tratamento cirúrgico das rupturas agudas do tendão do cabo ......atenção especial aos atletas e...

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Técnicas em Ortopedia 2002; 1:19-25 Tratamento cirúrgico das rupturas agudas do tendão do cabo longo do bíceps braquial em atletas Samir Salim Daher 1 1. Médico Chefe do Grupo de Trauma do Esporte do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital do Servidor Público Estadual – IAMSPE – São Paulo - SP Endereço: [email protected] - R. Borges Lagoa, 1755 - 1º and - s/ 180 - CEP 04039-004 - São Paulo - SP RESUMO O autor faz uma abordagem sobre a ruptura aguda do tendão do cabo longo do bíceps braquial em atletas, as indicações e contra-indicações cirúrgicas, suas compli- cações, a reabilitação pós-operatória, e descreve a técnica de reparação para tratamen- to da lesão. Descritores: Tendões; Traumatismos dos tendões/cirurgia; Traumatismos em atletas/cirurgia; Ruptura/cirurgia. SUMMARY The author describes a review of the rupture of the tendon of the long head of the biceps brachii in athlets, the indications and objections for the surgical treatment, the complications and the rehabilitation and also describes an open technique to repair the lesion. Key words: Tendons; Tendon injuries/surgery; Athletic injuries/surgery; Rupture/surgery

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Page 1: Tratamento cirúrgico das rupturas agudas do tendão do cabo ......atenção especial aos atletas e trabalhadores braçais, pois a diminuição de força para flexão e supinação

MANGUITO ROTATOR

Técnicas em Ortopedia 2002; 1:19-25

Tratamento cirúrgico das rupturasagudas do tendão do cabo longo dobíceps braquial em atletas

Samir Salim Daher1

1. Médico Chefe do Grupo de Trauma do Esporte do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital doServidor Público Estadual – IAMSPE – São Paulo - SPEndereço: [email protected] - R. Borges Lagoa, 1755 - 1º and - s/ 180 - CEP 04039-004 - São Paulo - SP

RESUMO

O autor faz uma abordagem sobre a ruptura aguda do tendão do cabo longo dobíceps braquial em atletas, as indicações e contra-indicações cirúrgicas, suas compli-cações, a reabilitação pós-operatória, e descreve a técnica de reparação para tratamen-to da lesão.

Descritores: Tendões; Traumatismos dos tendões/cirurgia; Traumatismos em atletas/cirurgia;Ruptura/cirurgia.

SUMMARY

The author describes a review of the rupture of the tendon of the long head ofthe biceps brachii in athlets, the indications and objections for the surgical treatment,the complications and the rehabilitation and also describes an open technique torepair the lesion.

Key words: Tendons; Tendon injuries/surgery; Athletic injuries/surgery; Rupture/surgery

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Técnicas em Ortopedia

Técnicas em Ortopedia 2002; 1:19-25

INTRODUÇÃO

Os primeiros relatos de ruptura do tendão do cabo longo do bíceps datamde 1781, e essa lesão tem recebido pouca atenção quanto ao seu tratamento(1). Isso deve ser levado em consideração, pois é grande o número de lesõesque ocorrem nesse tendão (1,2).

A ruptura do cabo longo do bíceps pode ocorrer em qualquer faixa etária(3), sendo mais comum a partir da idade adulta, com predomínio no sexo mas-culino (predomínio que se dá pela maior atividade física e braçal do homemem relação à mulher) e raríssimo em crianças. Como a idade de maior ativida-de física do ser humano se dá entre os 25 e 50 anos, é onde ocorre o maior

número de lesões (fig. 1).

As rupturas que ocorrem na ter-ceira idade podem ser provenientesde lesões do tendão durante a faseadulta ou pelo próprio envelhecimen-to do tendão (4).

Não há uma definição clara quan-to à etiologia da ruptura. As lesõesestão relacionadas a fatores intrínse-cos e extrínsecos do ombro e, a cau-sa da ruptura do cabo longo do bí-ceps é uma associação entre essesdois fatores. Os fatores intrínsecosmais importantes são: lesão do man-guito rotador, lesão da borda súpe-ro-anterior do labrum glenoidal, su-bluxações gleno-umerais, ou ainda,as próprias patologias do tendão dobíceps: tendinites prévias, luxaçõesdo tendão ou o estreitamento da cor-redeira biceptal. O fator extrínsecomais importante é uma resistência dotendão contrária a uma força paraflexão ou supinação (ou ambos osmovimentos) do cotovelo (fig. 2), emenos comum, um traumatismo di-reto (2,5).

