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UFRJ
TRAJETÓRIA DO PARTIDO DOS TRABALHADORES:
DA FUNDAÇÃO À VITÓRIA PRESIDENCIAL
Marli da Silva Paulo
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Ciência Política, Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em
Ciência Política.
Orientadora: Eli Diniz
Rio de Janeiro
Dezembro de 2004
ii
TRAJETÓRIA DO PARTIDO DOS TRABALHADORES:
DA FUNDAÇÃO À VITÓRIA PRESIDENCIAL
Marli da Silva Paulo
Orientadora: Eli Diniz
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título
de Mestre em Ciência Política.
Aprovada por:
___________________________________
Presidente, Profª Eli Diniz
___________________________________
Prof. Antonio Carlos Jucá de Sampaio
___________________________________
Prof. Charles Pessanha
Rio de Janeiro
Dezembro de 2004
iii
Paulo, Marli da Silva.
Trajetória do Partido dos Trabalhadores: Da fundação à vitória presidencial/ Marli da Silva Paulo - Rio de Janeiro: UFRJ/ IFCS, 2004.
148f.
Orientadora: Eli Diniz.
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ IFCS/ Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, 2004.
Referências Bibliográficas: f. 99-101.
1. Partido dos Trabalhadores. 2. Eleições. 3. Organização partidária. 4. Partidos políticos. 5. Democracia. I. Diniz, Eli. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós-graduação em Ciência Política. III. Trajetória do Partido dos Trabalhadores: Da fundação à vitória presidencial.
iv
RESUMO
TRAJETÓRIA DO PARTIDO DOS TRABALHADORES:
DA FUNDAÇÃO À VITÓRIA PRESIDENCIAL
Marli da Silva Paulo
Orientadora: Eli Diniz
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-
graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência
Política.
Estudo sobre a trajetória do Partido dos Trabalhadores. A partir da literatura
existente, depoimentos e materiais produzidos pelo PT, é traçado um histórico do
partido, desde a sua fundação até a vitória presidencial, em 2002. Sua forma de
organização e o levantamento das propostas de seus diversos segmentos são
utilizados para traçar o perfil e a identidade partidária. Através de análises sobre os
posicionamentos adotados pelo partido, ao longo de sua existência, busca-se o
entendimento sobre o seu crescimento institucional.
Palavras-chave: partido dos trabalhadores, eleições, organização partidária,
partidos políticos, democracia.
Rio de Janeiro
Dezembro de 2004
v
AGRADECIMENTOS
Por sua dedicação e importante colaboração, agradeço à minha orientadora, Eli
Diniz. Agradeço ao prof. Charles Pessanha, que ajudou na montagem do projeto de
pesquisa, dando importantes contribuições.
Por ter sido um professor sempre presente, dedicado e amigo, tanto em
minha Graduação e mesmo depois, agradeço a Antonio Carlos Jucá de Sampaio.
Em especial, agradeço à minha irmã, Marlene da Silva Paulo, por me apoiar
e dar sugestões na elaboração dos textos da dissertação.
vi
LISTA DE SIGLAS
Arena – Aliança Renovadora Nacional
Libelu – Liberdade e Luta
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
MEP – Movimento de Emancipação do Proletariado
MR-8 – Movimento Revolucionário 8 de Outubro
OSI – Organização Socialista Internacionalista
PAG – Plano de Ação do Governo
PC do B – Partido Comunista do Brasil
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PCBR – Partido Comunista Brasileiro Revolucionário
PDS – Partido Democrático Social
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PL – Partido Liberal
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PMN – Partido da Mobilização Nacional
PPS – Partido Popular Socialista
PRN – Partido da Reconstrução Nacional
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PV – Partido Verde
RBCS – Revista Brasileira de Ciências Sociais
TD – Teoria e Debate
vii
SUMÁRIO
Introdução 1
Capítulo 1. Partidos políticos: Algumas considerações teóricas 5
O PT: uma perspectiva weberiana
Capítulo 2. Gênese e organização do PT 23
A formação do PT
O funcionamento do Partido
Capítulo 3. Perfil e identidade 34
Partido socialista
Partido de massas
Partido democrático
Capítulo 4. Embates eleitorais e a vitória do PT em 2002 48
A disputa político-partidária (1982-1988)
Eleições presidenciais (1989-1998)
A vitória petista
Conclusão 97
Referências bibliográficas 99
Anexos 102
Introdução
Margaret Keck, que realizou estudos sobre os primeiros anos de existência do PT,
afirmava que seu livro – PT: A lógica da diferença – era o estudo de uma
anomalia.1 Partindo desse pressuposto, no prefácio do livro de Keck, Paulo Sérgio
Pinheiro destacava que a existência do Partido dos Trabalhadores era uma completa
irregularidade e anormalidade no âmbito do sistema partidário brasileiro e na
história política brasileira.2
Pela primeira vez, um partido podia se reivindicar uma presença sólida na classe operária e propor um programa que traduzisse com clareza essa representação.3
No entanto, segundo Pinheiro, não se pode afirmar que o Partido Comunista
Brasileiro - PCB e o Partido Trabalhista Brasileiro - PTB4 – partidos mais
emblemáticos que reclamaram essa representação – não tivessem bases
operárias.5 Mas tanto um como o outro não tiveram condições de fazer com que
esse vínculo determinasse sua atuação.
[...] A situação dos comunistas [...] estava sobredeterminada pela política do Estado soviético e a do PTB foi marcada pelos limites das relações preferenciais com projetos populistas no Estado.6
De acordo com Raquel Meneguello, o PT apresentava-se como uma novidade
no sistema político brasileiro.
Com uma história predominantemente marcada pela manipulação dos políticos populistas, pareceu-nos que a iniciativa de uma organização autônoma pelas classes trabalhadoras e a idéia de inserção no mercado político moldavam certa novidade, conferindo cores mais legítimas ao processo de reestruturação da representação dos interesses da nação. Assim, para nós, o que explica esta novidade é, sobretudo, a ruptura com os padrões de organização partidária conhecidos no país.7
1 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 13. 2 Idem: 3. 3 Ibidem. 4 Um importante estudo sobre o PTB, durante o período democrático de 1945-1964, é o de ARAÚJO, M. Sindicatos, carisma e poder: o PTB de 1945-65. 5 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 3. 6 Ibidem. 7 MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 15.
2
Segundo Margaret Keck, um dos aspectos mais interessantes, para
pesquisadores europeus e americanos, quando do surgimento do Partido dos
Trabalhadores no Brasil foi a sua aparente semelhança com os partidos de base
socialista da Europa na virada do século. Contudo, segundo a autora, dificilmente
os partidos políticos em nosso país seguiriam a mesma trajetória de
desenvolvimento dos partidos dos primeiros países que se industrializaram. Para a
autora,
é improvável que o desenvolvimento do PT venha a seguir, quase cem anos mais tarde, exatamente o mesmo caminho que os partidos socialistas, social-democratas ou trabalhistas da Europa.8
Nos países europeus, no período em que o PT foi criado, o tamanho do
operariado industrial estava em declínio.
No Brasil, entre os anos 60 e 80, ele se expandira a uma taxa extraordinariamente rápida, pois a industrialização deslocou-se para a produção ampliada de bens de capital e de consumo duráveis,
o que era terreno fértil para a criação de uma partido voltado para a classe
trabalhadora.9 Entretanto, com a desaceleração da taxa de expansão do operariado
industrial, devido ao uso de novas tecnologias, o PT acabou perdendo sua base
social entre os trabalhadores industriais,
o que o coloca quase desde o início em uma posição defensiva, situação que seus congêneres europeus só tiveram que enfrentar bem mais tarde em sua história.10
Além disso, ocorreram diferenciadas mudanças na ordem mundial - como a
crise do socialismo e a internacionalização da economia – bem como na esfera
nacional. A sociedade brasileira mudou, os personagens já não são os mesmos. Luiz
Dulci,11 em artigo publicado pela revista, destaca:
A burguesia brasileira foi redesenhada. Seus vínculos com o capital internacional, sobretudo com o capital financeiro, aprofundaram-se
8 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 25. 9 Idem: 26. 10 Ibidem. 11 Luiz Dulci – então presidente da Fundação Perseu Abramo, vice-presidente nacional do PT e secretário de cultura de Belo Horizonte.
3
de modo notável. Oligarquias econômicas importantes, especialmente em determinadas regiões do país, foram devastadas pela concorrência internacional, substituídas por novos grupos de poder, com origens e tradições diferenciadas. As classes populares também estão longe de ser as mesmas de dez anos atrás. O operariado fabril perdeu, evidentemente, peso contratual e político com a restruturação produtiva. Os bancários, de protagonismo relevante, passam em pouquíssimo tempo de 800 mil para 400 mil trabalhadores. A chamada economia informal, esfinge cultural e política, expandiu-se de modo formidável, numa relação ao mesmo tempo tensa e funcional com o mercado.12
É claro que o Partido dos Trabalhadores está inserido e é afetado por esse
complexo de mudanças, tanto nacionais como internacionais. Portanto, ao
acompanhar a caminhada do PT, não podemos deixar de levar isso em conta. Assim
sendo, o presente trabalho tem por finalidade analisar a trajetória do partido, desde
a sua fundação até 2002, ano em que ocorreu a vitória nas eleições presidenciais.
O Partido dos Trabalhadores tem um significado histórico para o Brasil e, em
especial, para aqueles que ansiavam por mudança de rumos. Ao ser constituído, no
período da ditadura militar, era tido como uma alternativa e um meio de luta em
prol da abertura e da restauração da democracia no país. Também mais tarde, com
o fim do militarismo, continuou a congregar os vários grupos que buscavam
alternativas à situação de desigualdade e exclusão da sociedade brasileira. Com a
chegada ao poder, é inegável a importância de que, pela primeira vez, um operário,
candidato por um partido de esquerda, tenha assumido a presidência do Brasil.
Ao ser perguntado sobre o significado histórico da vitória de Lula, Luiz Dulci
afirma:13
A vitória de Lula já é, em si mesma, uma conquista histórica. Uma ruptura com a tradição elitista e antipopular do poder político no Brasil. É a primeira vez que um filho do povo, com a trajetória sofrida e a coerência de classe que todos conhecemos, chega à Presidência da República. E o faz derrotando não apenas o candidato governista e seu bloco político-econômico, mas sobretudo vencendo preconceitos tremendos contra o trabalho e os trabalhadores, profundamente arraigados na sociedade brasileira,
12 DULCI, L. Por uma nova estratégia. 13 Luiz Dulci – então secretário-geral do PT e presidente da Fundação Perseu Abramo.
4
que deitam raízes – por que não dizê-lo? - em nosso longo passado escravocrata.14
Para a análise da trajetória do PT, das continuidades e mudanças na
evolução do partido, foram utilizadas fontes documentais – material interno do
partido, livros e, especialmente, revistas dedicadas à exposição do pensamento de
seus principais líderes. O argumento central é o de que a mudança detectada na
campanha eleitoral de 2002 não foi uma brusca reviravolta nas posições do PT,
senão que foi o resultado de um processo que durou pelo menos uma década, ao
longo de vários embates eleitorais entre o Partido dos Trabalhadores e os demais
partidos, bem como também ao longo de embates entre as diversas correntes
existentes no PT. Nessa trajetória, particularmente importantes foram as três
candidaturas anteriores de Lula às eleições presidenciais.
Os capítulos que seguem tentam recuperar a memória histórica do PT, a
partir da literatura existente e, em especial, a partir de depoimentos de seus
próprios membros.
No capítulo 1 são realizadas considerações teóricas sobre partido político e a
forma como se deu a sua existência e evolução em nosso país. O capítulo 2 traz
informações sobre como surgiu o Partido dos Trabalhadores; os principais grupos
envolvidos em sua criação; a forma como se deu a sua fundação, sua organização
interna e seu funcionamento. O capítulo 3 tenta recuperar as principais propostas
ideológicas do partido. No capítulo 4 é feito um levantamento sobre o caminho
percorrido pelo PT, tendo em vista as eleições e a sua inserção institucional.
14 DULCI,L. Mudanças desde o início – Entrevista.
Capítulo 1
Partidos políticos: Algumas considerações teóricas
O termo partido, segundo Sartori, de início foi empregado em substituição à
expressão depreciativa facção.15 Para melhor entendimento da questão, o autor
cita Voltaire, para quem facção é um partido sedicioso num Estado. Já partido
estaria no âmbito de uma facção não sediciosa.
De acordo com Sartori, facção e partido, etimológica e semanticamente não
têm a mesma significação. Facção vem do latim e significa fazer ou agir. Para
alguns autores esse fazer indicava um grupo político empenhado em fazer algo
perturbador e danoso, expressando um comportamento excessivo, impiedoso e
daninho. Já partido, teve como significação dividir, que dava idéia de parte, que
não tem em si uma conotação depreciativa. Mais tarde, a palavra partido foi
entendida como participação, partilha, associação.
Portanto, desde o início, a palavra partido teve uma conotação menos
negativa do que a palavra facção. Segundo Burke
o partido é um grupo de homens unidos para a promoção, pelo seu esforço conjunto, do interesse nacional com base em algum princípio com o qual todos concordam.16
Entendendo que, para a realização de determinados fins é necessário que se
criem os mecanismos apropriados, os partidos são o meio adequado que permitem
aos homens encaminharem seus planos comuns.
Além disso, Burke ressaltou a diferença entre partido e facção. Segundo ele,
essa generosa luta pelo poder (do partido) [...] será facilmente distinta da luta mesquinha e interessada por cargos e emolumentos – a referindo-se por último às facções.17
15 SARTORI, G. Partidos e sistemas partidários: 23. 16 BURKE apud SARTORI, G. Partidos e sistemas partidários: 29. 17 Ibidem.
6
Apesar de Burke ter realizado um importante trabalho, somente cinqüenta
anos depois é que os partidos, da forma como ele havia definido, suplantaram as
facções e iniciaram sua existência no mundo da língua inglesa.
Os partidos [...] chegaram a ser aceitos [...] mediante a compreensão de que a diversidade e a dissensão não são necessariamente incompatíveis com a ordem política, nem necessariamente a perturbam.18
Se recuarmos no tempo, podemos observar que, na visão de Hobbes e
Spinoza os partidos são inconcebíveis, e eles também não são admitidos por
Rosseau. Segundo Sartori, somente se tornaram aceitáveis quando o horror da
desunião foi substituído pela crença de que um mundo monocrático não é a única
base possível da formação política.
E isso equivale a dizer que, idealmente, os partidos e o pluralismo se originam do mesmo sistema de crenças e do mesmo ato de fé.19
Além disso, Sartori afirma que o pluralismo partidário, tomado por seu valor
aparente, indica a existência de mais de um partido,
[...] mas a conotação é a de que os partidos no plural são o produto do pluralismo.20
Uma cultura pluralista tem uma visão do mundo fundada na convicção de
que a diferença e não a semelhança, a dissensão e não a unanimidade, a mudança
e não a imutabilidade, podem levar a uma vida melhor.21
Entediados com demasiado consenso e ante tanto conflito, estamos atualmente ressaltando que a base da democracia não é o consenso, mas na verdade o conflito.22
Para Sartori, o consenso não deve ser tido como um parente próximo da
unanimidade. Segundo o autor, o consenso pode ser concebido como uma
unanimidade pluralista, não consistindo em uma visão única de mundo, mas
18 SARTORI, G. Partidos e sistemas partidários: 33-34. 19 Idem: 34. 20 Idem: 39. 21 Idem: 35. 22 Idem: 36.
7
evocando um processo de ajuste de muitos espíritos discordantes. Portanto,
podemos dizer que enquanto o
dissenso é o estado entrópico de natureza societal, o consenso não existe naturalmente, mas deve ser produzido.23
Sartori também destaca uma outra referência para melhor entendimento da
função do partido, que é a distinção entre um governo responsável e um governo
sensível. De acordo com ele, um governo responsável centra a sua preocupação
apenas em sua responsabilidade técnica, comportando-se de maneira responsável e
competente. Já um governo sensível é um governo que tem que ser flexível às
demandas.
Não obstante, só se pode falar de um partido democrático [...] quando a ênfase se desloca da responsabilidade para a sensibilidade política.24
Além disso, embora os partidos se tenham tornado partidos em condições de
participação muito reduzida e de direito muito limitado de voto, não aconteceu o
mesmo com o estabelecimento do sistema partidário.
A estruturação da formação política como sistema partidário só surge quando o direito de voto e outras condições atingem uma massa crítica e envolvem uma parcela substancial da comunidade.25
De acordo com Sartori, os partidos se comportaram e se desenvolveram
muito mais como uma prática do que como uma teoria. Portanto, o autor sugere,
para que a mensagem possa ser capturada e a justificativa do partido reconstituída,
levar em conta três premissas básica: 1. Os partidos não são facções; 2. Um
partido é parte-de-um-todo; 3. Os partidos são canais de expressão.
1. O partido não é uma facção; se não se diferenciasse, não seria um partido (mas
uma facção). Apesar das críticas, os partidos não são um mal por definição [...] e
as facções são um mal.26 Com freqüência diz-se que os partidos são uma
23 ETZIONI apud SARTORI, G. Partidos e sistemas partidários: 37. 24 SARTORI, G. Partidos e sistemas partidários: 43. 25 Ibidem. 26 SARTORI, G. Partidos e sistemas partidários: 46.
8
necessidade, ao passo que as facções simplesmente existem, não são uma
necessidade.
Ao que tudo indica, a palavra facção não perdeu, na linguagem habitual, sua conotação original, ou seja, a de que é apenas a expressão de conflitos pessoais, de um comportamento auto-referido e que ignora o público.27
Também não podemos deixar de levar em conta que os membros dos
partidos não são altruístas. A existência de partidos não acaba com as motivações
egoístas e inescrupulosas. O que pode variar são o processamento e as limitações
impostas a tais motivações.
Mesmo que o político partidário seja motivado pelo interesse pessoal apenas, seu comportamento deve disfarçar (se as restrições do sistema forem operativas) tal motivação.28
Dessa forma, os partidos se diferenciam por serem instrumentos das metas
coletivas, de um fim que não é apenas vantagem privada dos eleitores.
De acordo com Sartori , um partido é a parte de um todo que procura servir
aos propósitos desse todo e a facção é apenas parte de si mesma. Contudo, apesar
da diferenciação, seria errado esquecer que, por muito tempo, os partidos foram
precedidos pelas facções. Portanto, os partidos bem podem recair em algo que se
assemelhe a uma facção.
Nesse sentido, o facciosismo é a sempre presente tentação para a organização partidária e para uma degeneração sempre possível.29
2. Parte-se do pressuposto de que um partido é a parte de um todo.
Semanticamente, partido transmite a idéia de parte. Portanto, ao nos ocuparmos
das partes que são partidos, estaremos examinando um todo pluralista.
E, se a formação política é concebida como um todo pluralista, então o necessário é um todo feito de partes no plural [...].30
27 Ibidem. 28 Ibidem. 29 Idem: 47. 30 Ibidem.
9
Em vista desse pressuposto, o autor afirma que, se um partido não tem a
capacidade de governar em função do todo, ou seja, levando em conta o interesse
geral, então não difere de uma facção.
3. Considerar os partidos como canais de expressão nos leva a entendê-los como
um instrumento, ou uma agência, de representação do povo, expressando suas
reivindicações.
Ao se desenvolverem, os partidos não o fizeram [...] para transmitir ao povo os desejos das autoridades, mas antes para transmitir às autoridades os desejos do povo.31
Segundo Sartori, o governo responsável tornou-se sensível exatamente
porque os partidos constituíram-se em canais para articulação, comunicação e
implementação das demandas dos governados. De acordo com o autor,
[...] os partidos são instrumentos de expressão que desempenham uma função expressiva.32
Contudo, se eles se limitassem a transmitir informações poderiam ser
substituídos por pesquisa de opinião, levantamento e ações similares.
Mas os partidos oferecem algo que nenhuma máquina ou pesquisa de opinião pode oferecer: transmitem reivindicações apoiados por pressões. O partido lança seu próprio peso nas reivindicações a que se sente obrigado a fazer eco.33
Contudo, os partidos não só expressam a opinião pública, muitas vezes a
modelam e, na verdade, manipulam. Todavia,
há manipulação e manipulação: e enquanto os partidos forem partes (no plural), um sistema partidário presta-se à expressão vinda de baixo muito mais do que à manipulação feita de cima.34
Além disso, Sartori propõe o estudo não só do partido, mas também das
subunidades partidárias. Segundo o autor, mesmo que o partido seja a principal
unidade de análise, essa análise é incompleta se não examinarmos como tais
subunidades interagem no interior do partido e o alteram. Um partido, qualquer
31 Idem: 48. 32 Idem: 49. 33 Ibidem. 34 Idem: 50.
10
que seja a estrutura organizacional, é um agregado de pessoas que formam
constelações de grupos rivais.
Para designar os grupos presentes no interior dos partidos, Sartori adota a
palavra fração, uma vez que fração é, sem sombra de dúvidas, uma palavra mais
neutra do que facção. O autor afirma que a natureza de um partido está na
natureza de suas frações. Ou seja,
[...] diferentes tipos de frações incidem sobre o grau de coesão e, inversamente, de fragmentação de um partido, e sobre as maneiras e meios das interações e dinâmica intrapartidárias.35
Segundo Sartori, a anatomia subpartidária pode ser analisada sob quatro
dimensões:36 1. Organizacional, 2. Motivacional, 3. Ideológica, 4. Esquerda-direita.
1. Dimensão organizacional – sabemos que não só as subunidades podem ser
muito organizadas, como também o partido pode ser, em comparação com suas
subunidades, uma entidade menos organizada. Evidentemente, é importante
avaliar o grau em que o partido é constituído de subunidades que operam uma rede
de lealdades próprias; fazem congressos, angariam fundos para si mesmas (não
para o partido), tem imprensa própria e – no conjunto – tem um relacionamento
com o partido como se fossem grupos quase soberanos.
2. Dimensão motivacional – é a que investiga mais diretamente o facciosismo no
interior do partido. Grupos voltados para o poder e/ou para cargos e proventos
indicam o que se pode chamar de facção. Os grupos de opinião e/ou ideológicos, ao
contrário, são desinteressados, sendo seu principal interesse pautado na promoção
de idéias e ideais.
Sob este aspecto, uma dificuldade a ser enfrentada é a camuflagem. Uma
facção de interesse não vai se declarar como tal. Muitas vezes, busca um disfarce
sob a bandeira da eficiência, do realismo técnico e, até mesmo, usa roupagens
ideológicas.
35 Idem: 97. 36 Idem: 98-104.
11
Uma das primeiras indicações poderia ser o fato de ter ou não a fração uma base de clientela.37 Os cargos e proventos são importantes para as facções de interesse, porque conferem poder e porque atraem seguidores.38
3. Dimensão ideológica – certamente confunde-se com a dimensão motivacional.
Podemos encontrar frações que podem ser classificadas ao mesmo tempo como
ideológicas e como facções voltadas para cargos e proventos.
Ora, o fator causal e o fato de serem essas frações mais interessadas na distribuição de cargos e proventos do que motivadas ideologicamente ou vice-versa, é um problema de pesquisa empírica, e só esta pode esclarecer se a ideologia é apenas uma cortina de fumaça legitimadora.39
4. Dimensão esquerda-direita – adotar essa classificação para os partidos e para as
subunidades partidárias, embora não mereça muita confiança, é útil porque já está
pronta e pode ser aceita sem risco pelo seu valor aparente – e não se esperará dela
que possa explicar mais do que explica.40
Raquel Meneguello, no estudo sobre partidos políticos, toma como
referencial de análise a crítica que aponta o declínio dos partidos como decorrência
da degeneração de sua função de representar e por sua inadequação diante dos
novos interesses e questões que emergem no sistema político.41
Um dos problemas destacados pela autora é a priorização, pelos meios de
comunicação de massa, do personalismo e da imagem, prescindindo da mediação
partidária.
A perda pelos partidos do monopólio da organização e representação traduz o dilema da representação política da sociedade contemporânea.42
37 Um caso extremo de partido de clientela é a máquina política. Ver DINIZ, E. Voto e máquina política: patronagem e clientelismo no Rio de Janeiro. 38 SARTORI, G. Partidos e sistemas partidários: 100. 39 Idem: 101. 40 Idem: 102. 41 MENEGUELLO, R. Partidos e governos no Brasil contemporâneo ( 1985-1997): 25. 42 Idem: 26.
12
No entanto, ao mesmo tempo, os partidos figuram como agentes centrais da
conexão entre cidadãos e os governos democráticos, definindo agendas
governamentais e influenciando no processo de elaboração das políticas públicas.
Portanto, se por um lado há o declínio dos partidos no campo da representação, por
outro as relações entre os partidos e o Estado dão sustentação e legitimidade a
essas organizações.43
Para melhor entendimento e análise dos partidos políticos, Meneguello parte
de três acepções:44
1. Os partidos têm uma função representativa e de articulação de interesses –
apesar das transformações da representação política, são eles as instituições que
melhor integram clientelas, mobilizam eleitorado e estruturam as vontades e
demandas no sistema político.
2. Função governativa – são os principais agentes dos processos governamentais,
pois formam governos, ocupam cargos e produzem políticas públicas.
3. Natureza interativa dessas funções entre si – as funções e instâncias dos
partidos sofrem processos diversos de desenvolvimento, adquirindo graus diversos
de importância no sistema político.
Para a análise da questão partidária, Meneguello adota as abordagens de
Budge e Keman, que focalizam o comportamento dos partidos à luz da capacidade
de regulação do Estado, afirmando um suposto básico:
os partidos, quanto à organização e comportamento, variam segundo circunstâncias políticas definidas.45
Em linhas gerais, segundo este modelo,
[...] a participação dos partidos na arena governamental define-se por uma dinâmica segundo a qual, através da obtenção de cargos (ministérios) os partidos e os políticos viabilizam suas políticas.46
43 Idem: 27. 44 Idem: 27-28. 45 Idem: 34. 46 Idem: 36.
13
Assim sendo, afirma-se que a busca e a negociação por cargos pode ser
considerada uma ação legítima à sua função de governar. Portanto, ao invés da
consideração de que a negociação por cargos traduz apenas fisiologismo,
consideramos que a ocupação de postos governamentais pelos partidos é parte central de sua função governativa e pode traduzir graus significativos de organização no sistema partidário.47
Além disso, Budge e Keman trabalham com o suposto de que nenhum
partido detém a maioria das cadeiras legislativas, uma vez que isto é bastante raro
nas democracias contemporâneas.48
Esta condição define a dinâmica regular de coalizões partidárias para o exercício do governo e contempla a possibilidade de participação de um número variado de partidos.49
Três supostos básicos nortearam o modelo de Budge e Kenam: primeiro,
trata-se de sistemas multipartidários, em que os governos se constituem através
de coalizões e as parcelas de sustentação devidas aos partidos são traduzidas
através de ministérios; em segundo lugar, entende-se que a influência dos partidos
nas políticas de governo ocorre através da obtenção de ministérios; e, por fim,
considera-se que, através do controle de ministérios específicos, os partidos têm
acesso aos processos decisórios e de implementação de políticas públicas.50
Portanto, uma das formas de avaliar o desenvolvimento organizacional dos partidos
políticos seria através da análise de sua permanência na ocupação de ministérios
específicos ao longo do tempo.
No Brasil, afirma Meneguello, de modo geral os estudos sobre os partidos
consideram que as organizações partidárias são instituições frágeis.
Tais estudos convergem quanto à idéia de que nossos partidos são produtos debilitados de condições políticas globais...51
47 Ibidem: 36. 48 Idem: 47. 49 Ibidem. 50 Idem: 50. 51 Idem: 28.
14
Sob este aspecto, para o estudo sobre os partidos no Brasil, no período
republicano, a autora destaca quatro aspectos:52
a) O grau de descontinuidade dos partidos e dos sistemas partidários – a
existência de seis sistemas partidários de 1889 a 1985, aponta a inexistência de
condições para a constituição de uma história partidária contínua.
b) A complexidade das formações partidárias pode ser entendida como
reflexo da heterogeneidade regional política e cultural brasileira – as
dificuldades para formação de partidos nacionais, com a predominância de grupos
políticos de caráter regional; e o baixo grau de estruturação interna dos partidos,
considerado uma conseqüência de sua fragilidade institucional.
c) Na história política do país a quase totalidade dos partidos traduz um
perfil organizacional frágil – muitas das organizações partidárias são
caracterizadas como máquinas políticas estruturadas sobre uma dinâmica de
satisfação de interesses particulares e de obtenção de recursos materiais.
d) O papel predominante do Estado na organização e na representação de
interesses – o pressuposto de que a fragilidade dos partidos e a debilidade
contínua do sistema partidário brasileiro ocorrem, em parte, devido às limitações
impostas pelo Estado, é uma idéia observada na maior parte dos estudos sobre os
partidos no Brasil.
De acordo com Maria D’Alva Kinzo,53 o sistema político brasileiro não tem
mecanismos capazes de assegurar um grau razoável de accountability.54 Para que
isso ocorresse, seria necessário que o sistema oferecesse aos eleitores
52 Idem: 29-32. 53 KINZO, M. Partidos, eleições e democracia no Brasil Pós-1985: 28. 54 Segundo Luís Felipe Miguel, a literatura de Ciência Política designa pela palavra inglesa accountability a prestação de contas que o representante deve fazer de seus atos. MIGUEL, L. F. Representação política em 3-D: elementos para uma teoria ampliada da representação política: 131.
15
(1) condições de escolha entre distintas plataformas políticas ou alternativas partidárias, e (2) uma estrutura de conexão com seus representantes [...].55
Segundo Kinzo, as instituições brasileiras pouco têm ajudado na elevação do
grau de inteligibilidade do processo eleitoral. Dessa forma, muitos são os fatores
que dificultam o exercício da cidadania.56 Um deles é a complexidade do sistema de
escolha eleitoral que envolve cargos em diferentes níveis de poder e diversos
métodos eleitorais –
[...] representação proporcional para as câmaras legislativas federal, estaduais e locais; sistema de maioria simples para o Senado e sistema majoritário em dois turnos para presidente e governadores.57
Também o grande número de partidos, que resulta em um excesso de
candidatos, torna as opções menos nítidas para os eleitores. E, mais ainda, ocorre a
formação de coligações partidárias com alianças formadas por um grande número
de partidos, impedindo uma maior diferenciação entre eles. Além disso, como as
fronteiras das circunscrições eleitorais coincidem com as fronteiras geográficas dos
estados, cujo número de representantes (ou magnitude dos distritos eleitorais)
varia de acordo com o tamanho da população, torna-se difícil identificar a quem os
representantes deveriam prestar contas.58
Assim sendo, o vínculo entre eleitores e representantes não é algo
generalizado. De modo geral, é grande a autonomia que os deputados desfrutam
em sua atividade parlamentar, principalmente entre os eleitos nas grandes cidades.
O fato de a maioria dos eleitores não lembrar quem é o seu deputado ou em quem votou nas últimas eleições legislativas é uma boa indicação da inexistência de um vínculo de representação claro entre parlamentares e eleitores.59
Dessa forma, torna-se muito difícil para a população conferir
responsabilidade pelo desempenho governamental, o que impede a accountability
55 KINZO, M. Partidos, eleições e democracia no Brasil Pós-1985: 28. 56 Ibidem. 57 Ibidem. 58 Ibidem. 59 Idem: 29.
16
vertical60 efetiva e produz uma situação que tende a distanciar os eleitores de seus
representantes.61
Além disso, chama a atenção a fragmentação do sistema partidário
brasileiro. Não há dúvida de que no Brasil ocorre uma das maiores fragmentações
partidárias do mundo.62 A fragmentação do sistema partidário, segundo Kinzo, não
seria um problema se não afetasse a capacidade de o sistema estabelecer claras
opções para os eleitores, permitindo a escolha de acordo com o conhecimento
sobre os partidos.
O problema é que no Brasil a intensa fragmentação partidária está acompanhada por uma pequena inteligibilidade do processo eleitoral.63
Diante disso, com muita facilidade um candidato migra de um partido para
outro, sem nenhum constrangimento, o que demonstra a fragilidade dos partidos.
Uma maior evidência é o fato de dificilmente os partidos participarem de disputas
eleitorais como atores distintos, apresentando-se em alianças partidárias. Ou seja,
os partidos não se apresentam no jogo eleitoral como unidades diferenciadas, mas
como candidatos e coligações formadas por diversos partidos, muitas vezes até
com orientações ideológicas diferentes.
Em suma, não é fácil para o eleitor identificar e distinguir os partidos em
disputa – muitos são os partidos e muitas são as alianças –, cuja composição varia
de um lugar para o outro e de uma eleição para outra. Isto é,
60 No artigo Accountability horizontal e novas poliarquias, Guillermo O’Donnell realiza a diferenciação entre accountability vertical e accountability horizontal. Segundo O’Donnell, o que pode ser definido como o canal principal de accountability vertical são as eleições. Eleições, reivindicações sociais que possam ser normalmente proferidas, sem que se corra o risco de coerção, e cobertura regular da mídia ao menos das mais visíveis dessas reivindicações e de atos supostamente ilícitos de autoridades públicas são dimensões da accountability vertical. Já a accountability horizontal consiste na existência de agências estatais que têm o direito e o poder legal e que estão de fato dispostas e capacitadas para realizar ações, que vão desde a rotina a sanções legais ou até o impeachment contra ações ou emissões de outros agentes ou agências do Estado que possam ser qualificadas como defeituosas. 61 KINZO, M. Partidos, eleições e democracia no Brasil Pós-1985: 29. 62 Idem: 31. 63 Idem: 32.
