transportadores iônicos: importância da alça ...livros01.livrosgratis.com.br/cp060928.pdf · a...

230
Transportadores Iônicos: Importância da Alça Citoplasmática Maior na Associação entre Subunidades Catalíticas de P- ATPases e Identificação de Transportadores em Gluconacetobacter diazotrophicus PAL5 Welington Inácio de Almeida Tese submetida ao Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para obtenção do grau de Doutor em Ciências Biológicas (Química Biológica). Dezembro 2007

Upload: trinhkhuong

Post on 03-Dec-2018

224 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • Transportadores Inicos: Importncia da Ala Citoplasmtica Maior na

    Associao entre Subunidades Catalticas de P-ATPases e Identificao de Transportadores em

    Gluconacetobacter diazotrophicus PAL5

    Welington Incio de Almeida

    Tese submetida ao Instituto de Bioqumica Mdica da Universidade Federal do

    Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessrios para obteno do grau

    de Doutor em Cincias Biolgicas (Qumica Biolgica).

    Dezembro 2007

  • Livros Grtis

    http://www.livrosgratis.com.br

    Milhares de livros grtis para download.

  • II

    Transportadores Inicos: Importncia da Ala Citoplasmtica Maior na Associao entre Subunidades Catalticas de P-ATPases e Identificao

    de Transportadores em Gluconacetobacter diazotrophicus PAL5 Welington Incio de Almeida

    Tese submetida ao Instituto de Bioqumica Mdica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessrios para obteno do grau de Doutor em Cincias Biolgicas (Qumica Biolgica).

    Banca examinadora:

    ...................................................................

    Prof. Julio Alberto Mignaco Professor Adjunto do Instituto de Bioqumica Mdica/UFRJ

    ................................................................... Prof. Selma Gomes Ferreira Leite

    Professor Titular da Escola de Qumica/UFRJ

    ................................................................... Prof. Antnio Ferreira Pereira

    Professor Associado do Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Ges/UFRJ

    ................................................................... Prof. Gabriela de Oliveira Paiva e Silva

    Professor Adjunto do Instituto de Bioqumica Mdica/UFRJ (Revisora Suplente Interno)

    ................................................................... Prof. Orlando Bonifcio Martins

    Professor Adjunto do Instituto de Bioqumica Mdica/UFRJ (Orientador)

    ...................................................................

    Prof. Paulo Cesar de Carvalho-Alves Professor Adjunto do Instituto de Bioqumica Mdica/UFRJ

    (Co-orientador)

    ................................................................... Prof. Vnia Lcia Muniz de Pdua

    Professor do Centro Universitrio Estadual da Zona Oeste/UEZO (Suplente Externo)

  • LOMBADA

    Tran

    spor

    tado

    res

    Ini

    cos:

    Impo

    rtn

    cia

    da A

    la

    Cito

    plas

    mt

    ica

    Mai

    or n

    a

    Ass

    ocia

    o

    entr

    e Su

    buni

    dade

    s C

    atal

    tica

    s de

    P-A

    TPas

    es

    e Id

    entif

    ica

    o d

    e Tr

    ansp

    orta

    dore

    s em

    Glu

    cona

    ceto

    bact

    er d

    iazo

    trop

    hicu

    s PA

    L5

  • III

    FICHA CATALOGRFICA

    Almeida, Welington Incio de. .- Welington Incio de Almeida. Rio de Janeiro: UFRJ/ IBqM, 2007. x, f.: il.; 31 cm. Transportadores Inicos: Importncia da Ala Citoplasmtica na Associao entre Subunidades Catalticas de P-ATPases, e Identificao de Transportadores em Gluconacetobacter diazotrophicus PAL5 Tese (doutorado) UFRJ/ Instituto de Bioqumica Mdica/ Programa de Ps-Graduao em Qumica Biolgica, 2007. Referncias Bibliogrficas: f. . 1. Bioinformtica. 2. Expresso Heterloga. 3. Estrutura de Protenas. 4. Dimerizao. 5. Modelagem Molecular. I. Carvalho-Alves, Paulo Cesar; Martins, Orlando Bonifcio. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Bioqumica Mdica, Programa de Ps-Graduao em Qumica Biolgica. III. Ttulo.

  • IV

    Esta tese foi realizada no Laboratrio de Biologia Molecular, do Instituto

    de Bioqumica Mdica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a

    orientao do Professor Orlando Bonifcio Martins e co-orientao do

    Professor Paulo Cesar de Carvalho Alves, com auxlios financeiros da

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES), do

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), da

    Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), e do

    Laboratrio Nacional de Luz Sncrotron (LNLS).

  • V

    QUE ? O QUE ? Gonzaguinha

    Viver e no ter a vergonha de ser feliz Cantar, e cantar, e cantar A beleza de ser um eterno aprendiz Ai meu Deus, eu sei (eu sei) Que a vida devia ser bem melhor E ser, mas isso no impede que eu repita bonita, bonita, bonita E a vida, e a vida o que diga l meu irmo Ela a batida de um corao Ela uma doce iluso, E a vida, ela maravilha ou sofrimento Ela alegria ou lamento O que , o que meu irmo A quem fale que a vida da gente um nada no mundo uma gota, um tempo que nem d um segundo H quem fale que um divino mistrio profundo o sopro do criador numa atitude repleta de amor Voc diz que luta e prazer Ele diz que a vida viver Ela diz que melhor morrer Pois amada no , e o verbo sofrer Eu s sei que confio na moa E na moa eu ponho a fora da f Somos ns que fazemos a vida Como der ou puder ou quiser Sempre desejada Por mais que esteja errada Ningum quer a morte S sade e sorte A pergunta roda E a cabea agita Eu fico com a pureza da resposta das crianas a vida, bonita, bonita Viver...

  • VI

    AGRADECIMENTOS

    Primeiramente gostaria de agradecer minha famlia, principalmente

    aos meus pais, por servirem de exemplo, demonstrando compreenso,

    pacincia, e por sempre me incentivar.

    Ao Professor Orlando Bonifcio Martins por criar um ambiente de

    trabalho e estudo diversificado, congregando diferentes projetos e reflexo nos

    vrios momentos na luta contra as molculas, e ao Professor Paulo Cesar de

    Carvalho Alves, por ter demonstrado confiana em mim, pelo incentivo.

    Obrigado, pela oportunidade de aprendizagem e pela amizade...

    Professora Vernica Salerno Pinto, por sua amizade e por me indicar

    como estudante de IC ao Professor Paulinho depois do seu regresso da USP

    em 1999, e Professora Martha M. Sorenson por sua pacincia na reviso dos

    artigos.

    s estudantes de Iniciao Cientfica que me ajudaram durante o

    perodo de doutorado: Rebeca G. Costa e Caroline B. S. Oliveira, pelo convvio

    e por compartilharem frustraes e alegrias.

    Aos amigos: Alexander MC, Sylvia Alqueres, Rodrigo Gacho e Ariane

    Larentis, pelas discusses e colaboraes nos trabalhos que desenvolvemos e

    na realizao desta tese.

    Aos demais colegas de LBM e colaboradores: Dr. Ricardo Pilz Vieira,

    Dra. Maysa Mandetta, Professora Carla Polycarpo, Cynthia Silveira, Aline

    Turque, Marcio Loureiro, Marcelo Betarlan, e do Laboratrio de Contrao

    Muscular: Marcelo SantAnna e Joyce, pelas discusses e sugestes.

    Aos professores do Laboratrio de Artrpodes Hematfagos: Pedro

    Oliveira, Marcos H. Sorgine, Marcus e Aurlio, e aos demais colegas desse

  • Laboratrio: Ana Caroline, Christine, Kathy, Renata, Jos Henrique, Maria

    Clara, Fabiana, Milane e Carlo Donato pelo convvio estimulante de discusso

    nos journals e pelo aprendizado.

    Aos professores do Laboratrio de Biofsica Qumica de Protenas, hoje

    Laboratrio de Doenas Neurodegenerativas: Srgio Ferreira, Fernanda de

    Felice e Margareth Magdesian, pelas sugestes e pelo aprendizado.

    Ao pessoal do Laboratrio de Doenas Neurodegenerativas,

    principalmente, Samantha pela ajuda, incentivo e pelos bate-papos da antiga

    salinha ao novo laboratrio; tambm ao Adriano Sebolella e Matthias Gralle

    pelo auxlio no HPLC e na anlise dos espectros de CD.

    Ao Leonardo Mega e Dra. Vnia Lcia (Ncleo de Estudos de

    Genomas Johanna Dbenheiner/UFRJ), Flavia Alvin e ao Professor

    Rodolpho Albano (Laboratrio de Genmica, UERJ) pelos seqenciamentos;

    aos demais integrantes do RioGene Virtual Institute, e demais colaboradores:

    Alessandra Gonzalez e Dr. Rodolfo Paranhos (IB/UFRJ), Prof. Joo Alfredo

    Medeiros (IQ/UFRJ), Karen Silva e ao Professor Ulysses Lins (IMPPG/UFRJ),

    ao Prof. Paulo M. Bisch e Shaila Rossle (IBCCF). Ao Ranlig Medeiros, Arlan e

    ao Professor Pedro Pascutti, pela ateno e discusso em torno das

    simulaes de dinmica molecular do complexo dimrico de P-ATPases.

    O apoio do Laboratrio Nacional de Luz Sncrotron: Drs. ris Torriani e

    Cristiano Oliveira, da linha de SAXS.

    Aos novos colegas da Diviso de Biotecnologia (DIBIOTEC/DIQUIM II)

    do INPI, especialmente ao grupo de novssimos: Juliana Manasfi, Giany Mello

    de Oliveira, Alessandra Costa, Paula Salles e Debora Gomes; e, tambm aos

    supervisores: Rodrigo Ferraro, a minha ex-professa de Biologia Molecular

    Claudia Magiolli, Vnia Lcia Linhares, e a Margareth Maia, pelo convvio

    tranqilo no mbito de servio de Exame de Patentes.

  • Professora Gabriela Paiva e Silva, por sua ateno e pela reviso

    criteriosa dessa tese. Aos membros da banca, por aceitarem participar desse

    momento.

    A ajuda de muitos pesquisadores e estudantes de todos os laboratrios

    do nosso Departamento, agora Instituto de Bioqumica Mdica que foram

    fundamentais para esta tese, como tambm foi a ajuda de outros laboratrios,

    principalmente aos Professores Adalberto Vyeira (IBCCF) e Luiz Maurcio

    Trambaiolli.

