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O ESCÂNDALO POLÍTICO MIDIÁTICO RENAN CALHEIROS: Uma abordagem do papel do jornalismo em uma democracia liberal Lívia Borges Pádua

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O ESCÂNDALO POLÍTICO MIDIÁTICO RENAN CALHEIROS: Uma abordagem do papel do jornalismo em uma democracia liberal

Lívia Borges Pádua

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Lívia Borges Pádua

O ESCÂNDALO POLÍTICO MIDIÁTICO RENAN CALHEIROS: Uma abordagem do papel do jornalismo em uma democracia liberal

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação. Orientadora: Teresinha Maria de Carvalho Cruz Pires.

Belo Horizonte 2009

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Pádua, Lívia Borges P125e O escândalo político midiático Renan Calheiros: uma abordagem do papel do

jornalismo em uma democracia liberal / Lívia Borges Pádua. Belo Horizonte, 2009.

165f. : II. Orientadora: Teresinha Maria de Carvalho Cruz Pires Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Comunicação. 1. Mídia. 2. Crime contra a administração pública. 3. Democracia. 4.

Liberdade de imprensa. 5. Imprensa e política. 6. Calheiros, Renan, 1955- I. Pires, Teresinha Maria de Carvalho Cruz. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Comunicação. III. Título.

CDU:070.443

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Lívia Borges Pádua

O escândalo político midiático Renan Calheiros: Uma abordagem do papel do jornalismo em uma democracia liberal

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,

_______________________________________________ Teresinha Maria de Carvalho Cruz Pires (Orientadora) – PUC Minas

_______________________________________________ Maria Ângela Mattos – PUC Minas

________________________________________________ Maria Céres Pimenta Spínola Castro - UFMG

Belo Horizonte, 10 de fevereiro de 2009.

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Aos meus pais: Vânia e Celso.

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AGRADECIMENTOS

À minha família, de forma especial, aos meus pais e aos meus avós, que pouco sabem sobre o

texto que se segue, mas que, paradoxalmente, contribuíram enormemente para o

desenvolvimento deste trabalho, simplesmente, por existirem.

Ao Professor Edison Gomes, por ter sido o primeiro a me incentivar a trilhar os caminhos do

mundo acadêmico, sem dúvida, sua boa vontade em me ajudar tornaram minha chegada ao

mestrado possível.

À Associação dos Professores da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

(AD/PUC), pela bolsa de estudo.

Aos meus colegas da PUC Minas em Arcos e da Fundação de Ensino Superior de Passos

(FESP/UEMG), pela troca de experiências que fizeram que o processo de construção deste

trabalho fosse menos angustiante.

Às professoras Maria Ângela Mattos e Maria Céres Pimenta Spínola Castro, por terem

contribuído com sugestões para a edificação deste trabalho, na ocasião da qualificação.

À minha querida orientadora Teresinha, por ter sido sempre muito gentil, atenciosa,

cuidadosa, não é a toa que me diziam que ela não era uma orientadora, era uma mãe. Muito

obrigada pela paciência, incentivo, referências bibliográficas, correções, sugestões e

telefonemas: fundamentais para a edificação dessa pesquisa.

Ao Luiz Fernando, que esteve comigo durante toda essa jornada, desde a aprovação no

mestrado até a entrega da dissertação. Obrigada por entender minhas ausências mesmo

quando estava ao seu lado e, também, pelo carinho, dedicação, preocupação e as caronas, sem

você tudo teria sido muito mais difícil.

Finalmente, a Deus, por tudo.

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Se os homens fossem anjos, não seria necessário haver governo. Se os homens fossem governados por anjos, dispensar-se-iam os controles internos e externos do Governo. Ao constituir-se um governo – integrado por homens que terão autoridade sobre outros homens – a grande dificuldade está em que se deve, primeiro, habilitar o governante a controlar o governado e, depois, obrigá-lo a controlar-se a si mesmo. (MADISON).

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RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo analisar a atuação do jornalismo na constituição do

escândalo político protagonizado pelo então presidente do Senado, Renan Calheiros, a fim de

compreender o funcionamento da esfera pública política de visibilidade midiática em uma

democracia liberal. Para isso, buscou-se reconstituir as narrativas jornalísticas do referido

caso sublinhando as evidências de que este pode ser classificado como um escândalo político

midiático, destacando as rotinas de produção acionadas na confecção das matérias em que

foram apresentadas as denúncias contra Renan, o processo de accountability desencadeado

por elas e a edificação pela imprensa de um discurso auto-legitimante de seu papel de cão de

guarda.

Palavras-chave: Mídia, esfera pública política, jornalismo investigativo, escândalo político

midiático, accountability.

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ABSTRACT

This research intends to analyze the actuation of Journalism in the constitution of the political

scandal starred by the former Brazilian Senate's President, Renan Calheiros, aiming to

comprehend the operation of the political public sphere of media related visibility in a liberal

democracy. To accomplish such goal, the aforementioned journalistic narratives had been

recovered, pointing out the evidences of them being classified as a media related political

scandal, highlighting the production routines triggered during the making of the articles

related to the accusations against Renan, the consequent accountability process and the press

edification of self-legitimate statements in its watchdog role.

Key-words: media, political public sphere, investigative journalism, media related political

scandal, accountability.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Capa da revista Veja – Navalha na Carne

Figura 2 – Renan Calheiros sentado na cadeira da presidência do Senado

Figura 3 – Manifestação pela saída de Renan da presidência do Senado em Brasília

Figura 4 – Capa da revista Veja – Mais Laranjas de Renan

Figura 5 – Proposta de venda do grupo de comunicação O Jornal, Renan Calheiros e a rádio

O Correio

Figura 6 – Sede de O Jornal e recibos referentes ao seu pagamento assinados por Tito Uchôa

Figura 7 – Recortes do contrato de constituição da JR Radiodifusão Ltda.

Figura 8 – Recorte do contrato de cessão e transferência de cotas da JR Radiodifusão Ltda.

Figura 9 – Recortes da alteração do contrato da JR Radiodifusão Ltda.

Figura 10 – Bruno Miranda em seu casamento e Renan Calheiros durante sessão no Senado

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Grau de visibilidade de “Zuleido Veras” e “Renan Calheiros” na imprensa de

referência

Tabela 2 – Grau de visibilidade de “Renan Calheiros” antes e depois do julgamento do seu

primeiro processo no Senado

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LISTA DE SIGLAS

Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações

BNB – Banco do Nordeste

BNDS – Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social

CCJ – Comissão de Constituição e Justiça

CFJ – Conselho Federal do Jornalismo

CPF – Cadastro de Pessoas Físicas

CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira

DEM – Democratas

DIAP – Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar

DNIT – Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes

Fenaj – Federação Nacional dos Jornalistas

Funasa – Fundação Nacional da Saúde

INC – Instituto Nacional de Criminalística

INSS – Instituto Nacional do Seguro Social

LBA – Legião Brasileira de Assistência

LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias

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MDB – Movimento Democrático Brasileiro

PAC – Programa de Aceleração do Crescimento

PDT – Partido Democrático Trabalhista

PGR – Procuradoria Geral da República

PL – Partido Liberal

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PR – Partido da República

PRTB – Partido Renovador Trabalhista Brasileiro

PSB – Partido Socialista Brasileiro

PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

PSOL – Partido Socialismo e Liberdade

PP – Partido Progressista

PRB – Partido Republicano Brasileiro

PT – Partido dos Trabalhadores

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

STF – Superior Tribunal Federal

TSE – Tribunal Superior Eleitoral

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TCU – Tribunal de Contas da União

UFAL – Universidade Federal de Alagoas

UFPB – Universidade Federal da Paraíba

UFPE – Universidade Federal de Pernambuco

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................16 1 DEMOCRACIA E ESFERA PÚBLICA POLÍTICA ............ ......................................... 23 1.1 Da Ágora a Mídia – A transformação do regime de visibilidade ............................... 24 1.2 Visibilidade como forma de controle – uma reminiscência às sociedades disciplinares e de controle............................................................................................................................ 34 1.3 “Quarto Poder” ............................................................................................................... 38 2 O ESCÂNDALO POLÍTICO MIDIÁTICO RENAN CALHEIROS .. ......................... 43 2.1 Conceito de Escândalo .................................................................................................... 44 2.1.1 Conceito de Escândalo Midiático ................................................................................. 48 2.1.2 Conceito de Escândalo Político Midiático ................................................................... 51 2.2 Renan Calheiros .............................................................................................................. 56 2.3 Senado Federal ................................................................................................................ 61 2.3.1 Atribuições e Competências do Senado ........................................................................ 63 2.4 Cronologia do Escândalo Renan Calheiros .................................................................. 65 3 DA APURAÇÃO À EDIÇÃO JORNALÍSTICA: CONSTITUIÇÃO M IDIÁTICA DO ESCÂNDALO RENAN CALHEIROS ............................................................................... 73 3.1 Pré-escândalo ................................................................................................................... 75 3.2 Escândalo ......................................................................................................................... 83 3.2.1 Primeira denúncia – O senador e o lobista .................................................................. 84 3.2.2 Segunda denúncia – Negócios Milionários ............................................................... 104 3.2.3 Terceira denúncia – Sociedade Secreta ..................................................................... 113 3.2.4 Quarta denúncia – “Peguei R$ 3 milhões” ................................................................ 128 3.3 Clímax ............................................................................................................................ 133 3.4 Pós-escândalo ................................................................................................................. 137 3.4.1 Quinta denúncia – Assessor de Renan é acusado de espionagem ............................ 138 3.4.2 Sexta denúncia – Renan fez emenda para empresa fria de ex-assessor ................... 140 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 143 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 150

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INTRODUÇÃO

A elaboração do presente estudo foi motivada pelo interesse em descortinar as relações

existentes entre imprensa e política, sobretudo, as que se estabelecem por ocasião de um

escândalo político. Tal interesse foi despertado pela percepção de que os escândalos têm

ocupado com expressiva freqüência os espaços midiáticos destinados aos assuntos atinentes

ao universo da política, somada à observação que a imprensa tem sido, recorrentemente,

responsável pela descoberta dos fatos que os desencadeiam.

No Brasil, por exemplo, ao se considerar as gestões do governo Lula (2003-

2007/2007-2011) pode-se mencionar a ocorrência de vários escândalos políticos, dentre os

quais se destacaram por sua gravidade e repercussão: o caso do “Mensalão” (2005), referente

ao suposto pagamento de “mesadas” por membros do partido do governo, o Partido dos

Trabalhadores (PT), a certos deputados em troca do apoio aos projetos de interesse do Poder

Executivo; o “Escândalo das Sanguessugas” (2006), deflagrado pela descoberta do desvio de

dinheiro público destinado à compra de ambulâncias; o “Escândalo do Dossiê” (2006),

relativo à tentativa de compra de um dossiê por integrantes do PT, em que haveria

informações comprovando a ligação de políticos do Partido do Movimento Democrático

Brasileiro (PMDB) ao caso das “Sanguessugas”, o que poderia conturbar a disputa nas

eleições presidenciais para o pleito de 2007; a “Operação Navalha” (2007), que desarticulou

um esquema de corrupção envolvendo políticos e empreiteiras em fraudes de obras públicas e;

o “Escândalo Renan Calheiros” (2007), iniciado com a denúncia de que Renan Calheiros, na

ocasião presidente do Senado Federal, recebia ajuda financeira da empreiteira Mendes Júnior,

por meio do lobista Cláudio Gontijo – ato considerado impróprio, segundo o Código de Ética

e Decoro Parlamentar do Senado.

Entre esses cinco escândalos, dois deles – o caso do “Mensalão” e o “Escândalo Renan

Calheiros” – chamam a atenção por terem sido deflagrados por investigações e denúncias

apresentadas pela própria imprensa, que acabaram por nortear o desenrolar dos casos,

porquanto desencadearam um processo de accountability1, ou seja, as denúncias apresentadas

acabaram constrangendo os sujeitos citados a prestar esclarecimentos sobre suas ações e as

1 Aqui interessa saber que accountability refere-se a um mecanismo que aciona um processo de prestação de contas por parte daqueles que são incitados a prestar esclarecimentos sobre suas ações. No Capítulo 1 tratar-se-á mais detidamente deste conceito.

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instituições competentes a promover acareações sobre os fatos, o que gerou suítes2 sobre os

casos. Assim, determinados veículos da imprensa, enquanto autores das denúncias, também

passaram a compor a história desses escândalos, sendo comum nas narrativas sobre eles a

referência àqueles veículos que apresentaram furos jornalísticos, entendidos aqui como os

primeiros relatos das transgressões capazes de deflagrar os escândalos políticos ou passíveis

de compô-los.

Cabe destacar nesta discussão que nas democracias liberais é atribuído à imprensa um

papel, segundo o qual ela deve atuar como um dos dispositivos de freios e contrapesos que

deve garantir a limitação dos poderes constituídos, inibindo a corrupção, o abuso de poder e o

conflito de interesse entre representantes e representados por meio da cobertura dos

acontecimentos relacionados à política, uma vez que a visibilidade midiática poderia

funcionar tanto como uma forma de tornar os assuntos políticos mais acessíveis ao povo,

quanto uma maneira de tornar o exercício político mais transparente. Reforçando, assim, uma

imagem do jornalista como um profissional cuja missão é fiscalizar os governos e denunciar

publicamente, os desvios de conduta.

No entanto, a participação da imprensa na constituição dos escândalos políticos tem

sido tão contundente e a cobertura dos casos tão espetacularizada, que abre margem para

discutir a legitimidade de sua atuação.

O caso Renan Calheiros pode ser considerado um exemplo desse tipo de circunstância

em que se torna pertinente o estudo do papel da imprensa. Primeiro, porque esse escândalo

político desenrolou-se na mídia durante mais de seis meses (26/05/2007 a 04/12/2007),

configurando-se, pelo menos, até o julgamento do primeiro processo aberto contra Renan, no

Conselho de Ética do Senado – 13 de setembro de 2007 –, como o assunto mais discutido nos

espaços midiáticos destinados às questões políticas. Ademais, determinados veículos da

imprensa – as revistas Veja e Época e os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo –

foram os vetores de todas as seis denúncias que resultaram nos processos abertos contra o

referido senador, sendo que, os senadores, inclusive, diziam-se constrangidos em demonstrar

seu apoio ao presidente do Senado, mais pela pressão da imprensa e da opinião pública que

por não acreditarem em sua inocência.

Nesse contexto, a investigação sobre a relação imprensa/escândalo políticos torna-se

relevante para compreender não somente o fenômeno dos escândalos midiáticos em si – os

2 O termo suíte se refere ao “ato ou efeito de desdobrar uma notícia já publicada anteriormente pelo próprio veículo ou por outro órgão de imprensa. Técnica de dar continuidade à apuração de um fato (já noticiado) que continue sendo de interesse jornalístico, mediante acréscimo de novos elementos para a publicação de notícias atualizadas.” (RABAÇA; BARBOSA, p. 550).

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elementos que condicionam a sua existência e a estrutura do seu processo –, como também,

para analisar o posicionamento tomado pela imprensa em sua condução que, por sua vez,

baliza a reflexão sobre o papel exercido pela imprensa brasileira na democracia.

Diante disso, pode-se dizer que interessa a esta pesquisa, analisar a atuação do

jornalismo na constituição dos escândalos políticos, para compreender o funcionamento da

esfera pública política de visibilidade midiática em uma democracia liberal.

Com vistas a atingir tal objetivo, elegeu-se como objeto de estudo a cobertura feita

pela imprensa do escândalo político protagonizado por Renan Calheiros, eclodido em maio de

2007.

Esse escândalo foi escolhido por possuir singularidades, no sentido de que no Brasil

um político ao se ver no centro de um escândalo ou na iminência de ser cassado, costuma

renunciar, pedir demissão ou afastamento para se livrar dos holofotes e diminuir os prejuízos à

sua imagem pública, além de garantir o direito de candidatura e, a possível, retomada do

cargo na próxima legislatura. Com isso, têm-se, na maioria das vezes, apenas escândalos de

primeira ordem (THOMPSON, 2002). Isso quer dizer que certos escândalos são compostos

por apenas uma acusação, que é negada e menosprezada pelos políticos, que,

estrategicamente, eximem-se de seus cargos, evitando uma maior exposição negativa na mídia

e a emersão de novos fatos que poderiam comprovar que as acusações remetidas a eles

procediam, aumentando o número de acusações contra eles, prejudicando-os ainda mais.

Dessa forma, se não houver uma mobilização da sociedade civil e uma persistência da mídia

em cobrar explicações contundentes a respeito do fato, o escândalo não chega a tomar corpo.

Contudo, Renan não se valeu dessa estratégia e o escândalo que o envolveu conseguiu

cumprir todas as quatro etapas que estruturam o escândalo político midiatizado descrito por

Thompson (2002): o pré-escândalo, o escândalo propriamente dito, o clímax e as

conseqüências.

Além disso, como foi mencionado anteriormente, por meio de uma pesquisa

exploratória notou-se que todas as seis representações contra Renan encaminhadas ao

Conselho de Ética do Senado foram oriundas de denúncias publicadas pela imprensa. Por

conseqüência, notou-se, também, o exercício do jornalismo investigativo e o acionamento da

accountability por determinados veículos da imprensa brasileira.

Ademais, o caso Renan Calheiros apresenta-se como um marco na política nacional,

pois pela primeira vez um presidente do Senado brasileiro foi submetido à votação para que se

deliberasse sobre a sua cassação. Assim, constitui-se, também, como um acontecimento

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político e midiático expressivo ao se considerar que “um fato adquire o estatuto de

acontecimento quanto menos previsível for.” (RODRIGUES, 1993, p. 27).

Dessa forma, justifica-se a escolha desse escândalo político como objeto de estudo, já

que se trata de um episódio oportuno para promover a análise do posicionamento da mídia na

condução da accountability e na construção do discurso auto-legitimante de seu papel de cão

de guarda da sociedade a vigiar o Estado, uma vez que esse escândalo foi constituído por uma

série de acusações, feitas pela própria imprensa, que acabaram por norteá-lo.

A fim de viabilizar a investigação proposta, fez-se necessário elaborar uma discussão

teórica atinente à relação entre democracia, jornalismo e escândalo político, já que este

depende da visibilidade midiática para se constituir e, para isso a imprensa precisa ser livre,

pressupondo um regime político democrático.

Assim, no primeiro capítulo tratou-se das condições estruturais que condicionam a

existência dos escândalos políticos. Dessa forma, em primeiro lugar, buscou-se demonstrar a

razão dos líderes políticos nas democracias modernas usufruírem de uma visibilidade cada

vez maior, deste modo, discorreu-se sobre a questão da visibilidade no contexto das

democracias, afinal, esse tipo de regime define-se pelo exercício visível do poder político,

sendo que a visibilidade configura-se como uma forma de controle da gestão pública pelo

povo. Em seguida, abordou-se a questão dos mecanismos de vigilância e controle das

sociedades modernas, fundamentais para se explicar a recorrência dos escândalos hoje. Por

último, tratou-se das mudanças na cultura jornalística, por isso, discutiu-se questão da

imprensa como o quarto poder, por configurar-se como uma instituição importante para

garantir a transparência nas gestões públicas, uma vez que ela é um espaço de visibilidade

privilegiado. Além disso, abordou-se a questão do jornalismo investigativo, que configura-se

como uma prática de reportagem especializada que viabiliza o cumprimento do papel de cão

de guarda delegado ao jornalismo e, por extensão, ao desencadeamento do processo de

accountability.

No segundo capítulo, esclareceu-se, primeiramente, o que se entende por escândalos

políticos e apresentou-se o objeto de estudo desta pesquisa – o escândalo político

protagonizado por Renan Calheiros – e os elementos que contribuem para o seu

entendimento. Deste modo, apresentou-se a figura do senador Renan Calheiros, versou-se,

brevemente, sobre o Senado Federal brasileiro e tratou-se da legislação que rege o seu

funcionamento e atribui competências e deveres aos seus membros, afinal, o escândalo, em

questão, está diretamente relacionado a transgressões de determinadas regras que norteiam a

conduta dos membros dessa instituição. Por fim, apresentou-se a cronologia deste escândalo,

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iniciado no dia 26 de maio de 2007 – data em que foram divulgados os primeiros indícios de

irregularidades na relação entre Renan e a empreiteira Mendes Júnior – e terminou no dia 4 de

dezembro de 2007 – dia em que Renan pediu afastamento da presidência da câmara alta

brasileira.

Já no terceiro capítulo, buscou-se reconstituir as narrativas jornalísticas do referido

escândalo, enquadrando-as na estrutura seqüencial descrita por Thompson (2002) acerca dos

escândalos políticos midiáticos, sublinhando a existência de evidências de que esse escândalo

pode ser classificado como um deles e, destacando o processo de accountability desencadeado

pelas denúncias apresentadas pelas revistas Veja e Época e pelos jornais Folha de S. Paulo e

O Estado de S. Paulo.

Essa reconstituição foi elaborada com base no exame da cobertura jornalística

produzida sobre esse escândalo publicada entre os dias 17 de maio de 2007 – data da eclosão

da “Operação Navalha” que, como se verá no terceiro capítulo, compõe a fase do pré-

escândalo Renan Calheiros – até o dia 04 de dezembro de 2007. Recorreram-se, para isso, às

matérias encontradas sobre esse assunto no Portal Clipping MP3, vinculado ao Ministério do

Planejamento, Orçamento e Gestão. Nesse site, há um arquivo das matérias elaboradas

diariamente pelos veículos impressos de referência nacional acerca dos assuntos atinentes ao

universo da política federal (as revistas: Carta Capital, Época, Isto É, Isto é dinheiro e Veja e;

os jornais: Correio Brasiliense, Folha de S. Paulo, Gazeta Mercantil, Gazeta do Povo, Jornal

do Brasil, Jornal de Brasília, O Dia, O Estado de S. Paulo, O Globo e Valor Econômico). Em

alguns momentos recorreu-se a outras fontes de informações – Agência Brasil, Agência

Estado, Observatório de Imprensa – por essas apresentarem informações importantes para o

entendimento do caso analisado. Utilizou-se, também, fontes de notícias online, como o

Estadão.com.br, Folha Online e Globo Online devido ao fato desse tipo de veículo

apresentar, em primeira mão, informações sobre o processo em curso, assim, eles

apresentaram-se como as fontes importantes nos momentos em que houve votações, escolha

de membros para compor o Conselho de Ética e relatores das representações contra Renan.

Na composição da reconstituição, deu-se preferência à utilização de matérias que

foram veiculadas na capa de seus respectivos veículos. Quando isso não foi possível

utilizaram-se as matérias que pareceram mais completas e, em todos os casos, buscou-se

localizar as matérias selecionadas neste clipping em seus veículos de origem na internet, nas

ocasiões em que a matéria não foi encontrada referenciou-se ao endereço de sua localização

3 PORTAL Clipping MP. Disponível em: <clippingmp.planejamento.gov.br> Acesso em 01 ago. 2008.

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no Portal Clipping MP. Ademais, ao empreender essa reconstituição deu-se ênfase a

movimentação política deflagrada, sobretudo, as ações do governo federal e do Senado no

sentido de responder as demandas suscitadas por este caso e, também, do próprio Renan

Calheiros.

Além dessa reconstituição, constituíram-se como corpus, para uma análise mais

detida, as seis reportagens, os furos jornalísticos, relacionados ao processo político deflagrado

contra Renan Calheiros. São elas: “O senador e o lobista” (revista Veja – 26/05/2007),

“Negócios Milionários” (revista Veja – 07/06/2007), “Sociedade Secreta” (revista Veja –

04/08/2007), “Peguei R$ 3 milhões” (revista Época – 31/08/2007), “Assessor de Renan é

acusado de espionagem” (jornal Folha de S. Paulo – 06/10/2007), “Renan fez emenda para

empresa fria de ex-assessor” (jornal O Estado de S. Paulo – 14/10/2007).

Na análise de cada uma dessas matérias, considerou-se, inicialmente, no caso das

revistas a capa de suas publicações. Quando essas matérias ganharam destaque na capa, estas

foram analisadas tendo como base os estudos de Verón (2005) acerca desse tema. Em

seguida, analisou-se o título e o bigode4 das matérias, nos quais buscou observar as rotinas de

produção utilizadas em sua confecção e o posicionamento do veículo em relação aos fatos

noticiados. Quando a matéria era composta por fotos buscou-se, analisá-las, tanto sob os

aspectos conotativos, quanto denotativos mediante à perspectiva apresentada por Barthes

(1990), Dubois (1993), Joly (1996). Nessas análises consideraram-se, também, as legendas

das fotos, que contribuíam para a compreensão do “efeito de sentido” que os veículos

buscavam construir.

Partindo para a análise do corpo dessas matérias, procurou-se identificar as rotinas de

produção das reportagens: os métodos de apuração, as fontes de informação e se seus

possíveis interesses foram apresentados, além das estratégias discursivas adotadas e os

enquadramentos preferenciais dos fatos, para se ter mais clareza dos sentidos produzidos nos

textos e as vozes presentes em seu cerne, a fim de poder inferir sobre o posicionamento

tomado pelos citados veículos a respeito do caso em questão.

Dessa maneira, utilizou-se como procedimento metodológico para a análise das

referidas matérias, a análise do discurso que, segundo Benetti (2007, p. 116), possibilita tanto

a apreensão dos sentidos presentes no discurso jornalístico, quanto o mapeamento das vozes –

“as fontes, o jornalista-indivíduo que assina o texto, o jornalista-instituição quando o texto

não é assinado, o leitor que assina a carta publicada.”

4 A palavra bigode na linguagem das redações dos jornais refere-se a uma espécie de chamada que se localiza abaixo do título da matéria

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A escolha dessas matérias justifica-se por serem momentos adequados para se

observar as rotinas de produção adotadas e como a imprensa conduziu o processo

accountability, momento em que se nota a atuação efetiva da imprensa na condução do

escândalo, evidenciando como esses veículos se posicionaram em relação a ele.

Ademais, buscou-se verificar a edificação pela imprensa de um discurso auto-

legitimante de seu papel de cão de guarda. Para tanto, foram analisados os seguintes

editoriais: “Não há forra, mas fatos” (revista Veja – 11/06/2007), “O desespero de Renan”

(revista Veja – 15/08/2007), “Em defesa da grandeza” (revista Veja – 11/09/2007), “Nossa

alma investigativa” (revista Época – 07/09/2007) publicados por ocasião da veiculação dos

furos de reportagens.

Por fim, por meio de um diálogo entre a empiria e teoria, buscou-se, nas considerações

finais, elaborar uma reflexão a respeito dos papéis que a teoria democrática atribui ao

jornalismo – vigilância e accountability –, à luz desse estudo de caso específico, bem como,

refletir sobre a atuação do jornalismo investigativo brasileiro em uma situação de escândalo

político.

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CAPÍTULO 1 – DEMOCRACIA E ESFERA PÚBLICA POLÍTICA

A reflexão sobre a atuação da imprensa no contexto de uma democracia liberal,

empreendida por meio da análise da cobertura de um escândalo político, suscita a discussão

acerca das condições estruturais que possibilitaram a emersão desse tipo de escândalo como

uma narrativa preferencial nos espaços midiáticos destinados à política, nas democracias

contemporâneas.

Segundo Thompson (2002), subjazem à recorrência dos escândalos políticos, na

atualidade, várias mudanças na sociedade, entre elas, faz-se pertinente abordar por estarem em

consonância com a mídia e a prática jornalística: (1) a crescente visibilidade dos líderes

políticos, (2) a mudança nas tecnologias de comunicação e de vigilância e (3) a mudança na

cultura jornalística.

Dessa forma, iniciou-se esta discussão buscando demonstrar como se deu o processo

que induziu os líderes políticos, nas democracias contemporâneas, a usufruírem de uma

visibilidade cada vez maior. Assim, fez-se pertinente tratar como os regimes de visibilidade se

alteraram em função das transformações da esfera pública. Partiu-se da esfera pública

ateniense, passando pela esfera pública burguesa até se chegar à esfera pública midiática,

salientando em cada uma dessas formações as peculiaridades quanto aos instrumentos

utilizados para garantir a transparência na política e a participação dos cidadãos no processo

político.

Em seguida, com o intuito de abordar a discussão sobre a importância das tecnologias

de comunicação e vigilância para a edificação dos escândalos políticos e para a manutenção

da transparência nas gestões públicas, discorreu-se sobre a visibilidade como uma forma de

controle, para isso, recorreu-se a discussão acerca das sociedades disciplinares (FOUCAULT,

2002) e das sociedades de controle (DELEUZE, 1992).

Por fim, tratou-se das mudanças observadas na cultura jornalística tendo como

indicador dessas transformações a emergência da imprensa como quarto poder, função

delegada à imprensa nas democracias liberais. Por conseqüência, versou-se, também, sobre

questões atinentes a essa função relacionadas ao jornalismo investigativo e a possibilidade da

imprensa acionar a accountability.

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1.1 Da Ágora a Mídia – A transformação do regime de visibilidade

A gênese do conceito de esfera pública remete-se à Grécia Antiga, onde balizou o

estabelecimento da democracia ateniense, haja vista, o processo democrático naquela época

era estabelecido, exclusivamente, na esfera pública, entendida como um espaço em que, por

meio da participação dos cidadãos5, se estabelecia a vida política da polis.

A esfera pública era aberta à participação de todos os cidadãos, para os quais era

garantido a isegoria, ou seja, o direito de livre manifestação da opinião política. Munidos

desse direito, os cidadãos se reuniam em locais públicos e, lá, apresentavam e ouviam as

argüições prós e contrárias a determinado assunto e, a partir delas, avaliavam quais decisões

deveriam ser tomadas, declarando suas posições de forma direta, erguendo as mãos ou

mediante aos cacos de terracota (cerâmica usada para as votações), sendo que, a decisão

tomada respeitava a vontade da maioria. (BOBBIO, 2006).

Portanto, para que esse processo político se tornasse exeqüível era imprescindível o

compartilhamento de um lugar comum pelos cidadãos e a publicização de tudo aquilo

relacionado à política. Inclusive, a mais elementar das definições de democracia, referente ao

seu significado etimológico – a palavra democracia, derivada do termo grego demokratia,

cujas raízes são demos (povo) e kratos (governo), pode ser compreendida como uma forma de

governo do povo ou controlado por ele –, subentende que o poder deve ser exercido de forma

visível, já que, de outra forma o povo estaria alijado das discussões atinentes ao Estado.

(BOBBIO, 2006).

Thompson (2008) classifica o tipo de publicidade dada a política ateniense como

“publicidade tradicional de co-presença”, que caracteriza-se por valer-se da apreensão das

deixas simbólicas captadas por meio das interações face a face, que, necessariamente,

implicam na visão, audição, aparência visual, palavra falada e um caráter dialógico.

O evento público era um espetáculo que, por aqueles poucos indivíduos que calhavam de estar presentes, podia ser visto, ouvido, talvez até cheirado ou sentido de alguma outra maneira. Além disso, a publicidade de co-presença traz como conseqüência a reunião de indivíduos num mesmo lugar, ela tem essencialmente um caráter dialógico. Os indivíduos que falam ou representam em tais ocasiões o fazem

5 Na verdade, apenas uma parcela da população grega possuía direito de cidadania, requisito primordial para a participação na política. Somente as pessoas do sexo masculino, com idade superior a vinte anos, filhas de pai e mãe ateniense e, proprietárias de escravos – o indivíduo deveria estar livre das obrigações dos trabalhos braçais, para se dedicar aos assuntos políticos – poderiam possuir o título de cidadão. (HELD, 1987). Estima-se que durante este período (século V-IV a. C), Atenas, a maior das cidades-estado grega, possuía aproximadamente 250.000 habitantes, sendo que, apenas 45.000 deles possuíam o título de cidadão. (ANDERSON, 1992).

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diante de outros que podem, em princípio, participar do evento, quer falando, quer tendo algum tipo de comportamento de espectador (batendo palmas, assobiando, aclamando etc.), ainda que na prática não o façam. (THOMPSON, 2008, p 114).

Nesse contexto, a visibilidade, além de viabilizar a participação dos cidadãos no

exercício do poder político, objetivava extinguir das sociedades o exercício dos poderes

invisíveis, avaliados como uma prática perigosa para o bem comum. Dessa forma, a

visibilidade oferecida aos debates, decisões e ações concernentes à vida pública política

poderia ser entendida, também, como uma forma de controlar possíveis abusos de poder.

Nesse sentido, Kant (1995), em a “Paz Perpétua”, aponta que a visibilidade consistiria

tanto em uma questão política, quanto moral. Pois, segundo ele próprio, “são injustas todas as

ações que se referem ao direito de outros homens, cujas máximas não se harmonizem com a

publicidade”. Por isso, pode-se inferir que a visibilidade é uma maneira de dar legitimidade às

ações, na medida em que às claras um ato de transgressão não pode chegar a se concretizar.

De tal modo, a visibilidade tenderia a constranger os gestores dos negócios públicos a

atuarem de acordo com as regras vigentes, como Bobbio (2006) demonstra, a seguir:

Qual o empregado público poderia declarar em público, no momento em que é empossado em seu cargo, que irá se apropriar do dinheiro público (peculato) ou do dinheiro que embora não pertencente à administração pública é por ele apropriado por razão de ofício (malversação)? Qual empregado público afirmaria que irá constranger este ou aquele a dar-lhe dinheiro abusando da sua qualidade ou das funções (concussão) ou se servir de seu cargo para obter vantagens pessoais (interesse privado em cargos públicos)? É evidente que semelhantes declarações tornariam impossível a ação declarada, pois nenhuma administração pública confiaria um cargo a quem as fizesse. (BOBBIO, 2006, p. 105).

Apesar do exercício do poder visível ser a regra na democracia, não se ignorava a

possibilidade da atuação do poder de forma invisível, tanto que os gregos se valiam de certos

artifícios para coibir abusos de poder. Segundo o relato do historiador Glotz6, citado por

Bobbio (2006), durante as eclésias7 os gregos lançavam mão de um instrumento de vigilância

simbólico, com o intuito de coagir os participantes a agirem de forma correta. Antes de se

iniciar as discussões políticas, o arauto amaldiçoava aqueles que tentavam ludibriar os outros

e usavam sua oratória de forma abusiva, os lembrando que todos estavam sendo vigiados pelo

olhar de Deus.

Glotz em seu relato indica, ainda, a existência de mecanismos capazes de promover a

prestação de contas por parte daqueles que possuíam poder de deliberação e efetivação das

6 GLOTZ. G. La città grecca. Torino: Einaudi, 1948. 7 As assembléias populares eram chamadas de eclésia

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decisões políticas, mecanismo semelhante ao que na contemporaneidade é chamado de

accountability. Os magistrados8, por exemplo, eram submetidos a uma vigilância constante,

sendo obrigados a se apresentar nove vezes ao ano em cada pritania para renovar seus poderes

políticos, mediante o consentimento da assembléia formada para tal fim.

É importante destacar que o poder de vigiar e a condição de ser vigiado conformavam-

se como papéis intercambiáveis, no sentido de que todos os cidadãos que participavam das

eclésias poderiam vigiar os outros, assim como, poderiam estar sendo vigiados por eles, sendo

que, o poder de controlar era visível, pois se sabia quem poderia estar cumprindo esse papel.

Diante disso, evidencia-se que a desconfiança quanto à idoneidade dos políticos na

condução dos negócios públicos não é um desprivilegio experimentado apenas pelas

modernas e contemporâneas sociedades democráticas, habituadas a acompanhar por meio da

imprensa escândalos políticos, denúncias de corrupção, fraudes, abuso de poder e tudo mais

que fere as regras norteadoras da administração pública. Precauções com relação à conduta

dos homens na política são tomadas desde o nascimento da democracia, na Grécia Antiga.

A partir dessas assertivas, conclui-se que visibilidade dada aos negócios públicos em

Atenas contribuía para a viabilização da própria democracia, enquanto um tipo de governo

caracterizado pelo exercício visível do poder, que subentende a participação do povo em sua

gestão. Porquanto, na Grécia Antiga, tanto para controlar, quanto para participar das decisões

concernentes aos negócios públicos era necessário se inteirar dos assuntos discutidos nas

assembléias e do processo político em curso, que, nessa época, só era possível em uma

situação de co-presença.

No entanto, esse modelo de democracia, segundo Held (1987), só obteve sucesso por

ter se desenvolvido em uma comunidade estritamente coesa e sob as condições de

“exclusividade social”, pois um sistema de participação unicamente direta só poderia

funcionar em associações com um número reduzido de membros.

Por isso, a complexificação das sociedades, a imensidão dos Estados e a enorme

quantidade de cidadãos provocaram, naturalmente, mudanças nas formas de constituição da

esfera pública, uma vez que, se tornou impossível promover o encontro de todos os cidadãos

de uma nação para a realização de debates, que poderiam resultar em deliberações. Logo, fez-

se necessário o uso de novos mecanismos capazes de possibilitar a participação na política e o

controle do Estado pelos cidadãos.

8 Os magistrados eram aqueles cidadãos que possuíam funções executivas na cidade-estado, eles eram escolhidos por meio de eleições, seus mandatos duravam um ano e não podiam ser renovados. (HELD, 1987).

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Assim, pode-se afirmar que o modelo da esfera pública burguesa, que emergiu

juntamente com o capitalismo na Europa, foi criado como uma forma de viabilizar a

participação da sociedade civil na gestão dos negócios públicos.

Esse modelo de esfera pública surgiu devido à demanda da classe burguesa, que

apesar de deter o poder econômico, adquirido através do comércio, se via absolutamente

alijada da esfera de decisão política, dominada pelos gestores dos Estados Absolutistas –

funcionários da burocracia do Estado e os monarcas –, que exerciam o poder de forma

reservada – arcana imperii –, sem levar em consideração a vontade da maioria.

Para os burgueses, a constituição de uma esfera pública configurava-se como uma

possibilidade de organização de um espaço discursivo, argumentativo e neutro, ou seja,

distante da volição das instâncias de poder vigentes. Ambicionava-se, a partir disso, que as

autoridades tradicionais se convertessem em autoridades racionais e, que as trocas de razões

substituíssem a vontade arbitrária, alterando a forma de legitimação de poder e dando à

argumentação um valor contratual.

Desse modo, pode-se inferir que a sociedade civil burguesa edificou-se em oposição à

autoridade pública estatal, almejando que suas opiniões ganhassem visibilidade e peso

político, a fim de provocar determinados efeitos sobre a política.

Assim, Habermas (1984) entende a esfera de atuação dessa nova classe social como

uma assembléia composta por homens livres e privados, que por meio de uma ação

comunicativa igualitária e tomada de decisões pautadas no desejo da maioria, equacionavam

os elementos que resultavam no exercício do princípio de igualdade política, pautado na

publicidade das discussões.

De acordo com Thompson (2008), a esfera pública burguesa, inicialmente,

desenvolveu-se na área da literatura, sendo posteriormente ampliada por discussões acerca

dos problemas políticos. Por essa razão, no final do século XVIII, houve uma grande

proliferação de comunidades de comensais e cafés, que se tornaram centros de discussões e

debates sobre assuntos atinentes à política, fora do âmbito da esfera estatal.

Tais discussões foram facilitadas pelo desenvolvimento de uma imprensa de opinião,

que acabou se tornando um fórum-chave do debate crítico político, na medida em que passou

a mediar e fomentar as discussões estabelecidas nos locais de convívio público, possibilitando

tanto uma discussão permanente sobre o Estado, quanto à acessibilidade dessas discussões aos

sujeitos interessados em participar delas.

Aqui, já pode ser percebida uma transformação no regime de visibilidade, haja vista,

que a acessibilidade às informações deixou de ser condicionada pelas interações face a face.

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Assim, a imprensa – enquanto um espaço de visibilidade privilegiado – criou uma nova forma

de publicidade, denominada por Thompson (2008) como “publicidade mediada”. Esse tipo de

publicidade caracteriza-se, fundamentalmente, pela transmissão do conhecimento sobre os

indivíduos, ações e eventos para sujeitos fisicamente distantes do tempo e espaço de sua

ocorrência.

Essa transformação no regime de visibilidade implicava, também, no fato de que “os

indivíduos que realizavam ações públicas ou participavam de eventos públicos não poderiam

mais ver aqueles outros para os quais as ações e eventos eram, ou deveriam se tornar,

fenômenos públicos.” Portanto, diferentemente do que acontecia na esfera pública ateniense,

os sujeitos públicos não sabiam mais por quem eles estavam sendo observados.

(THOMPSON, 2008, p. 116).

Nesse contexto, formou-se uma rede de comunicação pública, pautada no encontro de

sujeitos, que sob condições de igualdade (livres das diferenças hierárquicas) e de liberdade de

argumentação em público, poderiam por meio da palavra: sugerir, criticar debater e discutir,

fomentando, dessa forma, inúmeros discursos e idéias sobre os mais diversos temas.

A partir disso, vários pontos de vista a respeito de um determinado assunto poderiam

ser manifestados na esfera pública, cujo produto era a opinião pública, entendida como a

vontade expressa pela posição obtida numa argumentação racionalmente conduzida, que se

validava pela razão. (GOMES, 1998, p. 159).

Acreditava-se que a opinião pública poderia balizar e legitimar as decisões referentes à

política. Assim, a esfera pública ao possibilitar o surgimento da opinião pública, promoveria

uma relação entre Estado e sociedade, na medida em que o Estado se veria constrangido a

publicizar suas ações, a fim de legitimá-las e, por conseqüência, enfrentaria a opinião pública,

que nesse sentido teria, ainda, o poder de controlar, em certa medida, o exercício do poder

político.

Assim, de acordo com Gomes (1998), em conformidade com Habermas, a esfera

pública seria uma instância mediadora entre o poder público e a esfera privada:

A esfera pública contrasta com o Estado enquanto reconhece como instância legitimadora não mais o arbítrio e o segredo, mas a comunicação sem perturbações e o uso público da razão; contrasta com a esfera privada enquanto desconhece a validade do interesse e do desejo privado antes que estes se submetam e sejam aprovados numa discussão racionalmente conduzida onde quaisquer outros interesses e desejos expressos tenham as mesmas chances de contrapor-se e confrontar-se. (GOMES, 1998, p.6).

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À medida que a esfera pública burguesa foi assumindo uma importância central como

“público”, produtor de uma “opinião pública”, ela acabou provocando transformações no

próprio processo político. Na Inglaterra, por exemplo, no ano de 1792, inaugurou-se o regime

de opinião, a partir de uma declaração do parlamentar C. J. Fox à Câmara dos Comuns. Nessa

ocasião, o parlamentar considerou ser prudente consultar a opinião pública e possibilitar ao

público acesso às informações, pois o público político havia amadurecido, passando a

desempenhar o papel de comentarista crítico, assim como, o próprio Parlamento,

transformando-se em um interlocutor oficial dos deputados. (HABERMAS9 apud SÁ, 2004).

No entanto, na prática, o regime de opinião estabeleceu-se em função do surgimento

dos primeiros governos liberais do século XIX, embasados nos ideais democráticos propostos

pelo Iluminismo em contraposição ao Estado Absoluto.

Apesar das Constituições outorgadas nessa época não citarem expressamente o termo

opinião pública, esse significado parece estar inerente a elas, tendo em vista que, a partir

desse período, aceitava-se a origem popular do poder, de forma que as opiniões e os desejos

dos cidadãos estariam incluídos no processo democrático, expressando-se em atos formais e

articulando-se com as leis, legitimadas pela opinião destes.

A concretização dos ideais democráticos implicava na garantia de certas liberdades aos

sujeitos, para que estes pudessem manifestar publicamente suas opiniões atinentes aos

assuntos de interesse geral. Assim, garantiram-se o direito à liberdade de opinião, de

expressão, de imprensa e o acesso às informações políticas. (SÁ, 2004).

Com isso, passava-se a garantir não somente a participação dos cidadãos no processo

político, mas também, o seu controle, afinal, a publicidade dada ao exercício do poder poderia

trazer, finalmente, a transparência para o processo político, abdicada em favor do arcana

imperii que havia vigido durante o período absolutista. (CASTRO, 1997).

Dessa forma, nas sociedades democráticas, os sujeitos ligados ao universo político

deveriam, necessariamente, exporem-se publicamente para legitimarem suas ações perante os

cidadãos, aumentando, por conseqüência, sua visibilidade.

Nesse sentido, os meios de comunicação de massa passaram a ocupar um lugar

estratégico na teoria democrática e, de forma especial, a imprensa, que passou a exercer a

função tanto de “intermediar o raciocínio das pessoas privadas reunidas num público, quanto

um instrumento de construção e reunião de públicos” (HABERMAS, 1984, p. 68). Além

disso, para Habermas, a imprensa estaria vinculada, desde então, a idéia de opinião pública,

9 HABERMAS, Jürgen. Historia y crítica de la opinión pública.Barcelona: G. Gili, 1994.

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especialmente, opinião pública política Com isso, a imprensa levaria as informações

adequadas para que os cidadãos pudessem balizar suas decisões de voto, formar opinião sobre

questões relacionadas à política etc.

Dessa forma, a esfera pública burguesa foi qualificada por Habermas (1984) como

uma esfera pública ideal, pois, simbolizava a ruptura com as estruturas do poder feudal, além

de ser o lócus onde os assuntos de interesse coletivo eram publicizados, debatidos

racionalmente, sancionados e legitimados.

