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Transcrição DIP 18-05-15 Equipe: Ana Karoline, Anne, Bruna, Gabriela Mota, Helton, Kamayra, Mary, Vannessa. Unidade 3 A Unidade 3 começa a fazer o estudo dos sujeitos do Direito Internacional e que vai seguir em DIP 2. O primeiro sujeito que estudamos, seguindo a ordem dos manuais, é o Estado. Nas unidades 3, 4 e 5 nós vamos estudar apenas o Estado como Direito Internacional. Na unidade 3 nós vamos tratar do problema do nascimento, do reconhecimento do Estado de governo, da questão de extinção e da extinção de Estados. É um tema que aparentemente é bastante teórico, mas após leitura do livro do Accioly e resolver o exercício, vocês vão perceber que o tema é bastante prático nos dias de hoje. Esse tema ganhou grande importância, principalmente no que se refere ao reconhecimento do Estado de governo em duas situações: a) a partir da década de 50, quando houve o movimento de descolonização africana, em que vários Estados se tornaram independentes e a partir daí foi necessário aplicar uma série de regras que até então eram costumeiras para tratar do problema de reconhecimento de Estado; b) na década de 60 e 70, com o problema das ditaduras latino-americanas e as crises de governo e mais recentemente, no fim da década de 90 com a Guerra Fria, em que houve a sucessão da URSS pela Rússia e depois o problema do surgimento de Estados que antes eram abarcados pela União Soviética e pelo fim de outros estados como a Iugoslávia. Então, apesar de essa nossa aula ser

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aula de direito internacional público ministrado na universidade do estado do amazonas

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Page 1: Transcrição DIP 18 05

Transcrição DIP 18-05-15

Equipe: Ana Karoline, Anne, Bruna, Gabriela Mota, Helton, Kamayra, Mary, Vannessa.

Unidade 3

A Unidade 3 começa a fazer o estudo dos sujeitos do Direito Internacional e que vai

seguir em DIP 2. O primeiro sujeito que estudamos, seguindo a ordem dos manuais, é o

Estado. Nas unidades 3, 4 e 5 nós vamos estudar apenas o Estado como Direito Internacional.

Na unidade 3 nós vamos tratar do problema do nascimento, do reconhecimento do Estado de

governo, da questão de extinção e da extinção de Estados. É um tema que aparentemente é

bastante teórico, mas após leitura do livro do Accioly e resolver o exercício, vocês vão

perceber que o tema é bastante prático nos dias de hoje. Esse tema ganhou grande

importância, principalmente no que se refere ao reconhecimento do Estado de governo em

duas situações: a) a partir da década de 50, quando houve o movimento de descolonização

africana, em que vários Estados se tornaram independentes e a partir daí foi necessário aplicar

uma série de regras que até então eram costumeiras para tratar do problema de

reconhecimento de Estado; b) na década de 60 e 70, com o problema das ditaduras latino-

americanas e as crises de governo e mais recentemente, no fim da década de 90 com a Guerra

Fria, em que houve a sucessão da URSS pela Rússia e depois o problema do surgimento de

Estados que antes eram abarcados pela União Soviética e pelo fim de outros estados como a

Iugoslávia. Então, apesar de essa nossa aula ser aparentemente teórica, quando formos ver na

pratica os exercícios, vocês forem ver os exemplos, vocês vao perceber que ela é bastante

importante para entender esses fenômenos.

Na verdade, um nascimento de um Estado é um tema que interessa muito mais a

história, a política, a sociologia e que o Direito Internacional começa a ter interesse por ele

quando se constata a existência daqueles três elementos clássicos que determinam a

constituição de um Estado: soberania, território e população. Então, para que o Direito

Internacional se interesse pelo problema do nascimento de um Estado é preciso que primeiro

dentro dos fatos históricos, políticos, dentro do calor dos fatos sociais, esses três elementos se

agreguem, caso contrário o Direito Internacional não entra. Então o primeiro problema que se

tem é o reconhecimento do Estado.

