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CADERNO CRH, Salvador, v. 23, n. 58, p. 171-190, Jan./Abr. 2010 171 Márcia da Silva Costa INTRODUÇÃO As instituições do mercado de trabalho no Brasil jamais alcançaram universalmente as mas- sas trabalhadoras e constituíram um conjunto muito pobre de direitos. Desde muito cedo, dos primórdios da formação de um mercado de traba- lho livre no país, parcela considerável da popula- ção ativa, sobretudo a de cor, jamais conseguiu se incorporar ao mercado de trabalho e, num momento subsequente, já sob os auspícios de uma econo- mia industrial, a regulamentação desse mercado deixou também de fora os trabalhadores rurais e muitas categorias de trabalhadores urbanos. As mudanças institucionais e econômicas da socie- dade brasileira, nas quatro décadas de crescimen- to deslanchadas pela política de substituição de importações, concretizaram-se sem lograr ampliar o padrão de renda-consumo e bem-estar da popu- lação e sem qualquer compromisso mais sólido TRABALHO INFORMAL: um problema estrutural básico no entendimento das desigualdades na sociedade brasileira Márcia da Silva Costa * Este texto resgata o debate teórico-conceitual que envolve o tema da informalidade, em essên- cia, aquele das relações de dominação que favoreceram a acumulação capitalista no país. A partir dos dados da PNAD 2006, também é analisada a distribuição da força de trabalho ocupada. Quem são os informais e como eles se distribuem? Qual o seu perfil de renda e de escolaridade? Os achados corroboram os argumentos analíticos que entendem a informalidade como um problema estrutural básico na sociedade brasileira. Seu crescimento assevera o quadro histórico de desigualdade e pobreza que marcou seu padrão de desenvolvimento. Ainda que a economia volte a crescer, haverá um considerável contingente de trabalhadores que, a menos seja beneficiado com políticas educacionais consistentes, jamais terá a possibilidade de ser incorporado pela economia regulada. PALAVRAS-CHAVE: trabalho informal, trabalho precário, desigualdade. com uma política de pleno emprego. A constitui- ção de um mercado formal de trabalho, que, no auge do período de crescimento econômico, a década de 70, atingiu apenas 50% da população economica- mente ativa empregada no meio urbano (Pochmann, 2002, 2006a), conviveu pari passu com a expansão de todo um complexo de formas de trabalho infor- mal em pequenas empresas urbanas de fundo de quintal, no campo, e nas inúmeras e precárias for- mas de trabalho autônomo e doméstico, cujos pa- drões de contratação e assalariamento passavam ao largo da legislação trabalhista e social e de qualquer possibilidade de representação coletiva. Essa realidade se agrava sobremaneira na década de 1990 com as mudanças estruturais na economia e nas instituições do mercado de traba- lho. A abertura econômica e as privatizações pres- sionaram o processo de reestruturação produtiva sistêmica, sobretudo no setor secundário, de modo a afetar não apenas o nível do emprego, mas tam- bém a sua qualidade, com a flexibilização dos vín- culos e dos regimes de trabalho. Com o desempre- go em massa, a década de 1990 presenciou a eli- minação de cerca de 3,3 milhões de postos de tra- * Doutora em Sociologia. Professora e Pesquisadora do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Ad- ministração da Universidade Federal da Paraíba. Centro de Ciências Sociais Aplicadas - Campus I. João Pessoa, PB - Brasil. [email protected]

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Márcia da Silva Costa

INTRODUÇÃO

As instituições do mercado de trabalho noBrasil jamais alcançaram universalmente as mas-sas trabalhadoras e constituíram um conjuntomuito pobre de direitos. Desde muito cedo, dosprimórdios da formação de um mercado de traba-lho livre no país, parcela considerável da popula-ção ativa, sobretudo a de cor, jamais conseguiu seincorporar ao mercado de trabalho e, num momentosubsequente, já sob os auspícios de uma econo-mia industrial, a regulamentação desse mercadodeixou também de fora os trabalhadores rurais emuitas categorias de trabalhadores urbanos. Asmudanças institucionais e econômicas da socie-dade brasileira, nas quatro décadas de crescimen-to deslanchadas pela política de substituição deimportações, concretizaram-se sem lograr ampliaro padrão de renda-consumo e bem-estar da popu-lação e sem qualquer compromisso mais sólido

TRABALHO INFORMAL: um problema estrutural básico noentendimento das desigualdades na sociedade brasileira

Márcia da Silva Costa*

Este texto resgata o debate teórico-conceitual que envolve o tema da informalidade, em essên-cia, aquele das relações de dominação que favoreceram a acumulação capitalista no país. Apartir dos dados da PNAD 2006, também é analisada a distribuição da força de trabalhoocupada. Quem são os informais e como eles se distribuem? Qual o seu perfil de renda e deescolaridade? Os achados corroboram os argumentos analíticos que entendem a informalidadecomo um problema estrutural básico na sociedade brasileira. Seu crescimento assevera oquadro histórico de desigualdade e pobreza que marcou seu padrão de desenvolvimento. Aindaque a economia volte a crescer, haverá um considerável contingente de trabalhadores que, amenos seja beneficiado com políticas educacionais consistentes, jamais terá a possibilidade deser incorporado pela economia regulada.PALAVRAS-CHAVE: trabalho informal, trabalho precário, desigualdade.

com uma política de pleno emprego. A constitui-ção de um mercado formal de trabalho, que, no augedo período de crescimento econômico, a década de70, atingiu apenas 50% da população economica-mente ativa empregada no meio urbano (Pochmann,2002, 2006a), conviveu pari passu com a expansãode todo um complexo de formas de trabalho infor-mal em pequenas empresas urbanas de fundo dequintal, no campo, e nas inúmeras e precárias for-mas de trabalho autônomo e doméstico, cujos pa-drões de contratação e assalariamento passavam aolargo da legislação trabalhista e social e de qualquerpossibilidade de representação coletiva.

Essa realidade se agrava sobremaneira nadécada de 1990 com as mudanças estruturais naeconomia e nas instituições do mercado de traba-lho. A abertura econômica e as privatizações pres-sionaram o processo de reestruturação produtiva

sistêmica, sobretudo no setor secundário, de modoa afetar não apenas o nível do emprego, mas tam-bém a sua qualidade, com a flexibilização dos vín-culos e dos regimes de trabalho. Com o desempre-go em massa, a década de 1990 presenciou a eli-minação de cerca de 3,3 milhões de postos de tra-

* Doutora em Sociologia. Professora e Pesquisadora doDepartamento e do Programa de Pós-Graduação em Ad-ministração da Universidade Federal da Paraíba.

Centro de Ciências Sociais Aplicadas - Campus I. JoãoPessoa, PB - Brasil. [email protected]

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balho formais na economia (Mattoso, 1999), coa-dunada às diversas experiências de subcontratação(crescimento das pequenas firmas com baixo nívelde capitalização, trabalho autônomo, cooperativasde fachada), que foram fatores decisivos no fenô-meno da desestruturação do mercado de trabalhoe da ampliação da informalidade no país.