17
[...] a intensa fragmentação e a falta de nitidez do sistema partidário fazem com que os eleitores tenham dificuldade em fixar os partidos, distingui-los e, assim, conseguir criar identidades partidárias.64
Assim sendo, ao observarmos a evolução dos partidos em nosso país, sua
fragilidade pode ser constatada. A visão do PT desse processo aparece nos
Cadernos de Formação nº 3:
desde de que surgiram na história da sociedade brasileira, os partidos políticos, em geral, foram formados de cima para baixo, sem a participação do povo e sempre para defender os interesses dos poderosos.65
No período do Brasil-Colônia e durante o Império, com a adoção do voto
censitário, o poder político encontrava-se nas mãos dos nobres e dos donos de
terra.
Mais tarde, com o advento da República, surgiram partidos políticos mais
organizados.
Mas eram controlados pelas classes dominantes de cada estado, que brigavam entre si pelo poder. O povo só votava para escolher um dos candidatos dos fazendeiros. Era a época dos coronéis e do voto de cabresto.66
Com a chegada dos europeus no Brasil, no início do século XX, propagaram-
se idéias anarquistas e socialistas e organizaram-se grandes lutas. Em 1922,
propondo-se lutar pelos interesses das classes trabalhadoras, foi fundado o Partido
Comunista. Contudo, era pequena a participação ativa de trabalhadores como
membros do partido.
Em 1937, com o golpe do Estado Novo, foi proibido o funcionamento de
todos os partidos e todas as tentativas de organização por parte do povo foram
violentamente reprimidas. Após o fim da ditadura de Vargas, em 1945, ressurgiram
e nasceram vários partidos políticos.
A grande maioria defendia uma visão de desenvolvimento de um capitalismo nacional, mas se opunha ao interesse dos
64 Idem: 33. 65 PT – SECRETARIA NACIONAL DE FORMAÇÃO POLÍTICA. O que é o PT: 8. 66 Ibidem.
18
trabalhadores. Alguns se diziam trabalhistas, mas só mobilizavam o povo para conseguir apoio para seus candidatos.67
Em 1964, com o golpe militar, novamente todos os partidos políticos foram
proibidos e fundaram-se dois novos. Foi criada a Aliança Renovadora Nacional -
Arena, que era o partido do governo e o Movimento Democrático Brasileiro - MDB,
um partido de oposição consentida pelos militares. Dessa forma, a Ditadura Militar
não proibia as eleições,
[...] mas transformou-as numa verdadeira encenação, num jogo de cartas marcadas, entre Arena e MDB, com elevadas taxas de votos nulos e brancos, de protesto.68
A partir de 1974, como forma de expressar sua desaprovação ao governo, o
eleitorado passa a votar maciçamente no MDB.
Este partido, no entanto, era um saco de gatos, onde existiam desde patrões insatisfeitos[...] até gente que queria defender os trabalhadores, mas não podia se arriscar muito, porque qualquer ousadia era respondida com cassação e perda do mandato.69
Finalmente, ressalta o documento do PT, com a crise internacional do
capitalismo, em 1974, e seus reflexos sobre a economia brasileira, passou a haver
desentendimentos dentro das próprias classes dominantes. Também entre os
trabalhadores esta situação levou ao surgimento de novas formas de organização,
como o Movimento do Custo de Vida, o Movimento pela Anistia e as greves
operárias, a partir de 1978.70 Em resposta à nova situação, o governo Geisel inicia
um processo que se desdobrou, em 1978, na chamada abertura política.
Em 1979, como forma de enfraquecer o MDB, foi proposta uma reforma
partidária. A Arena e o MDB foram dissolvidos e em seu lugar criaram-se seis novos
partidos, dos quais cinco sobreviveram. O Partido Democrático Social - PDS, foi
formado como sucessor da Arena; o Partido do Movimento Democrático Brasileiro -
67 Idem: 9. 68 Idem: 10-11. 69 Idem: 8. 70 Ibidem.
19
PMDB, veio a substituir o antigo MDB; o Partido Democrático Trabalhista - PDT; o
Partido Trabalhista Brasileiro - PTB e o Partido dos Trabalhadores - PT.
O PT: uma perspectiva weberiana
Devido à abrangência do significado do termo política, Weber partirá do
entendimento de política como
[...] tão-somente a direção do agrupamento político denominado Estado ou a influência que se exerce nesse sentido.71
Segundo Weber, o ponto peculiar na existência do Estado é o uso da coação
física.72 Nesse sentido, o autor cita a seguinte frase, dita por Trotsky: Todo Estado
se fundamenta na força. É evidente que a violência não é o único mecanismo de
que se vale o Estado, mas é seu instrumento específico.
Em geral, não se reconhece o direito de grupos ou indivíduos fazerem uso da
violência, a não ser nos casos em que é permitido pelo Estado.
Nesse caso, o Estado se transforma na única fonte do direito à violência.73
Assim sendo, pode-se entender por política o conjunto de esforços realizados
no sentido de alcançar a participação no poder.74
Desse modo, afirma Weber, qualquer homem que se dedique à política
aspira ao poder, seja porque o considere importante para realização de outros fins,
ideais ou egoístas, seja porque deseja o poder pelo poder.75 A política concede,
antes de tudo, o sentimento de poder.
A possibilidade de influir sobre outros seres humanos, o sentimento de participar do poder e, acima de tudo, a consciência de figurar entre os que detêm nas mãos um elemento importante da história que se constrói podem elevar o político profissional, mesmo aquele que ocupa apenas modesta posição, acima da banalidade da vida cotidiana.76
71 WEBER, M. Ciência e Política: duas vocações: 59. 72 Idem: 60. 73 Ibidem. 74 Ibidem. 75 Idem: 61. 76 Ibidem.
20
Dessa forma, Weber destaca três qualidades necessárias a um homem para
adquirir o direito de possuir o poder político: paixão, sentimento de
responsabilidade e senso de proporção.77 Paixão, afirma o autor, no sentido de um
propósito a realizar, isto é, de dedicação a uma causa. Além da paixão, um líder
político deve possuir sentimento de responsabilidade e um senso de proporção. Isso
significa
[...] que ele deve possuir a faculdade de permitir que os fatos ajam sobre si no recolhimento e na calma interior do espírito, sabendo, por conseguinte, manter à distância os homens e as coisas.78
De acordo com Weber, um dos mais comuns inimigos do homem político é o
sentimento de vaidade.79 A vaidade é inimiga mortal de qualquer dedicação a uma
causa. É inimiga do recolhimento e do afastamento de si mesmo. Certamente, ela é
algo inerente a todas as pessoas. Da mesma forma, o desejo do poder, o instinto
de poder é uma das qualidades normais do político.
O pecado contra o Espírito Santo de sua vocação consiste num desejo de poder, que, sem qualquer objetivo, em vez de se colocar exclusivamente a serviço de uma causa, não consegue passar de pretexto de exaltação pessoal.80
Em sua formação, o PT quis identificar-se como um partido voltado para os
despossuídos dos meios de produção, para aqueles que contavam apenas com sua
força de trabalho para sobreviver. Nesse sentido, o partido assumiria a causa da
classe trabalhadora.
À luz de considerações de Weber, essa causa a ser assumida pode ser
melhor analisada. O autor afirma que há duas formas de exercer política.
Pode-se viver para a política ou pode-se viver da política.81
Para Weber, nada há de exclusivo nessa prática, geralmente a pessoa realiza
as duas coisas simultaneamente. Aqueles que vivem para a política a transformam
77Idem: 107. 78Idem: 108. 79 Ibidem. 80 Ibidem. 81Idem: 68.
21
em seu principal objetivo, seja porque encontram satisfação na simples posse do
poder, seja porque essa atividade lhes permite exprimir valor pessoal, pondo-se a
serviço de uma causa que fornece significado às suas vidas.
Sob este aspecto, Weber ressalta que todo homem sério, que vive para uma
causa, vive também dela. Portanto, o aspecto econômico é extremamente
importante na distinção do homem político.
Do que vê na política uma permanente fonte de rendas, diremos que vive da política e diremos, no caso contrário, que vive para a política.82
Contudo, uma coisa é um ideal a ser posto em prática, outra é a prática do
exercício do poder. Nesse sentido, devemos levar em conta essas duas situações
quando da classificação do PT com um partido que vive para a política ou um
partido que vive da política. Podemos constatar que, tanto por questões
econômicas quanto pela sobrevivência do partido quando de seu apelo eleitoral e
em posterior exercício de mandato, a mistura das duas proposições passa a ser a
forma mais atrativa.
Weber ressalta também que
o resultado final da atividade política raramente corresponde à intenção original do agente.83
No entanto, o autor afirma que essa constatação não deve servir de pretexto
para que o político aja sem dedicação a uma causa, causa esta que dependerá das
convicções pessoais de cada um.
Além disso, a discussão sobre ética da convicção e ética da responsabilidade
também nos ajuda a analisar a situação do PT no governo. Enquanto a ética da
convicção coloca seu ideário como uma meta a ser atingida, independentemente
dos transtornos que possam ocorrer, a ética da responsabilidade dá ênfase às
conseqüências da ação. A diferenciação entre os dois conceitos pode ser melhor
entendida através do exemplo dado por Weber:
82 Ibidem. 83 Idem: 109.
22
Sempre que as conseqüências de um ato praticado por pura convicção se revelem desagradáveis, o partidário dessa ética não atribuirá responsabilidade ao agente, mas ao mundo, à tolice dos homens ou à vontade de Deus [...] Contrariamente, o partidário da ética da responsabilidade [...] por conseguinte, dirá: Essas conseqüências são imputáveis à minha própria ação.84
De acordo com Weber, há duas espécies de pecado mortal em política: não
defender causa alguma e não possuir sentimento de responsabilidade.85 Para ele
a ética da convicção e a ética da responsabilidade não se contrapõem, mas se complementam e, juntas, formam o homem autêntico, ou seja, um homem que pode aspirar à vocação política.86
84 Idem: 68. 85 Idem: 109. 86 Idem: 123.
Capítulo 2
Gênese e organização do PT
O objetivo deste capítulo, como foi ressaltado anteriormente, é o estudo da origem
e da fundação do Partido dos Trabalhadores. Do mesmo modo, será analisada sua
estruturação e organização interna, assim como os meios adotados para seu
funcionamento.
A formação do PT
Em 1974, com o início da liberalização, realizada pelo presidente Geisel, foram
sendo restaurados gradualmente muitos dos direitos civis e políticos, suspensos
durante a década precedente. Essa nova conjuntura permitiu o crescimento de um
movimento pela restauração da democracia,
[...] que incluía elites políticas, associações profissionais, um setor do movimento operário de militância recente e um amplo espectro de movimentos sociais associados à Igreja Católica.87
Naquele contexto, os intelectuais de oposição, algumas elites políticas e a
imprensa criaram conjuntamente uma forte imagem de consenso oposicionista
sobre a necessidade da democratização. Numa versão ampliada, a oposição incluía
elites econômicas e políticas dissidentes, a Igreja Católica, movimentos sociais,
estudantes e o operariado;
[...] sua imagem era, assim, a imagem de toda uma sociedade, da sociedade contra o Estado.88
O movimento operário, que também passou por transformações profundas
nesse período, constituía um outro tipo de fenômeno, possuindo uma poderosa
base institucional. O novo sindicalismo
[...] assinalava a existência de um descontentamento popular massivo e organizado com relação ao regime [...].89
87 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 38. 88 Idem: 55. 89 Ibidem.
24
Segundo Isabel Ribeiro de Souza, os integrantes do novo sindicalismo
partilhavam entre si o desejo e a disposição de modificar a estrutura sindical
vigente e questionar a política salarial trabalhista.
A liderança do novo sindicalismo, composta de dirigentes sindicais, associados e trabalhadores atuantes, se distinguia no movimento operário por se posicionar publicamente frente a suas principais questões, no período considerado.90
Através da luta pela reposição salarial, o novo sindicalismo invadiu a cena
pública. Em 1973, houve um erro de cálculo referente ao reajuste salarial das
diversas categorias de trabalhadores, decorrendo daí uma perda salarial.
O Governo admitiu então que os salários estavam defasados em 3% durante o período de 1973-1974.91
Essa admissão deu início à luta pela reposição salarial.
Lula inicia a luta convocando uma Assembléia em São Bernardo, onde é proposto a efetivação de um dissídio coletivo, com vistas à obtenção de um acréscimo salarial de 31,4%.92
A reposição foi alcançada no ano seguinte, 1978, mas a luta prosseguiu. No
dia 12 de maio, iniciou-se a primeira grande greve do setor metalúrgico, em São
Paulo,
quando trabalhadores da Ford e da Scania, grandes indústrias automobilísticas de São Bernardo do Campo, entraram em greve de protesto contra o resultado do dissídio coletivo.93
A greve se alastrou para outras empresas de São Bernardo e para outras
cidades de São Paulo.
Em 1979, as greves pipocaram por todo Brasil.94
Segundo Margaret Keck, naquele ano, a questão dos direitos dos
trabalhadores foi colocada explicitamente na agenda do debate sobre a democracia,
através das ações e reivindicações dos próprios operários. Através das greves de
90 SOUZA, I. Trabalho e Política: As origens do Partido dos Trabalhadores: 45-46. 91 VEJA apud idem: 46. 92 SOUZA, I. Trabalho e Política: As origens do Partido dos Trabalhadores: 46. 93 Idem: 50. 94 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 81.
25
1978 e 1979, os trabalhadores puderam perceber sua importância como agentes
políticos. Ao mesmo tempo, eles perceberam que só a greve era insuficiente,
especialmente para os metalúrgicos, que continuavam a representar o cerne do novo sindicalismo, a idéia de formar um partido próprio entrou na agenda das discussões.95
Assim, aproveitando a brecha legal aberta pela reforma partidária aprovada
pelo Congresso Nacional, em 1979, no ano seguinte foi fundado o Partido dos
trabalhadores.
A origem do PT é o primeiro elemento que o destaca no quadro histórico-
partidário brasileiro. O PT organizou-se em torno das mobilizações do novo
sindicalismo; de parte dos movimentos urbanos; de setores da intelectualidade e
da classe política de oposição envolvidos com o debate da reforma partidária; e de
alguns grupos de esquerda. Como a Igreja Católica teve um papel fundamental,
durante a década de 1970, na organização de movimentos populares urbanos, a
aproximação entre Igreja e partido deu-se desde o início. Vale informar que, no
âmbito dos movimentos populares urbanos, além das organizações ligadas à Igreja
terem se voltado para a órbita do PT, o partido recebeu também outros tipos de
movimentos, tais como grupos de negros, grupos feministas e movimentos
libertários.96
De acordo com Lourival de Carvalho, na primeira fase de sua formação, o
fator dinâmico principal do Partido dos Trabalhadores partia da ação de seus
militantes sindicalistas que estavam à frente do movimento grevista.97 Dessa
forma,
o predomínio do núcleo sindicalista no PT foi altamente positivo, pois garantiu a ligação do partido com o movimento de massas, evitando que o partido se isolasse em posições vanguardistas.98
95 Idem: 83. 96 MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 64. 97 CARVALHO, L. O PT na construção do futuro: 14. 98 Ibidem.
26
Contudo, ao ser lançado, o partido provocou reações imediatas entre os
sindicalistas, evidenciadas em três posições.
A primeira, dos dirigentes sindicais que formavam a Comissão Provisória, defendendo a criação já do partido. A Segunda [...] daqueles que preferiam antes organizar a Central Sindical [...]. A terceira foi a daqueles que eram absolutamente contrários à criação do PT, privilegiando a luta no interior dos partidos já existentes.99
O terceiro grupo era integrado pelo presidente do Sindicato dos Metalúrgicos
de São Paulo - Joaquim dos Santos Andrade - e pelo presidente do Sindicato dos
Metalúrgicos de Santos - Arnaldo Gonçalves.100 Este último argumentava que,
naquele momento, melhor seria reunir todas as forças de oposição no MDB, ou
outro partido que agrupasse todas as correntes, uma vez que, com a reforma
partidária, o governo estava querendo dividir as oposições.101
Além disso, aconteceu um debate generalizado sobre os tipos de novos
partidos políticos que melhor poderiam contribuir para a democratização no Brasil.
Sob esta perspectiva, Almino Afonso – antigo deputado pelo Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB) e Ministro do Trabalho sob a presidência de João Goulart –
[...] defendia a necessidade de um partido popular, nacional e democrático, com uma visão do socialismo no horizonte e uma estrutura verdadeiramente democrática e participativa.102
Assim, além da proposta de Almino, as oposições também discutiam as
seguintes opções: uma revivescência do PTB, uma frente popular, a formação de
um Partido dos Trabalhadores e a manutenção do MDB.
No entanto, ressalta Keck, havia fortes motivos para se temer que o regime
e as elites tradicionais fossem manter o processo de reforma sob controle estrito.
O pacote de abril de 1977 destinava-se explicitamente a retardar o avanço aparentemente irrevogável do MDB.103
99 GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 30. 100 Idem: 30. 101 Ibidem. 102 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 70. 103 Ibidem.
27
Com o artigo 152 do pacote da reforma, que tratava da formação de novos
partidos políticos, esperava-se que a Arena permanecesse igual e que o MDB fosse
se fracionar em diversos partidos.
No final de 1978, Fernando Henrique Cardoso passa a defender a proposta
de que o MDB era o partido popular sobre o qual as oposições vinham discutindo. A
não incorporação ao MDB, afirmava Cardoso, era facilitar as coisas para o Partido
da Ordem.104 Da mesma forma, destaca Keck, Fernando Henrique Cardoso fazia
objeção à criação de um partido dos trabalhadores pautado pela idéia de que não
se podia reduzir as relações sociais às relações no local de trabalho.105
Além disso, o PMDB lançava a acusação de que o PT era divisionista e que
estava fazendo o jogo do governo.106 Em resposta, o Partido dos Trabalhadores
qualificava o PMDB como uma frente muito ampla e como um partido burguês.
A campanha do voto útil do PMDB era essencialmente dirigida ao PT. Em
oposição a esta idéia, Lula argumentou, em um discurso de campanha em Ubatuba,
em 28 de agosto de 1982:
Porque não acredito, não acredito que um partido que tem um latifundiário vai resolver o problema da terra nesse país. Não acredito que um partido que tem um grande empresário vá resolver o problema da classe trabalhadora nesse país. Não acredito que um partido que tem um banqueiro vá resolver o problema da baixa de juro nesse país. Eu acredito que é preciso haver uma inversão de valores. É preciso que eles que sempre foram oprimidos entendam, de uma vez por todas, de que eles precisam deter o poder político em suas mãos.107
Apesar das expressivas votações alcançadas pelo MDB em um sistema
bipartidário, faltava ao partido
[...] um projeto que tivesse ressonância na vida e na experiência cotidiana do povo.108
104 Idem: 73. 105 Ibidem. 106 Idem: 169. 107 SILVA, L. (Gravação em fita) apud KECK, M. PT – A lógica da diferença: 172. 108 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 71.
28
Os petistas afirmavam que os trabalhadores já estavam cansados de
partidos que os defendiam apenas em seus discursos.
Dessa forma, afirmam Gadotti e Pereira,
nascia assim, no Brasil, o primeiro partido político de massas e de baixo para cima, por vontade dos próprios trabalhadores.109
No entanto, o partido passou por formas distintas de organização, de acordo
com o grupo que assumia a responsabilidade de sua formação em cada estado.
Isso, por sua vez, dependeu principalmente dos contatos que o núcleo do grupo de organização de São Paulo mantinha com o resto do país.110
Segundo Margareth Keck, o estado do Rio de Janeiro é um bom exemplo
dessa variação.111 Tendo em vista a forte influência do Partido Comunista e de
outros grupos menores como o MR-8, que decidiram continuar trabalhando no
interior do PMDB, muitos líderes sindicais do Rio de Janeiro reagiram
negativamente à proposta de um novo partido.
Assim sendo,
os porta-vozes iniciais da proposta do PT no Rio não foram os sindicatos, mas um amálgama relativamente conflituoso de estudantes e intelectuais, grupos comunitários [...] e dois parlamentares[...].112
Dessa forma verifica-se, desde o início, um conflito em relação ao controle
do Partido dos Trabalhadores no Rio de Janeiro.
Em meados de 1983, teve início uma luta mais ativa e organizada, tendo em
vista a liderança estadual e nacional, através da criação da Articulação dos 113,
que foi proposta por membros da ala sindical (inclusive Lula), militantes católicos e
intelectuais.113 A Articulação
109 GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 31. 110 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 117. 111 Idem: 118. 112 Ibidem. 113 Idem: 135.
29
representava um esforço para impor uma visão relativamente unificada da natureza e dos objetivos do PT, não ao ponto de eliminar as diferenças derivadas das tendências, mas pelo menos como expressão de uma clara maioria.114
O funcionamento do partido
De início, dois importantes mecanismos organizacionais foram criados para garantir
a democracia interna e estimular a participação dos membros do partido.
Um foi o estabelecimento de um processo de convenção em dois turnos, mediante o qual, antes da realização de um encontro oficial, [...] o PT realizaria pré-convenções de que participaria uma amostra mais ampla dos membros do partido.115
O segundo mecanismo foi a instituição dos núcleos. Segundo Kech, apesar da
aparente proximidade da unidade básica dos partidos tradicionais de esquerda, a
concepção adotada de núcleo tinha afinidade com a forma de organização das
comunidades de base da Igreja, seguindo o mesmo viés anticentralista.116 Desde o
início, pretendeu-se que o núcleo seria a estrutura organizacional básica do partido,
sendo todos os membros incentivados a participar.
No processo de formação do PT, o significativo papel das lideranças sindicais
levou a que o perfil interno do partido traduzisse sua influência.
Nesse sentido, os quadros petistas no período entre 1979 e 1982 traduzem a expressiva força política do novo sindicalismo dentro do partido.117
De acordo com Raquel Meneguello, entre 1979 e 1981, as comissões
nacionais provisórias eram compostas de não menos de 50 % de membros
pertencentes ao grupo dos sindicalistas.118 A partir de 1981, ocorre uma certa
diminuição do espaço ocupado por esse grupo.
114 Ibidem. 115 Idem: 123. 116 Ibidem. 117 MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 69. 118 De acordo com SOUZA, I. Trabalho e Política: As origens do Partido dos Trabalhadores: 46-47, a liderança do novo sindicalismo, era composta de dirigentes sindicais, associados e trabalhadores atuantes, que aglutinavam-se em subgrupos informais. Por serem numerosos os subgrupos, a autora cita quatro dos principais grupos de sindicalistas: [...] o primeiro deles o da unidade sindical, que tinha como principal porta-voz Joaquim de Santos Andrade
30
[...] Mesmo mantendo seus principais expoentes, o novo sindicalismo passou a dividir em maior grau a direção do partido com membros dos demais grupos internos [...].119
No momento inicial de organização do partido, o segundo dos blocos
internos compôs-se da maior parte dos
grupos de esquerda.120 Tais grupos, fundados em forte doutrinarismo mobilizavam-se em torno da transformação do PT em partido revolucionário marxista-leninista [...].121
Meneguello ressalta que, nesse primeiro momento, havia três orientações
políticas básicas que definiram a atuação dos grupos de esquerda dentro do PT.
Uma vez que, a discussão central era a institucionalização do partido, ou seja, o
registro partidário, a autora classifica os grupos segundo seu posicionamento frente
a esta questão.122
Inicialmente, havia uma orientação baseada na idéia de que o partido devia
agir como frente política de massas, defendida pelo Movimento de Emancipação do
Proletariado - MEP. Propunham que o PT fosse uma composição partidária ampla e
frentista. Uma Segunda orientação posicionava-se indiferente quanto à legalização
do partido, mas defendiam a construção de uma vanguarda marxista-leninista. Essa
orientação era representada principalmente pelos grupos de tendência trotskista: o
Secretariado Unificado, que se expressava pelo jornal Em Tempo, por parte do
grupo Libelu (Liberdade e Luta). Finalmente, uma terceira orientação configurou-se
(Joaquinzão), Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo [...] O segundo grupo, tal como o primeiro, tendo à época como principal porta-voz um Presidente de sindicato, Luís Inácio Lula da Silva, dele se diferenciava pelo aparato estatal e pelo intuito de mobilizar a categoria, enquanto principal recurso de poder. Afinados com os autênticos em termos de proposta de luta, estavam os líderes da oposição sindical [...] Tinham como porta-voz mais conhecido José Ibrahim, que exerceu a presidência do Sindicato de Osasco quando da greve de 1968. Finalmente, havia um grupo de pequena expressão numérica, mas extremamente aguerrido, que identificarei pelo rótulo de radicais. Este grupo questionava e rejeitava as regras do jogo existentes como limites legítimos ao espaço de luta, visando construir uma nova estrutura sindical baseada em comitês de fábricas, cabendo ao sindicato apenas a função representativa delegada. 119 MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 70. 120 Idem: 72. 121 Ibidem. 122 Idem: 72-73.
31
mais como uma tendência partidária. Essa orientação tinha concepções sectárias,
definia o grupo sindicalista como contra revolucionário e Lula como um líder que
paralisa o movimento de massas em função de acordos com o regime.123
Essa orientação era representada principalmente pela Convergência
Socialista e a tendência ligada à Organização Socialista Intenacionalista - OSI.
Desta maneira, uma das preocupações era a forma como se daria a
assimilação das organizações de esquerda no interior do partido, uma vez que
[...] quase todos consideravam o PT como uma formação tática contingente, que prefigurava o surgimento de um partido operário verdadeiramente revolucionário.124
Diante dessa preocupação foram realizadas várias reuniões entre
parlamentares e sindicalistas, com o objetivo de discutir a dupla militância, de
forma a garantir que o partido não se transformasse em uma frente.125 Além disso,
em meados de 1983, formou-se a Articulação dos 113, como
[...] uma tentativa de consolidar a liderança do partido.126
Naquele momento, apesar de muitos dos participantes da Articulação
preferir persuadir os demais de suas posições, a maioria entendia que excluir à
força as posições dissidentes poderia ser uma atitude tida como antidemocrática.
Segundo Keck, a discussão do problema dos partidos dentro do partido
refletia a necessidade de consolidação da organização interna.127
A necessidade revelou-se de modo dramático em abril de 1986 quando um grupo de antigos membros de PCBR que se declaravam membros do PT foi preso por assalto a um banco em Salvador para, segundo alegaram, recolher fundos para a revolução (ou, [...] para ajudar a revolução nicaragüense).128
123 SANTO & VIDAL apud MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 73. 124 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 115. 125 Ibidem: 115. 126 Idem: 135. 127 Idem: 138. 128 Ibidem.
32
Apesar da reação do partido, expulsando as pessoas envolvidas no episódio,
a identificação dos responsáveis como petistas prejudicava o PT.129
O debate que se seguiu, após o incidente de Salvador, trouxe significativos
avanços sobre a questão das tendências.
A contribuição de Olívio Dutra a esse debate continha uma crítica dirigida em particular ao comportamento da Convergência Socialista e ao Partido Comunista Revolucionário.130
Dutra acusava ambas as organizações de encarar o PT somente como um
campo de recrutamento, apoiando suas posições apenas quando era de sua
conveniência e dando prioridade à manutenção das estruturas, lideranças,
formação de quadros e imprensa de sua própria organização.131
Entretanto, nenhum dos participantes do debate sobre tendências defendeu
a idéia de que não se deveria permitir a existência de correntes organizadas dentro
do partido. A controvérsia estava voltada para a forma como elas deveriam se
organizar. A resolução aprovada no 5º Encontro Nacional (1987) reconhecia a
existência das tendências e estabelecia normas para sua atuação. Dessa forma,
declara a resolução:
[...] é rigorosamente incompatível com o caráter do PT a existência velada ou ostensiva, de partidos em seu interior concorrentes do próprio PT. Quer dizer, o PT não admite em seu interior organizações com políticas particulares em relação à política geral do PT; com direção própria, implicando inevitavelmente uma dupla fidelidade; com estrutura paralela e fechada; com finanças próprias, de forma orgânica permanente; com jornais públicos e de periodicidade regular.
O reconhecimento de agrupamento desse tipo – partidos dentro do partido – seria a aceitação do Partido enquanto frente política, vale dizer, a própria negação do projeto histórico do PT. E colocaria irremediavelmente em risco a perspectiva de consolidá-lo como um forte partido da classe trabalhadora, alternativa real de poder popular para o País.
Entretanto, levando em consideração que existem no PT agrupamentos com estrutura de partido, o PT travará com eles debate político visando a sua dissolução e completa integração de
129 Idem: 138-139. 130 Idem: 139. 131 Ibidem.
33
seus militantes na vida orgânica petista, podendo vir a se transformar em legítimas tendências do Partido.132
Em 1990, em artigo da revista Teoria e Debate, Apolônio de Carvalho propõe
explicitamente a expulsão da Convergência, da Causa Operária e do PCBR,
alegando que
há correntes políticas que por si mesmas se revelaram corpos estranhos no interior de nossa organização.133
No entanto, em julho de 1990, o Diretório Nacional concluiu que a
Convergência havia cumprido os requisitos que a qualificavam como tendência do
partido. Naquela ocasião, dos grupos que solicitaram o reconhecimento, somente a
Causa Operária teve seu pedido negado.134
132 5º Encontro Nacional apud KECK, M. PT – A lógica da diferença: 141. 133 CARVALHO, A. de. Correntes internas do PT – momento de reflexão. 134 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 142.
Capítulo 3
Perfil e identidade
O Partido dos Trabalhadores foi criado em meio a uma súbita e generalizada onda
de protesto operário do final da década de 70. Surgiu a partir da idéia de
construção de uma organização própria da classe trabalhadora. Desde sua
formação, a visão classista moldou basicamente a proposta do PT.135 No entanto,
tratava-se de um classismo ambíguo, ora definido pelo recorte estreito do
operariado industrial, ora definido pelos amplos segmentos assalariados do
Brasil.136 Através das palavras de Lula, essa ambigüidade vem à tona:
[...] Eu acho que o PT [...] é um partido que está muito próximo de ser um partido de classe do que qualquer outra coisa. Agora tem outra coisa também; as pessoas que acham que nós somos de classe não deveriam ficar horrorizadas com isso, porque os partidos que existem por aí são da classe dominante. Portanto, é correto que o PT tenha essa aproximação de partido de classe, porque ele surgiu da organização dos trabalhadores.
[...] E não estamos criando um partido de operários, de metalúrgicos, mas um partido de trabalhadores brasileiros, porque o nosso conceito de trabalhadores é muito amplo. Nós englobamos profissionais liberais, professores e vários outros segmentos da sociedade que, direta ou indiretamente, vivem subordinados ao regime de salário. Então nós estamos descaracterizando esse negócio de partido operário de que tanto o governo tem medo.137
Naquele momento, a proposta era fundar um partido sem patrões, partindo
do pressuposto de que os trabalhadores deveriam ser instrumentos de
transformação, uma vez que as elites políticas, que sempre governaram o país,
defenderam apenas seus próprios interesses.
Assim, além de partido classista, como partido socialista, o PT tinha
propostas de mudança das políticas econômicas e sociais, como o objetivo de
beneficiar os menos favorecidos; como partido democrático e participativo,
135 MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 106. 136 Ibidem. 137 LULA apud MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 106.
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suscitava uma concepção política na qual os excluídos passassem a falar por si
próprios.138 Sua proposta de fundação era :
[...] um partido que lutasse pela ruptura da ordem econômica, social e política capitalista, e pela construção de um sistema social que deve gerar as condições para o fim da exploração do ser humano pelo ser humano. Um partido que se dispõe a superar o capitalismo.139
Partido socialista
Uma das primeiras discussões entre os membros do partido foi sobre o caráter
socialista do PT. Muitos, levando em conta a heterogeneidade dos seus membros,
preferiam não definir claramente o tipo de socialismo a ser implantado. Outros,
com idéias mais ortodoxas, viam no marxismo a alternativa a ser seguida.
Meneguello ressalta que alguns grupos de esquerda, ao aproximarem-se do
movimento sindical, criaram divisões quanto à forma do partido a ser criado.140
Sobretudo, este foi o caso da Convergência Socialista, provavelmente o grupo que
publicamente mais procurou levar para sua órbita parte dos líderes sindicais. Desde
1978, ano de sua fundação, a Convergência Socialista entra no debate com a
proposta de criar um partido socialista de trabalhadores. Da mesma forma, outros
grupos, que se autodenominaram trotskistas, entraram no debate partidário.
Em fevereiro de 1980, o PT estava a caminho de sua legalização com a
aprovação do Manifesto e do Programa do Partido. Os denominados radicais da
esquerda oficial pressionavam para que prevalecessem suas linhas políticas de
ação.
Lula destacou-se, desde esse momento, pela defesa da democracia interna e rejeitou uma concepção pronta da ideologia do partido, preferindo caminhar lenta, mas seguramente, na construção do projeto do partido com a sua própria luta e organização.141
138 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 13-14. 139 PT – SECRETARIA NACIONAL DE FORMAÇÃO POLÍTICA. Cadernos de Formação nº 3 - O que é o PT: 13. 140 MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 62. 141 GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 21-22.
36
Em declaração à revista Isto É, Lula afirma que
a grandeza da classe trabalhadora não permitirá que grupos radicais estreitem a proposta de um partido de massas como é o PT [...].142
Desde então, a subordinação da linha do PT aos interesses da classe
trabalhadora fará parte da atuação de Lula dentro do partido.143 Para ele, os
trabalhadores deveriam construir o seu próprio caminho.
No livro Pra que PT, foi transcrito o seguinte discurso, proferido por Luís
Inácio Lula da Silva, na Primeira Convenção Nacional do Partido, em Brasília, no dia
27 de setembro de 1981:
Os trabalhadores são os maiores explorados da sociedade atual.
Por isso sentimos na própria carne e queremos, com todas as forças, uma sociedade que, como diz nosso programa, terá que ser uma sociedade sem explorados e sem exploradores. Que sociedade é esta senão uma sociedade socialista?
Mas o problema não é apenas este. Não basta a alguém dizer que quer o socialismo. A grande pergunta é: qual socialismo? [...]