Reconhecimento do Estado

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Como se dá o processo de reconhecimento de um Estado novo na ordem

internacional? Primeiramente, é preciso saber como ele foi constituído, ou seja, como se

procedeu o nascimento desse Estado. Esse reconhecimento pode se dá de 3 maneiras e são as

mesmas aplicadas em direito constitucional II.

No direito internacional, hoje em dia, não se fala mais como se falava no século XIX e

início do século XX sobre a história da terra nullius. É importante saber, a priori que era esse

termo; era uma ficção jurídica que fazia com que os estados soberanos colonizadores

chegassem nos estados colonizados (não só nos estados quase independentes americanos, mas

também na África) e a partir dessa ficção tomassem como certo que naqueles territórios não

haviam uma comunidade política organizada, ou seja, não havia um povo ali dentro. Porque

esse povo que ou era indígena ou era tribal não era reconhecido como uma nação nos padrões

europeus do direito internacional. Logo, sem qualquer drama de consciência, sem nenhuma

questão de translação do poder legitimamente, sem ter que invocar nenhum título de guerra

justa, usou-se e abusou dessa ficção, durante aqueles séculos, para ocupar os territórios

americanos que, até então, eram ocupados por indígenas que ainda tinham resistido ao

processo colonial e, também, para ocupar os territórios africanos como se ali não houvesse um

povo, uma nação tradicional, no sentido de comunidade tradicional. Hoje em dia, essa ficção

da terra nullius não é mais aceita no direito internacional, até porque são raríssimos os cantos

da terra que não estejam sob uma jurisdição estatal. Então, diante dessa constatação, o direito

internacional aceita que haja um nascimento de um Estado novo, mas ele tem que se dá a

partir do território de um Estado predecessor (nome técnico), ou seja, de um Estado-mãe. Em

virtude desse fenômeno, os autores classificam basicamente em três possibilidades:

a) Subdivisão: Ocorre quando um estado predecessor perde parte do seu território.

Ex.: Uma pessoa jurídica de direito público internacional (A) perde uma fração do

território e da população (B). Nasce aqui duas possibilidades: a.1 (B) vai se tornar um

Estado independente, retirando-se da jurisdição de (A)

a.2 (B) juntar-se-á ao seu vizinho (C);

No primeiro caso (a.1), há possibilidade de criação de um Estado novo, ou seja, uma

personalidade jurídica de direito público internacional totalmente distinta da de (A), logo (B)

se tornará uma pessoa jurídica independente e assumirá as responsabilidades próprias de um

Estado independente. O segundo caso (a.2) é um pouco diferente, pois ele será anexado a um

outro território.

Aluno pergunta: Professora, esse primeiro caso pode ocorrer dentro de um Estado federado?

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Resposta da professora: Pode ocorrer dentro dos limites do Território do Estado federado

como, por exemplo, a formação de Brasília e de Tocantins. Do caso da formação do Estado do

Tocantins, mas isso falando-se dentro do Estado-membro, já que no caso brasileiro tem-se a

clausula de secessão que proíbe exatamente essa possibilidade do Estado-Membro querer se

separar do todo para formar um Estado independente. Se o nosso Estado A fosse um Estado

Federal nos diríamos que isso é uma secessão. E que com certeza para isso seria necessária

uma guerra, um estado de sitio, ou alguma coisa do gênero que são os mecanismos de

proteção do território da Federação.

Então, o que o Direito Internacional, nesse quadro de separação, ou de subdivisão,

recomenda? Bem, que se o pedaço B for juntado a C, essa anexação não pode se dar por

guerra de agressão. Então o território C não pode invadir o território de A e pegar o pedaço B.

Apesar de que já sabemos que na História do mundo isso só pode ser posto em pratica a partir

da década de 40, com a consolidação das Nações Unidas no pós-guerra onde esse tipo de

conduta se tornou um ilícito internacional.