A queda no nível do assalariamento formalentre 1980, período de arrefecimento do desempe-nho econômico que pressionou o abandono dapolítica de substituição de importações, e o ano 2000pode ser visualizada na proporção das ocupaçõesabertas no período: 57% delas não tinham carteirade trabalho assinada. No mesmo período, a taxa deprecarização do mercado de trabalho, consideradacomo a soma das ocupações por conta própria, dossem remuneração e do total dos desempregados,cresceu de 34,1% para 40,4% da PEA (Pochmann,2002). Essa realidade é ainda mais assombrosa seconsideramos o desemprego oculto pelo desalento.Entre 1992 e 2001, há um crescimento explosivo de70% no número da desocupação oculta pelo desa-lento, sendo esse um fenômeno que atinge maisintensamente os mais jovens e as famílias da massapopular urbana formada pela baixa classe média,operários e demais trabalhadores populares e em-pregados domésticos (Quadros, 2003).

No âmbito institucional, com os sindicatosna retranca, avançaram as iniciativas deflexibilização dos direitos do trabalho: o medo dodesemprego passou a coagir muito mais brutalmen-te a capacidade organizativa dos trabalhadores. As-sim, a participação dos empregados formais caiu de53%, em 1991, para 45%, em 2000. Emcontrapartida, o grau de informalidade que era de36,6% em 1986, aumentou para 37,6%, em 1990, epara 50,8%, em 2000 (Sabadini; Nakatani, 2002;Cacciamali, 2000. Não é mera casualidade, portan-to, que os arranjos informais de emprego se ampli-aram e se diversificaram com as experiências dedesverticalização e enxugamento da típica organi-

zação fordista do trabalho através de iniciativas di-versas de subcontratação e das demissões em mas-sa nas grandes empresas.

Para onde, então, se deslocaram os desem-

pregados e o contingente do crescimento da PEApara os quais a economia não gerou novos postosde trabalho? Para a grande maioria dos trabalhado-res demitidos, o desemprego significou a exclusãodo mundo dos empregos registrados e legalmenteprotegidos (Cardoso et al, 2006; Chahad, 2006) e,para muitos dos novos entrantes, sobretudo paraos jovens pouco instruídos, a informalidade é ohorizonte que se abre (Frigotto, 2004; Ramos et al,2005; Hasenbalg, 2003; Sanzone, 2003). A popu-lação passou predominantemente a encontrar suafonte de renda no mercado de trabalho informal,com suas mais variadas formas de trabalho autô-nomo, ambulante, temporário, irregular, precário.A imagem mais fidedigna do significado desses in-dicadores é aquela do crescimento no período donúmero de trabalhadores nas ruas dos grandes cen-tros urbanos vendendo de tudo: roupas, alimen-tos, produtos importados da China, uma atividadeacompanhada por uma economia, também subter-rânea, composta de redes de pequenas e médiasfirmas clandestinas que intermediam trabalho bara-to, muitas vezes em condições quase escravas, parafirmas capitalistas de grande porte. Da mesma ma-neira, foi notório o crescimento do número de anti-gas atividades jamais reconhecidas como trabalhoregular ou regulamentado: guardadores de carro nasruas, catadores de lixo, outdoors humanos ambu-lantes, carregadores de feira, trabalhadores domés-ticos casuais, etc. Essa nova informalidade urbana,que se expande em modalidades diversas de ativi-dades, contribuindo para uma heterogeneidade ain-da maior do mercado de trabalho, tem como marcaa precariedade das condições de trabalho e de vida,a negação dos princípios mais elementares de cida-dania, a perpétua reprodução da pobreza e das de-sigualdades sociais.

Este texto é produto preliminar de uma pes-quisa mais ampla, de natureza qualitativa, cujoobjetivo é conhecer as condições de trabalho e devida dos trabalhadores de rua da capital de umestado do nordeste brasileiro. Nele, procuro resga-tar o debate teórico-conceitual que envolve o temada informalidade. Esse debate, hoje mais contro-verso, ressalta a própria confusão conceitual que o

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termo evoca, devido à complexidade dos arranjosprodutivos que se manifestam à base de umimbricamento muito maior entre o formal e o in-formal. Essa discussão é tratada nas duas seçõesdo artigo que se seguem a esta introdução. Logoem seguida, e como forma de operacionalizarempiricamente o conceito, é analisada, a partir dosdados da PNAD 2006, a distribuição da força detrabalho ocupada no país, segundo sua forma deinserção na atividade produtiva. Quem são os in-formais e como eles se distribuem no agregado dostrabalhadores ocupados? Qual o seu perfil de ren-da e de escolaridade? Os achados de pesquisa alitrabalhados corroboram os argumentos analíticosque entendem a informalidade como um proble-ma estrutural básico na sociedade brasileira. Seucrescimento na década de 90, a reboque das trans-formações econômicas e institucionais, assevera oquadro de desigualdade e pobreza que historica-mente marcou o desenvolvimento do país. Aindaque a economia retome o ritmo de crescimento, ha-verá um considerável contingente de trabalhadoresque, a menos seja beneficiado com políticas educa-cionais, jamais será incorporado pela economia re-gulada. Mais que isso, sem reformas estruturaisprofundas, sobretudo no regime de relações de tra-balho e na estrutura fundiária, a retomada do cres-cimento e uma possível ampliação do emprego re-gulado, como vem sendo timidamente registradonos últimos 5 anos, muito dificilmente ou apenasde forma bastante limitada podem contribuir parauma reversão da enorme informalidade e do qua-dro de desigualdades econômicas e sociais do país.

O DEBATE DOMINANTE SOBRE A INFORMA-LIDADE NOS ANOS DE 1960-1970

A informalidade foi inicialmente discutidanas décadas de 1960 e 1970, no bojo das interpre-tações da realidade dos países subdesenvolvidosda América Latina e da África, cujos projetos demodernização pela via da industrialização deixa-vam de incorporar vastos segmentos produtivos edo mercado de trabalho ao ordenamento

institucional de uma economia tipicamente capi-talista e regulada. O debate sobre a informalidadesurge dessa noção de subdesenvolvimento, paraexplicar o fenômeno da não-inserção dos estratosmenos favorecidos da população no processo pro-dutivo em contextos nos quais o assalariamento

era pouco generalizado (Silva, 2003). Na época,ele se dividia em duas correntes centrais: uma debase estruturalista e outra de extração marxista.