Sabemos que caminhamos para o socialismo, para o tipo de socialismo que nos convém [...] O socialismo que nós queremos se definirá por todo o povo, como exigência concreta das lutas populares [...].144
Também no caderno de formação do partido, é colocada a seguinte
proposição sobre a questão:
o PT tem uma visão própria de socialismo, sustentando uma visão em que ele é inseparável da democracia e do exercício do poder pelos próprios trabalhadores.145
De acordo com Lourival de Carvalho, o 5º Encontro Nacional do PT146
(Brasília, dez. de 1987) teve um significado especial porque nele foi aprovado o
142 Isto É apud GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 22. 143 GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 22. 144 Idem: 72. 145 PT – SECRETARIA NACIONAL DE FORMAÇÃO POLÍTICA. Cadernos de Formação nº 3 - O que é o PT: 19. 146 Como as resoluções do 5º Encontro compõe um texto amplo, de 243 parágrafos e nove capítulos, para melhor entendimento sobre a proposta socialista do PT, apenas o item que trata sobre o socialismo foi reproduzido nos anexos.
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projeto político do partido.147 Segundo Carvalho, o entendimento das resoluções do
5º Encontro pressupõe uma clara compreensão entre os conceitos políticos de
tática e estratégia.148
A tática é a parte da política que visa obter resultados a curto e médio prazos.149
Sob esta perspectiva, podemos entender que ela está ligada às ações
necessárias em um determinado momento e a partir da realidade tal como ela é,
independentemente da vontade do partido.
Já a estratégia é essencialmente uma política de longo prazo, com a qual o partido prepara a força social, política e ideológica que vai tomar o poder e construir o socialismo.150
Assim sendo, através da tática, busca-se viabilizar no dia-a-dia a estratégia
revolucionária.
Partindo do 5º Encontro, surgem duas possibilidades: a construção de um
partido socialista de massas ou a construção de um partido democrático e popular
de massas.151 De acordo com L. Carvalho, a proposta do PT seria mobilizar os
trabalhadores a partir da conjuntura em que vivem.
Trata-se portanto, de um programa mínimo de transformação social, proposto pelo PT como ponto de união da frente democrática e popular que conquistará o governo.152
Assim sendo, esse programa ainda não seria suficiente para a implantação
do socialismo.
A função estratégica do PT, ressalta L. Carvalho, é a conquista da
hegemonia do proletariado para, nessa posição, dar perspectiva socialista ao
147 CARVALHO, L. O PT na construção do futuro: 17. 148 Idem: 18. 149 Ibidem. 150 Ibidem. 151 Idem: 47. 152 Ibidem.
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programa.153 Dessa forma, virá a desempenhar seu principal papel, que é atingir
seu programa máximo, ou seja, a construção da sociedade socialista no Brasil.
No entanto, surgiram certas distorções quanto ao entendimento do
programa democrático e popular.
Temos, por exemplo, a interpretação de uma ampla e heterogênea tendência de pensamento do PT, que restringe a atuação do partido aos limites democráticos e populares do programa mínimo.154
Sob essa ótica, perde-se de vista a proposta socialista.
Reagindo a essa tendência, existem os grupos essencialmente ligados à
defesa do socialismo. Contudo, quanto a isso, há dois tipos de reações. Uma parte
de petistas defende a estratégia socialista a partir das resoluções do 5º Encontro,
enquanto uma outra parte entende como incompatível um governo democrático
popular e o socialismo.155
Segundo Francisco Weffort,156 alguns membros tinham uma idéia
despropositada de definir o PT como um partido marxista-leninista, atropelando a
originalidade da experiência petista, com a intenção de implantar uma ideologia por
decreto.157 Diante disso, Weffort faz o seguinte questionamento:
Supondo que cometêssemos esta lamentável confusão e que adotássemos a teoria (e a filosofia) marxista como pensamento oficial do partido, o que faríamos a seguir com os socialistas não marxistas que se encontram no PT? O que faríamos por exemplo com os católicos do PT? Expulsaríamos todos ou passaríamos a dizer que o nosso marxismo acredita em Deus? O que faríamos com muitos de nossos militantes de base operária, que nem mesmo chegaram a uma convicção ideológica do tipo socialista? E os líderes operários, magníficos lutadores que ocupam posições de direção no partido sem que jamais tenha ocorrido a ninguém pedir-lhes certificados de marxismo? Demitiríamos todos de suas funções de direção até que estudassem teoria marxista, ou passaríamos a mentir, dizendo que eles são marxistas sem terem lido Marx? Substituiríamos todos eles pelos quadros que se
153 Ibidem. 154 Idem: 48. 155 Ibidem. 156 Francisco Weffort – então membro da Executiva Nacional do PT 157 WEFFORT, F. Consolidar o partido, construir a democracia.
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acreditam intelectuais orgânicos do proletariado apenas porque leram meia dúzia de livros e manejam um jargão arrevezado e pretensamente científico? Felizmente, o PT conta em suas fileiras com muitos marxistas verdadeiros, que sabem distinguir entre teoria e ideologia e, portanto, sabem que é insensato pedir ao PT que se defina no sentido teórico. Como bons marxistas, aprendem com a experiência histórica e sabem que o mais difícil de tudo na política é que os partidos se encaminhem, de modo correto, no sentido prático. Como bons marxistas, sabem que o PT não nasceu de uma definição teórica, mas de uma intuição prática que se revelou teoricamente correta, a respeito da condição dos trabalhadores na sociedade capitalista e a respeito da afirmação política independente dos trabalhadores como classe.158
Assim, destaca Weffort,
o PT é um partido de perfil ideológico definido, mas laico do ponto de vista teórico e filosófico, cabendo nele socialistas dos mais diversos matizes, sejam marxistas, católicos, protestantes, umbandistas ou agnósticos.
Também Wladimir Pomar afirmava que apontar uma definição socialista para
o partido não era uma aspiração dos trabalhadores e populares, uma vez que esta
questão estava longe de seu horizonte de compreensão.159
E a vida já demonstrou que tais definições de nada valem se a esmagadora maioria dos trabalhadores não se mobiliza para lutar por proposta que entenda.160
Contudo, várias tendências tinham resistência quanto à idéia de que um
partido com as características do PT tivesse condições de dirigir o processo de
transformação socialista no Brasil. Afirmavam
[...] que todo partido socialista que adotou o lema democrático e institucionalizou-se como partido de massas resvalou para a social-democracia ou para o socialismo legalista.161
Sob este aspecto, Tarso Genro162 destaca a crise expressa na contradição
entre as propostas teóricas e o socialismo real.163 Genro afirma que
[...] o partido socialista a ser construído não o será apenas na esteira de todas as experiências anteriores, mas deverá ser uma ruptura que conserva e supera todas essas experiências. [...] O
158 Idem. 159 POMAR, W. Atos de hoje constroem o amanhã. 160 Idem. 161 Idem. 162 GENRO, T. – então vice-presidente do PT/RS. 163 GENRO, T. Um novo partido socialista de massas.
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partido de novo tipo deve responder a esta nova situação histórica.164
Nessa linha de reflexão, Tarso Genro parte do pressuposto de que o Partido
dos trabalhadores já é uma vanguarda na luta contra a transição conservadora e
nas lutas anticapitalistas.165 Diante disso, precisa de uma maior homogeneidade
ideológica, uma definição programática e uma estrutura organizativa que,
mantendo a democracia, incida de forma mais abrangente sobre o cotidiano político
de sua militância organizada, a fim de não se limitar aos enfrentamentos na esfera
política das instituições da ordem, pois correria o risco de ser sugado por ela. No
entanto, afirma Genro:
[...] É preciso entender que a definição do PT como partido marxista-leninista seria hoje meramente formal e inadequada, tendo em vista, de uma parte, o significado histórico adquirido por esta expressão perante os olhos das massas e, de outra parte, porque o conteúdo filosófico da mesma foi objetivamente preenchido pela vulgaridade doutrinária do stalinismo.166
Mais recentemente, ao ser indagado sobre em que medida o programa do
Partido dos Trabalhadores se articula com a luta pelo socialismo, Antonio Palocci
respondeu:167
A tradução de um projeto socialista hoje se dá na necessidade de desenvolver política de inclusão e proteção dos segmentos sociais fragilizados. Quando se faz um sistema de ajuste com metas estritamente macroeconômicas, se fragiliza o pequeno produtor, o pequeno empresário, o trabalhador sem-terra, o com pouca terra ou com pouco recurso. Todos esses setores ficam desprotegidos. A grande resposta que um partido socialista pode dar é construir um projeto de inclusão que tenha como base o desenvolvimento da nação: a questão nacional, a questão democrática e a questão social. Esses três eixos é que dão conteúdo para um partido de esquerda governar o país em direção a uma sociedade mais justa.
164 Idem. 165 Idem. 166 Idem. 167 Antonio Palocci – então prefeito de Ribeirão Preto (SP) e coordenador do Programa Nacional de Governo do PT. Apesar de sua resposta, na mesma entrevista, Palocci deixa bem claro que o PT não pretende uma ruptura com os critérios e instrumentos de ajuste econômico, a proposta petista é uma ruptura apenas com o modelo de desenvolvimento. Segundo Palocci, o partido não tem [...] problema em conviver com instrumentos atualmente utilizados para o equilíbrio econômico do país. O problema é conseguir gerar uma mudança em que o crescimento econômico esteja casado com a inclusão social. PALOCCI, A. Crescimento, emprego e inclusão.
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Essa é a tradução do compromisso socialista do PT. Não imaginamos a possibilidade de uma transformação radical da sociedade num período curto de tempo, mas imaginamos a possibilidade de alcançarmos os pressupostos de uma sociedade mais justa.168
Partido de massas
Para melhor entendimento sobre o que se pretendia com a idéia de fundar um
partido de massas, Francisco Werffort se reporta ao período de constituição do PT:
Como dizíamos em 1980 e 1982, queremos um partido de massas não apenas para as eleições, para o parlamento, para a administração do Executivo. Um partido de massas deve ter existência permanente nas lutas sociais dos trabalhadores, nos movimentos populares, nos debates culturais, nas sociedades de amigos de bairro, nos movimentos culturais, etc.169
Segundo Weffort, para além dos mecanismos clássicos da democracia
representativa (parlamentar), a sociedade moderna cria outras demandas de
participação e almeja a formação de novas instituições, inspiradas nos princípios da
democracia direta. Dessa forma, afirma que foi por isso que o partido surgiu com a
proposta de organização
[...] de baixo para cima, contra as concepções elitistas prevalecentes na sociedade brasileira, e que o PT deveria ser constituído a partir dos núcleos de base, entendidos não como aparelhos de militantes, mas organismos abertos para a participação da sociedade.170
Além disso, destaca Weffort, as definições do 5º Encontro Nacional, de modo
mais claro que as dos Encontros anteriores, mostra a concepção do PT como
partido de massas. De acordo com L. Carvalho, revolucionar a organização do PT
pressupunha, antes de tudo, a assimilação teórica da política de massas aprovada
no 5º Encontro e sua aplicação criativa na prática social.171
Segundo o Cadernos de Formação Política,
o PT se propõe a ser um partido amplo, unificando os explorados e oprimidos pelo capitalismo. Em suas fileiras, eles assumem o
168 Idem. 169 WEFFORT, F. Consolidar o partido, construir a democracia. 170 Idem. 171 CARVALHO, L. O PT na construção do futuro: 35.
42
compromisso de tomar em suas próprias mãos a luta pela emancipação.172
Para Wladimir Pomar, a ampliação do caráter de massas do PT não será
alcançada apenas com a adoção de políticas mobilizadoras, é necesssário que se
criem canais mais amplos de participação massiva nas instâncias partidárias e que
se forme um conjunto de quadros capazes de relacionar-se com as bases e as
massas, que consigam captar seus sentimentos e os transformem em propostas
mobilizadoras, contribuindo para elevar seu grau de organização.173 Contudo,
Pomar adverte:
E ao formar quadros, corremos o risco de formar uma parcela de militantes que se considere acima das bases e capaz de substituí-las[...] Por isso, entre outras coisas, é essencial discutir e repisar uma e mil vezes o significado do caráter de massas do PT [...].174
Dessa forma, destaca Pomar, a afirmação desse elemento dependerá do
nível de enraizamento do PT nas grandes massas de trabalhadores urbanos e rurais
e da participação crescente dessas camadas no próprio partido.175 Nesse sentido,
o núcleo de base representa o elo de ligação do PT com as massas. Isso significa que a militância petista, organizada em núcleos, tem de levar o programa do PT para o movimento de massas [...].176
Nesse sentido, cada núcleo deverá ser a vanguarda política do local onde
atua.
Além disso,
o 5º Encontro clarificou a questão de se o partido deve ser de vanguarda ou de massas .177
De acordo com L. Carvalho, na realidade esta é uma falsa polêmica, uma
vez que o partido necessita dos dois pólos.178 Os quadros são necessários para o
172 PT – SECRETARIA NACIONAL DE FORMAÇÃO POLÍTICA. Cadernos de Formação nº 3 - O que é o PT: 15. 173 POMAR, W. Atos de hoje constroem o amanhã. 174 Idem. 175 Idem. 176 CARVALHO, L. O PT na construção do futuro: 35. 177 Idem: 38. 178 Ibidem.
43
encaminhamento do projeto do PT. No entanto, isso só poderá ser realizado se o
partido organizar milhares e até milhões de trabalhadores.
Nesse sentido, afirma Tarso Genro, o que havia era uma discussão sobre a
necessidade de uma vanguarda, pois nenhuma corrente expressiva saiu na defesa
de um partido de vanguarda segundo a acepção leninista anterior a 1905, que
concretamente se referia a um partido de quadros.179
De acordo com Genro,
a polaridade entre partido de massas e partido de vanguarda do ponto de vista do leninismo é falsa.180
Afinal, não existe uma teoria integral de Lenin com relação ao partido
revolucionário socialista. Somente existem alguns princípios teóricos que podem ser
extraídos da sua praxis político-organizativa. Segundo Tarso Genro, Lenin salientou
muitas vezes que as teses do Que fazer? eram apenas para responder a uma
situação concreta.
O partido de quadros só se justifica de maneira pura em épocas de rigorosa clandestinidade e violenta repressão do Estado burguês. Um partido de massas pode ser de vanguarda e para sê-lo precisa contar com milhares de quadros.181
Também Raul Pont182 ressalta que, desde o surgimento do PT, havia a
dicotomia entre um setor majoritário do partido, que o queria de massas; e grupos
que queriam estreitá-lo.183 O PT necessita ser um partido de massas, destaca Pont,
contudo é também um partido de vanguarda, uma vez que
não é contraditório sermos um partido de massas, mas disciplinado, militante e baseado em uma estrutura de nucleação.184
179 GENRO, T. Um novo partido socialista de massas. 180 Idem. 181 Idem. 182 Raul Pont – então presidente do PT/RS e deputado estadual 183 PONT, R. Que PT é este? 184 Idem.
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Partido democrático
No 5º Encontro Nacional, deu-se ênfase à concepção do PT como partido de
massas, ligado às tarefas democráticas e populares. No capítulo II, ao discorrer
sobre socialismo e democracia, o documento ressalta que a democracia é uma
parte indispensável do combate à burocratização. Uma vez que
o PT rejeita a concepção burocrática do socialismo, a visão do partido único [...].185
Na apresentação do livro Lula, o filho do Brasil, João Cândido transcreve a
seguinte entrevista de Lula:
A verdade é que nós tínhamos duras críticas ao socialismo real existente. [...] Nós fazíamos crítica porque não admitíamos uma sociedade socialista sem liberdade de expressão, sem direito de greve, sem partidos políticos de oposição.186
Além disso, afirmam Gadotti e Pereira, para o Partido dos Trabalhadores a
emancipação da classe trabalhadora deveria ser obra dos próprios trabalhadores.187
Ou seja, somente os trabalhadores
[...] de todos os níveis e origens, comprometidos com a democracia e as classes dominadas, podem propor um projeto político de mudanças efetivas.188
Em artigo publicado pela revista Teoria e Debate, Wladimir Pomar também
destaca a importância da democracia para o PT, afirmando:
O caráter democrático do PT impregna suas lutas atuais pela ampliação dos espaços de participação popular e pelo socialismo, resgatando a idéia de que o socialismo não pode nem deve restringir-se à socialização da propriedade dos meios de produção e da riqueza. Também a política deve ser socializada: as grandes maiorias devem ter o direito real de participação no poder. E isso admitindo que essa participação se dê por meio de diferentes expressões políticas ou partidos. Em qualquer sociedade socialista onde subsistam segmentos sociais diferenciados, é necessário que tais segmentos possuam representações políticas próprias e que tais representações tenham espaço de participação no poder, sem o que a democracia não passará de palavra vazia.
185 5º Encontro Nacional apud GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 137. 186 PARANÁ, D. Lula, o filho do Brasil: 15. 187 GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 84. 188 Ibidem.
45
Mas o democratismo petista não é somente uma atitude para efeito externo, embora seja da maior importância sua clareza de propósito ante a democracia agora e no socialismo. O espírito democrático do PT rebate sobre sua própria vida interna, valorizando a participação e a crítica das bases partidárias e das massas, como forma não só de demonstrar a coerência de suas propostas democráticas para a sociedade, mas também de criar condições para tornar o PT verdadeiramente um partido de massas.189
Além da discussão sobre a democracia interna do partido, a questão
democrática foi abordada de uma forma mais ampla, associada à sua contribuição
para a organização das sociedades. A partir de 1990, inicia-se um grande debate
sobre o posicionamento do partido frente à aceitação da democracia formal. Sob
este aspecto, cabe informar que, na explanação da questão, não será levada em
conta a complexidade do debate teórico sobre democracia, mas a forma como o
assunto é abordado pelos petistas e como interfere na constituição do partido.
Diferentemente do caminho da insurreição, adotado por forças
revolucionárias de diversos países, o PT afirma sua
[...] opção resoluta pela disputa democrática, sem tomar a iniciativa da violência.190
Essa proposta, chamada por Vannuchi191 de modernização da estratégia,
parte do pressuposto de que, aos poucos já estão sendo realizadas rupturas
revolucionárias como
[...] o surgimento do PT, a construção da CUT, a teologia da Libertação, a irrupção dos movimentos populares e dos sem terra, a explosão ecológica, as vitórias eleitorais de 1988, a memorável campanha presidencial de Lula e da Frente Brasil Popular e muitas outras.192
Nesse sentido, afirma Vannuchi, a revolução vai acontecendo dia-a-dia, no
desafio da vida cotidiana. Nessa linha, ele propõe:
Crescendo no campo institucional, amadurecendo nosso projeto nas experiências concretas de administração municipal e estadual, conquistando aperfeiçoamentos gigantescos nas estruturas
189 POMAR, W. Atos de hoje constroem o amanhã. 190 VANNUCHI, P. Caminhos estratégicos. 191 Paulo Vannuchi – então militante do PT, assessor político e sindical. 192 VANNUCHI, P. Caminhos estratégicos.
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democráticas e estruturando uma ampla rede nacional de organismos de poder popular a partir das bases (sindicatos, associações de bairro e movimentos), podemos perfeitamente reunir condições para vencer uma eleição presidencial.
Poderão abrir-se, dessa forma, condições inéditas para imprimir uma profunda estratégia na correlação de forças entre as classes sociais no Brasil.
Nessa hipótese, ao invés de cair por terra tudo o que vem sendo sistematizado sobre a estratégia, estaremos chamados a reunir energias, recursos e mobilização social suficiente para desarmar a resistência dos exploradores.193
Ronaldo Rocha194 destaca que a questão democrática passou a ser assunto
de grande interesse da esquerda brasileira.195 Nesse sentido, a democracia
institucional vem sendo vista como valor universal, conduto privilegiado, fim
manifesto e núcleo conceitual da política socialista.196 Seguindo esta linha de
entendimento, Percival Maricato197 defende a seguinte posição:
A democracia que queremos é a clássica e universal, decorrente das lutas sociais por direitos e liberdades que levaram à Revolução Francesa. O voto é direito de cada cidadão, seja ele operário, pequeno ou grande burguês, camponês, etc. Ou seja, queremos a democracia sem adjetivos, sem subterfúgios, desacompanhada dos epítetos burguesa, proletária, socialista. Ao contrário, queremos que ela seja radical e intocável. É a democracia, discursos e prática, para uso interno e nas relações com outros partidos e a sociedade, que deve servir de condição sine qua non para admitir ou manter alguém filiado ao partido. Na defesa da democracia justifica-se muito mais um acordo com forças de centro e direita democrática e modernas do que com outras de esquerda autoritárias.
As sucessivas derrotas em eleições majoritárias refletem as desconfianças e restrições da sociedade a um projeto de socialismo ultrapassado ou no mínimo mal-definido. A expressiva votação na legenda e nos candidatos a deputado expressam a confiança parcial desta mesma sociedade, para que continuemos ajustando nossos projetos até torná-los aceitáveis.198
Rocha também destaca a importância estratégica da luta pelos direitos
democráticos no interior do capitalismo. Sob este aspecto, afirma:
193 Idem. 194 Ronaldo Rocha – então membro do Diretório Nacional do PT e do Conselho Editorial de Teoria e Debate. 195 ROCHA, R. Democracia profana. 196 Idem. 197 Persival Maricato – fundador do PT e então militante do Diretório Zonal de Pinheiros (São Paulo). 198 MARICATO, P. Começar de novo.
47
[...] a democracia burguesa se torna uma escola da luta socialista, onde os trabalhadores realizam o aprendizado político. É o regime político burguês que melhores oportunidades oferece ao desenvolvimento da guerra de posição. Representa, nas condições da sociedade capitalista, um exercício de cidadania e dignidade humana do qual os trabalhadores não podem se omitir, sob pena de se abandonarem às formas mais alienantes e ultrajantes de exploração e opressão.199
No entanto, afirma Rocha, há uma tentativa de despir a democracia formal
de sua particularidade de classe, apresentando-a como uma invenção e conquista
dos trabalhadores. Contudo,
a democracia deve ser vista como totalidade. [...] Reduzir a democracia ao momento universal, transformá-la em universalidade abstrata, sem particularidade de classe, é uma postura que potencializa ilusões.200
Sob este aspecto, ressalta Ronald Rocha, a visão da democracia como
terreno incolor das disputas civilizadas leva a democracia burguesa a ser vista
como um valor supraclassista, como se fosse o habitat da igualdade política.
199 ROCHA, R. Democracia profana. 200 Idem.
Capítulo 4
Embates eleitorais e a vitória de lula em 2002
Inicialmente, tendo em vista a estratégia de construção do socialismo, o PT
considerava o Parlamento como algo circunstancial. Em documento escrito por
Augusto Oler do Nascimento, é levantada a seguinte preocupação: A prioridade
fundamental do partido não é a luta parlamentar, e sim a organização dos
trabalhadores, a partir de suas lutas nas fábricas, fazendas, bairros, ruas e
empresas.201 Sob este aspecto, Raul Pont afirma:
Outro sério problema que enfrentamos, e que se aguçará com os resultados eleitorais de novembro, é o peso parlamentar dentro do partido. Elegeremos milhares de vereadores, em breve teremos bancadas estaduais e federal com maior peso do que atualmente. Para o PT, isto não pode ser apenas um indicador otimista de crescimento, mas tem de ser também um dado de preocupação.
O parlamento burguês amortece, corrompe e mina partidos que se coloquem no campo anticapitalista. Sabemos que essa é uma frente de luta que precisa ser respondida, mas a tensão e os riscos que um desvio eleitoral-parlamentarista carrega são enormes para um partido como o PT. Se não endurecermos o controle político, financeiro e material sobre nossos parlamentares, o PT sofrerá deserções, abandonos e indisciplinas.
O controle do partido deve se estender também sobre os aparelhos vinculados à ação parlamentar. São funcionários, assessores, cargos de confiança, etc., com grandes desníveis salariais. Isto, sem uma administração firme do partido, pode transformar-se em vantagens, privilégios, diferenças materiais que tendem a se consolidar. São os germes da burocratização, que liquidou o caráter revolucionário dos partidos social-democratas de base operária e sindical na Europa, no início do século.202
Também Vladimir Palmeira203 e Carlos Vainer204 alertam para o perigo da
institucionalidade.205 Para eles, há o risco de o sistema institucional domesticar o
partido, que estará envolvido pela institucionalidade e pelos compromissos que ela
201 PT apud GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 228. 202 PONT, R. Que PT é este? 203 Vladimir Palmeira – então deputado federal pelo PT-RJ. 204 Carlos Vainer – então professor da UFRJ e militante do núcleo de educação do PT-RJ. 205 PALMEIRA & VAINER. Partido dos Trabalhadores – Ameaçador ou ameaçado?.
49
cobra de seus participantes. À medida que o PT começa a participar da
institucionalidade, aceita e passa
[...] a praticar certas regras de um jogo, cuja regra principal é a aceitação das regras. [...] Enquanto partido de massas, olhamos para as instituições com o olhar de quem está de fora; enquanto partido institucional, olhamos para as massas com o olhar contaminado pelo espaço institucional.206
De acordo com o Cadernos de Formação, uma forma para minimizar esse
problema, seria a mobilização e as lutas sociais.207 O partido teria mais força para
cumprir seu programa à frente dos governos se contasse
[...] com um grande apoio popular organizado. Por isso, a questão da participação popular e do apoio às lutas é central para os governos do PT.208
A disputa político-partidária (1982-1988)
a) Eleições de 1982
Em 1982, foram realizadas eleições para governos de estados, senadores,
deputados, prefeitos (à exceção das capitais e áreas consideradas de segurança
nacional) e vereadores. Nessa eleição, houve dois pontos de destaque. O primeiro
foi a eleição de governadores de Estado, que não acontecia desde 1965, e o
segundo foi a existência de novos partidos políticos.
Com o slogan trabalhador vota em trabalhador, o PT queria ressaltar que
pela primeira vez os trabalhadores brasileiros iriam poder votar em um partido
formado por trabalhadores. Contudo, a adesão significativa de intelectuais à
proposta petista ampliou o perfil com o qual o partido se apresentou nas eleições
de 1982, levando-o a ser considerado como partido de estudantes, uma vez que
atraía o voto e a militância dos meios universitários.209
206 Idem. 207 PT – SECRETARIA NACIONAL DE FORMAÇÃO POLÍTICA. Cadernos de Formação nº 3 - O que é o PT: 16. 208 Ibidem. 209 MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 71.
50
Além disso, para a efetivação de uma candidatura em 1982, estipularam-se
dois requisitos fundamentais:
ter sido escolhido pelas bases e, portanto, estar atuando politicamente.210
Assim sendo, pretendia-se que os candidatos fossem pessoas engajadas na
militância.
Nessa campanha, o PT se recusou a fazer alianças com o que chamava
partidos da burguesia. Luís Inácio Lula da Silva, ao apresentar o Programa Estadual
de Governo do PT do Rio de Janeiro, discursou:
Há uma divisão na sociedade e não fomos nós que a inventamos. A casa-grande do latifundiário não é o barraco do lavrador. A refeição do industrial não é o grude do peão. O lucro do banqueiro não é o salário do bancário. O bairro onde mora o grande comerciante não é a vida da periferia onde mora o comerciário. Se somos separados socialmente e economicamente, como poderíamos estar unidos politicamente?211
Para as eleições de 1982, foi elaborada uma Carta Eleitoral, que expressava
os objetivos do PT na campanha. Essa carta, afirma Keck, esboçava um certo
equívoco quanto ao posicionamento do partido. De um lado, o documento afirmava
que o PT sairia às ruas para ganhar, de outro colocava as eleições como um
episódio, um momento da
atividade política permanente, em busca do objetivo final que é construir uma sociedade socialista [...].212
O medo de que os objetivos de longo prazo fossem desviados devido à
campanha, dava a perceber que as eleições eram vistas com suspeita –
não só como um aspecto particular da atividade partidária, mas também como algo potencialmente perigoso.213
210 GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 26. 211 Idem: 247. 212 PT apud KECK, M. PT – A lógica da diferença: 55. 213 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 55.
51
Dessa forma, podemos constatar que não estava definida a relação entre os
objetivos eleitorais - uma representação partidária forte em cargos eletivos - e os
objetivos finais – a construção do socialismo.
Em julho, foi convocada uma reunião, em Brasília, para a organização da
campanha de 1982. Dentre as diversas discussões, concluiu-se que o PT tinha que
fazer campanha para ganhar.214 Além disso, ao debater sobre a postura a ser
adotada com relação ao PMDB, decidiu-se que seria de combate.
[...] Não se deveria tratá-lo como uma vaca sagrada, mas criticá-lo enquanto partido liberal-burguês[...].215
No fim das contas, os resultados das eleições de 82 revelaram que a
proposta petista tinha um alcance limitado. Segundo Raquel Meneguello, a
decepção com o resultado eleitoral levou o partido a repensar sua estratégia.
As diretrizes políticas lançadas em 1983 apontavam para a necessidade de elaborar propostas capazes de atrair setores sociais de base que até então haviam se mostrado desconfiados em relação à atuação do PT [...].216
De acordo com os dados eleitorais de 1982, organizados por Jairo Nicolau, o
PT, e os demais partidos, obtiveram o seguinte desempenho:
Eleições de 1982: Número e Percentual de Senadores Eleitos por Partido
1982
N %
PDS/PPR/PPB 15 60,0
PMDB 9 36,0
PDT 1 4,0
PFL
PMB
214 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 159. 215 Idem: 160. 216 MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 198.
52
PSDB
PTB
PT
PDC
PMN
PRN
PST
PP
PSB
PL
PPS
PSD
TOTAL 25 100,0
Fonte: NICOLAU, Jairo. Iuperj, http//www.iuperj.br/pesquisas/deb
Eleições de 1982 – Câmara de Deputados: Número de Cadeiras Obtidas pelos Partidos
ESTADOS PDS PMDB PDT PTB PT TOTAL
Rondônia 5 3 8
Acre 4 4 8
Amazonas 4 4 8
Roraima 4 4
Pará 7 8 15
Amapá 4 4
NORTE 28 19 47
Maranhão 14 3 17
Piauí 6 3 9
Ceará 17 5 22
R. G. do Norte 5 3 8
53
Paraíba 7 5 12
Pernambuco 14 12 26
Alagoas 5 3 8
Sergipe 6 2 8
Bahia 25 14 39
NORDESTE 99 50 149
Minas Gerais 26 27 1 54
Espírito Santo 4 5 9
Rio de Janeiro 14 10 16 5 1 46
São Paulo 16 30 8 6 60
SUDESTE 60 72 16 13 8 169
Paraná 14 20 34
Santa Catarina 8 8 16
R. G. do Sul 13 12 7 32
SUL 35 40 7 82
M. G. do Sul 4 4 8
Mato Grosso 4 4 8
Goiás 5 11 16
C. OESTE 13 19 32
BRASIL 235 200 23 13 8 479
Fonte: NICOLAU, Jairo. Iuperj, http//www.iuperj.br/pesquisas/deb
Eleições de 1982: Número de Cadeiras Obtidas pelos Partidos na Assembléia Legislativa
ESTADO PDS PMDB PDT PTB PT TOTAL
Rondônia 15 9 24
Acre 11 12 1 24
Amazonas 11 13 24
Pará 19 20 39
54
NORTE 56 54 1 111
Maranhão 33 8 41
Piauí 17 10 27
Ceará 34 12 46
R. G. do Norte 15 9 24
Paraíba 22 14 36
Pernambuco 28 22 50
Alagoas 15 9 24
Sergipe 19 5 24
Bahia 40 23 63
NORDESTE 223 112 335
Minas Gerais 37 40 1 78
Espírito Santo 11 16 27
Rio de Janeiro 21 16 24 7 2 70
São Paulo 22 42 11 9 84
SUDESTE 91 114 24 18 12 259
Paraná 24 34 58
Santa Catarina 21 19 40
R. G. do Sul 23 21 12 56
SUL 68 74 12 154
M. G. do Sul 12 12 24
Mato Grosso 13 11 24
Goiás 13 27 40
C. OESTE 38 50 88
BRASIL 476 404 36 18 13 947
Fonte: NICOLAU, Jairo. Iuperj, http//www.iuperj.br/pesquisas/deb
55
Eleições de 1982: Total e Percentual do Número de Governadores Eleitos por Partido
1982
N %
PDS/PPR/PPB 12 54,5
PMDB 9 40,9
PDT 1 4,5
PFL
PSDB
PT
PSB
PTB
PTR/PP
PRS
PSC
PPS
PSL
TOTAL 22 100,0
Fonte: NICOLAU, Jairo. Iuperj, http//www.iuperj.br/pesquisas/deb
Eleições de 1982 - Número de Prefeitos Eleitos por Partido
PARTIDO 1982
N %
PMDB 1.377 34,9
PFL
PDS/PPR/PPB 2.533 64,3
PDT 22 0,6
PTB 7 0,2
PSDB 0,0
56
PT 2 0,1
PL
PDC
PSB
PJ/PRN
PSC
PTR
PCB/PPS
PSD
PMB
PST
PRP
PMN
PV
PSL
PT do B
PSDC
PRTB
PSN
PRONA
PTN
PHS
PAN
PC do B
TOTAL 3.941 100,0
Fonte: NICOLAU, Jairo. Iuperj, http//www.iuperj.br/pesquisas/deb
57
Como se pode depreender da leitura dessas tabelas, em 1982, no Legislativo
federal, o PT não conseguiu eleger nenhum senador e apenas 8 deputados na
região Sudeste. Para a Assembléia Legislativa o partido também não obteve um
grande êxito, contando com apenas um deputado eleito pela região Norte e, mais
uma vez, um número maior na região Sudeste (12 deputados). No Executivo, não
elegeu governadores de estado e, em todo o Brasil, contou com a eleição de apenas
2 prefeitos.