Com isso temos duas possibilidades a separação para tornar o Estado independente, no

caso do nosso exemplo, B se torna independente, ou ainda, B vai se anexar e acrescer ao

território de C. E teremos também a fusão, que também é bem simples de entender se

mentalizarmos, por exemplo, que um Estado A vai se juntar com o Estado B e dessa fusão vai

nascer um Estado novo que seria C, totalmente diferente dos anteriores. Ou seja, quando

ocorre a fusão os Estados anteriores deixam de existir no plano do Direito Internacional e a

população, o governo e o território se unificam em um terceiro que passa a ter outra

personalidade jurídica, assim como outro nome, outros limites territoriais, etc.

E pode ainda ocorrer uma terceira hipótese, não tanto mencionada, onde ocorre o

processo contrário onde, por exemplo, o Estado C sofre um processo de dissolução e dessa

dissolução o território do mesmo se esfacela e a partir dos seus fragmentos de territórios

surgem novos Estados totalmente independentes, enquanto o Estado C, que era o

predecessora, desaparece.

Agora como é que se dá juridicamente o reconhecimento desse Estado novo pelos

demais Estados da sociedade internacional? Bem é simples, depois que se apaziguam os

ânimos digamos assim, os demais Estados podem reconhecer esse Estado novo de duas

formas: de maneira Expressa ou de maneira Tácita. E nessas duas situações isso pode ser um

ato unilateral ou bilateral do Estado que reconhece.

Chega-se então a seguinte pergunta: quando o Estado vai dar o seu reconhecimento

para o Estado “novato”, esse ato de reconhecimento será um ato declaratório ou um ato

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constitutivo? Ou ainda em outras palavras, quando um Estado reconhece um Estado novato

diante da sociedade internacional é essencial que esse ato ocorra para ele existir no plano

Internacional?

Para a doutrina moderna do Direito Internacional é declaratório. Ou seja, o ato de

reconhecimento unilateral de um Estado para com outro é declaratório, pois, como já foi dito,

basta que os elementos essenciais para a existência de um Estado estejam ali configuradas e

que esse Estado consiga se manter com seu território, sua população e seu governo

independente sendo o resto problema dos outros Estados da sociedade internacional. Então

não é mais necessário que esse ato diga “, reconheço, constitutivamente a existência e o

ingresso desse Estado novo”.

O ato constitutivo não é mais a regra, é a exceção, porque isso caracterizaria uma

influencia indevida de um Estado na esfera interna de outro. O melhor exemplo de que o ato é

meramente declaratório, são os dois artigos da carta da Organização dos Estados americanos.

Arts. 12 e 13 da carta da OEA:

Art. 12. A existência política de um Estado é independente do reconhecimento por

outros Estados, mesmo antes do reconhecimento o Estado goza o direito de defender sua

integridade e independência, de atuar em função da sua preservação e prosperidade, e em

seguida se organizar como melhor entender e legislar tendo em atenção os seus interesses de

administrar os seus serviços, determinar a jurisdição e competência dos seus tribunais. O

exercício desses direitos apenas esta limitado pelo exercício do direito dos outros Estados,

nos termos do Direito Internacional.

Art. 13. O reconhecimento implica que o Estado que o concede e aceita a

personalidade jurídica do outro Estado como todos os direitos e deveres que o Direito

Internacional determina para os dois Estados.

Isso significa dizer o que: faremos de conta que o Amazonas decida se separar do

Brasil, com isso somos engajados na guerra civil de secessão, o José Melo decreta a

independência e nós conseguimos nos manter na floresta se defendendo e mantendo a nossa

soberania, então nós começamos a constituir um congresso com a representação dos povos

indígenas, conseguimos nos organizar financeiramente, ter forças armadas para defender as

fronteiras, entretanto ninguém do mundo reconhece o Estado Republicano do Amazonas

como independente.