A corrente estruturalista era representadapelas reflexões da chamada Teoria da Moderniza-

ção, segundo a qual o subdesenvolvimento seriadecorrência de uma desvantagem no valor relativodas trocas econômicas entre o centro desenvolvi-do e a periferia, sobretudo em relação à economiaexterna. Os países da América Latina, cujos mo-delos de industrialização foram centrados na polí-tica de substituição de importações, contavam comum nível de acumulação muito baixo para fazerfrente aos requisitos da moderna produção indus-trial. Daí a expansão de firmas e empreendimentosmodernos, tipicamente capitalistas, concomitanteà proliferação e recriação das formas tradicionaisde produção e de relações de trabalho. Essa cor-rente, que tinha como principais expoentes os eco-nomistas da CEPAL,1 concebia a estrutura econô-mica da região de uma perspectiva dual, marcadapela presença de um setor de subsistência ou in-formal, caracterizado pela baixa densidade de ca-pital, pelo precário nível técnico de produção epela baixa produtividade, convivendo com umsetor moderno, de avançado padrão tecnológico,economicamente mais capitalizado e dinâmico.

Essa interpretação analítica do funcionamen-to da economia a partir de uma lógica polarizadada coexistência, no seio de uma mesma socieda-de, do arcaico e do avançado, porém de forma de-sarticulada, vai dar corpo à chamada Teoria da

Marginalidade. Ela explica o problema da integraçãoe não-integração através da idéia de um desajusteou uma inadequação (de indivíduos, regiões, ati-vidades econômicas) a um “padrão normal, tido

1 Comissão Econômica para a América Latina e Caribe.Para uma breve apreciação das principais contribuiçõesdos teóricos da Cepal ao pensamento econômico latino-americano ver, por exemplo, Furtado (1985, 1998).

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como inerente e próprio de uma caracterização

genérica e abrangente de cultura industrial”(Kovarick, 1975, p.47). O excedente de mão de obra,predominantemente advinda das áreas rurais, quenão conseguia inserir-se na esfera da produçãocapitalista organizada e hegemônica, constituía umsegmento à parte, não-funcional ao padrão de acu-mulação subjacente ao modelo de industrialização,portanto, à margem do sistema. Sua incorporaçãodependeria das adequações, sobretudo no âmbitodas qualificações e das concepções culturais, aosrequisitos de uma sociedade industrial.

Nos prognósticos desses teóricos, o proble-ma do subdesenvolvimento seria paulatinamenteresolvido à medida que a expansão monopolistadas firmas capitalistas (o padrão normal) incorpo-rasse o contingente de indivíduos desajustados,excluídos do processo de modernização. O pres-suposto subjacente era o das etapas históricas dis-

tintas, no sentido de que os países em desenvolvi-mento deveriam percorrer a trilha do progresso jápercorrida pelos países desenvolvidos. Sob essacrença, o setor atrasado tenderia a diminuir oudesaparecer, alçado, como subproduto, pela dinâ-mica de crescimento do setor moderno e pela polí-tica do pleno emprego. Notadamente, essa era umavisão eurocentrada, segundo a qual o arcaico ou otradicional é pensado como atravancador do de-senvolvimento, e não como parte integrante dacultura e da identidade nacional, um desenvolvi-mento nos moldes do progresso idealizado pelacultura estrangeira (Kovarick, 1975; Cacciamali,1983). Com base nessa concepção, a aposta na ex-pansão das firmas monopolistas deixava de forados planos de governo ou de sociedade o fomen-to, em moldes mais adequados à realidade e aosinteresses autóctones, de atividades produtivasnão-capitalistas, mas importantes para a geraçãode renda e para a sobrevivência de muitos indiví-duos. O modelo de desenvolvimento eurocentrado

pressupunha a mercantilização de todas as esfe-ras da vida econômica e considerava como arcai-

cas, subdesenvolvidas e periféricas todas as formasde trabalho e consumo não-mercantis (Silva, 2003).

Essa visão dicotômica e funcionalista do pro-

blema do subdesenvolvimento na América Latina,em cujo vórtice está parcela significativa da popula-ção excluída da distribuição da riqueza, foi alvo decrítica da outra grande corrente interpretativa, debase marxista. Essa corrente pensava o problemada não-integração da perspectiva das contradiçõesdo próprio modelo de acumulação capitalista con-solidado sob a égide da industrialização: da pers-pectiva das contradições da estrutura de classe edas relações de poder. Esse corpo teórico alternati-vo, sistematizado num conjunto de idéiasconstruídas em torno da chamada Teoria da Depen-

dência, concebia o subdesenvolvimento não comoum estágio anterior do desenvolvimento, mas comoproduto de uma inserção subordinada e dependentedos países da região no sistema capitalista mundi-al. Uma subordinação que articula interesses de clas-se ou grupos específicos internos com os interessesde classe ou grupos do capital estrangeiro. Por essalógica, o desenvolvimentismo da política de substi-tuição de importações foi capaz de gerar excedenteeconômico absorvido pelo exterior e pelas elites na-cionais, mas que não foi absorvido internamentepelas massas da população (Oliveira, 2003;Kovarick, 1975; Silva, 2003; Theodoro, 2004).

A crítica basilar dessa corrente às teses damodernização como marginalidade, e que vaibuscar seu fundamento na lei geral da acumulaçãocapitalista de Marx, sustenta que o problema damarginalidade e da informalidade, nas economiassubdesenvolvidas, decorre não de uma condiçãode inadequação de parte do sistema (o arcaico) aseu padrão normal de funcionamento (o moderno);ao contrário, é resultado de um modo deacumulação capitalista, estruturado sob uma lógicade dominação das relações de produção, portantode classe, que gera seu próprio excedente detrabalho: um exército industrial de reserva que vaibuscar seu meio de sobrevivência fora do domíniodas relações capitalistas modernas e que é, sim,funcional e rentável àquele padrão de acumulação,posto que é fator de barateamento e disciplinamentoda força de trabalho. Nas palavras de Francisco deOliveira (2003, p.32), na crítica mais visceral aomainstream do pensamento econômico da época:

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... a oposição na maioria dos casos é tão somenteformal: de fato, o processo real mostra umasimbiose e uma organicidade, uma unidade decontrários, em que o chamado moderno cresce ese alimenta da existência do atrasado [...] o sub-desenvolvimento é uma produção da expansãodo capitalismo. (grifos do autor)

Por outro lado, a crença dos estruturalistasna capacidade de incorporação da força de traba-lho marginalizada nas atividades propriamentecapitalistas, à medida que o capitalismo expandiaseu domínio oligopolista para todas as esferas daprodução, encontrava um limite na própria capa-cidade de o sistema absorver força de trabalho, porconta mesmo do estágio de evolução das forçasprodutivas. A análise comparativa com a trajetóriade desenvolvimento dos países do norte leva aoargumento de que a industrialização tardia daAmérica Latina se deu sob uma base técnica avan-çada, portanto, capital-intensiva, poupadora detrabalho, incapaz de operar, como o fez nas pri-meiras formas históricas de desenvolvimento daindústria (o sistema manufatureiro e a grande in-dústria), no sentido de universalizar o trabalhoassalariado (Kovarick, 1975; Oliveira, 2003).