Mas, Habermas (1984, p. 221) notou o seu declínio a partir do desenvolvimento da

sociedade capitalista e dos sistemas de comunicação de massa. Para ele “à medida que a

esfera pública é, porém, tomada pela publicidade comercial, pessoas privadas passam

imediatamente atuar enquanto proprietários privados sobre pessoas privadas enquanto

público.”

Portanto, o modelo de esfera pública foi abalado, na medida em que o modelo de

público formado por pessoas privadas e individuais foi substituído pelo modelo cujo público

era formado por pessoas privadas organizadas, que passaram a fazer uso instrumental do

espaço público, sublimando a sua função original. (HABERMAS, 1984).

O modelo da esfera pública burguesa contava com a separação rígida entre setor público e setor privado; a esfera pública das pessoas privadas reunidas num público, que fazia a mediação entre o Estado e as necessidades da sociedade, era computado ela mesma no setor privado. A medida que o setor público se imbrica com o setor privado, este modelo se torna inútil. Ou seja, surge uma esfera social repolitizada, que não pode ser subsumida, nem sociológica nem juridicamente, sob as categorias do público ou do privado. Neste setor intermediário se interpenetram os setores estatizados da sociedade e os setores socializados do Estado sem a intermediação das pessoas privadas que pensam politicamente. (HABERMAS, 1984, p. 208).

A percepção de Habermas a respeito da existência de interesses privados na

constituição da realidade pela mídia, faz com que esta seja desqualificada enquanto uma

fomentadora das discussões travadas na esfera pública.

A rigor, a esfera pública deixou pouco a pouco de ser a dimensão social da exibição

argumentativa de questões referentes ao bem comum para ser a dimensão da exposição

discursiva midiática de posições privadas que querem valer publicamente e, para isso,

precisam de uma concordância plebiscitária dos receptores. (GOMES, 1998).

Dessa forma, a esfera pública passou a ser povoada por interesses políticos e de classe

– interesses privados – que, a partir do instante em que eram publicizados, passavam a fazer

parte das discussões promovidas pela mídia e pauta das discussões estabelecidas pelos

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indivíduos. Assim, ela perdeu aquela espécie de “desinteresse” que a caracterizava tão

fundamentalmente.

No modelo liberal, a imprensa, o mais antigo sistema da comunicação de massa, era considerada um instrumento privilegiado da esfera pública de forma muito estreita. Não é de se surpreender, portanto, que a mudança estrutural da esfera pública esteja profundamente vinculada à mudança do papel da imprensa, e da comunicação em geral, em face dessa esfera. (GOMES, 2008, p. 49).

Diante da diluição das fronteiras entre a esfera pública e privada estava posta a

decadência da esfera pública nos moldes da esfera pública burguesa. Pois, entrava em crise o

papel exercido pela esfera pública de intermediação argumentativa e racional.

Todavia, questiona-se como seria possível tornar a democracia possível nas sociedades

modernas sem o uso dos meios de comunicação de massa. Pois, esse tipo de regime político

demanda que as informações relativas ao universo político se tornem conhecidas por uma

imensidão de pessoas para serem legitimadas. E, a forma mais eficaz e eficiente de tornar isso

possível é por meio da mídia, que possibilita que as informações e opiniões sejam

compartilhadas por uma enorme quantidade de indivíduos.

As recentes formulações de Habermas a respeito da esfera pública buscaram superar

alguns impasses verificados em suas formulações iniciais, dessa forma, esse autor elaborou

uma revisão de sua concepção original. Sua nova abordagem amplia a noção de esfera

pública, que não seria um fórum único, mas, sim, uma pluralidade de arenas, nas quais

diversos públicos discutiriam assuntos específicos de interesse coletivo.

Habermas passou a entender a esfera pública “como uma rede adequada para a

comunicação de conteúdos, tomada de posição e opiniões, em que os fluxos comunicacionais

seriam filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas

em temas específicos.” (HABERMAS, 2003, p.92).

Ela representa uma rede super-complexa que se ramifica espacialmente num sem número de arenas internacionais, nacionais, regionais, comunais e subculturais, que se sobrepõem umas às outras; essa rede se articula objetivamente de acordo com os pontos de vista funcionais, temas, círculos políticos, assumindo a forma de esferas públicas mais ou menos especializadas, porém ainda assim acessível a leigos (por exemplo, em esferas públicas literárias, eclesiásticas, artísticas, feministas, ou ainda, esferas públicas “alternativas” da política e saúde, da ciência e de outras). (HABERMAS, 2003, p. 107).

De acordo com essa nova concepção, a esfera pública era concebida como um fórum

para a discussão e debate de questões sociais relevantes, trazidas à tona por indivíduos e

coletividades, inclusive por aqueles que se sentem excluídos. Nesse formato de esfera pública,

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as minorias defendem-se da cultura dominante contestando a validade do auto-entendimento

coletivo. Sendo assim, observa-se uma luta constante de forças contraditórias.

Portanto, a esfera pública teria passado a ser entendida como um meio de trocas

comunicativas oriundas de um fluxo organizado, denominado por Habermas (2003) de

sistêmico, quando o fluxo era oriundo dos governos, empresas, mercado e de onde mais

houvesse algo a ser administrado e administrável e; discursivo, quando o fluxo era

espontâneo, provenientes do mundo da vida.

Essa nova compreensão da esfera pública estava fundamentada em uma perspectiva

mais complexa da sociedade, em que Habermas compatibilizou a existência dos sistemas e o

mundo da vida. A esfera pública poderia se constituir tanto no domínio das instituições,

quanto no mundo da vida, nos bares, esquinas, escolar, ruas. Assim, eram estabelecidas

discussões que misturam aspectos da vida privada, social, institucional e política.

Assim, pode-se inferir que a esfera pública, segundo a nova concepção de Habermas,

constituía-se, basicamente, como uma esfera discursiva, de forma que a própria mídia,

enquanto espaço de produção simbólica, de intercâmbio e troca de sentidos, poderia ser

entendida como uma esfera pública.

Nesse sentido, os meios de comunicação de massa enquanto portadores de um espaço

de visibilidade privilegiado, em que questões, temas, pessoas e eventos poderiam ser

publicizados, independentemente, da proximidade que eles se encontravam do público,

poderiam ser entendidos como o locus privilegiado da esfera pública, tendo em mente que

essa esfera não necessariamente se constituiria em um espaço físico específico, mas, sim,

através das relações comunicativas estabelecidas.

Por esse motivo, na contemporaneidade, a mídia passou a ser considerada como um

elemento central para a constituição das esferas públicas e, por conseqüência, um elemento

estratégico para o estabelecimento da democracia, que tem como elemento basal a questão da

visibilidade e acessibilidade dos negócios públicos pelo povo.

Por isso, a concepção de esfera pública pode incluir o que Gomes (2006, p.58) chama

de “esfera de visibilidade política pública”, definida por ele como “o repertório de idéias,

opiniões, noções, informações e imagens que constitui o conhecimento sobre a esfera política

e os negócios públicos. Trata-se de uma espécie de esfera expositiva.” (GOMES, p. 58).

Aqui, recorre-se à Albuquerque (1999, p.39) que considera os meios de comunicação

de massa, na atualidade, peças centrais do jogo político, na medida em que é por meio deles

que os agentes políticos têm a oportunidade de apresentarem para um público significativo,

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quais são suas interpretações sobre “os principais problemas que se deve enfrentar, quem são

os responsáveis por eles, a quem cabe resolvê-los e que soluções são cabíveis.”

A percepção de Albuquerque (1999) é validada pela própria lógica da democracia

representativa. Como esse tipo de regime político prevê que a sociedade autorize

periodicamente o acesso ao campo político, os políticos precisam manter-se em contato com a

sociedade, tanto para legitimarem suas ações, quanto para edificarem uma imagem de

confiabilidade. Para conquistar visibilidade midiática os políticos precisam, ainda, tornarem-

se material atrativo para a exposição midiática, ou seja, a política é compelida a adequar-se a

lógica do entretenimento. Dessa forma, torna-se oportuna a observação de Albuquerque

(1999), de que na contemporaneidade os espetáculos políticos são entendidos como

“criadores” da realidade política.

Assim, o campo político passou a ser constituído cada vez mais como um campo

político midiático, ou seja, “como um campo em que a visibilidade midiática dos líderes

políticos se tornou sempre mais importante e em que as relações entre líderes e cidadãos

comuns foram crescentemente moldadas pelas formas midiáticas de comunicação.”

(THOMPSON, 2002, p. 142).

Contudo, a visibilidade configura-se, concomitantemente, como uma oportunidade e

um risco para os políticos, na contemporaneidade. Porque, da mesma forma, que faz parte do

jogo político a luta pela visibilidade, a fim de se edificar uma relação positiva com o

eleitorado, faz parte da lógica da democracia tornar o exercício do poder político transparente,

valendo-se para isso de mecanismos de controle institucionalizados e da visibilidade

midiática. Nesse sentido, Thompson (2002) alerta que a crescente visibilidade dos sujeitos

políticos aumenta suas chances de protagonizarem um escândalo político.

A crescente visibilidade dos líderes políticos criou condições que fizeram crescer a possibilidade de escândalos políticos. Quanto mais as vidas dos líderes políticos se tornam visíveis a outros (e quanto mais os líderes acentuam seus traços como indivíduos revelando aspectos de si mesmos através da mídia), tanto mais provável é que atividades antes ocultas, que conflitam com as imagens que os líderes querem projetar, irão emergir no domínio público. (THOMPSON, 2002, p. 142).

O aumento dessas chances por decorrência do aumento da visibilidade está atrelado ao

fato da visibilidade conformar-se como uma forma de controle do processo político. Como se

verá a seguir, o desenvolvimento tecnológico de formas de controle pautadas na visibilidade

facilitou a manutenção da transparência na política, conseqüentemente, potencializou as

chances dos escândalos eclodirem.

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1.2 A visibilidade como forma de poder – uma reminiscência às sociedades disciplinares

e de controle

As chamadas sociedades disciplinares se expandiram durante os séculos XVII e XVIII

e tiveram o seu apogeu no início do século XX. Sua consolidação se processou quando se

percebeu que seria muito mais eficaz e rentável “vigiar” do que “punir”.

Duas imagens, portanto da disciplina. Num extremo, a disciplina - bloco, a instituição fechado, estabelecido à margem, e toda voltada para funções negativas: fazer parar o mal, romper as comunicações, suspender o tempo. No outro extremo, com o panoptismo, temos a disciplina - mecanismos: um dispositivo funcional que deve melhorar o exercício do poder tornando-o mais rápido, mais leve, mais eficaz, um desenho das coerções sutis para uma sociedade que está por vir. O movimento que vai de um projeto ao outro, de um esquema da disciplina de exceção ao de uma vigilância generalizada. (FOUCAULT, 2002, p.173).

Essas sociedades funcionavam como uma forma de dominação baseada na visibilidade

dos sujeitos vigiados, em oposição ao obscurantismo daqueles que os vigiavam. Dessa forma,

cientes do fato de estarem submetidos à visibilidade, os sujeitos retomam por sua conta as

limitações do poder, fazendo com que o poder funcionasse espontaneamente sobre si mesmos.

(FOUCAULT, 2002).

Esse modelo de dominação foi viabilizado pelo enclausuramento dos sujeitos em

grandes meios de confinamento. Por isso, o homem moderno passou a se mover de um espaço

fechado a outro (família, escola, universidade, indústrias, hospitais e prisões, o meio de

confinamento por excelência).

Para Foucault (2002), essas instituições não poderiam ser consideradas como fontes de

poder, mas sim, como mecanismos operatórios capazes de fixar relações. Dessa forma, a

estratégia era sujeitar e reprimir o enclausurado para conseguir que ele operasse da forma

como se desejava.

Tal tipo de sociedade foi inspirada no Panóptico de Bentahm. O Panóptico é a figura

arquitetural de um tipo de instituição de confinamento, em que há na periferia uma construção

em anel e no centro uma torre com largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel. O

edifício periférico é dividido em celas que atravessam toda a espessura da construção; cada

uma delas tem duas janelas, uma delas voltada para o interior, correspondendo às janelas da

torre e a outra janela voltada para o exterior, o que permite a luz atravessar a cela de um lado

ao outro. Assim, por efeito de contraluz, pode-se ver da torre a luz recortando a silhueta dos

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reclusos. Ademais, cada cela é bem separada uma da outra, impedindo a visibilidade lateral e,

por conseqüência, o contato entre os confinados e garantindo a ordem. (FOUCAULT, 2002).

Portanto, pode-se dizer que em uma sociedade disciplinar a idéia de vigilância remetia

ao confinamento dos sujeitos em um espaço físico, onde ele tinha consciência de estar sendo

vigiado por outro sujeito. Portanto, havia uma situação de co-presença, apesar da forte

contraposição entre a opacidade do poder (daquele que vigia) e a transparência dos indivíduos

(que eram vigiados).

Esta polarização, própria do Panóptico, faz com que a vigilância seja permanente em

seus efeitos, mesmo que seja descontínua em sua ação, na medida em que os sujeitos

permanecem conscientes de seu permanente estado de visibilidade. Dessa forma, a perfeição

desse tipo de poder se dá quanto se torna inútil a atualidade de seu exercício, o que faz do

Panóptico uma máquina de criar e sustentar sua relação de poder independente daquele que o

exerce. Por isso, é fundamental para o seu bom funcionamento que o detento saiba que está

sendo vigiado. (FOUCAULT, 2002, p. 166).

Bentham colocou o princípio de que o poder devia ser visível e inverificável. Visível: sem cessar o detento terá diante dos olhos a alta silhueta da torre central de onde é espionado. Inverificável: o detento nunca deve saber se está sendo observado; mas deve ter certeza de que sempre pode sê-lo. (FOUCAULT, 2002, p. 167).

Essas características fazem com que a sociedade disciplinar tenha uma organização

vertical e hierárquica das informações, no sentido de que o acesso à informação confunde-se

com a própria posição do sujeito na hierarquia de poder, ou seja, o vigia tem informações

sobre o vigiado, mas o contrário não acontece. Além do mais, as informações adaptam-se à

estratégia de compartimentalização, já que cada instituição detém sua porção de informação

como algo que pertence ao seu próprio espaço físico. (COSTA, 2004).

Há uma associação profunda entre o local, o espaço físico e o sentido de propriedade dos bens imateriais. Há uma intensa regulação dos fluxos imateriais no interior dos edifícios e entre eles, de tal maneira que a resposta à pergunta "onde está?" parece indicar ao mesmo tempo o lugar físico e a propriedade da informação. (COSTA, 2004).

Thompson (2008) avalia que se Foucault tivesse considerado o papel dos meios de

comunicação de massa, ele teria percebido que estes estabelecem uma relação entre o poder e

a visibilidade de forma diversa do Panóptico. Assim, de acordo com esse autor,

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Enquanto este modelo torna muitas pessoas visíveis a poucos e reforça o exercício do poder sobre elas submetendo-as a um estado permanente de visibilidade, o desenvolvimento da comunicação mediada forneceu meios pelos quais muitas pessoas podem reunir informações sobre poucos e, ao mesmo tempo, uns poucos podem aparecer diante de muitos; graças à mídia, aqueles que exercem o poder é que são submetidos agora a um certo tipo de visibilidade, mais do que aqueles sobre quem o poder é exercido. (THOMPSON, 2008, p. 121).

Essa idéia de que ao contrário do Panóptico, os “donos” do poder, na era da mídia, é

quem são submetidos ao controle devido a visibilidade que eles possuem, conjuga-se com a

idéia de que quanto maior for a visibilidade de um sujeito maior será sua chance de figurar ou

protagonizar um escândalo. Contudo, não deve-se imaginar que aqueles sobre o qual o poder

é submetido desfrutam da invisibilidade, como se verá, a seguir.

Na passagem do mundo moderno para o mundo contemporâneo, a sociedade

disciplinar progressivamente deu lugar à sociedade de controle (DELEUZE, 1992), apesar, de

ainda haver resquícios do antigo modelo de sociedade.

A transição se processa devido à mudança da condição do sujeito que, em primeiro

momento, vive em um encarceramento completo e, depois passa para uma espécie de controle

aberto e contínuo. Nesse sentido, os sujeitos mesmo após deixarem as instituições de

enclausuramento continuam sendo vigiados.

A vigilância contínua é verificável pela propagação das câmeras de “segurança”

instaladas em todas as partes: nos elevadores, corredores, ruas, bancos, indústrias, escolas etc.

Assim, a vigilância passa a atuar até mesmo ao “ar livre”. Com isso, tem-se a constituição de

uma sociedade auto-vigiada, já que, todos podem vigiar todos.

Dessa forma, as sociedades de controle são caracterizadas pela interpenetração dos

espaços, pela invisibilidade e pelo nomadismo possibilitado pela suposta ausência de limites.

Numa sociedade disciplinar, atrelado ao espaço físico, um indivíduo era referenciado pelo seu endereço postal, que remetia a um lugar físico que não era mais que um ponto numa rede geográfica de longa duração. Hoje, um habitante se define como inscrito numa rede variável, onde a prova de domicílio não é mais o título de propriedade ou o pagamento do aluguel, mas a fatura de água, de eletricidade ou gás, de telefone, etc. É nossa inscrição nessas redes, nosso estatuto de consumidor de fluxos técnicos que serve como prova jurídica de nosso pertencimento espacial. (BOULLIER10 apud COSTA 2004).

Dessa forma, pode-se inferir que as sociedades disciplinares eram arquiteturais, pois a

idéia do Panóptico, que as sustentava, implicava na co-presença de um observador a vigiar um

confinado em um determinado espaço físico (a casa da família, o prédio da escola, do 10 BOULLIER, D. Processeur et réseau: les nouveaux formats de l'être urbain. In: SANDOVAL, V. (Org.). La Ville Numérique. Paris: Hermes, 2000. p.171-190.

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hospital, da fábrica, do quartel). Enquanto as sociedades de controle sugerem um tipo de anti-

arquitetura, que vai de encontro a um mundo virtual.

Seguindo esta perspectiva, Deleuze (1992, p. 221) aponta que as sociedades

disciplinares possuíam dois pólos, “a assinatura que indica o indivíduo, e o número de

matrícula que indica sua posição na massa”, enquanto nas sociedades de controle “o essencial

não seria mais a assinatura nem um número, mas uma cifra: a cifra é uma senha”, sendo que,

“a linguagem digital do controle é feita de cifras que marcam o acesso ou a recusa a uma

informação”.

É que as disciplinas nunca viram incompatibilidade entre os dois [assinatura e número de matrícula; indivíduo e massa], e é ao mesmo tempo que o poder é massificante e individuante, isto é constitui num corpo único aqueles sobre os quais se exerce, e molda a individualidade de cada membro do corpo (Foucault via a origem desse duplo cuidado no poder pastoral do sacerdote – o rebanho e cada um dos animais – mas o poder civil, por sua vez, iria converter-se em “pastor” laico por outros meios). (DELEUZE, 1992, p. 221).

A passagem da identidade para uma cifra implica que os indivíduos deixam de ser

indivisíveis, na medida em que ele é submetido a uma espécie de divisão, resultante da

situação em que ele tem acesso aos serviços adquiridos ou a dados por meio de uma senha que

pode ser aceita ou não. Assim, o sujeito pode não ser ele ao tentar pagar uma conta com seu

cartão, se o cartão for recusado, mas será ele para pagar de outra maneira. (COSTA, 2004).

Essa nova forma de existir implica uma nova forma de controlar as informações que se

encontram virtualmente em fluxos e podem ser capturadas pelos novos dispositivos de

controle. Essas transformações implicam em mudanças na natureza do poder. Se na sociedade

disciplinar ele era vertical e hierarquizado, na sociedade de controle ele passa a ser disperso

em uma rede planetária e difusa, fazendo com que a dicotomia transparência-opacidade se

esfacele. Dessa forma, o poder se torna cada vez mais ilocalizável, por estar disseminado

entre os nós da rede. (COSTA, 2004).

As novas tecnologias de comunicação e vigilância podem ser classificadas como

instrumentos dessa sociedade de controle. Há de se destacar que não está se falando somente

nos aparelhos para gravar, processar e transmitir informações, o Estado, também, possui

dispositivos para vigiar a sociedade, assim, informações vinculadas ao CPF (Cadastro de

Pessoas Físicas), contidas nas Declarações de Imposto de Renda, ou bancárias e em tantas

outras fontes podem ser acessadas e cruzadas para se obter informações sobre determinado

indivíduo. Assim, a imprensa e outras instituições, dependendo de sua acessibilidade, podem

utilizá-las como forma de investigação/espionagem e fontes de informação.

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1.3 “Quarto Poder”

Se coubesse a mim decidir se deveríamos ter um Governo sem Jornais, ou Jornais sem um Governo, não hesitaria um minuto em optar pela segunda hipótese.11 (JEFFERSON).

Ao examinar a assertiva proferida por Tomas Jefferson, no século XVIII, constata-se

que ele, além de ser um defensor dos regimes democráticos, percebia a importância do

estabelecimento de relações entre mídia e política para a subsistência da democracia moderna.

Jefferson acreditava que a imprensa, enquanto portadora de um espaço de visibilidade

privilegiado, deveria manter os cidadãos informados sobre o que se passava na política, para

que estes pudessem formar uma opinião que, por seu turno, deveria nortear a condução do

governo norte americano. Logo, dever-se-ia permitir a liberdade de expressão tanto do povo,

quanto da própria imprensa. (BOYD, 1950).

Livre da censura do governo e dos constrangimentos dos interesses privados a

imprensa poderia levar as informações adequadas – entendidas como informações plurais, no

sentido de que apresentam diferentes perspectivas e visões de mundo – a todos os cidadãos,

atuando, assim, como uma mediadora entre o Estado e a sociedade e uma porta-voz da

opinião pública.

Ademais, a liberdade permitiria que a imprensa funcionasse como um dos dispositivos

de freios e contrapesos que promovem a limitação dos poderes constituídos, coibindo a

corrupção, o conflito de interesses, o abuso de poder e, acionando os mecanismos que

possibilitam aos políticos prestar contas de seus atos, visto que os representantes públicos têm

obrigação moral de legitimar suas ações perante seus representados.

Por atuar como a guardiã do governo em favor da sociedade, a imprensa foi apelidada

de quarto poder, no ano de 1828, por McCaulay, um deputado do Parlamento inglês, que

tinha como referência os três états da Revolução Francesa – o clero, a nobreza e o troisième

état, que abarca os burgueses e o povo. (TRAQUINA, 2005; MORETZSHON, 2007).

No entanto, a idéia de quarto poder está vinculada, também, à teoria da tripartidação

dos poderes, formulada por Montesquieu (1998). Segundo essa teoria, o poder político

11 Were it left to me to decide whether we should have a government without newspapers, or newsapers without a government, I should not hesitate a moment to prefer the latter.” (Frase compilada em: The Papers of Thomas Jefferson, organizado por Boyd, em 1950).

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deveria ser dividido – Legislativo, Executivo e Judiciário – para garantir a regulação dos

poderes, uns pelos outros.

Portanto, a imprensa poderia ser apreendida como um meio capaz de garantir o

controle das gestões públicas e a participação e o consentimento consciente dos cidadãos na

política, permitindo que a democracia pudesse ser classificada como um tipo de governo

controlado pelo povo.

Afinal, independente das peculiaridades das democracias12, a característica que as

singularizam se refere à abolição das sociedades a existência do poder invisível, o que sugere

que as ações governamentais devem ser sempre desenvolvidas publicamente – o caráter

público do poder – sendo este critério apropriado para distinguir um estado constitucional de

um estado absoluto. (BOBBIO, 2006).

Com isso, a imprensa passou a ter o compromisso de levar informações adequadas aos

cidadãos, para que estes pudessem balizar suas decisões de voto, formar opinião sobre

questões relacionadas à política etc., ou seja, a imprensa passou a mediar à constituição da

esfera pública e passou a ser seu palco.

Além disso, foi delegada a ela a responsabilidade de atuar como um cão de guarda a

vigiar o governo com o intuito de proteger a sociedade contra a atuação dos poderes

invisíveis, prática que, eventualmente, pode desencadear a ocorrência de escândalos políticos.

Entretanto, mesmo com toda a visibilidade disponibilizada pelos meios de

comunicação de massa, o exercício da função de cão de guarda pela imprensa, a instituição

de mecanismos de controle democrático, verifica-se que não obteve-se êxito na tentativa de

eliminar a mentira na política. (CASTRO, 1997).

Apesar disso, o desígnio dado à imprensa de representar o quarto poder, nas

democracias, conferiu aos jornalistas a legitimidade necessária para tranqüilizar seus receios,

justificar o seu lugar crescente na sociedade, enquanto cumpria o seu duplo papel: “como

porta-vozes da opinião pública, dando expressão às diferentes vozes no interior da sociedade

que deviam ser tidas em contas pelos governos, e como vigilantes do poder político que

protege os cidadãos contra os abusos (históricos) dos governantes.” (TRAQUINA, 2005, p.

48).

No entanto, várias críticas vêm sendo tecidas acerca do papel exercido pela imprensa

em favor dos ideais democráticos. Segundo Gomes (2005), o argumento de que a função dos

12 Segundo Held (1987), logo na Introdução de seu livro “Modelos de Democracia”, quase todos hoje se dizem democratas, mesmo que na prática os discurso e ações destes regimes sejam radicalmente diferente um dos outros.

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meios e agentes de comunicação nas democracias é atuar como cão de guarda é interessante e

conserva em parte sua verdade, mas tal argumento lhe parece velho e extenuado. Para

Moretzshon (2007), a imagem do jornalismo como mediador entre o Estado e a sociedade

vinculada à idéia de quarto poder, sobrevive apenas na nostalgia de um tempo que talvez

nunca tenha existido. Miguel (2004) acredita que o fato das informações ofertadas aos

cidadãos serem controladas por ínfimo grupo de empresas com significativos interesses em

comum é incongruente com a própria noção de democracia, pois o que distingue uma

informação adequada neste contexto é, fundamentalmente, o seu caráter plural, por isso as

diferentes perspectivas e visões de mundo deveriam ser disponibilizadas para a apreciação da

sociedade. Já Fonseca (2004) e Traquina (2005) questionam a ampla a liberdade oferecida à

imprensa, entendida como o “quarto poder” e, propõem a instituição de meios para a sua

responsabilização, assim como, aos outros poderes constituídos.

A despeito das críticas, como cabia a imprensa atuar como o quarto poder,

subentendia que cabia aos jornalistas não só publicizar os atos de transgressão relacionados

aos negócios públicos, como também, empreender investigações, caso suspeitassem da

existência de irregularidades. Contudo, esse tipo de prática jornalística teve sua ascensão na

década de 1960, por ocasião dos tumultuados acontecimentos políticos nos Estados Unidos.

Segundo Thompson (2002), a ênfase na reportagem investigativa naquele período

ajudou a alterar a cultura jornalística e a criar um contexto em que a busca por segredos

ocultos, e a revelação desses segredos pela imprensa era considerada parte legitima da

atividade jornalística.

Entretanto, Thompson (2002), aponta que a reportagem investigativa acabou se

transformando em um tipo de reportagem “lasciva”, em que aspectos ocultos do exercício do

poder eram confundidos com aspectos ocultos da vida dos poderosos.

Aqui, cabe caracterizar o que se entende por jornalismo investigativo. Segundo Pena

(2006) esse tipo de prática jornalística pode ser caracterizado pela busca de informação

primária pelo jornalista. Este não se contentando com as versões ou fontes secundárias,

passaria a transitar pelos bastidores da notícia, em que determinados sujeitos se esforçam em

manter a obscuridade dos acontecimentos. Assim, Pena (2006, p. 201) sintetiza: “investigar

significa pesquisar, conformar, verificar, analisar, insistir. Todos esses termos no mesmo

processo de produção jornalística.”

Lage (2001) explica que uma reportagem investigativa ser desencadeada por várias

experiências, como: a observação de pequenos fatos inexplicáveis ou curiosos, pistas dadas

por informantes ou fontes regulares, leitura de certas notícias ou observação da realidade.

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Dessa maneira, o grande benefício da prática do jornalismo investigativo estaria

relacionado ao aperfeiçoamento da democracia. Pois, o questionamento e os debates oriundos

das matérias contribuiriam para a manutenção da transparência e controle do poder.

No entanto, uma perversão da prática do jornalismo investigativo tem se mostrado

recorrente na imprensa de todo o mundo: o denuncismo. Pena (2006) considera essa prática

como decorrente da busca incessante dos repórteres de apresentarem furos. Nessa ânsia, os

jornalistas acabam antecipando o trabalho do judiciário e produzem julgamentos públicos, o

que não pode ser considerado como jornalismo investigativo, porque esse se distingue pela

pesquisa. Segundo esse estudioso, no caso do denuncismo,

Na maioria das vezes, as reportagens apenas reproduzem declarações de pessoas interessadas nas denúncias e se escondem em uma pretensa objetividade, ouvindo a defesa dos acusados. Só que a denúncia toma corpo e, mesmo que as investigações revelem que ela é mentirosa, a informação continua no imaginário público. Por isso, é bom deixar claro: jornalismo investigativo não se baseia em denuncias, apenas começa com elas. A base mesmo é uma sólida pesquisa por parte do repórter. (PENA, 2006, p. 202. Grifo do autor).

Contudo, a prática do jornalismo investigativo configura-se como uma das explicações

para a recorrência dos escândalos políticos na atualidade.

Cabe destacar que a publicação de denúncias, independentemente de sua origem, seja

ela fruto de investigações empreendidas pela imprensa ou por outras instituições, aciona um

processo de accountability.

Accountability é um termo inglês, sem tradução exata para a língua portuguesa. Ele se

refere à obrigação dos membros de órgãos administrativos ou representativos de prestar

contas sobre suas ações às instâncias controladoras ou aos seus representados.

Nas democracias, a accountability é entendida como uma forma de controle, que

asseguraria o manejo responsável dos assuntos públicos. Ela está intimanente relacionada à

idéia de governo representativo, na medida em que nesse tipo de governo o poder político está

vinculado à vontade da sociedade civil, tornando-se necessário aqueles que o exercem

legitimá-lo perante o povo. (PERUZZOTTI, 2008).

Além disso, a accountability é um conceito ético, recorrentemente utilizado em

ocasiões que demandam responsabilidade social, imputabilidade, obrigações e prestação de

contas, sendo que sua aplicação é fundamental para a qualificação da democracia moderna.

(MAIA, 2004).

Nesse sentido, a accountability configura-se como um requisito para que o

representantes públicos respondam às demandas de seus representados e aceitem certa

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responsabilidade por falhas ou falta de competência na gestão pública. Afinal, essa é a forma

dos governantes legimarem seus postos nas democracias representativas.

No contexto do Estado democrático, o processo central da accountability se dá entre os cidadãos e os ocupantes dos cargos públicos, dentre e entre as fileiras hierárquicas dos representantes oficiais, entre os políticos eleitos e os representantes das instituições burocráticas. Implica, grosso modo, em direitos de autoridade, através da interação e da troca social. Aquele que demanda accountability, por um lado, exige respostas e justificações, enquanto aquele que se mantém accountable, por outro lado, aceita responsabilidades e dá explicações. (MAIA, 2004, p.3).

Na prática, a accountability se processa quando é requerido ao sujeito X dar

explicações sobre determinado assunto ao sujeito Y, obrigando que X preste conta de suas

atitudes passadas ou futuras a Y, a fim de justificá-las. Caso seja observada má-conduta de X,

ele poderá ser punido de alguma forma.

A accountability é distinguida, ainda, pela natureza do sujeito ou instituição que

requere o acionamento do processo de prestação de contas. Assim, tem-se accountability do

tipo horizontal e vertical. (O’DONNEL apud MOTA, 2006).

A accountability horizontal é acionada por órgãos do Estado que possuem poder e

capacidade legal para realizar ações de monitoramento e impor sanções criminais a ações

ilegais cometidas por outros órgãos do Estado ou agentes públicos. Dessa forma, pode-se

inferir que esse tipo de accountability seria acionado por instâncias de controle mútuo, ou

seja, a accountability horizontal equivaleria a um mecanismo de freios e contrapesos.

Já, a accountability vertical constitui-se por mecanismos institucionais que

possibilitam a sociedade civil exigir a prestação de contas dos agentes públicos. As eleições

livres e justas são consideradas como o principal mecanismo desse tipo de accountability, por

possibilitar aos eleitores permitir ou não que determinados sujeitos assumam o poder político.

A imprensa ao apresentar denúncia contra os órgãos ou agentes públicos – jornalismo

investigativo – ou ao questionar suas práticas, também aciona a accountability vertical, já que,

compelem os sujeitos citados a apresentar explicações publicamente.

Dessa forma, conclui-se que a deflagração do processo de accountability é inerente a

prática do jornalismo investigativo e, portanto, do próprio escândalo político, contribuindo,

assim, para a manutenção do governo accountable.

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CAPÍTULO 2 – O ESCÂNDALO POLÍTICO MIDIÁTICO RENAN C ALHEIROS

Neste capítulo privilegiou-se a abordagem dos elementos que contribuem para o

entendimento do objeto de estudo desta pesquisa: a cobertura do escândalo político Renan

Calheiros. Inicialmente, apresentou-se uma discussão sobre o conceito de escândalo político

orientada pela Teoria Social do Escândalo formulada por Thompson (2002).

Em seguida, buscou-se traçar a trajetória política de Renan Calheiros – desde os anos

1970, em que ele se tornou presidente do Diretório Acadêmico da área de Ciências Humanas

e Sociais da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), até o ano de 2008 – evidenciando

como suas relações políticas foram edificadas, para compreender como ele conseguiu articular

a maior base parlamentar já vista no Senado brasileiro.

Posteriormente, tornou-se pertinente esclarecer o que é o Senado Federal e explanar

sobre suas atribuições e competências no processo político, de modo a compreender qual era o

papel exercido por Renan e quais regras norteavam o exercício de seu cargo, afinal, o

escândalo que o envolveu tomou corpo durante o período em que ele presidia essa Casa.

Esta contextualização fez-se necessária porque o método escolhido para analisar as

narrativas jornalísticas neste trabalho – Análise do Discurso – demandava o conhecimento

prévio do contexto no qual o escândalo Renan Calheiros se inseria, haja vista, tal vertente de

análise compreende o discurso jornalístico como produto de um movimento de forças que é

exterior e anterior a ele, sendo que, para analisá-lo torna-se fundamental conhecer o seu

contexto. (BENETTI, 2007). Dessa maneira, considerou-se ao examinar o escândalo: as

instituições envolvidas, os fatos políticos antecedentes a ele, os sujeitos envolvidos e as

relações de poder existentes entre eles, tornando-se possível, assim, o desenvolvimento de

uma análise contextual das narrativas jornalísticas e a elaboração de inferências sobre o

posicionamento adotado pela imprensa na condução da accountability.

Finalmente, no último tópico deste capítulo, reconstituiu-se o escândalo Renan

Calheiros, tendo como base a cronologia dos principais fatos relativos a esse caso, elaboradas

pela Folha Online13, Estadão.com.br14 e Veja.com15

13 VEJA cronologia dos principais fatos da crise que atinge Renan. Folha Online. 04 dez. 2007. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u351137.shtml> Acesso em: 01 ago. 2008. 14 CASO Renan. Estado.com.br. 06 dez. 2007. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/interatividade/Multimidia/ShowEspeciais!destaque.action?destaque.idEspeciais=207> Acesso em: 01 ago. 2008. 15 RENAN fora do Senado. Veja.com. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/cronologia/index_linha.shtml#3> Acesso em: 01 ago. 2008.

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2.1 Conceito de Escândalo

Um escândalo, independente de suas peculiaridades – político, sexual, financeiro,

midiático – caracteriza-se como um acontecimento que envolve a transgressão de normas,

valores ou códigos morais que regulam as relações pessoais, os negócios, a política etc.

Para ser considerada escandalosa, a transgressão deve ainda ocupar uma espécie de

zona intermediária da indecência, isso quer dizer, que ela deve ser séria, o bastante, para

provocar desaprovação social, mas não deve chegar a ser considerada como um crime ignóbil.

Algumas transgressões são pequenas demais para se constituir em um escândalo, enquanto que outras podem ser demasiado sérias. É duvidoso, por exemplo, se uma pequena infração de tráfego (como uma multa por mau estacionamento) se constituiria em razão para um escândalo (embora alguém possa imaginar circunstâncias em que uma pequena ofensa desse tipo faça parte de uma ampla trama de um escândalo); por outro lado, hesitaríamos descrever um ato de genocídio como o Holocausto, ou no massacre levado a efeito pelo Khmer Vermelho, como um escândalo, pois o tamanho e o horror de tais calamidades excedem de muito o tipo de ofensa que normalmente associamos ao termo. (THOMPSON, 2002, p. 40-41).

Há de considerar que valores, normas e códigos morais são conceitos susceptíveis a

mudanças de acordo com o contexto sócio-histórico, moral e cultural. Então, o que pode ser

considerado como um escândalo para um grupo de indivíduos de determinada sociedade, não,

necessariamente, será considerado por outros indivíduos de outras sociedades. Contudo,

Thompson (2002) pondera que, habitualmente, a violação dos códigos morais que regem a

conduta nas relações sexuais, assim como, a infração das normas que governam as transações

financeiras e a administração pública têm maior propensão de gerarem um escândalo.

Do mesmo modo, certos sujeitos envolvidos em contravenções têm mais chances do

que outros de tornarem-se personagens dos escândalos. Thompson (2002) avalia que apesar

de todos os cidadãos serem formalmente iguais diante das leis, nem todos os contraventores

são julgados da mesma maneira no “tribunal do escândalo”. As pessoas que possuem mais

visibilidade, em função de suas posições, opiniões, realizações e responsabilidades, estão mais

vulneráveis aos escândalos, justamente, por estarem mais expostas publicamente. Assim,

talvez não fosse motivo de escândalo, por exemplo, a descoberta de que um pequeno

pecuarista comercializa seu gado sem apresentar notas ficais. Enquanto, um sujeito como

Renan Calheiros – senador, grande fazendeiro –, poderia protagonizar um escândalo por causa

desse mesmo motivo.

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Pessoas que, em virtude de suas posições ou afiliações, defendem ou representam determinados valores e crenças (tais como os defendidos por uma organização religiosa ou partido político), são especialmente vulneráveis ao escândalo, pois elas correm o risco que seu comportamento privado possa ser visto como inconsistente com valores e crenças que elas publicamente defendem. Muitos escândalos envolvem um elemento de hipocrisia – não apenas a transgressão de normas, mas a transgressão de normas por pessoas cuja prática não corresponde ao que elas (ou suas organizações) pregam para si mesmas e para outros. (THOMPSON, 2002, p. 42).

Nesse sentido, o próprio Thompson (2008) alerta, ao tratar da transformação da

visibilidade com o advento dos modernos meios de comunicação de massa, que a ampla

visibilidade proporcionada por esses meios pode ser qualificada como “uma faca de dois

gumes”, por possibilitar aos líderes políticos, por exemplo, a oportunidade de exporem-se

publicamente para um número de reais ou potenciais eleitores enormemente maior do que

seria possível durante uma assembléia tradicional que depende da co-presença dos sujeitos; ao

mesmo tempo em que dificulta a administração da visibilidade deles, na medida em que há

mais sujeitos e instituições – como a imprensa – observando-os, aumentando, por

conseqüência, seus riscos de cometer gafes e suas chances de figurarem um escândalo.

Até agora se relacionou os escândalos aos atos de transgressão, porém, de acordo com

Thompson (2002), para que as transgressões desencadeiem um escândalo é fundamental que

elas ultrapassem a esfera do segredo, ou seja, tornem-se conhecidas por indivíduos não

envolvidos a elas. Se somente os indivíduos praticantes das infrações tiverem conhecimento

sobre elas, tais atos não se tornarão públicos e, portanto, não se transformarão em escândalos,

pois os sujeitos que atuam de forma irregular costumam manter segredo dessa situação para

evitar serem denunciados, constrangidos a apresentar explicações sobre suas condutas a

determinadas pessoas e instituições, humilhados publicamente devido às descobertas de suas

contravenções e, por fim, coagidos a abandonar tais práticas e sujeitados as punições devidas.

Logo, a existência de um escândalo pressupõe que as transgressões cometidas por

certos indivíduos retiraram-se da esfera do segredo e aportaram-se na esfera de visibilidade

pública, sendo que as “atividades que permanecem invisíveis a não-participantes não podem,

ipso facto, ser escandalosas.” (THOMPSON, 2002, p. 46).

Cabe ressaltar que tal formulação aproxima-se muito da conceituação de “escândalo

público” elaborada por Bobbio em meados da década de 1980:

O momento em que nasce o escândalo é o momento em que se torna público um ato ou uma série de atos até então mantidos em segredo ou ocultos, na medida em que não podiam ser tornados públicos pois, caso o fossem, aquele ato ou aquela série de atos não poderiam ser concretizados. (BOBBIO,1996, p.91).

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Além disso, para que a situação de escândalo se estabeleça, as pessoas não-

participantes das transgressões que tiveram conhecimento de sua prática devem considerá-las

moralmente vergonhosas, o suficiente, para demonstrarem sua indignação sobre suas

descobertas a outras pessoas.

Dotadas de publicidade, as transgressões precisam ainda provocar respostas de

desaprovação por parte de seu público, porquanto, segundo a teoria formulada por Thompson

(2002), um escândalo não é constituído somente pelas transgressões, mas também, pela fala

dos sujeitos em resposta a elas. Apesar das respostas formuladas pelo público serem

extremamente variadas, elas têm em comum o que Thompson (2002, p. 48) denominou de

“discurso infamante”. Esse tipo de discurso caracteriza-se como um “discurso moralizador,

que censura e reprova, repreende e condena, que expressa a desaprovação das ações e dos

indivíduos. (...) É um discurso que pode estigmatizar”e, por esse motivo, pode colocar em

risco as reputações dos indivíduos envolvidos nos escândalos.

Assim, pode-se dizer, sinteticamente, que um escândalo, em concordância com a

Teoria Social do Escândalo desenvolvida por Thompson (2002), pode ser entendido como

uma ação ou um acontecimento que envolve algum tipo de transgressão que tornou-se

conhecida de sujeitos que não participaram dela e que a julgam moralmente condenável e, por

isso, produzem respostas públicas a seu respeito, ou, nas palavras de Bobbio (1986, p.86):

“suscitam aquela perturbação da opinião pública”.

A definição de escândalo elaborada por Thompson (2002) pode ser enriquecida ainda

pela perspectiva apresentada por Sánchez (1994) acerca dessa temática. Em seus estudos esse

cientista político assinalou que a palavra escândalo além de ser empregada para qualificar os

atos de transgressão em si, considerados “escandalosos”, também aludia à reação social de

desaprovação provocada por eles. Para ele, a reação da opinião pública contra um agente

político, acusado de abusar das prerrogativas oriundas do exercício de suas funções ou de trair

a confiança da sociedade, consistiria em uma tentativa de estigmatizar tal agente, atribuindo a

ele uma nova identidade, cujo status moral é inferior, sendo que, essa perspectiva é

comparável ao que Thompson (2002) chama de “discurso infamante”.

Embora haja similaridades entre a concepção de escândalo de Sánchez (1994) e

Thompson (2002), o cientista político acrescenta a idéia de que a desaprovação social poderia

ser compreendida também como uma forma de controle, pela qual a sociedade regula o seu

comportamento e de seus membros16.

16 Essa idéia parece estar implícita no texto de Thompson (2002), apesar, dele não a dizer de forma explícita. Esse autor defende que a existência e a recorrência dos escândalos políticos na contemporaneidade estão

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O termo “escândalo” é empregado na linguagem cotidiana com duas acepções diferentes. Por um lado, ele é utilizado para qualificar determinadas condutas desviantes da norma. Por outro lado, com o termo “escândalo” nos referimos também a reação social provocada pelo conhecimento público de uma conduta qualificada como imprópria. Assim, por exemplo, a expressão “o escândalo do financiamento ilegal dos partidos” pode ser utilizada para se referir tanto as práticas de financiamento ilegal como a indignação social produzida pelo conhecimento público de tais práticas. Neste segundo sentido, o escândalo como reação pública negativa a uma transgressão constitui-se em uma forma de controle social, ou seja, um dos meios através dos quais uma sociedade regula a si mesma e coordena o comportamento de seus membros. (SÁNCHEZ, 1994, p. 9-10. Tradução nossa).17

Dizer que as transgressões, ao se tornarem públicas, podem provocar a sua regulação,

equivale a afirmar que as descobertas de transgressões relacionadas ao setor público acionam

o processo de accountability, na medida em que sugerem o constrangimento dos sujeitos

acusados de transgredir determinadas normas a se explicarem publicamente, provocando um

processo de acareações por parte das instituições responsáveis pelo controle dos negócios

públicos, que, por sua vez, detêm o poder de regularizar as situações que desviam das normas

e punir os sujeitos responsáveis por tais desvios.

Além disso, segundo a ótica de Sánchez (1994), a desaprovação social das atitudes de

um político tem como conseqüência o enfraquecimento de sua confiabilidade, sendo que, a

questão da confiança é de suma importância no contexto das democracias liberais, já que a

autoridade política é exercida por representantes, escolhidos pelo povo em eleições

periódicas. Portanto, a estigmatização de um político, como “corrupto” ou “não digno de

confiança”, pela sociedade pode levá-la a não autorizar a renovação de seu mandato na

ocasião das eleições que, por seu turno, funcionaria como um dispositivo de controle social.