  • SUMRIO

    Abreviaturas 9Indice de Figuras 10Indice de Tabelas 11Resumo 12Abstract 14I. Introduo 16 1. Mudana de Paradigmas em Cincias Biolgicas 17 1.1 Clulas, Genes e Protenas 17 1.2 (Bio)Diversidade, Conhecimento e Tecnologia 19 2. Funcionalidade Biolgica - as protenas 22 3. As Membranas Biolgicas e o fluxo inico 23 3.1 Transporte Ativo, ATPases tipo F e ATPases tipo V 28 3.2 ATPases tipo P 30 4. Gluconacetobacter diazotrophicus e o seqenciamento do seu genoma 45 4.1 Anotao do genoma de G. diazotrophicus: Sistema de Transporte 48II. Objetivos 54III. Materiais e Mtodos 56IV. Resultados, Discusso e Concluso 72 P-ATPases 74 Manuscrito 1 74 Proposio e Anlise de Interface de Dimerizao 85 Arranjo Tridimensional do Complexo dimrico do LCD/SERCA 96 Genoma 102V. Referncias Bibliogrficas 118Apndices: Outros Projetos e Publicaes 130 Parte 1: Prospeco Microbiana 132 Manuscrito 1 138 Parte 2: Modelagem Molecular 167 Manuscrito 2 167 Manuscrito 3 178 Manuscrito 4 188 Parte 3: Archaea e Biotecnologia 198 Manuscrito 5 200 Manuscrito 6 208

  • IX

    ABREVIATURAS

    3D tridimensional ADP Adenosina 5-difosfato ATP Adenosina 5-trifostato BLAST Basic Local Alignment Sequence Tool BSA albumina de soro bovina CD dicrosmo circular CDB Conveno da Diversidade Biolgica cDNA DNA complementar Da Dltons DNA cido Desoxiribonuclico DTT ditiotreitol EDTA cido etileno diamino tetractico EP fosfoenzima FITC isotiocianato de fluorescena FBN Fixao biolgica de nitrognio HPLC cromatografia de alta eficincia IPTG isopropil--D-galactosdeo LCD ala citoplasmtica maior MD dinmica molecular MW peso molecular NCBI National Center of Biotechnology Information Ni-NTA nquel-cido nitriloactico O.D. densidade tica ORF seqncias abertas de leitura pb pares de bases PCR reao em cadeia da polimerase Pi fosfato inorgnico PIC coquetel de inibidores de proteases PMA1 ou PMA H+-ATPase de membrana plasmtica de Saccharomyces cerevisiae PMSF fluoreto de fenil-metil sulfonila SAXS espalhamento de raios-X a baixo ngulo SERCA Ca2+-ATPase de retculo sarco(endo)plasmtico

    9

  • INDICE DE TABELAS

    TABELA I Anlise de interao entre resduos 91 TABELA II Parmetros Estruturais. 100 Tabela III Descrio das ORFs identificadas com pertencentes ou relacionadas com o sistema de transportes no genoma da G. diazotrophicus 103

    Tabela IV Comparao entre o sistema de transportes no genoma da G. diazotrophicus com outros genomas publicados 113 Tabela V Principais classes de transportadores anotadas no genoma de G. diazotrophicus 114

    10

  • INDICE DE FIGURAS

    FIGURA 1. Gradientes inicos. 25 FIGURA 2. Representao esquemtica das ATPases tipo F e V 29 FIGURA 3. Representao esquemtica das ATPases tipo P 31 FIGURA 4 Esquema simplificado do ciclo cataltico da SERCA 35 FIGURA 5. Representao das ATPases tipo P 38 FIGURA 6. Estrutura da Ca2+-ATPase de retculo sarco(endo) Plasmtico (SERCA) com alta resoluo (2,6 ) 41 FIGURA 7. Diferenas estruturais na Ca2+-ATPase de retculo sarco(endo)plasmtico (SERCA) 42 Figura 8. Microscopia de varredura de Gluconacetobacter diazotrophicus 47 Figura 9. Modelo hipottico para o dmero da SERCA 86 Figura 10. Sistema para simulao de Dinmica Molecular 86 Figura 11. Anlise do sistema dimrico 87 Figura 12. Novo modelo para o dmero da SERCA 88 Figura 13. Grfico do RMSD 89 Figura 14. Grfico de Pontes de Hidrognio 90 Figura 15. Eventos de Dimerizao 96 Figura 16. Modelos Tericos de LCD Dimerizao 97 Figura 17. Funo de distribuio (Pr) para o LCD/SERCA 98 Figura 18. Comparao dos dados de SAXS 99

    11

  • VII

    RESUMO

    Apesar dos recentes avanos no conhecimento da estrutura

    tridimensional das P-ATPases, a exata unidade funcional residente nas

    membranas biolgicas ainda controversa.

    Este trabalho apresenta novas evidncias estruturais para a relevncia

    da ala citoplasmtica maior (LCD) na auto-associao de P-ATPases e, em

    particular, o papel fundamental do domnio P para a oligomerizao. Arranjos

    oligomricos de P-ATPases foram propostos por um longo tempo, a partir das

    observaes da dependncia bifsica concentrao de ATP na atividade

    enzimtica. No entanto, o resultado mais importante aqui a constatao de

    que LCDh reenovelado mostrou dois picos fluorescentes principais, quando

    analisados por HPLC, calculados com pesos moleculares de 95 e 39 kDa,

    compatveis com as formas dimrica e monomrica, respectivamente. Estes

    dados sugerem que, como anteriormente observado para o LCD/SERCA

    isolado, LCDh reenovelado existe em um equilbrio monmero-dmero. Por

    outro lado, a cromatografia de excluso por tamanho da LCDh mostrou um

    nico pico, correspondente a um valor estimado de peso molecular de 29 kDa,

    e nenhum outro pico em pesos moleculares mais elevados, o que indica que

    esse fragmento essencialmente monomrico, e que a presena do domnio P

    essencial para a dimerizao. Alm disso, os parmetros estruturais (raio de

    giro e dimetro mximo) do LCD/SERCA obtidos por SAXS corroboram o

    modelo em que a poro carboxi-terminal do domnio P pode estar envolvida

    na auto-associao e funcional relevncia para P-ATPases em membranas

    nativas.

    De acordo com estes dados, propomos um modelo dimrico geral para a

    maioria dos P - ATPases (pelo menos para as subclasses II e III), tendo em

    conta que a hiptese de movimentos dos domnios N e A durante o mecanismo

    de translocao inica no esto restringidos pela associao dos domnios P.

    Finalmente, o nosso modelo proposto no se ope associao de outras

    protenas reguladoras, como o phospholamban, a qual propostamente

    12

  • associaria com dois monmeros de Ca2 +-ATPase, ligandoo s Lys 393 ou Lys

    400 do domnio N.

    Paralelamente, contribuimos no projeto de seqenciamento de G.

    diazotrophicus com a identificao de ORFs relacionados ao sistemas de

    transporte. Ns identificamos 130 genes pertencentes ao transportadores ABC

    e 48 superfamlia da MFS, alm de uma grande quantidade de genes de

    exportao de metais pesados e outros compostos txicos. Alm disso,

    podemos encontrar 40 genes da famlia RND e 41 genes de secreo tipo IV

    que esto relacionados com a exportao de lipooligosacardeos e com

    sistemas de conjugao (transporte de protenas, DNA e outras

    macromolculas), o que talvez tenha sido permitido pela aquisio de uma

    grande quantidade de genes por transferncia laterais, respectivamente; como

    tambm a presena de 38 genes responsveis pela produo de

    glicosiltransferases, que so genes requeridos para a biossntese de

    polissacardeos de superfcie celular (principalmente succinoglicanos).

    Acredita-se que estes apresentem importante papel de reconhecimento celular,

    no decurso de mecanismos de interao planta-bactria, os quais

    correspondem a requisitos necessrios ao reconhecimento planta-bactria, e a

    conseqente ocorrncia do processo de fixao biolgica de nitrognio.

    Ressalta-se ainda a ocorrncia de 23 genes relacionados com o

    transporte de ferro (TonB) que foram encontrados no genoma de G.

    diazotrophicus. A presena destas protenas, associada a genes responsveis

    pela sntese de bacteriocinas e antibiticos, pode conferir G. diazotrophicus

    uma vantagem competitiva em relao a outros endosimbiontes vegetais.

    13

  • VIII

    ABSTRACT

    In spite of the recent advances in the knowledge of the three-dimensional

    structure of P-ATPases, its exact functional unit resident in the biological

    membranes is still controversial.

    This work provides new structural evidence for the relevance of Large

    Cytoplasmatic Domain (LCD) in self-association of P-ATPases, and in

    particular, the fundamental role of the P site for oligomerization. Oligomeric

    arrangements of P-ATPases have been proposed for a long time, starting by

    early observations of biphasic dependence on ATP concentration for enzyme

    activity. However, the most important result here is the finding that refolded

    LCDh showed two main fluorescent elution peaks, when analyzed by size-

    exclusion HPLC, with calculated molecular weights of 95 and 39 kDa,

    compatible with dimeric and monomeric forms, respectively. These data

    suggest that, as previously observed for isolated LCD/SERCA, refolded LCDh

    exists in a monomerdimer equilibrium. On the other hand, size-exclusion

    chromatography of LCDh showed a major peak corresponding to an estimated

    molecular weight of 29 kDa, and no other peak at higher molecular weights,

    indicating that this fragment is essentially monomeric and that the presence of

    the P site is essential for dimerization. In addition, the structural parameters

    (radius of gyration and maximum diameter) of LCD/SERCA obtained by SAXS

    corroborate to the model that the carboxyl-terminus of P domain may be

    involved in the self-association and the functional relevance of P-ATPases in

    the native membrane.

    In agreement with these data, we propose this general dimeric model for

    most of P-ATPases (at least for the II and III subclasses), taking into account

    that the proposed movements of N and A domains during the ion translocation

    mechanism are not constrained by such P-P site association. Finally, our

    proposed model does not preclude association of other regulatory proteins such

    as phospholamban, which has also been proposed to associate with two Ca2+-

    ATPase monomers, and to bind to Lys 393 or Lys 400 in the N domain.

    14

  • In parallel, we contribute in the sequencing project of G. diazotrophicus

    with the identification of ORFs related to the transport systems. Genes encoding

    transport systems constitute the largest (14.1%) class of genes in the G.

    diazotrophicus genome. They are related to transport of amino acids, sugars,

    ammonia, nitrate, sulphate and other ions. We identified 130 genes belonging to

    the ATP-Binding Cassette (ABC) and 48 Major Facilitator superfamilies (MFS).

    A great amount of genes for heavy metals and other toxic compounds export

    (multidrug-resistance homologs) are present in G. diazotrophicus transport

    systems. RND family proteins (40 genes) are also related to export

    lipooligosaccharides concerned with plant nodulation for the purpose of

    symbiotic nitrogen fixation. Moreover, we can find 41 genes for type IV secretion

    systems. They are generally involved in conjugation systems (transport of

    proteins, DNA and other macromolecules) and perhaps have allowed the

    acquisition of a great amount of genes by lateral transfer. The presence of

    these proteins, associated with genes responsible for the synthesis of

    bacteriocins and antibiotics can give to G. diazotrophicus a competitive

    advantage in relation to others plant endosymbionts. Recently, it has been

    shown that association with G. diazotrophicus makes sugarcane more resistant

    to pathogen infections.

    15

  • INTRODUO

    16

  • I. INTRODUO Ns somente podemos aspirar por aquilo que j encontramos.

    Erwin Chargaff

    1. Mudana de Paradigmas em Cincias Biolgicas

    1.1. Clulas, Genes e Protenas

    De modo geral, a Cincia busca reconhecer na natureza, e explicitar, em

    linguagem adequada, padres de comportamento que independam do

    observador e que possam ser generalizados sem limitaes de tempo e de

    espao. Segundo essa perspectiva da compreenso humana sobre os

    fenmenos naturais, as Cincias Biolgicas vm contribuindo

    significativamente no estabelecimento de padres, sobretudo a partir da

    segunda metade do sculo XIX (Rose, 2002; Kafatos, 2002, Woese, 2004).