Pergunta da Professora: Isso faz diferença para a letra fria do art. 12 da carta da

OEA?

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Resposta: Não, porque nós já nos constituímos como Estado independente, então já

temos a possibilidade de defesa, de legislar e organizar financeiramente, de nos manter, pois

temos nossa população, território e soberania. Se os Estados Unidos mandarem um

embaixador se creditar perante o Ministério das Relações Exteriores do Amazonas, isso será

um ato de reconhecimento tácito, pois quem manda um embaixador reconhece que o Estado é

soberano. Se os Estados Unidos convidasse o Estado Independente do Amazonas para

celebrar um tratado de livre comércio, isso também será um ato tácito de reconhecimento

dessa nova soberania, porque só quem tem capacidade para celebrar tratados são os Estados

independentes.

Esse reconhecimento pode também ser expresso. Depois de apaziguado os ânimos e

sabendo quem é o presidente da República Independente do Amazonas, poderia muito bem o

governo dos Estados Unidos emitir uma nota na Casa Branca felicitando o novo presidente.

Pode também este Estado celebrar um tratado de reconhecimento de independência e a partir

daí travar as relações consulares e diplomáticas devidas. Então o fato dos outros Estados

darem o reconhecimento não muda o fato histórico, político e sociológico de um Estado já ser

independente, basta ele conseguir manter-se como soberano. Por exemplo, se vier uma tropa

da Presidente Dilma e invadir o sul do Amazonas e conseguir prender o José Melo, ai acabou-

se o sonho da independência, por mais que os Estados Unidos tenham mandado diplomatas ou

celebrado tratados. Conclui-se que é mais um fato histórico, político e social do que

propriamente um fato jurídico, este fato vem depois, vem a reboque.

Pergunta da Professora: E o reconhecimento do Governo?

Resposta: é uma situação um pouco diferente, porque no reconhecimento de governo

o Estado já existe, eu não estou em um colapso de reconhecimento territorial nem de

soberania, eu estou dentro de um colapso institucional de governo. É o caso, por exemplo,

aonde por meio de armas diante da corrupção, dos desmandos, da conta de luz alta, como

também da gasolina, vir um grupo de militares e tomar de assalto o Palácio do Planalto e

prender a Presidente Dilma. Dessa forma estaríamos diante de uma crise política, pois isso

seria um golpe de estado. O problema do Direito Internacional nasce no momento em que os

outros Estados da sociedade internacional vão se perguntar “afinal de contas quem está

mandando nesse país?”, ou seja, problema de reconhecer o governo. Vai depender se os

Estados vão continuar a reconhecer o governo anterior, mesmo a Dilma presa, continuar

dizendo que o governo anterior que é o legítimo e o atual o golpista, ou se vão apoiar o

governo golpista e deixar a presidente Dilma presa e ex-presidente. Conclui-se que o

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problema todo é de crise política institucional, e para resolver isso tem duas grandes

doutrinas, que por sinal são latino- americanas.

A primeira doutrina é a Tobar, inspirada no nome do Ministro das Relações

Exteriores do Equador, data de 1907, e que defende que os Estados da sociedade internacional

não podem reconhecer a legitimidade de governo antidemocráticos. Essa legitimidade só deve

ser reconhecida quando ficar claro que o povo foi às urnas e elegeu o novo mandatário. Então

durante aquele período de crise que não se sabe quem manda e tem junta governativa, militar,

de transição e etc. até aí fica-se num limbo. Já a doutrina Strada, que surgiu a partir do nome

do ministro das relações exteriores do México da década de 30, pensasse justamente o

contrário, ou seja, os estados da sociedade internacional não devem se meter nos assuntos

internos dos estados em crise e não podem apoiar um lado específico no conflito existente.

Parecem duas doutrinas inconciliáveis, pois uma privilegia o conteúdo e a outra a forma.