Assim, de acordo com a perspectiva apresentada, conclui-se que a existência dos

escândalos está, diretamente, relacionada à condição de visibilidade que, por sua vez, pode

ocasionar um processo de accountability e geração de respostas sociais capazes de controlar e

regular o comportamento dos transgressores.

relacionadas ao fato de que nas democracias liberais é permitida a publicização dos desvios dos homens públicos, o que possibilita a eclosão dos escândalos. Esse tipo de regime garante a liberdade de expressão e, por conseqüência, a liberdade de imprensa, sendo que, a liberdade dessa última é garantida para que ela possa atuar como um cão de guarda do Estado, para defender a sociedade dos abusos de poder, ou seja, para controlá-lo. 17 “El término “escándalo” aparece en el lenguaje natural con dos usos diferentes. Por un lado, se utiliza para calificar determinadas conductas desviadas de la norma. (...) Por otro lado, con el término “escândalo” nos referimos también a la reacción social que provoca el conocimiento público de la comisión de una conducta a la que se califica de desviada. Así, por ejemplo, la expresión “el escándalo de la financiación ilegal de los partidos” puede utilizarse para referirse tanto a las prácticas de la financiación ilegal como a la indignación social que produce el conocimiento público de tales prácticas. En este segundo sentido, el escándalo como reacción pública negativa hacia la desviación constituiría una forma de control social, es decir, uno de los medios a través de los cuales una sociedad se regula a si misma y coordina el comportamiento de sus miembros.”

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2.1.1 Conceito de Escândalo Midiático

Após ter-se versado sobre o que se entende por escândalo, fez-se pertinente tratar do

conceito de escândalo midiático. Segundo Thompson (2002, 91), os escândalos midiáticos

caracterizam-se por terem sua estrutura temporal e seqüencial moldada pelas práticas

operacionais da mídia e de outras organizações, como as ligadas aos poderes judiciário e

legislativo.

Assim, esse tipo de escândalo é constituído à medida que a imprensa realiza a

cobertura do processo desencadeado pela descoberta de determinadas contravenções e abre

espaço para discuti-las, construindo um “discurso infamante” e, por vezes, estigmatizante a

respeito dos sujeitos e entidades envolvidas no caso.

A relação entre mídia e escândalo também é abordada por Luhmann (2005), que

considera que os escândalos, independentemente de sua natureza, são fenômenos que podem

se desenvolver devido à exposição midiática de transgressões remetidas a certos sujeitos,

sendo que, a própria maneira como esses escândalos são comentados na mídia podem gerar

novos escândalos que, por seu turno, podem produzir um sentimento geral de que todos foram

atingidos por eles e se sentem indignados com isso, ademais, a mídia pode edificar um

discurso, no qual apresenta um julgamento que contribui para a manutenção e reprodução da

moral18.

Dessa maneira, o pensamento de Luhmann (2005) contribui para a compreensão do

pensamento de Thompson (2002, p. 91), que acredita que “a apresentação através da mídia, e

o comentário na mídia, não são características secundárias ou acidentais dessas formas

de escândalo: elas são partes constitutivas deles.”

Thompson (2002) aponta também que escândalos midiáticos podem ser distinguidos,

geralmente, por serem constituídos de transgressões de primeira e segunda ordem, ou seja, de

comportarem mais de uma transgressão. Isso costuma acontecer porque os sujeitos envolvidos

nos escândalos podem defender-se negando as acusações ou apresentando uma argumentação

alternativa a elas, mas, posteriormente, prova-se que as acusações eram verídicas, com isso, o

18 Para Luhmann (2005, p. 63), “a idéia de moral e de sua renovação contínua ocorre com o apoio de casos espetaculares – na apresentação dos patifes, vítimas e heróis que realizam aquilo que estava além do exigível.”. Contudo, esse estudioso alerta que apesar de os meios de comunicação atuarem para manter e reproduzir a moral, eles não devem ser entendidos como entidades capazes de fixar bases éticas, pois, para ele, não há nenhuma instância na sociedade moderna capaz de cumprir essa missão.

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escândalo passa a ser composto também pela mentira contada, como foi o caso de Renan

Calheiros.

Renan, inicialmente, foi acusado de receber ajuda financeira por meio de Cláudio

Gontijo – lobista da construtora Mendes Júnior – que pagaria o aluguel e a pensão alimentícia

à representante legal de sua filha, a jornalista Mônica Veloso. Ao tentar provar sua inocência,

ele apresentou documentos que comprovariam que suas fontes de renda eram suficientes para

arcar com suas despesas pessoais.

No entanto, a análise dos documentos revelou uma série de irregularidades, que além

de ter enfraquecido sua defesa, por não terem comprovado a existência dos tais rendimentos,

chamou a atenção para outra questão: sua evolução patrimonial era incompatível com a sua

declaração de renda.

Dessa forma, o escândalo protagonizado por Renan passou a ser composto pela

acusação de corrupção – transgressão de primeira ordem – e pela mentira contada por ele em

relação a sua renda – transgressão de segunda ordem.

Nesse caso, percebe-se a tentativa de Renan em manter em segredo suas ações, de

recorrer à dissimulação como uma arma do exercício do poder, mesmo diante de “toda a

obsessão de transparência da prática política na contemporaneidade.” (CASTRO, 1997,

p.204) e dos holofotes da mídia.

Segundo Sánchez (1994), a “defesa” seria uma das etapas de um escândalo, ocupante

do lugar posterior ao da publicização das informações sobre determinadas infrações. Ele

postula que as estratégias da defesa podem ir desde a negação das acusações até o

questionamento da confiabilidade do(s) autor(es) das denúncias. Para ele, as estratégias da

defesa também podem ser as seguintes:

- Atacar a legitimidade da maneira que as declarações foram feitas, sem considerar sua verdade ou falsidade. - Estratégia das “maçãs podres”: negar que a corrupção seja generalizada no âmbito da organização, na qual os acusados estão vinculados, em troca de admitir a corrupção individual deles. - O controle da informação. Isto nem sempre é possível, sobretudo se o escândalo tiver alcançado grandes proporções. Se não pode-se detê-lo e aparecem novas revelações, o papel dos denunciantes se fortalece (ganham crédito), enquanto a função dos defensores torna-se muito mais difícil. (SÁNCHEZ, 1994, p. 27. Tradução nossa).19

19 - Atacar la legitimidad del modo en que se hicieron las revelaciones sin entrar a considerar su verdad o falsedad. - Estrategia de las “manzanas podridas”: negar que la corrupción este generalizada en el ámbito de la organización a la que estén vinculados los acusados a cambio de admitir la corrupción individual de éstos.

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Os escândalos midiáticos caracterizam-se, também, por usufruírem de uma

publicidade midiática, o que implica dizer que eles se desenrolam, ao menos em parte, por

meio de formas midiáticas de comunicação, assim, “as ações ou acontecimentos que estão no

centro dos escândalos midiáticos se tornam visíveis aos outros que não estão presentes no

tempo e local de sua ocorrência, podendo estar localizados em lugares espacialmente

distantes.” (THOMPSON, 2002, p. 92).

Logo, nesse tipo de escândalo, as ações e acontecimentos que o desencadeiam são,

normalmente, revelados, à maior parte das pessoas, por formas de comunicação midiática,

assim como, a expressão de desaprovação provocada por eles.

São as manchetes de jornais, a presença de avaliações negativas na imprensa, as críticas e por vezes as humilhantes caricaturas das pessoas cujas ações (reais ou supostas) são o objeto de reprovação: é a apresentação repetida desses atos midiáticos de comunicação que gera o clima de desaprovação característicos dos escândalos midiáticos. (THOMPSON, 2002, p. 97).

No entanto, Thompson (2002) pondera que o clima midiático de desaprovação, não

necessariamente, corresponde à opinião pública, sendo que, a apresentação de juízos

negativos pela imprensa pode apresentar-se como um discurso auto-referente.

A última característica dos escândalos midiáticos citada por Thompson (2002) refere-

se à questão do referencial espaço-temporal. Como esse tipo de escândalo se desenvolve nos

meios de comunicação, torna-se possível que as informações sobre ele sejam transmitidas a

sujeitos situados em diversos locais, por isso, os escândalos midiáticos podem, facilmente,

transformarem-se em acontecimentos nacionais e, até mesmo, globais.

Ao analisar os escândalos midiáticos Thompson (2002) conseguiu observar, ainda, que

eles costumam ser marcados pelos ritmos das organizações da mídia – padrões de publicação

e difusão – e desenrolam-se de uma maneira previsível, podendo determinar uma estrutura

seqüencial comum entre eles – pré-escândalo, escândalo, clímax e pós-escândalo

(conseqüências). Contudo, a elucidação de tais fases foi feita no terceiro capítulo, no qual se

buscou, além da caracterização de tais fases, mostrar, empiricamente, sua ocorrência ao

reconstituir o escândalo Renan Calheiros.

- El control de la información. Esto no es siempre posible, sobre todo si el escándalo está alcanzando grandes proporciones. Si no se puede detener y aparecen nuevas revelaciones, el papel de los denunciantes se refuerza (ganan crédito), mientras que el de los defensores se hace mucho más difícil.

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2.1.2 Conceito de Escândalo Político Midiático

Os escândalos políticos midiáticos têm a peculiaridade de os sujeitos transgressores

serem líderes ou figuras políticas – um líder, ou aspirante a líder, um funcionário eleito ou

designado etc. (THOMPSON, 2002).

Todavia, de acordo com Markovits e Silverstein20, citados por Thompson (2002), um

escândalo não poderia ser qualificado como político somente pelo status dos sujeitos

envolvidos. O que diferencia um escândalo político de outros tipos de escândalos é a natureza

das transgressões, que devem implicar, necessariamente, uma violação de um processo

devido, entendido como as regras e procedimentos legalmente obrigatórios que regem o

exercício do poder político. Tais regras devem ser públicas e universais e devem também

definir o jogo político como uma forma aberta e acessível, em contraste com o exercício do

poder, que, muitas vezes, é realizado de forma privada, excluindo o público. Dessa forma, o

escândalo político poderia surgir quando a lógica do processo devido fosse violada.

Assim, segundo a perspectiva de Markovits e Silverstein, os escândalos que envolvem

sujeitos políticos, mas não estão relacionados ao abuso do poder político, não poderiam ser

considerados como escândalos políticos.

Thompson (2002, p. 126) avalia como acertada a opção de Markovits e Silverstein em

posicionar os escândalos políticos dentro de um contexto institucional mais amplo, pois

“ajudam a mostrar que o escândalo não é um mero rastro na superfície da vida política, mas

está ligado e é sintoma de algumas das características estruturais mais importantes das

sociedades modernas”. Porém, ele acredita que essa qualificação seja muito restritiva, na

medida em que os fenômenos escandalosos envolvendo figuras políticas, mesmo quando não

são originados pela busca do poder à custa da infração das regras vigentes, podem ter

conseqüências no campo político, portanto, excluí-los da esfera dos escândalos políticos

poderia produzir uma explicação parcial e unilateral sobre eles. Por isso, Thompson (2002)

prefere adotar um enfoque mais flexível em sua caracterização dos escândalos políticos. Para

ele, os escândalos políticos de poder configuram-se como um dos tipos de escândalos, que

podem se basear, também, em transgressões sexuais ou irregularidades financeiras.

20 MARKOVITS, Andrei S.; SILVERSTEIN, Mark. Introduction: power and process in liberal democracies. In: MARKOVITS, Andrei S.; SILVERSTEIN, Mark (org.). The politics of scandal: power and process in liberal democracies. New York: Holmes & Méier, 1988.

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Para Thompson (2002) os escândalos sexuais na esfera política resultam da revelação

pública de atividades privadas de personalidades políticas, envolvendo a transgressão de

normas que governam as relações sexuais. Esses escândalos podem envolver ofensas sexuais

criminosas, mas, na grande maioria dos casos, não envolvem ofensas desse tipo. Por isso,

nesses escândalos, as infrações legais, comumente, estão relacionadas a contravenções de

segunda ordem.

Guareschi (2002) observa que dificilmente questões relativas à sexualidade chegaram

a se constituir como escândalos políticos no Brasil. Apesar disso, quando questões

relacionadas a esse tema são trazidas à tona, costumam ser feitas por adversários políticos em

tempos de campanha eleitoral, em uma tentativa de destruir a reputação dos opositores.

Já os escândalos político-financeiros, segundo Guareschi (2002), são mais comuns no

Brasil. Esses escândalos caracterizam-se pela revelação ou suspeita de ligações secretas entre

sujeitos ligados ao poder político – figuras ou funcionários públicos – e sujeitos ligados ao

poder econômico, que implicam na violação das normas que regulamentam a aquisição e o

uso do dinheiro e recursos financeiros. O episódio do caso Renan Calheiros, apresentado

sinteticamente acima no tópico 2.1.2, e analisado com mais detalhes no terceiro capítulo, se

enquadra nessa categoria de escândalo – Renan (senador) foi acusado de receber ajuda

financeira de Cláudio Gontijo (sujeito ligado ao poder econômico).

Por configurar-se pela transgressão de normas legais, é comum que as descobertas de

contravenções financeiras resultem na abertura de processos criminais contra os infratores e

na emersão de escândalos. Em sua pesquisa, Thompson (2002) distinguiu quatro formas de

escândalos político-financeiros distintos, que variavam dependendo do tipo de infração

envolvida, como se pode notar pela descrição a seguir:

Uma forma envolve a troca irregular de recursos econômicos (dinheiro, presentes, etc.) com o propósito de influenciar decisões ou resultados políticos – em outras palavras, suborno. Um segundo tipo envolve a apropriação irregular de fundos públicos, fraude, engano ou abuso da informação para proveito pessoal ou privado. Uma terceira forma envolve a existência de interesses financeiros privados, não declarados, que podem conflitar ou ser vistos como conflitantes com as obrigações e responsabilidades de um político. Um quarto tipo compreende vários tipos de corrupção e malversação eleitoral, incluindo o suborno de eleitores, influência ilegal nas eleições e a apropriação indevida de fundos de campanha. (THOMPSON, 2002, p. 198).

Nesse tipo de escândalo observa-se que há uma sobreposição dos interesses privados

aos interesses públicos, ou seja, nota-se a ocorrência da busca de vantagens financeiras por

certos sujeitos ligados ao poder em detrimento do bem comum.

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A sobreposição dos interesses privados aos interesses públicos também está no cerne

da idéia de corrupção que segundo, Rose-Acherman21 citada por Filgueiras (2008a), se

processa na interface dos setores públicos e privados, permitindo aos agentes políticos

maximizarem seus proventos mediante suborno ou propina, caracterizando-se como uma

infração das normas que regem as atividades ligadas ao setor público.

É interessante destacar que, segundo Filgueiras (2008b, p. 159), o sentido moderno da

palavra interesse remete à idéia de lucro ou benefícios obtidos por meio de transações

comerciais, que nas sociedades mercantis passou a ser considerado como algo valorativo,

sendo que, “o ocidente protestante criou a noção de que agir pelo interesse significa uma

atividade inocente, em que o ganhar dinheiro e o comércio se tornam centrais para conceber o

sentido da ação social.”

O interesse passou a ser também um elemento fundamental da política na

contemporaneidade em que, no entanto, o conceito de interesse envolveria mais seus aspectos

morais do que comerciais. Além disso, o conceito de interesse é basal a própria democracia,

que caracteriza-se por garantir aos indivíduos liberdade para seguir seus interesses –

comerciais, filosóficos, desejos e paixões etc.

Todavia, nem sempre a acepção de interesse foi a mesma, inclusive, esse termo só

passou a fazer parte da semântica política na modernidade. Na Grécia e Roma antiga, essa

palavra tinha um sentido negativo no universo político, em que era empregada para explicar o

fenômeno da corrupção.

Agir pelos interesses, para a filosofia grega e romana, não significava agir virtuosamente. Pelo contrário, agir pelos interesses representava os vícios da política que deveriam ser combatidos com a força do império da lei, visando à manutenção da ordem política. (...) Os interesses, que estariam relacionados a toda dimensão do mundo cotidiano da vida, estariam associados, para o mundo antigo, às idéias de paixões e desejos. (...) Como a ordem política deveria sempre perseguir o bem viver, a legitimidade seria construída apenas com a eliminação dos desejos e das paixões dos agentes políticos. Os antigos não admitiam a presença do mundo privado na política, porque as necessidades corrompem o poder político. (FILGUEIRAS, 2008b, 156-157).

Contudo, na contemporaneidade, o interesse é compreendido como um valor tanto

monetário, quanto moral. Assim, para pensar na corrupção faz-se necessário pensar nos

próprios elementos ligados à moralidade da política e à democracia como um regime de

interesses. (FILGUEIRAS, 2008b).

21 ROSE-ACKERMAN, Susan. Corruption and government: causes and consequencesm and reform. New York: Cambridge University Press, 1999.

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Um desses elementos pode ser a noção do patrimonialismo no Estado que, de acordo

com Domingues (2008), refere-se à exploração de cargos públicos por seus ocupantes –

governantes e funcionários –, cujos recursos não se distinguem em relação aos do Estado ou

são oriundos da exploração de tais cargos.

Segundo esse mesmo estudioso, nos países latino-americanos e no Brasil, o

patrimonialismo seria uma herança do período colonial. Nesse período, havia uma mistura

entre o tesouro do Estado espanhol e português, do rei e da nobreza – principais funcionários

do Estado –, que se acentuava pela dificuldade das metrópoles dos referidos países

controlarem seus prepostos na América.

Domingues (2008) ressalta que mesmo após a declaração de independência desses

países e a instituição do Estado Moderno, em que se estabeleceu a separação entre o público e

o privado, o patrimonialismo não se extinguiu completamente, tanto que fala-se até de um

neopatrimonialismo.

A esse respeito o autor destaca que embora o Estado seja o suporte principal para a

instalação do patrimonialismo, os agentes societários também são responsáveis pela

proliferação de sua prática. Afinal,

É na vinculação entre interesses privados, do indivíduo isolado que suborna o guarda de trânsito à grande empresa que se articula a parlamentares e ministérios, passando pelo financiamento de campanhas eleitorais, que as próprias posições e cargos estatais são tomados como objeto de posse privada de seus ocupantes. Não há inocência hoje da sociedade em relação a esse tema, não se trata de um Estado todo-poderoso que a vampiriza contra seu desejo, mas sim de um mecanismo que engaja vastas camadas da população, das empresas e diversas organizações, não obstante alguns se beneficiam com isso muito mais que outros. (DOMINGUES, 2008, p. 188).

Domingues (2008) lembra ainda que, originalmente, o patrimonialismo se dava de

forma explícita, contudo, na contemporaneidade esse tipo de prática passou a ser considerada

legalmente e moralmente condenável, uma vez que, nas democracias modernas estabeleceu-se

a separação entre o público e o privado, entre funcionários e governantes e os meios e

recursos da administração, por isso, a manifestação do patrimonialismo nos Estados

Modernos passou a dar-se de forma oculta.

Assim, ele conclui que a corrupção seria um elemento do neopatrimonialismo

contemporâneo que continua operando, mesmo sendo considerada irregular. Por conseqüência

disso, quando esse tipo de contravenção ganha visibilidade pública acaba se transformando

em um escândalo político.

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No entanto, não se deve confundir corrupção com escândalo político, porque nem todo

caso de corrupção se transforma em um escândalo dessa natureza, haja vista, que tal prática

pode dar-se de forma secreta e, como foi dito anteriormente, para transformar-se em um

escândalo é necessário que as ações ou atos de transgressão ganhem visibilidade pública e

gerem desaprovação social.

O terceiro e último tipo de escândalo definido por Thompson (2002) é o chamado

escândalo de poder. Para ele, esse tipo de escândalo pode ser definido como a forma mais

pura de escândalo político, por estar relacionado ao uso ilícito dos poderes políticos.

A edificação de um escândalo de poder resulta da “revelação das formas ocultas do

poder e os abusos de poder reais ou supostos que tinham, até então, sido ocultados por detrás

dos ambientes públicos em que o poder é exercido e dos procedimentos publicamente

reconhecidos através dos quais ele é exercido.” (THOMPSON, 2002, p. 240).

As formas ocultas de poder dentro do Estado eram práticas comuns nos estados

monárquicos tradicionais da Europa Medieval e do início da era moderna. Nessa época, os

negócios do Estado eram geridos dentro de círculos relativamente fechados, longe dos olhos

da maioria da população. Segundo Thompson (2008), os gestores do poder – reis, príncipes,

lordes – só apareciam diante dos súditos para afirmarem seus poderes publicamente e não

para tornar públicas as razões que balizavam suas decisões políticas.

No entanto, a democracia floresceu com a expectativa de limitar a invisibilidade do

poder, aumentar a participação popular nas gestões públicas, dar transparência ao exercício do

poder e restringir a doutrina do arcana imperii a assuntos considerados vitais para a segurança

e a estabilidade do estado. (THOMPSON, 2008).

Apesar disso, Bobbio (2006), constatou que os poderes ocultos continuaram atuando

no interior do Estado, afirmando que a democracia real em contraste com a ideal havia

falhado em seu objetivo de eliminar a ação dos poderes invisíveis. Por esse motivo, ele afirma

que o controle sobre o poder público ainda é uma necessidade e, por meio desses controles –

órgãos de controle da corrupção, imprensa – pode-se descobrir a existência de poderes

invisíveis atuando no interior dos poderes públicos, fazendo emergir os escândalos políticos

de poder.

Após definir-se o que se entende por escândalo, caracterizar os escândalos midiáticos

e diferenciar os tipos de escândalos políticos acredita-se que já se pode passar a tratar das

demandas mais específicas dessa pesquisa, assim, em seguida, se apresentará a figura de

Renan Calheiros.

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2.2 Renan Calheiros

José Renan de Vasconcelos Calheiros, natural do município de Murici22 (AL), nasceu

no dia 16 de setembro de 1955. Ele é o filho mais velho dos oito filhos de Olavo Calheiros

Novaes e Ivanilda Vasconcelos.

Renan Calheiros, como é conhecido, casou-se no final da década de 1970 com a artista

plástica Maria Verônica Rodrigues Calheiros, com quem tem três filhos: José Renan

Vasconcelos Calheiros Filho, Rodolfo Rodrigues Calheiros e Rodrigo Rodrigues Calheiros.

Renan também tem um filha com a jornalista Mônica Veloso, Maria Catharina Freitas

Vasconcelos Calheiros.

A família Calheiros ganhou notoriedade por sua trajetória na vida política, três deles

ocupam atualmente cargos no Congresso Nacional: Renan (PMDB-AL) é senador e Olavo

Calheiros Filho (PMDB-AL) e Renildo Vasconcelos Calheiros (PCdoB-PE) são deputados

federais. Olavo Calheiros Novaes, já falecido, foi vereador e prefeito de Murici, que também

foi governada por oito anos concecutivos (1998-2005) por seu filho Remi Vasconcelos

Calheiros (PMDB-AL), que foi sucedido, por Renanzinho (PMDB-AL) – como é chamado o

primogênito de Renan – que, inclusive, foi reeleito para o cargo de prefeito em 2008,

juntamente com seu tio Remi, eleito como vice-prefeito em sua chapa. E, Robson

Vasconcelos Calheiros, também, irmão de Renan, foi vereador (PRB-AL) na capital alagoana,

Maceió, durante a gestão 2002-2005.

O status conquistado pela família Calheiros destoa de sua origem humilde. Em uma

reportagem publicada pela Folha de S. Paulo, no dia 7 de janeiro de 2005, intitulada como

“Clã dos Calheiros prospera com entrada na vida política”, a jornalista Cátia Seabra relatou as

dificuldades enfrentadas por Renan durante o período em que viveu em Maceió para realizar

seus estudos. Segundo a jornalista, para custear o quartinho em que vivia e a sua alimentação

Renan vendia sandálias confeccionadas por ele mesmo, feitas com restos de pneus.

Mas, a despeito dos obstáculos impostos pela pobreza, Renan, Olavo Filho e Renildo

freqüentaram a universidade. O primeiro graduou-se em direito pela Universidade Federal de

Alagoas (UFAL) em 1982, o segundo em agronomia pela Universidade Federal da Paraíba

(UFPB) e, o terceiro em geologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), os dois

últimos no ano de 1979. Neste ínterim, cabe destacar que o período da graduação foi

22 A cidade de Murici localiza-se na mesorregião leste de Alagoas e na microrregião geográfica da zona da mata, a 48 km da capital Maceió.

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determinante para a carreira política dos três irmãos Calheiros, pois o envolvimento de cada

um deles com a política iniciou-se nessa fase.

Renan, o mais ilustre dos irmãos Calheiros, ingressou na política nos anos 1970.

Conforme informações contidas em seu site23, Renan atuou no movimento estudantil, foi

eleito presidente do Diretório Acadêmico da área de Ciências Humanas e Sociais da UFAL,

deputado estadual na gestão 1979-1983, deputado federal nas gestões 1983-1987, 1987-1991

e conquistou dois mandatos de senador federal –1995-2003 e 2003-2011 – e a presidência do

senado nas gestões 2005-2007 e 2007-2009.

Quando conquistou seu primeiro mandado, como deputado estadual por Alagoas pelo

MDB (Movimento Democrático Brasiliero) – partido de oposição ao regime militar –, Renan

ainda era discente do curso de direito. Nessa época a capital alagoana era governada por

Fernando Affonso Collor de Melo do partido ARENA (Aliança Renovadora Nacional), que

sofria forte oposição do MDB e, conseqüentemente, do próprio Renan, que se notabilizou por

ter proferido um contundente discurso contra Collor, alcunhando-o de “príncipe herdeiro da

corrupção”.

Assim, mesmo com a pouca idade e experiência política, ele conseguiu se destacar e

tornou-se líder do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) na Assembléia

Legislativa do seu Estado (1980-1981). Com o fim do bipartidarismo24, Renan migrou para

esse partido, legatário do MDB.

Em 1982, Renan tornou-se deputado federal por Alagoas, sendo por esse motivo

obrigado a mudar-se para Brasília.

Em 1985, participou de uma disputa dentro do PMDB para a escolha do candidato

lançado por esse partido à prefeitura de Maceió. Renan foi vencido por Djalma Falcão, mas,

com apoio do usineiro João Lyra25, Renan passou a presidir o PMDB em sua região.

Segundo Valença (2008), as relações de Renan com João Lyra tornaram-se mais fortes

durante as eleições de 1986, já que o usineiro apoiou a sua (re)candidatura ao cargo de

deputado federal. (Re)eleito com 54.888 votos, Renan foi o candidato do PMDB a receber o

maior número de sulfrágios no seu estado e o segundo maior no país, tornando-se um dos

peemedebistas mais fortes do Brasil. Em Brasilia, Renan foi conduzido pela bancada do 23 http://www.senado.gov.br/renan/bio.htm 24 Em 1965, ano seguinte ao do golpe militar que instituiu a ditadura no Brasil, o sistema pluripartidarista foi suspenso e adotou-se o bipartidarismo por meio do Ato Institucional n° 2, regulamentado pelo Ato Complementar n° 4. A suspensão do pluripartidarismo tinha como objetivo fortalecer o Poder Executivo, em detrimento do Poder Legislativo. Ademais com o bipartidarismo foi possível criar uma legenda de apoio ao governo forte sob o ponto de vista político. 25 Aqui cabe destacar que João Lyra tornará a atuar na vida de Renan durante o escândalo deflagrado contra ele no ano de 2007.

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PMDB à vice-liderança do partido durante o biênio 1986-1987. Nesse pleito foi eleito

também com o apoio de João Lyra, o governador do estado de Alagoas, Fernando Collor,

antigo desafeto de Renan.

Na eleição realizada no ano de 1989, Renan uniu-se a Collor, assumindo a assessoria

de sua candidatura à presidência da República. Questionado a respeito de sua aproximação

com o candidato, Renan respondeu: “apesar de adversários no passado, sempre fomos

amigos” e ambos diziam ter o intento de “derrotar as oligarquias”. (VALENÇA, 2008).

Collor venceu a eleição presidencial em segundo turno, em 17 de dezembro de 1989,

derrotando o seu adversário, Luís Inácio Lula da Silva (PT – Partido dos Trabalhadores). Com

a subida de Collor, em 1990, Renan ganhou visibilidade nacional. (VALENÇA, 2008).

Em 1990, Renan candidatou-se ao governo de Alagoas. Durante o período eleitoral

Renan acusou seu principal adversário, o deputado federal Geraldo Bulhões, de abusar do

poder econômico, por oferecer vantagens financeiras aos deputados estaduais em troca de

apoio a sua candidatura. Apesar da gravidade das denúncias e a repercussão que elas tiveram,

as pesquisas eleitorais continuaram a indicar o crescimento de Bulhões, que acabou vencendo

Renan, que resolveu denunciar publicamente o governador eleito de fraudar as eleições. Isso

fez com que suas relações com o Presidente da República fossem estremecidas, pois o

tesoureiro da campanha do seu opositor, Paulo César Farias (conhecido como PC Farias), era

amigo de Collor e havia exercido a mesma função em sua campanha à presidência. Renan

indignou-se com a omissão de Collor diante das acusações de fraude no processo eleitoral e

rompeu com ele, acusando-o de traição. Sob o discurso da decência e da democracia, aliou-se

ao ex-presidente Sarney e a Jader Barbalho (PMDB-PA), ao lado de quem denunciou a

incompetência do atual governo. (VALENÇA, 2008).

Durante o ano de 1992 foi instaurada uma grande crise política no país, fomentada

pelas denúncias tecidas por Pedro Collor de Melo contra seu irmão, o Presidente Fernando

Collor. Essa crise culminou com o a renúncia de Collor, no dia 29 de dezembro de 1992. Com

isso, o vice-presidente, o mineiro Itamar Franco, assumiu efetivamente a presidência. Durante

o governo de Itamar, Renan assumiu o cargo de vice-presidente da estatal Petroquisa.

Nas eleições de 1994, Renan candidatou-se ao Senado Federal26 e venceu a disputa

com cerca de 240 mil votos, que equivalem a 23,96% dos votos válidos do Estado de

Alagoas.

26 No tópico seguinte buscar-se-á descrever inicialmente o que é o Senado e, em seguida, tratar-se-á de determinadas regras que devem reger a conduta dos senadores, para que se possa entender os motivos que levaram a abertura do processo de cassação por quebra de decoro parlamentar contra Renan.

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Em abril de 1998, Renan foi empossado pelo então presidente, Fernando Henrique

Cardoso, como Ministro da Justiça, continuando nesta pasta após a reeleição de FHC, até

julho de 1999. Já em 2001, Renan assumiu a liderança do PMDB no Senado e integrou o

comando nacional do partido.

Em 2002, ano eleitoral, Renan elegeu-se novamente senador, obtendo a maior votação

proporcional de todo o país, recebeu 815.136 votos, que representaram 64% dos votos de

Alagoas. Nessa eleição, ele apoiou o candidato governista José Serra (PSDB – Partido da

Social Democracia Brasileira) à Presidência da República, mas, com a vitória de Luís Inácio

Lula da Silva (PT), o PMDB juntamente com Renan resolveram apoiar o novo presidente.

Em 2005, Renan foi indicado pelo PMDB para a eleição à presidência do Senado

durante o biênio 2005-2007. De acordo com o jornalista Felipe Recondo, em uma matéria

publicada no dia 14 de fevereiro de 2005, na Folha Online, intitulada “Candidato único,

Renan Calheiros é eleito presidente do Senado”, Renan havia sido o único candidato ao cargo,

obtendo apoio do Presidente Lula e até mesmo das bancadas de oposição, sendo eleito com 73

votos contra quatro.

Nesse mesmo ano, Renan foi considerado pelo Departamento Intersindical de

Assessoria Parlamentar (DIAP) como o político mais influente entre todos os parlamentares

brasileiros, conforme informações contidas em seu site27.

Na eleição para a presidência do Senado do biênio 2007-2009 o Presidente Lula,

recém reeleito, decidiu apoiar à candidatura de Renan, fortalecendo a ala peemedebista do

governo, que continuou a formar a maior bancada do Senado e, portanto, de suma importância

para a gestão do seu governo. Afinal, como ressaltou Busse (2007), Renan tinha um papel

importante na manutenção da maior base parlamentar que um governo brasileiro já teve.

Essa eleição, no entanto, não foi tão tranqüila quanto a de 2005. O então presidente da

Casa, Renan Calheiros, candidatou-se novamente ao cargo tendo como concorrente José

Agripino Maia (RN), líder do PFL na Casa.

Contudo, Renan conseguiu reunir ao seu favor o apoio do Presidente Lula, a bancada

do seu partido PMDB (20 parlamentares), inclusive dos senadores que não simpatizavam com

a aliança PMDB/PT, como foi o caso de Joaquim Roriz (PMDB-DF) e Geraldo Mesquita

(PMDB-AC) e da bancada do PT (11 senadores). Conseguiu, também, o apoio de seu antigo

inimigo político, o recém eleito senador Fernando Collor de Mello (PRTB – Partido

Renovador Trabalhista Brasileiro).

27 PERFIL bibliográfico. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/renan/bio.htm> Acesso em: 06 ago. 2008.

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Renan buscou, também, o apoio dos governadores do PMDB, que tinham forte

influência sobre os senadores dos seus estados. Nesse sentido, Sérgio Cabral (PMDB),

governador do Rio de Janeiro, manifestou seu apoio a Renan, afirmando em declaração à

jornalista Gabriela Guerreiro28, que os três senadores do Rio apoiariam Renan – Marcelo

Crivella (PRB – Partido Republicano Brasileiro), Francisco Dornelles (PP – Partido

Progressista) e Regis Fichtner (PMDB), que na ocasião era chefe de gabinete de Cabral, seria

exonerado do cargo para votar em Renan, retornando ao seu posto após a eleição.

Como efeito das alianças firmadas por Renan, ele se reelegeu por mais dois anos a

frente do Senado Federal, vencendo José Agripino por 51 votos a 28.

Em sua segunda gestão como presidente do Senado, Renan protagonizou um

escândalo político29, considerado como a maior crise enfrentada por essa instituição. Renan

foi levado a julgamento, em setembro de 2007, sob a penalidade de perda de mandato, por

quebra de decoro parlamentar. Todavia, foi absolvido das acusações por seus pares no

Senado. Mais tarde, em dezembro de 2007, renunciou ao seu cargo de presidente e continuou

a atuar como senador.

A análise da trajetória política de Renan revelou que ele conseguiu edificar ao redor de

si profícuas relações que lhe permitiram permanecer no cenário político desde o ano de 1978,

além de garantirem a ele, mesmo depois do escândalo de 2007, estar entre os 100

parlamentares mais influentes do Brasil. Segundo a jornalista Adriana Mendes, em matéria

para o Globo Online, intitulada “Diap30 divulga a lista dos 'cabeças' do Congresso”, publicada

no dia 4 de setembro de 2008, Renan foi o único parlamentar alagoano e um dos poucos do

Nordeste a ser apontado como um dos “Cabeças” do Congresso, pela lista do DIAP publicada

neste mesmo dia.

Corrobora, ainda, para aferir o prestígio no universo político, a informação publicada

pelo jornal Correio Brasiliense, no dia 7 de setembro de 2008, em uma reportagem assinada

pelo jornalista Leandro Colon, intitulada de “PMDB articula volta de Renan”, relatou-se que

estavam sendo empreendidas manobras dentro da bancada do PMDB no Senado para

reconduzir Renan à liderança da legenda dentro da Casa.

Isso evidencia que Renan ainda detém uma considerável força política e demonstra a

sua centralidade no jogo político brasileiro.

28 GUERREIRO, Gabriela. Sérgio Cabral manifesta apoio à candidatura de Renan Calheiros no Senado. Folha Online, Brasília, 29 jan. 2007a. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u89026.shtml> Acesso em: 20 ago. 2008. 29 No tópico 2.3 apresentar-se-á a cronologia deste escândalo e no terceiro capítulo tratar-se-á detidamente das fases que o compuseram. 30 DIAP (Departamento Intersindical Assessoria Parlamentar).

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2.3 Senado Federal

De acordo com informações obtidas no site do Senado31, o Senado Federal do Brasil

foi criado no ano de 1824, concomitantemente com a outorgação da primeira Constituição

Política do Império, elaborada por ocasião da declaração de independência do Brasil de seu

colonizador, Portugal.

Essa Constituição ratificou a adoção do regime monárquico centralista e hereditário e

estabeleceu a divisão dos poderes em Executivo (Imperador e seus ministros), Judicial (juízes

e jurados), Moderador (do Imperador) e Poder Legislativo que ficou sob a responsabilidade da

Assembléia-Geral, composta pelo Senado e Câmara dos Deputados, sob a jurisdição do

Imperador.

Como não poderia deixar de ser, o Senado brasileiro possui suas raízes fundadas em

Roma, onde a palavra “Senado” – do latim senatu, quer dizer assembléia de velhos (senex) –

foi originalmente empregada para designar a assembléia que concentrava a maior força

política do Estado romano, durante o seu período republicano (509 a 27 a.C) e, cuja função

era assessorar e fiscalizar a atividade dos magistrados (sujeitos detentores do poder

executivo), controlar o poder Judiciário e as finanças públicas, preservar a religião e,

especialmente, conduzir a política externa, inclusive as questões militares.

Foi inspirada também pela Câmara dos Lordes da Grã-Bretanha, haja vista que o

parlamento britânico, do século XIV, era dividido em duas câmaras (bicameralismo32): a

Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns caracterizadas, respectivamente, pela promoção

de reuniões entre os nobres, representantes dos condados e, os burgueses, representantes das

cidades. De forma análoga, no Brasil, o Poder Legislativo também era dividido em duas casas

(Senado e Câmara dos Deputados), e a composição do Senado também era homogênea e

conservadora, haja vista que na eleição para a composição da primeira Mesa Diretora da Casa,

em 1826, só podiam concorrer aos cargos vitalícios de senador os brasileiros natos ou

naturalizados, com idade mínima de 40 anos e com rendimento anual de, no mínimo,

oitocentos mil réis.

31 HISTÓRIA do Senado. Disponível em: < http://www.senado.gov.br/comunica/historia/entrada.htm>. Acesso em: 01 jun. 2008. 32 As origens do bicameralismo se encontram na Atenas, da antiguidade clássica, onde pode ser observada a adoção da subdivisão em duas casas, como a divisão moderna de Senado e Câmara. Em Atenas criou-se a Boulé, conselho deliberativo que elaborava as minutas para discussão e aprovação, com o intuito de organizar as assembléias do povo na Ágora, que já era composta por mais de quinhentos membros.

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Atualmente, o processo para pleitear uma vaga no Senado não mudou muito, pelo

menos na prática. Um sujeito para eleger-se senador, não deve, a priori, ter uma boa condição

financeira, mas é sabido de todos que uma campanha para um cargo majoritário de tamanha

importância possui um valor elevado, requer que seu candidato tenha também muito prestígio

para conseguir articular uma base de apoio à sua candidatura e, muitas vezes, isso está

relacionado ao seu poder econômico e político. Já, a idade mínima para a candidatura

diminuiu para 35 anos, embora, no último pleito dos vinte e sete senadores empossados, todos

tinham mais de 40 anos de idade.

Em seus primórdios, o Senado brasileiro também adotou referências das doutrinas

emergentes da Revolução Francesa, ocorrida em 1789, na medida em que defendia os direitos

dos cidadãos e a divisão e harmonia dos poderes do Estado. Apesar de ignorar a parte das

doutrinas relativas à soberania nacional em detrimento da monarquia e a idéia de direito

divino, ainda presentes por aqui.

Com o fim do Império, criou-se uma nova constituição, em que foi defendida a idéia

de uma República Federativa e a divisão dos poderes políticos em: Executivo, Legislativo e

Judiciario, sendo o Legislativo exercido pelo Congresso Nacional, composto pela Câmara dos

Deputados e o Senado Federal, as chamadas, “Câmara Baixa” e “Câmara Alta”,

respectivamente.

Nesse período, o modelo de Senado adotado nos Estados Unidos passou a exercer

maior influência. A constuição do Senado norte-americano visou a garantir o caráter

federativo da União, reconciliando os governos locais com o Governo central, por meio de

uma legislatura bicameral, em que os estados seriam representados de forma igualitária no

Senate e de modo proporcional, na House.

Assim, como nos Estados Unidos, no Brasil, cada estado e o Distrito Federal também

passaram a ser representados por um número idêntico de senadores: três senadores cada um,

com um mandato de nove anos. Com isso, garantiu-se o equilíbrio dentro da Nação, já que

dentro do Senado, os senadores representam os interesses das unidades da federação e do

Distrito Federal, e a representação de cada uma dessas unidades é equivalente.

O Senado, ainda hoje, é composto por três senadores de cada estado e três do distrito

federal, eleitos segundo o princípio majoritário. Mudou com a constituição de 1934 a duração

do mandato, que diminui para oito anos, sendo que o quadro de representação renova-se de

quatro em quatro anos. Em um pleito renova-se um terço da casa e no outro dois terços.

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2.3.1 Atribuições e competência do Senado

As atribuições e competências do Senado Federal estão prescritas no artigo 52 da

Constituição Federal de 1988. De acordo com o referido artigo, o Senado tem funções

legislativas, fiscalizadoras, autorizativas, julgadora e aprovadora de autoridades.

Além disso, o Senado deve funcionar como uma assembléia de anciãos, ou seja, como

uma assembléia composta por indivíduos que possuem amplo prestígio e experiência, para

poderem frear os impulsos da Câmara dos Deputados, na medida em que os projetos de lei e

as propostas de emendas constitucionais passam pelas duas casas antes de serem sancionadas

pelo Presidente da República ou promulgadas. (TEIXEIRA, 2006).

Para este estudo, em que se trata do escândalo político protagonizado pelo, então,

presidente do Senado, Renan Calheiros, acusado de quebra de decoro parlamentar, interessa

citar os incisos V, VI, VII, VIII e IX que dão dimensão do poder que os Senadores têm para

deliberar sobre questões financeiras e discutir com mais profundidade o inciso XII do artigo

52, de 1988.

Compete aos senadores, em concordância com o inciso V, autorizar operações

externas de natureza financeira, de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos

Territórios e dos Municípios. Assim, sempre que um presidente, governador ou prefeito

desejar tomar um empréstimo externo, deve solicitar autorização do Senado.

Como o Senado representa os interesses dos Estados – por conseqüência, dos

municípios – e do Distrito Federal, cabe a ele também fixar, por proposta do Presidente da

República, limites globais para o montante da dívida consolidada da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios, como se evidencia no inciso VI.

A Carta Magna também dispõe, no artigo 52 inciso VII e VIII, sobre os limites globais

e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito

Federal, dos Municípios e de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder

Público Federal, bem como, para a concessão de garantia da União em operações de crédito

externo e interno. Esse procedimento se faz necessário porque geralmente a União é avalista

dos estados, do Distrito Federal e dos municípios em operações de crédito interno, cabendo ao

Senado fixar limites e condições para essas operações.

O inciso IX trata do dever do Senado de estabelecer os limites globais e condições

para o montante da dívida mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

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Já o inciso XII trata do dever dos senadores de elaborar o regimento interno da Casa.

Para este estudo é importante mencionar a Resolução de número 20, do ano de 2003, do

Regimento Interno, referente ao Código de Ética e Decoro Parlamentar, afinal, Renan foi

acusado e julgado por desrespeitar as regras contidas nesta resolução.

O capítulo III, da resolução 20 do referido regimento trata dos Atos Contrários à Ética

e ao Decoro Parlamentar, sendo oportuno destacar, neste tópico, as regras que Renan foi

acusado de burlar, como será mostrado no tópico em que será reconstituído o escândalo.

Assim, cabe citar o artigo IV, inciso II, que estabelece a proibição dos senadores de dirigirem

ou gerirem empresas, órgãos e meios de comunicação, não podendo ter em seus nomes

empresas cujo objeto social seja a execução de serviços de radiodifusão sonora ou de sons e

imagens e, também o artigo V, inciso II, que versa sobre a proibição da percepção de

vantagens indevidas (Constituição Federal, artigo 55, inciso I), tais como doações, benefícios

ou cortesias de empresas, grupos econômicos ou autoridades públicas, ressalvados os brindes

sem valor econômico.

Interessa aqui também discorrer sobre as medidas disciplinares passíveis de serem

tomadas contra os senadores. No capítulo V, artigo VII, alínea d, aponta que uma das medidas

disciplinares é a perda do mandato do senador, que se dá, de acordo com o artigo XII, inciso

II do mesmo capítulo, mediante a comprovação da prática de qualquer um dos atos contrários

à ética e ao decoro parlamentar evidenciados nos artigos IV e V do regimento interno

(Constituição Federal, art. 55), que já foram citados anteriormente.

Cabe, ainda, destacar o capítulo VI, artigo XIII, no qual se diz que a perda do mandato

deve ser decidida pelo Plenário, em escrutínio secreto e por maioria absoluta de votos,

mediante iniciativa da Mesa, do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar ou de Partido

Político representado no Congresso Nacional.