Nesse sentido, o debate sobre a informalidadenos países subdesenvolvidos nasce da análise dopróprio modelo de desenvolvimento na região, estecentrado numa industrialização capital-intensiva,que gera pouco emprego e é incapaz de absorverforça de trabalho coadunada com o padrão de cres-cimento demográfico. A rápida urbanização expe-rimentada nas décadas de 60 e 70 impulsionou ofluxo migratório de indivíduos que não foram ab-sorvidos pela atividade capitalista organizada, ondeprevalece o trabalho regulamentado e formal. Elase expandiu, tomando o espaço das atividades tra-dicionais, mas foi incapaz de gerar empregos namesma proporção dos que destruiu ou dos que asociedade necessitava. O caminho naturalmenteseguido foi o da ampliação e mesmo o da criaçãode novas modalidades de trabalho informal ou odesemprego. É esse excedente de mão de obra, “que

se auto-emprega para sobreviver” e vai dar origemao setor informal, numa lógica que, como escre-

veu Cacciamali, bebendo da fonte das teses daorganicidade, “se insere e se amolda aos movimen-tos da produção capitalista, modificando sua com-posição e seu papel à medida que se modifica e seexpande aquela produção” (1983, p.27).

Esse movimento de expansão do trabalhoinformal teve impacto decisivo no setor de servi-ços, tradicionalmente mais passível, em determi-nados ramos, para a proliferação das atividadesinformais. Ampliaram-se, assim, os ramos e ativi-dades dos serviços de: apoio à produção e àcomercialização industrial (armazéns, ambulantes,as diversas atividades de reparação de carros, ele-trodomésticos, representantes autônomos, etc.),aqueles destinados às unidades de consumo dasfamílias, aqui incluído o emprego doméstico, e aosindivíduos; os serviços sociais; motoristas de táxi,caminhoneiros, e inúmeros outros trabalhadorespor conta própria.

Levando em conta o padrão de industriali-zação brasileiro, notadamente as formasinstitucionais com as quais esse padrão se conso-lida no campo das relações de trabalho, o trabalhoinformal pode ser conceituado como aquele não-regulamentado pelo ordenamento legal do traba-lho no país, sobre o qual, inclusive, a sociedadeconstruiu sua política de seguridade social. E, nes-se último aspecto, o fenômeno da não-integraçãofoi ainda mais pernicioso: além de fraca, a inter-venção do Estado na criação de políticas e meca-nismos de proteção social atingia apenas os traba-lhadores formalmente reconhecidos pela relaçãosalarial, um tipo de incorporação social a que San-tos (1979) chamou de cidadania regulada, aquelaadquirida unicamente pelos indivíduos enquadra-dos na estrutura ocupacional definida e reconhe-cida pelo Ministério do Trabalho. Essa baseinstitucional alimentou todo um conjunto de va-lores na sociedade brasileira que associava tudo oque não constituísse trabalho formal (desempre-go, formas de trabalho precário e instável) àmarginalidade.

No entanto, o entendimento da lógica daintegração ou não-integração ao padrão que aqueleordenamento estabelece, e de todas as suas

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consequências sociais (e culturais) no que concerneao problema da pobreza e da distribuição de ren-da, só pode ser alcançado quando consideramosas características histórico-estruturais do desenvol-vimento do capitalismo no país. Colocando deoutra forma, como se estruturaram as relações dedominação? Lembrando do que nos ensinou DarcyRibeiro (2006, p.23), as evidências das contradi-ções de classe mais básicas e enraizadas na nossasociedade se encontram “no sistema institucional,notadamente a propriedade fundiária e o regimede trabalho – no âmbito do qual o povo brasileirosurgiu e cresceu constrangido e deformado”. É parauma breve reflexão sobre essas contradições estru-turais que me volto agora, mais especificamentepara o âmbito do regime de trabalho.

É impossível entender o processo recentede ampliação dos regimes de emprego informais eprecários no Brasil sem caracterizarmos, ainda quebrevemente, a origem e as características dainstitucionalização do mercado de trabalho nopaís.2 A lei nacional, a Consolidação das Leis doTrabalho (CLT), promulgada em 1943, definiu osdireitos individuais básicos de proteção ao traba-lhador e a estrutura da representação de classe ain-da hoje vigentes no país. Resultado das pressõesdo movimento trabalhista de desde finais do Sé-culo XIX, a CLT respondia à necessidade de in-corporação política dos trabalhadores urbanos daindústria nascente que, em face de seu poder deorganização, constituíam potencial de ameaça aosplanos de desenvolvimento do Estado. Os sindi-catos foram reconhecidos, mas o Estado tomou parasi o completo controle administrativo e político desuas atividades. A contrapartida veio pela imposi-ção legal às empresas de reivindicações trabalhis-tas elementares, objeto de décadas de luta.3 As-sim, no Brasil, o Estado assumiu o papel centralna regulação e mediação dos interesses de empre-gados e empregadores. A barganha coletiva não teve

a importância política e econômica alcançada nospaíses democráticos. Não vingou, entre nós, a no-ção de conciliação política baseada na negociaçãoautônoma de interesses entre grupos organizados.

Por outro lado, o marco legal incorporavaos trabalhadores de forma limitada por duas fren-tes: em primeiro lugar, porque a legislação de di-reitos mínimos e de sindicalização deixava de foraa grande massa dos trabalhadores rurais que, àépoca, constituíam absoluta maioria da força detrabalho no país, e os servidores públicos;4 emsegundo, porque grande parcela dos trabalhadoresurbanos não gozou do status do emprego regula-mentado e sobre o qual o Estado definia as políticasde seguridade social. Portanto, também não vingouentre nós a noção de uma política macroeconômicapautada na geração de demanda agregada advindados esforços para garantir o quase pleno emprego.

Com sindicatos controlados e a maioria dostrabalhadores não auferindo direitos, o crescimen-to econômico realizou-se sem uma associação di-reta com o aumento do padrão de renda-consumoe bem-estar da população e sem qualquer compro-misso mais sólido com uma política de pleno em-prego (pautada na estabilidade). Ao contrário, comooriginalmente argumentou Francisco de Oliveira,certo desemprego estrutural foi benéfico ao tipo deacumulação escolhido e funcional à geração de ummercado de trabalho de baixíssima remuneração,espaço de proliferação das inúmeras formas de tra-balho subterrâneo e precário. Em outras palavras,a massa trabalhadora não participou do processode crescimento e da acumulação de capitais, demaneira que não houve efetiva redistribuição dosganhos de produtividade da economia. Adicione-

2 As reflexões deste e dos dois parágrafos abaixo são maisprofundamente desenvolvidas em Costa (2005, 2006).

3 A CLT consolidava um conjunto de leis arbitrando o usodo trabalho na indústria nascente e restringindo a liber-dade de contratação das empresas: limitação da jornadade trabalho em 48 horas, proibição do trabalho de me-nores de 14 anos, regulamentação do trabalho femini-

no, remuneração obrigatória da hora extra, descanso definal de semana e férias remunerados, condições de sa-lubridade e proteção contra acidentes de trabalho, entreoutros.