Porém, atualmente, tentem conciliar essas duas posturas segundo os autores atuais, mas,

conforme a professora, a junção das duas não é muito possível, justamente por terem aspectos

antagônicos.

O que as histórias recentes de crises na América Latina têm indicado? Primeiro, se

tratar de um golpe por meio da quebra da Constituição do país, ou seja, é antidemocrático, os

países em geral costumam se manifestar contra o golpe, geralmente por meio da exibição de

um documento da OEA chamada carta democrática, sendo um instrumento que prevê uma

válvula de suspensão por meios jurídicos em que no momento ocorrido o colapso institucional

com golpe, votasse pela suspensão desse estado da organização, funcionando como um

mecanismo anti golpe, exemplos da utilização desse instrumento recentemente são os casos de

Honduras e do Paraguai. Por outro lado, há as situações de neutralidade que são mais políticas

do que jurídicas quando o estado é indiferente ou não deseja apoiar ninguém para se aliar

posteriormente ao vencedor com o intuito de lograr êxito econômico, emite uma nota dizendo

que não irá interferir em assuntos internos do estado em crise.

Reafirmando a professora que não consegue observar essas duas vertentes juntas e

concluindo que a mais utilizada atualmente é a da carta democrática com a suspensão do país

da organização justamente por ter quebrado princípios da democracia, só podendo voltar

depois de se readaptar.

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Extinção do Estado

É o processo oposto do nascimento, para que nasça um estado novo é preciso que ou o

estado predecessor perca parte de seu território ou que ele se dissolva. Logo, teremos como

modos de extinção do estado, praticamente as mesmas existentes no nascimento:

● Subdivisão

● Dissolução

● Fusão

São apresentadas da mesma maneiro, só que agora sendo analisadas pelo ponto de vista da

extinção do estado. Existindo alguns problemas, que são o outro lado da moeda do

nascimento, relacionados ao que fazer com os efeitos desse processo de sucessão que

acontece com a extinção de um estado, como por exemplos, o que fazer com os tratados de

um estado que desapareceu? Quais são os efeitos de um tratado de um estado novo que surgiu

de um pedaço do território de outro? O que fazer em relação às dívidas contraídas? O que

fazer em relação às pessoas que moravam naquele território e agora estão sob nova

jurisdição? Esses são os problemas estudados nesse assunto, por meio da epígrafe de sucessão

de estados.

O direito internacional tem procurado resolver esses problemas sucessórios ou por regras

costumeiras ou por tratados, sendo normalmente esses problemas caracterizados em 3 grupos:

● Problemas em relação aos efeitos dos tratados

● Problemas em relação aos bens, aos arquivos e às dívidas deixadas pelo estado

sucessor

● Problema da nacionalidade das pessoas no processo de sucessão

Nacionalidade

O terceiro problema é da nacionalidade das pessoas nesse processo de sucessão. Como é

que um direito internacional resolve isso? Quanto aos dois primeiros blocos de problemas em

relação a tratados e em relação a bens, arquivos e dívidas deixados, nós temos duas grandes

normativas internacionais sobre isso, que são aquelas que eu mandei hoje de manhã por e-

mail para vocês. São duas convenções de Viena. E nas próximas aulas nós vamos ver mais

duas também. As convenções de Viena da aula de hoje são as seguintes:

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-Convenção de Viena sobre sucessão de tratados de 1978. Essa Convenção tem como

inspiração a Convenção de Viena sobre direito dos tratados de 69 e possui um grande

problema = a baixíssima adesão, sendo praticamente uma recompilação doutrinária de regras

costumeiras sobre esse problema (de sucessão) e por isso é uma espécie de peça de doutrina.

