en/docs/itcdtsbmis-c62rev1_en.pdf (acesso em 01/09/08).
6. Titulo V do Trade Act of 1974, emendado pelo 19 U.S.C. 2461 et seq.
7. http://www.ustr.gov/assets/Trade_Development/Preference_Programs/GSP/asset_upload_file890_8359.pdf (acesso em 01/09/08).
http://www.ustr.gov/Document_Library/Press_Releases/2008/June/Bush_Administration_Completes_2007_Annual_Review_of_Generalized_System_of_Preferences_Pro-gram.html (acesso em 01/09/08).
A legislação autorizativa 19 USC 2461-2467 pode ser acessada via http://www.ustr.gov/assets/Trade_Development/Preference_Programs/GSP/asset_upload_file151_8358.pdf (acesso em 01/09/08). Demais regulamentos e listas SGP USTR 15 CFR Part 2007 no endereço http://www.access.gpo.gov/nara/cfr/waisidx_05/15cfr2007_05.html (acesso em 01/09/08).
As normas de alfândega 19 CFR Part 10.171-10.178 e orientações e formulários para exportadores usando o programa SGP, no endereço http://www.customs.gov ou www.cbp.gov (acesso em 01/09/08).
8. http://dataweb.usitc.gov
portação, exceção que claramente auxilia no desenvolvi-
mento de um seguimento industrial. Aliás, um importante
objetivo da OMC é justamente o de melhorar a aplicação
das regras do GATT em setores como o agrícola e o têxtil,
que são áreas de maior interesse aos países de baixa renda.
Esse é um modelo de assistência reconhecido pela Agenda
de Doha, na forma de ‘capacity-building’ ou desenvolvi-
mento de capacidades (CHO, 2003, p. 164-165).
Outro papel da OMC é o de providenciar normas que
conduzam à redução de tarifas sobre mercadorias. Os Es-
tados-membros são encorajados a expressar o comprome-
timento por meio de um cronograma de redução tarifária,
chamada de “Schedule of Commitments”. De acordo com
o artigo II do GATT, esse cronograma é mandatório, crian-
do a proibição de se aplicar tarifa mais alta do que a re-
gistrada. No entanto, as regras do GATT não proíbem que
um Estado-membro aplique tarifa menor do que a prevista
no cronograma. Na verdade, os membros da OMC muitas
vezes concedem tarifas mais baixas por meio de acordos
regionais ou bilaterais, como os previstos no artigo XXIV
do GATT ou mediante um tratamento preferencial, como
o SGP - Sistema Geral de Preferências.
sistema geral de preferênciasO SGP é uma exceção ao princípio da Nação Mais Fa-
vorecida, conferido pelos países industrializados aos paí-
ses em desenvolvimento e às nações menos desenvolvidas.
Seu principal objetivo é diminuir ou mesmo eliminar tra-
tamento o discriminatório aos países menos favorecidos.
Várias nações industrializadas mantêm programas de
SGP. Os beneficiários e produtos variam de acordo com
as regras estabelecidas pelo país benfeitor. A Conferência
das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento –
UNCTAD3 assinala que os seguintes países e regiões con-
cedem regime preferencial de SGP: Austrália, Bielorrússia,
Bulgária, Canadá, Estônia, União Européia, Japão, Nova
Zelândia, Noruega, Rússia, Suíça, Turquia e os Estados
Unidos. O Brasil está relacionado como beneficiário por
todos esses países, à exceção da Austrália4.
Os Estados Unidos acordaram por um programa de
SGP em 1970, mediante um tratado assinado sob a égide da
UNCTAD. O SGP americano isenta quase cinco mil produ-
tos originários de nações consideradas menos desenvolvi-
das ou em desenvolvimento.5 Esse programa foi implantado
em 1974 para um período de dez anos e vem sendo reno-
vado desde então.6 A legislação do SGP americano autoriza
o presidente a conceder acesso ao mercado interno de for-
ma diferenciada ou mesmo sob o regime de isenção para os
países designados. Essa escolha segue critérios econômicos
e políticos, como ilustra o receio de que os benefícios do
SGP americano sobre os produtos brasileiros fossem sus-
pensos em retaliação, até que as leis internacionais de pa-
tentes (Acordo TRIPS/OMC) fossem devidamente aplicadas
no Brasil (MITCHELL, 2005, p. 62).