Apesar do quadro eleitoral não lhe ter sido muito favorável em 1982, o
Partido dos Trabalhadores teve que enfrentar a nova situação de, entre seus
membros, contar com seus próprios políticos recém-eleitos.
A eleição de membros do Congresso e de prefeitos pela chapa do PT forçou o partido a encarar, pela primeira vez, a forma da sua participação nas instituições de poder político.217
No entanto, afirma Keck, o partido havia pensado pouco nessa tarefa. Desde
a sua formação, o foco do PT era social.218 Mesmo com as expectativas exageradas
do final da campanha de 1982, o partido não tinha ainda uma clara posição sobre
sua ação em relação às instituições políticas
concentrando-se, em vez disso, em afirmações genéricas sobre a obrigação de os políticos prestarem contas de seus atos ao partido e à sua base social, e sobre a necessidade de governar juntamente com a população organizada.219
Além disso, havia a preocupação em manter a coerência com a proposta
inicial de incentivar a participação popular na vida política, uma vez que, naquele
momento, existia um espaço institucional disponível, adquirido através da
participação na política eleitoral.
Isso implicava aprender a conviver com as tensões entre concepções muitas vezes conflitantes de democracia direta e representativa.220
217 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 226. 218 Ibidem. 219 Ibidem. 220 Ibidem.
58
A visão de uma democracia vinda de baixo levou o PT a uma convocação
para formação de conselhos populares. Contudo, havia divergências internas sobre
seu funcionamento. O ideal seria que os conselhos fossem formados por membros
de movimentos locais; na ausência de organizações locais significativas, alguns
argumentavam que os órgãos participatórios deveriam ser criados pela própria
administração petista, já outros entendiam que esta proposta reproduzia os
conhecidos padrões de relações corporativistas.221
Para alguns petistas, os conselhos deveriam acabar substituindo os órgãos mais tradicionais; para outros, deveriam desempenhar um papel suplementar.222
Em ambos os casos, os órgãos parlamentares eram considerados
insuficientes para o tipo de política democrática proposta pelo PT.
b) Eleições de 1985
Da mesma forma que na eleição de 1982, a eleição de 1985 trazia algo de peculiar.
Ela marcava o fim da restrição à eleição direta para prefeitos das capitais estaduais
e das áreas designadas como “zonas de segurança nacional”.
De acordo com os dados eleitorais de 1985, organizados por Jairo Nicolau, o
PT e os demais partidos obtiveram o seguinte desempenho:
Eleições de 1985: Número de Prefeitos de Capital Eleitos por Partido
1985
PARTIDOS N %
PFL
PDT 2 8,0
PT 1 4,0
PTB 1 4,0
PSB 1 4,0
221 Idem: 227. 222 Ibidem.
59
PMDB 20 80,0
PSDB
PDS/PPR/PPB
PDC
PPS
PL
TOTAL 25 100,0
Fonte: NICOLAU, Jairo. Iuperj, http//www.iuperj.br/pesquisas/deb
Como podemos observar, pelo quadro acima, o PMDB é o grande destaque dessas
eleições. O PT conseguiu eleger um prefeito de capital, feito também obtido pelo
PTB e pelo PSB, e não se distanciou muito do PDT, que obteve duas cadeiras.
Nas eleições para prefeitos das capitais, em 1985, o partido aplicou uma
nova estratégia.
O PT veiculou sua imagem... através de uma campanha eleitoral aberta, dirigida a amplos setores sociais, inclusive os setores de classe média anteriormente distantes do partido.223
Dessa forma, afirma Meneguello, o PT aumentou sua capacidade eleitoral.
Em São Paulo, sua votação foi aumentada em todas as áreas sócio-econômicas e
distritos eleitorais em relação às eleições de 1982. Também a vitória do partido em
Fortaleza foi considerada um importante fenômeno eleitoral.
Se para as bases partidárias tais resultados indicavam que era acertada a
estratégia da ampliação da imagem e proposta do partido, internamente esta
questão foi permeada pela divisão de grupos em torno de duas principais
estratégias de poder. De um lado, destaca Meneguello, estavam os setores
considerados mais à esquerda, que se posicionavam contra a democracia
representativa como via para alcançar o socialismo. Eram os chamados xiitas,
conforme denominação na gíria interna do partido. De outro lado, estavam os
223 MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 199.
60
setores mais moderados, agrupados na tendência Articulação, cuja maioria de seus
membros era proveniente do grupo sindicalista e de políticos independentes,
[...] que colocavam a democracia como valor inquestionável, eram os chamados ligths, denominados dessa forma por traduzirem sua posição numa linguagem mais suave de campanha.224
c) Eleições de 1986
Em 1986, ocorreram eleições para Assembléia Nacional Constituinte, Senadores,
Assembléia Legislativa e governadores de estados. Nessa eleição o PT reafirmou a
adoção da imagem partidária ampliada.
Os resultados eleitorais de 1986 acusavam certo incremento eleitoral do partido [...] apontando, portanto, que o alcance da proposta petista extrapolava os limites da performance anterior.225
De acordo com os dados eleitorais de 1986, organizados por Jairo Nicolau, o
PT, e os demais partidos, obtiveram o seguinte desempenho:
Eleições de 1986 – Câmara de Deputados: Número de Cadeiras Obtidas pelos Partidos
ESTADOS PMDB PFL PDS PDT PTB PT PL PDC PCB PC do B PSB PSC TOTAL
Rondônia 5 3 8
Acre 5 1 2 8
Amazonas 3 3 1 1 8
Roraima 2 2 4
Pará 13 2 2 17
Amapá 1 3 4
NORTE 27 14 4 1 2 1 49
Maranhão 8 8 2 18
Piauí 2 5 3 10
Ceará 12 6 3 1 22
R. G. do Norte
4 3 1 8
224 Idem: 200. 225 Idem: 201.
61
Paraíba 7 4 1 12
Pernambuco 13 11 1 25
Alagoas 4 4 1 9
Sergipe 3 4 1 8
Bahia 22 14 1 2 39
NORDESTE 75 59 11 1 1 2 2 151
Minas Gerais 35 10 3 1 1 3 53
Espírito Santo
7 2 1 10
Rio de Janeiro
13 7 1 13 3 2 5 1 1 46
São Paulo 28 6 4 2 9 8 1 1 1 60
SUDESTE 83 25 8 16 13 14 6 2 1 1 169
Paraná 24 5 1 30
Santa Catarina
9 3 4 16
R. G. do Sul 17 2 5 5 2 31
SUL 50 10 9 6 2 77
M. G. do Sul 4 3 1 8
Mato Grosso 5 2 1 8
Goiás 12 2 3 17
Distrito Federal
4 3 1 8
C. OESTE 25 10 1 1 3 1 41
BRASIL 260 118 33 24 17 16 6 5 3 3 1 1 487
Fonte: NICOLAU, Jairo. Iuperj, http//www.iuperj.br/pesquisas/deb
Eleições de 1986 – Assembléia Legislativa: Número de Cadeiras Obtidas pelos Partidos
ESTADO PMDB PFL PDS PDT PTB PT PDC PL PSB PMB PCdoB Pasart PTR PMN PTN TOTAL
Rondônia 13 6 1 1 2 1 24
Acre 14 10 24
62
Amazonas 11 7 4 2 24
Pará 25 5 6 1 1 2 1 41
NORTE 63 18 17 6 1 4 1 2 1 113
Maranhão 11 20 5 2 3 1 42
Piauí 8 16 6 0 30
Ceará 24 14 4 2 2 46
R. G. do Norte
10 9 5 24
Paraíba 17 11 8 36
Pernambuco 19 18 1 6 2 3 49
Alagoas 7 10 3 6 1 27
Sergipe 8 11 3 2 24
Bahia 34 22 2 3 1 1 63
NORDESTE 138 131 32 15 12 5 2 1 4 1 341
Minas Gerais
41 17 4 5 3 5 2 77
Espírito Santo
15 9 1 1 3 1 30
Rio de Janeiro
18 10 1 17 5 4 2 4 2 1 2 2 1 1 70
São Paulo 37 9 11 3 13 10 1 84
SUDESTE 111 45 17 26 21 22 2 7 2 2 2 2 1 1 261
Paraná 37 8 1 5 2 1 54
Santa Catarina
19 6 12 1 1 1 40
R. G. do Sul 27 5 10 9 4 55
SUL 83 19 23 15 2 6 1 149
M. G. do Sul
12 5 1 0 6 0 24
Mato Grosso
13 8 1 1 0 1 24
63
Goiás 27 5 1 0 2 6 41
C. OESTE 52 18 3 1 6 2 6 1 89
Fonte: NICOLAU, Jairo. Iuperj, http//www.iuperj.br/pesquisas/deb
De acordo com as tabelas acima, pode-se perceber que, em 1986, o PT
alcançou resultados mais satisfatórios do que nas eleições anteriores. No Legislativo
Federal conseguiu obter 14 cadeiras na região Sudeste e 2 cadeiras na região Sul.
No Legislativo Estadual, o partido conseguiu alargar sua área de influência: obteve
4 cadeiras na região Norte, 5 cadeiras na região nordeste, 22 cadeiras na região
Sudeste, 6 cadeiras na região Sul e 2 cadeiras na região Centro-Oeste.
Nessa campanha, o Partido dos Trabalhadores se recusava a aceitar o
acúmulo dos dois pleitos em um só, mas a legislação permitia tal fato. A orientação
do partido é que se deveria ter dado ao processo constituinte um tratamento
específico e não
o emparelhamento da campanha à constituinte a uma outra campanha eleitoral, via de regra de baixo nível, dos executivos dos estados, em geral personalistas e demagógicos.226
Apesar disso, o PT levou extremamente a sério o processo de elaboração da
Constituição. Foi o único partido que formulou um projeto constitucional
completo.227 Além disso, o Partido dos Trabalhadores teve importante atuação na
abertura das regras internas da Assembléia Constituinte à aceitação de emendas
populares. Assim, houve uma grande mobilização popular, gerando 122 emendas,
com um total de 12.265.854 assinaturas, envolvendo uma ampla participação de
movimentos sociais e outras organizações da sociedade civil.228
226 GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 254. 227 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 256. 228 Ibidem.
64
d) Eleições de 1988
Em 1988, o Partido dos Trabalhadores despontou como o grande vitorioso no
quadro dos municípios do país, vencendo as disputas para prefeito em três capitais
- São Paulo, Porto Alegre e Vitória – e em várias outras cidades brasileiras.229
Segundo Meneguello,
Ignorar o significado do crescimento do PT no campo, a vitória de Erundina em São Paulo [...] ou mesmo o crescimento do Partido dos Trabalhadores [...] onde ele tinha dificuldade de implementação, é não querer ver por dentro o significado político da existência já inquestionável do partido.230
De acordo com os dados eleitorais de 1986, organizados por Jairo Nicolau, o
PT e os demais partidos obtiveram o seguinte desempenho:
Eleições de 1988: Número de Prefeitos Eleitos por Partido
PARTIDO 1988
N %
PMDB 1.606 37,5
PFL 1.058 24,7
PDS/PPR/PPB 446 10,4
PDT 192 4,5
PTB 332 7,7
PSDB 18 0,4
PT 38 0,9
PL 239 5,6
PDC 232 5,4
PSB 37 0,9
PJ/PRN 3 0,1
PSC 26 0,6
229 Idem: 269. 230 MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 267.
65
PTR 8 0,2
PCB/PPS 1 0,0
PSD 2 0,0
PMB 49 1,1
PST
PRP
PMN
PV
PSL
PT do B
PSDC
PRTB
PSN
PRONA
PTN
PHS
PAN
PC do B
TOTAL 4.287 100,0
Fonte: NICOLAU, Jairo. Iuperj, http//www.iuperj.br/pesquisas/deb
Se comparada à sua primeira participação (1982) em eleições municipais,
onde foram eleitos apenas dois de seus candidatos, em 1988, o PT conseguiu uma
boa ampliação de sua influência eleitoral, tendo obtido 38 cadeiras nos Executivo
municipal.
66
Em 1988, uma questão bastante discutida foi a forma como se daria a
realização de alianças. José Dirceu231 afirmou, em artigo publicado pela revista
Teoria e Debate,
com relação às eleições de 1988 entendemos que o PT deve procurar [...] estabelecer alianças, sempre mantendo sua independência e sua proposta socialista.232
Para Dirceu, o PT deveria atrair novos setores, frações, camadas sociais e
agrupamentos políticos em contradição com o bloco no poder. Mesmo que estes
setores estivessem dispostos a acompanhar a classe trabalhadora apenas numa
parte da caminhada. Concretamente, Dirceu estava referindo-se aos setores médios
e à pequena burguesia.
Segundo José Dirceu, todas as revoluções se realizaram com o uso de
alianças, mesmo que por tempo limitado. Para ele, o Partido dos Trabalhadores
deveria assumir a liderança de outros setores ou classes sociais, oferecendo-lhes
um programa de mudanças que contemplasse seus interesses, mesmo que parcial
ou temporariamente. Com relação às eleições de 1988, afirma que
[...] o PT deve procurar, com base em seu programa democrático e popular, [...] estabelecer alianças, sempre mantendo sua independência e sua proposta socialista.233
Refletindo sobre o mesmo tema, Eduardo Jorge234 afirmou:
[...] o princípio maior que deve nortear a realização de alianças estratégicas e táticas pelo PT é o do respeito à sua independência política, ao seu programa voltado para a construção de um Brasil socialista e, finalmente, respeito ao compromisso prático de avançarmos na superação de debilidades que comprometem o potencial de luta da classe trabalhadora brasileira.235
Segundo Eduardo Jorge, o Partido dos Trabalhadores deveria buscar alianças
com todos os partidos que se posicionassem como socialistas e representantes da
231 José Dirceu – então deputado estadual do PT em São Paulo. 232 DIRCEU, J. As alianças e o Partido dos Trabalhadores. 233 Idem. 234 Eduardo Jorge – então deputado federal do PT. 235 JORGE, E. As alianças e o partido dos trabalhadores.
67
classe trabalhadora.236 Contudo, destaca que para o PT, não há alianças
estratégicas com a burguesia, muito embora ressaltasse a importância de trazer a
pequena burguesia para a órbita do partido.
Também no 5º Encontro Nacional, esta questão foi tema de debate.237
Naquele Encontro ficou determinado que em nenhuma aliança tática ou estratégica
o PT deixaria de defender a independência política da classe trabalhadora.238
Entretanto, destaca L. Carvalho, alguns membros do partido, temendo a perda da
independência de classes, defendiam a posição sectária de nenhuma aliança por
acreditarem que a pureza do partido se revelava no seu isolamento político das
demais forças. Para L. Carvalho,
esta é uma concepção absolutamente falsa, que contribui apenas para debilitar a organização e a independência real da classe trabalhadora.239
Assim sendo, diante da crítica de que o PT seria um partido isolacionista e
divisionista das forças de esquerda, a Fundação Perseu Abramo, no livro Partido
dos Trabalhadores – Trajetórias: das origens à vitória de Lula, destaca que, em
1988, o partido
[...] mostrou que também faz alianças, sim, desde que sejam em torno de programas bem definidos: em dez capitais, pelo menos, o PT fez coligação com outros partidos de esquerda [...] além dos apoios táticos recebidos do PDT [...].240
Eleições presidenciais (1989-1998)
a) Eleições presidenciais de 1989
A grande novidade na campanha de 1989 foi o fato de haver, após 21 anos de
ditadura militar, eleições diretas para presidência da república. O movimento pelas
236 Idem. 237 5º Encontro Nacional apud GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 137. 238 CARVALHO, L. O PT na construção do futuro: 32. 239 Ibidem. 240 FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Partido dos Trabalhadores – Trajetórias: das origens à vitória de Lula: 53.
68
diretas teve início em 1983, quando o primeiro grande esforço coordenado foi um
comício na praça em frente ao Estádio do Pacaembu, em São Paulo. Mais tarde,
uma segunda manifestação, no mesmo estado, contou com a participação de
250.000 pessoas e no Rio de Janeiro mais de um milhão de pessoas invadiram as
ruas pedindo diretas-já.241 Aos poucos, a mobilização foi crescendo por todo país.
As pesquisas mostravam que mais de 80% dos brasileiros eram a favor das eleições diretas (incluindo 75% dos membros do PDS).242
A mobilização por eleições diretas teve grande repercussão dentro do Partido
dos Trabalhadores, gerando efeitos contraditórios e estimulando debates por muito
tempo.
Ao ser derrotada a emenda Dante de Oliveira, que propunha eleições
diretas, líderes do PMDB resolveram construir a Aliança Democrática, uma coalizão
entre o PMDB e a Frente Liberal, formada por dissidentes do PDS que não apoiavam
Paulo Maluf.
O PT considerou o comportamento do PMDB como uma traição. E tentou
levar sozinho a campanha, mas a empolgação do momento havia esfriado. Apesar
do sentimento do público não ter mudado, já não se acreditava mais na
possibilidade de mudanças.
Diante da desaprovação da emenda Dante de Oliveira, o PT recusou a idéia
de que havia apenas duas opções. Enquanto as lideranças do partido opuseram-se
à participação dos deputados petistas no Colégio Eleitoral, os que eram a favor
alegavam que a não participação excluiria os trabalhadores da política.243
Após a ratificação, nas pré-convenções do partido, da posição inicial de não
comparecer ao Colégio Eleitoral, passou-se a discutir sobre o que fazer com os
deputados que pretendiam ir à votação de qualquer forma.
241 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 251. 242 Ibidem1. 243 Idem: 252.
69
Naquela altura, os deputados decididos a votar no Colégio eram Bete Mendes, José Eudes e Aírton Soares.244
Surgiu, então, uma controvérsia acalorada para decidir se os três seriam
expulsos. Porém, os deputados em questão renunciaram e saíram do partido.245
Contudo, quando houve a possibilidade de eleições presidenciais diretas, o
PT não alcançou a vitória. De acordo com dados da Fundação Perseu Abramo, no
primeiro turno o candidato petista obteve 16,1% dos votos e Collor obteve
28,5%.246 Apesar da expressiva votação de Lula no 2º turno (37,86%), é Fernando
Collor de Melo, com 42,75% dos votos válidos, quem venceu o pleito.247
Fernando Collor concorreu sob a sigla do minúsculo Partido da Reconstrução
Nacional (PRN) e Lula concorreu sob a coligação denominada Frente Brasil Popular,
formada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), pelo Partido Socialista Brasileiro
(PSB) e pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), tendo como candidato a vice-
presidente José Paulo Bisol (PSB).248
Em sua campanha, Collor enfatizou que acabaria com a corrupção dos
cargos públicos, passando a ser chamado de O caçador de marajás.
Com o apoio da maior rede de televisão brasileira, a Rede Globo, Collor transformou sua juventude, boa aparência e obscuridade política em trunfos de sua campanha [...].249
Naquele momento, Collor era tido como o político que introduziria o Brasil no
contexto internacional, enquanto que os outros candidatos, principalmente Lula,
foram desqualificados pela mídia.250
244 Idem: 253. 245 Ibidem. 246 FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO apud CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 48. 247 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 187. 248 Os dados sobre a coligação de 1989 foram obtidos no site http://www.ufrnet.br/~mbolshaw/projeto.htm. 249 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 185. 250 CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 32.
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A divulgação de um suposto perigo que representaria um governo petista
levou a criação do slogan Sem medo de ser feliz, que era complementado com a
estrofe: Lula-lá, brilha uma estrela. Lula-lá, cresce a esperança [...].
As campanhas do PT sempre trabalhavam com a idéia do medo e da esperança.251
Em 1989, embora o PT continuasse com uma proposta de inspiração
socialista, também reconhecia que o socialismo não poderia ser imposto por
decreto.
Assim, a campanha salientava a necessidade da reconciliação nacional e da formação de um governo nacional e popular.252
Um dos debates, quando das eleições de 1989, foi sobre a atuação e caráter
do PT no Governo Federal. Carlos Eduardo de Carvalho253, então coordenador do
Plano de Ação do Governo - PAG, tinha a preocupação sobre como se daria a
realização desse plano, caso Lula vencesse as eleições. Segundo C. Carvalho,
o governo Lula só poderia ser um passo em direção ao socialismo se demonstrasse sua capacidade de oferecer respostas para os grandes problemas de curto e médio prazos do país, invertendo progressivamente a lógica perversa do capitalismo brasileiro.254 No entanto, afirma C. Carvalho, corria-se o risco da tentação reformista, ou seja, [...] o namoro ou a acomodação com a idéia de que teríamos que, afinal, administrar o capitalismo.255
Sob este aspecto, ele fez a seguinte afirmação:
Porém, a medida que a campanha cresceu e empolgou, em especial após a primeira semana do segundo turno, a necessidade de ampliação da base social acabou empurrando o consenso dos companheiros para a necessidade de políticas amplas e factíveis, capazes de não apenas ganhar nas urnas, ou seja, de ganhar os votos das grandes massas, mas também de articular mais firmemente o espectro de alianças que se desenhava em torno do PT. [...] Diante do significado histórico estupendo que teria a vitória nas urnas, a questão do programa foi mais uma vez obscurecida. Este, que já era um programa de reformas, passou a ser visto essencialmente como um programa capaz de articular a frente. Mais uma vez perdia importância a necessidade de pensar
251 Ibidem. 252 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 186. 253 Carlos Eduardo de Carvalho – então membro do grupo de assessoria econômica do Diretório Nacional e coordenador do PAG da candidatura Lula. 254 CARVALHO, C. Tentação reformista – Medo (e gosto) de pecar. 255 Idem.
71
em profundidade a relação deste programa de reformas com nossos objetivos de fundo.
Um exemplo simples: como faríamos para derrubar a inflação e, ao mesmo tempo, defender os salários? Como iríamos encaminhar a reforma agrária e, ao mesmo tempo, viabilizar o aumento imediato da oferta agrícola para atender os mercados urbanos? Como iríamos sanear financeiramente o Estado e, ao mesmo tempo, deslanchar programas sociais de emergência? Questões deste tipo foram pouco discutidas com a direção na reta final da campanha, quando todos os esforços estavam dominados pelo objetivo de ganhar.256
De acordo com Plínio de Arruda Sampaio257, a tarefa do partido consistia
[...] na realização – dentro ainda dos parâmetros do modo de produção capitalista – de reformas estruturais.258
Essas reformas deveriam apontar na direção do socialismo, mas não seriam
ainda transformações propriamente socialistas.
Por outro lado, havia expectativas de um governo mais contundente em
suas realizações. Segundo José Américo Dias259, caso o partido ocupasse a
presidência, seria necessária a adoção de uma tática, a ser desenvolvida em três
níveis fundamentais.
No primeiro, o cumprimento dos pontos mais importantes do Plano Econômico Alternativo de Emergência, em particular a suspensão do pagamento da dívida externa e a renegociação da dívida pública interna. Os recursos daí provenientes possibilitariam a criação em curto prazo do Fundo de Desenvolvimento Social, proposto naquele plano, dirigido ao atendimento de necessidades básicas da população, com habitação, saúde, programas contra a fome, etc. [...] No segundo nível estariam as iniciativas dirigidas à democratização do Estado, com a criação de mecanismos de participação em vários órgãos públicos e nas empresas estatais; [...] medidas destinadas à democratização das decisões do governo, envolvendo consulta a entidades de trabalhadores, sociedade civil, Igreja, partidos e, quando necessário, também consultas diretas à população. [...] O terceiro nível da tática do governo petista envolveria o apoio decidido à luta institucional, que deverá ser travada sob a liderança do PT, voltada para a regulamentação dos direitos constitucionais ainda não disciplinados em lei e o início de uma ampla campanha de massa visando reformar a Constituição. [...] Esta campanha levantaria entre outras, a bandeira da reforma agrária sob o controle dos
256 Idem. 257 Plinio de Arruda Sampaio – então deputado federal do PT. 258 SAMPAIO, P. Sucessão Presidencial – depende da gente. 259 José Américo Dias – então secretário geral do diretório regional do PT-SP.
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trabalhadores, rompimento com a tutela das Forças Armadas, restrição aos monopólios e ao capital estrangeiro e ampliação ao máximo dos direitos sociais e democráticos da Carta em vigor.260
Partindo do pressuposto de que, em 1989, a proposta petista era encarada
por alguns como radical e como uma ameaça, Vladimir Palmeira e Carlos Vainer
afirmavam:
O PT é uma ameaça aos poderosos porque encarna [...] uma proposta de ruptura radical com os acordos e compromissos que impedem os partidos burgueses de alterarem a natureza política e o programa econômico da transição neorepublicana.261
b) Eleições presidenciais de 1994
Em 1994, a grande discussão girou em cima da política de alianças. Segundo José
Dirceu262, em artigo publicado pela revista Teoria e Debate, duas questões
deveriam estar presentes durante o ano de 1993: a elaboração de um programa de
governo para 94 e a política de alianças.263 De acordo com Dirceu,
a questão das alianças é vital para o PT. Sabemos que não podemos e não devemos abrir mão delas.264
Também José Genoino265 defendia a política de alianças como forma de concretizar
as reformas. De acordo com Genuíno,
o PT não fará sozinho as reformas políticas e econômicas necessárias ao nosso país. [...] Esta questão constitui o cerne da necessidade do PT construir uma política ampla de alianças que envolva a esquerda e a centro-esquerda.266
Por fim, em 1994, foi formada a coligação267 Frente Brasil Popular pela
Cidadania, composta pelo Partido dos Trabalhadores (PT), pelo Partido Socialista
Brasileiro (PSB), pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), pelo Partido Popular
260 DIAS, J. Governo democrático popular – o passo para frente. 261 PALMEIRA & VAINER. Partido dos Trabalhadores – Ameaçador ou ameaçado?. 262 José Dirceu – então deputado federal do PT. 263 DIRCEU, J. As alianças e o Partido dos Trabalhadores. 264 Idem. 265 José Genoino, então deputado federal do PT. 266 GENOINO, J. Afirmação nacional. 267 Os dados sobre a coligação de 1994 foram obtidos no site http://www.ufrnet.br/~mbolshaw/projeto.htm.
73
Socialista (PPS), pelo Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) e pelo
Partido Verde (PV), tendo como candidato a vice-presidente Aloizio Mercadante
(PT).
No entanto, destaca Rui Falcão268, construir alianças é um dos objetivos do
partido, mas não o único.269 Além disso, Falcão lançou uma outra expectativa sobre
as eleições de 1994. Para ele, se Lula fosse eleito, deveria ter uma relação
transparente com o empresariado, deixando claro que
[...] para que a maioria dos brasileiros possa viver dignamente, os grandes empresários devem perder riqueza e poder.270
Contudo, Ozeas Duarte271 chama a atenção para as dificuldades de um
possível governo do PT, em 1994. Segundo Duarte, diante do debate ideologizado e
das fantasias doutrinárias, faz-se necessária a seguinte pergunta:
Um governo Lula teria condições para realizar mudanças profundas no país nos limites de um mandato de cinco anos, considerando-se a gravidade da crise nacional e a correlação de forças nos planos interno e internacional?.272
Diante disso, Duarte afirma que dificilmente um governo Lula teria condições
de realizar prontamente as reformas estruturais preconizadas pelo PT. Nesse
sentido, a reforma agrária, que era um dos pontos importantes da campanha, é
colocada sob o seguinte ponto de vista:
A reforma agrária, por exemplo, terá de ser abordada já a partir da posse, evidentemente, mas de modo limitado, quem sabe através de medidas tópicas, em áreas de conflito e do desencadeamento lento de um programa de mais longo prazo. Encampá-la plenamente e com radicalidade seria arranjar inimigos demais ao mesmo tempo, expondo-nos perigosamente à derrota. Até mesmo porque uma reforma agrária ampla, associada a uma política agrícola, demandará recursos políticos de monta, inexistentes sem uma prévia recuperação do Estado .273
268 Rui Falcão - então deputado estadual do PT-SP. 269 FALCÃO, R. Debate. 270 Idem. 271 Ozeas Duarte – então membro do Diretório Nacional do PT e integrante da Comissão de Programa de Governo para 1994. 272 DUARTE, O. Sem fantasias doutrinárias. 273 Idem.
74
Sob este aspecto, afirma Duarte, uma campanha politizada, no sentido de
despertar na sociedade uma expectativa de reformas menos contaminadas por
apelos irracionais, deveria fazer parte das preocupações do partido.274
No entanto, após a derrota em 1994, José Dirceu,275 ainda afirmava:
Não adianta o PT e a esquerda chegarem ao governo para fazer a mesma política que a direita, como tem acontecido nos países da Europa. [...] O juro brasileiro não pode continuar sendo dez vezes maior que o juro internacional, pois isso inviabiliza qualquer política de desenvolvimento. A rigor, a medida a ser tomada em relação ao sistema financeiro bancário deveria ser a estatização, mesmo que o privatizasse depois de dois ou quatro anos. Em vez de investir 10, 20, 30 bilhões de reais para salvar alguns bancos, seria melhor comprá-los e operá-los como bancos públicos. [...] É preciso fazer o desmascaramento político-ideológico do modelo neoliberal, manter a luta social, a mobilização e apresentar um processo alternativo ao neoliberalismo.276
Diante da derrota na disputa presidencial, em 1994, Luiz Gushiken,277 em
entrevista à revista Teoria e Debate, aponta para o fato de que, naquelas eleições,
o grande trunfo era o Plano Real, sendo que o principal oponente era o autor desse
plano de estabilização monetária.278
Além disso, em 94 havia uma coalizão da elite brasileira que não existia em 89 e também um quadro político distinto. Não era Collor, era FHC, que é muito mais hábil.279
Diante do plano de estabilidade criado pelo candidato situacionista, assim
como em 1989, um clima de medo foi novamente criado através da divulgação de
que uma possível vitoria do PT representaria a volta da inflação.
Naquele processo eleitoral a mídia trabalhou [...] a favor de FHC e comprou o slogan de campanha do candidato situacionista: defenda o Plano Real.280
A questão internacional e a crise econômica também foram exploradas pela
mídia. Sob este aspecto, o medo trabalhado seria a resistência dos setores
274 Idem. 275 José Dirceu – então presidente nacional do PT. 276 DIRCEU, J. As alianças e o Partido dos Trabalhadores. 277 Luiz Gushiken – então coordenador da campanha de 1998. 278 GUSHIKEN, L. Entrevista – por Rose Spina. 279 Idem. 280 CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 35.
75
internacionais com relação ao candidato petista. Ricardo Pelúdio, presidente da
empresa multinacional Continental Grain, expressava sua preocupação da seguinte
forma:
O Lula é um candidato da esquerda radical que não tem uma postura de respeito ao mercado. [...] As bolsas vão entrar em um buraco enorme, despencando no vazio. Vai haver uma corrida contra o dólar e êxodo grande de capitais [...] É isto que me mete medo.281
Além disso, também foi utilizada a estratégia de desqualificar o candidato do
PT, por não possuir experiência para administrar o país.
Aqui o medo é do desconhecido, da liderança sem preparo formal, sem experiência administrativa.282
A estratégia da desqualificação era muito utilizada por Fernando Henrique
Cardoso, candidato da situação. Diante desse entendimento, Lula afirmava que era
um torneiro mecânico capaz de consertar o Brasil.283
A partir da derrota eleitoral de 1994, foi se operando uma mudança nas
posições do PT. Progressivamente, o tema do ajuste fiscal como aspecto central da
política brasileira vai se impondo, tema este percebido como responsável pela
derrota para FHC, apresentado como o grande artífice da estabilização monetária
no país. O êxito do Plano Real representaria um ponto de inflexão na trajetória da
sociedade brasileira e o resultado das eleições expressaria essa ruptura com a
irresponsabilidade fiscal e a inflação ascendente.
c) Eleições presidenciais de 1998
Em 1997, Raul Pont284 retoma a preocupação quanto à realização de alianças. Para
ele, apesar de algumas teses estarem defendendo alianças com o PSDB e com o
281 FOLHA DE SÃO PAULO apud CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 35. 282 CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 35. 283 Ibidem. 284 Raul Pont – então prefeito de Porto Alegre e membro dos diretórios nacional e estadual do PT-RS.
76
PMDB, esta posição seria um equívoco; expressaria uma submissão, uma derrota
político-ideológica frente à conjuntura. Sob este aspecto, afirma Pont:
A vitória eleitoral para nós tem que ser obtida de outra forma, ou deixará de ser vitória, passará a ser abandono de projeto. [...] É este o enfrentamento que temos que fazer, sem cairmos na ilusão de que a solução é a ampliação do leque de alianças ao ponto de incorporarmos nossos inimigos. Isso descaracterizaria o partido e nosso projeto político-programático; e não conquistaríamos vitórias sólidas. Estaríamos abdicando de fazer aquilo que pode nos dar uma posição realmente segura: a conquista do movimento popular e sindical. [...] Se deixarmos de ser referência de luta, de conquistas parciais, de contraponto político-ideológico, e nos afundarmos na institucionalidade com práticas idênticas às dos nossos inimigos, por que as pessoas confiarão em nós?285
Em 1998, foi formada a coligação286 União do Povo Muda Brasil, composta
pelo PT (Partido dos Trabalhadores), PDT (Partido Democrático Trabalhista), PSB
(Partido Socialista Brasileiro), PC do B (Partido Comunista do Brasil) e PCB (Partido
Comunista Brasileiro), tendo como candidato a vice-presidente Leonel Brizola
(PDT).
No entanto, naquelas eleições, o panorama político estava ainda mais
desfavorável a uma vitória petista. Ao analisar os motivos da derrota em 98, Tarso
Genro287 destacou que os últimos dias do processo eleitoral ocorreram no bojo de
uma aguda crise econômico-financeira mundial. Diante disso, o governo
[...] prometeu medidas duras – evidentemente sem precisar contra quem – [...] em nome da sua capacidade para resolver a crise.288
Sob este aspecto, afirma Genro, a mídia teve um papel de destaque,
induzindo a população a pensar que a crise tinha sua origem devido a problemas
externos e que o Brasil era bem conduzido e estava estabilizado pelo Real. Dessa
forma, amplas camadas da população
285 PONT, R. E agora PT?. 286 Os dados sobre a coligação de 1998 foram obtidos no site http//www.ufrnet.br/~mbolshaw/projeto.htm. 287 Tarso Genro – então membro do Diretório Nacional do PT e coordenador da campanha de Lula 98. 288 GENRO, T. Um confronto “desigual e combinado”.