4 Até os anos 70, quando se acentuaram os conflitos nocampo, os trabalhadores rurais ficaram submetidos àsleis do mercado e da milícia dos seus patrões, sem acobertura de direitos legais. Essa foi uma forma de com-pensar a perda do poder político-econômico das oligar-quias primário-exportadoras. Da mesma maneira que osservidores do serviço público ficaram submetidos aosvieses da burocracia patrimonialista e clientelista do Es-tado. Um estatuto de direitos e deveres próprio foi ape-nas instituído em 1990, mas garantindo a soberania doEstado na definição dos termos do trabalho.

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se a isso a inexistência de um sistema amplo deregulação coletiva que tivesse por base a garantia dedireitos cidadãos (campo de atuação de um Estadode Bem Estar responsável pela universalização dedireitos sociais básicos) e temos um quadro de for-te heterogeneidade estrutural das condições de tra-balho e emprego, restringindo o poder deabrangência da legislação trabalhista e de seguridadesocial. Essa realidade é profundamente agravada nosanos de 1990, com o emprego informal superandoas estatísticas do emprego formal.

A incorporação limitada dos trabalhadoresao projeto político de expansão do capitalismo nopaís respondia à necessidade de as elites agrárias eindustriais criarem um exército industrial de reser-

va, funcional à disciplina da força de trabalho e àmanutenção de seu baixo padrão de remuneração.Esse exército foi alimentado, principalmente, pelapopulação que fluía do campo para as cidades. Semmudanças profundas que reconfigurassem a estru-tura fundiária altamente concentradora, e limitan-do ou impedindo o conflito de classe, o Estadofavorecia a acumulação capitalista à custa da ampli-ação das desigualdades de classe e de um crescenteprocesso de concentração de renda. É importanteressaltar, nesse aspecto, que o debate sobre ainformalidade, a despeito de sua heterogeneidade,sobretudo nas formas de rendimento, foi sempreassociado ao tema da pobreza, dado que parcelasignificativa de seu universo provém das camadaspobres da população. O problema maior, então, seencontra, como atentaram Portes e Castells (1989),não necessariamente na informalidade em si, que éuma forma específica de relações de produção, masna forma como a sociedade distribui sua riqueza.

Se a expansão e modernização industrialbrasileira do pós-1930, sobretudo a dos anos 1950e 1960, com a vinda das multinacionais, permitiuuma elevada mobilidade social, ela permitiu tam-bém, e contraditoriamente, uma enorme diferenci-ação das ocupações e dos salários, impedindo quese mudasse a desigualdade da estrutura de classeno país. Empregos e salários tornaram-se variáveisextremamente flexíveis de ajuste econômico, ex-cluindo parcela considerável da população dos

benefícios do crescimento e ampliando os bolsõesde pobreza. É nesse sentido que, comparativamenteà realidade da institucionalização do mercado detrabalho e das políticas de bem estar dos paísesdesenvolvidos, o Brasil jamais conseguiu criar umaclasse média ampla com poder de consumo (Oli-veira, 2003; Hasembalg, 2003; Costa, 2005;Mattoso, 1996).5

A acumulação capitalista no Brasil (o cresci-mento do setor moderno da economia) muito sebeneficiou das formas arcaicas de relações de traba-lho no campo (o setor atrasado). De um lado, a me-canização-capitalização da agricultura aconteceu como domínio latifundiário das terras produtivas, ex-pulsando-se ou proletarizando-se camponeses,muitas vezes, sob regimes de trabalho semiescravo.De outro, é na base da superexploração de trabalhobarato que a produção agrícola, ainda hoje susten-táculo das divisas cambiais do país, vai subsidiara industrialização urbana (fortemente dependentede endividamento externo) e o baixo custo de re-produção da força de trabalho. As desigualdadesdesse padrão de crescimento, no entanto, forammarcadamente regionais, com o dinamismo eco-nômico e a formalização dos empregos, emborajamais de forma universal, mais acentuados nocentro-sul do país. O norte e o nordeste se desta-cam com a predominância das formas mais precá-rias e desprotegidas de relações de trabalho: traba-lho não-registrado, trabalho por conta própria, ser-viços domésticos, mão de obra familiar sem remu-neração, boias frias e elevada desocupação. É nes-sas regiões, e mais especificamente no Nordeste bra-sileiro, que a informalidade e a insegurança que elarepresenta mais se associam à condição de pobreza

5 Essa mobilidade social foi vivida, sobretudo, pelos traba-lhadores do campo, que foram alçados à condição detrabalhadores manuais semi ou não-qualificados noscentros urbanos. A esse respeito, Francisco de Oliveira(2003) argumenta que a intensa mobilidade do períodoobscurece o fato de que os salários (um dos caminhoscentrais da distribuição de renda) tomavam como base ocusto de subsistência do trabalhador, não os ganhos deprodutividade da moderna indústria, por onde se pode-ria realizar uma efetiva redistribuição de renda. Para umaanálise da imutabilidade da estrutura de classe e do pa-drão de desigualdade, a despeito do crescimento acelera-do da economia no chamado período do milagre econô-mico e das reformas pós-redemocratização do país ver,por exemplo, Costa (2003); Henriques (2000).

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e indigência da população.6 Essa realidade, portan-to, não pode ser entendida fora da perspectiva quecontempla a enorme concentração fundiária e umcaldo de cultura fortemente autoritário, herança deuma economia colonial agroexportadora centrada notrabalho escravo.

Assim, ainda que a industrialização induzidapela intervenção planejada do Estado através dasagências de desenvolvimento regional (SUDENE eSUDAM), nas décadas de 1960 e 1970, tenha fo-mentado o processo de urbanização e a ampliaçãodos empregos formais, sobretudo nas regiões me-tropolitanas e nas cidades de médio porte, essaexpansão é contra-arrestada por pelo menos trêsfenômenos estruturais fundamentais: 1) pelas in-cessantes ondas migratórias de camponeses expro-priados de seus meios de produção, expulsos daterra pela expansão da mecanização e industriali-zação da agricultura latifundiária (o modernoagrobusiness) e pela seca; 2) pelo baixo dinamis-mo econômico da própria industrialização da re-gião que, ao fomentar a instalação de subsidiárias(fornecedoras de matéria prima e insumos produ-zidos com mão de obra barata) das empresassediadas no sudeste-sul do país, permitiu, na rea-lidade, uma maior concentração da acumulaçãocapitalista, cabendo ao Nordeste uma posição su-bordinada e dependente em relação à centraliza-ção do poder político-econômico nas regiões maisdesenvolvidas (Oliveira, 1977, p.3). Esse baixodinamismo econômico, combinado à velha cultu-ra política coronelista-patrimonialista e a um cres-cente exército industrial de reserva vindo do cam-po, irá limitar ou diretamente reprimir as iniciati-vas de organização coletiva do trabalho, caminhomais legítimo pelo qual seria possível expandir osdireitos trabalhistas e cidadãos.