    De forma ilustrativa, destacamos a seguir trs marcos cientficos:

    Primeiramente, o desmoronar da idia da gerao espontnea, com os

    experimentos do francs Louis Pasteur (1822-1895). O segundo exemplo, que

    na realidade compreende um perodo longo de tempo (no especificamente um

    pesquisador ou experimento), inicia-se em 1865 com os experimentos do

    monge Gregor Mendel (1822-1884) e estende-se at 1953, e estabelece a

    unificao das diferentes reas das Cincias Biolgicas (Zoologia, Botnica,

    Microbiologia, Histologia, Anatomia, Gentica, etc.) em torno de uma entidade

    fsica e universal a todos os seres vivos: a molcula de cido

    desoxirribonuclico (DNA)1 (Avery, MacLeod e MCCartly, 1944; Chargaff et al.,

    1949, Hershey e Chase, 1952, Watson e Crick, 1953a,b).

    1O DNA est presente nos diferentes organismos vivos na superfcie do planeta Terra como a molcula portadora das informaes genticas (hereditrias), e em certos grupos de vrus. Outros grupos de vrus apresentam o RNA (cido ribonuclico) como a molcula de informao.

    17

  • E por fim, notadamente, uma vez estabelecida a base experimental da vida e a

    teoria cromossmica aceita, o caminho estava aberto para um rpido avano

    na compreenso dos fenmenos biolgicos, no processo de suscitar a

    utilizao da informao gnica do DNA e, desse modo, permitir a existncia,

    manuteno e evoluo de sistemas biolgicos mais complexos (Jacob and

    Monod, 1961; Nirenberg e Mattaei, 1961; Crick, 1970; Sanger e Coulson,

    1975).

    Desse modo no difcil justificar os mais de 3.000 projetos de

    seqenciamento de genomas completos, desde 1995, representando uma nova

    perspectiva na compreenso das diferentes formas de vida, desde arqueas ao

    homem (Kyrpides et al., 1999; http://www.genomesonline.org).

    Apesar da pesquisa genmica ser considerada uma pesquisa de ponta,

    ela , sem dvida, a pesquisa mais bsica de todas, isso porque o projeto de

    seqenciamento tem como objetivo primrio decifrar todas as bases

    nitrogenadas de um genoma2 (Santos, 2005). Por outro lado, o potencial

    mximo da genmica ser alcanado quando as funes biolgicas das

    protenas forem determinadas e compreendidas, visto que sua funo

    determinada tanto por sua conformao tridimensional como pela sua interao

    com outras molculas (Sanchez & Sali, 1999), o que no possvel deduzir

    somente a partir da seqncia primria dos aminocidos.

    No obstante, um recorrente problema a disparidade/discrepncia

    entre os bancos de dados de seqncias, tal como o GenBank, e de estruturas

    de macromolculas, como PDB (Protein Data Bank), devido, principalmente, s

    dificuldades tcnicas na elucidao de estruturas tridimensionais (3D) por

    difrao de raios-X ou ressonncia magntica nuclear (NMR), o que concorre

    para a pouca informao estrutural da grande maioria das seqncias de

    protenas conhecidas.

    Assim, na era ps-genmica, diversas abordagens computacionais

    (ferramentas de Bioinformtica) tm sido aplicadas para responder questes

    biolgicas relacionadas coleta, organizao e anlise de dados, como

    2 Genoma de um organismo seja ele unicelular ou pluricelular, representa toda a sua carga de DNA. Nos eucariotos o genoma encontra-se no ncleo e em organelas como mitocndria e cloroplastos. Nos procariotos o genoma encontra-se disperso no citoplasma.

    18

  • tambm para decifrar informaes funcionais contidas nas seqncias

    proticas (Sanchez & Sali, 1999). Tais ferramentas computacionais variam

    desde programas e/ou algoritmos matemticos para a identificao de

    seqncias abertas de leitura open reading frames (ORFs), identificao de

    similaridade e conservao de bases nitrogenadas nas seqncias de cidos

    nuclicos e/ou de aminocidos nas protenas, predio de domnios funcionais

    e do enovelamento protico, estabelecimento de relaes de filognese, e at

    a anlise comparativa entre dados de diferentes genomas. Alm disso,

    atendem crescente necessidade de estabelecer padres de interaes

    moleculares que governam os mais diversos sistemas biolgicos, e sua relao

    em eventos patolgicos (Prosdocimi et al., 2002).

    Alm disso, o desenvolvimento de mtodos computacionais mais

    sofisticados (como a Modelagem Molecular e simulaes de Dinmica

    Molecular) tem permitido um avano sem precedentes na compreenso de

    processos biolgicos em nvel atmico-molecular, aliando uma enorme

    economia de tempo em ensaios experimentais com a possibilidade de uma

    anlise detalhada das propriedades fsico-qumicas do reconhecimento

    molecular.

    1.2. (Bio)Diversidade, Conhecimento e Tecnologia

    Desde seus primrdios, a humanidade depende para sua sobrevivncia

    dos recursos naturais, sejam os biolgicos (animais, plantas e

    microorganismos), sejam abiticos (gua, ar solo e recursos minerais). E ao

    longo dos sculos, o uso desses recursos tem sofrido modificaes,

    ocasionando o incio do desenvolvimento econmico e do progresso social

    (Garcia, 1995), e recentemente, extines e modificaes climticas (REF)>

    No decorrer da histria, os recursos biolgicos passaram a ser

    considerados mercadorias, objeto de troca e comrcio. Para exemplificar,

    estima-se ainda que a utilizao dos compostos da biodiversidade seja

    responsvel por cerca de 45% do PIB mundial, e respondem por cerca de 30%

    das exportaes brasileiras (Carneiro, 2007).

    19

  • Por outro lado, aps o desenvolvimento cientfico e tecnolgico

    experimentado a partir da Revoluo Industrial (sculo XX), nas ltimas

    dcadas, o conceito ecolgico vem se ampliando, dentro de um modelo de

    desenvolvimento que busca uma relao de equilbrio dinmico. Tal modelo,

    resgata uma nova tica na relao do homem com a natureza pela interrelao

    evidente dos recursos naturais biolgicos e no biolgicos, concorrendo s

    primeiras discusses acerca das estratgias para a conservao dos recursos

    naturais que tem resultado em diversos tratados internacionais e na

    conservao do meio ambiente (Garcia, 1995).

    Portanto, a questo ecolgica tende a ocupar posio prioritria nos

    esforos mundiais para a conservao da biodiversidade3, a partir da adoo

    de um projeto de desenvolvimento sustentvel, integrando o conhecimento

    cientfico s necessidades sociais (Garcia, 1995).

    Com a realizao da Conveno da Diversidade Biolgica (CDB) em

    1992 (ECO 92), verificou-se um verdadeiro divisor de guas quanto s

    questes ligadas a biodiversidade, uma vez que essa, antes considerada

    patrimnio da humanidade, passou a ser considerada como parte integrante da

    soberania do pas no qual as espcies se encontram. No entanto, tambm

    suscitou conflitos de interesses polarizados entre os pases desenvolvidos,

    possuidores de tecnologia, e os pases em desenvolvimento, detentores da

    biodiversidade, e constantes discusses sobre o acesso aos recursos

    genticos, aos conhecimentos tradicionais associados, e repartio de

    benefcios.

    Nesse cenrio, alinha-se o conhecimento cientfico e desenvolvimento

    scio-econmico necessidade da conservao da diversidade biolgica.

    Primeiramente, o Brasil abriga entre 10 a 20% do nmero de espcies

    conhecidas pela cincia (MMA, 1998). Cerca de 200.000 espcies j foram

    descritas no Brasil e estima-se que a biodiversidade do pas seja composta por

    um nmero 6 a 10 vezes maior, ou seja, aproximadamente dois milhes de

    formas de vida, mas para muitos grupos de invertebrados e, mais ainda, para

    3 Biodiversidade ou Diversidade Biolgica significa a variabilidade de organsimos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquticos e os complexos ecolgicos de que fazemparte, compreendendo ainda a diversidade dentro de espcies, entre espcies e ecossistemas, segundo a Conveno sobre Diversidade Biolgica (CDB) promulgada durante a Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92.

    20

  • os microrganismos, a informao demasiadamente incompleta (Lewinsohn &

    Prado, 2005). Alm disso, o Brasil destaca-se pela participao de grupos de

    pesquisa brasileiros em projetos de seqenciamento de genomas completos,

    como o que levou ao primeiro seqenciamento de um fitopatgeno (Simpson et

    al., 2000), pela definio de mecanismos econmicos para os pases em

    desenvolvimento de uma parcela justa e eqitativa do lucro econmico

    proveniente do uso comercial dos recursos biolgicos e dos genes neles

    contidos, e pela manipulao do material gentico.

    Assim, em resumo, as Cincias Biolgicas, diante desses paradigmas,

    avanam com novas interfaces (numa viso de interdisciplinaridade) com as

    Cincias da Computao, a Qumica, a Matemtica, a Medicina, a Economia e

    a Fsica, a fim de permitir uma melhor compreenso dos sistemas biolgicos

    em suas complexidades organizacionais, uma estabilidade dos ecossistemas, e

    reconhecida utilidade dos recursos naturais para a humanidade.

    Sendo assim, tendo em vista agregar os fatos acima destacados, o

    presente trabalho, que abrange uma viso de interdisciplinaridade a

    experimentao bioqumica (em bancada) e a instrumentalizao da

    bioinformtica (in silico) aplicadas a questes biolgicas clssicas, ser

    apresentado em dois grupos de dados/resultados separadamente, a saber:

    1) As interaes moleculares em protenas, em especial para a subfamlia

    das P-ATPases;

    2) A identificao de transportadores, utilizando a anotao do genoma da

    bactria Gluconacetobacter diazotrophicus.

    Embora os dois temas no se relacionem diretamente, representam

    vertentes que segui durante a ps-graduao, as quais se transformaram na

    base da minha formao de Doutorado.

    21

  • 2. Funcionalidade Biolgica as protenas

    Ao contrrio de muitos outros polmeros artificiais e naturais, que surgem

    da repetio de um nico bloco ou da mistura randmica de diferentes blocos,

    as seqncias de aminocidos das protenas so perfeitamente definidas pelo

    cdigo gentico. No entanto, as protenas tm propriedades emergentes que as

    tornam muito diferentes de molculas pequenas (como os aminocidos) e

    tambm de outras macromolculas, e podem ter um grupo de conformaes

    especialmente favorveis, que costumamos chamar de estado nativo, o que

    torna difcil experiment-las em escala de tempo de observao e de relevncia

    biolgica (Karplus et al., 1987; Frauenfelder et al., 1991; Shortle et al., 1998).

    Portanto, para entender as funes biolgicas de uma protena, os

    parmetros globais derivados da anlise conformacional estatstica de cada

    resduo ao longo da cadeia polipeptdica no bastam, e precisamos descrever

    a estrutura local. Contudo, mesmo para aquelas protenas que foram

    cristalizadas, as estruturas cristalogrficas aparentemente fixas escondem

    variaes substanciais e importantes (DePristo et al., 2004), uma vez que as

    protenas, mesmo sem estmulo externo, no so estticas, mas se

    apresentam constantemente em movimento.

    Alm disso, muitas vezes a funcionalidade biolgica das protenas

    depende da energia de interao destas molculas com ligantes ou substratos,

    e a aquisio da estrutura biologicamente ativa por um domnio pode depender

    da presena de outro domnio, mesmo se os dois domnios estiverem bastante

    afastados na seqncia de aminocidos (Fedorov e Baldwin, 1999; Jansens et

    al., 2002). Ela pode depender, ainda, da participao de outra(s) protena(s)

    (Szepanski et al., 1994). Desta forma, os diferentes domnios e monmeros

    colaboram para criar protenas com funes novas.