Os milhares de produtos e os diversos países beneficiá-
rios podem ser verificados nas listas de classificação tarifária
americana chamada HSTSUS – Harmonized Tariff Schedu-
le of the United States7. Essas listas incluem os produtos
manufaturados e semimanufaturados elegíveis ao SGP, bem
como alguns itens de agricultura, pesca e produtos primá-
rios que de outra forma seriam passíveis de tributação. A
classificação dos produtos é baseada no sistema global de
nomenclatura (International Harmonized System). Os pro-
dutos beneficiados pelo SGP americano somam cerca de
US$ 30 bilhões/ano8 e os países que mais comercializam
neste programa são Angola (US$ 6,2 bi), Índia (US$ 4,7 bi),
Tailândia (US$ 3,8 bi) e Brasil (US$ 3,4 bi, cerca de 13% do
total comercializado com aquele país).
TRIBUTAçãO em rev i s ta 53
lacunas do sgp É importante registrar que a classificação dos produtos
sujeitos a tarifas ou a isenções deve estar em harmonia com o
princípio da Nação Mais Favorecida e deve servir tanto para
produtos similares, quanto para os Estados-Membros consi-
derados em desenvolvimento. Não obstante essa determina-
ção, persistem as críticas ao SGP, à medida que o sistema tem
a sua eficácia comprometida: em primeiro lugar, pela sua na-
tureza unilateral e condicional; e ainda, por seu caráter polí-
tico, ou seja, sujeito aos termos impostos pelo país donatário
(BHALA, 2003, p. 152; CHO, 2003, p. 163).
Como ilustração, lembre-se a petição apresentada pelo
Brasil perante o antigo GATT. O caso ficou conhecido
como “Caso do Café Espanhol”. A Espanha introduziu em
seu SGP a distinção entre “café não-torrado tipo arábico
suave” e “café não-torrado tipo arábico”, de modo a con-
ceder isenção ao primeiro tipo (beneficiando a Colômbia),
ao passo que impunha aos demais tipos de café uma tarifa
de 7%, incluindo o café brasileiro. Inconformado, o Brasil
assinalou que havia uma negativa do princípio da Nação
Mais Favorecida, uma vez que o café brasileiro deveria ser
classificado como similar e, portanto, alcançar a benesse.
O Painel do antigo GATT acatou as razões do Brasil (Spain-
Tariff Treatment of Unroasted Coffee L/5135, adotado em
11 de junho, 1981 BISD 28S/102).
Essa orientação foi mantida na OMC com uma im-
portante modificação, presente na decisão OMC WT/
DS246. A Índia sustentou serem discriminatórios os
benefícios adicionais concedidos pela União Européia
em seu programa SGP apenas a países com programa
de combate a drogas (Ex. Colômbia). Em linhas gerais,
o Órgão de Apelação efetivou o entendimento de que
tratamento idêntico deve ser disponibilizado para to-
dos os beneficiários de SGP, desde que disponham de
necessidades similares de desenvolvimento, financei-
ras e de comércio (interpretação da Enabling Clause/
Footnote 3).
Note-se que a controvérsia foi solucionada em fa-
vor da Índia, tão-somente por não ter a União Européia
apresentado fundamentos suficientes para autorizar a
discriminação9. Quer isso dizer que a OMC sinaliza,
de forma singular, com a possibilidade de no futuro
autorizar preferências adicionais e discriminatórias a
países em desenvolvimento considerados com neces-
sidades distintas.
Caberá à comunidade internacional observar a de-
senvoltura da OMC em afastar a subjetividade inerente
a esse tipo de avaliação, qual seja, a de identificar as
necessidades distintas a justificar um tratamento prefe-
rencial e exclusivo.
9. WTO Analytical Index: Guide to WTO Law and Practice, 2007, p. 120-121.
Montagem: Fabrício Martins
54 TRIBUTAçãO em rev i s ta
10. Disponível em: http://www.wto.org/english/tratop_e/markacc_e/markacc_chair_texts07_e.htm (último acesso em 05/09/2008)
11. Esses percentuais e tabelas tarifarias podem ser encontrados em http://www.wto.org/english/tratop_e/agric_e/guide_agric_safeg_e.htm (Acesso em 05 de setembro de 2008).