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[...] foram colocadas neste processo, entre a mediocridade estável do presente – com um timoneiro capacitado – e a indeterminação do futuro, comandado por um líder político superado e sem experiência.289
Além disso, segundo Tarso Genro, os meios de comunicação afirmavam que
Fernando Henrique Cardoso representava o moderno, o contemporâneo, o
progressista; já Lula representava o atraso, o arcaico, o conservador. Portanto:
[...] uma alternativa [...] de esquerda que oferecia a intervenção estatal, a valorização do mercado interno, um projeto nacional com políticas distributivas e reforma agrária, medidas que, por chocarem-se diretamente com as recomendações do FMI e do Banco Mundial, eram consideradas francamente subversivas em relação aos interesses que o governo FHC representava.290
De acordo com Tarso Genro, quando o modelo FHC mostrou sua impotência
e sua dependência do capital puramente especulativo, a mídia convenceu a
população que o Brasil estava sendo vítima de um ataque externo e que FHC era o
defensor do país.
No interior de uma tormentosa fuga de centenas de milhões de dólares aqui investidos, eles mantiveram o cinismo subliminar de que Lula poderia significar fuga de capitais do país, enquanto FHC significava a estabilidade e o respeito internacional.291
Em 1998, o medo foi novamente utilizado para justificar a necessidade de
manter a política como estava, pois se o governo mudasse poderia provocar um
caos político e, principalmente um caos econômico no Brasil.292
Além disso, com a aprovação da reeleição, a candidatura de Fernando
Henrique Cardoso foi favorecida, uma vez que o candidato situacionista não
precisaria se desincompatibilizar de seu cargo, realizando a campanha eleitoral
sendo ainda o presidente da República.
289 Idem. 290 Idem. 291 Idem. 292 CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 37.
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A vitória petista
Ao contrário da eleição presidencial de 1998, que vem sendo insistentemente
analisada como uma eleição que não existiu, como um pleito silenciado pela
mídia,293 um dos aspectos que diferencia a eleição de 2002 é o seu papel de
destaque nos meios de comunicação. Em 2002, mais do que nunca, o Brasil esteve
mergulhado em uma campanha eleitoral midiática.294
Em 2002, campanha em que Luiz Inácio Lula da Silva sempre esteve em
primeiro lugar nas pesquisas eleitorais, foram realizados vários debates com os
candidatos à presidência, nas diversas emissoras de televisão.
[...] Aspecto impensável nos anos de 1994 e 1998 – período em que o candidato da situação Fernando Henrique Cardoso (PSDB), se posicionava em primeiro lugar nas pesquisas eleitorais.295
De acordo com Antonio Rubim, a superexposição das eleições de 2002
repercutiu sobre o interesse dos eleitores, levando o horário eleitoral a subir de
47%, em 1998, para 60%, em 2002.296 Apesar da maior cobertura, a questão da
competência ainda era colocada à candidatura petista, como fator de viabilidade
sobre a sua efetiva chegada à presidência do Brasil.
O desafio de demonstrar capacidade para governar o país implicou no enfrentamento estratégico de, pelo menos, dois atributos, problemáticos em termos eleitorais, ambos associados à anterior imagem pública de Lula: a sua radicalidade e seu despreparo para governar, sendo este último aspecto sobredeterminado pelo preconceito social com relação à falta de diploma universitário de Lula.297
Naquelas eleições, um outro aspecto a ser destacado foi a posição de
instituições financeiras internacionais, que exigiam garantias de pagamento da
293 RUBIM, A. Visibilidades e estratégias nas eleições de 2002: política, mídia e cultura: 9. 294 Ibidem. 295 CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 39. 296 RUBIM, A. Visibilidades e estratégias nas eleições de 2002: política, mídia e cultura: 15-16. 297 Idem: 24.
79
dívida e a honra de compromissos financeiros.298 A divulgação do risco Brasil, das
oscilações da Bolsa de Valores e da subida do dólar eram preocupações freqüentes
na mídia.
Dessa forma, rapidamente foi realizada a associação entre a instabilidade
econômica com a candidatura de Lula. Na capa da revista Veja foi estampado o
medo de uma possível vitória petista através da seguinte indicação: Por que Lula
assusta o mercado?299 – ele está olhando para cima e acompanhando o gráfico que
mostra o crescimento da intenção de voto em Lula associado ao crescimento do
risco Brasil.
Após vários acordos e a divulgação de uma carta para esclarecer seus posicionamentos na área econômico-financeira, o PT consegue acalmar o mercado e esta nova situação aparece na capa da revista Isto É: Lula não assusta mais – com a proposta de um capitalismo humanizado, o candidato petista ganha elogios da imprensa conservadora estrangeira, é aprovado no debate da rede Bandeirantes e é aplaudido na Fiesp e na Bovespa, onde antes era um sapo difícil de engolir.300 Lula aparece sorrindo na foto e aparentando tranqüilidade.301
Em 2002, após as seguidas derrotas eleitorais, podemos constatar que o
discurso do PT diferenciou-se de outras épocas. De acordo com a coluna do Jornal
do Brasil, escrita por Dora Kramer, o publicitário Duda Mendonça anunciou a
intenção do PT de despolitizar as próximas eleições.
Duda quer tudo muito leve, muito solto, muito coloquial, muito simpático. [...] É óbvia a idéia de repetir a fórmula aplicada no pleito presidencial, onde uma imagem, uma emoção, uma lágrima, um sorriso valeram muito mais que todas as palavras [...].302
Em entrevista à revista Teoria e Debate, ao ser perguntado sobre o papel de
um possível governo do PT para a história do Brasil, Lula respondeu:
Tenho consciência de que se tratará de uma mudança histórica [...], com grande influência na América Latina e mesmo na geopolítica mundial. [...] Eleger um governo petista significa
298 CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 40. 299 VEJA apud CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 14. 300 Isto É CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 14. 301 CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 14. 302 KRAMER, D. A política do papel trocado.
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acabar com a miséria e com a fome que ainda castigam quase 50 milhões de pessoas em nosso país. Significa possibilitar que a grande maioria do povo brasileiro obtenha cidadania, que os jovens não tenham que enfrentar as incríveis dificuldades que eu e tantas outras pessoas passamos na vida. Melhorar o Brasil significa mudar o rumo, afastando o nosso país da situação de vulnerabilidade a que foi levado pela atual política econômica.303
Em 2002, foi formada a coligação Lula Presidente, composta pelo Partido dos
Trabalhadores - PT, pelo Partido Liberal - PL, pelo Partido Comunista do Brasil - PC
do B, pelo Partido da Mobilização Nacional - PMN e pelo Partido Comunista
Brasileiro - PCB.304 Uma das principais mudanças de orientação do PT, naquelas
eleições, foi a coligação com o PL e a colocação do empresário José Alencar como
vice em sua chapa. Ao ser indagado sobre esta questão Lula afirmou:
Queremos a união de todas as forças políticas que desejam mudar de fato o Brasil. E isso inclui os partidos de centro, que são oposição ao governo. O centro quando não se une à esquerda, não fica no centro – vai para a direita.
Além disso, de um ponto de vista pragmático, o PT ou qualquer outro partido, da oposição ou da situação, praticamente não tem chances de vencer sozinho as eleições presidenciais. Somente com uma ampla aliança que permita concorrer com grande chance de ganhar e, depois, de governar bem, podemos cumprir de fato as promessas de mudança, que não são poucas.305
O programa de governo do PT foi elaborado e apresentado no XII Encontro
Nacional, em dezembro de 2001, em Recife. Em Concepções e diretrizes do
programa de governo do PT para o Brasil foi proposta [...] uma ruptura com o atual
modelo econômico [...]306 através da criação de um novo modelo de
desenvolvimento para o Brasil. Assim sendo, afirmava-se:
Será preciso ousar, rompendo com o conformismo fatalista pretensamente pragmático que sonega os direitos básicos da população [... ].307
De acordo com o documento aprovado em Recife, o neoliberalismo, com sua
indução ao Estado mínimo, não levou à restrição do Estado brasileiro na economia,
303 SILVA, L. Um novo contrato social – Entrevista. 304 Os dados sobre a coligação de 2002 foram obtidos no site http//www.ufrnet.br/~mbolshaw/projeto.htm. 305 SILVA, L. Um novo contrato social – Entrevista. 306 PT. Concepções e diretrizes do programa de governo do PT para o Brasil. 307 Idem.
81
mas fez com que sua atuação fosse concentrada em dois pontos: na criação de
espaços de expansão e lucratividade para as atividades privadas e na preservação
das condições de reprodução do capital financeiro globalizado. Assim sendo,
ocorreram as seguintes implicações:
[...] deslocou para o plano privado decisões e funções de natureza pública, transformou serviços públicos de caráter universal em mercadorias, levou à desregulamentação de atividades essenciais de infra-estrutura, reduziu o horizonte das preocupações econômicas aos aspectos fiscais e monetários de curto-prazo, ignorando os problemas estruturais da economia e deixando apenas para o mercado (como se este fosse capaz de fazê-lo) os investimentos necessários ao desenvolvimento econômico. Em particular, o ideário neoliberal produziu um enorme descaso pelo social, agravando o nível de concentração de renda e ampliando a exclusão social.308
Segundo Concepções e diretrizes do programa de governo do PT para o
Brasil, outro grande problema foi a realização das privatizações. O programa de
privatizações levou à fragilização e a conseqüente desestruturação do Estado
brasileiro. Da mesma forma, a dependência de capitais externos e a manutenção da
elevada taxa de juros tiveram impactos destrutivos sobre as finanças públicas.
Assim sendo, diante desse quadro, o programa petista propôs:
[...] uma verdadeira transformação inspirada nos ideais éticos da radicalização da democracia e da justiça social, não pode restar dúvida de que um governo democrático e popular precisará operar uma efetiva ruptura global com o modelo existente, estabelecendo as bases para implementação de um modelo de desenvolvimento altenativo.309
Desse modo, o novo modelo de desenvolvimento, proposto pelo PT, deveria
articular três eixos: o social, o democrático e o nacional. A transformação do social
no eixo de desenvolvimento significaria mais do que a revalorização dos aspectos
sociais, pois seria necessário incidir também sobre fatores estruturais que
determinam os padrões de apropriação e distribuição da renda e da riqueza. Da
mesma forma, o modelo de desenvolvimento de caráter democrático seria baseado:
[...] num novo contrato social, fundado num compromisso estratégico com os direitos humanos, na defesa de uma revolução
308 Idem. 309 Idem.
82
democrática no país. A alternativa proposta representará uma ruptura com nossa herança de dependência externa, de exclusão social, de autoritarismo e de clientelismo e, simultaneamente, com o neoliberalismo mais recente.310
Já a proposta de desenvolvimento pautada no nacionalismo deveria
[...] amparar-se num Estado forte, dotado de autonomia para a formulação e a gestão da política econômica nacional.311
Assim sendo, foi proposto:
[...] denunciar o acordo atual com o FMI, para liberar a política econômica das restrições impostas ao crescimento [...].312
Posteriormente, na Carta ao Povo Brasileiro, Lula deixa claro que será
necessária um lúcida e criteriosa transição. Na campanha eleitoral de 2002, de
acordo com a Carta, Lula assegura que um possível governo petista respeitará os
contratos e obrigações do país, uma vez que
[...] a margem de manobra da política econômica no curto prazo é pequena [...].313
Assim sendo, a Carta revela uma mudança de postura em relação ao capital
financeiro. Nela, o PT mostra a sua disposição de honrar os compromissos
assumidos pelo país.
Na Carta, como forma de realizar uma possível mudança, o Partido dos
Trabalhadores sugere alternativas econômicas, tais como: fortalecer a política
externa, com o objetivo de promover os interesses comerciais brasileiros; superar a
vulnerabilidade financeira e reduzir a taxa de juros. Assim sendo, Lula afirma: Há
outro caminho possível. É o caminho do crescimento econômico com estabilidade e
responsabilidade social. As mudanças que forem necessárias serão feitas
democraticamente, dentro dos marcos institucionais.314
310 Idem. 311 Idem. 312 Idem. 313 PT. Carta ao Povo Brasileiro. 314 Idem.
83
Em matéria publicada pela revista Veja, passa-se tranqüilidade para os que
temiam mudanças significativas em um possível governo Lula, através das
seguintes afirmações:
É cada vez menor o número de pessoas que duvidam dos compromissos democráticos do Partido dos Trabalhadores e de seu candidato à Presidência. A maneira inequívoca com que Lula se comprometeu durante a campanha a manter intocados os fundamentos da estabilidade econômica também convenceu boa parte do eleitorado, conforme mostram as pesquisas de intenção de voto. Lula é aplaudido nos encontros com banqueiros, empresários e pecuaristas [...].
Durante os últimos meses, Luís Inácio Lula da Silva foi muito firme na definição de suas posições. Ex-operário, ex-líder sindical, a principal figura de um partido fundado com orientação socialista. Lula não hesitou em rever, ponto por ponto, vários itens essenciais de sua cartilha ideológica. Prometeu pagar a dívida externa, cumprir metas do FMI, manter as privatizações.315
Dessa forma, podemos perceber que a imagem de um partido político
dogmático, radical, intransigente foi sendo desconstruída pela imagem de um
partido moderno, negociador, confiável e conciliador.
O lado radical dá lugar ao Lula paz e amor, ao PT light.316
Afirmar que era absolutamente necessária a mudança de orientação adotada
pelo PT, parece ser uma suposição fatalista. Seja como for, o fato é que, dessa vez,
o Partido dos Trabalhadores alcançou seu objetivo de conquistar a presidência da
República, obtendo no primeiro e no segundo turno das eleições presidenciais, o
seguinte resultado:
Presidente da República - Eleições de 2002: Votação Total por Candidato/Partido 1o Turno (%)
ESTADOS
Luiz Inácio Lula da Silva PT (PCB-PL-PMN-PC do
B)
José Serra PSDB
(PMDB)
Anthony Garotinho PSB (PGT-
PTC)
Ciro Gomes
PPS (PDT-PTB)
Zé Maria PSTU
Rui Costa
Pimenta PCO
TOTAL
Rondônia 45,0 20,4 24,5 9,6 0,4 0,0 100,0
Acre 46,8 19,0 17,5 16,6 0,1 0,0 100,0
315 VEJA. Cristãos novos do capitalismo: 38-41. 316 CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 44.
84
Amazonas 47,7 15,0 22,4 14,4 0,5 0,0 100,0
Roraima 45,0 12,0 25,0 17,5 0,4 0,1 100,0
Pará 42,3 26,6 20,2 10,7 0,3 0,0 100,0
Amapá 49,9 8,8 26,2 14,6 0,5 0,0 100,0
Tocantins 43,1 34,0 13,8 8,9 0,2 0,0 100,0
NORTE 44,4 22,7 20,8 11,8 0,3 0,0 100,0
Maranhão 40,9 12,1 24,6 22,1 0,3 0,0 100,0
Piauí 46,8 27,3 10,8 14,9 0,1 0,0 100,0
Ceará 39,4 8,5 7,5 44,5 0,1 0,0 100,0
R. G. do Norte
43,7 22,3 17,3 16,4 0,3 0,0 100,0
Paraíba 47,8 29,5 13,6 8,8 0,2 0,0 100,0
Pernambuco 46,4 28,5 18,3 6,6 0,2 0,0 100,0
Alagoas 28,6 29,2 26,1 15,7 0,3 0,0 100,0
Sergipe 44,3 19,9 18,7 16,6 0,5 0,0 100,0
Bahia 55,3 16,9 13,4 14,1 0,3 0,1 100,0
NORDESTE 45,9 19,8 15,4 18,7 0,3 0,0 100,0
Minas Gerais
53,0 22,9 14,4 9,2 0,5 0,1 100,0
Espírito Santo
44,5 20,8 27,0 7,1 0,5 0,1 100,0
Rio de Janeiro
40,2 8,8 42,2 8,0 0,7 0,1 100,0
São Paulo 46,1 28,5 14,1 10,6 0,7 0,0 100,0
SUDESTE 46,5 22,7 20,6 9,6 0,6 0,1 100,0
Paraná 50,1 27,0 14,3 8,1 0,5 0,0 100,0
Santa Catarina
56,6 23,3 12,3 7,2 0,6 0,0 100,0
R. G. do Sul 45,2 32,4 12,0 10,0 0,4 0,0 100,0
SUL 49,4 28,5 12,9 8,7 0,5 0,0 100,0
85
M. G. do Sul
41,5 28,7 15,9 13,5 0,4 0,0 100,0
Mato Grosso
40,6 29,7 15,0 14,4 0,2 0,0 100,0
Goiás 42,1 27,9 19,4 10,2 0,4 0,0 100,0
Distrito Federal
49,1 16,8 18,3 15,3 0,6 0,1 100,0
C. OESTE 43,1 26,2 17,6 12,7 0,4 0,0 100,0
BRASIL 46,4 23,2 17,9 12,0 0,5 0,0 100,0
Fonte: NICOLAU, Jairo. IUPERJ, http//www.iuperj.br/pesquisas/deb
Presidente da República - Eleições de 2002: Votação Total por Candidato/Partido 2o Turno (%)
ESTADOS Luiz Inácio Lula da Silva PT(PCB-
PL-PMN-PC do B) José Serra PSDB
(PMDB) TOTAL
Rondônia 55,6 44,4 100,0
Acre 60,3 39,7 100,0
Amazonas 69,9 30,1 100,0
Roraima 65,6 34,4 100,0
Pará 52,7 47,3 100,0
Amapá 75,5 24,5 100,0
Tocantins 54,0 46,0 100,0
NORTE 58,2 41,8 100,0
Maranhão 58,5 41,5 100,0
Piauí 60,7 39,3 100,0
Ceará 71,8 28,2 100,0
R. G. do Norte 58,6 41,4 100,0
Paraíba 57,0 43,0 100,0
Pernambuco 57,1 42,9 100,0
Alagoas 43,6 56,4 100,0
Sergipe 57,5 42,5 100,0
86
Bahia 65,7 34,3 100,0
NORDESTE 61,5 38,5 100,0
Minas Gerais 66,4 33,6 100,0
Espirito Santo 59,4 40,6 100,0
Rio de Janeiro 79,0 21,0 100,0
São Paulo 55,4 44,6 100,0
SUDESTE 63,0 37,0 100,0
Paraná 59,2 40,8 100,0
Santa Catarina 64,1 35,9 100,0
R. G. do Sul 55,8 44,2 100,0
SUL 58,8 41,2 100,0
M. G. do Sul 55,1 44,9 100,0
Mato Grosso 54,5 45,5 100,0
Goiás 57,1 42,9 100,0
Distrito Federal 62,3 37,7 100,0
C. OESTE 57,3 42,7 100,0
BRASIL 61,3 38,7 100,0
Fonte: NICOLAU, Jairo. IUPERJ, http//www.iuperj.br/pesquisas/deb
No primeiro turno, como se pode observar pelos dados dos quadros
apresentados, o candidato petista obteve a expressiva votação de 46,4% dos votos
e José Serra, o segundo colocado, obteve 23,2% dos votos. No segundo turno,
também foi grande a margem de vantagem entre o candidato petista e seu
opositor.
Lula foi eleito por uma ampla maioria, obtendo 61% dos votos (53 milhões de eleitores), contra os 38% de votos de seu principal competidor, José Serra, o candidato do governo [...].317
317 DINIZ, E. Democracia, governo Lula e desafios atuais.
87
Após as eleições de 2002, o quadro político318 no Congresso Nacional foi
constituído da seguinte forma:
Câmara de Deputados Senado Federal Partidos
N % N %
PT 91 17,7 14 17,3
PDT 21 4,1 5 6,2
PSB 22 4,3 4 4,9
PPS 15 2,9 1 1,2
PC do B 12 2,3 - -
PV 5 1,0 - -
Esquerda 166 32,4 24 29,6
PMDB 74 14,4 19 23,5
PSDB 71 13,8 11 13,5
Centro 145 28,2 30 37,0
PFL 84 16,4 19 23,5
PPB 49 9,6 1 1,2
PTB 26 5,1 3 3,7
PL 26 5,1 3 3,7
Prona 6 1,2 - -
Microlegendas 11 2,1 1 1,2
Direita 202 39,4 27 33,3
Bancada de apoio a Lula 218 42,5 30 37,0
Bancada de oposição 204 39,8 31 38,3
Bancadas indefinidas 91 17,7 20 24,7
Fonte: Melo & Anastasia, 2002, pág. 13. Foram classificados como micro legendas os partidos com menos de 5 representantes. Na Câmara PSD (4), PST (3), PMN (1), PSC (1), PSL (1), PSDC (1). No Senado, o PSD com um representante. Foram computadas como indefinidas as bancadas do PMDB, do Prona e dos micropartidos.
318 Quadro consultado através de artigo de BOSCHI, R. Instituições políticas, reformas estruturais e cidadania: dilemas da democracia no Brasil. Via site http://observatorio.iuperj.br/artigos.htm, consultado em 12/12/2004.
88
Através da análise do quadro acima, pode-se perceber o fortalecimento do
PT, despontando como o partido que obteve a maior quantidade de representantes
na Câmara de Deputados (91 cadeiras). De acordo com o quadro, a bancada de
apoio ao governo Lula na Câmara é maior do que a da oposição, contando com 218
aliados contra 204 opositores. Também para o Senado Federal, o PT obteve um
bom número de representantes (14), conseguindo um relativo equilíbrio de 30
senadores aliados contra 31 de oposição.
Na presidência, fará parte da estratégia petista a negociação, objetivando
alcançar o maior número possível de aliados. Ao término das eleições, Lula já
apontava para sua posterior atuação, propondo a realização de um pacto entre as
diversas forças sociais. Em seu pronunciamento, realizado em 28 de outubro de
2002, fica clara a abrangência de sua proposta, que procura agradar a
trabalhadores, classes médias e empresários.
Ontem o Brasil votou para mudar. A esperança venceu o medo e o eleitorado decidiu por um novo caminho para o país. Foi um belo espetáculo democrático que demos ao mundo. Um dos maiores povos do planeta resolveu, de modo pacífico e tranqüilo, traçar um rumo diferente para si. [...]
Mas essa vitória é, sobretudo, de milhares, quem sabe milhões, de pessoas sem filiação partidária que se engajaram nessa causa. É conquista das classes populares, das classes médias, de parcelas importantes do empresariado, dos movimentos sociais e das entidades sindicais que compreenderam a necessidade de combater a pobreza e defender o interesse nacional. [...]
Continuaremos a ter atuação decidida no sentido de unir as diversas forças políticas e sociais para construir uma nação que beneficie o conjunto do povo. Vamos promover um Pacto Nacional pelo Brasil, formalizar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, e escolher os melhores quadros do Brasil para fazer parte de um governo amplo, que permita iniciar o resgate das dívidas sociais seculares. Isso não se fará sem a ativa participação de todas as foças vivas do Brasil, trabalhadores e empresários, homens e mulheres de bem [...].319
319 FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Partido dos Trabalhadores – Trajetórias – das origens à vitória de Lula: 135-138.
89
A vitória petista suscitou muitas indagações em relação às causas e
condições que levaram o PT, após três derrotas eleitorais, a ascender ao Governo
Federal.320 Tais
[...] indagações dizem respeito principalmente ao deslocamento da agremiação rumo ao centro do espectro político-partidário nacional, à adoção de um discurso amplo e agregador [...] e à realização de uma campanha altamente moderna e dispendiosa.321
Ribeiro denomina de variável de deslocamento a migração do PT de uma
posição clara e ideologicamente de esquerda em direção ao centro do espectro
político-partidário nacional. Segundo Ribeiro, o deslocamento do partido pode ser
observado já no primeiro turno das eleições de 2002, quando da aliança com um
partido centrista – o Partido Liberal – o que atraiu o apoio de uma significativa
parcela do empresariado e das classes médias que relutavam em aderir a Lula.
O deslocamento ao centro, torna-se ainda mais patente, no momento em
que Lula recebe apoio de significativas parcelas do PFL e do PMDB, embora este
último apoiasse oficialmente o candidato situacionista. Este ponto é também
ressaltado por Ribeiro:
Assim, é diáfana a migração do PT rumo ao centro do espectro partidário nacional: primeiro, para conquistar apoios necessários à vitória eleitoral; ulteriormente, para adquirir maioria sólida nas duas casas do Congresso.322
Para entender como foi possível alcançar a presidência em 2002, Ribeiro
analisa a passagem do PT da condição de partido anti-sistema a de legitimador do
sistema. Dessa forma, é fundamental a compreensão de como o PT passou de um
lado para o outro quando da análise de sua chegada ao poder.323 Nesse sentido, o
autor cita Sartori para quem
320 RIBEIRO, P. O PT sob uma perspectiva sartoriana: de um partido anti-sistema a legitimador do sistema. Revista Política e Sociedade: 45. 321 Idem: 45. 322 Idem: 46. 323 Idem: 45.
90
um partido pode ser definido como sendo anti-sistema sempre que enfraquece a legitimidade do regime a que se opõe.324
Segundo Sartori, a oposição não ocorre apenas contra o governo em
exercício, mas ela é apriorística, feita em princípio contra o próprio sistema de
governo através de
[...] um sistema de convicções que não partilha dos valores da ordem dentro da qual opera.325
A negação do partido anti-sistema ocorre de várias formas, podendo ir da
alienação e rejeição total ao simples protesto inconseqüente. No entanto, não se
deve confundir um partido anti-sistema com um partido fora do sistema. Sua
atuação pode acontecer tanto fora como dentro dele,
[...] pela infiltração discreta ou pela obstrução conspícua.326
De acordo com Sartori, os partidos anti-sistema exercem tipicamente uma
oposição irresponsável, isto é, uma oposição em que rejeitam a identificação com o
sistema político e em que não têm preocupação com as promessas e projetos
apresentados, uma vez que as chances de compor o governo e ter que honrar os
compromissos é muito pequena.327
Aos poucos, vai diminuindo a intensidade da atitude anti-sistema e o partido
anti-sistema acaba sendo absorvido pelo sistema político e abandonando seus
projetos de derrubada do sistema e regime vigentes. Quando isto ocorre acontece a
passagem da tendência de deslegitimação do sistema para a tendência de
relegitimação do sistema.
Na análise da trajetória do PT, Pedro Ribeiro utiliza a teoria da mudança
institucional proposta por Panebianco (1990), segundo a qual qualquer mudança
324 SARTORI, G. apud RIBEIRO, P. O PT sob uma perspectiva sartoriana: de um partido anti-sistema a legitimador do sistema: 47. 325 Idem: 48. 326 Ibidem. 327 Idem: 48-49.
91
importante se processa na forma de reações partidárias a fatores ambientais que
incidem sobre a instituição e seus agentes.328
Segundo Panebianco, ao longo do processo de transformação, o partido
passa por três fases: 1) ocorre uma crise interna devido às pressões ambientais; 2)
há uma mudança na composição de forças do grupo dirigente do partido; 3) o novo
grupo hegemônico realiza uma reestruturação organizacional.329
Partindo-se desse pressuposto, podemos observar que, em sua formação, a
concepção antiestatista impregnou fortemente o PT. O novo sindicalismo,
contrapondo-se ao modelo corporativista-estatal criado por Vargas, possuía uma
forte lógica antiestatista. As CEBs – Comunidades Eclesiais de Base – também
privilegiavam uma postura autônoma com relação ao Estado e aos políticos. Os
grupos de esquerda, muitos dos quais atuando na clandestinidade, não poderiam
ter uma atitude amigável com um Estado militarizado. Até mesmo os
parlamentares emedebistas, que ajudaram a fundar o PT, contribuíram para a
concepção antiestatista, na medida em que exerciam oposição ao governo militar.
Segundo Pedro Ribeiro, mesmo tendo dado início à sua participação como
ator institucional-eleitoral, o Partido dos Trabalhadores ainda permaneceu por
muito tempo na condição de maior partido anti-sistema da arena política
nacional.330 Em 1982, com a decepção com as eleições, as tendências mais à
esquerda do partido, provenientes principalmente dos grupos marxista-leninistas,
ganharam força com seu discurso anti-institucional, uma vez que a primeira
tentativa eleitoral petista fracassara.331
328 RIBEIRO, P. O PT sob uma perspectiva sartoriana: de um partido anti-sistema a legitimador do sistema: 49. 329 PANEBIANCO apud RIBEIRO, P. O PT sob uma perspectiva sartoriana: de um partido anti-sistema a legitimador do sistema: 49. 330 RIBEIRO, P. O PT sob uma perspectiva sartoriana: de um partido anti-sistema a legitimador do sistema: 52. 331 Idem: 58.
92
Em resposta a esse avanço, líderes moderados – encabeçados por Lula –
formaram a Articulação dos 113 em 1983, tendo como objetivo estabelecer o seu
domínio sobre a legenda e articular um consenso que expressasse a maioria dos
filiados. Após o 5º Encontro Nacional (1987), o PT passou por mudanças na
correlação de forças entre suas correntes. Até então, o partido poderia ser dividido,
grosso modo:
Entre moderados e radicais, ou entre direita – representada pela Articulação – e esquerda – englobando todos os grupos à esquerda da corrente hegemônica, agora surgia uma força à direita da Articulação, colocando-a pela primeira vez em uma posição verdadeiramente centrista: a Democracia Radical, originada de defecções na esquerda partidária e tendo como maiores líderes Marina Silva, José Genoíno, Eduardo Jorge e Tarso Genro.332
No 7º Encontro Nacional (1990), mesmo sofrendo pressões tanto da direita
como da esquerda, a Articulação obteve a maioria dos delegados. No entanto, no
8º Encontro Nacional (1993), ela viria a sofrer uma derrota inédita. Nesta ocasião,
observa-se a defecção de importantes figuras da Articulação, o que acabou
resultando na criação de um novo grupo, a Articulação de Esquerda, que,
compondo com outros grupos, foi a principal responsável pela guinada do PT à
esquerda em 1993.333 A guinada à esquerda traria amplas conseqüências sobre a
campanha presidencial do ano seguinte.
As novas orientações partidárias impediram o avanço de negociações no sentido da formação de uma coalizão de centro-esquerda para concorrer à Presidência, que poderia envolver principalmente o PT e o PSDB. As novas determinações, de que o partido se unisse somente a forças políticas tradicionais aliadas do PT, como PC do B, PPS e PSB, chegando no máximo às bases do PDT, restringiram sobremaneira o campo de atuação de Lula para a formação das alianças que ele julgava necessárias à vitória.334
Neste contexto, destaca Ribeiro, os erros na condução da campanha e a
posterior derrota no primeiro turno, em 1994, apresentaram-se como formidáveis
332 Ibidem. 333 Tais aspectos são também enfatizados por RIBEIRO, P. O PT sob uma perspectiva sartoriana: de um partido anti-sistema a legitimador do sistema: 58-60. 334 Idem: 61.
93
pressões ambientais que levam à eclosão de uma crise partidária interna, de acordo
com a primeira fase analítica proposta pelo modelo de Panebianco.335
No 10º Encontro Nacional (1995), com o partido em crise, ocorreu a
retomada do poder pela Articulação e demais forças centristas.
Esta união de centro-direita constituiu-se na nova força hegemônica do partido, passando a ser conhecida a partir de então como campo majoritário, em oposição ao campo minoritário esquerdista.336
Segundo Pedro Ribeiro, essa formação do campo majoritário, dentro do PT,
correspondeu à Segunda fase analítica elaborada por Panebianco (1990), típica de
uma partido em transformação, ou seja, a alteração na composição de forças do
seu grupo dirigente.337
A partir de 1995, afirma Ribeiro, o PT
[...] abandonou sua postura de partido anti-sistema ao deixar de ter atitudes que visavam causar impactos simbólicos e deslegitimadores do regime,338
chegando, em 2002, a um partido que consolidava sua postura pró-sistema.
Além disso, houve uma mudança consubstancial na própria composição
social da base petista nos últimos anos:
O crescimento eleitoral do partido em todos os níveis do Executivo e do Legislativo acabou por incrementar a participação interna de servidores públicos nomeados por senadores, deputados federais, governadores, deputados estaduais, prefeitos e edis da sigla, o que ao fim e ao cabo contribuiu sobremaneira para consolidar uma posição pró-sistema em substituição à antiga visão anti-sistema. No 2º Congresso do partido, em 1999, os servidores somavam 49% dos 941 delegados presentes, contra 23% de assalariados do setor privado.339
Apesar de não ter sido proposta do presente trabalho analisar o primeiro
governo petista na presidência do Brasil, alguns questionamentos não podem
deixar de ser levantados.
335 Idem: 62. 336 Idem: 63. 337 Ibidem. 338 Idem: 66. 339 Idem: 68.
94
Um episódio recente, mas que causou repercussão nacional e internacional,
foi a expulsão dos chamados radicais do PT. Por criticarem e votarem contra
algumas propostas defendidas pelo partido, foram expulsos. Diante disso, afirma
Virgínia Fontes:
[...] o PT não está funcionando como partido de esquerda, e sim como qualquer outro partido. [...] Em função disso, ele está pensando em providenciar a expulsão dos radicais.340
Em declaração ao Jornal do Brasil, a deputada federal Luciana Genro afirmou
que a ação dos radicais é coerente com o programa do partido. Luciana afirma:
Quem se submete ao FMI não pode ser considerado praticante da política de esquerda. O que fazemos hoje não é nada mais do que defender bandeiras que até ontem eram de todo partido.341
Após a instalação do PT no governo, o partido vem passando por várias
críticas. O jornalista José Arbex Júnior demonstra sua insatisfação, através das
seguintes afirmações:
O Partido dos Trabalhadores de 2004 é apenas isto: a versão taxidérmica ou mumificada do PT de 1979. Nada há nele que lembre o vibrante espírito do partido criado no calor das manifestações sindicais do ABC, responsáveis pelo aceleramento da queda da ditadura. O PT é hoje uma carcaça ressequida, controlada por burocratas engravatados. Milhares de militantes honrados, que ainda permanecem no partido, por se recusarem a admitir o que está posto diante dos olhos de todos, contribuem para ainda manter um pouco a fábula. Pois é só o que restou: fábula.