Segundo informações obtidas no site do Senado, o Senado Federal dispõe ainda de

uma estrutura logística: possui uma Comissão Diretora composta pelo Presidente do Senado –

que ocupa, por conseqüência, a presidência do Congresso Nacional – dois Vice-Presidentes,

quatro Secretários e quatro Suplentes, eleitos a cada biênio. Cabe a essa Comissão dirigir as

sessões na Casa e comandar todo o complexo administrativo, gerenciado pelo Primeiro-

Secretário.

Destaca-se, ainda, que o Presidente do Senado ocupa, na escala sucessória da

Presidência da República, o quarto lugar, podendo substituir o Presidente da República caso

este estiver ausente do país ou impedido de exercer suas funções, assim como, o vice-

presidente da República e o presidente da Câmara dos Deputados.

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2.4 Cronologia do Escândalo Renan Calheiros

O escândalo político protagonizado pelo então presidente do senado, Renan Calheiros,

foi deflagrado no dia 26 de maio de 2007 em uma reportagem publicada pela revista Veja.

Tal reportagem revelou que Renan recebia recursos da empreiteira Mendes Júnior, por meio

do lobista Cláudio Gontijo, para arcar com as despesas da pensão alimentícia paga à jornalista

Mônica Veloso, com quem o senador tem uma filha.

Em resposta a reportagem de Veja, no dia 28 de maio de 2007, Renan utilizou a

tribuna do Senado para proferir um discurso, no qual pediu desculpas a sua família pelo

constrangimento e a Gontijo pela exposição de seu nome. Nessa ocasião, Renan buscou

comprovar ainda que os recursos repassados a Veloso, por intermédio de Gontijo, eram seus,

provenientes dos lucros de suas propriedades rurais.

No dia seguinte, 29 de maio de 2007, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL),

representado pelo seu líder no Senado, José Nery (PSOL-PA), protocolou no Conselho de

Ética do Senado uma representação contra Renan, para que se pudesse instaurar uma

acareação sobre as acusações feitas pela revista Veja.

Já no dia 31 de maio de 2007, Renan apresentou ao corregedor do Senado, o paulista

Romeu Tuma (PDT – Partido Democrático Trabalhista), documentos que comprovariam que

a soma de dinheiro paga a Veloso eram oriundas de seus próprios rendimentos. Tuma avaliou

como procedente as declarações de inocência feitas por Renan, uma vez que os papéis

demonstravam que havia emissões de cheques e retiradas de dinheiro em valores

correspondentes às suas alegações.

No entanto, no dia 2 de junho de 2007, a revista Veja apresentou novas alegações que

comprovariam a relação financeira estabelecida entre Renan e Cláudio Gontijo. De acordo

com o que foi apurado por Veja, Gontijo foi o fiador, a pedido de Renan, de dois imóveis

alugados, em que Mônica viveu com a filha.

No dia 5 de junho de 2007, Romeu Tuma (PDT-SP) ouviu o depoimento de Gontijo,

que confirmou a versão de Renan sobre os fatos, negando ter custeado com seu dinheiro ou da

Mendes Júnior a pensão paga a Mônica.

A despeito do julgamento de Tuma, que afirmou não haver elementos suficientes para

iniciar um processo contra o então presidente do Senado, o Conselho de Ética e Decoro

Parlamentar, acatou a representação do PSOL e abriu, no dia 6 de junho de 2007, um

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processo contra Renan, instaurando-se, desse modo, um processo por quebra de decoro

parlamentar.

O dia 9 de junho de 2007 foi marcado pela primeira manifestação pública de Mônica

Veloso. Em entrevista a revista Veja, ela confirmou ter recebido o dinheiro referente à pensão

alimentícia da filha por meio de Cláudio Gontijo.

Nesse mesmo dia, Renan recebeu uma notificação do Conselho de Ética requerendo a

apresentação de sua defesa, que foi entregue por ele no dia 11 de junho de 2007. Nessa data,

Renan apresentou uma relação de cópias de cheques, extratos bancários e setenta recibos em

folhas de papel, para tentar comprovar que ele possuía rendimentos agropecuários suficientes

para pagar a pensão à Mônica.

No dia 13 de junho de 2007, o primeiro relator do referido caso no Conselho de Ética,

o senador maranhense Epitácio Cafeteira (PTB – Partido Trabalhista Brasileiro) apresentou

seu parecer sobre a documentação referente à defesa de Renan. Segundo seu relatório, não

havia provas contra o então presidente da Casa e, por conseqüência disso, ele sugeria o

arquivamento da ação contra Renan. No entanto, o presidente do Conselho de Ética, Sibá

Machado (PT-AC), não permitiu o engavetamento do processo e adiou a votação do relatório

de Cafeteira para o dia 15 de junho.

A situação de Renan complicou-se na noite do dia 14 de junho de 2007, momento em

que o Jornal Nacional da TV Globo apresentou uma reportagem que mostrou haver

irregularidades nos documentos apresentados por Renan ao Conselho de Ética do Senado.

Após as novas denúncias apresentadas contra Renan, a votação do relatório de

Cafeteira marcada para o dia 15 de junho de 2007 foi adiada para o dia 19 deste mesmo mês.

Também, devido a essas denúncias, o Conselho de Ética entregou à Polícia Federal, no

dia 16 de junho de 2007, os documentos anexados ao processo contra Renan para que fosse

feita uma perícia para comprovar a autenticidade das notas fiscais, cópias de cheques e guias

de trânsito animal disponibilizados pelo peemedebista. Por seu turno, a Polícia Federal

encaminhou tais documentos para o Instituto Nacional de Criminalística (INC), órgão da

Policia Federal responsável pela perícia.

Em 18 de junho de 2007, o relator do caso Renan no Conselho de Ética do Senado,

Epitáfio Cafeeira (PTB-MA), pediu afastamento do Conselho por dez dias, alegando motivos

de saúde. Com isso, a relatoria do caso foi assumida interinamente por Sibá Machado (PT-

AC), presidente do referido Conselho, que no dia seguinte nomeou o senador Wellington

Salgado (PMDB-MG), para ser o novo relator do processo.

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O dia 18 de junho de 2007 foi marcado também pela apresentação de Pedro Calmon

Filho (advogado de Mônica Veloso) e Cláudio Gontijo na sessão do Conselho Ética. Após

esses depoimentos, Sibá Machado (PT-AC) resolveu adiar a votação do relatório de Cafeteira,

marcado para o dia 19 de junho de 2007, para o dia 20 deste mesmo mês.

No dia 19 de junho de 2007, o Instituto Nacional de Criminalística (INC), incumbido

de realizar a perícia nos documentos disponibilizados por Renan ao Conselho, apresentou um

laudo, em que atestava a veracidade material da documentação analisada, mas apontava

conflitos entre as datas nas quais Renan teria vendido lotes de gado e aquelas em que havia

registro de depósitos em suas contas bancárias do valor indicado nos recibos.

Nesse mesmo dia, senadores do PMDB e PDT defenderam o afastamento de Renan da

presidência da Casa, em plenário. No entanto, o peemedebista afirmou não estar disposto a

abandonar o cargo.

Ainda no dia 19 de junho de 2007, Renan entregou ao Conselho de Ética novos

documentos que indicariam que não havia duplicidades nos recibos apresentados por ele

referentes à venda de gado.

No dia 20 de junho de 2007, data em que deveria ser votado o relatório de Epitáfio

Cafeteira (PTB-MA), senadores da base aliada de Renan e da oposição pressionaram o

Conselho a adiar novamente a votação para que as investigações sobre o Caso Renan

pudessem ser concluídas. Como a maioria dos integrantes do Conselho indicava ser favorável

ao adiamento da votação, o presidente do Conselho propôs seu adiamento. Wellington

Salgado (PMDB-MG) não concordou e renunciou a relatoria do processo.

Em 26 de junho de 2007, foi a vez de Sibá Machado (PT-AC), presidente do conselho

de Ética do Senado, renunciar ao seu cargo, que logo no dia 27 de junho de 2007 foi ocupado

por Leomar Quintanilha (PMDB-TO). Essa data foi marcada também pelo pedido feito pelo

partido dos Democratas (DEM), em nota, para que Renan renunciasse à presidência da Casa.

Na presidência do Conselho de Ética, Quintanilha, com base em um parecer

encomendado à consultoria jurídica do Senado acerca do processo contra Renan, mandou o

referido processo de volta à Mesa do Senado, no dia 2 de julho de 2007. Contudo, essa

manobra foi derrotada: os membros da Mesa devolveram o processo para o Conselho.

Em meio à polêmica gerada pelo encaminhamento do processo à Mesa e sua

devolução ao Conselho, Quintanilha resolveu convocar três relatores para o processo contra

Renan. Foi decidido que o PMDB teria direito de indicar um dos relatores, a oposição ficaria

com a segunda vaga e o bloco de apoio ao governo com a terceira. Desse modo, no dia 4 de

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julho de 2007, foram escolhidos os senadores Renato Casagrande (PSB-ES), Marisa Serrano

(PSDB-MS) e Almeida Lima (PMDB-SE) para a relatoria do processo.

No dia 7 de julho de 2007, surgiu uma nova acusação contra Renan. A revista Veja

denunciou que ele teria beneficiado a Schincariol, após esta fabricante de cerveja ter

comprado, por um valor muita acima do de mercado, uma fábrica de Olavo Calheiros – irmão

de Renan. De acordo com o que foi apurado por Veja, depois da conclusão desse negócio,

Renan teria conseguido evitar a cobrança de uma dívida de 100 milhões da Schincariol com o

Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e uma outra, também milionária, com a Receita

Federal.

No dia 11 de julho de 2007, Renan desistiu de presidir a sessão do Congresso

instituída para se deliberar sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

No dia 18 de julho de 2007, o Senado entrou em recesso e voltou no dia 1º de agosto

de 2007, quando o PSOL protocolou uma nova representação à Mesa Diretora do Senado

contra Renan, para que investigasse se o parlamentar realmente beneficiou a empresa

Schincariol junto ao INSS, e apurasse as acusações de grilagem de terras em Alagoas,

juntamente como seu irmão Olavo.

A situação de Renan agravou-se ainda mais no dia 4 de agosto de 2007, data em que a

revista Veja publicou uma reportagem, revelando que o senador era sócio oculto de empresas

de comunicação em Alagoas. Segundo foi divulgado pela revista Veja, Renan era proprietário

de duas emissoras de rádio em Alagoas que valiam juntas cerca de 2,5 milhões de reais e, que

até o ano de 2005, tinha sido sócio de um jornal diário cujo valor estimado era de três milhões

de reais. No entanto, Renan e seu sócio João Lyra colocaram as emissoras de rádio e o jornal

em nome de laranjas.

No dia 6 de agosto de 2007, o procurador-geral da República, Antônio Fernando

Souza, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de um inquérito para investigar

Renan. O objetivo inicial do inquérito era apurar a suspeita de que o senador tivera contas

pessoais pagas pelo lobista da Mendes Júnior, Cláudio Gontijo. Entretanto, Souza admitiu que

o inquérito poderia ser ampliado para investigar as outras denúncias contra Renan.

Logo no dia seguinte, 7 de agosto de 2007, o ministro do STF, Ricardo Lewandowski,

relator do inquérito instituído para investigar as condutas atribuídas a Renan, aceitou o pedido

de abertura de inquérito feito por Antônio Fernando de Souza e solicitou a quebra do sigilo

fiscal e bancário de Renan, que, prontamente, foi autorizado, iniciando-se uma devassa no

Banco Central e na Receita Federal.

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Como o então presidente do Senado havia acumulado três processos no Conselho de

Ética do Senado, Leomar Quintanilha (PMDB-TO) decidiu, no dia 8 de agosto de 2007, tratar

de cada um deles separadamente, para não atrasar o julgamento do processo mais adiantado,

referente à origem do dinheiro pago à Mônica Veloso. Quintanilha ainda não havia alocado

nenhum senador para a relatoria dos dois novos casos – suspeita de que Renan atuava como

lobista para a cervejaria Schincariol e a suspeita de que o presidente do Senado teria usado

laranjas para comprar um jornal e duas rádios em Maceió.

Assim, no dia 15 de agosto de 2007, o Presidente do Conselho de Ética, Leomar

Quintanilha (PMDB-TO), escolheu o petista João Pedro para a relatoria do caso Schincariol.

Mas antes, no dia 9 de agosto de 2007, o corregedor do Senado, Romeu Tuma (PDT-

SP), decidiu iniciar uma investigação para apurar a denúncia publicada pela revista Veja,

sobre o envolvimento de Renan na compra de veículos de comunicação por meio de laranjas.

Como parte das investigações, Tuma ouviu o depoimento do usineiro João Lyra,

acusado de ter sido sócio de Renan nas operações de compra dos veículos de comunicação, no

dia 16 de agosto de 2007.

O dia 16 de agosto de 2007 destacou-se, também, pelo encaminhamento da terceira

representação contra Renan ao Conselho de Ética pela Mesa Diretora do Senado. Dessa vez,

referente à denúncia de que Renan havia utilizado laranjas para adquirir um grupo de

comunicação em Alagoas.

Em 21 de agosto de 2007, foi entregue ao Conselho de Ética do Senado o resultado da

perícia realizada nos documentos de Renan, feita pelo Instituto Nacional de Criminalística

(INC) da Polícia Federal. Segundo o laudo do INC, não havia compatibilidade direta entre as

movimentações bancárias feitas nas contas de Renan entre os anos de 2003 e 2006 e os

pagamentos da pensão à Mônica Veloso. Concluiu-se, também, que as quantias

movimentadas por Renan eram suficientes para pagar a pensão, mas os saques feitos em suas

contas eram inferiores aos valores pagos à jornalista. Entretanto, a perícia informou que não

podia afirmar, com segurança, que ele não pagou a pensão com seus próprios recursos.

Após a entrega do laudo da Polícia Federal, chegou à hora de Renan prestar

depoimento ao Conselho de Ética do Senado. O senador reuniu-se no dia 23 de agosto de

2007 com os três relatores do seu primeiro processo – Renato Casagrande (PSB-ES), Marisa

Serrano (PSDB-MS) e Almeida Lima (PMDB-SE) – , a fim de esclarecer alguns detalhes do

laudo entregue pela Polícia Federal.

Casagrande e Serrano disseram que o senador não havia conseguido demonstrar que,

realmente, possuía recursos para pagar pensão à representante legal de sua filha. Entretanto,

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Lima mostrou-se convencido da inocência do senador. Diante das conclusões apresentadas

pelos relatores, no dia 24 de agosto de 2007, Leomar Quintanilha (PMDB-TO) defendeu a

votação secreta dos relatórios que seriam apresentados por eles, mas que a decisão atinente ao

tipo de votação adotada para tal processo seria tomada pelos membros do Conselho.

Já no dia 28 de agosto de 2007, os consultores jurídicos do Senado recomendaram a

Leomar Quintanilha realizar a votação do relatório relativo ao primeiro processo contra Renan

de forma secreta.

No dia seguinte, 29 de agosto de 2007, a consultoria jurídica do Senado divulgou um

novo parecer solicitado pelo senador José Agripino (DEM-RN), em que afirmou que a

votação no Conselho de Ética em processos de perda de mandato poderia ser aberta.

No dia 30 de agosto de 2007, os relatores do primeiro processo aberto contra Renan

apresentaram seus relatórios. Como eles não conseguiram chegar a um consenso, Renato

Casagrande (PSB-ES) e Marisa Serrano (PSDB-MS) apresentaram um relatório, em que

apontavam oito razões para que ele perdesse seu mandato, enquanto Almeida Lima (PMDB-

SE) apresentou outro relatório defendendo a absolvição do mesmo.

Ainda no dia 30 de agosto de 2007, o Conselho de Ética decidiu por dez votos a

cinco, que a votação do relatório do processo contra Renan seria aberta. Mas, adiou sua

votação para o dia 5 de setembro de 2007. Nessa data, o Conselho se reuniu e aprovou por 11

votos a quatro o relatório dos senadores Casagrande e Serrano, no qual pediam a cassação do

mandato do Presidente do Senado. A sessão para deliberar sobre a cassação de Renan foi

marcada para o dia 12 de setembro de 2007.

O dia 31 de agosto de 2007 foi realçado por uma reportagem publicada na revista

Época. Época teve acesso ao depoimento do advogado Bruno Miranda Lins, afilhado de

casamento de Renan, que revelou que este senador teria participado de um esquema de

recebimento de propina com a participação de integrantes do PMDB. O esquema era dirigido

pelo lobista Luiz Carlos Coelho, que arrecadava dinheiro junto aos ministérios chefiados pelo

PMDB para Renan.

Em 5 de setembro de 2007, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado

aprovou, por 20 votos a um, o relatório do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) que

considerava legal e sem vícios constitucionais o projeto que pedia a cassação de Renan. Com

isso, tal projeto já poderia seguir para a apreciação do Senado.

No dia 6 de setembro de 2007, o PSOL preparou uma nova representação para ser

encaminhada à Mesa Diretora do Senado com um outro pedido de investigação sobre Renan.

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Dessa vez, esse partido clamava ao Conselho de Ética pela apuração das denúncias publicadas

pela revista Época no dia anterior.

Um dia antes do plenário do Senado deliberar sobre seu o futuro político, o então

Presidente do Senado descartou a possibilidade de renunciar ou se licenciar do cargo, já que a

renúncia seria uma estratégia para preservar o seu mandato como senador.

Finalmente, no dia 12 de setembro de 2007, o plenário do Senado reuniu-se para

decidir, em votação secreta, se Renan seria ou não cassado por quebra de decoro parlamentar.

Nesse dia, a maioria dos senadores votou pela sua absolvição. O placar da votação foi de 40

votos pela absolvição, contra 30 pela cassação e seis abstenções.

No dia 20 de setembro de 2007, a representação feita pelo PSOL à Mesa Diretora do

Senado para que investigasse a denúncia de que Renan teria participado de um esquema de

desvio de dinheiro em ministério chefiado pelo PMDB foi encaminhada ao Conselho de Ética

da Casa, totalizando quatro representações contra Renan nesse Conselho.

No dia 6 de outubro de 2007, Renan foi alvo de mais uma acusação. Dessa vez, o

senador Demóstenes Torres (DEM-GO) revelou ao jornal Folha de S. Paulo, que o assessor

especial de Renan Calheiros, Francisco Escórcio, teria pedido ajuda ao empresário Pedrinho

Abrão – dono de um hangar e uma empresa de aviação em Goiânia – para grampear seu

telefone e o do senador goiano Marconi Perillo (PSDB – Partido da Social Democracia

Brasileira) e fotografá-los embarcando em jatinhos de empresários da região.

Motivados pela denúncia apresentada pelo jornal Folha de S. Paulo, PSDB e DEM

apresentaram, no dia 9 de outubro de 2007, a quinta representação à Mesa Diretora do

Senado contra Renan, para que verificasse se, realmente, ele estaria montando um dossiê

contra os senadores de oposição com o intuito de chantageá-los.

Em 10 de outubro de 2007, o senador Jefferson Peres (PDT-AM) aceitou o convite

do Presidente do Conselho de Ética, Leomar Quintanilha (PMDB-TO), para ser o relator do

terceiro processo deflagrado contra Renan por quebra de decoro Parlamentar. Esse terceiro

processo refere-se à acusação de que Renan teria usado laranjas para comprar um grupo de

comunicação em Alagoas.

Após permanecer cinco meses no centro da crise política que assolou o Senado, Renan

Calheiros anunciou, via TV Senado, no dia 11 de outubro de 2007, seu licenciamento do

cargo de presidente do Senado por 45 dias.

Mesmo afastado Renan continuou a ser alvo de investigações da imprensa. No dia 18

de outubro de 2007, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma reportagem que revelou que

Renan teria elaborado uma emenda orçamentária, no ano de 2004, no valor de 280 mil reais

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para a execução de obras. No entanto, a empresa que, supostamente, teria feito as obras, seria

fantasma. Com isso, o PSOL entrou com a sexta representação contra Renan na Mesa

Diretora do Senado.

Já no dia 22 de outubro de 2007, Renan pediu dez dias de licença médica de seu

mandato como senador.

A sexta representação contra Renan, elaborada pelo PSOL, entregue à Mesa Diretora

do Senado foi encaminhada ao Conselho de Ética no dia 23 de outubro de 2007.

Em 5 de novembro de 2007, Renan voltou ao Senado após a licença médica de forma

discreta, dedicando-se integralmente à sua defesa no Conselho de Ética.

O dia 14 de novembro de 2007 foi marcado por mais uma vitória de Renan no

Senado. Com nove votos favoráveis e cinco abstenções, o Conselho de Ética aprovou, sob a

relatoria de João Pedro (PT-AM), o arquivamento das denúncias de que Renan teria atuado

como lobista da Schincariol junto ao INSS para reverter a dívida de 100 milhões de reais que

a cervejaria tinha com esta instituição.

Contudo, neste mesmo dia, sob a relatoria do senador Jefferson Peres (PDT-AM), o

Conselho de Ética aprovou a recomendação de cassação de Renan Calheiros, por quebra de

decoro parlamentar, por ter usado laranjas para adquirir um grupo de comunicação em

Alagoas.

No dia 21 de novembro de 2007, Renan pediu nova licença da presidência do Senado,

que deveria ser reassumida no dia 26 de novembro, passando, então, para o dia 29 de

dezembro.

O dia 28 de novembro de 2007 foi marcado pela aprovação do relatório do senador

Arthur Virgílio (PSDB-AM), que recomendava o envio ao plenário do parecer de Jefferson

Peres (PDT-AM), sobre a cassação do mandato de Renan, que seria votada no dia 4 de

dezembro de 2007.

Já no dia 4 de dezembro de 2007, Renan escapou pela segunda vez da cassação.

Dessa vez, o placar foi mais favorável a Renan, foram 48 votos contrários e 29 a favor da

cassação desde senador, além de três abstenções. No entanto, durante o seu segundo

julgamento por quebra de decoro, Renan resolveu renunciar à presidência do Senado, dando

fim ao processo deflagrado no mês de maio.

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CAPÍTULO 3 – DA APURAÇÃO À EDIÇÃO JORNALÍSTICA: CON STITUIÇÃO

MIDIÁTICA DO ESCÂNDALO RENAN CALHEIROS

Neste capítulo, buscou-se examinar a cobertura empreendida pela imprensa do

escândalo político protagonizado pelo então presidente do Senado, Renan Calheiros, para

analisar a atuação do jornalismo na constituição desse escândalo, a fim de compreender o

funcionamento da esfera pública política de visibilidade midiática em uma democracia liberal.

De tal modo, o caso Renan Calheiros foi reconstituído em sua totalidade respeitando a

estrutura seqüencial apresentada por Thompson (2002), comum aos escândalos políticos

midiáticos. Tal estrutura, composta por quatro fases, serviu de parâmetro para a divisão do

presente capítulo, que por essa razão foi organizado em quatro tópicos denominados como:

pré-escândalo, escândalo, clímax e pós-escândalo.

No tópico pré-escândalo, mostraram-se quais fatos antecederam o escândalo Renan

Calheiros, dando destaque às matérias em que o foco recaiu sobre Renan, mesmo antes de

alguma denúncia ter sido tecida, diretamente, contra ele.

Na fase do escândalo propriamente dito, analisou-se – utilizando-se como método a

Análise do Discurso – as matérias publicadas pelas revistas Veja e Época referentes às

denúncias que deram origem às representações contra Renan encaminhadas à Mesa Diretora

do Senado, que se transformaram nos processos abertos contra ele no Conselho de Ética do

Senado. Para essa análise, considerou-se a capa das revistas em que tais matérias foram

publicadas – quando elas tiveram destaque nela –, seus títulos, bigodes, fotos, legendas e

textos.

Como foram apresentadas quatro denúncias antes do clímax do escândalo, o tópico

relativo ao escândalo foi subdividido em quatro subtópicos, correspondentes a cada uma das

acusações apresentadas pela imprensa contra Renan: (1) ter despesas pessoais pagas pela

empreiteira Mendes Júnior (Revista Veja – 26/05/2007); (2) interceder junto ao INSS e à

Receita Federal em nome da empresa Schincariol, impedindo a execução de uma dívida de

100 milhões de reais, em troca da compra de uma fábrica de refrigerante, cujo proprietário era

Olavo, seu irmão (Revista Veja – 07/06/2007); (3) ser sócio oculto de duas emissoras de rádio

no estado de Alagoas (Revista Veja – 04/08/2007); (4) arrecadar propina em ministérios

chefiados por membros do PMDB (Revista Época – 31/08/2007).

Cada subtópico relativo à fase do escândalo foi iniciado com a análise da matéria-

denúncia contra Renan, que foi seguida pela exposição da cobertura do processo de

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accountability deflagrado por decorrência dela, tendo como orientação a cobertura

apresentada pela imprensa de referência nacional. Ademais, foram analisados quatro editoriais

– três publicados pela revista Veja e um pela revista Época – emblemáticos do discurso cão

de guarda elaborado pela imprensa nessa ocasião e da reação de Renan frente às denúncias

remetidas a ele.

O estudo das matérias jornalísticas em que foram apresentadas as referidas acusações

contra Renan Calheiros é duplamente importante para esta pesquisa. Primeiro, porque um

escândalo político midiático é constituído por um processo de apresentação de denúncias/

acionamento da accountability e pelo esclarecimento por parte dos envolvidos e apuração por

parte das instituições competentes / suítes jornalísticas. Em segundo lugar, porque para

analisar o posicionamento da imprensa diante desse escândalo, fez-se necessário empreender

uma análise em profundidade das matérias em que tais denúncias foram apresentadas.

No tópico atinente ao clímax do escândalo político midiático Renan Calheiros versou-

se – com base na cobertura jornalística – sobre o julgamento da primeira representação

apresentada ao Conselho de Ética contra o referido senador, para deliberar sobre a cassação de

seu mandato, assim como, sobre a discussão provocada em torno desse evento.

No último tópico, referente ao pós-escândalo ainda foram analisadas mais duas

denúncias contra Renan: (5) tentar espionar os senadores Demóstenes Torres (DEM-GO) e

Marconi Perillo (PSDB-GO), com o objetivo de intimidá-los (Folha de S. Paulo –

06/10/2007) e; (6) elaborar uma emenda orçamentária, no ano de 2004, no valor de 280 mil

reais para a construção de 28 casas populares construídas por uma empresa fantasma (O

Estado de S. Paulo – 14/10/2007).

Assim, como as demais matérias analisadas no tópico concernente ao escândalo

propriamente dito, a análise das matérias desse tópico foram seguidas pela reconstituição,

feita com base na cobertura realizada pela imprensa de referência, do processo de

accountability desencadeado por elas.

Aqui cabe esclarecer, que apesar das denúncias, geralmente, comporem a fase do

escândalo propriamente dito, neste caso, elas foram alocadas na fase do pós-escândalo.

Porque, durante este período o caso Renan Calheiros já havia perdido parte da visibilidade

que outrora tivera, passando a apresentar características mais próximas do pós-escândalo.

Além disso, pode-se dizer que por meio do exame das matérias foi possível perceber

os procedimentos jornalísticos efetivamente acionados pelos jornalistas, além da linha

editorial dos veículos – observadas através da análise da edição dos materiais – e o discurso

sobre o cumprimento do papel de cão de guarda da imprensa presente nos editoriais.

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3.1 Pré-escândalo

Thompson (2002) caracteriza a fase pré-escândalo como o período em que as

violações de determinadas normas ou códigos morais ainda não ganharam visibilidade

pública. Essa fase engloba o processo de inquérito e investigação realizados pelos órgãos

públicos responsáveis pelo controle da corrupção, por jornalistas ou outros sujeitos que

podem levar à descoberta de situações passíveis de se transformarem em escândalos.

Esse autor ainda pondera que “a fase pré-escândalo pode envolver a publicação de

informação que subseqüentemente acabará sendo relevante para um escândalo, embora não

seja reconhecida como tal nessa fase.” (THOMPSON, 2002, p. 104).

O pré-escândalo pode ser caracterizado também por fofocas, boatos e rumores tecidos

por indivíduos que têm conhecimento sobre algo a respeito de determinados sujeitos que pode

tornar-se tema de um escândalo e, por algum motivo, preferem manter esse assunto na forma

de comunicação privada. (THOMPSON, 2002).

No caso do escândalo Renan Calheiros, pode-se considerar que esta etapa iniciou-se

no dia 17 de maio de 2007, com eclosão da Operação Navalha – denominação dada pela

Polícia Federal brasileira à investigação empreendida por ela desde novembro de 2006, para

desarticular um esquema de corrupção relacionado a fraudes em licitações de obras públicas,

como as previstas no PAC33 (Programa de Aceleração do Crescimento) e no programa Luz

Para Todos34.

De acordo com a Polícia Federal, a quadrilha atuava em nove estados. Além de ter

ramificações no Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (DNIT) e nos

ministérios de Minas e Energia, da Integração Nacional, das Cidades e do Planejamento. A

Polícia Federal estimava, ainda, que essa quadrilha teria desviado cerca de 170 milhões de

reais dos cofres públicos em apenas três anos.

Os contraventores se articulavam em torno da construtora Gautama, que tinha como

sócio-diretor, Zuleido Soares Veras. O esquema funcionava por meio de intermediários de

33 O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em 2007, é um programa do governo federal brasileiro que alia investimentos em infra-estrutura – habitação, saneamento e transporte de massa – a medidas econômicas – desoneramento tributário, aumento do crédito e financiamentos – objetivando acelerar o crescimento econômico do país. Estima-se que até o ano de 2010 o PAC receba 503 bilhões reais em investimentos. 34 O Programa Luz para Todos foi iniciado no ano de 2004 pelo governo federal brasileiro, com o objetivo de levar energia elétrica para a população do meio rural. Este projeto é coordenado pelo Ministério de Minas e Energia em parceria com a Eletrobrás e suas empresas controladas.

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Veras infiltrados no governo federal e nos governos estaduais e municipais com a

incumbência de fazerem contatos e pagarem propinas aos políticos e funcionários públicos

que poderiam viabilizar a fraude em licitações de seu interesse, como explicaram as sub-

procuradoras-geral da República, Lidôra Maria Araújo e Célia Regina Delgado no trecho

reproduzido abaixo, extraído do Inquérito 544, assinado por elas e, entregue no dia 13 de

maio de 2008 – quase um ano depois de desencadeada a Operação Navalha – ao Superior

Tribunal de Justiça (STJ), na pessoa da Ministra Relatora Eliana Calmon, no qual ofereceram

denúncia contra 61 pessoas, suspeitas de estarem envolvidas no referido esquema de

corrupção.

O grupo, em um primeiro momento, identificava nos ministérios a existência de recursos destinados a obras públicas nos Estados e municípios. Em seguida, cooptava agentes políticos e servidores públicos para viabilizar a realização dos convênios entre os ministérios e os entes federativos, participando, inclusive, da elaboração dos projetos técnicos e estudos exigidos para a sua celebração. (ARAÚJO; DELGADO, 2008).

Assim, em troca dos favores à Gautama, os envolvidos recebiam propinas em dinheiro

e, também, em forma de regalos. Uma reportagem especial publicada pela Folha de S. Paulo,

no dia 18 de maio de 2007, intitulada: “Saiba como funcionava a máfia das obras públicas”

relata que, segundo as investigações da Polícia Federal, o governador do Maranhão, Jackson

Lago (PDT), teria recebido uma propina no valor de 240.000 reais para liberar um pagamento

de 2,9 milhões de reais à Gautama, através da Secretaria de Infra-Estrutura do Estado do

Maranhão. Já, o ex-governador do Maranhão, José Reinaldo Tavares (PSB), teria ganhado,

em 2006, um carro da marca Citröen, modelo C5, cujo valor estimado era de 110.350 reais,

para direcionar a licitação da BR-402. Outras pessoas teriam ganhado passagens aéreas e

diárias em hotéis em Brasília para defender os interesses da construtora junto ao governo.

Luiz Carlos Caetano (PT), então prefeito de Camaçari, teria ganhado convites para o camarote

da Gautama no carnaval de Salvador, passeios de lancha, passagens aéreas e hospedagem

nessa cidade. Além disso, de acordo com o jornalista Silvio Navarro35, a Gautama teria doado

600 mil reais a políticos de vários partidos como o PMDB, o PSDB, PT e o PL (atual PR),

que concorreram nas eleições de 2004 e 2006.

Já a matéria de Gabriela Guerreiro, publicada na Folha Online, no dia 17 de maio de

2007, merece destaque, não por publicizar descobertas feitas pela Polícia Federal na Operação

35 NAVARRO, Silvio. Empresa suspeita de liderar máfia das obras doou R$ 600 mil a campanhas. Folha de S. Paulo, São Paulo, 18 mai. 2007. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u92563.shtml> Acesso em: 07 ago. 2008.

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Navalha – como na matéria mencionada acima –, mas sim, por trazer uma entrevista com

Renan Calheiros, que não havia sido citado, até então, pelas investigações. A matéria

intitulava-se: “Renan diz que conhece parte dos acusados em fraudar licitações”. Nela, a

jornalista versou sobre o fato de Renan ter admitido conhecer muitas pessoas envolvidas no

caso em questão36, inclusive, Zuleido Veras. Nesse momento, a elaboração dessa matéria

parecia não ter propósito e muita relevância, afinal, outras pessoas também deveriam

conhecer Veras. No entanto, mais tarde, essa informação adquiriu certa importância, já que

Renan, também, foi acusado, por meio da imprensa, de envolvimento ilícito com uma

empreiteira, sendo que a descoberta desse fato pode ter sido feita por decorrência das

investigações suscitadas pela Operação Navalha.

Assim, a referida matéria jornalística pode ser entendida como parte significativa da

fase pré-escândalo, que como foi dito anteriormente, segundo Thompson (2002), pode

envolver a publicação de informações que, a princípio, podiam não ser percebidas como

relevantes. A publicação dessa matéria indica também um “enquadramento” diferenciado

dado ao caso protagonizado por Zuleido Veras, com isso, quer dizer que dentro de tudo que

estava sucedendo naquele momento, elegeu-se o fato de que Renan conhecia muito dos

envolvidos na Operação Navalha para se noticiar.

O conceito de enquadramento traz uma perspectiva de análise do jornalismo político

em que a questão da seleção do que é noticiado, a saliência de determinados fatos,

informações e/ou sujeitos e a omissão de outros indicam os ângulos da realidade dados a

conhecer por meio da cobertura jornalística. Nesse sentido, “enquadrar significa selecionar

alguns aspectos da realidade percebida e fazê-los mais salientes em um texto comunicativo.”

(ENTMAN37 apud PORTO, 2004).

Para Porto (2004), a noção de enquadramento dinamiza a perspectiva teórica oferecida

pela hipótese do agenda-setting, segundo a qual, “embora a imprensa, na maior parte das

vezes, possa não ser bem sucedida ao indicar às pessoas como pensar, é espantosamente

eficaz ao dizer aos leitores sobre o que pensar.” (McCOMBS; SHAW38 apud TRAQUINA,

2000, p.49).

36 “Eu conheço muitas das pessoas envolvidas, não conheço essas práticas. Mas não conheço nenhum aspecto dela [Operação Navalha]. O importante é que se investigue, esclareça. As operações são rotineiras”, minimizou Renan.” (GUERREIRO, 2007). 37 ENTMAN, Robert. Framing: toward clarification of a fractured paradigm. Journal of Communication, v. 43, n.4, p. 51-58, 1993. 38 McCOMBS, M. E.; SHAW D. The agenda-setting function of the mass media. Public Opinion Quarterly , Vol. 36, 1972.

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Segundo o estudo elaborado por McCombs e Shaw, a hipótese do agenda-setting

refere-se às ações exercidas pelos meios de informação, que implicam no conhecimento ou

ignorância, atenção ou lapso, ênfase ou negligência dos sujeitos acerca de elementos

específicos dos cenários públicos. Desse modo, o receptor tende a incluir ou excluir do seu

próprio conhecimento o que os meios de comunicação de massa incluem ou excluem do seu

conteúdo, assim, como tende a atribuir a esse conteúdo uma importância semelhante à ênfase

atribuída pela mídia aos fatos, aos problemas e às pessoas. (WOLF, 2003).

Logo, enquanto o agenda-setting refere-se ao poder de definição das pautas públicas

pelos meios de comunicação de massa, o conceito de enquadramento refere-se aos ângulos

que são selecionados e enfatizados na cobertura midiática.

Um enquadramento semelhante ao citado anteriormente foi observado na edição de

número 200939 da revista Veja, em que foi publicada uma matéria intitulada: “Quadrilha de

autoridades”, cujo bigode era “Cai esquema de assalto às verbas públicas – e isso deixa

Brasília de cabelo em pé”, assinada pelos jornalistas Alexandre Oltramari e Policarpo Junior.

A matéria chamou atenção por seus autores a iniciarem com a afirmação de que a Operação

Navalha “pode ser mais explosiva pelo que ainda esconde do que pelo que já mostrou” e,

terem acrescentado a lista dos beneficiados de Zuleido Veras, sujeitos que não tinham sido

citados pelas investigações da Polícia Federal.

Os dois jornalistas levantaram suspeita de que Renan Calheiros poderia estar

envolvido no esquema de Veras por diversas razões: eles eram amigos há mais de trinta anos;

no final de 2005, Renan teria se esforçado para liberar 70 milhões de reais para obras no

sistema de abastecimento de água de Alagoas executadas, justamente, pela construtora

Gautama e; segundo um ministro ouvido em off40 pelos jornalistas, Veras havia sido visto

algumas vezes despachando em uma sala da residência oficial do então presidente do Senado.

Os jornalistas apontam também que Veras costumava “agradar” os “inquilinos do poder” por

ter emprestado, em novembro de 2006, sua lancha avaliada em 1,5 milhão de dólares com 52

pés e três suítes, ao governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), para um passeio com a

ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, coordenadora do PAC.

Apesar da reportagem apenas insinuar a existência de uma ligação censurável entre

Wagner, Rousseff, Renan e Veras, ela tende a fazer crer que esses sujeitos, realmente,

39 Apesar da data da referida edição da revista Veja ser 23 de maio de 2007, ela começou a circular a partir do dia 19 de maio de 2007. Este fato explica-se porque a revista Veja costuma iniciar sua circulação no sábado anterior à quarta-feira, data impressa na capa de suas edições. 40 Off ou off the record, segundo o Manual de Redação do jornal Folha de S. Paulo, traduz-se como fora dos registros. Designa informação de fonte que se mantém anônima.

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estavam envolvidos no esquema de corrupção em questão, dado o histórico do empreiteiro e a

afirmação de que a Operação Navalha poderia ser mais explosiva do que as investigações da

Polícia Federal haviam mostrado, até então. Assim, a suposição acaba ganhando ares de

verdade, podendo-se presumir que os sujeitos citados são culpados, mesmo sem terem sido

julgados pelos órgãos competentes. Esse tipo de enquadramento, dado à realidade pela

cobertura da revista Veja, expressa o que Lima (2006) chama de “presunção de culpa”, em

contraste com a “presunção de inocência”, direito garantido pela Constituição de 1988, em

seu artigo 5º, inciso LVII, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito

em julgamento da sentença penal condenatória”.

Cabe ressaltar que contrariando as suposições dos jornalistas da revista Veja, o

Inquérito 544, mencionado anteriormente, apresentado por Lidôra Maria Araújo e Célia

Regina Delgado ao Superior Tribunal de Justiça sobre a apuração das investigações feitas pela

Polícia Federal atinentes à Operação Navalha, não apresentou nenhuma denúncia contra

Wagner, Rousseff ou Renan e, como se verá a seguir, o escândalo Renan Calheiros eclodiu

devido à denúncia do envolvimento do então presidente do Senado, não com a construtora

Gautama, mas com a construtora Mendes Júnior.

Apesar de antiético, o tipo de enquadramento que expressa a “presunção de culpa”

parece ser recorrente nas matérias publicadas pela revista Veja, haja vista, o comentário feito

por Lima (2006, p. 22) ao observar a recorrência desse tipo de enquadramento nas matérias da

referida publicação: “na verdade, este comportamento da Editora Abril não chega a

surpreender. Faz tempo que ali se pratica um jornalismo de opinião fundado em diretrizes

publicamente anunciadas por seu editor Roberto Civita”, que por sua vez afirmou em

entrevista à revista Imprensa, em abril de 1990, citada por Lima (2006) que “o papel da

imprensa não é ir trabalhar nos bastidores nem chegar ao ministro x e pressioná-lo; mas, sim,

colocar as coisas para o leitor, tentando mudar a cabeça das pessoas nas suas páginas e não

nos gabinetes.”

Então, nota-se que, antes mesmo da eclosão do escândalo Renan Calheiros, a imprensa

já vinha dando saliência à sua figura, presumindo que ele estivesse envolvido em algum

esquema de corrupção, o que acabou se confirmando mais tarde e reforçando a imputação da

culpa a ele. Assim, pode-se considerar que a cobertura jornalística sobre a Operação Navalha

compõe a fase do pré-escândalo Renan Calheiros.

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Corrobora, também, com a percepção de que o escândalo Renan Calheiros emergiu do

escândalo deflagrado pela Operação Navalha, a capa da edição de número 201041, da revista

Veja, reproduzida logo abaixo (Figura 1). Verón (2005) postula que as capas de revistas são

construídas, geralmente, objetivando transmitir um determinado significado – um “efeito de

sentido” – que é construído pela distribuição estratégica de imagens e texto e, por esse

motivo, as imagens devem ser analisadas juntamente com os elementos lingüísticos que as

acompanham, que as comentam.

Figura 1. Capa da revista Veja – Navalha na Carne

Fonte: Revista Veja, edição n. 2010

Na referida capa42 encontra-se a figura de uma navalha, três fotos retangulares, cujo

enquadramento utilizado foi o plano próximo43 de Zuleido Veras, Silas Rondeau44 e Renan

Calheiros, dispostas lado a lado nesta ordem, sob um fundo vermelho. As duas primeiras fotos

aparecem cortadas ao meio e a terceira apresenta uma pequena fissura. Devido à posição da 41 A data da publicação da edição 2010, da revista Veja, é do dia 30 de maio de 2007 (quarta feira). Contudo, a revista começou a circular no dia 26 de maio de 2007 (sábado). 42 Esta capa possui também duas outras chamadas de matérias, no entanto, essas outras informações não têm relação com o objeto deste estudo, por isso, não foram analisadas. 43 Plano próximo é um tipo de enquadramento fotográfico caracterizado por ser mais fechado do que o plano médio, assim, a foto é enquadrada perto do peito do sujeito fotografado. 44 Silas Rondeau, na ocasião em que foi eclodida a Operação Navalha, era o ministro de Minas e Energia. Ele estava sendo investigado pela suspeita de ter recebido 100 mil reais em propina da empreiteira Gautama e, por causa disso, pediu demissão de seu cargo no dia 22 de maio de 2007, através de uma carta encaminhada ao presidente Luis Inácio Lula da Silva.

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navalha e a sombra produzida por ela tem-se a sensação de movimento, dando a impressão de

que as pessoas, ali, representadas, haviam sido cortadas por ela. Chama atenção, ainda, a

escolha das fotos, que são primordiais para a construção dos sentidos. Veras foi fotografado

de perfil, com uma expressão de seriedade e até de tristeza; Rondeau apareceu com a cabeça

levemente erguida e boca aberta, aparentando estar agitado e surpreso; já a foto de Renan foi

tirada de frente, enquanto ele estava sentado na cadeira do Senado – uma alusão ao seu cargo

– seu semblante parece demonstrar preocupação e angústia.

A capa ainda comporta cinco enunciados lingüísticos: os três primeiros têm

características de legenda, pois acompanham as referidas fotos. Na de Veras lê-se: “O

empreiteiro Zuleido Veras”, na de Rondeau: “O ex-ministro Silas Rondeau” e, na de Renan:

“O senador Renan Calheiros”. Além disso, tem-se um enunciado grafado em letras

maiúsculas, na cor branca, que possui maior contraste com a cor vermelha, com os seguintes

dizeres: “Navalha na carne”, acompanhado de um texto cuja fonte era menor e na cor amarela,

cujo conteúdo: “O fio da operação anticorrupção já cortou Zuleido e Rondeau e agora chega

perto de Renan Calheiros, presidente do Senado”.

A interpretação conjunta de texto e imagem pode levar a conclusão de que as duas

primeiras imagens conotavam que as “cabeças” de Veras e Rondeau haviam sido cortadas

pela navalha no sentido metafórico45, já que o texto grafado em letras maiúsculas indicava que

a navalha havia entrado em contato com a carne e as fotos dos rostos estavam partidas ao

meio, dispostas sob o fundo vermelho, cor de sangue. Essa interpretação é fomentada pelo

apontamento de que a figura de cabeças guilhotinadas e as expressões “cabeças foram

cortadas”, “cabeças rolaram”, “perto do pescoço” são empregadas, metaforicamente, para

expressar que determinados sujeitos foram punidos exemplarmente ou foram ou serão

desligados de uma determinada função e, afinal de contas, Veras havia sido preso e Rondeau

pedido demissão do ministério de Minas e Energia, por causa das denúncias da Polícia

Federal, no âmbito da Operação Navalha.