    Desse modo, o conhecimento da seqncia primria e/ou da estrutura

    tridimensional (3D) das protenas no nos permite uma determinaoo de

    todas as propriedades emergentes das protenas e, portanto, diferentes

    metodologias tericas e experimentais devem ser aplicadas e somadas para o

    avano do nosso conhecimento a respeito de sua relevncia e de

    funcionalidade biolgica. Especialmente, mtodos de determinao estrutural

    22

  • em soluo, por ressonncia magntica ou espalhamento de raios-X,

    oferecem a possibilidade de modelar explicitamente a dinmica funcional da

    protena, no revelada em estados cristalogrficos (Arai et al., 2004; Lindorff-

    Larsen et al., 2005).

    3. As Membranas Biolgicas e o Fluxo Inico

    difcil pensar em uma definio para a vida que no implique

    uma separao dos fludos intracelular e extracelular.

    Simkiss, 1998

    O surgimento de um sistema de compartimentao durante o

    desenvolvimento da vida no planeta colaborou efetivamente para a existncia,

    manuteno e evoluo de sistemas biolgicos mais complexos (Deamer, 1997).

    Assim, a vida explorou, essencialmente, a estratgia de compartimentalizao

    de ambientes aquosos por meio de uma camada hidrofbica (bicamada

    lipdica), por esta respeitar as seguintes leis termodinmicas: i) a estrutura da

    bicamada lipdica vivel, ocorre naturalmente; ii) sua flexibilidade permite o

    crescimento e movimento, como tambm a insero e operao da maquinaria

    protica; e, iii) sua estrutura tem uma constante dieltrica baixa, propriedade

    esta utilizada em mecanismos de sinalizao, transporte e transduo de

    energia (Njus, 2000a).

    Assim sendo, o conceito, de uma barreira fsica explcito no modelo de

    Davson e Danielli (1943) evoluiu progressivamente, nos ltimos trinta anos, at

    um sistema dinmico regulatrio, como proposto por Singer e Nicholson (1972)

    (Simkiss, 1998; Lee, 2002).

    O estudo das membranas biolgicas, assim como das protenas de

    membranas, que representam cerca de 30% de todos genes (Saraste e

    23

  • Walker, 1998; Werten et al., 2002), extremamente importante, uma vez que

    essas cumprem funes vitais como interface com o meio exterior, interface

    entre clulas e compartimentalizao intracelular (Werten et al., 2002). As

    membranas biolgicas esto direta ou indiretamente relacionadas a numerosas

    doenas, como hiperinsulinemia, diabetes insipidus nefrognica, falncia

    congestiva cardaca, cirrose heptica, hiper- e hipotenso, edema pulmonar,

    epilepsia e catarata (Blaustein e Lederer, 1999; Fraille e Doucet, 2001; Werten

    et al., 2002). Porm, somente 30 estruturas unitrias de protenas de

    membranas foram resolvidas em nvel atmico, comparadas s mais de 3.000

    estruturas unitrias de protenas solveis, dada a dificuldade de produzir

    anlises tridimensionais (3D) satisfatrias por difrao de raios X de protenas

    de membranas solubilizadas em detergentes (Werten et al., 2002).

    A composio qumica das clulas varia notoriamente quando

    comparada ao ambiente. Para manter estes desequilbrios, as membranas

    biolgicas usam mecanismos de transporte ativo e passivo de nutrientes,

    inclusive ons, e com isso garantem a manuteno da constncia da

    composio qumica do meio intracelular (Stryer, 1998). Funcionam, portanto,

    como uma barreira perfeita, de modo a manter gradientes qumicos e/ou

    eltricos entre os compartimentos, alm de possuir inmeros mecanismos,

    operados especialmente por protenas nelas incorporadas, como: i) gerar

    gradientes qumicos e eltricos, e a converso deles em trabalho til; ii) permitir

    o transporte especfico de uma variedade de molculas que conduzem a uma

    troca controlada entre o interior celular e o ambiente; e, iii) perceber sinais

    qumicos ou comprimentos apropriados de luz e transduzir por redes

    24

  • sofisticadas numa variedade de respostas celulares (Dimroth, 1997; Maier, Jr.

    2000).

    Dentre as mais diversas molculas que circulam atravs das membranas,

    os ons desempenham papel fundamental na energtica celular (Harold, 1986,

    apud Sze et al., 1999). Realmente, o fluxo de ons de fundamental importncia

    na captao de energia durante a respirao e fotossntese, e tambm media a

    interconverso das formas de energias qumica, osmtica e eltrica em biolgica

    (Sze et al., 1999; Rees e Howard, 1999). Este fluxo apoia uma gama de funes

    fisiolgicas, como a regulao do volume celular, comportamento natatrio de

    organismos unicelulares, abertura dos estmatos nas plantas, contrao

    muscular, secreo endcrina, e a gerao da excitabilidade neuronal nos

    animais (Ranganathan, 1994) (Figura 1).

    FIGURA 1. Gradientes inicos. Os diferentes papis que os gradientes inicos desempenham nos sistemas biolgicos.

    25

  • A via de permeabilizao responsvel pela passagem de ons atravs do

    ambiente hidrofbico das membranas provido por trs classes distintas de

    protenas integrais de membranas: i. canais; ii. protenas trocadoras; e, iii.

    protenas transportadoras (Wolfersberger, 1994).

    Os canais so, tipicamente, poros on-especficos, que abrem e fecham

    transitoriamente, de maneira regulada. Quando um canal est aberto, os ons

    rapidamente atravessam a membrana pelo canal, dirigidos por gradiente

    eltrico e de concentrao. Este movimento de ons pelos canais controla o

    potencial eltrico de membranas, e sinais eltricos em membranas excitveis

    de clulas nervosas e musculares (Ranganathan, 1994; Wolfersberger, 1994).

    As protenas trocadoras, so enzyme-like proteins, pois promovem o

    transporte ativo secundrio de solutos atravs das membranas contra

    gradientes de concentraes, utilizando-se de gradientes inicos como uma

    fonte de energia para executar trabalho (Wolfersberger, 1994).

    As protenas transportadoras tambm so chamadas de bombas

    primriass que so catalisadores vetoriais, pois podem transduzir diretamente a

    energia qumica ou luminosa para o transporte de ons ou outros solutos

    atravs das membranas contra gradiente de concentraes (Nelson, 1994).

    A maioria das protenas on-transportadoras conhecidas biologicamente

    bombeiam ctions. Embora elas pudessem da mesma maneira translocar

    nions, h 3 bilhes de anos os ctions foram selecionados durante a evoluo

    pelas clulas primitivas. Acredita-se que estas protenas evoluram

    independentemente desde o seu surgimento. Atualmente, suas estruturas,

    mecanismos de translocao do on, e a fonte de energia variam

    consideravelmente (Nelson, 1988; Palmgren, 1998). Consequentemente, vrias

    26

  • protenas on-transportadoras no relacionadas, podem ser energizadas pela

    energia luminosa, energia de oxirreduo, hidrlise de pirofosfato ou ATP

    (Nelson, 1994; Axelsen e Palmgren, 1998).

    Este sistema de bombas primrias pode ser agrupado em duas

    categorias distintas, segundo Dimroth (1997). As bombas da primeira categoria

    servem diretamente s clulas e no tem nenhuma funo na transduo de

    energia. Exemplos so os exportadores de substncias txicas s clulas, que

    incluem os transportadores de arsnio nas bactrias (Carlin et al., 1995; Rosen

    et al., 1995; Rensing et al., 1999) ou os transportadores de resistncia mltipla

    a drogas, que so responsveis pela resistncia das clulas tumorais ao

    tratamento quimio-teraputico. Algumas ATPases tipo P tambm podem ser

    agrupadas nesta categoria, pois servem a necessidade nutricional, acumulando

    ou expulsando ons (K+, Cu+, Mg2+, Cd2+, Ag+), acidificando o lmen do

    estmago, estabilizando gradientes inicos para sinalizao (Ca2+) ou

    promovendo a excitao eltrica (Na+, K+) em clulas nervosas (Axelsen e

    Palmgren, 1997; Scarborough, 1999).

    A funo fisiolgica da segunda categoria de bombas primrias criar

    um estado energizado nas membranas, na forma de um gradiente

    eletroqumico, que pode ser usado atravs de outros sistemas de trabalho

    acoplados a membrana. Este trabalho pode ser mecnico, como o movimento

    do flagelo bacteriano; qumico, como a sntese de ATP; ou osmtico, como a

    captao de nutrientes pelos numerosos sistemas de transporte secundrio

    (Dimroth, 1997).

    3.1 Transporte Ativo, ATPases tipo F e ATPases tipo V

    27

  • O transporte ativo usualmente definido como transporte de molculas

    ou ons de uma regio de baixa para uma regio de alta concentrao (isto ,

    transporte contra um gradiente de concentrao)(Stryer, 1998; Njus, 2000b).

    Porm, definiremos em um senso restrito como transporte ativo aquele que

    requer energia qumica ou fotoqumica. Por esta definio, somente um

    pequeno nmero de enzimas capaz de catalisar o transporte ativo e, com

    poucas excees, elas podem transportar ctions (Saier, Jr., 1998; Njus,

    2000b).

    Uma das classes majoritrias de protenas transportadoras, so as

    ATPases on-transportadoras. As primeiras concepes a respeito das

    ATPases on-transportadoras foram feitas por Dean (1941) (apud Skou, 1957,

    1989), sendo identificadas posteriormente por Skou (1957). Dada a importncia

    esta descoberta foi novamente publicada (Skou, 1989), e contemplada com o

    Prmio Nobel em 1997.

    Desde ento, as ATPases que transportam ativamente ctions, foram

    extensivamente estudas por diversos grupos de pesquisadores, e

    categorizadas por Pedersen e Carafoli (1987) em trs classes: ATPases tipo F

    (F-ATPases), ATPases tipo V (V-ATPases) e ATPases tipo P (P-ATPases).

    As F-ATPases esto localizadas na membrana plasmtica bacteriana,

    na membrana interna mitocondrial e membrana dos cloroplastos, e operam in

    vivo como ATPases reversas, ou ATP-sintases. Estas sintetizam ATP a partir

    de ADP e fosfato inorgnico (Pi) acoplada ao fluxo de prtons movido por um

    gradiente eletroqumico favorvel atravs da membrana (Amzel e Pedersen,

    1983; Yoshida e Noji, 2000).

    28

  • As V-ATPases utilizam a hidrlise de ATP para bombear prtons,

    gerando um gradiente eletroqumico. Elas so amplamente distribudas em

    compartimentos intracelulares de clulas eucariticas, incluindo endossomos,

    lisossomos, vesculas secretrias (incluindo vesculas sinpticas), vcuolos de

    fungos e plantas, como tambm nas membranas plasmticas de vrios tipos

    celulares animais, tais como osteoclastos e macrfagos (Harvey, 1992; Forgac,

    2000).

    As classes F- e V-ATPases so constitudas por unidades estruturais

    complexas; morfologicamente, tais enzimas tm trs componentes: i. um setor

    ancorado a membrana, (F0/V0) (Figura 2), que consiste em um canal inico; ii.

    uma parte conectora central; e, iii. uma parte globulosa, (F1/V1) (Figura 2)

    que contm os stios catalticos (Muller et al., 2001).

    FIGURA 2. Representao esquemtica das ATPases tipo F e V. Em A, uma ATPase tipo F (Reproduzido de Yoshida e Noji, 2000); Em B , uma ATPase tipo V (Reproduzido de Forgac, 2000).