Qual é a regra geral? O raciocínio da casuística toda é muito simples: Se eu estou diante de

um caso de sucessão de Estado, eu como Estado novato, não sou obrigado a assumir as

obrigações contratadas pelo Estado predecessor e nem os Estados com quem o Estado

predecessor negociou, são obrigados a me aceitar. O que a gente sempre tem que ter em

mente é que nesses processos de nascimento e extinção, surgirá uma personalidade jurídica

nova e essa personalidade jurídica nova, para se engajar vai ter que dar o seu aceite.

REGRA GERAL: Os tratados não vinculam o sucessor, o Estado novo, nem os Estados

terceiros que assinaram tratado com o predecessor são obrigados a aceitar o novato.

E as organizações internacionais são obrigadas a aceitar o novato sucessor? Por

exemplo, o que faríamos se nosso Estado novo, a República Independente do Amazonas

quisesse entrar na ONU? Vimos que a gente não precisa pedir permissão dos 193 estados da

ONU, mas o que que a gente faz em relação a ONU?

R: Se ele é uma pessoa jurídica de direito público independente ele submete a candidatura

dele a ONU. Ele vai no site, pega o formulário de candidatura de novo estado, preenche sua

candidatura, diz que é um estado amante da paz e submete a candidatura à Assembléia Geral

da ONU e tem que ter o beneplácito dos membros do Conselho de Segurança. Essa que é a

batalha: não é o fato de ele ser novato que vai impedí-lo de entrar ou de não ser reconhecido

pelos outros, mas sim o fato de que para entrar ele vai ter que passar por um processo de

votação que são as regras da própria carta da ONU. Então se dependesse dos outros, por si só,

os outros como Estados independentes, cada um vai fazer o seu processo de reconhecimento

ou não. Tácito, expresso, bi ou unilateral, não importa, pois isso é um processo independente

de cada um dos estados membros, mas a ONU em si tem um procedimento próprio que a

nossa República Independente do Amazonas tem todo o direito de se submeter. (Se ela vai

conseguir ou não a aprovação da Assembleia Geral, é outra questão, mas esta raramente se

nega). Agora vamos para o segundo problema, o problema dos bens, arquivos e dívidas.

-Convenção de Viena sobre sucessão de Estados em matéria de bens, arquivos e dívidas de

1983: se a Convenção anterior tinha uma baixa adesão, essa é pior ainda, pois sequer foi

ratificada, sendo verdadeiramente uma peça doutrinária, cujo texto é dificilmente achado em

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português. Ela possui uma minúcia de hipóteses muito, muito grande, mas que no final das

contas o raciocínio também é esse: O Estado novo leva consigo aquilo que está no seu

território. Fora isso, se não houver acordo entre o Estado predecessor e o sucessor, se recorre

a um dos mecanismos de solução de controvérsias previsto no final da Convenção. Ou recorre

à arbitragem, ou recorre à jurisdição da Corte Internacional de Justiça, enfim... se resolve

por meio de uma solução pacífica de controvérsias.

Aí eu pergunto pra vocês: por que esse texto teve uma adesão TÃO baixa? Vejam a matéria

dela: “Bens, arquivos e dívidas”.

O que seriam os bens?

Bem é toda propriedade que estava naquele Estado predecessor e que o sucessor

reivindica. Desde prédios públicos até aviões, navios, ativos financeiros, tudo.

O que seriam os arquivos?

Seria a memória daquele pedacinho que vai se separar.

O que seriam as dívidas?

Seria o dinheiro que o Estado predecessor pediu emprestado e agora vai dizer que foi

em favor do sucessor e vai querer empurrar a dívida pra ele.