12. Disponível em: http://www.wto.org/english/tratop_e/agric_e/agchairtxt_july08_e.doc (Acesso em 05 de setembro de 2008).
cenário atualA Agenda de Doha divide-se hoje em dois grandes sub-
conjuntos: o NAMA (Acesso ao Mercado Não-Agrícola)10 e
as negociações agrícolas.
Apesar da ausência de avença quanto ao pacote NAMA,
há convergências pontuais entre os países do chamado
G-7 (Austrália, Brasil, China, União Européia, Índia, Japão
e Estados Unidos).
Mantendo-se a linha panorâmica do presente traba-
lho, o pacote NAMA consiste na adoção de uma fórmu-
la de redução tarifária dos produtos não-agrícolas, com
coeficientes diferenciados para países desenvolvidos e
em desenvolvimento11.
Paralelamente às negociações agrícolas da Agenda
de Doha, têm-se concentrado esforços para a adoção
do Mecanismo Especial de Salvaguardas (SSM), com
aguerridas disputas entre os Estados-Membros do G-7.
Esse mecanismo poderá permitir aos países em desen-
volvimento um aumento tarifário temporário em caso
de prejudicial demanda por importações. O impasse
reside no SSM admitir um aumento tarifário acima dos
níveis previstos no Cronograma pré-Doha (Schedule of
Commitments)12.
Em síntese, o peso político e os termos condicionais
impostos pelo país anfitrião do sistema SGP são condi-
ções que influenciaram os países em desenvolvimento em
insistir por regras mais efetivas e menos assimétricas na
OMC, ou seja, normas que gerem benefícios reais e pere-
nes, preservem suas vantagens comparativas e diminuam
a sujeição a tratamentos preferenciais unilaterais.
Espera-se que o presente trabalho estimule a produção
de análises mais aprofundadas desses mecanismos inter-
nacionais e suas distorções, pois a absorção desses concei-
tos se torna cada vez mais importante para a consolidação
do Brasil no núcleo da dinâmica econômica mundial.
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rEFErências
Montagem: Fabrício Martins
TRIBUTAçãO em rev i s ta 55
Fiscus, ascensão e declíniopor Foch simão Júnior 1
1 Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil (aposentado). Sócio (titular) do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, e (correspondente) do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba e do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
no período republicano da História Romana, o
Estado era designado pelo termo Aerarium e es-
tava sob o controle do Senado, desta forma, este
era visto como uma entidade detentora das propriedades
públicas, as quais eram mantidas com receitas obtidas a
partir da coleta de tributos. Com o estabelecimento do po-
der imperial, houve a divisão das províncias e do poder
entre o Senado Romano – representante da velha ordem
republicana – e César, havendo consequentemente a di-
visão dos mais importantes ramos das receitas públicas e
dos gastos correspondentes.
As propriedades e receitas sob o controle do Senado
permaneceram com o nome de Aerarium, e aquelas sob o
controle de César receberam o nome de fiscus. As proprie-
dades e as receitas privadas exclusivas de César (res privata
Principis, ratio Cesaris) tinham certa diferenciação do que se
denominava Fiscus. A palavra Fiscus deriva da denominação
dada à cesta de vime. Além do pão, os romanos tinham o
costume de ocasionalmente carregar dinheiro em moedas,
quando o montante era de larga soma. Com a populariza-
ção desse procedimento, os coletores de impostos romanos
adotaram-no em seu serviço de coleta de tributos. Mais tar-
de, essa denominação expandiu-se para a instituição coleto-
ra e para qualquer agente do tesouro público.
Com a concentração do poder imperial através do
tempo, a importância do Fiscus aumentou, de forma
que abarcou não só o erário público, Aerarium, como
também as propriedades privadas de César, e a palavra
Fiscus firmou-se, sem nenhum adjunto, como sendo o
Tesouro Imperial. Enquanto durou a distinção entre o
Aerarium e Fiscus houve certa distinção entre a legisla-
ção relativa a cada instituição, jus populi e jus fisci, re-
velando a diferença de origem das instituições. A pri-
meira controlada pelo Senado Romano, representava o
povo e a outra, controlada por César, representando o
Estado Imperial.