    3.2 ATPases tipo P

    3.2.1 Consideraes Gerais e Classificao

    B A

    29

  • ATPases tipo P compreendem uma classe de protenas integrais de

    membranas que esto envolvidas no transporte ativo de solutos carregados

    atravs das membranas biolgicas (Moller et al., 1996). So encontradas em

    todas formas de vida, desde arqueabactrias aos animais, com poucas

    excees como a bactria Borrelia burgdorferi (Serrano, 1989; Lutsenko e

    Kaplan, 1995; Palmgren e Axelsen, 1998; Scarborough, 1999).

    As ATPases tipo P so responsveis por vrios processos celulares. Em

    animais, por exemplo, esto envolvidas na manuteno de potenciais de ao

    nos tecidos nervosos, secreo e reabsoro de solutos nos rins, acidificao

    do estmago, absoro de nutrientes nos intestinos, contrao/relaxamento

    muscular, transduo de sinal (clcio dependente), crescimento e diferenciao

    celular, entre outros (Axelsen e Palmgren, 1997; Scarborough, 1999).

    Uma das caractersticas marcantes dessas ATPases a presena de

    algumas regies altamente conservadas (seqncias padro/motivos)

    facilmente identificadas nas estruturas primrias e que persistiram, de forma

    ligeiramente varivel, ao longo da evoluo (Moller et al., 1996). O mais

    eminente desses motivos DKTG(I,L)T (Figura 3), seqncia caracterstica do

    stio de fosforilao; e uma longa seqncia hinge XMX GDGXNDXPX (Figura

    3), que conectaria o domnio de ligao de ATP ao segmento transmembrana

    envolvido na ligao do on e sua translocao (Moller et al., 1996). Na Figura

    3 podem ser vistos tambm outras seqncias menores, de 3-5 resduos de

    aminocidos de comprimento, altamente conservadas, como o motivo PEGL,

    que considerado de crucial importncia na transduo de energia; o padro

    KGAXE, caracterstico encontrado na ala citoplasmtica maior de ATPases

    30

  • em eucariontes, que contm o resduo de lisina responsvel pela ligao com o

    fluorforo isotiocianato de fluorescena (FITC); e, o motivo TGES/A, localizado

    no loop flexvel (ala citoplasmtica menor) (Lutsenko e Kaplan, 1995; Moller

    et al., 1996; Lee e East, 2001).

    FIGURA 3. Representao esquemtica das ATPases tipo P, identificando os vrios padres caractersticos (setas), baseada no modelo estrutural de Toyoshima et al., 2000. Observam-se trs domnios citoplasmticos denominados de A (atuador), com o motivo TGES (TGES/A) localizado na ala citoplasmtica menor; P (fosforilao), com os motivos DKTGTLT (DKTG(I,L)T), MITGD, PSHK, e AMTGDGVNDAPALKKAEIGIA (XM X GDGXNDXPX); e, N (ligao de nucleotdeo), com os motivos KGAPE (KGAXE) e DPPR todos localizados na ala citoplasmtica maior; o motivo PEGL, no segmento transmembrana 4; bem como os 10 segmentos transmembranares, e as pores amino e carboxi-terminais. Os domnios A, P e N sero melhor discutidos posteriormente no corpo do texto. (Extrado de Lee e East, 2001).

    Alm da estrutura, outras duas caractersticas importantes distinguem as

    P-ATPases das ATPases tipo F e V. Estas caractersticas foram identificadas

    por estudos cinticos anteriores ao conhecimento das estruturas primrias e

    31

  • tridimensionais, e so: i) a inibio por vanadato; e, ii) a formao de um

    intermedirio fosforilado (um aspartil-fosfato) durante o ciclo cataltico (apud

    Pedersen e Carafoli, 1987; Stokes e Wagenknecht, 2000).

    Vrios grupos de pesquisadores especularam a relao entre as vrias

    P-ATPases, quanto a organizao estrutural, diversidade, on transportado e

    sua relao evolutiva (Serrano, 1988; Fagan e Saier, 1994; Lutsenko e Kaplan,

    1995; Moller et al., 1996). Contudo, o nmero de protenas includo nestas

    anlises foi relativamente baixo, o que dificultou a elaborao de um sistema

    de classificao confivel. Aps 1994, pelo menos uma nova classe de P-

    ATPases, a classe IV, foi descoberta (Tang et al., 1996), e com isso a

    classificao ficou incompleta. Isto sem mencionar o sequenciamento completo

    de vrios genomas (Fleischmann et al., 1995; Fraser et al., 1995; Bult et al.,

    1996; Goffeau et al., 1997), e a substancial quantidade de informaes de

    seqncias de vrios outros organismos, o que favoreceu finalmente a

    proposio de uma classificao mais confivel.

    Tradicionalmente, as P-ATPases eram divididas em famlias de acordo

    com alguns critrios, tais como especificidade por ons, origem bacteriana ou

    eucaritica (Carafoli et al., 1991), ou pelo nmero de segmentos

    transmembranares e on transportado (Lutsenko e Kaplan, 1995). Atualmente,

    as ATPases tipo P esto classificadas em pelo menos 5 famlias, baseadas em

    suas seqncias, substratos especficos, e presena de vrios domnios

    regulatrios, cada uma podendo ser subdividida em duas ou mais subfamlias

    (Axelsen e Palmgrem, 1998; Palmgren e Axelsen, 1998).

    As ATPases tipo IA compreendem um complexo de quatro protenas de

    membranas: KdpF, KdpA, KdpB, KdpC, a Kdp-ATPase. O complexo tem uma

    32

  • quantidade equimolar das trs subunidades maiores: KdpA, KdpB e KdpC, e

    parece trabalhar como um oligmero. Ento, sua estequiometria mnima

    A2B2C2, mas pouco se conhece sobre o arranjo das subunidades no complexo

    KdpFABC. A KdpB homloga subunidade cataltica de outras ATPases tipo

    P, contendo as estruturas (seqncias) fundamentais comuns desta classe de

    ATPases, como o stio de ligao de ATP e a seqncia altamente conservada

    DKTGT (Gabel et al., 1998).

    As ATPases tipo IB transportam metais como zinco, prata, cobre, cobalto

    e chumbo. Funcionam na manuteno de homeostase desses metais

    essenciais; conferem resistncia para concentraes txicas de chumbo,

    cdmio, cobre, zinco e prata. Em humanos, esto relacionadas s doenas de

    Menke e de Wilson, que so causadas por mutaes em duas Cu+-ATPases,

    ATP7A e ATP7B, respectivamente (Vulpe et al., 1993; Tanzi et al., 1993; Bull et

    al., 1994). Uma caracterstica eminente dessas ATPases a presena de 1-6

    repeties de um motivo conservado, ligador de metal, GTMCXXCXXC ou

    M/HXXMDHS/GXM, na poro amino terminal da cadeia polipeptdica (Silver et

    al., 1993; Bull e Cox, 1994; Solioz e Vulpe, 1996; Gatti et al., 2000).

    No grupo II, esto agrupadas as enzimas ATPases tipo P melhor

    caracterizadas com respeito a cintica de reao, modificao qumica e

    mutagnese stio-dirigida (Vasilets, e Schwarz, 1993; Moller et al., 1996;

    MacLecnnan et al., 1997): as Ca2+-ATPases de retculo sarco(endo)plasmtico

    (SERCA) e de membrana plasmtica (PMCA) tipos IIA e IIB, respectivamente;

    Na+, K+-ATPase, a bomba sdio-potssio, e a H+, K+-ATPase de membrana

    plasmtica da mucosa gstrica tipo IIC.

    33

  • No grupo III encontra-se as H+-ATPases de membrana plasmtica de

    fungos e plantas, que desempenham papel crucial na fisiologia desses

    organismos (Bowman e Bowman, 1986; Gaber, 1992; Portillo, 2000; Persomme

    e Boutry, 2000).

    Os dois outros grupos IV e V foram recentemente identificados,

    como resultado dos projetos de sequenciamento de genomas e expressed

    sequence tags EST (Tang et al., 1996; Goffeau et al., 1997; Halleck et al.,

    1998). As P-ATPases tipo V parecem ser abundantes em clulas eucariticas,

    mas a sua funo ainda desconhecida (Axelsen e Palmgren, 1998).

    Anlises filogenticas demonstraram que uma simples ATPase em um

    organismo , freqentemente, mais homloga a uma ATPase da mesma classe

    de outro organismo distante evolutivamente que a outra ATPase no mesmo

    organismo. Ento, parece que, pelo menos, a especificidade de ons evoluiu

    muito cedo, e antes da diviso de Eubacteria, Archaea e Eucarya (Palmgren e

    Axelsen, 1998). P-ATPases tipo IA so encontradas somente em bactrias e,

    com base em sua estrutura primitiva, podem estar relacionadas a origem

    ancestral das protenas ATPases tipo P. P-ATPases tipo IB e IIA so

    encontradas em todos os domnios, apareceram cedo durante a evoluo. P-

    ATPases tipo III so encontradas em arqueas, plantas e fungos, mas no em

    bactrias, e provavelmente evoluram depois. P-ATPases tipos IV, IIB, e IID so

    encontrados somente em eucariontes e provavelmente evoluram depois da

    diviso entre Archaea e Eucarya (Palmgren e Axelsen, 1998).

    3.2.2 Aspectos Cinticos e Estruturais

    34

  • As Na+, K+-ATPase, H+, K+-ATPase e Ca2+ATPase de retculo

    sarco(endo)plasmtico (SERCA) foram intensamente estudadas do ponto de

    vista cintico e mecanstico (veja como revises: Moller et al., 1996;

    MacLennan et al., 1997). A descrio do mecanismo de transporte das P-

    ATPases baseado na hiptese proposta, no final da dcada de 60, por Albers

    (1967) e Post e colaboradores (1969) para a Na+, K+-ATPase (apud Vasilets, e

    Schwarz, 1993), e por Makinose (1973) para a Ca2+-ATPase (apud Minitz e

    Guillain, 1997), no qual a enzima pode adotar duas conformaes durante o

    ciclo de transporte, denominadas de E1 e E2. O modelo proposto por de Meis

    e Vianna (1979) representado de forma simplificada na Figura 4.

    FIGURA 4 Esquema simplificado do ciclo cataltico da SERCA. Ilustra os principais intermedirios e a seqncia de ligao de ons e principais substratos. Baseado no modelo

    proposto por de Meis e Vianna (1979).

    De acordo com a Figura 4, assumindo como exemplo a Ca2+-ATPase de

    retculo sarco(endo)plasmtico (SERCA), o estado E1 tem dois stios de alta

    afinidade para Ca2+ do lado citoslico. Ento, E1 capaz de ligar Ca2+ do

    citosol em baixas concentraes e, depois dos dois stios serem ocupados por

    35

  • Ca2+ em presena de Mg2+, Ca2+E fosforilada por ATP originando Ca2+E~P

    (uma fosfoenzima) (Shigekawa et al., 1978; Dupont, 1980; Kubo et al., 1990;

    Lewis e Thomas, 1992; Lacapere e Guillain, 1993). Esta sofre uma mudana

    conformacional (E2Ca2+~P) que exibem stios de baixa afinidade para Ca2+ no

    sentido do lmen, liberando Ca2+ (Froehlich e Heller, 1985; Hanel e Jecks,

    1991; Orlowski e Champeil, 1991) e passando a E2~P. Finalmente, esta

    fosfoenzima hidrolisada liberando o fosfato inorgnico (Pi), gerando E2,

    sendo capaz de reiniciar novamente o ciclo, no estado E1 (Kanazawa e Boyer,

    1973; Froehlich e Taylor, 1975; 1976).