Cerca de 50% de todas as rupturasque afetam o músculo bíceps braquialocorrem através de sua porção longa,levando a uma ruptura normalmentetransversa e localizada dentro da própriaarticulação do ombro (2,3).

Figura 1. Figura 1. Figura 1. Figura 1. Figura 1. Ruptura à D.

Figura 2. Figura 2. Figura 2. Figura 2. Figura 2. Vista lateral da ruptura.

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RUPTURAS DO BÍCEPS EM ATLETAS

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INDICAÇÕES E CONTRA-INDICAÇÕES

As indicações e contra-indicações cirúrgicas para as rupturas do tendãolongo do bíceps baseiam-se principalmente no tipo de atividade física dopaciente (2,3,5,6).

Nos atletas, está indicado na maioria dos casos, devido à diminuição deforça para flexão e supinação do antebraço, que ocorre em torno de 22% e17% respectivamente nos primeiros anos (fig. 3).

Não analisamos o fator estético como indicação cirúrgica.

Como a ruptura do tendão não causa limitações funcionais no membro, nãoindicamos a cirurgia em indivíduos nãoatletas, sedentários e idosos.

PLANEJAMENTOPRÉ-OPERATÓRIO

Os pacientes indicados para o tra-tamento cirúrgico da ruptura agudado tendão do cabo longo do bícepsbraquial são submetidos à avaliaçãoclínica e laboratorial pré-operatóriarotineira. O diagnóstico da rupturabaseia-se fundamentalmente na his-tória e exame físico do paciente, as-sim sendo exames complementares(ultra-sonografia ou RM) podem co-laborar na localização do tendão, no nível de retração, facilitando o atocirúrgico.

É muito importante o conhecimento da etiologia da lesão, pois existindopatologias associadas, essas também devem ser tratadas.

TÉCNICA CIRÚRGICA

O paciente é posicionado em mesa cirúrgica comum, na posição semi-sentada(“beach chair”), sob bloqueio e anestesia geral e, após a anti-sepsia e colocação decampos operatórios, realizar a via deltopeitoral clássica, com incisão a 1 cm lateral aoprocesso coracóide em direção a inserção do m. deltóide (8 – 10 cm). Após a visuali-

Figura 3. Figura 3. Figura 3. Figura 3. Figura 3. Flexão cotovelo contra resistência.

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zação da veia cefálica (fig. 4) afastar late-ralmente e expor a fáscia do m. peitoralpara sua posterior abertura (fig. 5).

Deve-se localizar a extremidaderota do tendão (fig. 6) e ancorar (cer-clagem) do tendão com fio Ethbond2-0 (fig. 7).

A goteira biceptal deve ser pre-parada para o ponto de reinserção dotendão. O ponto de reinserção deve-rá ser feito com uma medida préviado tendão, que deverá ser ligeiramen-te tracionado para se encontrar o lo-cal exato da reparação (fig. 8).

Com uma broca fina (número 1,5mm) realizar dois orifícios que podemser distais à proeminência da goteiraou proximais, paralelos, com uma dis-tância de mais ou menos 1,5 cm entreeles e, com uma cureta delicada, reali-zar um orifício entre os dois furos ini-ciais, de forma que a extremidade dotendão penetre nesse orifício (fig. 9).Em cada extremidade dos fios de cer-clagem do tendão, colocar uma agulhae introduzir no orifício feito com acureta em direção ao furo realizadocom a broca, um fio para cada lado (fig.10). Tracionar os fios até que a extre-midade do tendão fique totalmentepenetrada no orifício e realizar o pon-to de fixação dos fios (nós sobre o pró-prio tendão) (fig. 11).

Após reinserido o tendão, reparara sua bainha e fechar os planos: mus-cular, subcutâneo e pele (fig. 12).

PÓS-OPERATÓRIO

O paciente recebe alta no primei-ro pós-operatório, mantendo o bra-

Figura 4. Figura 4. Figura 4. Figura 4. Figura 4. Identificação da veia cefálica.

Figura 5. Figura 5. Figura 5. Figura 5. Figura 5. Fáscia do músculo peitoral maior.

Figura 6. Figura 6. Figura 6. Figura 6. Figura 6. Extremidade do tendão lesado.

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RUPTURAS DO BÍCEPS EM ATLETAS

ço em uma sacola tipo Velpeau, per-manecendo de 6 a 8 semanas.