O Fiscus tinha sua existência legal e personalidade ju-
rídica calcadas em legislação própria a qual não contem-
plava nenhuma restrição perante as demais legislações,
ou seja, tinha o condão de ser uma legislação superior às
aplicadas ao povo, Populus, assim como aos Municípios,
Municipium, como fontes do Direito Coletivo.
A administração da instituição Fiscus comportava vá-
rias carreiras: Procuratores, Advocati, Patroni, e Praefecti.
Divulgação
56 TRIBUTAçãO em rev i s ta
Durante o período imperial de Nerva foi criado o cargo
de Praetor Fiscalis, que tinha a incumbência de adminis-
trar as leis tributárias, e era de fato a instituição do jui-
zado tributário.
Em geral, as propriedades administradas pelo Fis-
cus eram terras devolutas ou estabelecimentos públicos
que geravam algum tipo de renda. Porém, havia outras
propriedades, originalmente de caráter privado, que
passavam ao domínio público por meio de seqüestro,
tendo como causa alguma infração penal. Dessa forma,
se algum cidadão fosse levado a cometer suicídio em
conseqüência de infração à legislação criminal – ato de-
finido legalmente como flagitium – ou em caso de ação
de contrafação de moeda, suas propriedades eram sujei-
tas ao confisco por parte do Fiscus. Alcançava também o
quinhão oficial qualquer tesouro que fosse encontrado
nas terras do Império. Mesmo os botins, fruto das con-
quistas militares dos soldados de Roma, não escapavam
à administração tributária, sendo taxados em dez por
cento do seu valor.
A estrutura logística e funcional do Fiscus era de uma
soberba sofisticação legal, de forma a torná-lo eficiente em
grande parte da História do Império. Os agentes do Fis-
cus, em sua ação institucional, valiam-se de informações
fornecidas pelos indivíduos sobre a possível ocorrência de
fraudes fiscais em troca de recompensas. Esse instituto da
delação premiada era conhecido como nunciationes, dando
ao Fiscus uma vantagem estratégica em seu campo de ação,
que envolvia todo Império Romano.
A decadência do Império Romano inicia-se com as
reformas de Diocleciano, centralizando a administra-
ção e aumentando a burocracia estatal sem o aperfei-
çoamento das instituições, atribuindo aos senhores de
terras e aos apaniguados políticos o controle de órgãos
de Estado em várias províncias, o que elevou sobrema-
neira os gastos públicos. Essas reformas coincidem com
o desmantelamento da máquina fiscal romana, quando
várias operações da alçada do Fiscus são repassadas a
terceiros em uma tentativa desesperada e politiqueira
de garantir o aumento do recolhimento de tributos, no-
tadamente por atribuir aos grandes latifundiários regio-
nais o encargo da coleta de tributos em natura e a sua
conversão em pecúnia. Dessa atividade oficial, por par-
te dos senhores de fazenda privada, adveio a designação
de fazenda pública até hoje utilizada para denominar a
administração tributária estatal.
Com o esgotamento dos meios de produção necessá-
rios para fazer a economia funcionar, visando ao atendi-
mento das necessidades mínimas de consumo da socieda-
de romana e atender às despesas públicas pelo pagamento
dos impostos, o Estado tornou-se cada vez mais interven-
cionista, restringindo drasticamente a liberdade de todos,
tornando a terra e o escravo indissociáveis; os pequenos
proprietários tiveram sua liberdade restringida ao ficarem
proibidos de deixar a sua aldeia; os artesãos foram reuni-
dos em corporações (collegia), tornando-se obrigatório ao
filho seguir a profissão do pai, criando-se um regime ca-
racterístico de castas em que, assim como os comerciantes,
ficaram presos à sua atividade e impedidos de se transferi-
rem para o campo.
O aumento da despesa pública somada à decadência e
à ineficiência das instituições do Império, a perda do sen-
timento cívico dos cidadãos e a concentração de riquezas
nas mãos da classe dirigente, permeada pela ação corrupta
de seus membros, terminaram por inviabilizar a manuten-
ção do Estado na sua forma original, dando início a um
círculo vicioso em uma economia arruinada e decaden-
te. Em longo prazo, a reorganização do Império em bases
materiais tão debilitadas não poderia ter outro resultado
senão o de enfraquecer o próprio Estado, tornando-o cada
vez mais vulnerável aos ataques externos.