    O ciclo totalmente reversvel, o que pode ser demonstrado de duas

    formas diferentes: i) em presena de clcio, vesculas de retculo

    sarco(endo)plasmtico (SR) previamente carregadas com clcio, podem

    sintetizar ATP a partir de ADP e Pi, com efluxo de dois Ca2+ por ATP

    sintetizado; ii) em ausncia de clcio, vesculas SR mal vedadas com

    ionforos, por exemplo podem sintetizar ATP pela reverso direta da

    ATPase, etapa por etapa, iniciando-se pela fosforilao espontnea da protena

    por Pi em presena de magnsio e ausncia de clcio (Masuda e de Meis,

    1973) com a formao de E~P. Numa nova etapa, com concentraes

    milimolares de Ca2+ e ADP adicionados juntos, o Ca2+ liga-se nos stios

    internos induzindo a formao de espcies Ca2+E~P, que consequentemente

    ligam ADP, e transferem o fosfato ao ADP, para sintetizar uma molcula de

    ATP.

    Modelos similares foram propostos para outras ATPases tipo P, que

    formam um intermedirio fosforilado (fosfoenzima) e sofrem mudanas

    36

  • conformacionais durante o ciclo cataltico (transporte do substrato e hidrlise de

    ATP).

    A natureza molecular das ATPases varivel. Podem compreender

    formas complexas com hetero-subunidades, como: i) no complexo da Kdp de

    bactrias (Figura 5A; Gabel et al., 1998); ii) na Na+, K+-ATPase (Figura 5B), e a

    H+, K+-ATPase constitudas das subunidades (cataltica) e (glicosilada),

    ou, iii) somente com uma subunidade, como nas Ca2+-ATPases de retculo

    sarco(endo)plasmtico (SERCA) (Figura 5C), de membrana plasmtica

    (PMCA), e nas H+-ATPases de membrana plasmtica de fungos e plantas.

    Podem tambm ser observadas subunidades adicionais (com propriedades

    regulatrias), como a subunidade na Na+, K+-ATPase nos rins (Blanco e

    Mercer, 1998; Jorgersen et al., 1998), o phospholemman (Chen et al., 1998),

    e o phospholamban (Simmerman e Jones, 1998).

    37

  • FIGURA 5. Representao das ATPases tipo P, natureza molecular diversificada. Em A, o complexo Kdp, uma ATPase transportadora de potssio, com as subunidades: A, canal de

    ons; B, subunidade cataltica para hidrlise de ATP; C e F, responsveis pela estabilizao do

    complexo (Modificada de Gabel et al., 1998). Em B, bomba de sdio-potssio (Na+, K+-

    ATPase), com as subunidades catalticas e glicosilada , evidenciadas. Em C, Ca2+-ATPase

    de retculo sarco(endo)plasmtico (SERCA), constituda de uma cadeia polipeptdica [B e C -

    Modificadas de Bioqumica (Lubert Stryer, 4 edio 1998, Editora Guanabara Koogan S.A.,

    Rio de Janeiro; pginas 291 e 295, respectivamente)].

    Contudo, evidncias experimentais sugeriram que grandes mudanas

    conformacionais ocorriam desde a formao da fosfoenzima translocao

    do(s) on(s) pela membrana, e seriam igualmente compartilhados pelos

    membros dessa famlia. Tais evidncias incluem clivagem proteoltica

    (Jorgensen, 1975), medidas espectroscpicas (Karlish e Yates, 1978; Karlish,

    1980; Pick e Karlish, 1980; Yamamoto et al., 1989) e cross-linking (McIntosh,

    1992) (ver como reviso Bigelow e Inesi, 1992; Martonosi, 1995). Mas, muito

    pouco se sabia sobre os mecanismos moleculares durante o transporte inico e

    a interconverso de energia (Andersen e Vilsen, 1995; Moller et al., 1996;

    MacLennan et al., 1997), principalmente devido falta de informao estrutural

    de alta resoluo destas bombas (Jahn et al., 2001).

    A B C

    38

  • Os estudos estruturais, por muito tempo, foram limitados a anlises de

    eletromicroscopia. Cristais bidimensionais da Ca2+-ATPase foram descritos na

    dcada de 80, em duas formas diferentes. Em ausncia de clcio, em meio

    contendo Mg2+ e decavanadato, ocorreu a cristalizao de dmeros da Ca2+-

    ATPase. Em presena de clcio, os cristais apresentam monmeros (Dux e

    Martinosi, 1983; Dux et al., 1987; Stokes e Green, 1990; Martonosi, 1995).

    Estes trabalhos conduziram aos primeiros mapas de isodensidade, mas como

    foram conduzidos depois de revelao negativa, a parte principal ou o domnio

    de membrana no foram revelados (Mintz e Guillain, 1997). Posteriormente,

    novos experimentos de crio-eletromicroscopia permitiram: i) avaliar mais

    precisamente as dimenses e distribuio de massa da Ca2+-ATPase, 120

    (altura total), 70% da massa em domnio de citoplasma, 25% na membrana e

    5% no lmen (Toyoshima et al., 1993); ii) determinar os domnios

    transmembranares; e iii) revelar rearranjos dos domnios citoplasmticos pelas

    pequenas mudanas entre as 10 -hlices transmembranares, comparando as

    estruturas das Ca2+-ATPase (Zhang et al., 1998) e H+-ATPase de Neurospora

    crassa (Auer et al., 1998), em diferentes estados conformacionais (Stokes et

    al., 1999). Restava ainda, portanto, compreender a intimidade da comunicao

    entre os domnios citoplasmticos e os segmentos de membrana.

    Assim sendo, vrios grupos realizaram estudos de caracterizao dos

    domnios citoplasmticos de vrias ATPases (Capieaux et al., 1994; Moutin et

    al., 1994, 1998; Falson et al., 1997; Gatto et al., 1998; Champeil et al., 1998;

    Tran e Farley, 1999; McIntosh et al., 1999; Carvalho-Alves et al., 2000), bem

    como inferiram a estrutura terciria do domnio cataltico (Smirnova et al.,

    1998), identificavam do stio de ligao de Mg2+ (Rider e Dijkstra, 1999) e

    39

  • modelaram o enovelamento da dehalogenase (Stokes e Green, 2000), baseado

    na homologia da superfamlia halocido dehalogenases (HADs) (Aravind et al.,

    1998).

    Em 2000, Toyoshima e colaboradores reportaram a estrutura 3D da

    Ca2+-ATPase ligado a clcio com alta resoluo (2,6 ) (Figura 6; Toyoshima et

    al., 2000). Neste trabalho, eles confirmaram o arranjo das 10 hlices

    transmembranas e a similaridade do domnio cataltico da halocido

    dehalogenase (Aravind et al., 1998) no domnio P, e dividiram a poro

    citoplasmtica em trs domnios funcionais: domnio A (atuador/ativao),

    formado pela poro amino-terminal e ala citoplasmtica menor, localizada

    entre as hlices M2-M3, responsvel pelas principais mudanas

    conformacionais; domnio N (ligao de nucleotdeo), cuja estrutura

    caracterstica Rossman fold (Lee e East, 2001) responsvel pela ligao de

    ATP; e o domnio P (fosforilao) por 7 (sete) fitas -paralelas que formam uma

    nica folha e oito pequenas hlices. Alm disso, confirmaram os stios de

    ligao dos ons Ca2+, entre as hlices M4-M6 e M8 (Clarke et al, 1989).

    40

  • FIGURA 6 Estrutura da Ca2+-ATPase de retculo sarco(endo)plasmtio (SERCA). Colorao muda gradualmente da regio amino terminal (azul) ao carboxi terminal (vermelho). Viso frontal, identificao dos 10 segmentos transmembranas (numerados de 1-10); os domnios funcionais: A (em azul); P (em amarelo); e, N (em verde); os ons clcio (em roxo). Em destaque os resduos D351, que fosoforilado no domnio P; K492, que liga o nucleotdeo (na figura um anlogo de ATP, TNP-AMP) (Extrado de Toyoshima et al., 2000).

    Os trs domnios funcionais (domnios A, N e P) que esto separados na

    estrutura da Ca2+-ATPase (Figura 6; Toyoshima et al., 2000), teriam que sofrer

    grandes mudanas conformacionais, em ausncia de Ca2+, conforme proposto

    por Green e MacLennan (2000) em concordncia com a estrutura tubular

    com decavanadato e ausncia de Ca2+. De fato, mudanas conformacionais

    ocorrem e foram elucidadas por estudos estruturais de eletromicroscopia (Xu et

    al., 2002), ou por cristalografia (Figura 7; Toyoshima e Nomura, 2002) e,

    41

  • interessantemente, podem ser monitoradas ao longo do ciclo cataltico (Danko

    et al., 2001).

    FIGURA 7. Diferenas estruturais na Ca2+-ATPase de retculo sarco(endo)plasmtico (SERCA). Colorao muda gradualmente da regio amino-terminal (azul) ao carboxi-terminal (vermelho). Na direita (E1Ca2+), SERCA no estado conformacional E1, com ons clcio

    ligados (esferas roxas, circuladas). Na esquerda (E2(TG)), SERCA no estado conformacional

    E2, com tapsigargina (TG), crculos pontilhados vermelhos indicam pontes de hidrognio extras

    na E2TG. Setas largas em E1Ca2+ indicam a direo dos movimentos dos domnios

    citoplasmticos durante o ciclo E1Ca2+ a E2(TG). Em destaque, um esquema simplificado do

    ciclo cataltico (Extrado de Toyoshima e Nomura, 2002).

    42

  • 3.2.3 P-ATPases: monmeros ou oligmeros?

    A manuteno das concentraes inicas dentro da normalidade nos

    diversos compartimentos dos seres vivos fundamental para a realizao das

    diferentes caractersticas de cada clula (Moller et al., 1996). Desta forma, as

    ATPases do tipo P (P-ATPases) desempenham importantes papis na fisiologia

    celular, como o transporte de ons e estabelecimento de gradientes

    eletroqumicos atravs das membranas biolgicas, e por isso, tm sido alvo de

    vrios estudos fsico-qumicos.

    Desde sua descoberta h aproximadamente 50 anos (Skou, 1957),

    vrios progressos tm sido feitos nas anlises estrutural e funcional dessas

    ATPases, promovendo com isso um modelo cintico geral para o transporte

    inico e seu relacionamento estrutural, dada pela seqncia de aminocidos,

    predio da estrutura secundria, mutagneses, eletromicroscopia, difrao de

    raios-X e/ou dados de espectroscopia (Bigelow e Inesi, 1992; Vasilets, e

    Schwarz, 1993; Martonosi, 1995; MacLennan et al., 1997).

    Muito embora a elucidao da estrutura tridimensional (3D) da Ca+2-

    ATPase de retculo sarco(endo)plasmtico SERCA (Toyoshima et al., 2000)

    seja til na interpretao de muitos dados cinticos e de mutagnese, alguns

    fatos permanecem sem resposta (Lee, 2002); dentre eles se destaca a questo

    da oligomerizao. Ainda controverso se as unidades funcionais das P-

    ATPases nas membranas existiriam como estruturas monomricas ou

    oligomricas.