Há de se destacar que, segundo Traquina (2005, p. 46-47), as metáforas são utilizadas

como artifícios pelos jornalistas para atrair o maior número de leitores, de modo que a

“utilização de metáforas (serve) para incrementar a compreensão do texto” e, também, “são

úteis para a dramatização dos acontecimentos.” Ainda sobre o uso das metáforas, Mainguenau

45 Metáfora é uma figura de linguagem em que se emprega um termo com significado diferente do literal, com base numa relação de similaridade entre o sentido próprio e o sentido figurado. Dessa forma, a metáfora implica em uma comparação cujo conectivo comparativo fica subentendido. (TERRA, 2002).

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e Charaudeau (2004, p.330) avaliam que “os discursos políticos, morais, jurídicos ou

midiáticos fazem grande uso da metáfora para impor opiniões sem demonstrá-las.”

Ademais, a figura da navalha estampada na capa da revista Veja também pode ser

interpretada como uma metonímia46 da própria Operação Navalha, que por seu turno, foi

responsável pelas acusações contra Zuleido Veras e Silas Rondeau.

Já, a terceira imagem dava a impressão de que ela começava a ser cortada pela

navalha, indicando que Renan poderia ser o próximo a enfrentar problemas com a justiça, o

que poderia dar motivos de apreensão para o então presidente do Senado, cuja foto indicava

preocupação. Essa percepção funda-se, também, no próprio conteúdo da matéria assinada pelo

jornalista Policarpo Junior, publicada nesta edição da revista Veja, que apresentou indícios do

envolvimento de Renan com um esquema de corrupção e, apesar do que se possa deduzir pela

capa da revista, tal esquema de corrupção não envolvia Veras, nem a construtora Gautama.

Assim, pode-se inferir que o “efeito de sentido” da existência de um escândalo político

foi construído na capa da revista Veja a partir de elementos lingüísticos e visuais,

principalmente, por meio do uso de metáforas e metonímia, além da escolha das cores e das

imagens.

A partir dessa perspectiva, o escândalo Renan Calheiros pode ser entendido como

decorrente das investigações empreendidas por ocasião da Operação Navalha, apesar da

cobertura jornalística, por vezes, contribuir para confundir um escândalo com outro, como foi

observado pelo jornalismo Mino Carta, no artigo “A mídia é sempre aquela. Mas...”,

publicado na edição 447 da revista Carta Capital.

Até parecerá, a olhos e ouvidos desavisados, que se trata de um balaio único [Operação Navalha e o caso Renan Calheiros] de escândalos. São, porém, distintos. É bom que venham à tona, mas cada um deveria ser colocado no devido lugar. A denúncia, além de oportuna, é necessária, e agora é só esperar pela condenação dos culpados. No entanto, jornais, revistas e emissoras misturam tudo. (CARTA, 2007).

De fato, como foi dito e se verá com mais detalhes adiante, o escândalo Renan

Calheiros não estava relacionado com a construtora Gautama, nem a Zuleido Veras, mas, sim,

a construtora Mendes Júnior, a Cláudio Gontijo e a outros sujeitos que emergiram no caso, na

medida em que foram descobertas novas transgressões relacionadas à Renan.

46 A metonímia é uma figura de linguagem que assim como a metáfora consiste numa transposição de significados, assim, uma palavra que habitualmente significa uma coisa passa a ser utilizada com outro significado. Contudo, na metonímia a transposição de significados não é mais feita com base de traços de semelhança, mas uma estreita afinidade ou relação de sentido. (TERRA, 2002). Dessa forma, troca-se o símbolo pelo objeto simbolizado ou a coisa pela sua representação, por exemplo.

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3.2 Escândalo

A fase do escândalo político midiático propriamente dito inicia-se no instante em que

se tornam públicas, por meio da mídia, determinadas ações consideradas incongruentes com o

código moral e legal que norteia o exercício dos cargos políticos ou públicos, promovendo um

processo de afirmações e contra afirmações na cena de visibilidade pública entre os

acusadores e os acusados. (THOMPSON, 2002).

As denúncias que ganham notoriedade na imprensa podem ser oriundas de

investigações encabeçadas por ela mesma, o que denota a prática do jornalismo investigativo

e dá início a um processo de accountability vertical; ou por instituições que têm o poder de

controlar a corrupção, como: a Polícia Federal, Procuradoria Geral da República, o Ministério

Público, o Tribunal de Contas etc., que ocasionam um processo de accountability horizontal.

Mas, a despeito de quem ou qual instituição empreendeu as investigações, os escândalos

políticos midiáticos configuram-se, essencialmente, como eventos constituídos na mídia, pois

eles são edificados à medida que revelações, alegações e denúncias emergem na imprensa.

(THOMPSON, 2002).

No caso Renan Calheiros todas as seis acusações que acarretaram nos seis processos

abertos contra ele foram provenientes de investigação e/ou denúncias apresentadas por

determinados veículos da imprensa nacional que, por conseqüência, ativaram o processo de

accountability em que os sujeitos citados tentaram se defender publicamente e os órgãos

competentes buscaram apurar as revelações, desencadeando uma seqüência de eventos que,

por sua vez, gerou suítes, dando corpo ao escândalo.

Thompson (2002) também pondera que assim que um escândalo é deflagrado, os

acusados tendem a assumir a sua culpa, negá-la ou afastar-se dos cargos que ocupam. Em

todo caso, o objetivo é fazer com que o escândalo desprovido de novas revelações causadoras

de especulações pela imprensa, morra aos poucos. No entanto, a negação da culpa que,

depois, é desmentida por novos fatos, pode gerar novas transgressões – as de segunda ordem

– dessa forma, as transgressões iniciais podem dar lugar a outras, que dão ainda mais fôlego

aos escândalos midiáticos, já que as narrativas jornalísticas enriquecem-se e prolongam-se

com seus desdobramentos, como aconteceu com Renan, que ainda acabou recebendo novas

acusações durante o processo de apuração das denúncias feita contra ele.

Diante dessas assertivas sobre a fase do escândalo político, seguem-se as análises das

denúncias feitas pela imprensa contra Renan e a descrição das suítes geradas por elas.

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3.2.1 Primeira denúncia – O senador e o lobista

O escândalo político midiático Renan Calheiros eclodiu com a publicação de uma

matéria na edição de número 2010 da revista Veja, intitulada “O senador e o lobista”,

elaborada pelo jornalista Policarpo Junior, cuja capa foi analisada anteriormente. Essa matéria

revelou que o então presidente do Senado mantinha laços financeiros com Cláudio Gontijo,

assessor da Diretoria de Desenvolvimento da Área de Tecnologia da construtora Mendes

Júnior, que, segundo a reportagem, atuava “na realidade” como um lobista dessa empreiteira,

ou seja, a função de Gontijo seria defender os interesses da empresa junto ao governo.

Logo no bigode da matéria – “Renan Calheiros terá de explicar por que diretor de

construtora pagava suas contas” – evidencia-se a primeira tentativa de acionamento da

accountability de forma vertical direcionada a Renan. Afinal, ele estava sendo chamado, pela

revista Veja, a explicar publicamente a natureza de suas relações com Gontijo.

Outra tentativa que demonstra que Renan estava sendo coagido a dar explicações

sobre suas relações com sujeitos ligados a empreiteiras, pode ser observada no primeiro

parágrafo da referida matéria em que Policarpo Junior afirmou que Renan “tem sido instado a

explicar suas relações com o empreiteiro Zuleido Veras, dono da Gautama” desde que a

Operação Navalha foi iniciada. No entanto, notou-se que o jornalista não chegou a dizer por

quem Renan estaria sendo questionado sobre o assunto. Como, até o momento, não havia sido

apresentado nenhuma denúncia contra Renan, mas apenas sugerido que ele poderia estar

envolvido em esquemas de corrupção encabeçado por Veras, como se mostrou na descrição

da matéria intitulada de “Quadrilha de autoridades” publicada pela revista Veja, na edição de

número 2009, que por seu turno, não havia conseguido fazer com que órgãos responsáveis se

mobilizassem para realizar acareações sobre denúncias de corrupção, crê-se que a própria

mídia é quem poderia estar questionando Renan.

Nesse mesmo parágrafo, Policarpo Junior demonstrou que apesar de Renan dizer que

era apenas conhecido de Veras, as informações obtidas por ele indicavam que o senador e o

empreiteiro eram muito mais do que isso. De acordo com esse jornalista, Veras bancou

“sorrateiramente”, em 1990, a campanha eleitoral de Renan ao governo de Alagoas, que

renderam-lhes uma “amizade sólida”, a ponto de o empreiteiro freqüentar a sua residência

oficial de presidente do Senado. Essa discordância de Policarpo Junior em relação à

declaração de Renan indicava que ele deveria ter uma fonte que, em off, contou-lhe sobre a

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proximidade entre o empreiteiro e o senador, demonstrando a prática do jornalismo do tipo

investigativo.

Policarpo Junior garantiu, ainda, no final do primeiro parágrafo, que Renan tinha uma

outra amizade no submundo das empreiteiras, mais explosiva do que a amizade que o senador

conservava com Veras. Tal amizade de “alta octanagem” era a de Cláudio Gontijo, da Mendes

Júnior, que segundo o jornalista além de amigo, cumpria o papel de mantenedor do então

presidente do Senado.

De acordo com o que foi apurado por Veja, Gontijo colocava um flat, em um dos

melhores hotéis de Brasília, à disposição de Renan; teria pago durante três anos (março de

2004 a março de 2007) o aluguel, no valor de 4.500 reais, do apartamento em que a jornalista

Mônica Veloso morava com suas duas filhas, uma delas, também filha do citado senador;

também, teria pago, de janeiro de 2004 a dezembro de 2006, 12.000 reais mensais de pensão

para Veloso, representante legal da filha de Renan e; ainda, contribuiria, financeiramente, nas

campanhas eleitorais de Renan e alguns de seus familiares.

Essas revelações configuram-se como verdadeiras transgressões. Afinal, de acordo

com o Regimento Interno do Senado, em sua Resolução nº. 20, de 1993, capítulo III, artigo V,

inciso II, é contrário à ética e ao decoro parlamentar “a percepção de vantagens indevidas

(Constituição Federal, art. 55, § 1º), tais como doações, benefícios ou cortesias de empresas,

grupos econômicos ou autoridades públicas, ressalvados brindes sem valor econômico”.

Nessa ocasião, a relação financeira que Renan mantinha com Gontijo, que se dava de

maneira secreta, ganhou visibilidade pública graças às investigações e a denúncia apresentada

pela revista Veja. Assim, as transgressões, ao adquirirem visibilidade, podem tornar-se um

escândalo político midiático, dependendo para isso da importância que a sociedade civil e os

órgãos de controle à corrupção dão ao assunto e da própria persistência da imprensa em cobri-

lo, como Thompson (2002) observou em sua análise sobre a dinâmica de edificação dos

escândalos políticos.

Com isso, pode-se dizer que a publicização da informação de que Gontijo, lobista da

Mendes Júnior, atuava como mantenedor de Renan pode ser compreendida como o estopim

do escândalo Renan Calheiros, haja vista, até, então, apenas havia se insinuado que Renan

poderia ter ligações impróprias com Veras. Tal insinuação mostrava-se bastante frágil, por

embasar-se em indícios de que Renan e o empreiteiro eram próximos um do outro.

A acusação tecida por Policarpo Junior contra Renan embasou-se nas informações que

ele próprio disse terem sido apuradas pela revista Veja. Dessa forma, o jornalista atribuía a

autoria da descoberta dos atos de corrupção praticados pelo então presidente do Senado a essa

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revista. Isso pode ser compreendido como uma forma de tornar esta publicação mais valorosa

aos olhos de seus leitores, por praticar o jornalismo investigativo e cumprir a tarefa de cão de

guarda do Estado, em favor da sociedade. Tarefa delegada à imprensa nas democracias

liberais, uma vez que as investigações empreendidas por ela podem dar mais transparência à

vida pública política e, por conseqüência, ajudar a diminuir as contravenções por parte dos

políticos. Com isso, a revista Veja legitima, sutilmente, o seu papel de cão de guarda da

sociedade.

Cabe ressaltar que sempre que o nome da revista Veja é citado no corpo dos textos que

a compõem ele é escrito em caixa alta, geralmente tal referência é feita como se Veja fosse

um sujeito de fato, de tal forma, remete-se a ela o crédito de alguma descoberta (“VEJA

apurou”, “VEJA teve acesso ao contrato” etc.), em outras ocasiões refere-se a ela como se ela

fosse o sujeito que faz contato com as fontes (“Procurada por VEJA”, “A VEJA, ele

confirmou”, “o interlocutor conversou com VEJA”, “relataram a VEJA”, “Consultado por

Veja” etc.). Essa estratégia, aliás, é recorrentemente utilizada pela imprensa e explicita um

dos modos de funcionamento do discurso jornalístico.

Voltando a análise da matéria, notou-se que Policarpo Junior não explicitou, no corpo

de sua reportagem, as rotinas de produção adotadas pela revista para conseguir apurar as

informações que comprometiam Renan, tendo feito isso tempos depois – 29 de janeiro de

2008 – durante uma palestra sobre jornalismo investigativo ministrada por ele aos alunos do

Curso Abril de Jornalismo47. Nessa ocasião, o jornalista contou que soube do envolvimento

de Renan e Cláudio Gontijo por meio de pessoas ligadas a Mônica Veloso, que lhe falaram

sobre a ocorrência dos fatos, em off. Após ter se inteirado do caso, ligou para o lobista, que,

supostamente, pagava a pensão a Veloso, dizendo que já tinha informações sobre o assunto.

Então, Gontijo confirmou que entregava o dinheiro à ex-amante de Renan a seu pedido. Sobre

a declaração dada por Gontijo, o jornalista ressaltou aos participantes do curso que como “o

entrevistado nunca sabe o quanto você já sabe”, ele pode acabar revelando mais informações

do que o jornalista sabia a princípio. Policarpo Junior disse, também, que no caso Renan

“houve um elemento-surpresa. O Gontijo e o Renan não tiveram tempo de conversar entre

uma entrevista e outra. Não deu para combinar nenhuma história”.

Após enumerar os benefícios que Renan recebia de Cláudio Gontijo, o jornalista

conclui que Renan “caiu nas graças do lobista” e passou a discorrer sobre a forma que eram

feitos os pagamentos do aluguel e da pensão à Mônica Veloso. Em uma tentativa de dar mais

47 CASO Renan. Disponível em: <http://cursoabril.abril.com.br/servico/curso/materia_277150.shtml> Acesso em: 13 set. 2008.

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credibilidade a sua narrativa, Policarpo Junior, descreveu nos mínimos detalhes como Gontijo

repassaria o dinheiro a Veloso. No entanto, o jornalista não explicou como soube de tais

detalhes, mas, pode-se deduzir pela precisão dos mesmos que foi por meio de uma fonte em

off:

Todos os meses a jornalista ia ao escritório da Mendes Júnior, no 11º andar do Edifício de OAB, situado na Asa Sul, onde pegava um envelope branco, timbrado, com o endereço, os telefones e o nome de Cláudio Gontijo. O envelope era identificado com suas iniciais – MV. Dentro havia sempre 16.500 reais. Era o aluguel mais a pensão de 12.000 reais para a criança. (POLICARPO JUNIOR, 2007a).

Para dar mais peso as acusações, Policarpo Junior informou que a revista Veja teve

acesso ao contrato de locação do imóvel em que Mônica Veloso viveu com suas filhas. Nele,

Cláudio Gontijo aparecia como fiador. Em seguida, o jornalista assegurou que seguindo as

orientações de Renan, o lobista havia contratado uma empresa de vigilância para garantir a

segurança de Veloso e sua família, mas não mencionou a forma como adquiriu essa

informação, crê-se que foi por meio de uma fonte em off.

Policarpo Junior esclarece, ainda, na reportagem, com relação às fontes, ter procurado

Veloso e dirigentes da construtora Mendes Júnior para falar sobre o caso. Veloso preferiu não

se manifestar e a Mendes Júnior disse que tudo isso fazia parte da vida pessoal de Gontijo, por

esse motivo, desconhecia a ocorrência de tais pagamentos.

Cláudio Gontijo confirmou a Policarpo Junior – por meio de ligação telefônica, como

esse jornalista relatou na palestra citada anteriormente – conhecer Renan e classificava como

maldosas as insinuações de que freqüentava a residência do então presidente do Senado e por

interesse prestava-lhe favores. Nessa ocasião, Gontijo admitiu que entregava o dinheiro a

Veloso, enfatizando que o dinheiro entregue a ela não era nem dele, nem da empreiteira. Ao

ser indagado sobre quem, então, era o dono do dinheiro, ele disse que só poderia afirmar que

não era dele. Em outro trecho da matéria, Policarpo Junior assinalou que Gontijo negou que a

Mendes Júnior tivesse se beneficiado de sua proximidade com Renan para conseguir contratos

com o governo, já que não tinham nenhuma obra do governo federal sendo executada no

presente momento, contrariando as informações apuradas por ele, de que a Mendes Júnior

tinha contratos com a Infraero, Petrobras e Eletrobrás, que estariam sob influência do senador

Renan Calheiros. Parece que essas informações foram apuradas antes do jornalista ter ligado

para Gontijo, pois nesse telefonema o jornalista questiona Gontijo sobre essas obras, que

retruca, dizendo que para ele estas eram obras privadas. Com a pergunta sobre o flat

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emprestado ao senador, o lobista encerrou a conversa com Policarpo Junior: “Não vou dizer

mais nada”, evidencia-se, aí, uma das rotinas de produção da matéria, ou seja, o modo como a

entrevista foi encerrada.

Renan, por sua vez, respondeu ao repórter que o dinheiro pertencia a ele mesmo e era

oriundo de seus rendimentos agropecuários, já que apenas o salário de senador (12.700 reais)

não era suficiente para arcar com os 16.500 reais referentes ao aluguel e a pensão paga à

Mônica Veloso. Quanto ao motivo do dinheiro ter sido entregue a sua ex-amante por

intermédio de Gontijo, Renan não quis explicar, dizendo que o assunto estava sob segredo de

justiça.

Após a negativa de Renan em dar detalhes de sua relação com Veloso e Gontijo, por

considerá-las íntimas, Policarpo Junior declarou que “a vida íntima do senador Renan

Calheiros diz respeito apenas a ele próprio. Mas, quando essas relações se entrecruzam com

pagamentos feitos por um lobista, o caso muda de patamar.” Com isso, pode-se inferir que o

jornalista estava buscando justificar o interesse público que os fatos revelados por ele

deveriam demandar.

Para ilustrar esse trecho da matéria foi publicada uma foto (Figura 2), feita por

Roberto Jayme, da Agência Estado, que utilizou o enquadramento do tipo “plano próximo”,

em que enquadra-se o sujeito do peito para cima, mostrando algo do contexto e o “ângulo

normal”, o que significa que o objeto fotografado estava na mesma altura da câmera

fotográfica. Assim, tem-se a foto de Renan, sentado na cadeira da presidência do Senado,

enquadrado do peito para cima, mostrando também a parte da cadeira, que possui um

elemento lexical, onde se lê a palavra “Senado”, localizado logo acima de sua cabeça. A foto

ainda tem a seguinte legenda: “O senador Renan Calheiros: tudo foi pago com meu dinheiro”.

Figura 2: Renan Calheiros sentado na cadeira da presidência do Senado Federal Fonte: Foto de Roberto Jayme da Agência Estado, publicada na Revista Veja, edição n. 2010

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Após ter-se versado sobre os aspectos denotativos da foto que, segundo Barthes (1990,

p. 12), correspondem à cena fotografada em si – embora haja uma redução de proporção,

perspectiva e cor entre o objeto fotografado e a sua imagem real, sendo por esse motivo que

ele considera que “a imagem não é o real, mas é, pelo menos, o seu analogon perfeito” –, faz-

se pertinente passar à análise de seus aspectos denotativos, que, também, de acordo com o

citado autor, referem-se à leitura que a sociedade faz da imagem.

Para isso, fez-se necessário empreender uma análise em conjunto da foto, da sua

legenda e da própria matéria em que ela estava inserida, uma vez que “a estrutura da

fotografia não é uma estrutura isolada; identifica-se, pelo menos, com uma outra estrutura,

que é o texto (título, legenda ou artigo) que acompanha toda fotografia jornalística.”

(BARTHES, 1990, p. 12).

Assim, observou-se que a foto escolhida para ilustrar a matéria mostrava Renan

cabisbaixo e com os olhos direcionados para baixo, posição típica de um sujeito que está

envergonhado e sente-se constrangido em fitar seu espectador. A expressão pouco confiante

de Renan contrastou com o importante cargo de presidente do Senado ocupado por ele,

representado pela imponente cadeira em que ele estava sentado. A legenda que acompanhou a

referida foto apresentou uma fala atribuída a Renan – “Tudo foi pago com o meu dinheiro” –

que também contrastou com a sua imagem, na medida em que a frase afirmativa de Renan não

combinava com a sua expressão de insegurança.

Diante dessa perspectiva, pode-se inferir que havia uma incongruência entre a

convicção da fala atribuída a Renan apresentada na legenda da foto e a própria foto escolhida

para ilustrar essa matéria. Portanto, acredita-se que a escolha da foto e da legenda objetivou

reforçar a dúvida sobre a veracidade das explicações dadas pelo senador, também presente no

texto elaborado por Policarpo Junior.

Em seguida, esse jornalista voltou a apresentar indícios das ligações entre Cláudio

Gontijo e Renan. Dessa forma, contou que o lobista ajudou a família Calheiros em campanhas

políticas. No ano de 2004, contribuiu com as campanhas de Renanzinho (filho do senador),

Robson Calheiros (irmão do senador) e de José Wanderley (afilhado político do senador),

mas, sempre “por trás da contabilidade oficial”. O jornalista contou que obteve essas

informações por meio de um interlocutor de Gontijo que “conversou com a VEJA” e,

declarou em off, que Gontijo andou reclamando dos pedidos financeiros exagerados de Renan.

Foi relatado também que as relações “empreiteiro-familiares do clã Calheiros”

também envolviam o irmão de Renan, Olavo Calheiros. Tais relações foram descobertas no

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âmbito da Operação Navalha, especificamente, em um diálogo entre Zuleido Veras e Fátima

Palmeira (diretora da Gautama) captado pela Polícia Federal, o qual o jornalista teve acesso,

revelando que o grampo da Polícia Federal foi adotado como fonte para a obtenção de

informação. Nesse diálogo, Veras e Palmeiras falavam sobre uma emenda que teria sido

oferecida por Olavo, que beneficiaria a empresa. Esse diálogo foi esboçado na matéria em

apenas uma frase, proferida por Veras: “É o seguinte: aqui, o Olavinho passou aquela emenda

que ele tem para a gente”. Acionado por Policarpo Junior, Olavo disse que “Empreiteiro é

bravateiro, quer vender prestígio”, porque a referida emenda já havia sido apresentada há dez

anos. O jornalista argumentou que “o deputado Olavo Calheiros sempre atuou como uma

espécie de abre-alas para empreiteiros amigos. Zuleido, quando tinha dificuldades para se

encontrar com ministros a fim de tratar de licitações de obras e liberação de recursos,

acionava Olavo Calheiros.” Tais afirmações, feitas por Policarpo Junior, embasam-se no

relato em off de dois ex-ministros de Lula. Segundo eles, Olavo Calheiros já apareceu, de

surpresa, acompanhado pelo empreiteiro em audiência com ministros.

No último parágrafo, Policarpo Junior contou que as investigações da Operação

Navalha mostraram que os “tentáculos” de Veras chegavam ao Tribunal de Contas da União

(TCU) e, por meio, também, de uma conversa captada pela Polícia Federal, flagrou o

empreiteiro insinuando ter acesso privilegiado a pelo menos dois ministros do TCU –

Augusto Nardes e Guilherme Palmeira, parente da diretora da Gautama, Fátima Palmeira, que

se encontra em duas fotos que ilustram a matéria: uma delas tirada pela Polícia Federal em um

aeroporto.

As fotos tiradas de Palmeira, assim como, as escutas telefônicas que interceptaram as

conversas de Veras, evidenciam as transformações do regime de visibilidade na

contemporaneidade. As novas tecnologias de registro e reprodução de som e imagem tornam-

se, a cada dia, mais sofisticadas e acessíveis, fazendo com que seja mais difícil manter os

segredos dos sujeitos. Por conseqüência disso, na atualidade as chances de eclosão de um

escândalo tornam-se maiores do que em outros períodos. (THOMPSON, 2002).

Policarpo Junior relatou, ainda, que Renan, assim como Zuleido Veras, também era

íntimo de Guilherme Palmeira, que em 2004, passou informações ao senador a respeito do

processo de cassação do então governador de Alagoas, Ronaldo Lessa, que tramitava no

Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Apesar de não dizer como obteve essa informação, o

jornalista indicou que ouviu Guilherme Palmeira, que confirmou ser amigo de Renan, mas

não constava nessa matéria uma declaração de Palmeira afirmando ter dado acesso a

informações do TSE ao amigo. Palmeira admitiu também conhecer Veras, mas disse não ter

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atuado em nenhum processo de interesse da Gautama, ao menos que ele se lembrasse. Em

contrapartida, Policarpo Junior escreveu, jocosamente, que “o ministro, de fato, tem memória

fraca. Ele foi o relator do processo número 008 887/2007, que apura irregularidades num

contrato da Gautama com a prefeitura de Porto Velho”, denotando que o jornalista buscou se

inteirar dos processos que passaram pelas mãos do ministro.

O jornalista finalizou a matéria com o parecer do advogado Roberto Caldas, membro

da comissão de Ética Pública da Previdência. Ele garantiu que a relação entre um parlamentar

e um lobista é condenável: “evidentemente, esse tipo de relação é inaceitável para alguém que

ocupe um cargo público”. No entanto, questiona-se a validade dessa declaração, pois como o

próprio Policarpo Junior assinalou, o advogado consultado pela revista Veja não conhecia o

caso concreto e seu pronunciamento foi baseado na suposição de que se fosse comprovada a

relação financeira entre um parlamentar e um lobista, essa relação seria considerada

inaceitável e, como o jornalista afirmou, o advogado estava falando “em tese”.

Esse recurso assemelha-se àquele mencionado por Pires (2008) em relação à cobertura

do encaminhamento ao Congresso do projeto para a criação do Conselho Federal do

Jornalismo (CFJ), em agosto de 2006, pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva, a pedido da

Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj): determinadas afirmações presentes nos textos

jornalísticos, com vistas a fomentar certa opinião, derivavam de respostas formuladas pelos

entrevistados em caráter hipotético. Sendo, por esse motivo, elucidativa, conforme essa

pesquisadora apontou, a advertência presente no “Manual de Relacionamento com a

imprensa”, elaborado pela Escola Superior do Ministério Público da União, que recomenda

aos assessores orientarem seus assessorados a não responderem perguntas baseadas em

hipóteses, pois o jornalista poderá apresentar um julgamento quando o entrevistado estava

falando “em tese”.

A partir da publicação dessa matéria, a imprensa passou a enquadrar, de forma

preferencial, o processo deflagrado contra Renan Calheiros, dando menos ênfase aos

desdobramentos da Operação Navalha e ao seu personagem principal: Zuleido Veras. Tal

afirmação pode ser confirmada por uma pesquisa feita no banco de dados do Ministério do

Planejamento, onde se encontra um clipping de notícias relacionadas a políticas publicadas

pelos jornais de referência nacional. A pesquisa teve como parâmetro o período que

compreende a deflagração da Operação Navalha ao dia anterior à eclosão do escândalo Renan

Calheiros – 17 de maio a 25 de maio –, o período posterior à eclosão do referido escândalo –

26 de maio a 26 de junho – e o período entre a primeira denúncia contra Renan até o dia de

seu julgamento – 26 de maio a 13 de setembro.

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Por meio desse levantamento, descobriram-se informações interessantes: o nome de

“Renan Calheiros” foi citado pela imprensa de referência nacional 129 vezes no período que

antecedeu a primeira denúncia publicada contra ele na revista Veja, enquanto o nome de

“Zuleido Veras”, protagonista da Operação Navalha, foi citado 209 vezes. Isso demonstrou

que a imprensa já estava dando destaque à figura de Renan. Outro dado relevante refere-se ao

período de 26 de maio a 26 de junho de 2007, em que se pode notar, claramente, a preferência

da imprensa pelos desdobramentos do caso Renan, haja vista, o nome de “Zuleido Veras” foi

citado 249 vezes, enquanto o de “Renan Calheiros” foi citado 893 vezes. Já, ao observarmos

o caso por um período de tempo mais extenso, a preferência da imprensa pelo caso Renan fica

ainda mais clara. Desde a primeira acusação tecida contra Renan até o dia do seu julgamento

o nome de “Zuleido Veras” foi citado 323 vezes, contra 2.743 menções do nome de “Renan

Calheiros”.

Tabela 1 Grau de visibilidade de “Zuleido Veras” e “Renan Calheiros” na imprensa de referência

Período Zuleido Veras Renan Calheiros

17 de maio de 2007 – 25 de maio de 2007

209 129

26 de maio de 2007 – 26 de junho de 2007

249 893

26 de maio de 2007 – 13 de setembro de 2007

323 2.743

Fonte: Dados obtidos por meio de pesquisa no clipping do Ministério do Planejamento

Logo, notou-se que foram selecionados e salientados os fatos atinentes ao caso Renan,

e omitidos os acontecimentos desencadeados pela Operação Navalha, podendo-se concluir

que a mídia passou a dar mais destaque ao escândalo Renan Calheiros e aos seus

desdobramentos, demonstrando-se, dessa maneira, qual foi o enquadramento dado à realidade,

afinal, “a maioria dos enquadramentos são definidos tanto por aquilo que omitem, quanto por

aquilo que incluem” (ENTMAN48 apud LIMA, 2006, p. 17).

Dois dias após a reportagem da revista Veja ter entrado em circulação – dia 28 de maio

de 2007 –, Renan resolveu se manifestar de forma mais contundente sobre o caso e, para isso,

utilizou a tribuna do Senado para proferir um discurso, no qual pediu desculpas a sua família e

48 ENTMAN, Robert. Framing: toward clarification of a fractured paradigm. Journal of Communication, v. 43, n.4, p. 51-58, 1993.

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a Cláudio Gontijo e buscou esclarecer o motivo de sua proximidade com o lobista e ratificar

que os recursos gastos com a pensão alimentícia de sua filha com Mônica Veloso eram seus.

Em sua preleção, Renan tentou posicionar-se como vítima da prática do denuncismo e

buscou obter a complacência de seus pares, apresentando-se humilde e constrangido por

assumir publicamente o ônus da revelação de um segredo pessoal, que segundo ele, trazia-lhe

grande pesar. Em seu pronunciamento, assumiu ter uma filha fora de seu casamento, contou

que ele e Mônica Veloso, mãe da criança, passaram a ter uma relação delicada, sendo esse o

motivo dele ter pedido a Cláudio Gontijo intermediar a relação entre os dois.

Em seguida, Renan passou a apresentar documentos capazes, a princípio, de validar a

sua fala. Ele afirmou ter reconhecido voluntariamente a paternidade da filha em dezembro de

2005, passando a pagar desde, então, uma pensão de três mil reais a sua representante legal,

Mônica Veloso. Nos dois primeiros meses – dezembro de 2005 e janeiro de 2006 – o

pagamento deu-se por meio de cheques nominais a Veloso, compensados na conta número

103921-9 do UNIBANCO. A partir de fevereiro de 2006, o pagamento de três mil reais

mensais passou a ser deduzido em sua folha de pagamento como senador.

Durante o período de março de 2004 a dezembro de 2005, Renan não apresentou

documentos que comprovassem o pagamento em torno de oito mil reais mensais à Mônica

Veloso. Segundo ele, por que ainda não havia assumido a paternidade da criança. Durante

esse período, Renan disse ter arcado com recursos próprios o aluguel de uma casa e,

posteriormente, o aluguel de um apartamento para Veloso e sua filha.

Não convencido da veracidade das declarações de Renan, no dia 29 de maio de 2007,

o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), representado pelo seu líder no Senado, José Nery

(PSOL-PA), protocolou no Conselho de Ética do Senado uma representação contra Renan,

para que se instaurasse uma acareação sobre as acusações remetidas a ele pela revista Veja.

Na reportagem de Luciana Vasconcelos, publicada pela Agência Brasil, nesse mesmo dia,

intitulada: “P-SOL entra com representação contra Renan Calheiros no Conselho de Ética”, a

ex-senadora Heloísa Helena (PSOL-AL) explicou que:

Quando um partido faz uma representação para identificação de quebra de decoro, ele investiga o abuso das prerrogativas asseguradas ao parlamentar, os crimes contra a administração pública, intermediação de interesses privados, exploração de prestígio, tráfico de influência e recebimento abusivo de vantagens indevidas. (VASCONCELOS, 2007).

Para tentar comprovar a origem do dinheiro usado para arcar com as despesas da filha

e evitar a abertura de um processo disciplinar, no dia 30 de junho de 2007, Renan, por meio

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de seu advogado Eduardo Ferrão, entregou ao corregedor do Senado, o senador Romeu Tuma

(PDT-SP), documentos que comprovariam a sua inocência diante das acusações tecidas pela

revista Veja, conforme foi apurado pela jornalista Christiane Samarco49 da Agência Estado.

Christiane Samarco relatou que tais documentos eram compostos por extratos

bancários de 2003 a 2006, recibos de pagamentos feitos a Mônica Veloso e declarações de

Imposto de Renda que, segundo Eduardo Ferrão, em declaração dada a essa jornalista, seriam

capazes não só de mostrar a existência de retiradas feitas nas contas do então presidente do

Senado, como também de indicar a origem dos recursos movimentados por ele e de

demonstrar que a sua evolução patrimonial era compatível com a sua renda.

O corregedor do senado, Romeu Tuma (PDT-SP), que também foi ouvido por

Cristiane Samarco, comentou, em relação à ausência de comprovantes de pagamento da

pensão durante o período anterior a 2005, não ver problemas nisso, pois, “ele não precisava

pedir recibo (do período anterior ao reconhecimento da paternidade, já que depois disso a

pensão passou a ser descontada do contracheque do senador). Seria constrangedor, pois eles

[Renan e Mônica Veloso] podiam ter ainda alguma relação”.

Um dia depois de receber os documentos de Renan – dia 31 de junho de 2007 –, Tuma

deu seu parecer sobre eles à corregedoria. Segundo a reportagem da jornalista Luciana

Vasconcelos50, da Agência Brasil, o corregedor mostrou-se convencido de que Renan possuía

recursos para pagar os valores relativos à pensão da filha. Nessa matéria foi publicada,

também, a informação de que Tuma pretendia ouvir o depoimento de Cláudio Gontijo na

semana seguinte.

Nota-se, assim, o processo de accountability: a imprensa colocou em discussão

questões que julgou merecer esclarecimento e os citados buscaram se explicar. Nesse caso,

Gontijo simplesmente negou as acusações e, Renan, indo mais longe, expôs sua intimidade

publicamente para tentar justificar sua proximidade com o lobista e explicar a origem do

dinheiro repassado à representante legal de sua filha. Além disso, Renan apresentou

documentos à corregedoria do Senado, em uma tentativa de evitar a abertura de um processo

disciplinar no Conselho de Ética contra ele. Tuma, por seu turno, analisou os documentos e

declarou que pretendia ouvir o depoimento de Gontijo.

49 SAMARCO, CHRISTIANE. Advogado de Renan entrega documentos a Tuma. Agência Estado, 30 mai. 2007. Disponível em: <http://clientes.agestado.com.br/tribuna/20070530043.html> Acesso em: 02 set. 2008. 50 VASCONCELOS, Luciana. Para corregedor, documentos de Renan Calheiros apontam fundos para pagamento de pensão. Agência Brasil. 31 mai. 2007b. Disponível em: <http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/05/31/materia.2007-05-31.3944247422/view> Acesso em: 02 set. 2008.

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Na edição 2011 da revista Veja, do dia 2 de junho de 2007, foi publicada uma nova

matéria contra Renan, escrita por Policarpo Junior, intitulada: “Eles são unha e carne”. Nela, o

jornalista disserta sobre o envolvimento de Renan com Cláudio Gontijo. Dessa vez, a revista

Veja apresentou documentos que comprovariam a ligação financeira entre os dois, justamente,

no período de março de 2004 a novembro de 2005, período em que Renan não apresentou

documentos para comprovar o pagamento da pensão à Mônica Veloso.

Nessa matéria, o jornalista Policarpo Junior, disse ter descoberto que Gontijo foi o

fiador, a pedido de Renan, do aluguel de dois imóveis, em que Veloso viveu com a filha – os

mesmos imóveis citados em seu discurso no dia 28 de maio no Senado. Desse modo, segundo

o autor da matéria, Gontijo era, do ponto de vista estritamente legal, o responsável último pelo

pagamento do aluguel, já que a atribuição do fiador, nesse caso, é garantir o pagamento do

aluguel perante o locador, a imobiliária e a Justiça. E, de acordo com Paulo Calmon Filho,

advogado de Veloso – ouvido pelo jornalista – as despesas de sua cliente realmente corriam

por conta do lobista, tendo em vista, que ela ia todos os meses ao escritório da Mendes Júnior

apanhar um envelope com o dinheiro da pensão alimentícia da criança e do aluguel, quando

era o caso.

Diante dos fatos apresentados, Policarpo Junior considerou, em sua preleção, haver

provas contundentes da promiscuidade financeira entre Renan e Gontijo. Com isso, a revista

Veja aciona a accountability vertical não só da parte de Renan, mas do próprio Conselho de

Ética do Senado, que poderia acionar a accountability horizontal, tomando a iniciativa de

desvendar a origem do dinheiro usado para custear parte das despesas do então presidente do

Senado, como se verificou no trecho abaixo.

O Conselho de Ética, que examina a relação de Renan com o lobista, tem o poder de desvendar se o dinheiro usado por Gontijo para pagar as despesas de Renan era dele mesmo, do senador ou de outra fonte qualquer. O advogado de Mônica e a própria jornalista têm convicção formada a respeito da origem do dinheiro e não a escondem. Será muito útil ouvi-los oficialmente a respeito. (POLICARPO JUNIOR, 2007b).

Cabe salientar que no dia 5 de junho de 2007, um dia antes da publicação da matéria

na Veja, o corregedor do Senado, Romeu Tuma (PDT-SP) – que já havia ouvido Renan no dia

31 de junho – ouviu o depoimento do lobista Cláudio Gontijo, que negou, mais uma vez, ter

custeado com seu dinheiro ou da Mendes Júnior, a pensão paga à Mônica Veloso,

confirmando a versão de Renan. No entanto, as jornalistas Fernanda Krakovics e Andreza

Matais, em reportagem para a Folha de S. Paulo, intitulada: “Lobista confirma versão de

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Renan em depoimento à corregedoria”, publicada no dia 6 de junho de 2007, disseram ter

apurado que “a defesa de Gontijo foi construída junto com assessores de Renan”, justificando,

de certa forma, a coesão entre o depoimento dos dois.

Em 6 junho de 2007, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar resolveu acatar a

representação do PSOL e abriu um processo contra Renan. A jornalista Christiane Samarco51,

em reportagem para O Estado de S. Paulo, avaliou que apesar de haver uma disposição inicial

do Conselho em encerrar logo o caso Renan Calheiros, levando o relatório de Tuma à votação

e arquivando a representação do PSOL, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar viu-se

constrangido pela imprensa, por setores da oposição do PMDB e do próprio PSOL que havia

“amanhecido” no Conselho de Ética, divulgando um manifesto para que se abrisse uma

acareação contra Renan.

Conforme revelou Gabriela Guerreiro, no dia 6 de junho de 2007, em reportagem para

a Folha Online, intitulada “Sibá nega blindagem na escolha de relator em processo contra

Renan”, o presidente do Conselho de Ética, o senador Sibá Machado (PT-AC), designou,

como relator do processo aberto contra Renan, o senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA).

Como Cafeteira era ligado ao senador José Sarney (PMDB-AP), um dos principais

interlocutores de Renan no Senado, temia-se que ele o protegesse de uma eventual perda de

mandato, afinal, o relator é quem decide os rumos das investigações. Rebatendo as críticas

feitas pelos parlamentares e repercutidas pela imprensa, Machado disse que Cafeteira teria o

perfil adequado para investigar Renan.

No dia 9 de junho de 2007, foi a vez de Mônica Veloso manifestar-se publicamente.

Em uma reportagem publicada na edição 2012 da revista Veja, cujo título foi: “Dinheiro era

sempre com Cláudio”, Veloso confirmou ao jornalista Policarpo Junior ter recebido o

dinheiro, referente à pensão alimentícia da filha, por meio de Cláudio Gontijo, mas

desconhecia a origem do dinheiro e não saberia dizer se o dinheiro era de Renan ou não.

Nessa mesma matéria, Policarpo Junior demonstrou que o dinheiro utilizado para

custear essas despesas, de Veloso, as quais o então presidente do Senado garantiu terem sido

pagas com recursos próprios, definitivamente, não poderia ter saído de suas contas. A revista

analisou os extratos bancários entregues por ele à corregedoria do Senado e comprovou que o

senador possuía recursos para arcar com as despesas. Contudo, a movimentação bancária de

51 SAMARCO, Christiane. Conselho de Ética abre processo contra Renan. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 07 jun. 2007b. Disponível em: <http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2007/6/7/noticia.359975/?searchterm="renan%20calheiros"> Acesso em: 03 set. 2008.

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suas contas quase nunca coincidiu com as datas em que a jornalista recebera os recursos.

Ressalta-se aqui a análise feita pelo jornalista a esse respeito:

Como as datas das retiradas não conferem com as dos pagamentos à jornalista, mas há saques de valores expressivos, o senador poderá alegar que pegou o dinheiro e guardou-o em casa por dias, por semanas, às vezes por meses, até chegar a hora do pagamento. Faz sentido matemático, mas não faz nenhum sentido prático. (POLICARPO JUNIOR, 2007c, grifo nosso).

Diante desses novos fatos, o jornalista avaliou, de forma irônica52, que o único que

parecia ter acreditado no lobista e em Renan era o corregedor Romeu Tuma (PDT-SP), que se

mostrou convencido da versão dos fatos apresentadas por Renan e Cláudio Gontijo.

No dia 11 de junho de 2007, Renan buscou provar sua inocência antes mesmo de ser

notificado oficialmente pelo presidente do Conselho Ética, Sibá Machado (PT-AC),

apresentando ao Conselho uma relação de cópias de cheques, extratos bancários e setenta

recibos em folhas de papel, para tentar comprovar que ele, realmente, possuía rendimentos

suficientes para arcar com as despesas da pensão paga a Veloso, conforme relatou a jornalista

Adriana Vasconcelos, em uma matéria publicada pelo jornal O Globo, no dia 12 de junho de

2007, intitulada: “Renan antecipa defesa ao Conselho”.

No dia 13 de junho de 2007, a jornalista Renata Giraldi, escreveu uma matéria

intitulada: “Relator do Conselho de Ética diz que há ‘ausência de provas’ contra Renan”,

publicada na Folha Online, na qual contou que dois dias depois de receber os documentos

referentes à defesa de Renan, o relator do processo, Epitáfio Cafeteira (PTB-MA), apresentou

um relatório, em que concluiu que não havia provas incisivas contra o então presidente da

Casa e, por conseqüência, dever-se-ia arquivar a ação contra ele.

Ainda, segundo a jornalista Renata Giraldi, parte dos senadores que integravam o

Conselho de Ética, era a favor de se aprofundar as investigações. Os membros do PSOL,

também, defendiam a continuação das investigações e declararam que continuariam lutando

pela apuração dos fatos mesmo que Cafeteira desse o processo por encerrado.

A referida jornalista publicou outra matéria nesse mesmo dia, cujo título era: “Relator

quer arquivar processo contra Renan; senadores tentam adiar votação”, em que trouxe a

informação de que os líderes dos partidos PDT, PSDB, DEM, PSB e PSOL no Senado

52 A ironia é um tipo de figura de linguagem definida por Cherubim (1989, p. 41) como uma afirmação que pretende expressar o contrário do que literalmente está se afirmando, ou seja, ocorre a ironia quando “se diz o contrário do que se pensa, com intenção sarcástica”. No entanto, a decodificação da ambigüidade inerente à ironia, que dá o sentido que o seu autor pretende, depende do interlocutor. Por isso, pode-se dizer que na produção do discurso há uma atitude potencialmente irônica. (PEXMAN; OLINECK apud BENETTI, 2007).

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apresentaram um pedido coletivo de vista – adiamento da votação –, solicitando um prazo

maior para o exame do relatório antes que ele fosse votado, que acabou sendo acatado pelo

presidente do Conselho que remarcou a votação do relatório de Cafeteira para o dia 15 de

junho de 2007.

Também, de acordo com a jornalista Renata Giraldi, em uma matéria intitulada

“Senadores acreditam no arquivamento de processo contra Renan”, publicada na Folha

Online, as vésperas da votação – 14 de junho de 2007 –, o clima no Senado indicava que o

processo seria arquivado. Especulava-se que dos 15 votos do Conselho de Ética, nove seriam

favoráveis a Renan e seis contra ele. Valdir Raupp (RO), líder do PMDB no Senado,

inclusive, chegou a dizer que não sabia se a aprovação do relatório de Epitáfio Cafeteira

(PTB-MA) ganharia de goleada, mas certamente ele seria aprovado.