A estrutura logística e funcional do fiscus era de uma soberba sofisticação legal, de forma a torná-lo eficiente em
grande parte da História
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rEFErências
TRIBUTAçãO em rev i s ta 57
rEcEitas2008 2007 var. (%) participaÇão (%)
[a] [b] [a]/[b] 2008 2007
IMPOSTO SOBRE IMPORTAçãO 10.292 7.725 33,23 2,32 2,02
I.P.I-TOTAL 25.285 20.722 22,02 5,7 5,43
I.P.I-FUMO 2.126 1.648 28,96 0,48 0,43
I.P.I-BEBIDAS 1.690 1.599 5,7 0,38 0,42
I.P.I-AUTOMÓVEIS 4.026 3.159 27,45 0,91 0,83
I.P.I-VINCULADO À IMPORTAçãO 6.116 4.803 27,34 1,38 1,26
I.P.I-OUTROS 11.326 9.513 19,06 2,55 2,49
IMPOSTO SOBRE A RENDA-TOTAL 126.800 102.259 24 28,59 26,8
I.RENDA-PESSOA FÍSICA 10.642 9.232 15,27 2,4 2,42
I.RENDA-PESSOA JURÍDICA 59.938 46.007 30,28 13,51 12,06
ENTIDADES FINANCEIRAS 10.438 8.987 16,14 2,35 2,36
DEMAIS EMPRESAS 49.500 37.019 33,71 11,16 9,7
I.RENDA-RETIDO NA FONTE 56.221 47.021 19,57 12,67 12,32
I.R.R.F-RENDIMENTOS DO TRABALHO 32.882 26.285 25,1 7,41 6,89
I.R.R.F-RENDIMENTOS DE CAPITAL 14.195 12.755 11,29 3,2 3,34
I.R.R.F-RENDIMENTOS DE RESIDENTES NO EXTERIOR 5.382 4.786 12,47 1,21 1,25
I.R.R.F-OUTROS RENDIMENTOS 3.761 3.195 17,71 0,85 0,84
IOF - I. S/ OPERAçÕES FINANCEIRAS 13.219 4.979 165,48 2,98 1,31
ITR - I. TERRITORIAL RURAL 85 72 18,25 0,02 0,02
CPMF - CONTRIB. MOVIMENTAçãO FINANCEIRA 1.104 23.523 -95,31 0,25 6,17
COFINS - CONTRIB. P/ A SEGURIDADE SOCIAL 78.431 65.353 20,01 17,68 17,13
ENTIDADES FINANCEIRAS 3.940 3.544 11,16 0,89 0,93
DEMAIS EMPRESAS 74.492 61.809 20,52 16,79 16,2
CONTRIBUIçãO PARA O PIS/PASEP 20.491 17.191 19,2 4,62 4,51
ENTIDADES FINANCEIRAS 789 704 12,06 0,18 0,18
DEMAIS EMPRESAS 19.702 16.486 19,5 4,44 4,32
CSLL - CONTRIB. SOCIAL S/ LUCRO LÍQUIDO 30.437 22.522 35,14 6,86 5,9
ENTIDADES FINANCEIRAS 4.366 3.224 35,44 0,98 0,84
DEMAIS EMPRESAS 26.071 19.298 35,09 5,88 5,06
CIDE-COMBUSTÍVEIS 4.358 5.214 -16,42 0,98 1,37
CONTRIBUIçãO PARA O FUNDAF 159 237 -33,06 0,04 0,06
OUTRAS RECEITAS ADMINISTRADAS 4.092 4.850 -15,63 0,92 1,27
SUBTOTAL [A] 314.754 274.648 14,6 70,96 71,99
RECEITA PREVIDENCIÁRIA [B] 111.681 94.963 17,6 25,18 24,89
PRÓPRIA 100.382 86.094 16,6 22,63 22,57
DEMAIS 11.299 8.869 27,4 2,55 2,32
RECEITA ADMINISTRADA PELA RFB[C]=[A]+[B]
426.434 369.611 15,37 96,14 96,88
DEMAIS RECEITAS [D] 17.128 11.900 43,93 3,86 3,12
TOTAL GERAL DAS RECEITAS [E]=[C]+[D] 443.562 81.512 16,26 100 100
arrecadação das receitas FederaisJaneiro a agosto – 2008/2007 (preços correntes)