    Apesar de ter sido demonstrado que unidades monomricas de

    ATPases sejam capazes de realizar o ciclo completo de hidrlise de ATP e

    transporte (Goormaghtigh et al., 1986; Andersen, 1989) h inmeras evidncias

    de estados oligomricos em vrias P-ATPases. Estas evidncias incluem

    diferentes abordagens experimentais, como: a ativao da atividade ATPsica

    pelo excesso de ATP (Moller et al., 1980), dados estruturais de

    eletromicroscopia ou difrao de raios-X (Dux e Martonosi, 1983; Jahn et al.,

    2001), medidas espectroscpicas (Coelho-Sampaio et al., 1991; Levi et al.,

    2000; 2002), inativao por radiao (Cavieries, 1984; Briskin e Reinolds-

    43

  • Niesman, 1989), imunoqumica (Blanco et al., 1994; Koster et al., 1995;

    Maguiere e Ohlendieck, 1996), tanto para ATPases na membrana nativa

    quanto para protenas reconstitudas em lipossomos.

    Estudos cinticos tambm sugerem que estados oligomricos sejam

    importantes no mecanismo de transporte (Froehlich & Taylor, 1976; Wang,

    1986; Mahaney et al., 1995) e que mudanas dinmicas nas interaes

    protena-protena so cruciais durante o ciclo cataltico (Karon & Thomas, 1993;

    Merino et al., 1999). Isso sem mencionar o papel que o estado oligomrico tem

    na cooperatividade cintica e na estabilizao enzimtica (Blanco et al., 1994;

    Maguire & Ohlendieck, 1996; Levi et al., 2002).

    Porm, em muitos casos a existncia destes complexos oligomricos

    poderia ser devido ao modo de preparao das membranas, e no refletir

    interaes especficas entre subunidades catalticas. Alm disso, a anlise da

    contribuio de domnios hidroflicos ou hidrofbicos na auto-associao no

    havia sido investigada, provavelmente, por causa da dificuldade de gerar

    protenas recombinantes com alto grau de pureza e em quantidade suficiente

    para estudos fsico-qumicos (Carvalho-Alves et al., 2000).

    Em 1994, foi demonstrada a primeira evidncia de haver uma interao

    especfica entre subunidades de Na+,K+-ATPase (Blanco et al., 1994). Em

    seguida, foi demonstrado que uma regio de 150 resduos de aminocidos,

    localizada dentro da ala citoplasmtica maior, seria responsvel por este

    processo de associao das subunidades (Koster et al., 1995).

    Posteriormente, em 2000, foi observado que a ala (ou domnio)

    citoplasmtica(o) maior da Ca+2-ATPase de retculo sarco(endo)plasmtico

    (LCD/SERCA), quando expressa heterologamente, formava uma estrutura

    dimrica, baseado na medida do raio de Stokes e no raio de giro (Carvalho-

    Alves et al., 2000). Mais interessante ainda foi a verificao de que o

    tratamento da LCD/SERCA com a proteinase K gerava um fragmento de 30

    kDa (p30) resistente digesto, similar ao da protena nativa (Champeil et al.,

    1998), e que este fragmento (p30) comportava-se como um monmero

    (Carvalho-Alves et al., 2000). Esta observao nos levou a propor que a

    extensa regio conservada, chamada de hinge domain (Clarke et al., 1989)

    44

  • contida no carboxi-terminal liberada pelo tratamento com proteinase K,

    contribuiria para a dimerizao da enzima (Carvalho-Alves et al., 2000).

    Mais recentemente, tambm foi demonstrado que a LCD/Na+,K+-ATPase

    tende a se auto-associar e, interessantemente, interage com a enzima nativa,

    com dependncia do substrato Mg+-ATP (Costa et al., 2003).

    O atual projeto visa esclarecer o papel da ala citoplasmtica maior

    (LCD) de P-ATPases, em particular o stio de fosforilao (P domain), na

    interao entre cadeias para a formao de dmeros, e se esse seria um

    mecanismo geral, e assim propor um modelo estrutural para este dmero.

    4. Gluconacetobacter diazotrophicus e o

    seqenciamento de seu genoma O Brasil vem se destacando com uma crescente participao mundial de

    genomas, desde a publicao do genoma da Xylella fastidiosa (Simpson et al.,

    2000), uma vez que o seqenciamento de genomas completos fornece

    informaes detalhadas sobre uma espcie que no podem facilmente ser

    gerada por meios alternativos. Estas informaes incluem genes nicos,

    protenas hipotticas conservadas, composio de GC, o ndice de variaes

    totais e elementos repetitivos e/ou de insero, alm de permitir uma

    reconstruo detalhada do perfil fisiolgico e metablico dos organismos, e

    uma anlise funcional subseqente dos genes, dos quais nenhuma informao

    precedente estava disponvel.

    Segundo Santos (2005) cerca de 50% dos projetos de seqenciamento

    de genomas bacterianos tem algum interesse biotecnolgico e, devido ao fato

    de grande parte da nossa economia ser baseada na atividade agropecuria,

    quase a totalidade dos diferentes projetos de seqenciamentos de genomas

    desenvolvidos em territrio nacional so voltados para esse setor da economia

    (Carraro & Kitajima, 2002). Ento, seguindo essa tendncia nacional, em 2000,

    a Fundao Carlos Chagas Filho de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de

    45

  • Janeiro (FAPERJ) lanou o projeto de seqenciamento do genoma completo

    da bactria Gluconacetobacter diazotrophicus (http://www.lncc.br/~riogene).

    A G. diazotrophicus (syn., Acetobacter diazotrophicus), que um bacilo

    Gram negativo, reto e com extremidades arredondadas, que possui flagelos

    laterais ou peritrquios, de metabolismo microaerbico, pertencente ao

    subgrupo das -proteobactrias, apresenta a capacidade de fixar nitrognio

    atmosfrico e produzir cido actico a partir de etanol, alm da capacidade de

    reduo de acetileno (Cavalcante e Dbereiner, 1988). Este microrganismo

    encontrado no espao intercelular (Figura 8), realizando associao endoftica4

    em todas as estruturas da cana de acar, e com os mais variados gentipos

    deste vegetal, especialmente em reas agrcolas onde a adio de fertilizantes

    nitrogenados nos cultivares baixa (Gillis et al., 1989; Reis, Olivares e

    Dbereiner, 1994; Fuentes-Ramrez et al., 1999; Steenhouldt e Vanderleyden,

    2000; Fischer e Newton, 2005). Desta forma, contribui com uma parcela do

    nitrognio necessrio para o desenvolvimento da planta hospedeira, alm de

    produzir diversas auxinas (como o cido 3-indol actico, IAA) e citocinas que

    podem exercer efeitos diretos sobre a fisiologia da planta, influindo no

    crescimento vegetal.

    De fato, tem sido largamente documentado que G. diazotrophicus pode

    aumentar a taxa de crescimento da cana de acar, e este benefcio tem sido

    associado, em parte, com a transferncia do nitrognio bacteriologicamente

    fixado ao vegetal, e ainda com a produo de fatores estimulantes do

    crescimento vegetal, destacando-se a produo dos fitormnios auxina e

    giberilina, que tm sido amplamente detectados em culturas deste endfito

    (Lee et al., 2000; Muthukumarasamy et al., 2002; Munz-Rojas e Caballero-

    Mellado, 2003; Lee et al., 2004; Muthukumarasamy et al., 2006).

    Desse modo, essa bactria torna-se um modelo de estudo de

    organismos fixadores de nitrognio, tanto pela compreenso da fixao

    biolgica de nitrognio (FBN) propriamente dita quanto pelo seu potencial

    biotecnolgico como, por exemplo, pela possibilidade de substituio de

    fertilizantes nitrogenados em diferentes culturas de importncia econmica,

    4 Endofticos - so aqueles microrganismos que habitam o interior das plantas, sendo encontrados em rgos e tecidos vegetais como as folhas, ramos e razes.

    46

    http://www.lncc.br/~riogene

  • principalmente na cana-de-acar. Nos ltimos anos, a cultura da cana vem

    sendo considerada estratgica no desenvolvimento brasileiro, graas ao Pr-

    lcool (Programa Nacional do lcool), que uma importante iniciativa ao uso

    alternativo a combustveis fsseis, e o Brasil o nico pas a implementar um

    programa de larga escala do uso de um combustvel alternativo ao petrleo

    (Zanin et al., 2000).

    Outro exemplo de importncia biotecnolgica est relacionado a

    processos de controle biolgico, devido a uma atividade antagonista contra

    Xanthomonas albilineans, como resultado da produo de uma bacteriocina

    similar lisozima, a qual capaz de inibir o crescimento deste fitopatgeno

    responsvel pela doena da folha escaldada na cana de acar, possivelmente

    atravs da destruio da parede celular da cepa patognica (Pion et al., 2002;

    Blanco et al., 2005).

    Outro aspecto que deve ser destacado tambm que, diferentemente

    da interao rizbio/leguminosa, na associao G. diazotrophicus-planta no

    h formao de ndulos ou qualquer outra estrutura formada ou induzida pela

    bactria, o que sugere uma interao muito bem sucedida no interior da planta

    (Figura 8) promovendo o crescimento vegetal sem causar nenhum sintoma de

    doena, cujo mecanismo molecular precisa ser melhor entendido (Baldani &

    Baldani, 2005).

    Figura 8. Microscopia de varredura de Gluconacetobacter diazotrophicus.

    47

  • Estudos de expresso gnica de cana de acar durante a

    associao com G. diazotrophicus, utilizando diferentes abordagens tais

    como cDNA-AFLP fingerprinting, perfis transcricionais gerados pelo

    SUCEST (Sugarcane EST Sequencing Project) e microarranjos, sugerem

    uma participao efetiva da cana de acar, pela decodificao de sinais

    bacterianos e por respond-los adequadamente, com a mudana nos perfis

    de expresso gnica, favorecendo o seu sucesso na associao com o

    vegetal (Nogueira et al., 2001; Vargas et al., 2003).

    Recentemente foi evidenciada, atravs de preparaes de glicoprotenas

    purificadas de cana de acar e marcadas com isotiocianato de fluorescena

    (FITC), uma interao especfica dessas glicoprotenas com receptores

    presentes na parede celular bacteriana (Blanco et al., 2005), que por sua vez

    sugerem a primeira etapa da discriminao biolgica de um endfito simbionte

    compatvel pelo vegetal no processo de colonizao, e a participao de

    estruturas e mecanismos moleculares da superfcie dessa bactria nesse

    fenmeno.

    4.1 Anotao do Genoma de G. diazotrophicus: Sistema de Transporte

    Em projetos de genomas de procariotos, normalmente realiza-se a

    quebra do DNA inteiro do organismo desejado em fragmentos pequenos

    (atravs da tcnica de shotgun) que so clonados em vetores plasmidiais que

    sero seqenciados em suas extremidades.

    Aps uma primeira etapa de montagem desse genoma, fragmentos

    maiores so clonados em cosmdeos e seqenciados. Essa segunda etapa

    importante para a montagem do genoma completo do organismo, j que a

    primeira normalmente produz uma seqncia incompleta, apresentando alguns

    buracos de seqncia (gaps).

    Uma vez obtidos os dados do seqenciamento das molculas de DNA

    preciso saber o que representa cada uma das seqncias nucleotdicas

    produzidas. A anotao consiste simplesmente no processo de identificao

    48

  • dessas seqncias.