A especulação sobre o placar baseava-se no seguinte raciocínio: o Conselho de Ética

era composto por 15 membros, dos quais seis eram dos partidos de oposição: DEM e PSDB,

composta também pelos senadores Demóstenes Torres (PSDB-GO) e Jefferson Peres (PDT-

AM). Os outros nove compunham a base aliada: PT e PMDB, que contava com o apoio dos

senadores Renato Casagrande (PSB-ES) e o líder do Conselho Sibá Machado (PT-AC), que

em caso de empate na votação poderia desempatar.

Contudo, uma reportagem exibida pelo Jornal Nacional, da Rede Globo, nesse mesmo

dia, complicou a situação do então presidente do Senado. Nela, notou-se, claramente, a prática

do jornalismo investigativo empreendida por esse telejornal. Os jornalistas Elder Miranda e

Carlos De Lannoy tiveram acesso às cópias dos documentos apresentados por Renan ao

Conselho de Ética e tentaram checar as informações, localizar as empresas e pessoas que

teriam comprado animais de suas fazendas, empreendendo uma investigação. Ao confrontar

as informações, esses jornalistas encontraram várias incongruências e indícios de que Renan

havia apresentado notas frias para provar a origem do dinheiro pago à Mônica Veloso.

De acordo com Renan, ele era o proprietário de três fazendas e arrendava outras três,

onde criava 1.700 cabeças de gado, que teriam rendido nos últimos quatro anos 1,9 milhão de

reais. No entanto, o gerente de suas fazenda, Everaldo de Lima Silva, afirmou ao jornalista do

Jornal Nacional que o senador possuía, na verdade, 1.100 animais.

Segundo constava nos recibos, Renan havia vendido gado para seis empresas. Uma

delas era a Carnal Carnes Alagoas Ltda., cujos recibos indicavam ter comprado 127 mil reais

em gado do senador. Todavia, João Teixeira dos Santos, sócio-gerente desta empresa afirmou

jamais ter comprado nada de Renan. Sua empresa estava inativa e ele foi multado pela

Secretaria de Fazenda do Estado de Alagoas, por extravio de notas fiscais.

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Outra empresa que teria comercializado com Renan é a GF da Silva Costa, que teria

feito uma compra no valor 164 mil reais. Entretanto, os repórteres não conseguiram encontrar

o seu dono, Genildo Ferreira da Silva Costa. Eles foram até o endereço de sua residência e o

local onde sua empresa deveria funcionar, mas ninguém o conhecia. O CPF (Cadastro de

Pessoas Físicas) de Costa estava suspenso na Receita Federal e, na Secretaria da Fazenda do

Estado de Alagoas, constava que sua empresa estava inativa e tinha sido multada em 680 mil

reais, por extravio de notas.

A Stop Carnes, também, foi citada por ter supostamente comprado 47 mil reais em

bois de Renan. Apesar de estar em funcionamento esta empresa apresentava-se como inativa

na Secretaria da Fazenda do Estado. Seu proprietário, Elzir de Sousa Silva, confirmou ter

comprado gado de Renan, mas não sabia quantos, nem tinha recibos das transações.

O maior cliente de Renan, a M. W. Ricardo da Rocha, teria comprado 429 mil reais

em gado. Porém, essa micro-empresa declarou à Receita Federal um faturamento de apenas

23 mil reais no ano em que Renan disse ter vendido gado para ela.

Procurado pelo Jornal Nacional, Renan afirmou, em sua defesa, que poderia

demonstrar a legalidade da venda do gado com notas fiscais, guias de transporte animal e

cópias de cheques. Disse ainda, que o gerente de sua fazenda não tinha noção da quantidade

de bois que ele possuía e não era problema seu, se as empresas compradoras de seus animais

tivessem problemas fiscais.

O Jornal Nacional apurou, também, que entre os anos 2003 e 2006, os bois criados

por Renan haviam sido vendidos, em média, por 59,40 reais a arroba. Nesse mesmo período, a

arroba do gado criado no estado de São Paulo era comercializado por 57,20 reais. O exame

desses números mostra uma incoerência: o Estado de Alagoas era tido até o ano de 2005

como uma “zona de risco desconhecido” para febre aftosa – ano em que o senador disse ter

obtido os melhores preços para os seus bois: 69,3 reais por arroba, enquanto, em São Paulo,

onde a doença é controlada com vacinação, a arroba do boi gordo teria sido vendida em média

por 61,1 reais.

Diante das suspeitas levantadas pelo Jornal Nacional de que teria usado notas frias

para comprovar sua renda, o então presidente do Senado apresentou em sua defesa notas

fiscais, cópias de cheques, registro de vacinação dos bois e guias de trânsito animal à base

aliada – PMDB e PT – e ao Conselho de Ética. Em vista disso, o presidente do Conselho de

Ética, Sibá Machado (PT-AC), decidiu que os peritos deveriam analisar esses novos

documentos para que fosse verificada a veracidade dos papéis. Além disso, para não arquivar

o caso sem investigação, o Conselho de Ética adiou a votação do relatório de Epitáfio

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Cafeteira (PTB-MA) que fora transferido do dia 15 de junho de 2007 para o dia 19 desse mês

e, convocou o advogado de Mônica Veloso, Pedro Calmon Filho e Cláudio Gontijo para

prestarem depoimento, demonstrando a eficácia da accountability acionada pelo referido

telejornal.

Em 16 de junho de 2007, o Conselho entregou à Polícia Federal os documentos

anexados ao processo contra Renan, que os encaminhou para o Instituto Nacional de

Criminalística (INC) que, logo no dia 19 de junho de 2007, apresentou um laudo, atestando a

veracidade material da documentação. Mas, apontou conflitos entre as datas em que Renan

teria vendido os lotes de gado e aquelas em que havia registro de depósitos em suas contas

bancárias, conforme relatou Andréa Michael em uma matéria publicada no jornal Folha de S.

Paulo, intitulada: “PF encontra contradições nos papéis de Renan”.

No dia 18 de junho de 2007, de acordo com o que foi noticiado pelo jornal O Globo –

em duas matérias publicadas no dia 19 de junho de 2007 –, Pedro Calmon Filho, advogado de

Mônica Veloso, e Cláudio Gontijo, lobista da Mendes Júnior, apresentaram-se durante a

sessão do Conselho de Ética.

Na matéria “Advogado contesta Renan e é hostilizado”, as jornalistas de O Globo,

Adriana Vasconcelos e Maria Lima, contaram que durante a sessão em que Calmon Filho foi

ouvido, a “tropa de choque” – base aliada – de Renan tentou desqualificar tanto Calmon

Filho, quanto a sua cliente, acusando-os de ter pedido vinte milhões de reais para não

divulgarem um dossiê contra Renan. Contudo, segundo as jornalistas, o advogado não se

intimidou e revelou, ainda, que além da pensão de três mil reais debitada na folha de

pagamento de Renan, ele pagava “por fora” nove mil reais, pois com base na declaração de

rendimentos apresentada por ele à Justiça em maio de 2005, da qual constava apenas seu

salário como parlamentar, a pensão alimentícia teria que ser fixada em três mil reais.

Já a matéria sobre o depoimento de Gontijo, elaborada por Maria Lima e também

publicada em O Globo, intitulada: “Lobista defende Renan e é cumprimentado”, revelou que

Gontijo admitiu ter entregado, a pedido de Renan, dinheiro para Mônica Veloso, mas negou,

novamente, que o dinheiro fosse seu ou da Mendes Júnior. Ao comparar o título dessa matéria

com a da citada anteriormente, pode-se notar a tentativa do Senado proteger Renan, haja vista,

os títulos dessas matérias tinham a mesma estrutura – “Advogado contesta Renan e é

hostilizado”, “Lobista defende Renan e é cumprimentado” –, justamente, para que o leitor

pudesse, facilmente, observar a relação existente entre elas.

Assim, as negativas de Renan e Gontijo acerca da acusação de que este pagava as

contas daquele foram enfraquecidas pelas declarações de Mônica Veloso à revista Veja, pela

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análise dos extratos bancários de Renan feita, também, pela revista Veja, pela checagem dos

recibos apresentados ao Conselho de Ética e pelas ponderações sobre o valor do gado feitas

pelo Jornal Nacional, indicando que o então presidente do Senado teria apresentado notas

frias em sua defesa, levantando suspeita sobre a sua evolução patrimonial.

Então, passou-se de um escândalo de primeira ordem para um escândalo de segunda

ordem, pois a primeira acusação deu lugar a um ciclo de afirmações e contra-afirmações que

deixaram em segundo plano a ofensa inicial e abasteceu o escândalo, que foi sendo

incrementado pelos novos fatos. (THOMPSON, 2002).

O dia 18 de junho de 2007 foi marcado, também, pelo afastamento de Epitáfio

Cafeteira (PTB-MA) da relatoria do processo contra Renan. Cafeteira teve problemas de

saúde e licenciou-se de suas funções. Seu posto foi ocupado interinamente pelo presidente do

Conselho Sibá Machado (PT-AC), que no dia seguinte nomeou o senador Wellington Salgado

(PMDB-MG), aliado de Renan, para ser o novo relator do processo, conforme foi exposto na

matéria publicada no jornal O Globo, intitulada: “Relator renuncia, Sibá acumula funções e

adia sessão”, de autoria do jornalista Gerson Camarotti.

No dia 19 de junho, data em que deveria ser votado o relatório de Cafeteira, senadores

da base aliada de Renan e da oposição pressionaram o Conselho de Ética a adiar novamente a

votação para que as investigações pudessem ser concluídas. Como a maioria dos integrantes

do Conselho indicava ser favorável ao adiamento da votação, o presidente do órgão propôs

seu adiamento. Wellington Salgado não concordou e renunciou a relatoria do processo.

Cabe destacar que neste momento, Renan já não tinha mais a maioria necessária para a

aprovação do relatório do senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA), que o inocentava das

denúncias. Os senadores Eduardo Suplicy (PT-SP), Augusto Botelho (PT-RR), Renato

Casagrande (PSB-ES) e Valter Pereira (PMDB-MS), pertencentes à base aliada de Renan,

juntaram-se aos senadores do PSDB e do DEM e a Jefferson Peres (PDT-AM) que desde o

princípio do processo desencadeado eram contrários à votação do relatório de Cafeteira.

Com isso, os ecos, sugerindo o afastamento de Renan da presidência do Senado,

transformaram-se em um forte clamor pela sua saída. Segundo reportagem publicada pelo O

Estado de S. Paulo, no dia 20 de junho de 2007, intitulada: “Renan perde apoio no Senado e

sofre pressão para renunciar”, das jornalistas Ana Paula Scinocca, Christiane Samarco, Sônia

Filgueiras, as vozes que materializaram esse clamor eram a dos senadores Pedro Simon

(PMDB-RS), Jefferson Peres (PDT-AM) e Cristovam Buarque (PDT-DF), que se

posicionaram, no plenário, a favor do afastamento de Renan, por considerarem que as

denúncias contra ele “sangravam” a Casa.

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O jornalista Sérgio Pardellas, do jornal Gazeta Mercantil, avaliou ainda na matéria

“Estratégia de Renan é prolongar o processo”, publicada no dia 22 de junho de 2007, que os

parlamentares deviam estar se sentindo mais acuados pela pressão da imprensa do que

convencidos de que o investigado não teria renda compatível com os repasses feitos à Mônica

Veloso. Por isso, esperavam postergar o processo para que a temperatura dos noticiários

pudesse baixar com falta de novas acusações que o comprometessem.

Para retardar o processo, Sibá Machado (PT-AC) passou a ser pressionado por aliados

de Renan e pelo Palácio do Planalto a deixar seu posto de presidente do Conselho. Apesar de

negar, oficialmente, essa versão, ele acabou deixando o cargo no dia 26 de junho de 2007,

como relataram as jornalista Rosa Costa e Christiane Samarco, em reportagem para O Estado

de S. Paulo, publicada no dia 27 de julho de 2007, intitulada: “Pressão para salvar Renan

derruba presidente do Conselho de Ética”.

Segundo essas jornalistas, pode ter pesado na decisão de Machado o “corpo mole” dos

seus pares que se negavam a assumir a relatoria do processo, impedindo que o mesmo

caminhasse, deixando que todas as queixas recaíssem sobre ele. Ele estava sendo pressionado

por José Agripino Maia (DEM-RN) para dar andamento ao processo e conseguir um novo

relator, sob a ameaça de esse convocar os líderes dos outros partidos para indicarem um nome

em consenso, recebia em média 1.000 e-mails por dia com reclamações sobre sua atuação na

presidência do conselho, era criticado pela imprensa de seu Estado que lhe pedia para não

trair os votos da ministra Marina Silva, de quem é suplente. Dessa maneira, Machado viu-se

como um “espantalho” no Conselho. Com isso, quando nem o senador Valdir Raupp (PMDB-

RO) aceitou a missão de ser relator, o petista renunciou, dizendo que o PT arcaria com o

“sacrifício” da presidência do Conselho, mas o PMDB não cumpriu a tarefa de ficar com a

relatoria.

No dia seguinte, o senador Leomar Quintanilha (PMDB-TO), aliado de Renan, elegeu-

se como novo presidente do Conselho de Ética do Senado. A disputa foi travada entre

Quintanilha e Arthur Virgilio (PSDB-AM). Como a base aliada do governo federal era a

maioria, venceu Quintanilha, por nove votos a seis, conforme relatou a jornalista Gabriela

Guerreiro, na matéria intitulada: “Senador peemedebista é eleito presidente do Conselho de

Ética do Senado”, publicada na Folha Online, no dia 27 de junho de 2007.

No mesmo dia, a Folha Online publicou outra matéria da citada jornalista, intitulada:

“Peemedebista indica Renato Casagrande para relator do caso Renan”, na qual informou que

Quintanilha havia indicado como o novo relator do processo, o senador Renato Casagrande

(PSB-ES). A indicação de Casagrande foi apoiada por senadores do governo e da oposição, já

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que ele havia adotado uma postura mais independente no caso, mesmo fazendo parte da base

aliada ao governo.

No dia 2 de julho de 2007, segundo os jornalistas da Folha de S. Paulo Fernanda

Krakovics e Silvio Navarro, em uma matéria intitulada: “Processo contra Renan no Senado

volta à estaca zero”, Leomar Quintanilha (PMDB-TO), sem consultar os outros integrantes do

Conselho de Ética e respaldado pela consultoria legislativa e pela advocacia geral do Senado,

mandou de volta o processo contra Renan à Mesa do Senado. Sua atitude embasou-se em um

parecer encomendado à consultoria jurídica, que revelou que o processo apresentava

irregularidades quanto à legitimidade de solicitação do serviço de órgãos externos para

apuração de fatos e de responsabilidades, por isso, ele deveria voltar à Mesa que teria

competência para saná-las.

A atitude de Quintanilha foi fortemente criticada pelos parlamentares e pela imprensa,

por ter sido entendida como uma manobra para retardar ainda mais o processo contra Renan,

podendo, inclusive, levar a um fechamento do mesmo, haja vista que o presidente da Mesa era

o próprio investigado.

Essa manobra acabou prejudicando ainda mais Renan. Com essa nova circunstância

PDT, PSDB e PSOL oficializaram o pedido de afastamento de Renan da presidência do

Senado e, segundo levantamento apresentado na matéria elaborada por Sérgio Pardellas,

“Renan perde apoio de colegas”, publicada no Jornal do Brasil, no dia 4 de julho de 2007,

pelo menos, 48 dos 81 senadores compartilhavam dessa mesma posição.

Dessa forma, diante de inúmeras críticas, a manobra de Quintanilha foi derrotada e os

membros da Mesa devolveram, novamente, o processo contra Renan para o Conselho de Ética

do Senado.

Em meio à polêmica gerada pelo encaminhamento do processo à Mesa e sua

devolução ao Conselho, Quintanilha convocou três senadores para serem seus relatores. Foi

decidido que o PMDB teria direito de indicar um dos relatores, a oposição ficaria com a

segunda vaga e o bloco de apoio ao governo com a terceira. Desse modo, foram escolhidos

para a relatoria do Conselho os senadores Renato Casagrande (PSB-ES), Marisa Serrano

(PSDB-MS), que sempre defenderam um aprofundamento das investigações, e Almeida Lima

(PMDB-SE), membro da “tropa de choque” de Renan, conforme foi noticiado pelas

jornalistas do O Estado de S. Paulo, Ana Paula Scinocca, Rosa Costa e Cida Fontes, na

matéria: “Renan fica com um só aliado no trio de relatores”, publicada no dia 5 de julho de

2007.

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3.2.2 Segunda denúncia – Negócios Milionários

No dia 7 de julho de 200753, surgiu uma nova acusação contra Renan, publicada pela

revista Veja, em sua edição número 2016. Tal acusação tornou-se pública por meio de uma

matéria, elaborada pelo jornalista Otávio Cabral, intitulada: “Negócios Milionários”, cujo

bigode era: “Nos últimos anos, a fortuna de Renan Calheiros e de sua família não pára de

crescer. Somente uma transação com a cervejaria Schincariol rendeu 17 milhões de reais de

lucros aos Calheiros, num negócio crivado de estranhezas”.

Uma análise comparativa do título e do bigode dessa matéria mostrou que o título fez

referência a negócios no plural, indicando que Renan estava envolvido em mais de um

negócio milionário, denotando que a transação com a Schincariol foi apenas um deles, apesar

de não ter sido apontado nenhum outro ao longo da matéria.

Passando a análise do corpo do texto, notou-se que Otávio Cabral optou por iniciá-lo

descrevendo qual era o clima no Senado. Segundo ele, durante uma sessão do Senado no dia 3

de julho de 2007, que ele qualificou como “devastadora”, em duas horas e cinqüenta minutos,

quinze dos dezessete senadores que pediram a palavra “exortaram” Renan a se afastar da

presidência do Senado. Os pedidos “em série” começaram após o senador Arthur Virgilio

(AM), líder do PSDB, declarar que seu partido também havia decidido pedir o afastamento de

Renan. Em resposta, Renan teria dito que não arredaria o pé do cargo e afirmado que nem

sabia do que era acusado.

Diante da preleção do jornalista, pode-se inferir que o clima no Senado já estava

desfavorável à permanência de Renan frente à presidência da Casa e, por conseqüência, com a

nova acusação, publicizada pela revista Veja, a sua situação tenderia a piorar. A fala de

Otávio Cabral também reforçava o discurso apresentado por ele mesmo na matéria intitulada

“Hora de partir”, publicada na edição número 2014 da revista Veja, cuja capa trazia a

pergunta “Por que ele [Renan] tem que sair?”, na qual este jornalista versou sobre a

inconsistência das explicações sobre a negociação de gado dadas por Renan para tentar

demonstrar a origem do dinheiro usado para arcar com os custos da pensão paga à

representante legal de sua filha. Assim, o jornalista avaliou que “com tudo o que já veio à tona

– sobre suas relações promíscuas com o lobista, sobre as mentiras que contou aos senadores,

53 Assim como nas outras matérias analisadas, publicadas pela revista Veja, a data de inicio da circulação da revista e a data da edição impressa na capa da revista não coincidem. Neste caso, a revista passou a circular no dia 7 de julho de 2007 (sábado), mas na capa da revista está impressa a data: 11 de julho de 2007 (quarta-feira).

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sobre sua defesa, que requer sempre um complemento – Renan Calheiros perdeu as condições

de manter-se na presidência do Senado. Ou Renan deixa o comando da Casa. Ou a Casa

afunda com Renan.”

O discurso apresentado por Otávio Cabral na edição 2016 da revista Veja ganhou

ainda mais força quando foi relacionado a uma das fotos que compôs essa matéria,

reproduzida logo abaixo (Figura 3).

Figura 3: Manifestação pela saída de Renan da presidência do Senado em Brasília

Fonte: Foto de Dida Sampaio da Agência Estado, publicada na revista Veja, edição n. 2017

Esta foto mostrava em primeiro plano uma fantasia de boi-bumbá54 dourado –

elemento que simboliza e que, portanto, conota a questão controversa dos negócios

agropecuários do senador investigado –, cujo pescoço estava estampado com a letra “R”,

inicial de Renan. Em segundo plano, encontravam-se diversas pessoas reunidas e, atrás delas

estava enquadrado o Congresso Nacional.

Tal foto, feita por Dida Sampaio da Agência Estado foi acompanhada por uma legenda

que trazia os seguintes dizeres: “Manifestação pela saída de Renan Calheiros: nas ruas e,

agora, também no plenário do próprio Senado”. A interpretação conjunta da foto e da legenda

induz a interpretação de que havia sido promovida uma manifestação popular pela saída de

Renan, fato que legitimaria e enriqueceria a perspectiva apresentada por Otávio Cabral sobre

a situação de Renan e o clima desfavorável a sua permanência frente à presidência do Senado.

Contudo, nada a respeito dessa manifestação foi mencionado no corpo do texto e ao se

pesquisar outras fontes da imprensa, descobriu-se que, na verdade, tal manifestação retratada

na reportagem de Otávio Cabral foi encabeçada pelo PSOL e não pelo “povo”. Segundo a

reportagem elaborada pela jornalista Gabriela Guerreiro, intitulada “Heloísa Helena chama de

54 O boi-bumbá é uma manifestação folclórica típica do nordeste do Brasil, que consiste em dançar, cantar e tocar em volta de uma fantasia de boi bailante, rodeado por um grupo de pessoas que se trata por brincantes. (CARVALHO, 1995).

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ladrão quem enriquece fazendo política”, publicada no dia 26 de julho de 2007, na Folha

Online, o PSOL havia reunido em frente ao Congresso Nacional aproximadamente 50

manifestantes para o lançamento da campanha “Fora Renan”. Nessa oportunidade, o partido

cobrou o afastamento do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado.

Essa situação demonstrou que o PSOL tentou se apropriar da lógica da mídia criando

um factóide. Por meio da visibilidade midiática, a idéia do PSOL seria fortalecer sua posição

contrária a Renan. Enfim, percebeu-se, aí, uma manifestação “para” jornalistas como bem

caracteriza Champagne (1998).

Segundo esse autor, na contemporaneidade, uma manifestação só produzirá os efeitos

desejados e será considerada “bem sucedida” se provocar uma ampla cobertura da mídia que,

segundo ele, é a caixa de ressonância obrigatória para que os fatos possam ser percebidos e

tenham existência como problemas políticos.

Poderíamos quase afirmar, forçando um pouco a expressão, que o espaço estratégico no qual se desenrolam as manifestações, quer sejam violentas e espontâneas ou pacificas e organizadas, não é a rua, simples espaço aparente, mas a imprensa (no sentido amplo). As manifestações desfilam para a imprensa e televisão. (...) Espaço restrito e particularmente visível, a primeira página dos cotidianos ou jornais televisionados constituem os lugares estratégicos disputados pelos grupos sociais e seus representantes para agirem sobre o campo político. (CHAMPAGNE, 1998, p. 218-219).

No entanto, a revista Veja apropriou-se desse evento “ressignificando-o”, omitindo a

informação de que ele havia sido promovido pelo PSOL, de modo a fazer crer que a discussão

pautada pela imprensa acerca do escândalo Renan Calheiros teria se tornado tema de

discussão pública, fomentando a constituição de uma esfera pública política.

A questão da ressignificação foi identificada por Castro (1996) ao analisar a cobertura

feita pela mídia da greve promovida, em 1979, pelos trabalhadores da construção civil de

Belo Horizonte. Segundo essa estudiosa, houve durante a cobertura desse acontecimento um

processo de ressignificação do sentido da greve que, a partir de um determinado momento,

passou a ser denominada de “quebra-quebra”, “revolta”, “vandalismo”, “guerra”, tornando-se

sinônimo de sangue, dissolvendo, assim, a luta salarial dos trabalhadores.

Todavia, Castro (1997, p.227) pondera que “a mídia não produz seu discurso partindo

de um núcleo vazio de sentido, mas, sim, pela articulação de um conjunto de elementos

significativos existentes na trama social que o tornam uma instância socialmente autorizada

de enunciação.” Assim, para ressignificar a manifestação promovida pelo PSOL a revista Veja

escolheu uma foto, que por si só já denotava a ocorrência de uma manifestação contra Renan,

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sem apresentar nenhum elemento lexical que a associava ao PSOL, demonstrando sua

intenção de ressignificar o tal evento, provocando um determinado “efeito de sentido”.

As estratégias de personalização, ressignificação, verossimilhança, sedução nos modos de operação do discurso jornalístico; os critérios de noticiabilidade e da estrutura narrativa; todos esses procedimentos são modos de construção discursiva da realidade operados pelo jornalismo, operações próprias instituídas pelas regras, valores e gramáticas compartilhadas pelos agentes desse sub-campo, cuja legitimidade é produzida internamente. (CASTRO, 2006, p.168).

Essa ocasião mostra também a presença de um elemento na edição da matéria

recorrente no discurso político: a apelação ao povo, como um procedimento argumentativo,

que, nesse caso, assumiu um grau tendencioso, se considerar que a matéria omitiu o fato de

que era o PSOL, e não “as ruas” que estava pedindo a saída de Renan. Nesse sentido é

elucidativa a análise formulada por Michel Thiollent (1986):

(...) dentro do discurso político, a aparente “referência” ao povo não pode ser interpretada como referência efetiva. A palavra “povo” não se refere a um entidade concreta, sem referência de valores ou de intenções políticas. A “referência” ao povo faz parte de um procedimento argumentativo de tipo apelativo no plano emocional. (...) Essas expressões constituem argumentos de determinados locutores para produzirem efeitos sobre os diversos auditórios (eleitorado em geral, categorias sócio-profissionais, círculos políticos, etc.). Dependendo de quem as pronuncia e dos contextos comunicativos, essas expressões são consideradas como legítimas ou inaceitáveis e produzem efeitos desejados ou não. Em todos os casos, como regra ética, os argumentos de apelo popular serão sempre submetidos, por parte dos eventuais críticos, ou uma “cobrança” ao nível dos fatos observáveis aos quais o orador pretende se referir. (THIOLLENT, 1986, p. 85-86).

Voltando a análise do corpo do texto, notou-se que após tentar mostrar qual era o

clima no Senado, o jornalista Otávio Cabral passou a rememorar os motivos que levaram

Renan a situação em que ele se encontrava.

Calheiros é suspeito de pedir a Cláudio Gontijo, lobista da Mendes Júnior, para pagar a pensão e o aluguel da jornalista Mônica Veloso, com que tem uma filha de 3 anos. Para defender-se da suspeita, o senador apresentou um calhamaço de documentos, porém, eram inconsistentes e acabaram mostrando a excepcional evolução do seu patrimônio – estimado hoje em 10 milhões de reais. A papelada revelou que o senador não tinha fazenda nem gado até 2002 e, nos últimos quatro anos, subitamente se mostrou um notável sucesso como pecuarista. (CABRAL, 2007).

Nesse trecho, nota-se nitidamente a passagem do escândalo de primeira ordem – ser

beneficiado por Cláudio Gontijo, da Mendes Júnior – a um escândalo de segunda ordem –

inconsistência nos documentos apresentados para provar que possuía recursos para pagar a

pensão a Veloso. (THOMPSON, 2002).

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Além disso, o trecho citado chama a atenção por configurar-se como uma memória do

escândalo, ou seja, por demonstrar o que Luhmann (2005) chama de “recursividade”, na

medida em que tal trecho fez referência a acontecimentos ocorridos anteriormente, mas que

fazem parte do contexto narrativo do qual a matéria em questão tratava. A recursividade foi

usada, nesse caso, para demonstrar qual era o clima do caso Renan e também, como aponta

Luhmann (2005), para compor uma imagem negativa de Renan.

Depois dessa preleção, Cabral, finalmente, apresentou a denúncia contra Renan citada

no bigode da matéria. Com isso, percebeu-se que o texto foi estruturado de forma a informar

ao leitor que mesmo antes de se tecer uma nova denúncia contra Renan, já havia

movimentações em defesa do seu afastamento da cadeira de presidente do Senado, devido à

“revelação de suas relações promíscuas com um lobista de empreiteira”. Assim, desde o início

da matéria, o enquadramento dado ao caso é da culpabilidade de Renan e a sua insistência em

permanecer no poder mesmo diante do clamor contrário das “ruas” e dos parlamentares.

Segundo Otávio Cabral, a revista Veja descobriu outro negócio no qual os Calheiros

merecem “medalha de ouro”. Tal negócio refere-se à venda de uma fábrica de refrigerantes

pertencente a Olavo Calheiros, irmão de Renan, que segundo as “avaliações mais otimistas”

valia menos de 10 milhões de reais, mas que foi comprada, em maio de 2006, pela Schincariol

por 27 milhões de reais.

Em seguida, o jornalista passou a discorrer sobre a fábrica comprada pela Schincariol,

para depois compará-la com outras fábricas do mesmo segmento, buscando demonstrar

porque o negócio em questão estava “crivado de estranhezas”.

A fábrica de refrigerantes de Olavo chamava-se Conny Indústria e Comércio de Sucos

e Refrigerantes. Ela havia sido inaugurada em 2003, no município de Murici (AL). De acordo

com o que foi apurado por Otávio Cabral, o terreno em que a Conny foi instalada possuía 45

mil metros, estava avaliado em 750 mil reais e tinha sido doado pela prefeitura da cidade, que,

na época, era administrada por Remi Calheiros, irmão de Olavo e Renan. A prefeitura teria

oferecido à fábrica também isenção no pagamento de água – insumo essencial para a

fabricação de sucos e refrigerantes – por três anos.

Olavo havia conseguido, além disso, um empréstimo por intermédio de José Expedito

Neiva Santos – gerente do Banco do Nordeste (BNB) – de seis milhões de reais junto ao

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDS), com vencimento em 20

anos. A respeito dessa transação, Otávio Cabral afirmou que “concluído o empréstimo, o

gerente, por indicação de Renan Calheiros, foi promovido a superintendência estadual do

BNB em Alagoas”, ou seja, o jornalista presumiu que Santos foi promovido por ter ajudado

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Olavo a conseguir o empréstimo e imputou a esse sujeito o ônus de uma ação imoral, mesmo

sem ter provas contundentes do fato.

Assim, mais uma vez, observou-se a presença em um texto publicado pela revista

Veja, da “presunção de culpa” (LIMA, 2006), já que abandonou o princípio da “presunção de

inocência” em detrimento da ânsia em solucionar rapidamente as questões que se colocam,

elaborando uma argumentação crível.

Adiante, o jornalista reforçou o que dissera sobre as condições favoráveis que Olavo

encontrou para abrir sua fábrica, provavelmente, para contrastar com o rumo frustrante

tomado pelo seu empreendimento.

Com fábrica instalada, água e terreno de graça e dinheiro para pagar em duas décadas, a Conny, ainda assim, foi um completo fracasso. Três anos depois, só vendia refrigerantes na região de Murici. Tinha apenas 0,1% do mercado nordestino. Devia 150.000 reais em contas de luz, não pagava o empréstimo e já devia 9,9 milhões de reais ao BNDES. A situação era tão lamentável que a fábrica recorria contra dívidas irrisórias. (CABRAL, 2007).

Depois de explicar que a fábrica de Olavo havia contraído uma dívida volumosa e que

a marca Conny tinha uma ínfima expressividade no mercado, Otávio Cabral reafirmou que,

mesmo assim, a Conny conseguiu ser vendida por 27 milhões para a Schincariol. De acordo

com a apuração que este jornalista fez junto à Secretaria de Acompanhamento Econômico do

Ministério da Fazenda, que autorizou a realização desse negócio, com o dinheiro recebido,

Olavo pagou as dívidas de sua empresa de sucos e refrigerantes e ainda ficou com 17 milhões

de reais. Otávio Cabral evidenciou, assim, a incoerência da compra da fábrica de Olavo pela

Schincariol e o bom negócio feito pelo irmão do então presidente do Senado.

Para ratificar a incoerência do negócio feito pela Schincariol, Otávio Cabral consultou

um especialista no setor que declarou, em off, ser possível construir uma fábrica semelhante a

Conny com 10 milhões de reais. Portanto, seria mais viável para a Schincariol construir sua

própria fábrica, pois como foi dito nem a compra da marca Conny valeria a pena.

Com o intuito de dar ainda mais peso ao discurso de que a compra da Conny pela

Schincariol caracterizava-se como um contra-senso, Otávio Cabral, demonstrando que fez

uma pesquisa sobre as aquisições feitas pela referida empresa nos últimos tempos, passou a

enumerar outros negócios fechados pela cervejaria que poderiam se qualificar como bons

negócios, para no final do parágrafo deixar uma pergunta: afinal, “por que a Schincariol

pagou tanto à família Calheiros?”

A seguir, Otávio Cabral tentando responder a sua própria pergunta, afirmou que as

atividades de Renan em Brasília “podem ser uma pista” para explicar os motivos que levaram

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a Schincariol a fechar o negócio com Olavo. Aqui, cabe destacar que próprio jornalista não

afirmou, com certeza, que certas atividades de Renan em Brasília estavam diretamente

relacionadas à venda da Conny, apesar do texto ser estruturado e construído para se chegar a

essa conclusão. Verifica-se, assim, a recorrência que o jornalismo da revista Veja opta por

presumir a culpa dos sujeitos ao invés de apurar se eles são ou não, realmente, culpados.

O jornalista contou que depois da venda da Conny o senador “interessou-se pelas

dificuldades da Schincariol em Brasília, já que, um ano antes, seus cinco dirigentes haviam

sido presos pela Polícia Federal sob a acusação de sonegação 1 bilhão de reais.”

Deve-se ressaltar, também, o fato de Otávio Cabral afirmar – sem explicitar como fez

tais descobertas – que Renan esteve pelo menos três vezes no Ministério da Justiça para ter

notícias sobre a Operação Cevada; andou visitando a cúpula do INSS, que planejava executar

dívidas previdenciárias da Schincariol de aproximadamente 100 milhões de reais e; foi a

Receita Federal falar sobre uma multa milionária aplicada por este órgão a cervejaria.

O jornalista, utilizando de ironia, disse que “como que por mistérios” a dívida da

Schincariol junto ao INSS não foi executada e, em seguida contou: “ou melhor: INSS

executou, sim, mas apenas uma dívida de 49.700 reais”. A atitude potencialmente irônica de

Otávio Cabral, expressa nessa passagem, torna-se, verdadeiramente, irônica para o leitor

capaz de perceber a incongruência criada no interior do texto. Porque, de acordo com a

perspectiva apresentada na matéria, pode-se inferir que na, verdade, sugere-se que a dívida da

Schincariol com o INSS não foi cobrada devido à colaboração de Renan, que teria recebido

benefícios para intervir a favor da cervejaria.

Ironicamente, o jornalista afirmou que “sabe-se lá por quê, até hoje a empresa não

sofreu nenhuma multa milionária nem a cobrança do 1 bilhão de reais sob a suspeita de

sonegação. Melhor que isso: a Receita em vez de manter a contabilidade da dívida

centralizada, pulverizou-a em seis estados onde a Schincariol tinha fábrica na época”. Nota-

se, novamente, que há um segundo sentido na colocação do jornalista, que já havia sinalizado

que uma pista do motivo da Schincariol ter comprado a empresa de Olavo por um valor muito

acima do mercado, seria as intervenções feitas por Renan em Brasília para colaborar com a

referida empresa, assim, pode-se dizer que a frase “sabe-se lá por quê” pode ser entendida

como uma antífrase, já que o jornalista já havia argumentado por que a empresa não recebeu a

tal multa milionária.

Sobre a utilização da ironia como estratégia discursiva pela revista Veja, Benetti

(2007) avalia que:

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Veja, ao usar a ironia, exercita o poder de dizer: “isto é imoral, grotesco ou simplesmente ridículo; e você, leitor, evidentemente não pensa (não pode pensar) diferente de nós, pois pensar diferente de nós tornaria você imoral, grotesco ou ridículo”. O ironista, ao ridicularizar algo, imediatamente institui um parâmetro de normalidade, indicando o que seria aceitável ou razoável. (BENETTI, 2007, grifo do autor).

Otávio Cabral segue tratando da perícia complementar que os três novos relatores do

caso Renan fariam nos documentos do senador para analisar a evolução do seu patrimônio.

No entanto, o jornalista destacou que a venda da fábrica em Murici (AL) não comporia o

escopo dessa análise por ser de propriedade de Olavo, apesar dos “negócios de ambos se

entrecruzarem o tempo todo”, o que, segundo ele, “poderia despertar a atenção dos membros

do Conselho de Ética”. Essa fala indica-nos que Otávio Cabral estava tentando acionar a

accountability por parte dos relatores.

O jornalista conclui a matéria com uma pergunta: “será que, além de usar o lobista da

Mendes Júnior, o próprio Renan Calheiros não se converteu num lobista da cervejaria

Schincariol?”. Segundo ele, “ninguém sabe”, mas, pode-se afirmar que a cervejaria foi a

principal financiadora da campanha de Olavo e Renildo Calheiros, que receberam 200 mil

reais cada e atuam como líderes da bancada da cerveja, composta por 41 parlamentares que

defendem os interesses do setor.

Nessa edição da revista Veja, chamou, também, a atenção a publicação de um editorial

sobre o caso Renan Calheiros, intitulado: “Não há forra, mas fatos”. Nele discorreu-se sobre a

prática recorrente dos políticos que ao se verem inquiridos por acusações remetidas a eles pela

imprensa a desqualificam. Segundo foi publicado no editorial de tal revista, Renan proferiu a

seguinte frase: “setores da mídia, que não conseguiram derrubar o presidente Lula, agora

querem ir à forra, querem ir ao terceiro turno, derrubando o presidente do Senado Federal”.

Para Sánchez (1994), a atitude de Renan configura-se como uma reação típica dos

sujeitos acusados de transgressão. Esse estudioso observou que os sujeitos envolvidos em

escândalos procuram defender-se questionando a veracidade das acusações tecidas contra eles

e a idoneidade de seus vetores. A ponderação apresentada pela revista Veja também foi

verificada por Chaia (2001) que afirmou: “todos os envolvidos [em escândalos midiáticos]

culpam a mídia por buscar casos escabrosos e denúncias contra personalidades públicas”.

A revista Veja, entendendo que a fala de Renan foi remetida a ela, já que até aquele

momento tivera sido a agente das duas denúncias contra o então presidente do Senado, tentou

justificar e legitimar a sua atuação no referido escândalo dizendo que:

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Pela enésima vez, repita-se: ao trazer à tona as malfeitorias cometidas contra a nação, a imprensa não faz mais do que cumprir o seu papel. Nas democracias, é assim que funciona. Os jornalistas e os veículos onde trabalham ajudam a fiscalizar o poder e, quando descobrem que um mandatário cometeu uma infração, relatam o que apuraram. Em seguida, a denúncia deve ser analisada pelas esferas capazes de punir ou inocentar o infrator. A imprensa brasileira tem demonstrado uma sadia capacidade de vigilância e indignação. Sua função se esgota aí. (VEJA, 2007, grifo nosso).

Dessa forma, notou-se, claramente, que a revista assumiu o papel de cão de guarda

delegado à imprensa nas democracias, que é o de fiscalizar o poder para proteger os cidadãos

contra os abusos dos políticos. No entanto, ela subestimou o seu poder de persuasão e ignorou

sua capacidade de fomentar a opinião pública ao dizer que sua função se esgotava na

vigilância do Governo em prol da sociedade, afinal, observou-se, nas matérias em que as

denúncias foram publicadas, que a revista apresentou seu julgamento sobre os fatos e,

independentemente, desse julgamento estar certo ou errado, ele pode ter se tornado a opinião

pública, tendo em vista a discussão de Gomes (2007), que percebe a imbricação entre a

opinião pública e o que ele chama de opinião publicada, que seria um tipo de opinião que não

é pública porque foi produzida pela discussão de muitos, mas que devido a sua extrema

visibilidade, outras pessoas poderão aderir a ela, assumindo-a como própria. Nesse sentido, o

centro produtor de opinião publicada seria a mídia e os agentes desse sistema os príncipes da

opinião do jornalismo e da televisão, que, por seu turno, poderiam influenciar a decisão

daqueles sujeitos que detinham o real poder de julgamento ou os constrangido a tomar

determinado posicionamento tido como correto pela imprensa/opinião pública.

Abalado pela nova acusação, Renan admitiu pela primeira vez não presidir a sessão do

Congresso instituída para se deliberar sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO),

marcada para o dia 11 de julho de 2007, conforme foi relatado em uma matéria publicada pelo

jornal O Estado de S. Paulo55. A desistência de Renan deu-se pela ameaça de boicote por

parte dos senadores, que não admitiam que tal sessão fosse presidida por ele.

Em dia 18 de julho de 2007, o Senado entrou em recesso e quando iniciou suas

atividades, no dia 1º de agosto de 2007, o PSOL protocolou uma nova representação na Mesa

Diretora do Senado contra Renan Calheiros, com o intuito de investigar se o parlamentar,

realmente, beneficiou a empresa Schincariol junto ao INSS e de apurar as acusações de

grilagem de terras em Alagoas, como foi relatado na matéria: “Caso de Renan volta à cena”,

do jornalista Leandro Mazzini, publicada no Jornal do Brasil, no dia 02 de agosto de 2007.

55 Scinocca, Ana Paula et al. Votação da LDO pode ficar nas mãos de deputado tucano. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 11 jul. 2007. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/nacional/not_nac17537,0.htm> Acesso em: 09 ago. 2008.

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3.2.3 Terceira denúncia – Sociedade Secreta

A situação de Renan agravou-se ainda mais no dia 4 de agosto de 2007, data em que a

revista Veja publicou em sua edição 202056 uma reportagem de autoria do jornalista

Alexandre Oltramari, na qual revelou que Renan havia utilizado laranjas57 para tornar-se

sócio de um grupo de comunicação em Alagoas. Essa denúncia ganhou destaque na capa

dessa edição (Figura 4).

Figura 4: Capa da revista Veja – Mais Laranjas de Renan

Fontes: Revista Veja, edição n. 2020

Tal capa58 foi analisada sob a ótica de Verón (2004), de modo a examinar o “efeito de

sentido” pretendido em sua construção. Haja vista, a escolha e a disposição das imagens, o

conteúdo e a forma dos textos, além das cores utilizadas – que formam a mensagem – visam a

edificar certo sentido a ser decodificado pelo receptor. Contudo, Verón (2004, p. 216) alerta:

56 Como nos outros casos citados anteriormente, a data da distribuição da edição de número 2020 da revista Veja não coincide com a data impressa em sua capa (08 de agosto de 2007). 57 A palavra laranja é utilizada em sentido figurado para designar o indivíduo, nem sempre ingênuo, cujo nome é utilizado por outro na prática de diversas formas de fraudes financeiras e comerciais, com a finalidade de escapar do fisco ou aplicar dinheiro de origem ilícita; testa-de-ferro. (Dicionário Eletrônico Houaiss). 58 A capa a que se faz referência apresenta uma faixa em sua parte superior em que se destaca uma matéria especial apresentada por Veja nesta edição, todavia, estes elementos não serão analisados aqui por não comporem o escopo de estudo desta pesquisa.

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“o problema não é simples, pois uma mensagem nunca produz automaticamente um efeito.

Todo discurso desenha ao contrário, um campo de efeitos de sentido e não um único efeito.”

Por isso, tornou-se pertinente analisar a referida capa tendo como indicadores de

sentido o seu enunciado e sua enunciação. Aqui cabe esclarecer que se entende por enunciado

aquilo que é dito, ou seja, o conteúdo literal do texto e, enunciação o modo como algo é dito.

Pois, dessa maneira poderá se inferir sobre os sentidos que a criação desta capa objetivou

despertar. (VERÓN, 2004).

A capa foi constituída por uma fotomontagem, na qual Renan apareceu sentado em

cima de uma laranja, cujas folhas foram substituídas por notas de dólares e reais, logo a frente

dele, na altura de sua boca, encontrava-se a figura de um microfone utilizado em rádios, sob

um fundo branco. Na fotomontagem, ele parecia estar sentado, confortavelmente, sobre a

laranja, já que a foto escolhida para compor esta montagem o apresentava com o semblante

alegre, um sorriso discreto e as pernas cruzadas, tratando-se, obviamente, de uma foto

descontextualizada, já que ela não representava a imagem de Renan capturada no instante em

que ele foi inquirido sobre o uso de laranjas para se tornar dono oculto de rádios.

A laranja e o microfone podem ainda ser entendidos como uma metonímia – figura de

linguagem em que se substitui a coisa por sua representação –, de tal modo, tem-se a laranja

representando os sujeitos usados como laranjas para que Renan tornasse dono oculto de duas

rádios e o microfone representando as próprias rádios.

Além disso, têm-se dois enunciados lingüísticos: o primeiro foi grafado com letras

maiúsculas e pretas, cor que tem maior contraste com a cor do fundo da página, em que estava

inscrito o texto: “Mais laranjas de Renan”; o segundo enunciado foi escrito imediatamente

abaixo do primeiro, com fontes vermelhas menores do que as usadas no enunciado anterior,

em que se lia: “Como o senador se tornou o dono oculto de duas rádios em Alagoas. Ele

pagou 1,3 milhão em dinheiro vivo”. Ademais, a própria logomarca da revista Veja foi

colorida na cor laranja.