A massa de indivíduos vinda do campo,expulsa pela falta de terra para produzir e pelaausência do Estado, não apenas na questão dos

incentivos técnicos e econômicos, mas, sobretu-do, numa de suas funções sociais mais básicas,essa massa vem para as cidades e não encontra oemprego condigno e as condições de infraestruturaurbana adequadas. Poderíamos citar pelo menostrês consequências imediatas dessas transforma-ções: 1) o crescimento desordenado das favelas noscentros urbanos; 2) a inserção desses indivíduosno mercado de trabalho de forma precária, irregu-lar (mesmo no mercado formal, basta pensarmos ocaso dos trabalhadores da construção civil) e in-formal; e 3) o acirramento da competição entre ospróprios trabalhadores, de modo a reiterar a con-dição de barateamento e disciplinamento da forçade trabalho urbana.7

Esse é o pano de fundo histórico-estruturala subsidiar a construção de uma noção deinformalidade que mais fielmente explica as con-tradições de classe no país e a origem mesma dainformalidade; uma informalidade muitas vezesimiscuída nas redes da criminalidade. Ela se agra-va sobremaneira nos últimos vinte anos, com astransformações da chamada acumulação flexível.

A NOVA INFORMALIDADE

As mudanças econômicas e institucionaisdo capitalismo após os anos 80, centradas nasideias da empresa enxuta e da flexibilização, coma desregulamentação dos mercados de trabalho,fizeram mudar também o foco analítico do proble-ma da informalidade, tornando muito mais com-plexa e confusa a tarefa de interpretação e defini-ção conceitual para a questão. Luiz Machado daSilva (2003) argumenta sobre a inespecificidade esobre a banalização da noção de informalidadenesse novo contexto. Segundo sua análise, entreos anos 1950 e 1970, o debate teórico, ainda queacalorado por perspectivas em conflito, era apoia-

6 Levantamento da pesquisa Mapa do Fim da Fome daFundação Getúlio Vargas (Jornal do Brasil, 10/07/2001)mostra que 29,3% da população brasileira vivem abaixoda linha da indigência, recebendo uma média mensalpercapita inferior a R$80,00 ou cerca de US$ 33,00/mês.Essa proporção salta para 50% da população nos estadosdo nordeste brasileiro, nos dando uma mostra dasdisparidades socioeconômicas regionais do país.

7 A lista das mazelas sociais do padrão de desenvolvimen-to da sociedade brasileira é infindável e autorreproduzível:ao lado do desemprego e da ausência ou insuficiência daação do estado nas áreas mais elementares (saúde, edu-cação, habitação, infraestrutura urbana de saneamento,seguro desemprego, etc.) crescem os bolsões de pobrezae a violência e criminalidade urbana.

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do num conjunto de pressupostos compartilhados

em torno da questão: a indústria como polo dinâ-mico da economia; um padrão específico deregulação das relações de trabalho; a expectativade uma eventual universalização dos direitos per-tinentes àquele padrão de regulação (a ampliaçãodo assalariamento); e um ideal como meta de ple-no emprego.

A partir dos anos 80, esse debate é transfor-mado como reflexo das transformações do capita-lismo e do crescimento do desemprego. As mudan-ças analíticas do problema da informalidade pas-sam a se dar: 1) em torno da perda da centralidadee do dinamismo do setor secundário, ao menosno tocante à sua capacidade de gerar emprego, pro-duto de uma reestruturação produtiva que abalaos próprios fundamentos da relação salarial, ca-bendo destacar as experiências da subcontratação;e 2) em torno da crescente importância do setorterciário na absorção da força de trabalho, este tra-dicionalmente menos regulado e mais precário. Ain-da segundo Silva, nesse novo contexto, dissemi-nam-se as análises preocupadas em entender o pro-cesso de fragmentação e das diferenciações nas for-mas e conteúdos do trabalho e seus efeitos sobre aestratificação social. No entanto, o tema da integraçãoe não-integração, ou da inserção dos trabalhadoresno processo de produção e distribuição da riqueza,continua como pano de fundo, ainda que essa ques-tão-chave da teoria da marginalidade tenha sua ver-são contemporânea nas expressões exclusão social,

vulnerabilidade, precariedade.Por outro lado, se, no debate anterior, a

informalidade era associada à periferia do capitalis-mo, ao problema do subdesenvolvimento, à pers-pectiva de integração social pelo padrão deassalariamento, aparecendo como forma atípica,como condição transitória, no debate dos anos 80,na esteira das transformações de um capitalismoglobalizado, essa informalidade se generaliza e seapresenta também como um problema dos paísesdesenvolvidos, e o próprio padrão de assalariamento

passa a ser questionado através da puradesregulamentação e (ou) da regulamentação empatamar inferior. É nesse sentido que o debate ori-

ginal sobre as formas de inserção das massasdesfavorecidas no processo produtivo e sobre a ló-gica de dominação a elas subjacentes vai cedendolugar a um discurso economicista e deterministasobre os necessários ajustes para que o país alcanceos parâmetros econômicos da competitividade in-ternacional, a despeito dos elevados custos sociaisdo novo receituário de política econômica. Numasociedade como a brasileira, que jamais conseguiuexpandir o assalariamento, a retórica se concentra-va no anacronismo e na disfuncionalidade da legis-lação trabalhista, ainda proveniente da era Vargas.Para muitos analistas do emprego, para os empre-sários, para o governo e para algumas liderançassindicais, aquela legislação não acompanhava opasso das transformações econômicas e produti-vas necessárias ao ajuste competitivo do país. Ocaminho da “modernidade” passava pelas agressi-vas reformas no âmbito das privatizações, da previ-dência, da desregulamentação dos mercados pro-dutivos e de trabalho. Nesse último, a saída, então,era flexibilizar os estatutos que, segundo eles, one-ravam o custo do trabalho e inviabilizavam a gera-ção de empregos. Esse discurso legitimava uma ten-dência, que vinha se acentuando, de informalização

da própria economia.Assim, ganhava muito mais relevância o

aspecto jurídico-institucional que permeia a no-ção de informalidade, sendo ela normalmente de-finida como um contraponto da formalidade, aque-la das relações de trabalho reguladas pelo padrãode assalariamento típico da empresa capitalista. Ofoco da questão se deslocava, então, da apostapolítico-ideológica num projeto de universalizaçãode direitos pela via do compromisso com o em-prego regulado e de longo prazo, para aquela deuma sociedade do emprego possível, não comometa social, flexível, desvinculado, temporário ede baixo custo. Ainda recorrendo às reflexões deSilva (2003), essa mudança remetia ao conteúdopropriamente político do conflito social, o que querdizer, na linha do que estou argumentando, queperdia força o embate político em torno das refor-mas estruturais efetivamente voltadas para os inte-resses das massas trabalhadoras; em contrapartida,