Ao contrário do que diz a música de Cazuza, os meus amigos estão no poder – e é isso que causa o maior espanto. Participei, nos anos 70 e 80, de muitas passeatas e manifestações com alguns dos ministros e assessores que agora andam de braços dados com os neocompanheiros Meirelles, Sarney etc., como se fosse a coisa mais natural do planeta.
Alguns daqueles que acreditam nisso há não tanto tempo assim explicam da seguinte forma, hoje, o seu distraído convívio com a elite: os tempos mudaram. Sim: o muro caiu, o socialismo real fracassou, o neoliberalismo triunfou. Nesse quadro, que não fomos nós que escolhemos, é preciso assegurar a governabilidade. [...] É preciso lembrar que Lula conquistou o governo, não o poder. E, além do mais – e agora vem o argumento supremo -, Lula anunciou o que faria o seu governo, na carta aos brasileiros. Nunca escondeu nada.
340 DEMIER, F. As transformações do PT e os rumos da esquerda no Brasil: 123. 341 JB. O País/Política: A4.
95
Bem, se é verdade que o mundo mudou, foi para pior. Não é preciso ser nenhum especialista em política externa para saber o que significa a presença da atual gangue de malfeitores da Casa Branca, nem para entender as dimensões da tragédia africana, e menos ainda para saber que a formação de megablocos significa o aprofundamento da miséria na periferia.
Agora vem a sacrossanta questão da governabilidade, em cujo altar todos os princípios devem ser sacrificados. Pergunta básica: governabilidade para quem? Em nome de que interesses? É incrível ser necessário lembrar que os neocompanheiros representam uma elite que há cinco séculos escraviza o país, e que o PT foi formado para combater essa mesma elite.342
Também César Benjamin343 mostra seu descontentamento, relembrando sua
carta de desfiliação do PT em 1995.344 Naquela época, Benjamin alegava que iria
sair do partido porque havia descoberto que a campanha presidencial de Lula, no
ano anterior, fora financiada por grandes bancos e empreiteiras. Ao comentar sobre
o ocorrido, ele afirma:
Saí do partido. Compreendi que ele jamais seria o mesmo. Lula e seus companheiros íntimos haviam [...] aceito as regras do jogo. O tempo do idealismo ficara para trás.345
No entanto, a partir de um prisma diferenciado, as afirmações de Carlos
Nelson Coutinho346 também nos ajudam na reflexão sobre o PT na presidência da
República.
[...] o governo Lula terá de se equilibrar num estreitíssimo fio da navalha. Por um lado, deve evitar a cooptação pelo atual status quo, à qual já me referi; por outro, não pode sucumbir às tentações voluntaristas (contra as quais Lula parece estar suficientemente vacinado!) de ir muito além do que nos permite a atual correlação de forças. Uma inteligente e razoável pressão à esquerda, vinda dos movimentos sociais e da “esquerda do PT”, será importante para impedir a possibilidade de cooptação; mas um radicalismo insensato, um voluntarismo principista e alheio às exigências das condições objetivas (radicalismo e principismo que, infelizmente, já foram manifestados, publicamente por alguns de nossos companheiros) devem ser enfaticamente evitados. Não hesitaria em dizer que, diante da atual correlação de forças, este redicalismo esquerdista seria um gravíssimo erro político, talvez o maior de todos os que possam ser cometidos.347
342 ARBEX JÚNIOR, J. À sombra de Stalin. 343 César Benjamin – então autor de A Opção Brasileira. 344 BENJAMIN, C. Não esqueçam o que eu escrevi. 345 Idem. 346 Carlos Nelson Coutinho – então professor titular de Teoria Política da UFRJ. 347 COUTINHO, N. Teoria e Debate: 12-13.
96
Segundo José Genuíno,348 o projeto de governo
[...] está sendo executado dentro da idéia de que a eleição não foi uma ruptura, trabalhamos com a idéia de um novo projeto num processo de mudança processual, que combina a eleição com a pressão da sociedade, dentro das regras do jogo.349
Assim sendo, ao ser perguntado sobre o projeto do PT, o atual ministro
Antonio Palocci fala sobre uma possível estratégia de transição para o novo modelo,
baseada em duas premissas:
A primeira é a de que se o povo colocou o PT na presidência do Brasil é porque quer e espera mudanças de rumos. A segunda é que a mudança para um novo modelo não será produto de meia dúzia de decretos presidenciais. É preciso operar uma transição e articular amplas forças sociais que sustentem o novo modelo.350
Seja como for, não é possível realizar um balanço final de um governo que
ainda está em andamento. Daqui a alguns anos, o próprio distanciamento deverá
ajudar a compreender melhor os aspectos positivos e negativos do esperado
governo do operário-presidente.
348 José Genuíno – então presidente nacional do PT. 349 GENUÍNO, J. Debate – por Marina Amaral. 350 PALOCCI, A. Entrevista.
Conclusão
Ao ser criado, o Partido dos Trabalhadores se deparava com um determinado
cenário nacional e internacional. No Brasil, os militares davam a tônica do poder de
Estado e, internacionalmente, ainda havia o embate entre o socialismo soviético e o
capitalismo americano.
Aos poucos, esse quadro foi se modificando. Da mesma forma, também a
proposta petista vai passando por acréscimos e revisões. Além disso, não podemos
deixar de levar em conta as pretensões eleitorais do partido, que levaram seus
integrantes a fazer propostas mais abrangentes, capazes de atrair diversas
camadas sociais, além dos trabalhadores e eleitores de esquerda.
A análise do embate entre as diferentes correntes formadoras do PT, bem
como o acompanhamento da trajetória eleitoral do partido, mostram o gradual
processo de mudança entre 1982 e 2002.
Nesse sentido, para um maior acompanhamento de seu processo histórico,
tentou-se recuperar a origem, o funcionamento e a organização do Partido dos
Trabalhadores.
Além disso, o estudo do perfil e da identidade pestista contribuiu para o
entendimento das convergências e divergências internas do partido, assim como
também para o entendimento dos encaminhamentos adotados posteriormente.
Desde o período de sua formação, havia duas visões em relação à identidade
partidária do PT. Alguns grupos propunham formar um partido socialista aos
moldes marxistas, outros acreditavam que não se deveria definir o tipo de
socialismo a ser implantado, uma vez que o projeto petista seria construído através
da sua própria luta e organização.
Quando de sua participação eleitoral, um primeiro questionamento foi sobre
o risco do envolvimento do partido com a institucionalidade e com os compromissos
98
advindos desse envolvimento. Apesar dessa preocupação, por outro lado, também
havia o desejo de ocupação do espaço institucional.
Sob este aspecto, buscando-se verificar a atuação petista nas eleições, foi
feito um apanhado geral de sua participação, desde 1982 até 1988, destacando-se
os principais embates, estratégias e o crescimento eleitoral do partido. A partir de
1989, o estudo foi dirigido para as eleições presidenciais, realizando-se análises
sobre a forma de organização adotada pelo PT, tendo em vista o seu desempenho
eleitoral.
Portanto, através do exame das diversas disputas eleitorais, a pesquisa
caminhou para o entendimento de que não ocorreu uma mudança brusca nas
orientações do partido. Ao contrário, essa mudança foi resultado de um longo
processo marcado pelo embate entre as diversas correntes existentes no interior do
PT, bem como pelas táticas e estratégias eleitorais do partido, tendo em vista a
conquista do poder político, dentro das regras do jogo democrático.
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5º Encontro Nacional do PT – Resoluções sobre o Socialismo
Objetivo estratégico do PT: O Socialismo1
A conquista do socialismo e a construção de uma sociedade socialista no Brasil são
os principais objetivos estratégicos do PT. Isso parece ser consenso tanto em vista
das resoluções aprovadas nas convenções nacionais, quanto da crescente pressão
da militância para que definamos o tipo de socialismo que queremos e
estabeleçamos as relações correspondentes entre nossa luta do dia-a-dia e a luta
mais geral pelo socialismo.
Na luta pelo socialismo é preciso distinguir dois momentos estratégicos que,
apesar de sua estreita relação de continuidade, são de natureza diferente. O
primeiro diz respeito à tomada do poder político. O segundo refere-se à construção
da sociedade socialista sobre as condições materiais, políticas etc., deixadas pelo
capitalismo.
A conquista do socialismo
Para extinguir o capitalismo e iniciar a construção da sociedade socialista é
necessário, em primeiro lugar, realizar uma mudança política radical; os
trabalhadores precisam transformar-se em classe hegemônica e dominante no
poder de Estado, acabando com o domínio político exercido pela burguesia. Não há
qualquer exemplo histórico de uma classe que tenha transformado a sociedade sem
colocar o poder político, o Estado, a seu serviço.
Evidentemente, a construção da sociedade socialista não é algo totalmente
novo e diferente em relação às formas de luta e de organização dos trabalhadores
no seu dia-a-dia atual. Quando falamos que o socialismo e o poder se constróem na
luta cotidiana, estamos nos referindo ao fato de que muitas das formas
econômicas, sociais e políticas da construção socialista surgirão, sem dúvida, da
experiência da luta de classe contra o capitalismo. Muitas dessas formas que hoje
não conseguem desenvolver-se em virtude da opressão capitalista, como as
pequenas cooperativas, as compras comunitárias, as comunidades locais, os
conselhos populares etc., provavelmente encontrarão um campo fértil para crescer
nas novas condições socialistas. Mas as formas de organização fundamentais que
surgem na luta cotidiana no interior da sociedade burguesa e que têm maior
importância para a luta socialista são as que nascem da auto-organização dos
trabalhadores, as formas de luta pelo controle operário nas fábricas (a partir da
1 Apud GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 132-138.
104
generalização das comissões de fábrica e empresa) e de controle popular nos
bairros.
Essas formas embrionárias de poder proletário são escolas de auto-
organização e participação política dos trabalhadores, que apontam no sentido da
construção de um socialismo efetivamente democrático, em que o poder seja
exercido pelos próprios trabalhadores e não em seu nome.
Entretanto, essas experiências em si não resolvem a contradição do
socialismo com o capitalismo. Mesmo porque, quanto mais amplas elas se tornam,
maior é a resistência da burguesia dominante à sua existência. Repressão e
concessões em geral se combinam para a burguesia continuar mantendo sob sua
influência ideológica e política as grandes massas de trabalhadores e evitar o
desenvolvimento das experiências populares e as mudanças. Para resolver as
contradições sociais e políticas do sistema capitalista é fundamental que todas
essas experiências de luta e de organização operárias, populares e democráticas
sirvam como eixo de preparação e organização das classes trabalhadoras para a
conquista do poder e a construção da nova sociedade.
Por isso, no enfrentamento cotidiano contra as táticas repressivas e/ou de
concessões da burguesia, os trabalhadores terão que empregar táticas que retirem
as massas da influência da burguesia e as levem a conquistar o poder. Nesse
sentido é preciso distinguir as atividades que partem da situação existente em cada
momento e procuram fazer com que os trabalhadores tomem consciência da
necessidade de conquista do poder, das atividades que destinam à conquista
imediata do próprio poder.
Muitos companheiros não fazem essa distinção, não compreendem o
processo de mediação que deve existir entre o momento atual, por exemplo, em
que as grandes massas da população ainda não se convenceram que é preciso
acabar com o domínio político da burguesia, e o momento em que a situação se
inverte e se torna possível colocar na ordem do dia a conquista imediata do poder.
Dessa forma, seu discurso pretensamente revolucionário não é entendido pela
população e pelos trabalhadores e, em vez de contribuir para a organização e a luta
no sentido da conquista do poder e da construção socialista, a desorganizam e a
transformam na luta de pequenos grupos conscientes e vanguardistas.
Por outro lado, companheiros que consideram inevitável a adoção de uma
via revolucionária para a conquista do poder contrapõem essa escolha à tática dos
movimentos sociais que lutam por reformas. Reforma e revolução são consideradas
por eles como termos e práticas antagônicas. Entretanto, nenhum país que tenha
feito revolução deixou de combinar essas lutas, dando maior ênfase a uma ou
105
outra, de acordo com a situação política concreta. A luta por reformas só se torna
um erro quando ela acaba em si mesma. No entanto, quando ela serve para
educação das massas, através da própria experiência de luta, quando ela serve
para demonstrar às grandes massas do povo de que a consolidação, mesmo das
reformas conquistadas, só é possível quando os trabalhadores estabelecem seu
próprio poder, então ela serve à luta pelas transformações sociais e deve ser
combinada com esta.
Nesse sentido, para definir uma estratégia de luta pelo socialismo não basta
definir a via principal de luta, nem as táticas para conquistar o poder. É preciso, em
especial, ter clareza sobre o inimigo ou inimigos principais contra quem nessa luta
se dirige, as alianças de classes (estratégicas) para derrotar tais inimigos e o
programa de transformação a ser implantado (que serve de base à mobilização
popular e às alianças).
Esclarecer tais problemas na realidade não é algo que possa ser decidido
arbitrariamente. Depende do conhecimento da estrutura social brasileira, das
contradições que existem nessa estrutura e do grau que tais contradições
alcançaram como resultado de todo um processo histórico de lutas. Isso inclui o
conhecimento do papel e da força do Estado burguês e do grau de desenvolvimento
da cultura política dos trabalhadores e, em particular, o conhecimento das
tendências do movimento de cada um desses aspectos e de sua resultante.
Existe um certo consenso ente os militantes e filiados do PT de que a
burguesia é a inimiga principal das mudanças sociais e dos trabalhadores. É uma
certeza intuitiva que resulta da experiência concreta de enfrentamento com a
burguesia. O problema, porém, não é esse. O problema reside no fato de que, por
uma insuficiente análise das classes existentes na sociedade brasileira, muitos
companheiros colocam no campo da burguesia parcelas significativas de pequenos
e microempresários urbanos e rurais e mesmo as camadas assalariadas que não
trabalham diretamente na produção fabril ou agrícola. Com isso, nem levam em
conta que tais camadas possuem profundas contradições com o capital e, por isso,
podem se incorporar à luta por transformações sociais no sentido socialista.
Por outro lado, ao tomar a classe burguesa como inimiga principal,
estratégica, muitos militantes são levados a oporem-se a que se aproveitem as
contradições momentâneas entre os diversos setores da burguesia. Colocam-se
contra qualquer aliança política, tática ou pontual, com alguns desses setores. Mas
o que importa aqui é que tais posturas são reflexos também de um conhecimento
insuficiente ou mesmo de desconhecimento das contradições internas que movem
as classes em sua luta, que muitas vezes podem colocar em oposição diferentes
106
setores da própria burguesia. Esse conhecimento insuficiente é uma das razões
principais que explicam por que o PT, como um todo, ainda não avançou
suficientemente nas definições estratégicas.
Para que o processo de definições estratégicas do PT conte com a
participação democrática dos militantes e filiados é imprescindível que o partido
organize o estudo e o debate sobre as classes e as contradições de classe da
sociedade brasileira; o papel da pequena burguesia rural e urbana; a definição dos
pontos programáticos que garantam a atração dos setores sociais que têm
contradições com a burguesia; a via principal de transformação social e as táticas a
serem empregadas para realizá-la; e a relação entre a estratégia do partido e as
diversas táticas para implementá-la. Estes são problemas colocados pelo atual
avanço da luta de classes do Brasil, que devem ser tratados adequadamente.
Tratá-los não é uma tarefa de alguns intelectuais e dirigentes, ou mesmo de uma
corrente política dentro do partido. Essa é uma tarefa que deve envolver o conjunto
da militância petista.
A construção do socialismo
O desenvolvimento desigual e desequilibrado do capitalismo no Brasil coloca diante
dos trabalhadores uma série de questões relacionadas com a construção socialista
após a conquista do poder. Questões que aparecem desde já em função das
propostas programáticas do PT e das alianças estratégicas que devem ser
realizadas para obter a hegemonia contra a burguesia. Evidentemente, o
desenvolvimento intenso do capitalismo nos últimos trinta anos colocou bases
firmes para o estabelecimento de um sólido setor socialista na economia. As
grandes cooperativas agroindustriais capitalistas, as grandes empresas comerciais e
de serviços e os bancos onde a socialização, com a apropriação privada dos
resultados da produção, permitem sua transformação imediata em empresas
socialistas, estatais ou coletivas.
Por outro lado, subsiste no Brasil um vasto setor que, embora seja em
ampla medida subordinado ao grande capital, procura desenvolver-se com
absorção de mão-de-obra e com atendimento a uma série enorme de bens de
serviços considerados secundários e de baixa rentabilidade. Constituído por milhões
de pequenas empresas, pequenos negócios, serviços e autônomos, desempenha
um papel econômico de grande sistema no atual sistema capitalista brasileiro, o
que obriga a um processo permanente de destruição e recriação desse setor –
papel que deve continuar desempenhando mesmo depois de iniciarmos a
construção socialista no Brasil. Desse modo, um dos aspectos-chave do processo de
construção socialista, mesmo tendo como a parte essencial da economia o seu
107
setor socialista estatal ou coletivo, consiste em conhecer a capacidade de o Estado
atender às reais necessidades sociais e adaptar uma política econômica que
complemente de forma integral aquela capacidade para isso. O único caminho, até
hoje, consiste em permitir que a pequena economia mercantil ainda se desenvolva
em uma certa escala, e que seu próprio desenvolvimento natural e contraditório
conduza à concentração e centralização econômica e sua transformação socialista
por meios administrativos.
A pequena produção serve para que a sociedade desenvolva suas forças
produtivas, contribua para que não haja escassez de bens e serviços e permita
incorporar ao trabalho o conjunto da população economicamente ativa sem
prejudicar a eficiência das empresas socialistas nem a constante redução da
jornada de trabalho. Essa política de desenvolvimento da capacidade produtiva da
sociedade, utilizando todas as forças econômicas, é a base da aliança dos
trabalhadores assalariados com a pequena burguesia urbana e rural. Essa aliança é,
pois, uma questão estratégica referente tanto à destruição do capitalismo quanto à
construção do socialismo.
Evidentemente, essa é uma contradição própria do desenvolvimento das
classes no Brasil, do mesmo modo que é impossível, dadas as atuais condições, que
o socialismo possa extinguir as classes de imediato. O processo de construção
socialista, para alcançar a almejada sociedade igualitária, sem classes, sem
opressão e dominação, vai enfrentar, durante certo tempo, a exigência de
diferentes desigualdades, como herança do capitalismo. E vai obrigar a agir, não no
sentido de extinguir administrativamente as desigualdades, mas de evitar que elas
se polarizem e se tornem antagônicas em relação ao socialismo. Tais contradições
no terreno econômico e social da construção socialista geram diferentes
contradições no terreno da política. Isso nos remete, basicamente, para a relação
do socialismo com a democracia.
Socialismo e democracia
A permanência de diferentes classes e camadas sociais no processo de construção
socialista, por um tempo difícil de prever de antemão, coloca para nós a
necessidade de reconhecer a existência de diferentes expressões políticas na
sociedade socialista. É fundamental compreender que, mesmo que não se
concretizem ingerências externas à coexistência de diferentes partidos e
associações políticas, assim como de diferentes propostas para a construção
socialista, torna extremamente aguçada a disputa política, disputa que pode
polarizar-se e ter conseqüências graves se não forem tratadas como merecem, ou
108
seja, disputas que, na sua maior parte, estão dentro de um mesmo campo
socialista, e não disputas entre inimigos.
O fato de que na Nicarágua, a partir do programa da Frente Sandinista de
Libertação Nacional - FSLN, apesar do cerco imperialista e da oposição militar dos
contras existia liberdade sindical, de organização partidária, de comissões de
empresas, das militâncias, dos comitês populares e que, inclusive, foram realizadas
eleições democráticas, indica a atualidade da relação entre a luta pelo socialismo e
a democracia. Longe de a democracia ser uma concessão, ela é parte componente
de uma revolução viva e fator de combate contra a burocratização.
A ausência de democracia, do direito à livre organização dos trabalhadores,
é contraditória com o socialismo pelo qual lutamos. Ainda mais quando sabemos, a
partir de várias experiências históricas, que essa ausência foi alçada quase que a
um princípio permanente, cujas conseqüências podem ser vistas hoje num certo
impasse que vivem vários países que fizeram a revolução e que está na base, por
exemplo, da luta dos trabalhadores poloneses em torno do Solidariedade, que o PT
tem apoiado. Solidário com as lutas dos povos por sua libertação, o PT defende o
rompimento de relação com o regime racista da África do Sul e com a ditadura de
Pinochet, do Chile.
Além disso é preciso levar em conta que a sociedade brasileira já foi capaz
de desenvolver razoavelmente algumas organizações da sociedade civil que jogam
determinado peso na determinação das políticas do Estado. E de que o Estado
brasileiro, embora tenha se reforçado muito, contando com modernos aparelhos
coercitivos (Forças Armadas, Serviços de Informação etc.) e de concessões e
participação (Legislativos, assistência social, centros comunitários etc.), não tem
condições de se fechar completamente à participação das classes subalternas em
seu interior. Ao contrário, a própria magnitude do Estado moderno brasileiro só é
viável se a burguesia for buscar, na massa das outras classes, os funcionários do
Estado. E se, para conseguir consenso e legitimidade para esse mesmo Estado, for
obrigada a abri, pelo menos formalmente, o Estado à disputa das diversas classes.
Na sociedade civil ocorre algo idêntico. A burguesia construiu organizações
sólidas (Fiesp, ONA, ONI etc) que atuam tanto para manter a hegemonia de sua
classe sobre as outras, quanto para manter o domínio do aparelho do Estado. Em
contraposição a isso, tanto os assalariados quanto as camadas médias da
população também criaram organizações de sociedade civil que participam daquela
disputa pela hegemonia e pelo poder. Em grande medida o movimento
contraditório dessas diversas organizações da sociedade civil (e também dentro
109
delas) em relação ao Estado e à disputa no interior do próprio Estado causa os
avanços e recuos da democracia, sua ampliação e retração.
O PT rejeita a concepção burocrática do socialismo, a visão do partido único,
por considerar incorreta a idéia de que cada classe social é representada por um
único partido, e que outros partidos existentes na sociedade que emergirem de
uma revolução serão necessariamente partidos que representarão interesses de
classes diferentes dos da classe trabalhadora.
Seria ingenuidade supor que, conquistado o poder pelos trabalhadores, essa
situação estaria resolvida. Embora a liquidação da burguesia como classe
compreende também a liquidação de suas organizações civis e de seu Estado,
grande parte das organizações da sociedade civil hoje existentes continuarão
presentes na nova sociedade e não podem (nem devem) ser abolidas por decreto.
Isso significa que no processo de construção do socialismo deverão existir não só
diversos partidos e diversas organizações com o poder socialista serão não só de
colaboração e participação, mas também de oposição.
Nessas condições, o Estado socialista terá que desenvolver esforços tanto
para estabelecer uma legalidade nova, democraticamente construída e válida para
todos, como manter e/ou criar mecanismos de participação e consulta popular nos
mais diferentes níveis e nas relações entre tais níveis. A participação operária e
popular na gestão das fábricas, das granjas e fazendas, dos bairros e conjuntos
residenciais, das comunidades, vilas e distritos, é de suma importância para o
funcionamento de uma extensa democracia de base. Entretanto, talvez essa não
seja a questão-chave da democracia no socialismo. Os problemas mais sérios vão
aparecer nas relações entre os mecanismos democráticos de participação e
consulta na base com os mecanismos de participação e consulta nos níveis
intermediários e superiores do poder.
O projeto socialista pelo qual lutamos, de outro lado, deve incorporar as
perspectivas colocadas pelos diferentes movimentos sociais que combatem
opressões específicas, como os das mulheres, dos negros, dos jovens e dos
homossexuais, e suas expressões ideológicas, em particular o feminismo,
indispensáveis para golpear importantes pilares da dominação exercida pela
burguesia e engajar, em profundidade, a maioria da população brasileira num
processo de transformação revolucionária. Deve, também, integrar movimentos de
âmbitos culturais nacionais ou ambientais que procuram responder às agressões
que o capitalismo realiza contra a população e o meio ambiente, movimentos
anticapitalistas e progressistas que sensibilizam parcelas crescentes do povo. Deve
ainda, incorporar o questionamento de outros mecanismos vitais para a reprodução
110
da dominação de classe. A incorporação dessas lutas no projeto político proletário,
desde hoje, permite barrar o avanço da burguesia, que procura esvaziá-las do seu
conteúdo crítico e questionador de instituições e valores da ordem burguesa.
Sem um tratamento correto dessas questões, no sentido de manter abertos
os canais de participação das massas trabalhadoras no poder de Estado e a
observância dos direitos individuais dos membros da sociedade e, ao mesmo
tempo, garantir a existência do Estado socialista como instrumento fundamental
para a construção socialista, será impossível transformar as liberdades políticas e a
democracia formal, próprias do capitalismo, nas liberdades e na democracia real
que deve ser própria do socialismo.
111
Concepção e diretrizes do programa
de governo do PT para o Brasil2
A ruptura necessária
1. A implementação de nosso programa de governo para o Brasil, de caráter
democrático e popular, representará uma ruptura com o atual modelo econômico,
fundado na abertura e na desregulação radicais da economia nacional e na
conseqüente subordinação de sua dinâmica aos interesses e humores do capital
financeiro globalizado. Trata-se, pois, de propor um novo modelo de
desenvolvimento para o Brasil. Será preciso ousar, rompendo com o conformismo
fatalista pretensamente pragmático que sonega direitos básicos da população e
resgatando os valores éticos que inspiraram e inspiram as lutas históricas pela
justiça social e pela liberdade. Será necessário, de igual modo, avaliar com
objetividade as restrições e potencialidades do atual quadro sócio-político e
econômico do país, para evitar um voluntarismo que poderia frustrar a proposta de
transformação da economia e da sociedade brasileiras.
2. As profundas desigualdades econômicas, sociais e políticas, a situação periférica
de nosso país no contexto internacional deitam raízes no passado escravista e
colonial. Mais recentemente, o período desenvolvimentista, iniciado nos anos 1930,
colocou na agenda o tema de um projeto nacional. Na prática, o modelo nacional
desenvolvimentista propiciou altas taxas de crescimento econômico, a montagem
de uma relevante estrutura industrial e a integração de um mercado interno de
porte considerável. Simultaneamente, tal modelo acarretou o aumento da
concentração de renda, da terra e da riqueza em geral, a consolidação, sob novas
modalidades, da posição estratégica do capital estrangeiro na economia brasileira,
o aprofundamento das disparidades regionais e longos períodos autoritários,
entremeadas por várias tentativas de golpes.
3. Ocorreram, por outro lado, recomposições nas relações de poder e dinheiro, mas
nunca rupturas efetivas, com a acomodação e a permanência de todos os setores
dominantes, fossem atrasados ou modernos. Nesse sentido, o Estado brasileiro, a
despeito de uma presença marcante na vida econômica e social, ousou arbitrar
perdas para ao menos uma parte dos interesses dominantes. Diante de impasses
econômicos, o Estado, aproveitando conjunturas internacionais favoráveis,
comandava processos de fuga para a frente, reiterando ou aprofundando a
2 PT. Concepção e diretrizes do programa de governo do PT para o Brasil. http://www.mercadante.com.br/noticias/noticia_42.html, acesso em 30 nov. 2003.
112
dependência externa (tecnológica e, sobretudo, financeira). Com a emergência da
crise da dívida externa, no quadro da globalização financeira e da nova revolução
tecnológica, selou-se o esgotamento do modelo nacional desenvolvimentista,
caracterizado pelo binômio dependência e desenvolvimento.
4. Após a primeira década perdida (os anos 1980), e frente aos avanços das lutas
sociais no contexto da redemocratização, a década de 1990 se inicia com uma
reação conservadora de inspiração neoliberal. O ideal do mercado auto-regulador,
que tende a submeter a natureza e a vida das pessoas à lógica do mercado, induz à
proposta do Estado mínimo. Mas isto não levou à restrição da ação do Estado na
economia, e sim à mudança substancial de seu caráter, concentrando-se
fundamentalmente em dois aspectos: a criação de espaços de expansão e
lucratividade para as atividades privadas e a preservação das condições de
reprodução do capital financeiro globalizado.
5. Tal concepção teve diversas implicações: deslocou para o plano privado decisões
e funções de natureza pública, transformou serviços públicos de caráter universal
em mercadorias, levou à desregulamentação de atividades essenciais de infra-
estrutura, reduziu o horizonte das preocupações econômicas aos aspectos fiscais e
monetários de curto-prazo, ignorando os problemas estruturais da economia e
deixando apenas para o mercado (como se este fosse capaz de fazê-lo) os
investimentos necessários ao desenvolvimento econômico. Em particular, o ideário
neoliberal produziu um enorme descaso pelo social, agravando o nível de
concentração de renda e ampliando a exclusão social.
6. O programa de privatizações, concebido à margem de uma visão estratégica de
desenvolvimento nacional, sem um marco regulatório adequado, e ante a
fragilização do Estado, debilitou a infra-estrutura, comprometendo a
competitividade sistêmica e o potencial de crescimento da economia. Provocou,
também, uma elevação nos preços relativos de bens públicos importantes, como
energia elétrica, telefonia e transporte. Em razão do encarecimento, esses bens
passaram a pesar mais na renda de amplas camadas da população, especialmente
a mais pobre. De mais a mais, se o problema alegado pelo governo era o de
escassez de recursos, foi incoerente privatizar os ativos existentes, ao invés dos
novos investimentos. Em suma, as privatizações foram um grande negócio,
patrocinado pelo governo federal, de transferência de um patrimônio público
acumulado pelo Brasil durante décadas para grupos privados nacionais e
estrangeiros: na ausência de uma visão estratégica, perdemos o controle sobre
insumos básicos da economia e, com isso, perdemos também competitividade.
113
7. Uma das principais conseqüências dessas políticas foi a desestruturação do
Estado brasileiro e a limitação de sua autonomia na formulação e gestão da política
econômica. Isso se deu através de dois vetores: a deterioração de sua base
financeira e de sua capacidade operacional e de investimento, resultante dos efeitos
das políticas de abertura e desregulamentação radicais da economia; e o
esvaziamento de suas funções de apoio e orientação do desenvolvimento,
decorrente da super-valorização do papel do mercado na direção e regulação da
economia.
8. A dependência de capitais externos e a manutenção de uma taxa de juros
extremamente elevada, resultantes daquelas políticas, tiveram impactos
destrutivos sobre as finanças públicas, produzindo um volumoso endividamento do
Estado e transformando os juros no principal vetor do déficit público (embora a
carga tributária tenha-se expandido bastante no período). As políticas de ajuste
adotadas em função dos acordos com o FMI, ao invés de eliminarem a propensão
ao endividamento, levaram a priorizar o pagamento dos encargos financeiros da
dívida pública, com o sacrifício dos investimentos em infra-estrutura, em ciência e
tecnologia, e dos gastos sociais do Estado.
9. Uma característica central do modelo implantado nos anos 1990 diz respeito à
dependência e à vulnerabilidade externas da economia brasileira. As políticas de
abertura comercial e financeira sem reciprocidades, iniciadas pela administração
Collor e radicalizadas pelo governo FHC, cujos efeitos foram amplificados pela
sobrevalorização da taxa de câmbio no período de 1994/1998, agravaram
extraordinariamente a crônica dependência da economia brasileira ao capital
estrangeiro. Por um lado, destruíram o saldo comercial, elevaram o coeficiente de
importações da economia e expandiram gastos com serviços não financeiros,
principalmente turismo e fretes; por outro, aumentaram o passivo externo - devido
à expansão do endividamento externo privado e do crescimento do estoque de
capital estrangeiro - e seus encargos financeiros, sem gerarem, em contrapartida,
efeitos relevantes em termos de aumento da capacidade produtiva e de exportação
do país.
10. Nesse contexto, a estabilidade de preços - única prioridade do atual modelo
econômico - foi alcançada com o sacrifício de outros objetivos relevantes, como o
crescimento econômico, o nível de emprego, a solidez das finanças públicas e das
contas externas. Optou-se, uma vez mais, por uma fuga para a frente,
aproveitando-se de uma conjuntura internacional vinculada a abundante oferta de
capital financeiro, sobretudo especulativo. Em contraste (desvantajoso) com o
período desenvolvimentista, o país experimentou uma segunda década perdida,
114
caracterizada pela dependência externa sem desenvolvimento. No século XX,
somente os governos de Venceslau Brás na Primeira Guerra Mundial, Washington
Luiz na crise de 1929 e governo Collor fizeram o país crescer menos que o período
de FHC, o qual apresenta uma taxa média de 2,3% do PIB ao ano.
11. Ao elevar as necessidades de financiamento externo a níveis críticos e abolir as
restrições ao movimento de capitais, as políticas aplicadas transformaram a
dependência do capital estrangeiro em um mecanismo de internalização da
instabilidade do mercado financeiro globalizado e de subordinação do
funcionamento da economia nacional às prioridades e interesses dos credores e
investidores externos. Portanto, tais políticas, sobretudo durante os governos FHC,
reforçaram, sob novas modalidades, o caráter passivo e subordinado da inserção do
país na economia mundial. Nessas condições, as mudanças no cenário internacional
e as debilidades estruturais internas convergem no sentido de transformar a
recessão no instrumento privilegiado de ajuste da economia.