Dessa forma, pode-se considerar, por meio da análise da capa, que o enunciado

informava que Renan havia se tornado dono oculto de duas rádios em Alagoas e que ele devia

ter pago 1,3 milhão por elas. Contudo, isso foi dito de uma forma que poderia despertar o

“efeito de sentido” de que Renan havia cometido uma nova infração envolvendo muito

dinheiro – dólares e reais – além do serviço de laranjas e, isso parecia não o constranger,

pois, ele aparentava tranqüilidade na foto que foi escolhida para compô-la.

Passando à matéria é interessante ressaltar que nela, também, destaca-se o fato de se

dar visibilidade a algo que estava sendo mantido em segredo. Seu autor, o jornalista,

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Alexandre Oltramari, a intitulou: “Sociedade Secreta” e, seu bigode era: “O presidente do

Senado, Renan Calheiros, usou laranjas e pagou 1,3 milhão de reais em dinheiro vivo, parte

em dólares, para virar sócio oculto de uma empresa de comunicação em Alagoas”. Notou-se

que logo, em seu título, o jornalista sinalizou que Renan mantinha com algum sujeito um tipo

de sociedade que não deveria ser lícita, afinal, a expressão “sociedade secreta” costuma ser

empregada para qualificar grupos que se articulam secretamente, porque do contrário seriam

impedidos pelas autoridades públicas de concluir seus objetivos, seja lá quais forem.

Essa matéria foi ilustrada pela justaposição de imagens (Figura 5) – fotomontagem –

composta por elementos que contribuíram para criar o sentido que a matéria trazia em seu

cerne, a de que Renan era dono de duas emissoras de rádio e já havia sido sócio de um jornal.

Assim, sobrepuseram-se imagens descontextualizadas para produzirem determinado sentido.

Figura 5: Proposta de venda do grupo de comunicação O Jornal, Renan Calheiros e a rádio O Correio

Fonte: Foto de Ana Araújo e Ed Ferreira, da Agência Estado, publicada na Revista Veja, edição n. 2020

Dessa forma, a fotografia que a princípio era “percebida como uma espécie de prova, ao

mesmo tempo necessária e suficiente, que atesta indubitavelmente a existência daquilo que

mostra” (DUBOIS, 1993, p. 25), com a possibilidade da edição das imagens passou a

perturbar a distinção entre o que é “real” e o que é virtual. (JOLY, 1996). Todavia, como

aponta Verón (2004, p. 169) “a imagem de imprensa testemunhal tem o estatuto semiótico de

verdadeiro fragmento de realidade; seu valor repousa inteiramente na singularidade

irredutível, única, daquilo que ela consegue mostrar”.

Na foto em questão, em primeiro plano foi reproduzido o recorte de um documento que

a revista Veja teve acesso referente à proposta de venda do O Jornal feita a Renan Calheiros.

Em segundo plano tem-se uma foto em que Renan está aparentemente falando, tirada no

ângulo de cima para baixo, ângulo comumente usado para valorizar ou conferir poder ao

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objeto fotografado. Nesse mesmo plano foi colada a figura de um microfone usado em rádios,

dando a impressão de que Renan estava falando nele. No fundo foi reproduzida a imagem da

sede das emissoras de rádio que, de acordo com informações contidas na matéria, pertenciam

a Renan, construindo-se, dessa maneira, uma relação de sentido com o conteúdo que o texto

da matéria abordava: a de que Renan era proprietário de um grupo de comunicação.

A legenda de tal fotomontagem também mereceu destaque – “NEGÓCIO

MILIONÁRIO. Renan, a proposta de venda em seu nome e a sede das emissoras de rádio em

Maceió: nada declarado à Receita” –, por sinalizar a tentativa de cercar o sentido, o caráter

polissêmico que a imagem poderia produzir. Assim, apresentou-se o significado de certos

elementos que a compõe, que deveriam ser tomados como emblemáticos dos negócios de

Renan e, acrescentou outra informação: a compra das empresas de comunicação pode ser

considerada ilícita por não ter sido declarada à Receita Federal.

Além disso, esta legenda tinha como retranca uma frase grafada em letras maiúsculas:

“Negócio Milionário”, que foi utilizada, no plural, como título da matéria já mencionada em

que o jornalista Otávio Cabral da revista Veja revelou que Renan teria atuado como lobista da

Schincariol, em troca da venda vantajosa da empresa de sucos e refrigerantes de seu irmão

Olavo para essa cervejaria, sendo que o negócio das empresas de comunicação, também, foi

considerado como outro negócio milionário e misterioso de Renan.

Alexandre Oltramari iniciou sua matéria dizendo que o presidente do Congresso

Nacional era um homem milionário, ele era “dono de fazendas, casa na praia, apartamento,

carros de luxo e os valorizados bois de Murici59”, e que o seu patrimônio oficial era estimado

em cerca de 10 milhões de reais, para em seguida destacar a prática do jornalismo

investigativo empreendida por ele, contando ter descoberto que a fortuna de Renan seria ainda

maior do que este havia declarado à Receita Federal. Pois além de pecuarista, o senador era

um “empresário emergente do ramo das comunicações”, proprietário de duas emissoras de

rádio em Alagoas que valiam juntas cerca de 2,5 milhões de reais e, até o ano de 2005, tinha

sido sócio de um jornal diário cujo valor estimado era de três milhões de reais.

Adiante na matéria, o jornalista avaliou que a compra das rádios e do jornal feita por

Renan configuravam-se como negócios “clandestinos irregulares, forjados, de modo a manter

o anonimato dos envolvidos”. Apesar dele não comentar o motivo de tais negócios terem sido

realizados dessa forma e, em nenhum momento, pontuar que a posse de empresas de

59 Devido às discussões travadas na época sobre a veracidade dos documentos apresentados por Renan para comprovar sua renda e sua evolução patrimonial, pode-se dizer que Alexandre Oltramari estava sendo irônico, já que na verdade a própria revista Veja compartilhava da percepção de que Renan havia apresentado notas frias e que, na verdade, ele não havia comercializado seu gado no valor indicado nas notas.

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telecomunicações por senadores fere a Ética e o Decoro Parlamentar, pois, conforme reza o

Regimento Interno do Senado em sua resolução 20, capítulo III, artigo IV, inciso II, todos os

senadores são proibidos de dirigirem ou gerirem empresas de comunicação, porque cabe a

eles fiscalizar essas instituições. A Constituição de 1988, também, proíbe que os

parlamentares mantenham contrato ou exerçam cargos, função ou emprego remunerado em

empresas de radiodifusão (artigo 54, item I, alíneas a e b), assim como, o Código Brasileiro

de Telecomunicações, (CBT, Lei nº4.117/62).

Conclui-se, assim, que não somente o fato do tal grupo de comunicação ter sido

comprado de forma irregular configurava-se como algo censurável, o próprio fato de Renan

possuí-lo já deveria ser considerado como um ato ilícito. Contudo, essa omissão indica um

enquadramento dado a este caso e abre espaço para o seguinte questionamento: a quem a

omissão desta informação poderia interessar?

Essa omissão da revista Veja, chamou a atenção, também, do jornalista Alberto Dines

(2008), que a esse respeito escreveu um artigo, intitulado: “Renan, o midiático: o escândalo

das concessões que ninguém vê”. Nele, o jornalista afirmou que as reportagens atinentes ao

fato de Renan ter sido “sócio oculto” de um grupo de comunicação e, na ocasião, dono de

emissoras de rádio passam “largo da fábrica de irregularidades e prevaricações que permite

aos parlamentares (deputados federais ou senadores) beneficiarem-se indevidamente de uma

concessão de radiodifusão.”

Para ele, a imprensa deveria ter abordado as circunstâncias que permitem a

multiplicação em larga escala da distribuição de concessões indevidas, porque, assim, poder-

se-ia tentar mudar esse sistema. No entanto, segundo a avaliação de Dines (2008), a revista

Veja estava tão concentrada em “derrubar” o então presidente do Senado, que preferiu não

abordar a questão das concessões de radiodifusão a parlamentares, até porque, se ela tivesse

se enveredado por esse caminho os demais senadores poderiam se sentir ameaçados e

hesitariam punir Renan.

Veja não se fascinou com os eventuais desdobramentos sistêmicos ou endêmicos contidos em suas denúncias porque está fixada na tarefa de derrubar o presidente do Senado. Seu leitor está sendo treinado para exigir castigos e, não, o fim das mazelas. (...) Outra razão para concentrar na esfera fiscal a nova saraivada de acusações contra Renan Calheiros é pragmática. Se os demais senadores perceberem que também podem ser enredados na acusação de beneficiar-se com concessões de rádios e TV, certamente se tornarão refratários a qualquer punição contra o presidente da Casa. (DINES, 2008).

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Surpreendentes, são, no entanto, as informações apresentadas por Venício Lima em

seu texto “Parlamentares e radiodifusão: Relações suspeitas”. Nele o autor informa que sua

pesquisa deu origem a uma representação encaminhada à Procuradoria Geral da República,

em outubro de 2005. O objetivo de seu estudo era identificar irregularidades nas outorgas e

renovações de emissoras comerciais de rádio e televisão. Com relação a essas o autor informa:

Na Câmara dos deputados, por outro lado, dos 513 deputados listados em 18 de agosto de 2005, pelo menos 51 também são concessionários diretos, conforme os nomes do cadastro do MiniCom atualizado em 5 de agosto de 2005. Isto significa que um em cada dez deputados é concessionário. Se incluídos nos cruzamentos os nomes de parentes – como marido/mulher, filho (as) ou pais -, esse número certamente aumentará consideravelmente. (LIMA, 2006, p.132)

E, ainda:

Levantamento realizado pelo Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação – EPCOM, em julho de 2005 (disponível em: HTTP://www.fndc.org.br/arquivos/Senadores.xls) revela que 30 ou 37% dos atuais senadores estão ligados a veículos de comunicação, diretamente ou através de parentes. (LIMA, 2006, p.135).

Retomando a análise do corpo do texto da matéria de Alexandre Oltramari, vê-se que

esse jornalista explicou como a manutenção do anonimato de Renan e João Lyra tornou-se

possível. Ele contou que a venda das empresas foi formalizada por contratos de gavetas, já

que foram colocadas em nome de laranjas, os pagamentos referentes a elas feitos “em

dinheiro vivo – às vezes em dólares, às vezes em reais” –, enfatizando que tais recursos

tinham uma origem desconhecida, apesar de não revelar como ficou sabendo de tudo isso.

Outro ponto da argumentação de Alexandre Oltramari que mereceu destaque refere-se

ao momento em que esse jornalista conta que a revista Veja teve acesso a documentos que

mostram como Renan criou uma empresa de comunicação, incorporou emissoras de rádio e

escondeu as transações da Receita Federal, da Justiça Eleitoral e do Congresso Nacional, na

medida em que ele não contou qual a natureza de tais documentos, como ele teve acesso a

eles, nem a razão que teria levado Renan a esconder isso da Justiça Eleitoral ou do Congresso

Nacional, demonstrando novamente que o enquadramento da realidade selecionado por este

jornalista deixou de fora a explicação de que os senadores não podem gerir ou dirigir

empresas de comunicação, de acordo com o Regimento Interno do Senado a Constituição

Federal de 1988 e o Código Brasileiro das Telecomunicações, focando, apenas, na questão da

origem do dinheiro usado por Renan para tal empreendimento.

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Segundo Oltramari, Renan teria resolvido investir no ramo das comunicações no final

do ano de 1998, quando planejava candidatar-se ao governo do estado de Alagoas, pois como

ele sofria uma forte resistência das emissoras de rádio e TV e do jornal a Gazeta de Alagoas –

jornal de maior circulação do estado – que pertencem ao ex-presidente e atual senador

Fernando Collor de Melo, ele precisava de veículos de comunicação que pudessem favorecê-

lo, demonstrando-se, dessa maneira, a importância estratégica da imprensa para fins políticos.

Assim, conforme relatou o jornalista, quando Renan soube que Nazário Pimentel,

empresário do ramo da comunicação, estava querendo se desfazer do grupo O Jornal,

composto pelo diário O Jornal – segundo jornal mais lido do estado de Alagoas – e pela atual

rádio Correio, ele vislumbrou a possibilidade de comprá-los.

Como Renan não tinha dinheiro suficiente para comprar o grupo O Jornal, avaliado

em 2,6 milhões de reais na época, ele resolveu procurar um sócio. O escolhido foi João Lyra,

antigo desafeto Renan, eles haviam se desentendido na mesma época em que Renan rompeu

com Collor, conforme foi explanado no segundo capítulo. Lyra aceitou ser sócio de Renan e,

segundo a revista Veja, fizeram um acordo, cada um deles entraria no negócio com 1,3

milhões de reais, valor superior ao patrimônio que Renan declarou possuir, na ocasião, à

Receita Federal.

Como o então presidente do Senado não tinha todo o dinheiro para entrar na

sociedade, pediu emprestado a Lyra 700 mil reais, a quem faria pagamentos mensais para

saldar a dívida. Alexandre Oltramari contou que Renan cumpriu o trato feito com Lyra, tendo

saldado sua dívida com o usineiro ao longo do ano de 1999. O jornalista expôs, além disso,

que, assim como, o pagamento da pensão a representante legal de sua filha foi intermediado

por um lobista de empreiteira, os pagamentos feitos a Lyra também foram efetuados por meio

de um intermediário, que também teria utilizado envelopes cheios de dinheiro. Dessa vez, o

portador do dinheiro foi o assessor legislativo Everaldo França Ferro, funcionário de

confiança do gabinete do senador. Evidenciando uma das rotinas de produção da matéria, o

jornalista informou que procurou Ferro para dar explicações, mas esse não quis dar entrevista.

Segundo declarou “um dos envolvidos na negociação” a Alexandre Oltramari, certa

vez Renan “pediu paciência ao sócio Lyra, justificando que o dinheiro estava vindo do Rio

Grande do Sul”. A esse respeito, o jornalista perguntou se a fala de Renan indicaria que havia

alguém do Rio Grande do Sul financiando a sua empreitada. Ele mesmo respondeu, talvez. A

mesma fonte confirmou, também ao jornalista, que “o dinheiro às vezes chegava em dólares,

às vezes em reais”.

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Os 650 mil reais restantes para concluir a compra do grupo O Jornal, foram pagos em

quatro prestações por Tito Uchôa, primo de Renan, a Nazário Pimentel, sendo a primeira

parcela de 350 mil reais e as outras três de 100 mil reais cada uma. Para dar mais

credibilidade a essa informação, a revista Veja reproduziu uma foto da fachada de O Jornal,

em que se destacou o elemento lexical representado pela placa que identifica a sede da

empresa de comunicação e, ao lado dela, reproduziu recibos referentes à sua venda, em nome

de Idelfonso Antônio Tito Uchôa Lopes (Figura 6). A legenda desta imagem – “FIRMA

RECONHECIDA. VEJA obteve recibos referentes a uma parte do pagamento feito pelo

senador de sua parcela na sociedade que o transformou em empresário oculto do setor de

comunicação: assinatura do primo” – foi capaz de dar peso às informações, já que a retranca

“firma reconhecida” indicou que os documentos comprovavam, legalmente, que Uchôa havia

feito tais pagamentos, demonstrando a prática do jornalismo investigativo, uma vez que

salienta que a revista Veja teve acesso aos referidos recibos – apesar de não mencionar como

conseguiu isso – e, também de explicitar a relação de parentesco entre Renan e Uchôa.

Figura 6: Sede de O Jornal e recibos referentes ao seu pagamento por Tito Uchôa

Fonte: Foto de José Emilio Perillo, publicada na revista Veja, edição n. 2020

Em seguida, Alexandre Oltramari colocou uma questão: “será que os 650.000 reais

pertenciam ao empresário Tito Uchôa?” e, logo após, passou a tecer considerações que por

meio de uma dedução lógica, levava o leitor a responder que não, Uchôa não poderia possuir

tanto dinheiro, pois, o jornalista contou que na ocasião da compra do grupo O Jornal, Uchôa

não era nem empresário, ele trabalhava na Delegacia Regional do Trabalho e recebia um

salário de 1.390 reais. Com isso, reforça-se o discurso de que Renan usou laranjas para

ingressar no “mundo empresarial das comunicações”.

A seguir, o jornalista afirmou que a “sociedade secreta” de Renan e Lyra era

ambiciosa, o então presidente do Senado pretendia usar sua influência política no governo

federal para conseguir outorgas de concessões públicas de rádios para montar uma rede de

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emissoras espalhadas por Alagoas. Para manter a discrição dos futuros negócios, as

concessões seriam dadas a recém criada JR Radiodifusão, sendo que o “J” era a inicial de

João Lyra e “R” a de Renan Calheiros, que teria sido registrada em nome de laranjas. Da

parte de Renan, o laranja era um funcionário de seu gabinete em Brasília e ex-tesoureiro de

sua campanha, Carlos Ricardo Santa Ritta e, da parte de João Lyra, o representante era um

amigo de Maceió, o corretor de imóveis, José Carlos Paes. Para comprovar essas informações

Alexandre Oltramari reproduziu o documento no qual foi registrada à sociedade entre Santa

Ritta e Paes (Figura 7). Mais uma vez o jornalista não relatou como a revista teve acesso à

documentação apresentada. A legenda que acompanhou a reprodução de tal documento foi a

seguinte: “OS LARANJAS. Em janeiro de 2002, Ricardo Santa Ritta, assessor de Renan,

criou a JR Radiodifusão, juntamente com o empresário José Carlos Paes, amigo de João Lyra.

São papéis de mentirinha. A sociedade real era entre Renan e Lyra”, em que se deu destaque a

expressão “os laranjas”, indicando os sujeitos que emprestaram seus nomes para o

empreendimento de Renan e Lyra.

Figura 7: Recortes do contrato de constituição da JR Radiodifusão Ltda.

Fonte: Revista Veja, edição n. 2020

O jornalista afirmou que devido a divergências na maneira de administrar o grupo, a

sociedade de Renan e o usineiro terminou em março de 2005. Lyra acabou ficando com O

Jornal e Renan com a Rádio Correio e a empresa JR Radiodifusão. Essa informação também

foi comprovada pela reprodução do “Contrato particular de compromisso de cessão e

transferência de cotas da JR Radiodifusão Ltda.”, no qual José Carlos Pacheco Paes cede a JR

Radiodifusão a Ildefonso Antônio Tito Uchoa (Figura 8). A reprodução do documento foi

acompanhada pela seguinte legenda: “AMIZADE ROMPIDA. Insatisfeitos com a parceria,

Renan e Lyra decidem pôr fim à sociedade nas rádios e no jornal, em março de 2005. Tudo

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feito no mesmo dia. No papel, a JR é transferida para Tito Uchôa, primo do senador”. O

jornalista também não explicitou, mais uma vez, como teve acesso a tal documento.

Figura 8: Recorte do contrato de cessão e transferência de cotas da JR Radiodifusão Ltda.

Fonte: Revista Veja, edição n. 2020

A partir de então, Alexandre Oltramari contou que as evidências sobre o patrimônio

oculto do senador passaram percorrer caminhos oficiais, ele afirmou que teve acesso a

documentos registrados na Junta Comercial de Alagoas, que revelaram que em março de

2005, ocasião em que a sociedade de Renan e Lyra terminou, José Carlos Paes, representante

de Lyra, deixou a JR Radiodifusão e, em seu lugar entrou o primo de Renan e empresário,

Tito Uchôa, “o mesmo que servira de pombo-correio do negócio original”. Dois meses depois

o contrato sofreu nova alteração, Carlos Ricardo Santa Ritta, representante de Renan,

transferiu sua participação na JR Radiodifusão para José Renan Calheiros Filho, filho de

Renan, conforme indicou o documento reproduzido abaixo (Figura 9):

Figura 9: Recortes da alteração do contrato da JR Radiodifusão Ltda.

Fonte: Revista Veja, edição n. 2020

Esse documento foi acompanhado pela legenda: “ NO COLO DA FAMÍLIA. Dois

meses depois, em maio de 2005, um dos filhos do presidente do Senado, José Renan

Calheiros Filho, é admitido na JR como sócio. Pelo trato, João Lyra ficou com o jornal e

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Renan com uma rádio”, em que se pode observar que a retranca indica que os documentos

mostram que a JR Radiodifusão a partir de, então, estava sob o comando da família Calheiros.

Alexandre Oltramari, na seqüência, buscou mostrar que fez uma investigação, a partir

da qual descobriu que, em julho de 2006, o Ministério das Comunicações liberou à JR

Radiodifusão a concessão de uma rádio FM na cidade de Joaquim Gomes, situada no interior

de Alagoas, sendo que, a outorga foi aprovada pelo Congresso, presidido pelo próprio Renan

Calheiros, no dia 13 de abril de 2007, pois apesar de ter o filho e o primo do senador como

sócios, sob o ponto de vista formal, a JR estava registrada no Ministério das Comunicações

em nome dos antigos laranjas que não tinham nenhuma relação familiar com Renan.

Revelando as rotinas de produção da matéria, o jornalista disse que a revista Veja

entrou em contato com Nazário Ramos, o antigo dono do grupo O Jornal. Ramos revelou que

vendeu suas empresas para João Lyra e admitiu que Renan participou de toda a negociação.

Para dar mais veracidade a essa informação Alexandre Oltramari optou por reproduzir a fala

de Ramos: “Renan me procurou falando do interesse do doutor João em comprar a rádio e o

jornal. Aí, depois de uns três, quatro meses de conversa, fechamos a negociação”. Ao tratar-se

do valor do negócio firmado entre eles, o jornalista reproduziu novamente a fala de Ramos:

“Não lembro bem, mas somente as rotativas do jornal custavam algo em torno de 1 milhão de

reais.” Alexandre Oltramari ainda reproduziu a fala de Ramos quando disse que Renan havia

atuado como um intermediário do negócio – “Eu sabia que havia um interesse pessoal dele,

principalmente na rádio, mas a compra foi fechada pelo doutor João.”

Com base nas declarações de que Renan poderia ter sido intermediário entre Lyra e

Ramos, o jornalista emitiu a sua opinião, dizendo que: “a participação de Renan Calheiros no

negócio é tão evidente.” Depois, comentou que “o senador pode até alegar que fez apenas o

papel de intermediário no negócio, mas isso não explica o milagre de ter feito com que as

empresas acabassem nas mãos dele próprio – ou melhor, de seu filho e seu primo...”

Renan e João Lyra também foram procurados por Veja, mas ambos não quiseram dar

declarações a respeito do caso. Lyra, por meio de sua assessoria, declarou que os negócios

entre ele e Renan eram privados, por isso, não comentaria nada sobre a sociedade que eles

mantiveram, confirmando, dessa forma, que eles, realmente, mantiveram uma sociedade.

Oltramari finalizou seu texto rememorando que Renan estava sendo investigado no

Congresso Nacional devido às denúncias de que ele teria tido contas pessoais pagas por um

lobista da Mendes Júnior e também por causa da denúncia de que ele havia feito lobby em

favor da Schincariol em troca da venda da fábrica de refrigerantes do seu irmão por um valor

muito acima do mercado, sendo que, ambas as denúncias também haviam sido tecidas pela

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revista Veja. Isso demonstrou não somente a importância dessa revista na constituição do

escândalo político midiático protagonizado por Renan Calheiros, como também, Alexandre

Oltramari buscou exaltar o papel de cão de guarda da sociedade exercido por essa publicação,

que por meio de suas investigações e denúncias acabou acionando a accountability por parte

de Renan e das instâncias responsáveis pelo controle da corrupção no Senado Federal.

Ao comparar a estrutura argumentativa dessa matéria de Veja com a matéria em que

foi feita a segunda acusação contra Renan – Negócios Milionários – observa-se a presença de

uma estratégia discursiva que recorre ao uso da recursividade. Nesse caso, no entanto, a

recursividade pode ter tido uma dupla função: (a) relacionar a nova acusação contra Renan às

duas primeiras, pois existe entre elas uma ligação contextual, que as tornam parte do

escândalo político Renan Calheiros, o que corrobora para o entendimento da recursividade

como uma forma de condensar os sentidos produzidos durante as operações do sistema

(LUHMANN, 2005) e; (b) tornar a revista Veja mais valorosa diante de seus leitores por estar

atuando de forma contundente no caso Renan, a fim de inibir a corrupção na política, uma vez

que Alexandre Oltramari citou as outras descobertas feitas por essa revista, que, inclusive, já

tinham incitado processos de investigação no Congresso.

Diante das proporções tomadas pelo caso Renan, o então procurador-geral da

República, Antonio Fernando Souza, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 6 de

agosto de 2007, a abertura de inquérito para investigar Renan. O objetivo inicial do inquérito

era apurar a suspeita de que o senador teria contas pessoais pagas pelo lobista da Mendes

Júnior, Cláudio Gontijo. Entretanto, Souza admitiu que o inquérito poderia ser ampliado para

investigar outras denúncias contra Renan, emergidas durante o processo deflagrado contra ele,

como relatou o jornalista Gustavo Krieger, em reportagem para o Correio Brasiliense,

intitulada como: “Até o STF decide investigar Renan”.

Já no dia 7 de agosto de 2007, de acordo com o jornalista Fausto Macedo, do jornal O

Estado de S. Paulo, o ministro do STF, Ricardo Lewandowski foi escolhido para ser o relator

do inquérito instituído para investigar as condutas atribuídas a Renan. Logo que assumiu seu

posto, Lewandowski solicitou a quebra dos sigilos fiscal e bancário de Renan, que

prontamente foi autorizado, iniciando-se uma devassa no Banco Central e na Receita Federal.

Ademais, segundo publicou o jornalista Leandro Mazini, no Jornal do Brasil, no dia

07 de agosto de 2007, por ocasião das novas denúncias contra Renan, o apoio do PT a ele

passou a ser mais discreto, pois o constrangimento da bancada em apoiá-lo, aumentou. Com

isso, o apoio do PT não seria mais irrestrito, aumentando o número de senadores na oposição

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à Renan – bancadas do DEM, o PSDB, o PSOL e o PDT – que chegavam a 32, em um total

de 82 senadores da Casa.

Ainda no dia 7 de agosto de 2007, de acordo com as informações contidas na matéria:

“Mesa aprova nova investigação contra senador”, elaborada por Fernanda Krakovics e Silvio

Navarro, publicada no jornal Folha de S. Paulo, a Mesa Diretora do Senado autorizou, por

cinco votos a três, a abertura de um novo processo contra Renan no Conselho de Ética do

Senado. Dessa vez, o objetivo era investigar se o então presidente do Senado beneficiou a

cervejaria Schincariol em troca de vantagens pessoais e se fez grilagem de terras em Alagoas.

Nesse mesmo dia, o DEM e o PSDB entraram com representação no Conselho de

Ética contra Renan devido às suspeitas de que ele havia comprado o grupo O Jornal. Segundo

reportagem da jornalista Ana Paulo Scinocca, do O Estado de S. Paulo, o presidente do

Conselho de Ética do Senado, Leomar Quintanilha (PMDB-TO), escolheu o senador João

Pedro (PT-AM) para ser relator desse novo processo aberto contra Renan.

Fernanda Krakovics e Silvio Navarro da Folha de S. Paulo publicaram também no dia

8 de agosto de 2007, uma reportagem emblemática que corrobora a centralidade da revista

Veja na constituição do escândalo em questão. Na matéria intitulada: “No plenário, Renan

discute com líder do DEM e ataca revista”, eles relataram que Renan acusou o Grupo Abril –

que publica a revista Veja e que até, então, havia sido a agente das três denúncias contra ele –

de ter “negócios ocultos” e “interesses secretos”. Renan acusou a Abril de fraudar as

negociações da TVA com a Telefônica, ferindo os interesses nacionais, com isso, ele

demonstrou uma clara tentativa de acionar a accountability por parte da revista Veja e das

outras instituições que poderiam investigar tais acusações, podendo-se inferir que ele estava

tentando mudar o foco da atenção da imprensa de seu escândalo para outro.

Em um artigo publicado em seu site60, no dia 14 de agosto de 2007, Renan voltou a

atacar a revista Veja, requerendo a apuração da venda da TV por assinatura TVA, do Grupo

Abril à empresa estrangeira Telefônica por um bilhão de reais, que ele qualificou como um

negócio imoral, que fere a soberania nacional, realizado às margens da lei pela editora que se

apresentava como a guardiã da moral e da ética. Pois, a lei estabelece em 49% o limite de

capital estrangeiro aplicado em uma empresa de TV a cabo no Brasil. Nesse artigo, Renan

reafirmou, ainda, que a revista Veja costuma acusar as pessoas sem apresentar provas e

completou dizendo que no caso dele “a revista dispensa até o acusador, já que as matérias não

possuem nem aspas com alguém a [o] acusar”. A resposta da revista Veja a Renan foi dada no

60 www.senado.gov.br/renan/default.asp

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editorial: “O desespero de Renan”, publicado na edição 2021, do dia 15 de agosto de 2007.

Nessa oportunidade a revista qualificou as acusações do então presidente do Senado como

levianas, frutos do seu desespero e, reiterou que a parceria entre o Grupo Abril e a Telefônica

estava rigorosamente dentro da lei, tendo sido aprovada pelo Conselho Diretor da Agência

Nacional de Telecomunicações (Anatel), após nove meses de tramitação e análise.

Nesse mesmo editorial, a revista Veja abordou, novamente, a questão de que os

políticos costumam atacar seus algozes, sendo que, no caso de Renan seu algoz era a própria

revista Veja. Para se defender tal publicação reafirmou o que havia dito no editorial da edição

2016, que apesar das criticas “VEJA não extrapola seu papel. Quem julga, absolve ou

condena os denunciados em reportagens da revista são as autoridades.”

No entanto, ao analisar a cobertura do escândalo notou-se, especialmente, durante a

cobertura das discussões sobre o julgamento do primeiro processo aberto contra Renan –

como se verá adiante –, que a accountability tinha se voltado para os senadores que tinham o

poder de cassar ou não Renan, nesse sentido, eles estavam sendo constrangidos a tomar uma

determinada posição e, mesmo que tal posição fosse a correta, este tipo de conduta ultrapassa

o papel da imprensa, pois, como pontuou a própria revista Veja em seu editorial, o poder de

julgar, absolver e condenar os denunciados são das autoridades.

Em 9 de agosto de 2007, o corregedor do Senado, Romeu Tuma (PDT-SP), decidiu

iniciar uma investigação para apurar a denúncia publicada pela revista Veja, sobre o

envolvimento de Renan na compra de veículos de comunicação por meio de laranjas. Para

isso, solicitou todos os documentos da JR Radiodifusão ao Ministério das Comunicações, na

pessoa do ministro Hélio Costa, conforme noticiou Ana Paula Scinocca e Rosa Costa, na

matéria: “Corregedor vai apurar se Renan usou laranjas para comprar rádios”, publicada no

jornal O Estado de S. Paulo.

Em 16 de agosto de 2007, como parte das investigações, Tuma ouviu o depoimento

do usineiro João Lyra, acusado de ter sido sócio de Renan no referido empreendimento. Na

ocasião, Lyra entregou a Tuma uma série de documentos – notas promissórias assinadas pelo

empresário Tito Uchôa, recibos e comprovantes de depósitos bancários – que comprovariam a

participação de Uchôa, como laranja de Renan na compra do grupo de comunicação em

parceria oculta com o usineiro.

No dia 15 de agosto de 2007, data anterior ao depoimento de João Lyra, a revista Veja

publicou em sua edição 2021 uma entrevista dada por João Lyra. Ele antecipou parte das

declarações feitas a Tuma. Lyra confirmou que Renan fora seu sócio na compra do grupo de

comunicação e que a pedido dele, tal grupo foi colocado em nome de laranjas.

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Em 21 de agosto de 2007, o jornalista Jailton de Carvalho do O Globo relatou que foi

entregue ao Conselho de Ética do Senado o resultado da perícia realizada nos documentos de

Renan, feita pelo Instituto Nacional de Criminalística (INC) da Polícia Federal. Segundo o

laudo do INC, não havia compatibilidade direta entre a movimentação bancárias das contas de

Renan e os pagamentos feitos à Mônica Veloso. Concluiu-se, também, que as quantias

movimentadas por Renan eram suficientes para pagar a pensão, mas os saques feitos em suas

contas eram inferiores aos valores pagos à Veloso. Entretanto, a perícia informou que não se

podia afirmar, com segurança, que Renan não pagou a pensão com seus próprios recursos.

Em matéria intitulada “Renan comemora laudo da perícia da PF em seus documentos”,

publicada na Folha Online, no dia 22 de agosto de 2007, a jornalista Gabriela Guerreiro,

contou que o resultado do laudo da Polícia Federal foi comemorado por Renan, pois para ele o

laudo apontou que todos os documentos contábeis, apresentados por ele, eram autênticos e ele

possuía recursos para arcar com as despesas, assim, tudo o que ele dissera, até o momento,

havia sido confirmado.

Após a entrega do laudo da Polícia Federal, Renan prestou depoimento ao Conselho de

Ética do Senado. Renan reuniu-se no dia 23 de agosto de 2007 com os três relatores do seu

primeiro processo – Renato Casagrande (PSB-ES), Marisa Serrano (PSDB-MS) e Almeida

Lima (PMDB-SE) – a fim de esclarecer alguns detalhes do laudo entregue pela Polícia

Federal. O depoimento que durou quase duas horas não foi suficiente para convencer os

relatores. Casagrande e Serrano disseram que o senador não havia conseguido demonstrar

que, realmente, possuía recursos para pagar pensão a representante legal de sua filha e ainda

foi impreciso ao tratar de sua evolução patrimonial nos últimos anos. No entanto, Lima, um

dos mais fiéis aliados de Renan, mostrou-se convencido da inocência do senador, como

mostrou o jornalista Vasconcelo Quadros, na matéria “Renan só garante o voto de Almeida

Lima, o fiel escudeiro”, publicada no Jornal do Brasil, no dia 24 de agosto de 2007.

Em uma sessão no Conselho de Ética do Senado, Casagrande e Serrano apresentaram

um parecer recomendando a cassação do mandato do então presidente da Casa, por quebra de

decoro parlamentar. Nessa ocasião, foi decidido que a votação do relatório desses senadores

seria aberta. Segundo os jornalistas Fernanda Krakovics e Silvio Navarro, da Folha de S.

Paulo, em matéria intitulada “Relatório de senadores recomenda cassar Renan”, publicada no

dia 31 de agosto de 2007, essa ação foi decidida pelo voto dos membros do Conselho – dez a

cinco pela cassação – pode ser considerada como uma prévia da votação final do caso.

Diante disso, o presidente do Conselho de Ética convocou uma assembléia para

deliberar sobre o relatório de Casagrande e Serrano, para o dia 5 de setembro de 2007.

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3.2.4 Quarta denúncia – “Peguei R$ 3 milhões”

Em 31 de agosto de 2007, surgiu uma nova denúncia contra Renan. Dessa vez ela foi

publicada pela revista Época, em uma matéria assinada pelo jornalista Andrei Meireles e com

a colaboração de Murilo Ramos, intitulada: “Peguei R$ 3 milhões”, cujo bigode era: “um

afilhado de Renan Calheiros, em depoimento à polícia, diz que buscou sacolas de dinheiro

para o senador. A origem da propina seriam negociatas com ministérios controlados pelo

PMDB”.

Essa matéria foi ilustrada por duas fotos (Figura 10), uma reproduzida ao lado da

outra, acompanhada da seguinte legenda: “PADRINHO: Bruno Miranda em seu casamento e

Renan durante sessão do Senado. O caso poderia envolver até dinheiro para o exterior”. Na

foto do lado esquerdo Bruno Miranda, aparece sorrindo, aparentando felicidade, em

contraposição com a foto da direita, a de Renan, que aparenta preocupação e angústia.

Acredita-se que essas fotos foram escolhidas para, além de apresentar as principais

personagens conduzir a uma determinada compreensão de sentido: a de que o acusador estava

tranqüilo, enquanto o acusado estava preocupado.

Figura 10: Bruno Miranda em seu casamento e Renan Calheiros durante sessão no Senado

Fonte: Fotos: Felipe Barra/Agência Istoé e Aílton de Freitas/Agência O Globo, reproduzidas na revista Época, edição n. 485

O jornalista iniciou a matéria dizendo que o nome de Renan apareceu em uma nova

história envolvendo acusações de cobranças de propina, desvio de dinheiro público e

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chantagem, ou seja, ele rememorou as denúncias anteriores para situar a nova acusação no

hall do escândalo Renan Calheiros. Essa estratégia de recursividade, utilizada pela revista

Veja, como se mostrou anteriormente, tornou possível, nesse caso, porque a nova denúncia

publicada pela revista Época está relacionada a um contexto narrativo – o escândalo político

midiático Renan Calheiros – que pode continuar a ser narrado, na medida em que novos fatos

atinentes a ele surjam. (LUHMANN, 2005).

A nova denúncia foi feita no ano de 2006 à Policia Civil de Brasília, pelo advogado

Bruno Miranda, afilhado de casamento de Renan. Segundo Miranda, o empresário Luiz

Carlos Garcia Coelho, pai de sua ex-mulher, montou um esquema de arrecadação de dinheiro

para Renan em ministérios chefiados por pessoas indicadas pelo PMDB, como da Previdência

Social e da Saúde.

Na matéria, Andrei Meireles informou que o referido advogado disse à polícia e

confirmou em duas conversas com a revista Época61 que em, pelo menos, seis ocasiões, ele

mesmo foi buscar o dinheiro da suposta propina. O jornalista contou, ainda, que o advogado

disse à revista Época que Everaldo França, assessor de Renan, era quem costumava buscar

propina em dinheiro vivo para o então presidente do Senado. Em seguida, o jornalista abriu

aspas e reproduziu uma fala literal de Bruno Miranda, gravada em sua conversa com Época:

“tinha vez que tinha muito dinheiro. Depois parava, vinha pouquinho. Que eu tive acesso o

maior foi de R$ 3 milhões, no BMG. Peguei numa Sacola”.

Importa ressaltar, no entanto, que o jornalista não esclareceu se a revista foi procurada

por Bruno Miranda ou se a iniciativa de procurá-lo foi sua. Tal fato mereceu destaque, uma

vez que, ao longo da matéria, os outros procedimentos relacionados à apuração de

informações passadas por Bruno Miranda são relatados.

Nesse sentido, tal matéria de Época poderia ou não ser um exemplo de jornalismo

investigativo? Tal questão foi discutida com o escritor, jornalista investigativo Lucas

Figueiredo62, que, por e-mail, comentou esse episódio. Segundo a perspectiva de Figueiredo,

essa reportagem não pode ser considerada investigativa, “não importa se a revista descobriu o

acusador ou se este procurou a revista; o que importa é que a revista se restringe a reproduzir

as acusações do afilhado de Renan. Ou seja, de investigação própria não há nada.”

Contudo, para esse jornalista, essa matéria possui uma grande relevância, pois,

“mesmo que a revista tenha sido usada (conscientemente ou não) pelo afilhado de Renan, seu

61 Assim como a revista Veja, o nome da revista Época também é grafado em letras maiúsculas quando citado no corpo do texto. 62 Figueiredo é autor dos livros, que abordam o tema das reportagens invetigativas: Morcegos Negros: PC Farias, Collor, Máfias e a História que o Brasil não conheceu, O operador e Ministério do Silêncio.

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papel é informar seus leitores de que havia na praça uma pessoa próxima ao senador fazendo

acusações graves.” Nesse sentido, a revista Época cumpriu o seu papel, pois, como se verá

adiante a acusação publicada por ela deu origem a uma nova representação contra Renan no

Conselho de Ética do Senado.

Regressando à análise da matéria da revista Época, observou-se uma das rotinas de

produção adotadas por Andrei Meireles. Esse jornalista informou que entrou em contato com

o Banco BMG, que por meio de sua assessoria de comunicação afirmou não ter conhecimento

das declarações de Miranda, nem das investigações da Polícia Federal. Não se pronunciando,

também, a respeito da transação de R$ 3 milhões, a qual Miranda havia se referido.

Andrei Meireles questionou a veracidade dos fatos relatados por Bruno Miranda: “as

acusações de Bruno merecem credibilidade?”. O jornalista ponderou que como Miranda foi

casado durante seis anos com Flávia Garcia, filha de Luiz Coelho e assessora de Renan no

Senado, ele teria tido a oportunidade de assistir e participar dos eventos que descreveu e,

assim, o jornalista buscou dotar sua fonte de credibilidade.

Em outro ponto do texto, o jornalista expôs o ponto de vista de Coelho, demonstrando

que ele também foi procurado por Época para dar seu parecer sobre o caso. Coelho qualificou

as denúncias de Miranda como “elucubrações de uma pessoa desempregada e desesperada”,

que estaria tentando prejudicar sua filha, com quem tem um processo litigioso na Justiça. A

assessoria de Coelho havia enviado a revista Época, ainda, um dossiê intitulado “Roteiro da

chantagem de Bruno Miranda contra Flávia Garcia”, em que havia uma ocorrência registrada

em uma delegacia de polícia de supostas ameaças feitas por Miranda a sua ex-mulher e um

laudo pericial de mensagens de celular recebidas por Flávia, sendo que, em uma delas

Miranda dizia que acabara de sair da delegacia onde prestou depoimento contra seu pai.

Outra questão abordada pela matéria diz respeito aos motivos que levaram a denúncia

feita por Miranda à Polícia Civil ao então delegado João Kleiber Ésper – que em agosto de

2007 ocupava o cargo de diretor da Divisão Anti-Seqüestro da Polícia de Brasília –

permanecer engavetada durante sete meses. Demonstrando, novamente, as rotinas de

produção da matéria, o jornalista relatou que havia procurado Ésper para apurar os motivos

que fizeram com que as denúncias de Miranda não fossem investigadas. Segundo as palavras

do próprio Ésper indicadas pelas aspas, ele não havia investigado porque não tinha autonomia

para apurar denúncias contra autoridades federais.

Na seqüência, Andrei Meireles informou que a Corregedoria da polícia havia aberto

uma sindicância para realizar as seguintes apurações: a razão do então delegado ter demorado

tanto para passar adiante um assunto que não era de sua competência, se o depoimento de

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Miranda teria sido usado para fazer chantagem contra Luiz Coelho e Renan, e, ainda, se

investigaria, também, a informação de que Ésper e o empresário Orlando Rodrigues da Cunha

Filho foram a um escritório de advocacia tentar a extorsão. A esse respeito, Ésper declarou à

revista Época que esteve no tal escritório com Cunha Filho, falaram sobre o depoimento, mas

ele não teria pedido dinheiro.

Bruno Miranda declarou, ainda, à revista Época que o lobista da Mendes Júnior

Cláudio Gontijo – acusado de arcar com despesas pessoais de Renan –, e o empresário Tito

Uchoa – suspeito de ter sido usado como laranja nas empresas de comunicação de Renan –

freqüentavam o escritório de Luiz Coelho.

Andrei Meireles comentou que, assim como Cláudio Gontijo havia comprado um flat

de Renan, Luiz Coelho também teria feito uma transação imobiliária com o então presidente

do Senado. Nesse momento, não ficou claro se o próprio jornalista descobriu essa informação

ou foi repassada por Bruno Miranda, constando-se apenas que, depois, tal informação foi

confirmada pela declaração de Imposto de Renda de Renan.

Em declaração dada por meio de um e-mail enviado a revista Época, Luiz Coelho

afirmou ser amigo de Renan há muitos anos, mas que eles não tinham negócios, apesar de ter

confirmado a compra da casa do amigo.

Em outro ponto da matéria, o jornalista rememorou o passado de Luiz Coelho. Contou

que a empresa de Coelho, o Grupo Assessoria Ltda., havia se envolvido em um escândalo na

década de 1990, quando um cheque de sua empresa havia sido descoberto em uma das contas

fantasmas movimentadas por PC Farias, ex-tesoureiro da campanha de Collor. Informou

também que Coelho e a ex-primeira-dama, Rosane Collor, foram denunciados pela Polícia

Federal, por superfaturamento na compra de leite em pó pela LBA (Legião da Boa Vontade),

entidade de assistência social do Governo Collor. Todavia, eles foram absolvidos. Com isso,

notou-se a escolha de um determinado enquadramento sobre a vida de Coelho, que contribui

para se criar a dúvida em relação à idoneidade de sua relação com Renan e, sobretudo, como

fonte confiável na matéria, reforçando a declaração de Bruno Miranda.

Andrei Meireles mencionou que a revista Época procurou Renan para ouvi-lo. No

entanto, apesar de sua assessoria ter-lhe informado sobre o conteúdo da reportagem, ele não

havia se pronunciado até o fechamento da edição 485 dessa revista. Merece nota, também, o

seguinte esclarecimento feito pelo jornalista: “Nas conversas com ÉPOCA, Bruno disse que

teria e-mails que poderiam comprovar algumas denúncias. Mas não os apresentou.”