UNIDADE: R$ MILHÕES
58 TRIBUTAçãO em rev i s ta
arrecadação das receitas FederaisJaneiro a agosto – 2008/2007 (a preços de agosto/08 - ipca)
UNIDADE: R$ MILHÕES
rEcEitas2008 2007 var. (%) participaÇão (%)
[a] [b] [a]/[b] 2008 2007
IMPOSTO SOBRE IMPORTAçãO 10.480 8.292 26,39 2,32 2,02
I.P.I-TOTAL 25.749 22.243 15,76 5,7 5,43
I.P.I-FUMO 2.166 1.770 22,37 0,48 0,43
I.P.I-BEBIDAS 1.724 1.719 0,28 0,38 0,42
I.P.I-AUTOMÓVEIS 4.099 3.389 20,95 0,91 0,83
I.P.I-VINCULADO À IMPORTAçãO 6.226 5.154 20,79 1,38 1,26
I.P.I-OUTROS 11.535 10.211 12,96 2,55 2,49
IMPOSTO SOBRE A RENDA-TOTAL 129.281 109.812 17,73 28,6 26,81
I.RENDA-PESSOA FÍSICA 10.828 9.900 9,37 2,4 2,42
I.RENDA-PESSOA JURÍDICA 61.153 49.435 23,7 13,53 12,07
ENTIDADES FINANCEIRAS 10.691 9.655 10,73 2,37 2,36
DEMAIS EMPRESAS 50.462 39.779 26,86 11,16 9,71
I.RENDA-RETIDO NA FONTE 57.299 50.477 13,52 12,68 12,32
I.R.R.F-RENDIMENTOS DO TRABALHO 33.534 28.220 18,83 7,42 6,89
I.R.R.F-RENDIMENTOS DE CAPITAL 14.439 13.689 5,48 3,19 3,34
I.R.R.F-RENDIMENTOS DE RESIDENTES NO EXTERIOR 5.494 5.138 6,94 1,22 1,25
I.R.R.F-OUTROS RENDIMENTOS 3.831 3.430 11,71 0,85 0,84
IOF - I. S/ OPERAçÕES FINANCEIRAS 13.455 5.345 151,72 2,98 1,3
ITR - I. TERRITORIAL RURAL 87 77 12,22 0,02 0,02
CPMF - CONTRIB. MOVIMENTAçãO FINANCEIRA 1.143 25.256 -95,48 0,25 6,17
COFINS - CONTRIB. P/ A SEGURIDADE SOCIAL 79.893 70.168 13,86 17,68 17,13
ENTIDADES FINANCEIRAS 4.016 3.805 5,54 0,89 0,93
DEMAIS EMPRESAS 75.877 66.363 14,34 16,79 16,2
CONTRIBUIçãO PARA O PIS/PASEP 20.876 18.460 13,09 4,62 4,51
ENTIDADES FINANCEIRAS 804 756 6,34 0,18 0,18
DEMAIS EMPRESAS 20.071 17.704 13,37 4,44 4,32
CSLL - CONTRIB. SOCIAL S/ LUCRO LÍQUIDO 31.023 24.197 28,21 6,86 5,91
ENTIDADES FINANCEIRAS 4.466 3.465 28,89 0,99 0,85
DEMAIS EMPRESAS 26.558 20.732 28,1 5,88 5,06
CIDE-COMBUSTÍVEIS 4.455 5.599 -20,44 0,99 1,37
CONTRIBUIçãO PARA O FUNDAF 162 255 -36,42 0,04 0,06
OUTRAS RECEITAS ADMINISTRADAS 4.167 5.206 -19,96 0,92 1,27
SUBTOTAL [A] 320.769 294.909 8,77 70,97 71,99
RECEITA PREVIDENCIÁRIA [B] 113.765 101.950 11,59 25,17 24,89
PRÓPRIA 102.237 92.425 10,62 22,62 22,56
DEMAIS 11.528 9.526 21,02 2,55 2,33
RECEITA ADMINISTRADA PELA RFB[C]=[A]+[B]
434.534 396.860 9,49 96,14 96,88
DEMAIS RECEITAS [D] 17.441 12.791 36,35 3,86 3,12
TOTAL GERAL DAS RECEITAS [E]=[C]+[D] 451.975 409.651 10,33 100 100
Fonte: SRFB, Análise da Arrecadação das Receitas Federais, Agosto 2008