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ganhava força o discurso da desregulamentação.Em termos empíricos, no Brasil, o movimen-

to de consolidação da economia organizada e dotrabalho formal sofre significativa inflexão na dé-cada de 1980, asseverando as desigualdades es-truturais. Seu retraimento será ainda mais acentua-do, e presenciamos mesmo a sua reversão a partirda década de 1990, como decorrência dos ajusteseconômicos “pró-mercado” implementados pelosgovernos Collor de Melo e Fernando Henrique Car-doso, em especial a abertura econômica e asprivatizações de empresas estatais. A reestruturaçãoprodutiva, então deslanchada pelas empresas, re-dundou num fenômeno de demissão em massa ja-mais vivido na história da industrialização do país.O desenvolvimento e a incorporação de equipamen-tos automatizados e de novos métodos de organiza-ção e gestão do trabalho aceleraram o processo deracionalização assentado na desverticalização e naemergência de sistemas de subcontratação de pro-dutos e serviços. A terceirização, nas grandes em-presas, sob a lógica de uma nova divisão internaci-

onal do trabalho, organizada com base numa pro-fusão de pequenas firmas, muitas delas trabalhan-do em redes, constituiu-se numa das estratégiascentrais de redução dos custos do trabalho que, deuma perspectiva agregada, traduziu-se na substitui-ção de empregos regulares e com certo padrão deconquistas por empregos precários, temporários,muitas vezes não-regulamentados (Mattoso, 1997;Deddeca, 1997; Boito Jr, 1999; Pochmann, 2002).

Com a quebra das fronteiras advinda das fa-cilidades da tecnologia da informação e dasdesregulamentações, as empresas têm muito maismobilidade para buscar recursos e trabalho ondeeles se mostrem economicamente mais vantajosos.Tornam-se muito mais complexas as relações e arti-culações entre grandes firmas e pequenos negóciosespalhados pelo mundo e, entre elas, e os trabalha-dores por conta própria, os da produção domésti-ca, os cooperados, muitas vezes articulados porpuros intermediadores de força de trabalho, sobcondições que reeditam relações pré-capitalistas deprodução. Castells (2001, p.285-286) nos fala deuma transformação fundamental na era da socieda-

de informacional: a individualização do trabalho.Essa individualização possibilita a descentralizaçãodas tarefas para qualquer lugar e sua coordenaçãoatravés de redes interativas de comunicação em tem-po real. Tal possibilidade técnica permite que asempresas ponham em marcha estratégias desubcontratação, consultoria, redução do quadro fun-cional e produção sob encomenda, utilizando regi-mes de emprego flexíveis, autônomos, informais,configurando arranjos produtivos que obscurecemainda mais as fronteiras entre o formal e o informal.

As consequências sociais das transforma-ções organizacionais e tecnológicas da típica em-presa capitalista foram diretamente sentidas noaumento do desemprego, com impactos decisivosna expansão e na criação de novas modalidadesde trabalho informal, na redução ou retirada dascontrapartidas sociais dos empregos ofertados ena ampliação da heterogeneidade das condiçõesde trabalho, de renda e de vida da população. To-davia, seu impacto mais negativo se deu sobre opoder de organização e ação coletiva do trabalhoem todas as esferas: na barganha econômica, naorganização social e na influência política (Silva,2003; Portes et al, 1989; Castells, 2001; Ramalho;Santana, 2003; Laranjeira, 1998; Antunes, 2000).

Ademais, os novos fenômenos da organiza-ção da produção e do trabalho nos chamam a aten-ção para um problema social global de muito mai-or alcance. Como nos lembra Castel (1998), refle-tindo sobre a realidade francesa, mas que muitobem traduz o comportamento das empresas emtodas as partes: tão problemático quanto o desem-prego é a degradação do paradigma do empregotradicional, base, inclusive, de sustentação dosprogramas de seguridade social do Estado. Maisque isso, e esse é um argumento também encon-trado em Silva (2003, 1996): as consequências dastransformações no mundo do trabalho são senti-das não apenas no campo da produção e distri-buição da riqueza (ou da pobreza, como ironizaesse autor), mas elas são mais problemáticas porseus efeitos destrutivos no campo de um ideal (eefetivo mecanismo) de socialização em que o traba-lho (nos moldes do paradigma do emprego tradi-

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cional) aparece como principal elemento deintegração social, o campo onde foram construídasas identidades coletivas que direcionaram o pró-prio conflito de classe e no qual os indivíduosencontram um sentido de pertencimento. Castelatenta para a perda da função integradora da em-presa, a grande unidade da economia. Se hoje elaostenta o grande símbolo da competição e do suces-so, ostenta também o papel de uma máquina de

vulnerabilizar e de excluir: o emprego, e o empregocom direitos e benefícios conquistados pela barga-nha política, estão deixando de ser a referência.

O ponto-chave dessa questão, e certamenteCastel e Silva encontraram subsídio analítico nasreflexões originais de Karl Polanyi (1980), é que oproblema da integração e da coesão social não podeser entregue exclusivamente à empresa, que atua,evidentemente, pela lógica da competitividade edo mercado. Esse papel é essencialmente do Esta-do, o lócus da política, a quem cabe minimamenteprimar pelo interesse coletivo e pela paz e bemestar social. Nesse campo, todavia, uma vez retra-ída a participação política dos trabalhadores e umavez retraídos os movimentos de esquerda no mun-do, entra em cheque o poder do Estado para regu-lamentar a atividade produtiva e o seu papel soci-al. No caso do Estado brasileiro, como discuteMattoso (1997, p.39), sua adequação subordinadaàs condições da nova ordem ditada pelos agentesfinanceiros internacionais acelerou o processo de“desestruturação e de redução de sua capacidade

de planejamento, financiamento, fiscalização,

apoio à competitividade e à distribuição de renda”.A retração dos direitos do trabalho é pro-

duto, também, de pressão empresarial não apenaspara que os governos adotem políticas neoliberaisde desregulamentação dos mercados, mas tambémpara um maior afrouxamento de seus controles ede sua função fiscalizadora. É nesse sentido queboa parcela do crescimento da informalidade e daprecariedade do trabalho dos anos 90 pode serexplicada pela redução e ou evasão, por parte dasempresas, do cumprimento dos encargos trabalhis-tas e sociais, e isso, no Brasil, em muito se deveaos baixos custos da ilegalidade. Por esse critério,

no cálculo racional dos empresários, vale a penasonegar e ludibriar, porque os custos de uma even-tual descoberta e punição são compensados pelosganhos decorrentes da sonegação. Em outras pala-vras, quero dizer que as recentes estratégias de acu-mulação do capital se beneficiam, também, da to-lerância e da falta de controle do Estado para ex-pandir e recriar diversas modalidades de opera-ção não-regularizada de suas atividades, reiteran-do uma tendência secular de burla ao ordenamentojurídico, prejudicial não apenas aos trabalhadoresinformais, mas a todo o conjunto da sociedade,posto que o Estado tem não apenas a sua basetributária reduzida, mas também a sua própria ca-pacidade de regulamentar a economia (Portes et al,1989; DIEESE, 1997; Silva, 2003).