12. No plano internacional, diante dos debilidades do Mercosul - agravados pela
profunda crise argentina - uma questão essencial diz respeito à proposta dos
Estados Unidos de conformação da Área de Livre Comércio das Américas - Alca. No
âmbito comercial, a assimetria de recursos, de capacidade tecnológica, de escalas
de produção e de sistemas de proteção anulariam as eventuais vantagens da
expansão do intercâmbio com os Estados Unidos, inclusive porque, no melhor dos
casos, esta tenderia a reforçar nossa especialização em atividades tradicionais de
baixo conteúdo tecnológico. A Alca, porém, é muito mais que uma proposta de
acordo comercial, abrangendo todos os aspectos chaves da economia - tais como a
desregulamentação dos fluxos de capital, a proteção a investimentos estrangeiros,
a abertura dos serviços - inclusive nas áreas de cultura e comunicação - e das
compras governamentais ao capital estrangeiro, além da regulamentação da
propriedade intelectual.
13. Ficariam de fora, apenas, o mercado de trabalho e o acesso às tecnologias
monopolizadas pelas corporações e pelo Estado norte-americano. Nesse sentido,
uma adesão a esse acordo, tal como está sendo proposto, representaria, de fato, o
aprofundamento do movimento de abertura e desregulamentação econômica e
financeira em curso, que conduziu ao debilitamento político do Estado nacional
brasileiro, à desnacionalização e à fragilização de sua economia, bem como ao
agravamento da questão social. A recente aprovação, pela Câmara dos Deputados
dos Estados Unidos, dá autorização para que o Executivo negocie acordos
comerciais que o Congresso só pode aprovar ou rejeitar em bloco (o chamado fast
track), confirma com clareza tal visão. A inclusão de cláusulas restritivas a
115
transferência de tecnologia e a flexibilização sobre patentes, e outras que retiram
de governos nacionais (como o Brasil) poder para regular investimentos, ao lado da
retirada do campo de atuação do Executivo de itens relevantes de negociação,
como os subsídios à agricultura e as regras anti-dumping, são exemplos destacados
disso.
14. No plano político interno, destaque-se, de início, a preocupante situação do
federalismo brasileiro. Num país como o Brasil, de grandes dimensões territoriais,
marcado por uma importante diversidade cultural e por profundas desigualdades
regionais, a origem histórica do federalismo - na República Velha - esteve ligada a
um pacto das oligarquias regionais. O coronelismo, longe de se restringir ao poder
local, era na verdade um sistema político que integrava, através das trocas de
favores, os chefes políticos locais, as oligarquias regionais e o governo federal, sob
o comando das segundas. Hoje em dia, o sistema político é outro. Ele guarda,
porém, relevantes características herdadas de sua origem.
15. O presidencialismo brasileiro possui um viés centralizador e autoritário.
Ademais, o governo precisa recontratar, a cada momento, os termos de apoio de
sua base parlamentar. Os governantes de estados mantém importante peso político
- inclusive porque costumam comandar os parlamentares federais aliados em seus
estados. Cruzando tais relações, boa parte dos deputados federais se sustenta a
partir de apoios de lideranças locais, em especial prefeitos. A tônica das relações
políticas continua a se basear no clientelismo, daí derivando uma forte tendência
governista. Trata-se, pois, de um sistema político no qual a troca de favores opera
de cima em baixo, do âmbito federal ao local, passando pelo estadual. A coalizão
conservadora montada pelo governo FHC comanda tal sistema a partir do centro.
16. Nos anos 1990, ademais, o governo federal levou a efeito um processo de
reconcentração de recursos e de desconcentração de atribuições, em reação à
constituição de 1988. Assistiu, em geral de forma passiva, a generalização da
guerra fiscal de cunho predatório entre estados e municípios. E submeter todas as
instâncias federativas aos critérios e prioridades da política macroeconômica
através da Lei de Responsabilidade Fiscal que, apesar dos aspectos necessários ao
controle fiscal, tolhe elementos importantes de autonomia dos entes federados,
engessando, em alguns casos, os investimentos em políticas sociais. Enquanto isso,
observa-se uma solene omissão no que diz respeito a políticas macro-regionais e a
políticas micro-regionais (em particular, nas áreas metropolitanas). O produto
dessa perversa combinação entre sistema político centralizador e clientelista e
individualismo da guerra fiscal (que negam a cidadania e a cooperação federativa)
tem sido o aprofundamento das disparidades regionais e dos problemas urbanos.
116
17. Do ângulo de nossa cultura política, a presença, no âmbito privado, da força da
intimidade, das relações familiares e de amizade, do calor das relações pessoais -
uma das marcas da cultura nacional - tem sido historicamente metamorfoseada, no
âmbito público, em relações patrimonialistas, clientelistas, na tendência à
conciliação. Tratam-se de elementos de privatização do público, de formas de
compensação social privadas que contribuem para legitimar as inaceitáveis
desigualdades do país, produzindo uma atrofia da esfera pública democrática,
espaço por excelência de luta por direitos de cidadania. Tais características de
nossa cultura política - convém lembrar - são alimentadas pela presença de
relações formalmente democráticas. Daí, pois, o ressurgimento com vigor do
clientelismo no momento da redemocratização, isto é, em simultâneo ao avanço
das lutas e conquistas sociais na década de 1980.
18. Não é casual, portanto, que nos anos 1990 a reiteração do patrimonialismo
(apropriação privada de recursos públicos), sob o olhar mais vigilante de meios de
comunicação, venha produzindo uma coleção de casos de corrupção e problemas de
ética política. Nem tampouco que a persistência do clientelismo, aliada à limitação
de recursos para o social, apresente-se como forte obstáculo à implementação de
políticas públicas de caráter universal.
19. Há, porém, um agravante: a coalizão conservadora no poder (sobretudo
durante os governos FHC), ao assumir as teses do consenso neoliberal, atuou no
sentido de tornar mais graves os processos de privatização do público. De um lado,
em sua face mais visível, implementou amplo programa de privatização do setor
produtivo estatal. De outro, ao combater direitos sociais e trabalhistas, taxando-os
de custo Brasil, procurou desqualificar as próprias reivindicações por direito na cena
pública, com o sentido de despublicizá-los - haja vista os ataques aos movimentos
sindicais e sociais, a desativação das câmaras setoriais, etc.
20. No nível da ação estatal, iniciativas isoladas de instituir novos procedimentos de
gestão pública caíram no vazio, em face das investidas de desvalorização do serviço
público (e dos servidores públicos em geral), da desestruturação dos mecanismos
de planejamento e das decisões de cunho clientelista (próprios da ampla coalizão
de poder). Por exemplo, em programas que supõem a integração entre diferentes
ministérios, as decisões são tomadas por estes de modo isolado e, em muitos
casos, com base em critérios de trocas de favor.
21. Esta é, em suma, a difícil herança - do passado histórico e sobretudo do
período mais recente - com a qual nos defrontamos. Para quem defende, não uma
mera continuidade sem continuísmo, pela adoção de uma política
desenvolvimentista que agrega o social como acessório, mas sim uma verdadeira
117
transformação inspirada nos ideais éticos da radicalização da democracia e da
justiça social, não pode restar dúvida de que um governo democrático e popular
precisará operar uma efetiva ruptura global com o modelo existente, estabelecendo
as bases para a implementação de um modelo de desenvolvimento alternativo.
22. Tal projeto deverá incorporar o combate à dependência externa e a defesa da
autonomia nacional; terá o social como referência central do desenvolvimento - ou
seja, o desenvolvimento sustentável (inclusive ambientalmente) incorporará em
sua própria dinâmica interna a distribuição de renda e de riqueza, a geração de
emprego e a inclusão social; e buscará criar condições, de modo permanente, para
a democratização do Estado e da política. Sua implementação só será possível a
partir da constituição de uma nova coalizão de forças que rompa com os sucessivos
pactos conservadores que vêm dominando o país há décadas. É hora de ousar, pois
é em momentos de grandes mudanças mundiais, como este, que se abrem novas
possibilidades para os países da periferia do sistema, como o Brasil, conquistarem
uma posição de inserção soberana no mundo.
As bases de um programa democrático e popular para o Brasil
23. O novo modelo de desenvolvimento brasileiro deverá articular três eixos
estruturantes: o social, o democrático e o nacional. Por um lado, sendo a
democracia concebida como meio e como fim, como procedimento e como
conteúdo - e portanto muito mais que um regime político - o democrático é
inseparável do social. Por outro lado, historicamente, as coalizões políticas que têm
governado o país fizeram-no sustentadas na dependência externa e, internamente,
fechando-se sobre si mesmas, de modo autocrático; daí que o democrático seja
indissociável do nacional. Por fim, se o processo de globalização em curso não
estabelece fronteiras para as mercadorias e para o capital (que se concentram em
poucos países), os povos, em particular os mais pobres, continuam obrigados a
viver no território do seus próprios países; por isso, a questão social é inseparável
da questão nacional.
I. O social
24. Os modelos de desenvolvimento anteriores sempre relegaram o social a um
plano secundário e residual, o que se expressa na permanência de índices
inaceitáveis de pobreza e desigualdade na distribuição da renda e da riqueza. A
reversão desse quadro é o ponto de partida para o estabelecimento de uma nova
dinâmica de desenvolvimento. No entanto, ela não depende apenas da retomada do
ritmo de crescimento da economia ou da manutenção de certo grau de estabilidade
dos preços internos. Embora a estagnação econômica e o descontrole da inflação
tendam a penalizar os segmentos com menor capacidade econômica da sociedade,
118
a miséria e a desigualdade, na nossa experiência histórica, têm aumentado
também em períodos de crescimento ou de relativa estabilidade de preços.
25. A transformação do social no eixo do desenvolvimento significará, também,
mais do que a revalorização dos aspectos sociais - como a fome, a educação, a
saúde, o saneamento, a habitação e a cultura. Por um lado, será necessário incidir
sobre fatores estruturais que determinam os padrões de apropriação e distribuição
da renda e da riqueza, como as relações da propriedade da terra e do capital, as
relações de trabalho, as modalidades de organização e de integração dinâmica do
sistema produtivo, o caráter do Estado e suas conseqüências na tributação e no uso
dos recursos públicos.
26. Por outro lado, a materialização de mudanças na estrutura de distribuição de
renda e riqueza só será possível se as medidas redistributivas adotadas forem
acompanhadas por transformações na produção e no investimento que as orientem
para um amplo mercado de consumo de massas. Por isso, os programas de
investimento nos setores sociais devem ser concebidos como verdadeiros vetores
de crescimento e transformação da economia.
27. O novo modelo de desenvolvimento subordinará, pois, a dinâmica econômica
aos objetivos e às prioridades macro-sociais que, no atual estágio do país, são
fundamentalmente três: a) a inclusão de 53 milhões de brasileiros, sub-cidadãos
que sobrevivem em condições de extrema precariedade, sem acesso aos bens e
serviços essenciais a uma vida minimamente digna; b) a preservação do direito ao
trabalho e à proteção social de milhões de assalariados, pequenos e médios
produtores rurais e urbanos, inativos de baixa remuneração e jovens que buscam
ingressar no mercado de trabalho (todos ameaçados pelas tendências excludentes
do atual modelo econômico); e c) a universalização dos serviços e direitos sociais
básicos, com a elevação progressiva da qualidade dos serviços prestados e o
crescente envolvimento da população na sua gestão. Em paralelo, o novo modelo
deverá incorporar, também, um caráter ambientalmente sustentável, levando a
uma ocupação mais racional do espaço, sobretudo dos recursos naturais e das
fontes de água e energia.
28. Avançar em direção a esses objetivos implicará um persistente esforço de
crescimento econômico e de ampliação da capacidade de geração de emprego, de
expansão e redirecionamento do gasto público e de democratização dos direitos de
propriedade e utilização da terra e do capital, no campo e nas cidades, inclusive
através do fomento da economia solidária. Implicará também elevar
progressivamente o piso de remuneração da força de trabalho, para transformar o
119
salário-mínimo em um salário básico compatível com a satisfação das necessidades
essenciais de cada família.
29. Os movimentos de expansão de consumo e da produção devem ser
sincronizados e implementados de forma progressiva e sustentável, para limitar a
geração de pressões sobre os preços e as importações e para favorecer a
internalização dos efeitos retroalimentadores da expansão da demanda sobre o
emprego, a produção e os investimentos. A adequação da capacidade produtiva
existente ao aumento do potencial de consumo de amplos setores da população
envolverá, ao lado dos citados programas de investimentos nas áreas sociais (como
habitação, saneamento e serviços públicos), dois aspectos centrais.
30. Em primeiro lugar, será ampliada a produção de bens de consumo popular -
bens tradicionais, como calçados, têxteis, móveis - e, em particular, os alimentos,
cuja elasticidade da demanda frente a políticas redistributivas (isto é, para baixos
níveis de renda) costuma ser bastante elevada; a organização do abastecimento
desses bens, fator crítico no caso dos alimentos, será fundamental para assegurar a
eficácia no esforço de aumento de produção, o qual requer, por sua vez, a
expansão e a integração da infra-estrutura de serviços básicos. Em segundo lugar,
será necessária a expansão seletiva da oferta de bens produzidos pelos setores
mais modernos e dinâmicos da economia, dado que parte do movimento da
demanda incidirá sobre bens finais manufaturados mais complexos e componentes
de suas cadeias produtivas (com desdobramentos sobre outros segmentos da
economia).
31. Esse padrão de crescimento tenderá a afetar relativamente menos as restrições
externas existentes, uma vez que o coeficiente de importações implícito na
expansão da oferta de bens de consumo populares e serviços de consumo coletivo
é inferior ao coeficiente correspondente ao atual padrão médio de consumo.
Adicionalmente, um aumento na escala de produção de bens de uso generalizado
criará, também, melhoria das condições de competitividade externa dessas
indústrias - algo relevante no quadro de restrição cambial que o país terá de
enfrentar no futuro imediato.
32. Colocar o social como eixo do novo modelo significará, ademais, valorizar de
forma efetiva políticas públicas voltadas a garantir direitos sociais e, mais
geralmente, os direitos humanos. Em primeiro lugar, a reforma agrária é
fundamental para o enfrentamento da crise social e para o fomento da agricultura
familiar. Sua aceleração permitirá, no curto-prazo, elevar o emprego na agricultura
com investimento relativamente baixo e com reduzidos gastos de divisas,
proporcionando segurança alimentar a trabalhadores sem terra e suas famílias. A
120
posterior expansão e integração da produção de alimentos, em paralelo à
consolidação das diversas formas de organização produtiva dos beneficiários,
desempenhará papel relevante na regulação dos fluxos de abastecimento nas
esferas local e regional. A maior eficácia da reforma será alcançada pela ampliação
da participação dos beneficiários em todas as suas fases e pela implantação de
esquemas de financiamento e comercialização que contribuam para a viabilização
econômica das unidades produtivas criadas. É importante registrar, por fim, que o
fim da violência e da impunidade no campo é um compromisso de governo.
33. A habitação popular, além de aspiração legítima, gera muitos empregos,
assegura estabilidade familiar, não tem impacto negativo no balanço de
pagamentos e desencadeia grande impulso na economia. Assumirá, por isso,
condição de prioridade. Um grande desafio será construir uma parceria eficaz com a
iniciativa privada e equacionar a questão do financiamento. Por outro lado, uma
reforma urbana que agilize o acesso à propriedade imobiliária da população de
baixa renda será decisiva: a segurança da propriedade do terreno na periferia das
grandes cidades será fundamental para viabilizar o financiamento imobiliário e
fomentar a construção civil popular.
34. No campo do direito à educação, não é possível tolerar o analfabetismo, num
contexto de tantas exigências no mundo do trabalho e, sobretudo, no próprio
exercício da cidadania. A educação não é mera forma de adestramento da força-de-
trabalho, mas condição para a cidadania. É preciso universalizar o ensino básico e
reduzir a evasão escolar, tendo como preocupação central a qualidade do ensino.
Nesse contexto, é decisiva a elevação substancial da escolaridade média da
população, bem como o fomento ao ensino profissionalizante. As universidades e os
institutos de pesquisa - na qualidade de instituições complexas, que detêm a
síntese da capacidade intelectual, científica e cultural - serão valorizadas e
integradas ao processo de desenvolvimento nacional, haja vista seu papel na
recuperação da capacidade de produção endógena de tecnologia e seu papel crítico
diante da sociedade.
35. A valorização da cultura nacional é um elemento fundamental no resgate da
identidade do país. É preciso, pois, abrir espaço para a expressão de nossas
peculiaridades culturais (inclusive as de corte regional), sem que isso se confunda
com um nacionalismo estreito, mas sim articulado e aberto às culturas de todo o
mundo. Trata-se, na linha de nossa melhor tradição cultural, de resgatar os traços
peculiares de nossa identidade em formas de expressão de cunho universal, isto é,
em diálogo aberto com todo o mundo. É essencial, nessas condições, realizar um
amplo processo de inclusão cultural, garantindo, de forma progressiva, o acesso de
121
toda a cidadania à produção e fruição cultural, bem como a livre circulação de
idéias e de formas de expressão artística. De modo análogo, é importante fomentar
a formação e a prática de esportes e de atividades de lazer, como contribuição à
melhoria da qualidade de vida no país.
36. O sistema único de saúde pública é uma grande conquista da sociedade
brasileira e precisa ser implantado em sua plenitude, incorporando inclusive
modelos de gestão que levem à melhoria da qualidade e à otimização dos recursos
a serem disponibilizados. O acesso da população aos medicamentos essenciais e de
uso continuado, o fomento à produção de medicamentos genéricos e o impulso às
políticas de saúde preventiva, ao lado do fortalecimento de programas como o de
saúde da família, são componentes de um compromisso básico de defesa da vida.
Igualmente relevante será construir um sistema previdenciário universal, até certo
limite de renda - sem qualquer tipo de distinção ou privilégio - abranja toda a
sociedade. À partir desse patamar, serão oferecidos sistemas previdenciários
complementares, públicos ou privado. A melhoria no sistema de arrecadação
tributária e a gestão transparente e tripartite do sistema previdenciário serão
essenciais para reduzir desperdícios e melhorar a qualidade dos serviços prestados.
37. Diante do crescimento assustador da violência, que tem levado à consolidação,
no cotidiano da população, da banalização da vida e da arquitetura do medo, o país
necessita, mais do que nunca, de uma política nacional de segurança pública,
priorizando a segurança da cidadania na qualidade de direito. Um amplo programa
de combate à violência, ao narcotráfico e ao crime organizado supõe uma nova
concepção de segurança pública, envolvendo planejamento, definição de metas e
estratégias, investimentos em qualificação técnica e profissional e incluindo a
integração do sistema policial e uma completa revisão do código penal e do sistema
prisional (inspirado por penas alternativas). Deve ganhar destaque não apenas a
repressão, mas a prevenção da violência. Dada, afinal, a divisão de atribuições, tal
política não poderá prescindir da parceria com estados e municípios.
38. A afirmação dos direitos contra a discriminação, relacionados com raça, gênero,
orientação sexual, condição física ou mental é parte integrante da defesa dos
direitos humanos. Em particular, é preciso implementar políticas de combate à
violência que atinge as mulheres, no lar ou fora dele, bem como as crianças e
adolescentes. Negros e negras são especialmente atingidos por inúmeras formas de
discriminação econômica, social e pela violência. Em complemento às grandes
reformas de combate à discriminação, deve-se romper o silêncio das instituições e
constituir mecanismos de ação afirmativa. Caberá ao Estado, na perspectiva de
resgate da dignidade e da igualdade de direitos, criar condições para a conquista da
122
igualdade de condições e de tratamento que beneficiem os grupos sociais mais
atingidos pela discriminação, como mulheres, a população negra e índia,
homossexuais, pessoas portadoras de deficiência, etc. O estímulo à organização
autônoma e à participação política desses segmentos é parte decisiva de nosso
compromisso estratégico com os direitos de cidadania.
39. A aceleração do crescimento econômico, acompanhada de distribuição de renda
e riqueza, permitirá integrar expressivos contingentes da população brasileira ao
mercado. Uma parcela da população, contudo, que se encontra excluída do acesso,
mesmo que precário, à economia e aos direitos básicos, só seria atingida em
décadas, o que é eticamente inaceitável. A exclusão social é, na verdade,
multidimensional: ela se expressa de modo particular no nível econômico, mas
incorpora também, em geral, as dimensões urbana e rural, cultural, social, política,
manifestando-se tanto em termos objetivos quanto subjetivos. É preciso, pois, criar
condições, proporcionar recursos, para que a população excluída possa transitar
para uma situação de inclusão social. Propõe-se, nesse sentido, um amplo
programa integrado de inclusão social que, superando as abordagens setoriais ou
compensatórias, trate o acesso à inclusão social plena como um direito de
cidadania, em suas várias dimensões. Para tanto, será necessário levar a efeito
uma efetiva integração de políticas, tendo o fortalecimento da família como centro,
e dotado de acompanhamento de resultados e participação direta da população
beneficiária.
40. Ganha relevo, nesse quadro, a instituição de uma renda mínima, associada à
educação (como nos programas bolsa-escola), abrangendo todo o território
nacional, como ingrediente de um programa de complementação de renda familiar.
O programa bolsa-escola nacional do governo FHC - apesar do aumento de
recursos previstos inicialmente, em que a bancada do PT teve papel destacado - é
ainda muito tímido quanto aos benefícios e se sustenta numa visão estanque,
insuficiente do problema da exclusão social. A renda mínima que propomos,
articulada ao programa de inclusão social, deve ser vista como um passo na direção
da implementação - quando houver condições fiscais - de uma renda básica de
cidadania enquanto direito de toda a população brasileira.
41. A instituição de políticas e mecanismos de apoio à economia solidária é
igualmente decisiva. No campo, isso significa distribuir terra e propiciar acesso a
recursos financeiros para a aquisição de ferramentas, sementes, crédito e extensão
agrícola, incorporando ao mesmo tempo a consciência de que a cooperação e a
ajuda mútua são imprescindíveis para o êxito econômico. Nas cidades não é
diferente, sendo preciso estimular a mobilização das comunidades excluídas,
123
capacitando-as a se organizar, cooperar e interagir de modo solidário, além de
fornecer recursos materiais e intelectuais (tecnologias de produção, financeira, de
marketing, gerencial) para poderem competir no mercado. É necessário
proporcionar à economia solidária em construção condições objetivas do se
financiar e criar mercados para a sua produção. Para tanto, o Banco Central, em
colaboração com o BNDES e a Caixa Econômica Federal, deve apoiar ativamente a
constituição de uma rede de crédito solidário, incluindo a formação de cooperativas
populares de crédito.
42. O programa de inclusão social deve incorporar, também, o combate à fome no
país, com a perspectiva de sua erradicação. É preciso, pois, estabelecer uma
política de segurança alimentar, baseada em iniciativas diversificadas, que permita
o acesso a uma cesta básica de produtos que melhore progressivamente com o
aumento da produção e da distribuição de alimentos (especialmente para as
crianças). Fica clara, pois, a complementaridade entre a política de combate à fome
e a mudança estrutural de modelo proposta.
43. O caráter multidimensional da exclusão e da inclusão social conduz, ainda, à
necessidade de integrar ao programa de inclusão social políticas educacionais (em
particular, de alfabetização e de formação profissional), de saúde (como a saúde da
família) e culturais e de lazer, voltadas à criança e ao adolescente. No caso das
cidades, a exclusão urbana tende a se concentrar em favelas e loteamentos
irregulares, razão pela qual são essenciais, também, políticas de habitação popular,
de urbanização de favelas e de regularização fundiária, além de combate à violência
urbana.
44. O financiamento desse conjunto de políticas públicas vinculadas à garantia de
direitos sociais supõe, evidentemente, uma profunda alteração no perfil do gasto
público. Tal alteração, que deve criar um espaço considerável para o gasto social
(assim como para os investimentos em infra-estrutura, ciência e tecnologia),
resultará da implementação global do novo modelo de desenvolvimento - o que
envolve a redução da vulnerabilidade externa e a recomposição das finanças
públicas. De qualquer modo, os recursos à disposição, particularmente no período
inicial, imporão limites à abrangência do conjunto das políticas sociais. Isso exigirá
uma ampla revisão dos programas atualmente existentes para erradicar os
mecanismos de corrupção e desperdício, além de um processo de priorização, para
o qual será fundamental a participação da sociedade.
II. O nacional
45. Um verdadeiro projeto de nação para o Brasil deve incorporar,
simultaneamente, e de modo articulado, um conjunto de atributos: inclusão social -
124
isto é, erigir o social como eixo do desenvolvimento; homogeneização social e
econômica do território do país - ou seja, equacionar a questão federativa,
preservando e valorizando a diversidade das culturas regionais; aprofundamento da
democracia, sustentando uma efetiva cidadania política ativa, abrindo-se para a
sociedade sem recear os conflitos sociais; amparar-se num Estado forte, dotado de
autonomia para a formulação e a gestão da política econômica nacional e da
regulação social dos mercado; enfim, inserir-se da maneira soberana no mundo.
46. A inserção soberana no mundo e a recuperação dos espaços de autonomia na
gestão da economia nacional implica desenvolver políticas dirigidas a reduzir de
modo significativo a dependência e a vulnerabilidade externas, que constituem, na
atualidade, a restrição fundamental para a retomada e sustentação do crescimento
econômico. Isso transcende o alcance das políticas tradicionais de ajuste
macroeconômico e de suporte ao funcionamento espontâneo do mercado,
inserindo-se necessariamente numa estratégia de desenvolvimento agrícola e
industrial que possibilite a articulação das ações do Estado e do setor privado
voltadas à expansão da capacidade e à integração e diversificação do sistema
produtivo, bem como à construção das bases tecnológicas de sustentação do
desenvolvimento e ao aumento da produtividade sistêmica da economia brasileira.
Requer, ainda, a simultânea reconstrução do sistema de financiamento de longo-
prazo que viabilize o novo ciclo de investimentos, tanto em infra-estrutura quanto
na produção interna de bens de capital.
47. Nesse contexto macro-estrutural, as políticas específicas orientadas à redução
da vulnerabilidade e da dependência externas se projetam em seis dimensões. Em
primeiro lugar, a recuperação do saldo comercial e a redução do déficit na conta de
serviços do balanço de pagamentos, com vistas à diminuição acentuada do déficit
em transações correntes, hoje na casa dos 5% do PIB. Particularmente relevantes
nesse âmbito são o estímulo à expansão e a melhoria na pauta de exportações -
enfatizando nos diversos setores a agregação interna de valor e a elevação do
conteúdo tecnológico dos bens exportados - o aperfeiçoamento e a racionalização
das estruturas de transporte, armazenamento e comercialização, que oneram a
competitividade da produção exportável, a re-substituição de importações,
especialmente no segmento de bens de consumo, eletro-eletrônicos, bens de
capital, petróleo e química, e o aproveitamento de nossas potencialidades nas áreas
de turismo e indústria naval.
48. Em segundo lugar, a correção dos desequilíbrios oriundos da abertura
comercial, através da revisão da estrutura tarifária e da criação de proteção não
tarifária, amparada pelos mecanismos de salvaguarda da OMC, para atividades
125
consideradas estratégicas. Nessa mesma linha se insere uma política de defesa
comercial ativa, destinada a proteger o país contra práticas desleais de
concorrência e agressões econômicas e a preservar os interesses nacionais nas
transações bilaterais e nas relações com os organismos multilaterais. As alterações
na proteção à produção nacional não implicam, contudo, o fechamento da
economia, nem tampouco devem promover a ampliação do grau de monopólio e
das margens unitárias de lucro das empresas instaladas no país.
49. Em terceiro lugar, a adequação da política relativa ao capital estrangeiro às
diretrizes e às prioridades do novo modelo econômico. Isso significa implantar
mecanismos de regulação da entrada de capital especulativo e reorientar o
investimento direto externo com critérios de seletividade que favoreçam o aumento
das exportações, a substituição de importações, a expansão e a integração da
indústria de bens de capital e o fortalecimento de nossa capacidade endógena de
desenvolvimento tecnológico. É essencial que o capital estrangeiro se vincule à
criação de capacidade produtiva adicional e compense o aumento da remessa de
lucros, dividendos e royalties com seu impacto positivo sobre o saldo comercial.
50. Em quarto lugar, a regulamentação do processo de abertura do setor
financeiro. A redução da fragilidade externa da economia brasileira envolve também
a eliminação de brechas legais que facilitam a realização de operações financeiras
não transparentes com o exterior, a revisão dos esquemas de captação de recursos
utilizados pelo sistema bancário para operações de arbitragem com títulos públicos
e a regulamentação do ingresso de novos bancos estrangeiros no sistema financeiro
nacional.
51. Em quinto lugar, com relação à dívida externa, hoje predominantemente
privada, será necessário denunciar o acordo atual com o FMI, para liberar a política
econômica das restrições impostas ao crescimento e à defesa comercial do país e
bloquear as tentativas de re-estatização da dívida externa, reduzindo a emissão de
títulos da dívida interna indexados ao dólar. O Brasil deve assumir uma posição
internacional ativa sobre as questões da dívida externa, articulando aliados no
processo de auditoria e renegociação da dívida externa pública.
52. Em sexto lugar, a consolidação da vocação de multilateralidade do comércio
exterior brasileiro mediante políticas direcionadas à diversificação de mercados, ao
fortalecimento e ampliação do Mercosul e à retomada do projeto de integração
latino-americana, ao estabelecimento de programas de cooperação econômica e
tecnológica com potências emergentes como a Índia, a China, a África do Sul e a
Rússia, à desconcentração e diversificação do setor exportador e, finalmente, ao
126
estabelecimento de alianças específicas com empresas estrangeiras para uma
política qualificada de re-substituição de importações.
53. Quanto à Alca, tendo em conta a avaliação já efetivada, não se trata de uma
questão de prazos ou de eventuais vantagens nesse ou naquele setor. Tal como
está proposta, a Alca é um projeto de anexação política e econômica da América
Latina, cujo alvo principal, pela potencialidade de seus recursos e do seu mercado
interno, é o Brasil. O que está em jogo, então, são os interesses estratégicos
nacionais, é a preservação de nossa capacidade e autonomia para construir nosso
próprio futuro como nação. Em outras palavras, rechaçar essa proposta, tal como
está sendo apresentada, é um requisito essencial para viabilizar o objetivo de
redução de nossa dependência e vulnerabilidade externas. Por outro lado, a
inserção soberana do Brasil no mundo exigirá esforços no sentido de aprofundar e
aperfeiçoar as relações comerciais bilaterais de nosso país com os Estado Unidos -
o mais importante parceiro individual do Brasil no comércio mundial - e com a
União Européia - o melhor exemplo de integração supra-nacional exitosa e calcada
em regras democráticas.
54. Do ângulo da política externa, é preciso se opor à blindagem internacional que
sustenta o neoliberalismo globalizado e recuperar valores como a cooperação nas
relações internacionais. Nesse sentido, será decisivo utilizar o peso internacional do
Brasil para mobilizar e articular partidos, governos e forças políticas que lutam por
sua identidade e autonomia. A construção dessa política deve valorizar o Fórum
Social Mundial e, ainda, fortalecer o movimento de defesa da taxa Tobin e pela
constituição de um fundo internacional de combate à pobreza, pelo fim dos paraísos
fiscais, pela criação de novos mecanismos de controle do fluxo internacional de
capitais e pelo estabelecimento d e mecanismos de autodefesa contra o capital
externo especulativo. A campanha internacional pelo cancelamento das dívidas
externas dos países pobres, na qual o Brasil não está incluído, deve ser
acompanhada pela perspectiva de auditoria e renegociação das dívidas públicas
externas dos demais países do terceiro mundo, e devem ter destaque na política
internacional do novo governo democrático e popular.
55. Um outro modelo de desenvolvimento demandará, necessariamente, um Estado
forte, com um novo padrão de ação na economia que, sendo distinto daquele do
período nacional desenvolvimentista, permita superar o quadro de desestruturação
institucional e de subordinação da ação estatal às esferas de decisão financeira,
herança da ideologia do Estado mínimo na década de 1990. Esse novo padrão de
ação estatal se projetará em dois planos interligados. Em primeiro lugar, a
127
reconstrução da capacidade estatal de regulação e de suporte ao desenvolvimento
e, em segundo lugar, a reversão da fragilidade fiscal.
56. A reconstrução da capacidade estatal de regulação e de suporte ao
desenvolvimento envolverá a recriação de formas de coordenação público-privadas
atuando em vários campos relevantes. O ponto inicial diz respeito à ação sobre
uma questão que o mercado é reconhecidamente incapaz de equacionar: o ataque
à concentração de renda e riqueza, à exclusão social e ao desemprego. O Estado
deverá também desempenhar um papel estratégico nas atividades de infra-
estrutura, financiamento e ciência e tecnologia, todas centrais para a criação de
externalidades positivas e para o aumento da eficiência sistêmica.
57. Em segmentos como petróleo, energia, saneamento, bancos, onde a presença
das empresas estatais ainda é relevante, ela deverá ser preservada e consolidada.
O programa de privatizações será suspenso e reavaliado, sendo auditadas as
operações já realizadas, sobretudo onde existem notícias de má utilização de
recursos públicos ou negligência no que toca aos interesses estratégicos nacionais.
No setor energético, em particular, poderá ocorrer a revisão de privatização, para
que sejam resgatados o planejamento estratégico e a gestão integrada do sistema.
No conjunto dos setores privatizados, o novo governo terá que assegurar
investimentos que ampliem de forma sustentável a infra-estrutura do país, exigindo
metas dos novos concessionários, além de recuperar o planejamento e realizar
investimentos públicos nos setores onde eles se fizerem necessários. Com essa
perspectiva, será preciso alterar o marco regulatório das agências reguladoras
nacionais, além de recuperar o poder de fiscalização e de controle público.