E isso é muito conflituoso porque em 1983 estamos fechando as feridas dos processos

de descolonização africana. Então por mais que essa Convenção de 83 tivesse uma cláusula

dizendo: “Não se preocupem, Estados que ratificarem, isso aqui só vai ser aplicado daqui pra

frente, não vai retroagir. Não vai ter nenhum Estado americano ou africano indo buscar os

arquivos de volta nos museus de vocês. Nem indo buscar o pau-brasil, o ouro etc. Não fiquem

preocupados!! Isso é só daqui pra frente” ... Nenhum Estado quis arriscar. :/ Porque isso é

muito sintomático da nossa história de colonialismo e neocolonialismo. Porque os antigos

Estados colonizadores não querem se comprometer de forma alguma com qualquer tipo de

risco... da gente buscar com nossas caravelas o que D. João levou em 1822, né? (risos)

Enfim, acabou que todo mundo ficou com pé atrás e isso virou uma peça doutrinária. Essa

Convenção, na verdade, é mera compilação de regra costumeira, que virou doutrina.

E quanto a questão da nacionalidade?

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Essa é outra questão delicadíssima. Olhem a nossa posição aqui, estamos felizes da

vida, conseguimos a independência em relação ao resto do Brasil, deixamos toda essa

bagagem ruim pra trás, e agora estamos aqui com toda a Amazônia nas nossas mãos, vamos

fazer e acontecer. Beleza. Só que a gente se pergunta: e a partir de agora? Sou brasileira ou

sou só amazonense? Qual é a minha nacionalidade depois desse processo de ruptura? A gente

vai escolher um nome novo?

Bom, pra escolher um novo nome então teríamos que fazer um processo de

naturalização em massa. E, pasmem vocês, isso já aconteceu no Brasil. Se alguém tiver a

curiosidade de pegar a Constituição de 1824, vocês vão ver lá na parte de “Direitos de

nacionalidade e cidadania”, que fica no início da Constituição, separado dos direitos

individuais, os modos de aquisição da nacionalidade brasileira. E um desses modos de

aquisição era: quem, durante os 6 primeiros meses de vigência da Constituição de 1824

ficasse quieto, ou seja, não fosse a uma repartição dizer que queria continuar sendo português,

ou sei lá o que, automaticamente, depois de 6 meses, iria virar brasileiro. Olha que coisa

louca! Acho que todo mundo virou brasileiro, os nossos avós, bisavós, viraram brasileiros

assim.

Então esse processo de naturalização em massa, hoje em dia é totalmente

repudiado pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, porque não te dá chance de

escolha. Você adquire uma nacionalidade não voluntariamente, mas sim por ser um

movimento tácito. Então o que seria o ideal dos mundos? Que se fizesse um plebiscito ou se

fizesse qualquer outro mecanismo de manifestação voluntária da pessoa pra que ELA

escolhesse ficar, ou como brasileiro, ou com a nacionalidade, sei lá, amazonense. Então, hoje

é repudiado porque se vê esse processo de naturalização não só como um vínculo jurídico

entre a pessoa e o Estado, mas como um direito humano fundamental. E esse problema não

tem resolução em tratado, é uma questão mesmo de Direito Internacional de Direitos

Humanos.

Então até aqui, o que a gente viu? Problema do nascimento, reconhecimento de Estado

e governo e esses problemas gerados pela questão de sucessão de Estado. Para gente terminar

hoje, tem uma outra questão que envolve os Estados, que é a questão dos direitos e deveres

dos Estados.

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Direitos e Deveres dos Estados

Quando os Estados Nacionais começaram as e firmar no plano do Direito Internacional,

houve uma corrente doutrinária que encontrou o ápice no Emerich de Vattel que, praticamente

a partir dele que se personificou os Estados Nacionais. Estes, por um lado, passavam a ser

tratados como pessoas, tutelados pelo Direito Internacional e, dentro desses Estados ficava o

problema dos indivíduos como sujeitos tutelados pelo Direito Natural. Dessa exacerbação da

abstração do Estado, a doutrina começou a desenhar direitos e deveres fundamentais do

Estado, assim como se costumava falar também de direitos naturais dos indivíduos. Então,

hoje em dia, a doutrina, ainda sob influência dessa corrente estatocêntrica, enumera alguns

dos direitos e deveres fundamentais dos Estados. E a doutrina fala, por exemplo, do direito à

independência, à igualdade, ao comercio, à manutenção da sua soberania e assim por diante.