Ao final da matéria o jornalista comentou que “as acusações de Bruno pioraram uma

situação que já era complicada” e, enumera as outras denúncias contra o então presidente do

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Senado apresentadas pela revista Veja, sem, no entanto, mencionar o nome dessa revista e

situa a centralidade do momento em que tal “denúncia” é apresentada pela revista Época:

Na semana passada, um parecer conjunto apresentado pelos senadores Renato Casagrande (PSB-ES) e Marisa Serrano (PSDB-MS) propôs a cassação do mandato de Renan por quebra de decoro parlamentar. Depois de um longa e tensa reunião, o Conselho de Ética decidiu por dez votos a cinco que o parecer contra Renan será decidido por voto aberto na próxima quarta-feira. Até os aliados do senador admitem que o pedido de cassação será aprovado pelos conselheiros. Resta a Renan a esperança de escapar da punição pelo voto secreto em plenário. (MEIRELES, 2007)

Chamou-nos à atenção o fato de a revista Época, na edição seguinte, do dia 07 de

setembro de 2007, publicar um editorial intitulado “Nossa alma investigativa”. Esse texto,

assinado pelo diretor de redação dessa revista, Helio Gurovitz, de início informa que o

plenário do Senado decidiria, naquela semana, o destino de seu presidente, Renan Calheiros e,

que, na edição anterior, a revista havia contribuído com um “ingrediente essencial para as

denúncias contra Renan: revelou, em primeira mão, as acusações de Bruno Miranda Lins,

afilhado de casamento de Renan”. Em seguida, Gurovitz relatou que:

As primeiras revelações – fruto do trabalho investigativo do chefe da sucursal de Brasília, Andrei Meireles – foram publicadas em nosso site, e a reportagem prosseguiu na internet durante a semana. Foi o trabalho de ÉPOCA – que envolveu duas longas conversas de nossos repórteres com Bruno e um contato prolongado com o delegado que recolhera seu depoimento – que levou a Polícia Federal a prestar atenção às denúncias de Bruno contra Renan Bruno acusa Renan de comandar um esquema de desvio de recursos por intermédio do banco BMG. Nesta edição, Andrei dá mais um passo em sua investigação do caso Renan. Caminhando em outra direção, ele revela um esquema de fraudes e superfaturamento em contratos na Funasa, órgão ligado ao Ministério da Saúde. O esquema desvendado por Andrei, tema da reportagem da página 36, também está ligado a nomes indicados por Renan Calheiros. (GUROVITZ, 2007).

Embora a revista tenha qualificado as informações publicadas como fruto de

jornalismo investigativo a análise exposta anteriormente e, também, essas informações sobre

o processo de reportagem apresentadas Gurovitz parecem-nos sugerir que, no caso desta

quarta denúncia, não se tratou de jornalismo investigativo, mas, da “revelação, em primeira

mão” das acusações proferidas por Bruno Miranda. A revista teria sido porta-voz dele. E, para

tanto, os jornalistas teriam contado com “duas longas conversas” com Bruno e com “um

contato prolongado com o delegado que recolhera seu depoimento”. Assim, considera-se que

tal reportagem adquire maior relevância em termos das ações políticas desencadeadas do que

como um exemplo de prática de jornalismo investigativo, como buscou sustentar.

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3.3 Clímax

O clímax de um escândalo político midiático refere-se ao seu ponto crítico, em que

novas divulgações e especulações aumentam a pressão sobre os indivíduos que estão no

centro do escândalo. Esta fase pode levar a confissão da culpa e até mesmo um pedido de

demissão, renúncia ou abertura de um processo criminal contra os julgados. Contudo, o

clímax pode findar com o desaparecimento das acusações contra aquele(s) sujeito(s) que até

então haviam sido inquiridos a se explicar publicamente. (THOMPSON, 2002).

Esta fase pode ser representada também por “um acontecimento dramaticamente

montado, como, por exemplo, um julgamento ou uma audiência pública feita por um comitê

especialmente designado com todas as pompas do poder simbólico”. (THOMPSON, 2002, p.

105-106).

No caso Renan Calheiros considera-se que a fase do clímax coincide com o momento

em que os senadores reuniram-se em plenário para deliberarem sobre a primeira representação

apresentada contra ele no Conselho de Ética do Senado referente à acusação de que um

funcionário da construtora Mendes Júnior beneficiava-o financeiramente. Isso representa

quebra de decoro parlamentar, de acordo com o Regimento Interno do Senado – Resolução

20, capítulo III, artigo V, inciso II.

Um momento de votação configura-se como um acontecimento dramaticamente

constituído, um espetáculo midiático, cuja ocasião é excepcionalmente planejada e

transmitida ao vivo, interrompendo o fluxo dos acontecimentos e criando uma atmosfera de

solenidade e alta expectativa. (THOMPSON, 2005). Pode-se, também, considerá-lo,

recorrendo-se a Habermas, citado por Gomes e Maia (2008), uma oportunidade de

investigação privilegiada sobre a efetividade da deliberação pública sobre a esfera de decisão

política.

A sessão para deliberar sobre a cassação de Renan por quebra de decoro parlamentar

foi antecedida por uma grande discussão na imprensa de referência acerca da maneira como

se daria o escrutínio.

Toda essa discussão foi travada porque de acordo com o a Resolução nº. 93/70 do

Regimento Interno do Senado (1970), em seu artigo 197, alínea c, as sessões no plenário

devem ser obrigatoriamente secretas quando o Senado tiver que se manifestar sobre a perda

do mandato de um de seus membros, sendo que o artigo 192 estabelece que nesses casos o

Presidente da Casa deverá determinar a saída do plenário, tribunas, galerias e respectivas

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dependências de todas as pessoas estranhas, inclusive, os funcionários da Casa, podendo ficar

somente os servidores que se julgarem necessários. A Resolução nº. 20/93 do Regimento

Interno do Senado (1993), que institui o Código de Ética e Decoro Parlamentar, também

estabelece em seu artigo 13 que “a perda do mandato será decidida pelo Plenário, em

escrutínio secreto e por maioria absoluta de votos, mediante iniciativa da Mesa, do Conselho

de Ética e Decoro Parlamentar ou de Partido Político representado no Congresso Nacional.”

No entanto, como a responsabilidade de elaborar o regimento era dos próprios

senadores, eles mesmos poderiam alterar esta resolução, precisando apenas que um novo

projeto de resolução fosse aprovado por maioria simples. Contudo, a Constituição Federal de

1988, também, estabelece em seu artigo 55, que a perda do mandato deve ser decidida pelo

Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta e, o trâmite para se fazer uma emenda

constitucional necessita do apoio de 60% do Senado e votação em dois turnos, o que

inviabilizaria um escrutínio aberto, afinal, a sessão estava marcada para o dia 12 de setembro

2007. Assim, mesmo que os senadores conseguissem mudar o Regimento Interno e a sessão

fosse aberta, o escrutínio permaneceria secreto.

Além disso, tal dispositivo teria sido criado para evitar a pressão indevida e as

chantagens sobre os senadores vindas de outros Poderes Constituídos – Executivo, Judiciário.

Mas, segundo os jornalistas Gerson Camarotti e Maria Lima, em reportagem para o jornal O

Globo, intitulada: “Renan tentará agora sessão secreta no plenário”, no caso da votação para

deliberar sobre a cassação de Renan, tentava-se evitar a pressão da opinião pública sobre os

senadores que queriam votar pela sua absolvição. A fala do senador Gilvam Borges (PMDB-

AP), citada nessa matéria, corroborou para fomentar a percepção desses jornalistas, pois o

senador confirmou que a sessão secreta seria fundamental para criar um ambiente favorável à

deliberação, porque os senadores poderiam sentir-se constrangidos pela pressão da mídia e da

opinião pública, que já haviam realizado seu julgamento a respeito do caso.

Entretanto, era, justamente, esse constrangimento que os opositores de Renan

contavam para garantir a sua cassação, pois de acordo com os jornalistas Cristiane Jungblut,

Gustavo Paul e Francisco de Góis do jornal O Globo, na matéria: “Oposição quer sessão

aberta para tentar cassar Renan”, publicada no dia 10 de setembro de 2007. A sessão aberta

faria aumentar a pressão sobre os senadores, evitando as traições, mesmo que o voto fosse

secreto. Com isso, evidencia-se que, nessa ocasião, a accountability foi direcionada aos

senadores – que, no momento, detinham o poder de cassar o mandato de Renan – e, não mais,

à Renan, que já tinha tido sua oportunidade de se explicar publicamente.

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Assim, mesmo com toda a polêmica acerca da maneira como se daria tal sessão no

plenário, ela realizou-se de forma fechada e o escrutínio foi secreto. Puderam participar dela

apenas os 81 senadores da Casa, os advogados de Renan e do PSOL – autor da representação

contra Renan no Conselho de Ética do Senado – a secretária-geral da Mesa, Cláudia Lyra e o

secretário-adjunto, José Roberto.

Para garantir que a sessão fosse realmente secreta, foi proibido o uso de computadores,

que foram retirados do plenário e, pediu-se aos senadores que restringissem o uso de seus

celulares durante a assembléia. Tião Viana (PT-AC), vice-presidente do Senado, que presidiu

essa sessão, ameaçou os outros senadores dizendo que se alguém permitisse que informações

da reunião fossem vazadas, poderia ser punido com a perda do mandato, conforme relatou o

jornalista do jornal O Globo, Alan Gripp, na matéria intitulada: “Sem computador, sem

microfone”.

Outro assunto recorrente no período que antecedeu a votação refere-se às especulações

sobre o resultado final da votação, evidenciando-se, novamente, que a accountability passou a

ser direcionada ao próprio Senado.

Tanto é verdade que, nessa ocasião, a accountability direcionou-se ao Senado, que

Renato Casagrande (PSB-ES), relator do processo contra Renan, em entrevista ao jornalista

Marcelo de Moraes63, do O Estado de S. Paulo, avaliou que o resultado dessa votação, em

última instância, poderia condenar o próprio Senado, pois “se o senador Renan Calheiros não

for cassado, ficaremos todos sócios de seu descrédito junto da opinião pública. O Senado

passará a ser responsável por essa decisão”.

Aqui é importante destacar que Renan era um grande aliado do governo petista, por ter

conseguido articular a maior bancada do governo – PMDB com 20 senadores e PT com 12 –,

facilitando, assim, a aprovação de projetos de interesse do Palácio do Planalto e, além disso,

segundo matéria dos jornalistas Ana Paula Scinocca, Marcelo de Moraes e Rosa Costa64, do

jornal O Estado de S. Paulo, o PMDB “incluiu no pacote de barganha com o Planalto” a

votação da prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

Em troca do voto dos petistas a favor de Renan o PMDB mobilizaria sua bancada para votar a

favor da prorrogação da CPMF, fundamental para a manutenção do PAC.

63 MORAES, Marcelo. 'Se não for cassado, ficaremos todos sócios de seu descrédito', diz relator. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 12 set. 2007. Disponível em: <http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2007/9/12/noticia.381266/?searchterm="renato%20casagrande"> Acesso em: 03 out. 2008. 64 Scinocca, Ana Paula; Moraes, Marcelo de; COSTA, Rosa. PMDB vincula caso Renan à CPMF. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 12 set. 2007. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20070907/not_imp47933,0.php> Acesso em: 03 out. 2008.

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As vésperas da votação a revista Veja publicou, na sua edição 2025, o seu terceiro

editorial tratando do caso Renan: “Em defesa da grandeza”. Nessa oportunidade, a revista

tratou da aprovação do relatório que pedia a cassação de Renan apresentado ao Conselho de

Ética, devido à denúncia publicada por ela e repetida em diversos veículos da imprensa –

Renan teria tido despesas pessoais pagas por um lobista de uma grande empreiteira.

No texto desse editorial afirmou-se outra vez que Renan “optou pela saída tradicional

dos políticos malfeitores”, culpando a “mídia” pelos seus percalços. Contudo, esta revista

acreditava que os integrantes do Conselho de Ética não deixaram se contaminar por esta

manobra de Renan e por fim deu um conselho aos senadores que julgariam Renan no dia 12

de setembro de 2007.

Espera-se que, no momento em que a cassação de Renan Calheiros for colocada em votação no plenário, a maioria dos senadores tenha o mesmo comportamento de seus pares no conselho. Que eles honrem a secular grandeza do Senado da República. Que, assim como os ministros do Supremo Tribunal Federal o fizeram, ao abrir processo contra os mensaleiros, dêem alento aos cidadãos cansados de tanta impunidade. Que votem em favor da esperança. Da esperança de um Brasil melhor. (VEJA, 2007, grifo nosso).

Esse trecho é emblemático do que se discutiu há pouco sobre a questão de tal

publicação não se ater às denúncias, aqui fica claro o parecer da revista em relação ao caso, a

sua tentativa de acionar a accountability por parte dos senadores e, por conseqüência, de

constrangê-los a adotarem certo posicionamento.

Importa ressaltar, também, a pressão de outros veículos da imprensa pela cassação de

Renan. A Folha de S. Paulo publicou, no dia 12 de setembro de 2007, em sua primeira página

um placar constituído a partir de uma enquete realizada com 80 senadores. Essa enquete

revelou que 41 deles votariam pela cassação de Renan, 10 pela sua absolvição e 29 não

declararam sua posição, o que garantiria a cassação de Renan, já que para isso seriam

necessários 41 votos.

Todavia, Renan foi absolvido, sendo que o placar foi de 40 votos pela sua absolvição,

35 pela sua cassação e seis abstenções. Para as jornalistas Ana Paula Scinocca e Rosa Costa a

absolvição de Renan foi sustentada pela abstenção de seis senadores, o trabalho explícito dos

líderes governistas a seu favor – a começar pelos do PT – e as ameaças aos senadores,

conforme afirmaram na matéria: “Governistas e abstenções definiram resultado”, publicada

no dia 13 de setembro de 2007, no jornal O Estado de S. Paulo.

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3.4 Pós-escândalo

A última fase descrita por Thompson (2002) é a fase do pós-escândalo ou das

conseqüências e refere-se ao período em que a temperatura do drama causado pelo escândalo

cai devido ao seu desenlace, fazendo com que seus protagonistas retirem-se da cena de

visibilidade pública. Contudo, no caso Renan, o julgamento não encerrou o escândalo. Depois

do grande clímax, ainda, foram-lhe remetidas outras duas acusações. O escândalo só se

encerrou, definitivamente, no dia 04 de dezembro de 2007, quando Renan renunciou à

presidência do Senado. No entanto, após a votação da primeira acusação apresentada ao

Conselho de Ética do Senado o caso deixou de ocupar um lugar de destaque na cobertura

jornalística sobre política, como pode ser verificado pela análise da tabela abaixo, em que se

comparou o número de vezes que o nome de “Renan Calheiros” foi citado pela imprensa de

referência nos três meses que antecederam o clímax do escândalo e os três meses posteriores a

ele, evidenciando a diminuição de sua visibilidade.

Tabela 2 Grau de visibilidade de “Renan Calheiros” antes e depois do julgamento de seu primeiro processo

Período Renan Calheiros

18 de junho de 2007 – 18 de setembro de 2007

2.478

19 de setembro de 2007 – 19 de dezembro

1.550

Fonte: Dados obtidos por meio de pesquisa no clipping do Ministério do Planejamento

Segundo Thompson (2002), nessa fase, os jornalistas, políticos ou outros sujeitos,

como pessoas que estiveram envolvidas no escândalo, acreditando que ainda haveria um

mercado lucrativo com as memórias do escândalo, podem ainda se engajar em uma reflexão

sobre os acontecimentos.

Nesse sentido, Mônica Veloso, apontada como o pivô do escândalo Renan Calheiros,

pousou nua para a revista Playboy – edição de outubro de 2007 – e lançou o livro “O poder

que seduz” , no dia 28 de novembro de 2007, no qual descreveu desde a sua chegada à

Brasília até as conversas de corredor no Congresso Nacional, prolongando o seu período de

visibilidade midiática, que na, verdade, se mantem até então. Veloso apresenta, desde o dia 08

de março de 2008, o programa semanal “Vrum”, no SBT.

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3.4.1 Quinta denúncia – Assessor de Renan é acusado de espionagem

No dia 06 de outubro, Renan foi alvo de mais uma acusação. Dessa vez, a denúncia foi

feita pelo jornalista Leonardo Souza do jornal Folha de S. Paulo. Esse jornalista revelou na

matéria “Assessor de Renan é acusado de espionagem” que o assessor especial de Renan,

Francisco Escórcio, teria pedido ajuda ao empresário Pedro Abrão – dono de um hangar e

uma empresa de aviação em Goiânia – para grampear o telefone dos senadores Marconi

Perillo (PSDB-GO) e Demóstenes Torres (DEM-GO) e fotografá-los embarcando nos jatinhos

de empresários da região.

O jornalista, revelando as rotinas de produção da notícia informou que teve acesso a

essa informação por meio do senador Torres que, por sua vez, disse ter ficado sabendo dessa

notícia por meio do amigo, Abrão. Diante disso, acredita-se que essa matéria, assim, como a

publicada pela revista Época pode configurar-se como um furo jornalístico, mas não, como

jornalismo investigativo.

Assim, descobriu-se que Escórcio encontrou-se com Abrão em Goiânia no dia

primeiro de outubro de 2007, no escritório do advogado Heli Dourado, onde teria feito a

proposta ao dono do hangar. Como Abrão contou o intento de Escórcio para Torres, todo o

esquema acabou fracassando.

De acordo com o que foi reproduzido na matéria de Leonardo Souza, Demóstenes

Torres (DEM-GO) teria dito que iria discutir com o seu partido para decidirem que

providências iriam tomar a esse respeito. Ele teria dito, também, ao jornalista que obteve

informações de que Renan estava por trás do plano de espionagem e que teria tentado

contratar a empresa Kroll para investigá-lo, mas sem sucesso.

Leonardo Souza afirmou ter tentado contatar a assessoria de Renan, mas não havia

conseguido até a noite anterior a publicação da sua matéria. Também revelou que não

conseguiu contatar Marconi Perillo (PSDB-GO), nem Pedro Abrão. Já, Francisco Escórcio,

procurado pela reportagem, confirmou que estivera em Goiânia e encontrou-se com Abrão.

Todavia, ele contou uma versão que o jornalista avaliou como “bem diferente” da versão de

Demóstenes Torres (DEM-GO). Segundo Escórcio, o escritório do advogado Heli Dourado

havia sido contratado, em outubro de 2006, por um grupo do PMDB para ajudar no processo

contra o governador do Maranhão Jackson Lago, inimigo do senador José Sarney (PMDB-

AP), a quem ele era muito ligado. Por isso, ele teria ido a Goiânia buscar um material sobre

supostas irregularidades cometidas pelo grupo Lago para repassar a um canal de TV. Como

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Pedro Abrão era seu amigo, telefonou para eles se encontrarem no tal escritório. Lá, eles

falaram de Torres e Marconi Perillo (PSDB-GO), mas sobre a conjuntura política, Escórcio

afirmou ao jornalista que “ele [Abrão] deve ter confundido as coisas”.

Comentando a fala de Francisco Escórcio, Leonardo Souza tentou mostrar a

incoerência do assessor especial de Renan, que não escondia que fazia levantamentos contra

inimigos do PMDB, mas, não fizera em relação aos senadores goianos.

Em 7 de outubro de 2007, Leonardo Souza publicou uma nova reportagem no jornal

Folha de S. Paulo, intitulada: “Assessor tratou de espionagem, diz advogado”. Nessa

oportunidade, o jornalista contou que ouviu o advogado Heli Dourado, que confirmou que

Francisco Escórcio tratou com Pedro Abrão de filmar e fotografar o senador Marconi Perillo

(PSDB-GO) embarcando em jatinhos de empresários da região.

No dia 9 de outubro de 2007, os jornalistas Andreza Matais e Silvio Navarro, na

matéria: “Senadores pedem abertura de 5º processo contra Renan”, publicada no jornal Folha

de S. Paulo, revelaram que PSDB e DEM, com apoio de senadores governistas e da oposição,

levariam nesse dia à Mesa Diretora do Senado um requerimento de abertura de um novo

processo de cassação contra Renan. Nessa representação Renan era acusado de “abuso das

prerrogativas de presidente da Casa para interferir no andamento dos processos contra ele no

Conselho de Ética e menciona a denúncia de arapongagem contra Demóstenes Torres (DEM-

GO) e Marconi Perillo (PSDB-GO)”. Tal requerimento se transformou em um processo no

Conselho de Ética do Senado no dia 16 de outubro de 2007.

Desgastado, após permanecer cinco meses no centro de uma das maiores crises

políticas que assolou o Senado, Renan Calheiros anunciou no dia 11 de outubro de 2007, via

TV Senado, seu licenciamento do cargo de presidente desta Casa por 45 dias, conforme a

matéria dos jornalistas Leandro Colon e Luiz Carlos Azedo, denominada “Tchau, Renan,”

publicada pelo jornal Correio Brasiliense, no dia 12 de outubro de 2007. No entanto, Renan

voltou para o Senado nesse mesmo dia, mas apenas como senador.

No dia 21 de novembro, Renan pediu uma nova licença da presidência do Senado, que

deveria ser reassumida no dia 26 de novembro, adiando sua volta à presidência para o dia 29

de dezembro. Os jornalistas Andreza Matais, Felipe Seligman e Valdo Cruz informaram na

matéria “Renan estende afastamento da presidência do Senado”, publicada no jornal Folha de

S. Paulo, que o afastamento de Renan possibilitaria ao Palácio do Planalto armar uma

estratégia para que a CPMF fosse votada em primeiro turno, antes da escolha do novo

comandante da Casa, evitando, assim, que insatisfações na bancada do PMDB provocassem

perdas de votos, então, favoráveis a esse imposto.

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3.4.2 A sexta denúncia – Renan fez emenda para empresa fria de ex-assessor

No dia 14 de outubro de 2007, o jornal O Estado de S. Paulo publicou a matéria:

“Renan fez emenda para empresa fria de ex-assessor”, assinada pelo jornalista Ricardo Brant,

revelando que Renan teria elaborado uma emenda orçamentária, no ano de 2004, no valor de

280 mil reais para a execução de obras por uma empresa fantasma.

Conforme relatou Ricardo Brant, no papel, a empresa KSI Consultoria e Construções

Ltda. tinha sede em Pernambuco e filial em Alagoas, além de um capital social de 600 mil

reais, mas, na realidade, ela nunca existiu. Contudo, ela teria recebido dos cofres da União

280 mil reais, por meio da Fundação Nacional da Saúde (Funasa), os quais foram liberados

por uma emenda parlamentar de autoria de Renan Calheiros.

Ainda, segundo o jornalista do O Estado de S. Paulo, o verdadeiro proprietário da KSI

era um ex-assessor de Renan, José Albino Gonçalves de Freitas e o responsável pela

contratação da referida obra da KSI foi o filho do senador, Renan Calheiros Filho (PMDB),

que, na ocasião, era prefeito do município de Murici (AL).

De acordo com o convenio nº. 1.197/04, entre a Funasa e a prefeitura de Murici, ao

qual o jornalista teve acesso, mostrava que a KSI foi contratada para construir 28 casas pelo

programa de combate a doença de Chagas. Esse programa funcionava através da parceria da

Funasa com o Ministério da Saúde. Esse repassava os recursos da União para as prefeituras e

elas ficavam responsáveis pela contratação das empresas que executariam as obras.

Procurado pela reportagem do O Estado de S. Paulo, José Albino Gonçalves de

Freitas, negou ser dono da KSI e disse que apenas recebeu uma procuração do verdadeiro

dono para fazer uma obra na cidade de Paripueira, onde seu filho era vereador. Mas, admitiu

que abriu a firma para fazer algumas obras e garantiu que ela já estava inativa. Ricardo Brant

evidenciou que em uma segunda conversa, Freitas disse que apesar dele não ser dono da KSI,

ele assinou por ela um extrato de contrato de 306,3 mil reais com a Prefeitura de Feliz

Deserto, para a realização de obras custeadas pelo governo federal.

Entretanto, Ricardo Brant argumentou: se para Freitas a KSI estava inativa, para a

Funasa, ela esta ativa, já que esta fundação teria liberado a última parcela dos 280 mil reais

referentes à emenda de Renan Calheiros e, de acordo com seus registros a KSI teria

construído as 28 casas. Todavia, O Estado de S. Paulo, não conseguiu apurar se as tais casas

realmente foram construídas, porque não conseguiu entrar nas propriedades rurais onde as

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construções deveriam ter sido feitas, o que demonstrou as rotinas de produção adotadas por

esse jornal que buscou apurar as informações.

Ricardo Brant, evidenciando mais uma vez as rotinas de produção da notícia, afirmou

ter procurado Renan Calheiros, por meio de sua assessoria de imprensa, mas esta não

respondeu.

Diante desses novos fatos apresentados pelo jornal O Estado de S. Paulo, o PSOL

entrou com a sexta representação contra Renan à Mesa Diretora do Senado, conforme relatou

a jornalista Fernanda Odilla, na matéria: “Psol entra com mais duas representações”,

publicada no jornal Correio Brasiliense, no dia 19 de outubro de 2007. Isso demonstrou que a

matéria do jornal O Estado de S. Paulo conseguiu acionar um processo de accountability,

nesse caso, via PSOL.

Já, no dia 14 de novembro de 2007, de acordo com a matéria: “Senador obtém vitória

em processo da Schincariol”, assinada pelas jornalistas Ana Paula Scinocca e Rosa Costa, do

jornal O Estado de S. Paulo. Renan teve mais uma vitória no Senado. Com nove votos

favoráveis e cinco abstenções, o Conselho de Ética aprovou, sob a relatoria do senador João

Pedro (PT-AM), o arquivamento das denúncias de que Renan teria atuado como lobista da

Schincariol junto ao INSS para reverter a dívida de 100 milhões de reais que essa cervejaria

tinha com esta instituição – segundo processo contra Renan.

Contudo, nesse mesmo dia, sob a relatoria do senador Jefferson Peres (PDT-AM), o

Conselho de Ética aprovou a recomendação de cassação Renan Calheiros, por quebra de

decoro parlamentar, por ter usado laranjas para adquirir um grupo de comunicação em

Alagoas – terceiro processo contra o senador –, conforme relataram os jornalistas Andreza

Matais e Felipe Seligman, da Folha de S. Paulo, na matéria: “Novo pedido de cassação de

Renan passa em conselho”.

Em 27 de novembro, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado aprovou,

por 17 votos a três, o envio ao plenário do parecer do senador Peres. Assim, o segundo

julgamento de Renan foi marcado para o dia 04 de dezembro de 2007. Dessa vez, entretanto,

o escrutínio seria secreto e a sessão seria aberta.

Segundo o jornalista Silvio Navarro, na matéria: “Comissão do Senado envia ao

plenário parecer contra Renan”, publicada no jornal Folha de S. Paulo, no dia 28 de

novembro de 2007, previa-se que Renan seria absolvido novamente por uma margem de votos

maior do que na primeira votação.

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No dia 4 de dezembro de 2007, Raquel Ulhôa e Raymundo Costa noticiaram no jornal

Valor Econômico que Renan escapou novamente da cassação. Dessa vez, o placar foi de 48

votos contrários e 29 a favor da cassação desse senador, além de três abstenções.

Todavia, durante o seu segundo julgamento por quebra de decoro parlamentar, Renan

Calheiros resolveu renunciar à presidência do Senado, dando fim ao processo deflagrado

contra ele no mês de maio de 2007.

Certamente, o escândalo tratado nesta pesquisa trouxe conseqüências negativas para a

figura política de Renan, ferindo sua imagem pública, haja vista, o “discurso infamante”

construído pela imprensa ao longo da cobertura realizada sobre o processo deflagrado contra

ele, que acabou dotando esse senador de uma identidade moralmente inferior. Renan foi

qualificado como corrupto, mentiroso, desonesto, ladrão.

No entanto, como se viu no segundo capítulo, Renan, mesmo depois do escândalo de

2007, continuou gozando de prestígio no universo político, pelo menos em seu partido, que se

articulava para levar Renan de volta a presidência da legenda no Senado e, em Alagoas e na

região nordeste, tendo em vista que o DIAP o citou como um dos parlamentares mais

influentes de Alagoas e do nordeste. Cabe agora esperar as próximas eleições para ver se os

cidadãos irão utilizar as eleições como uma forma de controlar o poder ou, apesar do que

ocorreu, autorizarão a renovação do mandato de Renan.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa pesquisa foi realizada com o intuito de compreender o funcionamento da esfera

pública política de visibilidade midiática em uma democracia liberal, valendo-se, para isso, da

análise da atuação do jornalismo na constituição do escândalo político protagonizado pelo

então presidente do Senado, Renan Calheiros.

Por meio da análise da cobertura jornalística, realizada pela imprensa de referência

nacional, acerca do referido escândalo, concluiu-se, primeiramente, que o escândalo Renan

Calheiros pode ser classificado, seguramente, como um escândalo político midiático aos

moldes descritos por Thompson (2002), pois, esse acontecimento cumpriu todas as quatro

etapas concernentes aos escândalos políticos midiáticos descritos por esse autor: pré-

escândalo, escândalo, clímax e pós-escândalo.

Corrobora para caracterizar esse ocorrido como um escândalo político midiático, o

fato de todas as seis representações apresentadas à Mesa Diretora do Senado, transformadas

nos seis processos abertos contra Renan, terem sido motivadas por denúncias feitas pela

própria imprensa, demonstrando, não somente, a centralidade da imprensa em sua edificação,

como também, a prática do jornalismo investigativo empreendida por determinados veículos,

já que a mesma assumiu o papel delegado a ela nas democracias liberais, atuando como um

cão de guarda a favor da sociedade.

Contudo, a análise das matérias em que as denúncias contra Renan foram tecidas,

mostrou que nem todas elas foram oriundas de investigações empreendidas pela imprensa. As

matérias: “Peguei R$ 3 milhões”, elaborada pelo jornalista Andrei Meireles, publicada na

revista Época e “Assessor de Renan é acusado de espionagem”, redigida pelo jornalista

Leonardo Souza, do jornal Folha de S. Paulo, pareceram ter sido embasadas em acusações

feitas por sujeitos que procuraram os jornalistas ou os veículos, para os quais eles trabalham,

para revelarem o que sabiam sobre o senador.

No entanto, essas denúncias continuam sendo consideradas importantes para a

constituição do escândalo e para o aumento da transparência na vida política, haja vista que

elas, assim como as demais denúncias, conseguiram acionar a accountability vertical, ou seja,

motivaram a elaboração das representações contra Renan, encaminhadas à Mesa Diretora do

Senado, acionando a accountability horizontal, provocando a mobilização das instituições que

têm o poder de investigar e julgar o fato. Assim, a partir da entrega da representação à Mesa

Diretora do Senado, o processo de accountability horizontal iniciou-se.

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Nesse sentido, a revista Época e o jornal Folha de S. Paulo cumpriram seu papel de

informar algo que suscitava interesse público, embora tenha beneficiado determinados

sujeitos que poderiam ter sido movidos a procurar a imprensa, para delatar Renan, devido a

interesses particulares.

A reconstituição da cobertura jornalística do escândalo, em questão, possibilitou,

também, que se verificasse as rotinas de produção da notícia, os enquadramentos preferenciais

do caso e a construção de um discurso pela imprensa auto-legitimante de seu papel de cão de

guarda, tornando-se possível, desse modo, perceber qual o posicionamento adotado por ela

diante desse acontecimento.

Assim, na fase do pré-escândalo tornou-se evidente, por meio da reconstituição da

cobertura da Operação Navalha, que a figura de Renan, naquele momento, já estava sendo

destacada, demonstrando um tipo de enquadramento dado por determinados veículos da

imprensa, a esse caso.

Nessa ocasião, chamou a atenção uma matéria publicada pela revista Veja, em sua

edição 2009: “Quadrilha de autoridades”, escrita pelos jornalistas Policarpo Junior e

Alexandre Oltramari. Nela, além de notar-se o enquadramento da figura de Renan na

cobertura da Operação Navalha, observou-se um elemento que mostrou-se recorrente nas

matérias dessa revista, utilizadas durante a reconstituição do escândalo: a “presunção de

culpa” atribuída a certos sujeitos. Sugeria-se que Renan estivesse envolvido no esquema de

corrupção de Zuleido Veras. Contudo, não apareceram evidências contundentes dessa ligação.

Nesse caso, observou-se que o discurso relativo à “presunção de culpa” de Renan foi

construído com base em suposições. Dessa forma, verificou-se não a prática de um tipo de

jornalismo investigativo, mas, sim, de natureza especulativa.

Passando a fase do escândalo, logo na análise da primeira denúncia contra Renan feita

por meio da matéria publicada pela revista Veja, em sua edição 2010: “O senador e o lobista”,

elaborada por Policarpo Junior, evidenciou-se o exercício do jornalismo investigativo

empreendido por esse jornalista, que por meio de uma fonte ligada a Mônica Veloso ficou

sabendo que esta recebia a pensão da filha por intermédio de Cláudio Gontijo. A partir disso,

Policarpo foi a campo apurar os fatos. Indagou Gontijo, Renan e outros sujeitos que não

foram citados em sua matérias por terem dado declarações em off.

Essa matéria traz à tona, também, a questão relativa à articulação entre segredo e

visibilidade, a qual está, diretamente, relacionada à eclosão dos escândalos, na medida em

que, nesse momento, a revista Veja publicizou uma situação que se dava em segredo e, a

partir disso, conseqüentemente, o escândalo passou a desenvolver-se.

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Provocando, ainda, a deflagração do processo de accountability direcionado a Renan,

Cláudio Gontijo, a construtora Mendes Júnior e as instâncias que poderiam promover

acareações sobre as acusações publicadas.

Destaca-se, também, uma rotina de produção largamente utilizada pela revista Veja,

como se verificou ao longo do escândalo em questão: as informações obtidas por fontes que

fazem declarações em off. Aqui, deseja-se ressaltar, não, apenas, o fato de recorrência à

utilização de fontes dessa natureza, mas, a não orientação de quais poderiam ser seus

interesses em dar tais declarações, já que esse tipo de informação pode oferecer, ao leitor,

subsídios para uma apreensão mais crítica da informação.

Ademais, a análise da referida matéria ilustra a importância do recurso às imagens

para se criar o “efeito de sentido” desejado. Tanto a análise da capa da referida edição, quanto

de uma das fotos que a ilustrava, mostraram que as imagens, juntamente com os elementos

gráficos e as legendas, foram escolhidos com vista a corroborar para a reiteração do sentido

apresentado no texto que, nesse caso, pareceu ser mostrar que Renan havia, realmente,

transgredido determinadas normas que regem a conduta de um senador.

A partir da publicação dessa matéria, pôde-se perceber o processo de accountability

desencadeado pela mídia. Como se viu, após a publicação da denúncia, o PSOL apresentou

uma representação à Mesa Diretora do Senado que a julgou como legítima e a encaminhou ao

Conselho de Ética dessa Casa, acionando-se, assim, a esfera pública política para deliberar

sobre o caso. Nesse sentido, notou-se, ainda, as articulações internas promovidas dentro do

parlamento tanto com o objetivo de punir, quanto de proteger Renan.

A publicação da referida matéria mobilizou, também, a imprensa de circulação

nacional, que passou a dar grande destaque a esse escândalo, no sentido de que passou a

cobrir o processo de accountability desencadeado por ele. Além disso, alguns veículos

também passaram a empreender investigações sobre o caso, como o Jornal Nacional da Rede

Globo, que realizou uma investigação mostrando a inconsistência da documentação

apresentada por Renan, para tentar provar que possuía recursos suficientes para arcar com as

despesas da pensão da filha.

Assim, pode-se dizer, inclusive, que o escândalo Renan Calheiros tornou-se a narrativa

midiática preferencial sobre política, naquela época. Com isso, evidenciou-se o papel político

desempenhado pela imprensa, que ao dar visibilidade a determinadas situações, pode

desencadear um processo de prestação de contas e responsabilização dos sujeitos e

instituições públicas.

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A análise da segunda denúncia contra Renan também publicada pela revista Veja –

“Negócios Milionários” de autoria de Otávio Cabral –, mostrou uma outra rotina de produção

da notícia que, a partir de então, repetiu-se na cobertura sobre o escândalo: a recursividade.

Esse recurso foi utilizado, não só pela revista Veja, mas também, pelos outros veículos da

imprensa que imprimiram em seus textos uma memória do escândalo, ajudando a ratificar as

acusações contra Renan, criando um “discurso infamante” a seu respeito e ajudando a

(re)construir a imagem desse senador, que passava a ser considerado como portador de uma

moral inferior.

Essa matéria apresentou, além disso, uma imprecisão entre a informação de uma foto e

sua legenda. A foto mostrava uma manifestação, que foi atribuída pela revista ao “povo”, mas

descobriu-se que, na verdade, a manifestação havia sido promovida pelo PSOL. Isso

demonstrou que a revista Veja, mesmo sabendo da natureza de tal manifestação,

ressignificou-a para que ela pudesse encaixar-se na idéia incutida em seu texto, de que não

somente determinados parlamentares clamavam pela saída de Renan da presidência do

Senado, como também, o próprio “povo”, demonstrando a ressonância obtida pelo escândalo

protagonizado por ele. Dessa forma, pode-se dizer, que a revista Veja, apesar de empreender

investigações, segundo ela, com a finalidade de proteger a sociedade contra o abuso dos

políticos, tornando a vida política mais transparente e realizando sua promessa de visibilidade

também revelou um de seus modos operatórios: a ressignificação. E, assim, como constrói

discursivamente a realidade.

Nessa perspectiva, ainda, cabe destacar que na edição da revista Veja, em que essa

matéria foi publicada, encontrava-se, também, um editorial acerca do caso em questão. Nele,

enfatizou-se que “o papel da imprensa nas democracias era trazer à tona as malfeitorias

cometidas contra a nação”, por isso, se empenharia em mostrar à sociedade as improbidades

cometidas pelos “mandatários do poder”, por meio do exercício de um jornalismo do tipo

investigativo. Assim, seu papel terminaria aí, pois, a partir de então, as instituições

competentes é que deveriam promover acareação sobre as acusações. No entanto, como se

disse no terceiro capítulo quando analisou-se esse editorial, a revista Veja também atuou

como sujeito político, haja vista, as declarações de que senadores estavam se sentindo

constrangidos, pela imprensa, por defenderem Renan.

Por fim, tal episódio sugere-nos, além disso, que na análise da constituição de um

escândalo político midiático deve-se considerar tanto as práticas atinentes ao jornalismo

investigativo quanto o processo de edição da reportagem. E o fato de o PSOL não ter sido

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bem sucedido ao buscar produzir uma “manifestação para a mídia” revela-nos o poder da

mídia no sentido de controlar o acesso dos sujeitos políticos a essa esfera.

Na análise da terceira denúncia publicada pela revista Veja, na edição número 2020 –

“Sociedade Secreta”, de Alexandre Oltramari –, chamou a atenção o enquadramento dado à

descoberta de que Renan era proprietário de duas emissoras de rádios e tinha sido sócio de um

jornal em Alagoas. Nessa matéria, deu-se destaque, somente, à questão do grupo de

comunicação ter sido colocado em nome de laranjas, ao fato desse grupo de comunicação ter

um valor superior ao próprio patrimônio que Renan declarou ter, na época de sua compra e,

sobretudo à questão de Renan mentir. O enquadramento dado a esse episódio pela revista Veja

e pela imprensa, em geral, omitiu a informação de que se configura como ato ilícito, um

senador ser proprietário de veículos de radiodifusão, haja vista, a Constituição Federal de

1988, o Regimento Interno do Senado de 1993 e o Código Brasileiro de 1962 que estabelecem

a proibição de um parlamentar possuir ou administrar uma empresa de radiodifusão, porque

cabe a eles referendar as outorgas e as renovações de concessões de rádio e televisão e

fiscalizá-las.

Assim, a discussão desse assunto foi omitida pela mídia e pareceu-nos, também, que a

questão da concessão de veículos de radiodifusão a parlamentares não foi abordada pelos

senadores, pelo menos não se viu notícias sobre uma discussão, dessa natureza, no Senado.

Isso mostrou, de forma contundente, o poder que a imprensa tem não só de agendar os

assuntos a serem discutidos, como também, delimitar o escopo da discussão, pois ela subsidia

a constituição da esfera pública, na medida em que oferece aos sujeitos as informações

necessárias para o estabelecimento de discussões. Por isso, nesse caso, pode-se afirmar que, a

revista Veja falhou, mais uma vez, porque além de vigiar o Estado em prol da sociedade,

também, cabe à imprensa nas democracias liberais, oferecer à sociedade informações

esclarecedoras sobre o processo político que possibilite a ela ter uma opinião crítica acerca

dos fatos.

Ocorre-nos, também, que a revista Veja, nesse caso, por meio de seu processo de

edição, também recorreu ao segredo. Ao dissimular, ao não apresentar a informação de que

parlamentares, deputados federais e senadores, não podem ter concessões e optar por salientar

o fato de Renan ter mentido. Tal omissão deliberada parece-nos sugerir uma forma de ação

política por parte do veículo e que o exercício da política já não se restringe ao campo da

política.

Por fim, cabe ressaltar que a revista Veja, em sua edição 2021, publicada no dia 15 de

agosto de 2007, trouxe um editorial intitulado: “O desespero de Renan”, em que buscou

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defender-se dos ataques de Renan contra ela. Renan dizia-se vítima das denúncias dessa

revista e acusou-a de ter fechado um negócio com a empresa estrangeira, TVA. Nessa

oportunidade, notou-se, novamente, o discurso de cão de guarda dessa revista, que assinalou,

assim como no editorial referenciado anteriormente, que fazia parte de seu papel apresentar

denúncias contra aqueles que lesam a sociedade, mas que, no entanto, sua missão terminaria

aí: o julgamento e a condenação dos culpados ficariam a cargo das instituições competentes.

Porém, há de considerar-se que uma acusação, mesmo quando é desqualificada

posteriormente pelas acareações empreendidas pelas autoridades, acaba ferindo a imagem do

sujeito acusado e, esse não terá o espaço na imprensa, pelo menos, não o mesmo espaço, para

mostrar sua inocência. Isso no contexto de uma democracia representativa é muito grave,

porque nesse tipo de regime, a confiança e a credibilidade dos sujeitos têm um valor muito

alto, na medida em que pode embasar a decisão de voto dos cidadãos. Por isso, a imprensa

deve ter muito cuidado ao apresentar acusações contra os sujeitos políticos.

A quarta denúncia contra Renan foi publicada pela revista Época. Como se disse

anteriormente, apesar dela ter apresentado um furo jornalístico sobre o escândalo Renan

Calheiros, não parece que as informações obtidas foram fruto de uma prática, genuinamente,

investigativa. Todavia, no editorial publicado por essa revista, na semana seguinte da

publicação da quarta denúncia, qualificou-a como produto de um “trabalho investigativo”, que

outorgava a essa revista um status de cão de guarda da sociedade.

Logo após a quarta denúncia, o escândalo político Renan Calheiros chega ao seu

clímax, que coincide com a votação da primeira representação contra ele no Conselho de

Ética do Senado. Nessa fase, chamou à atenção a mobilização da imprensa em torno desse

evento, discutia-se, principalmente, a forma como seria realizada a sessão e o escrutínio.

Alguns argumentavam que deveriam ser abertos para que os senadores se sentissem

constrangidos a cassar Renan, por outro lado, outros diziam que deveriam ser fechados,

justamente, para que os senadores não fossem coagidos a tomarem determinada atitude. A

despeito das pressões, a sessão foi fechada e o escrutínio secreto.

Durante esse período, destacou-se um editorial publicado pela revista Veja que

mostrou, claramente, o posicionamento dessa revista em relação ao caso, na medida em que

notou-se a pressão que ela fazia para que os senadores votassem a favor da cassação de

Renan, que, dessa maneira, honrariam a “secular grandeza do Senado da República”.

Destacou-se, também, o placar publicado pelo jornal Folha de S. Paulo que indicava a

cassação de Renan. Nesses dois casos, pode-se dizer que havia a intenção de acionar a

accountability por parte dos senadores, que teriam a oportunidade de derrubar Renan.

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Entretanto, como se sabe, o senador acabou sendo absolvido das acusações. Mas, seu

escândalo não terminou aí. Ele, ainda, foi acusado de “arapongagem” pelos senadores e

Demóstenes Torres (DEM-GO) e Marconi Perillo (PSDB-GO), de acordo com a matéria

publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, citada anteriormente.

Renan foi acusado, também, de ter elaborado uma emenda orçamentária de 280 mil

reais para a construção de 28 casas para uma empresa fantasma. Essa acusação foi publicada

pelo jornal O Estado de S. Paulo, na matéria: “Renan fez emenda para empresa fria de ex-

assessor”, de Ricardo Brant. A análise, dessa matéria, demonstrou a prática do jornalismo

investigativo e evidências de irregularidades relacionadas à Renan. No entanto, notou-se que,

nesse momento, a imprensa já não deu tanta repercussão a esse fato, por conseqüência, ele

não despertou tanto interesse público.

Assim, diante da análise empreendida, percebeu-se a centralidade da imprensa na

constituição desse escândalo, não somente por ela ter sido o vetor das acusações contra

Renan, como também pela cobertura dos fatos desencadeados ter conseguido mobilizar e

pressionar as autoridades, no sentido de tomarem providências para tentar esclarecer os fatos

que envolviam o então presidente do Senado.

Pode-se dizer, também, que a imprensa ultrapassou, em vários momentos, sua função

de atuar como um cão de guarda da sociedade, indicando a existência de contravenções no

Estado. Pois, o que se viu foi a sua atuação como um sujeito político, que apesar de não

possuir, na prática, o poder de punir os sujeitos infratores, ela apresenta seu julgamento sobre

os casos e esforça-se em tentar mobilizar as forças políticas a tomarem determinadas atitudes

e, mesmo quando ela não obtém sucesso em tal intento, como no caso da absolvição de

Renan, consegue promover sua condenação pela opinião pública.

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