58. O Estado não pode limitar as suas ações à administração do curto-prazo e das
questões emergenciais, mas deve-se pautar por uma visão estratégica de longo-
prazo, que dê conta do papel fundamental do dinamismo do investimento,
articulando interesses e coordenando investimentos públicos e privados que
desemboquem no crescimento sustentado. Isso implica reativar o planejamento
econômico, para assegurar um horizonte mais longo para os investimentos e
implantar políticas ativas setoriais e regionais. Ao investimento público estatal
caberá a tarefa de ampliar a oferta de bens públicos, remover os obstáculos ao
investimento privado e induzi-lo quando for necessário.
59. A reconstrução de um sistema de financiamento do desenvolvimento se apoiará
em três princípios: a) o fortalecimento e a reorientação das instituições especiais de
crédito (BNDES, CEF, Banco do Brasil, etc.), essenciais para o financiamento de
atividades de maior risco ou prazos de retorno mais longos; b) a ampliação do
crédito dirigido de instituições privadas (por meio de instrumentos como
128
exigibilidades ou redesconto seletivo); c) a ampliação da poupança doméstica de
longo-prazo, seja pela constituição de uma previdência pública complementar (sob
regime de capitalização), seja através de uma nova gestão mais eficaz, com novas
prioridades, dos fundos de poupança compulsória (FGTS, PIS-Pasep, FAT). A maior
formalização do emprego, neste caso, ampliaria os recursos desses fundos e
permitiria alavancar o financiamento de longo-prazo.
60. A reversão da fragilidade fiscal, para garantir a consistência da política fiscal é
uma pedra angular de sustentação do novo modelo de desenvolvimento. Isso
significa, antes de tudo, a preservação da solvência do Estado, traduzida na
redução substantiva e progressiva do comprometimento das receitas com o
pagamento de juros da dívida pública e em sua capacidade de realizar políticas
ativas e coordenadas de gato público (inclusive o gasto social). A perspectiva de
colocar o social como eixo do desenvolvimento exigirá uma revisão completa das
atuais políticas que colocam a dívida financeira e seus credores como a prioridade
número um do Estado brasileiro. Nesses termos, a redução da fragilidade externa
deverá promover uma redução das taxas de juros cobradas nos financiamentos
externos, com efeitos positivos sobre a taxa de juros doméstica de curto-prazo, a
qual influencia o custo do financiamento da dívida pública, diminuindo a carga de
juros e a imprevisibilidade de sua trajetória.
61. Dado o objetivo de manter a solvência do Estado, cabe preservar um aspecto
essencial do gasto público, qual seja, o seu papel anti-cíclico e estimulador do
crescimento econômico. Do ponto de vista cíclico, a evolução do déficit público não
pode estar sujeita a metas de longo-prazo ou a concepções anacrônicas e
marcadamente ortodoxas e monetaristas que postulam o orçamento equilibrado
como um valor absoluto e permanente. Tal equilíbrio pode ser alcançado através da
maximização do crescimento econômico e da estabilidade macroeconômica (que
induzem ao pleno emprego e à maximização das receitas fiscais).
62. Do lado das receitas, coloca-se a necessidade de realizar uma reforma
tributária ampla, baseada nos critérios de eficácia da arrecadação e de justiça-
fiscal. É preciso desonerar a produção, reduzir os tributos sobre os assalariados e
as classes médias (através da cobrança progressiva), taxar grandes fortunas e
grandes heranças e ampliar a base de arrecadação, ao reduzir as brechas para a
evasão e a sonegação fiscais (por exemplo, através do acesso aos dados da CPMF).
63. A consolidação da estabilidade inflacionária, num contexto em que as
prioridades são o crescimento com distribuição de renda e a redução dos
desequilíbrios externos, será uma tarefa bastante complexa, que irá requerer uma
articulação governamental com o setor privado e com a sociedade civil - por
129
exemplo, para a remoção de gargalos em termos de capacidade produtiva, ou para
evitar aumentos de preços em função do grau de monopólio. Neste caso, serão de
utilidade câmaras setoriais e instrumentos de regulação do Estado e de defesa dos
consumidores. Isto não implicará, no entanto, o retorno a formas diretas ou
indiretas de indexação de preços ou contratos. Por oposição ao monitoramento de
caráter monetarista e ortodoxo do FMI, o novo governo buscará assumir
publicamente um conjunto de compromissos sociais e econômicos em sintonia com
os objetivos e prioridades do novo modelo de desenvolvimento. Nesse quadro,
caberá estabelecer metas de crescimento econômico, geração de emprego, de
investimento social e da inflação que concretizem e que confiram consistência
àquelas prioridades, viabilizando, ao mesmo tempo, seu amplo controle público.
III. O democrático
64. O modelo de desenvolvimento comandado pelo governo democrático e popular
estará sustentado num novo contrato social, fundado num compromisso estratégico
com os direitos humanos, na defesa de uma revolução democrática no país. A
alternativa proposta representará uma ruptura com nossa herança de dependência
externa, de exclusão social, de autoritarismo e de clientelismo e, simultaneamente,
com o neoliberalismo mais recente. Isso envolverá, portanto, uma disputa de
hegemonia, em que a afirmação de valores radicalmente democráticos estará
contraposta, por um lado, à cultura política e às práticas do clientelismo, da
conciliação, da privatização do público e, por outro, à cultura de mercantilização
que articula valores e determina atitudes individualistas e consumistas, inclusive
entre os próprios segmentos excluídos e oprimidos.
65. é inaceitável continuar convivendo numa sociedade em que a força das relações
e das lealdades pessoais se transforma, com tanta freqüência, na predação de
recursos públicos e na corrupção. De igual modo, as bolsas de valores e os
mercados financeiros não podem regular a sociedade. O mercado não produz
justiça e não tem qualquer compromisso com a ética democrática e a justiça social.
Os acordos clientelistas e a mão invisível do mercado não podem substituir o
debate público e democrático e as decisões daí emanadas - as únicas capazes de
assegurar a proteção ao meio ambiente e a justiça social. Estamos propondo uma
radical defesa dos direitos humanos e das liberdades. Isso exige a desprivatização
do Estado, a constituição de novas esferas públicas de controle social do Estado e o
controle social e democrático do mercado.
66. A construção do novo modelo de desenvolvimento se dará nos marcos do
Estado de direito. Nossas propostas de mudanças profundas nos rumos do país
serão transparentes e previsíveis, marcadas pela disposição permanente ao diálogo,
130
respeitando sempre os princípios de nosso projeto: desenvolvimento autônomo,
justiça social, participação democrática. Por outro lado, a implementação desse
novo modelo terá que equacionar limitações legais e institucionais importantes.
Isso significa que as reformas políticas e institucionais tenderão a assumir um papel
decisivo, exigindo intensa mobilização e pressão popular e base de sustentação
parlamentar.
67. Os principais pontos de uma reforma política democratizadora são: a adoção do
financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais; a fidelidade partidária; a
redefinição da representação dos Estados na Câmara Federal (respeitados os
princípios federativos); a democratização dos meios de comunicação, com a
implementação imediata do Conselho de Comunicação Social previsto na
Constituição; a completa reformulação nas agências de regulação, integrando-se a
participação dos consumidores (exigências que visam universalizar serviços e
garantir sua acessibilidade e qualidade); reforma e controle externo do poder
judiciário. A Lei de Responsabilidade Fiscal - preservados os mecanismos
democráticos de controle fiscal dos governos - precisa ser reformulada de tal modo
que a responsabilidade fiscal seja informada pela responsabilidade social (e não
pelos interesses exclusivos do sistema financeiro).
68. Um novo contrato social, em defesa das mudanças estruturais para o país,
exige o apoio de ampliar forças sociais que dêem suporte ao Estado-Nação
brasileiro. As mudanças estruturais estão todas dirigidas a promover uma ampla
inclusão social - portanto distribuir renda, riqueza, poder e cultura. Os grandes
rentistas e especulares serão atingidos diretamente pelas políticas distributivistas e,
nessas condições, não se beneficiarão do novo contrato social. Já os empresários
produtivos de qualquer porte estarão contemplados com a ampliação do mercado
de consumo de massas e com a desarticulação da lógica financeira e especulativa
que caracteriza o atual modelo econômico. Crescer a partir do mercado interno
significa dar previsibilidade para o capital produtivo.
69. Os trabalhadores já incorporados e aqueles a serem incluídos pelas políticas de
crescimento e de proteção social são a principal base de sustentação do novo
contrato social. Os pequenos empresários e os setores médios irão se beneficiar
diretamente do crescimento econômico e das novas oportunidades a serem
abertas, e indiretamente através da redução da violência social que está por toda a
parte. É evidente que um dos objetivos básicos das mudanças propostas consiste
na inclusão dos excluídos - uma multidão não organizada que não chega a ser
cidadã, e que quase não é produtora e consumidora. A perspectiva da inclusão
social cria condições para sua auto-organização (sob diferentes formas), e portanto
131
sua conversão em uma relevante força política cidadã. A criação de uma sociedade
mais homogênea do ponto de vista social trará benefícios para a grande maioria,
conferindo consistência ao processo de democratização do país.
70. Ao lado da sustentação social e política no país - ancorada em alianças sociais e
políticas em torno de nosso programa e no estímulo ao avanço das lutas populares
e de uma participação ativa da sociedade - será também necessário construir
alianças e um amplo leque de apoio internacional. Não estamos sozinhos na defesa
de alternativas democráticas e populares ao modelo neoliberal, e nem poderíamos
optar pelo isolamento econômico, político e cultural. Nossa perspectiva é
universalista em seus objetivos, e reivindica uma inserção ativa e soberana do
Brasil no mundo. Assim, uma política alternativa de regionalização, que passa pelo
resgate do Mercosul e da integração latino-americana, pode vir a ser relevante
instrumento de articulação de forças na região. De modo análogo, devem-se buscar
alianças com potências emergentes (a exemplo da Índia, da China, da África do Sul
ou da Rússia).
71. Um novo contrato social deve incorporar, ainda, uma reconfiguração da
federação brasileira. Por oposição ao quadro de profundas disparidades territoriais -
alicerçadas num sistema intransparente (privado) de acordos clientelistas de elites
de diversos níveis e no individualismo da guerra fiscal predatória, de todos contra
todos - é essencial caminhar para a homogeneização econômica e social de nosso
território, tão rico em diversidades culturais - através do primado da cooperação
entre os diferentes entes federados, construída em esferas públicas transparentes e
democráticas.
72. Por isso, uma reforma tributária adequada a tais princípios deve incorporar,
necessariamente, as questões postas pela nossa condição de país federativo. Nessa
perspectiva, a valorização das esferas local e regional passa não só pelo seu
fortalecimento em termos de volume de recursos disponíveis (o que é decisivo, em
face da reação centralizadora da década de 1990), mas também e sobretudo pela
divisão mais eqüitativa do bolo tributário do ângulo territorial. É preciso, por outro
lado, em substituição à guerra fiscal, adotar políticas nacionais de fomento ao
desenvolvimento regional e local, voltadas a combater as disparidades territoriais, a
serem sustentadas financeiramente pela reorientação do uso de fundos públicos
existentes, (inclusive com relação a subsídios). Nessa perspectiva, faz todo sentido
combinar a definição de prioridades nacionais, com regras claras e impessoais
(regiões atrasadas, regiões em processo de reconversão industrial, políticas
horizontais relativas a emprego, meio-ambiente, gênero, raça, etc.) com
operacionalização local, vinculada à participação cidadã. Nesse quadro, a
132
descentralização da prestação dos serviços públicos (como educação, saúde,
saneamento, habitação, transportes e segurança) deve ser vista como uma
necessidade cuja implementação precisa contar com a garantia de recursos
correspondentes e estar associada a padrões de qualidade, equidade e controle
público.
73. Além disso, é fundamental levar a efeito a refundação de dois importantes
níveis territoriais de gestão pública compartilhada: as macro-regiões, envolvendo
estados com realidades semelhantes e problemas cuja solução exija ações
conjuntas, na base da cooperação, e as micro-regiões - sobretudo as áreas
metropolitanas - envolvendo municípios com desafios comuns, que não podem ser
equacionados de modo isolado. Em ambos os casos, gestão pública compartilhada
significa a participação simultaneamente horizontal e vertical, de representantes da
união, de estados e de municípios das regiões constituídas, aberta também à
sociedade civil organizada.
74. Por fim, a redefinição do papel do Estado, no quadro do novo padrão de
desenvolvimento, requer um novo modelo de gestão estatal, que se desdobra em
duas grandes vertentes: a gestão participativa e a gestão estratégica. A gestão
pública participativa - uma das referências centrais de nossos governos estaduais e
municipais - deve ser uma dimensão básica da reformulação da relação entre o
Estado brasileiro e a sociedade, também no nível central. A constituição de novas
esferas públicas democráticas, voltadas à co-gestão pública, à partilha de poder
público, à articulação entre democracia representativa e democracia participativa
será fator chave para, ao mesmo tempo, combater as práticas clientelistas,
valorizando a fala dos direitos, e propiciar a participação de novos protagonistas
sociais, representando a maioria da população, hoje excluída das decisões (salvo
raras exceções). Serão, portanto, não apenas espaços de debate e deliberação
envolvendo Estado e sociedade, mas igualmente de disputa de hegemonia com a
cultura clientelista e com os valores neoliberais.
75. Sem a pretensão de conclusividade - até porque a conformação dos inúmeros
canais de participação dependerá não só do governo, mas também da interação
com a sociedade - convém destacar desde logo algumas iniciativas relevantes
nesse campo: a implementação do orçamento participativo no nível central será
desafio de peso, na medida em que não se trata de efetuar uma mera transposição
mecânica de políticas em curso nos níveis local e estadual para o central, que é
muito mais complexo (será necessário, por exemplo, tomar na devida conta a
estrutura federativa brasileira); os variados conselhos temáticos ou setoriais -
inclusive para o controle público das empresas estatais e das concessionárias de
133
serviços públicos; a reformulação de fundo das agências nacionais de regulação,
integrando representantes dos consumidores; instituições como as câmaras
setoriais, voltadas à elaboração, negociação e implementação de políticas
industriais ou setoriais; gestão participativa dos fundos públicos, etc.
76. Em segundo lugar, um novo modelo de gestão pública, no contexto de um
Estado forte - em contraposição ao Estado mínimo e a correspondente fé cega nos
mecanismos de mercado - deve ser um Estado que, além de democrático e
participativo, desempenhe as funções que lhe caberão de maneira adequada. Isto
significa, por um lado, a recuperação do planejamento estratégico de governo,
como instrumento para a remontagem da capacidade estratégica de ação do Estado
(prever, planejar, agir, investindo ou coordenando iniciativas com o setor privado e
a sociedade), tendo em conta a necessidade de integração de ações setoriais em
muitas das iniciativas prioritárias e o interesse de acompanhar resultados das
ações. Por outro lado, significa a reorganização da forma de prestar serviços
públicos, conferindo-lhes qualidade com economia de recursos. Outro grande
desafio, que - presidido pela noção de avaliação de resultados - deve incorporar o
uso de tecnologias modernas, a reformulação de rotinas e procedimentos, a
melhoria dos ambientes de trabalho e, como é óbvio, a valorização dos servidores
públicos e de suas condições salariais e de trabalho (sempre tendo em conta que,
dadas as defasagens de salários frente a limitações de recursos, a melhor maneira
de realizar negociações democráticas é tratá-las em espaços de debate público
mais amplos, como o orçamento participativo).
77. as diretrizes de programa de governo anteriormente estabelecidas não têm a
pretensão, nem de detalhar propostas de ação, nem de abarcar todos os assuntos e
aspectos que estarão sob a responsabilidade do governo democrático e popular.
Elas pretendem apenas, por um lado, avançar linhas gerais de ação e de políticas
que, com o devido detalhamento, pretenderão se concretizar como prática de
governo; por outro lado, elas se propõem a tornar clara uma concepção de governo
para o Brasil, um projeto que, articulando as dimensões social, nacional e
democrática, seja capaz de contribuir para a construção de uma nação soberana,
inclusiva socialmente e democrática. Porque, para nós, programa de governo é
para valer.
134
Carta ao povo brasileiro3
O Brasil quer mudar. Mudar para crescer, incluir, pacificar. Mudar para conquistar o
desenvolvimento econômico que hoje não temos e a justiça social que tanto
almejamos. Há em nosso país uma poderosa vontade popular de encerrar o atual
ciclo econômico e político.
Se em algum momento, ao longo dos anos 90, o atual modelo conseguiu
despertar esperanças de progresso econômico e social, hoje a decepção com os
seus resultados é enorme. Oito anos depois, o povo brasileiro faz o balanço e
verifica que as promessas fundamentais foram descumpridas e as esperanças
frustradas.
Nosso povo constata com pesar e indignação que a economia não cresceu e
está muito mais vulnerável, a soberania do país ficou em grande parte
comprometida, a corrupção continua alta e, principalmente, a crise social e a
insegurança tornaram-se assustadoras.
O sentimento predominante em todas as classes e em todas as regiões é o
de que o atual modelo esgotou-se. Por isso, o país não pode insistir nesse caminho,
sob pena de ficar numa estagnação crônica ou até mesmo de sofrer, mais cedo ou
mais tarde, um colapso econômico, social e moral.
O mais importante, no entanto, é que essa percepção aguda do fracasso do
atual modelo não está conduzindo ao desânimo, ao negativismo, nem ao protesto
destrutivo.
Ao contrário: apesar de todo o sofrimento injusto e desnecessário que é
obrigada a suportar, a população está esperançosa, acredita nas possibilidades do
país, mostra-se disposta a apoiar e a sustentar um projeto nacional alternativo, que
faça o Brasil voltar a crescer, a gerar empregos, a reduzir a criminalidade, a
resgatar nossa presença soberana e respeitada no mundo.
A sociedade está convencida de que o Brasil continua vulnerável e de que a
verdadeira estabilidade precisa ser construída por meio de corajosas e cuidadosas
mudanças que os responsáveis pelo atual modelo não querem absolutamente fazer.
A nítida preferência popular pelos candidatos de oposição que têm esse
conteúdo de superação do impasse histórico nacional em que caímos, de correção
dos rumos do país.
3 SILVA, L. I. L. da. Carta ao povo brasileiro. Disponível em http//www.sindicato.com.br/carta_lula.htm, acesso em 30 nov. 2003.
135
A crescente adesão à nossa candidatura assume cada vez mais o caráter de
um movimento em defesa do Brasil, de nossos direitos e anseios fundamentais
enquanto nação independente.
Lideranças populares, intelectuais, artistas e religiosos dos mais variados
matizes ideológicos declaram espontaneamente seu apoio a um projeto de
mudança do Brasil.
Prefeitos e parlamentares de partidos não coligados com o PT anunciam seu
apoio. Parcelas significativas do empresariado vêm somar-se ao nosso projeto.
Trata-se de uma vasta coalizão, em muitos aspectos suprapartidária, que busca
abrir novos horizontes para o país.
O povo brasileiro quer mudar para valer. Recusa qualquer forma de
continuísmo, seja ele assumido ou mascarado. Quer trilhar o caminho da redução
de nossa vulnerabilidade externa pelo esforço conjugado de exportar mais e de
criar um amplo mercado interno de consumo de massas.
Quer abrir o caminho de combinar o incremento da atividade econômica com
políticas sociais consistentes e criativas. O caminho das reformas estruturais que de
fato democratizem e modernizem o país, tornando-o mais justo, eficiente e, ao
mesmo tempo, mais competitivo no mercado internacional.
O caminho da reforma tributária, que desonere a produção. Da reforma
agrária que assegure a paz no campo. Da redução de nossas carências energéticas
e de nosso déficit habitacional. Da reforma previdenciária, da reforma trabalhista e
de programas prioritários contra a fome e a insegurança pública.
O PT e seus parceiros têm plena consciência de que a superação do atual
modelo, reclamada enfaticamente pela sociedade, não se fará num passe de
mágica, de um dia par ao outro. Não há milagres na vida de um povo e de um país.
Será necessária uma lúcida e criteriosa transição entre o que temos hoje e
aquilo que a sociedade reivindica. O que se desfez ou se deixou de fazer em oito
anos não será compensado em oito dias.
O novo modelo não poderá ser produto de decisões unilaterais do governo,
tal como ocorre hoje, nem será implementado por decreto, de modo voluntarista.
Será fruto de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica
aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com
estabilidade.
Premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e
obrigações do país. As recentes turbulências do mercado financeiro devem ser
136
compreendidas nesse contexto de fragilidade do atual modelo e de clamor popular
pela sua superação.
À parte manobras puramente especulativas, que sem dúvida existem, o que
há é uma forte preocupação do mercado financeiro com o mau desempenho da
economia e com sua fragilidade atual, gerando temores relativos à capacidade de o
país administrar sua dívida interna e externa. É o enorme endividamento público
acumulado no governo Fernando Henrique Cardoso que preocupa os investidores.
Trata-se de uma crise de confiança na situação econômica do país, cuja
responsabilidade primeira é do atual governo. Por mais que o governo insista, o
nervosismo dos mercados e a especulação dos últimos dias não nascem das
eleições.
Nascem, sim, da graves vulnerabilidades estruturais da economia
apresentadas pelo governo, de modo totalitário, como o único caminho possível
para o Brasil. Na verdade, há diversos países estáveis e competitivos no mundo que
adotaram outras alternativas.
Não importa a quem a crise beneficia ou prejudica eleitoralmente, pois ela
prejudica o Brasil. O que importa é que ela precisa ser evitada, pois causará
sofrimento irreparável para a maioria da população. Para evitá-la, é preciso
compreender que a margem de manobra da política econômica no curto prazo é
pequena.
O Banco Central acumulou um conjunto de equívocos que trouxeram perdas
às aplicações financeiras de inúmeras famílias. Investidores não especulativos, que
precisam de horizontes claros, ficaram intranqüilos. E os especuladores saíram à luz
do dia, para pescar em águas turvas.
Que segurança o governo tem oferecido à sociedade brasileira? Tentou
aproveitar-se da crise para ganhar alguns votos e, mais uma vez, desqualificar as
oposições, num momento em que é necessário tranqüilidade e compromisso com o
Brasil.
Como todos os brasileiros, quero a verdade completa. Acredito que o atual
governo colocou o país novamente em um impasse. Lembrem-se todos: em 1998,
o governo, para não admitir o fracasso do seu populismo cambial, escondeu uma
informação decisiva. A de que o real estava artificialmente valorizado e de que o
país estava sujeito a um ataque especulativo de proporções inéditas. Estamos de
novo atravessando um cenário semelhante. Substituímos o populismo cambial pela
vulnerabilidade da âncora fiscal. O caminho para superar a fragilidade das finanças
137
públicas é aumentar e melhorar a qualidade das exportações e promover uma
substituição competitiva de importações no curto prazo.
Aqui ganha toda a sua dimensão de uma política dirigida a valorizar o
agronegócio e a agricultura familiar. A reforma tributária, a política alfandegária, os
investimentos em infra-estrutura e as fontes de financiamento públicas devem ser
canalizadas com absoluta prioridade para gerar divisas.
Nossa política externa deve ser reorientada para esse imenso desafio de
promover nossos interesses comerciais e remover graves obstáculos impostos pelos
países mais ricos às nações em desenvolvimento.
Estamos conscientes da gravidade da crise econômica. Para resolvê-la, o PT
está disposto a dialogar com todos os segmentos da sociedade e com o próprio
governo, de modo a evitar que a crise se agrave e traga mais aflição ao povo
brasileiro.
Superando a nossa vulnerabilidade externa, poderemos reduzir de forma
sustentada a taxa de juros. Poderemos recuperar a capacidade de investimento
público tão importante para alavancar o crescimento econômico.
Esse é o melhor caminho para que os contratos sejam honrados e o país
recupere a liberdade de sua política econômica orientada para o desenvolvimento
sustentável.
Ninguém precisa me ensinar a importância do controle da inflação. Iniciei
minha vida sindical indignado com o processo de corrosão do poder de comprar dos
salários dos trabalhadores.
Quero agora reafirmar esse compromisso histórico com o combate à
inflação, mas acompanhado do crescimento, da geração de empregos e da
distribuição de renda, construindo um Brasil mais solidário e fraterno, um Brasil de
todos.
A volta do crescimento é o único remédio para impedir que se perpetue um
círculo vicioso entre metas de inflação baixas, juro alto, oscilação cambial brusca e
aumento da dívida pública.
O atual governo estabeleceu um equilíbrio fiscal precário no país, criando
dificuldades para a retomada do crescimento. Com a política de sobrevalorização
artificial de nossa moeda no primeiro mandato e com a ausência de políticas
industriais de estímulo à capacidade produtiva, o governo não trabalhou como
podia para aumentar a competitividade da economia.
138
Exemplo maior foi o fracasso na construção e aprovação de uma reforma
tributária que banisse o caráter regressivo e cumulativo dos impostos, fardo
insuportável para o setor produtivo e para a exportação brasileira. A questão de
fundo é que, para nós, o equilíbrio fiscal não é um fim, mas um meio. Queremos
equilíbrio fiscal para crescer e não apenas para prestar contas aos nossos credores.
Vamos preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir
que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de
honrar os seus compromissos. Mas é preciso insistir: só a volta do crescimento
pode levar o país a contar com um equilíbrio fiscal consistente e duradouro. A
estabilidade, o controle das contas públicas e da inflação são hoje um patrimônio de
todos os brasileiros. Não são um bem exclusivo do atual governo, pois foram
obtidos com uma grande carga de sacrifícios, especialmente dos mais necessitados.
O desenvolvimento de nosso imenso mercado pode revitalizar e impulsionar o
conjunto da economia, ampliando de forma decisiva o espaço da pequena e da
microempresa, oferecendo ainda bases sólidas par ampliar as exportações.
Para esse fim, é fundamentar a criação de uma Secretaria Extraordinária de
Comércio Exterior, diretamente vinculada à Presidência da República.
Há outro caminho possível. É o caminho do crescimento econômico com
estabilidade e responsabilidade social. As mudanças que forem necessárias serão
feitas democraticamente, dentro dos marcos institucionais.
Vamos ordenar as contas públicas e mantê-las sob controle. Mas, acima de
tudo, vamos fazer um compromisso pela produção, pelo emprego e por justiça
social.
O que nos move é a certeza de que o Brasil é bem maior que todas as
crises. O país não suporta mais conviver com a idéia de uma terceira década
perdidas.
O Brasil precisa navegar no mar aberto do desenvolvimento econômico e
social. É com essa convicção que chamo todos os que querem o bem do Brasil a se
unirem em torno de um programa de mudanças corajosas e responsáveis.
Luiz Inácio Lula da Silva
São Paulo, 22 de junho de 2002.
139
PT - ANO A ANO4
1978 – 23 de maio – Em entrevista publicada no Diário do Grande ABC, Lula afirma a necessidade da classe trabalhadora lutar pela criação de um partido político que possa representá-la. Conferência dos Petroleiros, realizada na Bahia. Lançamento da idéia de construção de um partido político dos trabalhadores.
11 de dezembro – Em reunião realizada na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, Lula apresenta a 12 dirigentes sindicais a idéia da fundação de uma partido dos trabalhadores.
1979 – 19 de janeiro - Em reunião intersindical realizada em Porto Alegre (RS), a idéia de criação de um partido dos trabalhadores é novamente anunciada.
24 de janeiro – IX Congresso dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo, em Lins. Aprovação da tese elaborada pelos metalúrgicos de Santo André, “chamando todos os trabalhadores brasileiros a se unificarem na construção de seu partido, o Partido dos Trabalhadores”.
1º de maio – Lançamento público da Carta de Princípios do PT.
13 de outubro – Reunião de lançamento do Movimento pelo Partido dos Trabalhadores, com a presença de 130 participantes, representando mais de seis estados do País. Aprovação da Declaração Política e das Sugestões para normas transitórias de funcionamento (salão de festas do restaurante São Judas Tadeu, São Bernardo do Campo-SP).
1980 – 10 de fevereiro – Fundação do PT e lançamento do seu Manifesto.
1º de junho – Reunião de aprovação do Programa e dos Estatutos, eleição da Comissão Diretora Nacional Provisória.
1981 – 8 e 9 de agosto – 1º Encontro Nacional do PT.
27 de setembro – 1ª Convenção Nacional do PT. No discurso de encerramento de Lula (aprovado como documento oficial do Partido), pela primeira vez se coloca a defesa do socialismo.
1982 – 27 e 28 de março – 2º Encontro Nacional do PT, no qual é lançada a plataforma Terra, Trabalho e Liberdade.
15 de novembro – Eleições gerais (exceto para presidente da República, para prefeitos de capitais e áreas de segurança nacional).
1983 – O PT impulsiona a luta pelas Diretas-Já (articulando o comício do Pacaembu) e a fundação da CUT.
1984 – Janeiro a abril: o PT se envolve nas atividades das Diretas.
6, 7 e 8 de abril – 3º Encontro Nacional do PT.
1985 – 12 e 13 de janeiro – Encontro Nacional Extraordinário do PT.
15 de novembro – Eleições para prefeitos de capitais e áreas de segurança nacional.
1986 – 30 e 31 de maio e 1º de junho – 4º Encontro Nacional do PT.
15 de novembro – Eleições para governadores, senadores e deputados.
1987 – 4, 5 e 6 de dezembro – 5º Encontro Nacional do PT (Senado Federal, Brasília-DF)
4 De 1978 a 1997 as informações foram recolhidas de: PT – SECRETARIA NACIONAL DE FORMAÇÃO POLÍTICA. Cadernos de Formação nº 3 - O que é o PT.
140
1988 – 5 de outubro – Proclamação da atual Constituição do País. O PT vota contra o projeto global, mas assina a nova Carta.
15 de novembro – Eleições para prefeitos e vereadores.
1989 – 16, 17 e 18 – 6º Encontro Nacional do PT.
15 de novembro – 1º turno das eleições presidenciais. Lula vai ao 2º turno com mais de 16% dos votos.
17 de dezembro – 2º turno das eleições presidenciais. Lula obtém 31 milhões de votos, aproximadamente.
1990 – 14 e15 de abril – Reunião do Diretório Nacional no Colégio Pio XI, em São Paulo (SP), aprova a regulamentação do direito de tendências e encaminha o processo de registro das tendências existentes.
31 de maio, 1, 2 e 3 de junho – 7º Encontro Nacional do PT.
15 de julho – Lançamento do Governo Paralelo (Brasília-DF).
3 de outubro – 1º turno das eleições para governadores, senadores, deputados federais e estaduais.
15 de novembro – 2º turno das eleições para governadores. Em São Paulo, o PT decide chamar o voto nulo para escolha entre Fleury e Maluf ao governo do Estado.
1991 – 22 de fevereiro – Lançamento público do manifesto de convocação do 1º Congresso do PT.
Abril – Lançamento do Plano de Reforma Agrária pelo Governo Paralelo.
O PT participa e ajuda a organizar as primeiras manifestações pela Ética na Política.
27 de novembro a 1º de dezembro – 1º Congresso do PT.
1992 – Após aprovar resoluções sobre o impeachment, o PT passa a impulsionar as manifestações que pedem a derrubada de Collor de Mello.
Março – o Governo Paralelo apresenta o Programa de Segurança Alimentar.
Outubro – o PT aprova oposição ao Governo Itamar.
15 d novembro – Eleições municipais.
1993 – Fevereiro – o PT entrega o Programa de Segurança Alimentar ao presidente Itamar Franco.
14 de março – Após decidir em plebiscito interno nacional sobre forma e sistema de governo, o PT votou pela República e pelo Presidencialismo, como a maioria do povo brasileiro.
25 de abril – Tem início a 1ª Caravana da Cidadania. A caravana saiu de Garanhuns com destino a Santos, durou 25 dias e passou por seis estados. Com ela o PT mostra o Brasil Real a todos os brasileiros.
11 a 13 de junho – 8º Encontro Nacional do PT
1994 – 29 e 30 de abril e 1º de maio – 9º Encontro Nacional do PT.
3 de outubro – Eleições gerais – 1º turno: Fernando Henrique Cardoso é eleito presidente da República no 1º turno, com 54% dos votos válidos; Lula obtém 27%.
15 de novembro – Eleições – 2º turno: o PT elege seus dois primeiros governadores, Critóvam Buarque (DF) e Vítor Buaiz (ES).
1995 – 18 a 20 de agosto – 10º Encontro Nacional do PT.
1996 – 3 de outubro – Eleições municipais – 1º turno.
141
15 de novembro – Eleições municipais – 2º turno: o PT disputa em 11 cidades e vence em 2. No total, o PT elegeu 115 prefeituras.
1997 – 29 a 31 de agosto – 11º Encontro Nacional do PT.
6 de dezembro – Encontro Popular contra o Neoliberalismo – por Trabalho, Terra e Cidadania.
11 de dezembro – Lançamento da candidatura Lula à Presidência da República no Centro de Convenções de Brasília.
1998 – 04 de outrubro - Eleições gerais - 1º turno: Fernando Henrique Cardoso é eleito presidente da República no 1º turno.
1999 – 26 de agosto – Por meio do Fórum Nacional de Lutas, o PT organizou a Marcha dos 100 mil, em Brasília, que representou a força das oposições brasileiras.
2000 – Eleições Municipais.
2001 – 25 a 31 de janeiro – O Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, reuniu organizações do movimento social e de partidos políticos de vários países, constituindo um contraponto ao Fórum Econômico Mundial de Davos.
12 a 14 de dezembro – XII Encontro Nacional do PT, em Recife, onde foi aprovado o documento Concepções e Diretrizes do Programa de Governo do PT para o Brasil.
2002 – 22 de junho – Lula expõe sua proposta de governo na Carta ao povo brasileiro.
06 de outubro – Eleições gerais - 1º turno: José Serra e Luis Inácio Lula da Silva irão disputar o 2º turno das eleições presidenciais.
27 de outubro – 2º turno das eleições – Lula é eleito presidente do Brasil.
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