E alguns instrumentos internacionais, como a mais exemplificativa disso é a Carta de

Organização dos Estados Americanos, que elenca alguns artigos que – por sinal – são bastante

generosos, vai do 9 ao 22 só de enumeração de direito e dever do Estado. Então, citarei alguns

para que vocês tenham ideia da abstração. O 1º a ser citado é o artigo 9º que fala do

direito/dever ao tratamento igualitário dos Estados, direito à igualdade: “Os Estados são

juridicamente iguais, desfrutam de iguais direitos e de igual capacidade para exercê-los, e têm

deveres iguais. Os direitos de cada um não dependem do poder de que dispõem para assegurar

o seu exercício, mas sim do simples fato da sua existência como personalidade jurídica

internacional.”. Você percebe que é uma igualdade puramente formal, então, o próprio texto

deixa claro que a igualdade dos Estados não leva em consideração, por exemplo, o poderio

econômico, bélico, influência política, etc. É pelo simples fato do Estado existir como pessoa

jurídica de Direito Público Internacional.

Isso cria uma ficção jurídica, pois como é possível comparar EUA e Haiti? Do ponto de

vista político, econômico, de desenvolvimento social, não tem nem como comparar, é um

abismo. Mas do ponto de vista jurídico, eles são exatamente iguais. Outro exemplo de Direito

interessante é Direito à Defesa do Estado, artigo 12, e o Direito à Jurisdição, artigo 14 “O

direito que tem o Estado de proteger e desenvolver a sua existência não o autoriza a praticar

atos injustos contra outro Estado. ”. Isso significa que é um direito/dever, da feita que por um

lado a carta da OEA reconhece o direito de se auto-tutelar como um Estado Independente,

isso não o autoriza a atacar, agredir ou anexar seu Estado vizinho.

Page 12: Transcrição DIP 18 05

Aluno: A senhora pode repetir na explicação da doutrina de Tobar? E qual delas predomina

hoje em dia?

Professora: Na minha opinião, a doutrina que predomina, não por se chamar doutrina Tobar,

mas por ser parecido com o conteúdo da doutrina Tobar, é a da Carta Democrática. Que diz

que os estados não podem reconhecer governos ilegítimos. Essa é a doutrina Tobar. E a

segunda, que é a Doutrina Estrada, prima pela não intervenção dos Estados nos negócios

internos de outro. Ela tem origem mexicana e fica bem fácil de entender quando a gente vê o

contexto no qual ela foi criada (década de 1930, em que o México sofria uma turbulência

constitucional, com várias revoluções – e por isso que o ministro Genaro Estrada esbravejava

que não admitia que outros Estados se intrometessem no problema do México). Então, hoje

em dia, a doutrina do Accioly e de outros autores do Direito Internacional diz que se tenta

haver um equilíbrio – os Estados não poderiam intervir até que se reestabelecesse a

democracia – mas a professora não concorda. O que a gente vê na prática, principalmente no

caso de Honduras, foi a utilização desse mecanismo da Carta Democrática suspendendo o

Estado que sofreu golpe. É com se aqui no Brasil houvesse um golpe para tirar a Dilma, o

Brasil seria penalizado, se a América Latina for séria, e no dia seguinte estaria suspenso da

OEA. E isso significaria dizer que a gente também não teria mais Sistema Interamericano,

auxílio financeiro, etc.

Aluno: Mas só vai ser ilegítimo se for através de golpe?

Professora: Se for através da força, sim. Com por exemplo, o presidente de Honduras que foi

pego de pijama em casa no Palácio do Governo, colocam-no dentro de um avião e cruzam a

fronteira, isso é golpe. Então, se for esse tipo de manobra, é golpe. Aqui no Brasil, o primeiro

mandato de Getúlio Vargas foi ilegítimo.