    A partir da anotao de seqncias nucleotdicas procura-se,

    primeiramente, identificar a natureza de uma determinada seqncia. Ento,

    pretendemos descobrir se tal seqncia est inserida em uma regio gnica,

    se representa uma molcula de RNA transportador ou RNA ribossmico, se

    pertence a algum tipo de regio repetitiva j descrita, ou se apresenta algum

    marcador gentico conhecido em seu interior.

    O principal objetivo dessa etapa construir um mapa do genoma do

    organismo, posicionando cada um dos possveis genes e caracterizando as

    regies no-gnicas. Nesta fase, alguns programas de predio gnica so

    usados para a localizao de possveis genes nas seqncias de DNA. A

    procura por elementos como o cdon de iniciao de protenas (a trinca de

    nucleotdeos ATG, por exemplo) e cdons de terminao na mesma fase de

    leitura so utilizados por alguns desses programas, como o Glimmer. O

    tamanho delimitado por esta janela de leitura freqentemente utilizado para

    definir uma determinada regio como sendo gnica ou no.

    Mapeados os genes, a etapa seguinte consiste em identificar quais

    protenas so codificadas, e nisso consiste o processo de anotao das

    seqncias proticas. Nessa etapa, procura-se montar um catlogo dos genes

    presentes no organismo estudado, dando-lhes nomes e associando-os a

    provveis funes. No caso do trabalho descrito nesta tese, buscamos por

    protenas de membranas associadas aos sistemas de transporte.

    A anlise das seqncias biolgicas de um projeto de seqenciamento

    genmico, atravs da utilizao das mais variadas ferramentas de

    bioinformtica e a comparao com os mais variados bancos de dados,

    compreende uma etapa final conhecida como anotao, que consiste na

    converso dos dados de uma seqncia biolgica, em informaes

    biologicamente relevantes. A anotao consiste em uma meta-informao, ou

    seja, uma descrio de caractersticas em mais alto nvel da seqncia

    biolgica (Lemos, 2004).

    Dentre as principais ferramentas de bioinformtica, utilizadas para

    execuo do processo de anotao, destacam-se: o BLAST (Basic Local

    Alignment Sequence Tool), que consiste numa ferramenta utilizada para

    49

  • verificao de homologia de uma determinada seqncia, com seqncias

    estudadas previamente por outros pesquisadores (Altschul, 1990; Altschul,

    1998; WU-BLAST, 2006); o RBSFinder, que localiza stios de ligao

    ribossomal (TIGR, 2006); programas de predio de genes como o GLIMMER

    (Delcher et al., 1999) e o ORFFinder (NCBI, 2006a); algoritmos para predio

    de estruturas de protenas como o Modeller (Sali, 2006) e o Threader (Jones,

    2006); pacotes de anlise filogentica como o PHYLIP (PHYLogeny Inference

    Package) (Felsenstein, 2006); e programas projetados para comparao de

    vrios genomas como o Alfresco (Sanger, 2006).

    Com relao aos bancos de dados, podemos destacar os que

    armazenam seqncias de nucleotdeos, tais como o Genbank-NT (NCBI,

    2006b), GSDB (Harger et al., 1998), GDB (Letovsky et al., 1998) e o EMBL

    (Cochrane et al., 2006); os que armazenam seqncias de aminocidos como

    o SWISS-PROT (Boeckmann, 2003), PIR (Wu et al., 2002) e o Genbank-NR

    (NCBI, 2006b); bancos de dados de estruturas tercirias de protenas como o

    PDB - Protein Data Bank (Westbrook et al. 2002); padres de seqncias

    proteicas conservadas associadas com funes especficas num organismo,

    tais como o PROSITE (Falquet et al., 2002); e bibliotecas que oferecem

    padres de seqncias de estruturas de domnios proticos mais longos, como

    o PFAM (Bateman et al., 2004).

    O processo de anotao apresenta 4 etapas distintas, onde a primeira

    consiste na anotao em nvel de nucleotdeos, cujo principal objetivo a

    localizao fsica de ORFs (fases de leitura aberta) nas seqncias de DNA,

    assim como elementos repetitivos, promotores e stios de ligao ribossomais.

    A segunda etapa da anotao ocorre em nvel de protenas, cujos objetivos

    residem na determinao de identidades e provveis funes dos genes,

    visando identificar genes presentes (e eventualmente ausentes) num

    determinado genoma. A terceira etapa ocorre em nvel de processo, onde os

    grupos de pesquisa buscam realizar a identificao de diversas vias

    metablicas. A quarta etapa consiste na anlise das seqncias reguladoras

    presentes no genoma, visando implementar uma anotao funcional eficiente,

    e aprimorar a compreenso das diversas vias metablicas presentes no

    organismo, em especial aquelas que apresentam importncia econmica,

    50

  • cientfica, tecnolgica e acadmica (Koonin, Mushegian et al., 1996; Downs e

    Escalante-Semerena, 2000; Schwartz, 2000; Sistema Bionotes 2006b).

    Em linhas gerais, podemos afirmar que a anotao de um genoma

    consiste num processo interativo, que requer a utilizao de diversas

    ferramentas de bioinformtica, com finalidade de refinar os dados brutos

    gerados a partir de um projeto de seqenciamento genmico (Sistema

    Bionotes, 2006b), atravs da utilizao de ferramentas que possibilitem a

    localizao de regies codificantes numa seqncia de DNA (Delcher et al.,

    1999; NCBI, 2006a), a predio de funo e estrutura da protena codificada

    por um determinado gene (Jones, 2006; Sali, 2006), assim como a

    determinao de relaes filogenticas entre diferentes organismos

    (Felsenstein, 2006; Sanger, 2006). Desta forma, so elucidadas questes

    relacionadas com organizao genmica, aspectos bioqumicos, fisiolgicos e

    evolutivos do organismo em estudo, e de espcies relacionadas e/ou espcies

    que ocorrem em associao (Koonin, Mushegian et al., 1996; Moszer, 1998).

    Assim, os diferentes grupos que integram o RioGene ficaram

    responsveis pela anotao e identificao de genes de sua proficincia e

    interesse. Desse modo, devido a minha experincia com transportadores

    inicos, contribu no projeto de seqenciamento da G. diazotrophicus com a

    identificao de ORFs relacionadas com os sistemas de transporte em

    membranas.

    Todos os estudantes das Cincias Biolgicas ho de concordar em um

    ponto essencial: a Vida envolve tanto interconverses qumicas quanto fluxos

    atravs das membranas biolgicas, que referimos como metabolismo e

    transporte, respectivamente, e nenhuma descrio de vida completa sem

    uma compreenso inclusa de ambos fenmenos (Saier, 2000). Assim, os

    sistemas de transporte em membranas tm papis fundamentais no

    metabolismo e atividade celular, por catalisarem a translocao de solutos por

    distintos mecanismos moleculares, e funcionam na fisiologia celular em

    processos distintos, tais como a aquisio de nutrientes orgnicos, e a

    manuteno da homeostase inica, a extruso de compostos txicos, a

    sinalizao e comunicao celular e ambiental, por exemplo (Saier, 2000).

    51

  • Os vrios sistemas de transporte existentes diferem em relao a sua

    topologia na estrutura das membranas biolgicas, mecanismos de acoplamento

    energtico e transporte, e especificidade por substrato (Paulsen et al., 1998).

    Contudo, anlises filogenticas entre os diferentes grupos de transporte

    demonstram que uma classe , freqentemente, mais homloga a uma

    protena da mesma classe, em outro organismo distante evolutivamente, que a

    outra classe de transportador no mesmo organismo. Ento, parece que pelo

    menos a especificidade de acoplamento de energia e por substrato evoluiu

    muito cedo, e antes da diviso dos trs domnios da vida: Bacteria, Archaea e

    Eucarya (Palmgren & Axelsen, 1998).

    Assim cada transportador classificado pelo TCDB (Transporter

    Classification System; http://www.tcdb.org) em famlias e subfamlias, de

    acordo com sua funo, filogenia e/ou especifidade de substrato, sendo que

    mecanismos de acoplamento energtico e transporte servem como base

    preliminar para a classificao, por causa de suas caractersticas relativamente

    estveis (Saier, 1999).

    H, portanto, cinco classes principais de transportadores no sistema

    TCDB: canais, transportadores (ativos) primrios, transportadores secundrios,

    translocadores, e uma classe distinta, onde so includos transportadores cujo

    mecanismo energtico ou de funo so desconhecidos (Saier, 1999).

    Desse modo, o estudo das membranas biolgicas, bem como das

    protenas de membranas, que representam cerca de 30% de todos os genes,

    extremamente importante, uma vez que estas cumprem as funes vitais, como

    interface com o meio exterior, interface entre clulas, e como limites de

    compartimentos intracelulares (Werten et al., 2002). Alm disso, entre 2% a

    16% das ORFs, tanto de genomas procariticos quanto eucariticos, foram

    preditos a codificar protenas de transporte da membrana, fato esse que

    enfatiza a importncia dos transportadores no estilo de vida de todas as

    espcies (Ren & Paulsen, 2005).

    Apesar das protenas de transportes serem vitais compreenso da

    potencialidade metablica de organismos, poucos grupos tm se dedicado

    anlise sistemtica dos sistemas de transportes dos microorganismos, em

    especial daqueles em que os genomas completos foram publicados , e/ou

    52

    http://www.tcdb.org/

  • ainda uma anlise comparativa dos sistemas de transportes entre os mais

    diferentes microorganismos (Ren & Paulsen, 2005).

    Por esta razo, e tendo em vista uma anlise mais detalhada do genoma

    da G. diazotrophicus, a conduo de um inventrio de todas as protenas de

    transporte uma etapa chave para entender as estratgias desenvolvidas por

    este microorganismo para adaptar-se s circunstncias ambientais, e um

    interesse adicional para o estudo da identificao das protenas de transporte

    das diferentes classes que estejam envolvidas no processo de associao com

    o vegetal.

    53

  • OBJETIVOS

    54

  • II. OBJETIVOS Tendo em vista agregar os fatos acima destacados, o presente trabalho, que abrange em uma viso de interdisciplinaridade a experimentao

    bioqumica (em bancada) e a instrumentalizao da bioinformtica (in silico)

    aplicadas a questes biolgicas clssicas, ser apresentado em dois grupos

    separadamente, a saber:

    1) As interaes moleculares em protenas, em especial para a subfamlia

    das P-ATPases;

    2) A identificao de ORFs relacionadas com os sistemas de transporte em

    membranas, no projeto de seqenciamento da G. diazotrophicus;

    Objetivos especficos:

    a. Expresso heterolga da ala citoplasmtica maior (LCD) da

    H+-ATPase de membrana plasmtica de Saccharomyces

    cerevisiae;

    b. Caracterizao da participao do enovelamento nativo e, da

    participao de resduos pertencentes poro C-terminal do

    stio de fosforilao no fenmeno de auto-associao entre P-

    ATPases;

    c. Proposio de um modelo geral dimrico para P-ATPases;

    E, como um objetivo secundrio, devido a minha experincia com

    transportadores inicos:

    d. Identificao de ORFs relacionadas com o sistema de

    transportadores em membrana, durante o processo de

    anotao, no projeto genoma G. diazotrophicus.

    55

  • MATERIAIS E MTODOS

    56

  • III. MATERIAIS E MTODOS

    3.1 Cepas Utilizadas e Condies de Cultivo

    Dentre os vrios sistemas de expresso disponveis para produo de

    protenas heterlogas, a bactria gram-negativa Escherich