O curativo é realizado após 48horas da cirurgia.

REABILITAÇÃO

A reabilitação inicia no primeiro pós-operatório com o paciente realizandoleve movimentação passiva para flexãodo antebraço, pronação, supinação eextensão do cotovelo.

Após 4 semanas, inicia movimentosativos sem resistência , principalmentede flexão e supinação do antebraço.

Na oitava semana, retiramos aimobilização e o paciente inicia o tra-balho de fortalecimento contra resis-tência, de forma progressiva.

Sugerimos o retorno às atividadesesportivas apenas após 16 semanasde pós-operatório.

COMPLICAÇÕES

São raras as complicações imedi-atas no tratamento cirúrgico do ten-dão do cabo longo do bíceps, ape-nas lembrando os riscos inerentes àcirurgia (infecções, complicaçõesanestésicas, entre outros).

As principais complicações tardi-as são: dor (5%) e um não posicio-namento com tensão prévia do ten-dão, podendo levar a um relaxamen-to exagerado da musculatura e umadeformidade residual, causando di-minuição de força (2,5). Figura 9. Figura 9. Figura 9. Figura 9. Figura 9. Preparação do osso para a tenodese.

Figura 7. Figura 7. Figura 7. Figura 7. Figura 7. Desenho esquemático da tenodese.

Figura 8. Figura 8. Figura 8. Figura 8. Figura 8. Localização do ponto de reinserção.

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RECOMENDAÇÕES

A ruptura aguda do tendão do cabo longo do bíceps braquial é uma lesão que nãocausa distúrbios funcionais importantes para o paciente, porém, deve ser dada umaatenção especial aos atletas e trabalhadores braçais, pois a diminuição de força paraflexão e supinação do antebraço, pode causar queda do rendimento(1,2,3,5).

Sempre que houver uma lesão do tendão do cabo longo do bíceps, pesquisar ou-tras lesões no ombro, especialmente o manguito rotador e o labrum superior (4).

A técnica cirúrgica descrita não necessita de grandes instrumentais cirúrgicos e avia de acesso preserva a anatomia local, o que diminui os riscos pós-operatórios(6).

Cuidado especial para sempre realizar uma tração prévia do tendão a ser reparado,para encontrar o melhor local da reinserção, para que o músculo não fique relaxadonem sofra uma deformidade residual, o que diminuiria o braço de alavanca com dimi-nuição da força (2,5).

A localização da porção distal do tendão rompido é importante, e deve-se realizarum planejamento pré-operatório para a exata localização do tendão, quando houveruma retração que afaste muito o tendão de sua origem.

O período de recuperação deve ser respeitado, bem como a fisioterapia, permitin-do assim uma integração completa do tendão e a reinserção.

Não está indicada a cirurgia para pacientes sedentários, não atletas e idosos, e nãoconsidero o fator estético como indicador cirúrgico (1,2,3,5,6).

O retorno à atividade física só deverá ocorrer após a reabilitação completa, dimi-nuindo a chance de uma reruptura.

Figura 10. Figura 10. Figura 10. Figura 10. Figura 10. Reinserção do tendão. Figura 11. Figura 11. Figura 11. Figura 11. Figura 11. Ponto de fixação do tendão.

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RUPTURAS DO BÍCEPS EM ATLETAS

Figura 12. Figura 12. Figura 12. Figura 12. Figura 12. Fechamento por planos.

REFERÊNCIAS

1. Rang M. Sports and medicine. The story of orthopaedics. 1966; 475-85.

2. Mariani EM, Cofield RH, Askew LJ, Li GP, Chão EYS. Rupture of the tendon ofthe long head of the bíceps brachii: surgical versus nonsurgical treatment. Clin Or-thop 1988; 228:233-39.

3. Justis E J J. Ruptura do músculo bíceps braquial ou de seus tendões. Cirurgiaortopédica de Campbell. 1989; p.2335-37.

4. Brasil Filho R, Filardi CS, Menitti EL, Baptista MV, Daher SS, Andreolli CV, Lestin-gi JV. Considerações após 131 acromioplastias com ou sem lesão do manguito rota-dor. Rev Bras Ortop 1998; 344-56.

5. Andrews JR, Carson WG Jr, McLeod WD. Glenoid labrum tears related to the longhead of the biceps. Am J Sports Med 1985; 13: 337-41.

6. Habermeyer P, Walch G. The biceps tendon and rotator cuff disease. Rotator cuffdisorders. 1996;142-59.