Se, de fato, no Brasil, a terceirização da eco-nomia permitiu a afluência de uma fração minúsculade profissionais qualificados oriundos dos estratosmédios (Silva, 2003), grande parte da novainformalidade, e sobre a qual se debruça o debatecontemporâneo, provém de um contingente majori-tário de trabalhadores advindo de grupos sociaispauperizados, sobretudo por conta da ausência dequalificação e recursos, e que se insere em condiçõesde trabalho das mais precárias, configurando, naspalavras desse mesmo autor, “o nicho dos recursos

de sobrevivência de um exército de reserva estagnado

em expansão com perspectivas cada vez mais reduzi-

das de reintegração econômica” (Silva, 2003, p.170).Vejamos, então, que categorias de trabalhadores cons-tituem essa informalidade e como ela se distribui.

AINDA A VELHA DUALIDADE: a apreensãoempírica da informalidade

Já comentamos sobre as dificuldades encon-tradas pelos estudiosos na tarefa de elaboração deum conceito para a informalidade, tendo em contao atual contexto de complexificação das redes daatividade econômica e das formas de inserção dostrabalhadores no processo produtivo. Portes et al

(1989) argumentam sobre a importância de enten-dermos a economia informal a partir do processo

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histórico de sua constituição em cada contextoespecífico. Por outro lado, a economia informal nãopode ser considerada um eufemismo para a po-breza, devido à sua elevada heterogeneidade: hámuito dinamismo na economia informal e ela égeradora de elevado nível de renda para muitosempreendedores informais. Todavia, a noção depobreza não pode ser entendida apenas pelo crité-rio de renda (ou insuficiência de renda), pois elatambém está relacionada ao consumo ou ao acessoa serviços, como qualidade da moradia, acesso àeducação, políticas de saúde coletiva, enfim, ànoção de direitos e de cidadania. Esses aspectosremetem às escolhas políticas de uma sociedade eaos mecanismos que ela socialmente engendra paradistribuir sua riqueza. E esse é essencialmente ocampo do conflito político de classe.8

Nas seções iniciais deste artigo, buscou-se tra-zer à tona as características estruturais da expansão docapitalismo no Brasil, como forma de destacar um ele-mento de peso para o entendimento da informalidadeque, em nossa realidade, sim, andou muito de mãosdadas com a questão da pobreza: esse elemento foi obaixo nível (ou abrangência) do assalariamento (pelasrazões ali aventadas) e de regulação da atividade eco-nômica. No entanto, esse assalariamento foi não ape-nas restrito como também se realizou sob um padrãomuito baixo de distribuição de renda (salários e welfare

state). É por isso que as noções de formal e informalperdem um pouco o sentido quando o foco de análiseé a pobreza ou a distribuição de renda, ainda que oinformal seja muito fortemente sinônimo de pobrezaurbana para uma vasta camada de indivíduos que nãotiveram acesso à educação. Daí Silva falar da impor-tância do aspecto jurídico-institucional no entendi-mento da informalidade no país e da importância dese definir o foco de análise, de forma a se tomar emconsideração “as diferentes dimensões da vida econô-mica que põem em questão diferentes categorias detrabalhadores” (1996, p.28).

No campo especificamente aqui abordado, o

da inserção dos indivíduos na atividade produtiva,isso significa que a noção de trabalho informal émuito fortemente pensada como contraponto aoordenamento que regulou as relações de trabalho ea seguridade social no país. O paradigma dominan-te, inclusive aquele que fundamenta a produção deinformações estatísticas que intentam gerar evidên-cias empíricas, é aquele que compreende ainformalidade pelo método da negação: é informalo que não é regulado “pelas instituições da socieda-de em um ambiente legal e social no qual atividadessimilares são reguladas” (Portes et al., 1989). Ocontraponto é, portanto, no Brasil, o leque de direi-tos que a CLT assegura, não apenas no campo indi-vidual, como limite à jornada, salário mínimo, di-reito a férias e ao descanso remunerado, 13º salário,entre outros, mas, sobretudo, no campo da repre-sentação coletiva, que assegura que os termos dotrabalho sejam acordados politicamente entre pa-trões e trabalhadores, não submetidos à livre nego-ciação individual cujo parâmetro exclusivo é o mer-cado. Por outro lado, como já discutido, foi central-mente pela via do trabalho formal que o Estado bra-sileiro assegurou políticas de seguridade social.

Em termos operacionais, o desafio deconceituar e categorizar o trabalho informal se tor-na tanto maior porque os novos e diversificadosarranjos produtivos tornam ainda mais comple-xas as interconexões entre o formal e o informal, eisso quase põe por terra as abordagens dualistas.Essa confusão afeta, como argumenta Vianna(2006), a própria produção das estatísticas oficiaisque procuram evidenciar as transformações con-temporâneas de um capitalismo globalizado. Aheterogeneidade e a mutabilidade das situações detrabalho desafiam a construção de instrumentosadequados à apreensão das próprias mudanças nomundo do trabalho, e, ainda que essa apreensãoseja adequada, sua produção empírica será sempre

um retrato parcial da realidade e embute, natural-mente, as concepções dominantes.9

8 Nas sociedades capitalistas de tradição democrática, hádois grandes mecanismos centrais de distribuição de ren-da: os salários e os serviços públicos (welfare state). Quan-to mais abertos à participação política das massas traba-lhadoras funcionarem esses dois mecanismos, menosdesigualmente será distribuída a riqueza.

9 No início dos anos de 1990, a PNAD - Pesquisa Nacionalpor Amostra de Domicílios ampliou as questões de seuquestionário como forma de melhor apreender as trans-formações no mundo do trabalho, relacionadas à temáticada informalidade, mas essa revisão não modificou o ca-ráter de dualidade subjacente ao conceito (Vianna, 2006).

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Cabe, portanto, ao pesquisador especificarque variáveis e categorias são as mais adequadaspara responder aos seus objetivos de pesquisa. Como fim de operacionalizar empiricamente o conceitoaqui discutido e apresentar dados agregados quenos deem uma dimensão da informalidade e doperfil de seus trabalhadores no Brasil, considera-se como informal, conforme sua agregação por po-sição da ocupação, os seguintes grupos de trabalha-dores: empregados sem carteira, doméstico sem car-teira, conta própria, trabalhadores na produção parao próprio consumo, trabalhadores na construçãopara o próprio uso e os não-remunerados.

Os trabalhadores informais representavam,em 2006, 55% dos trabalhadores ocupados, sen-do sua grande maioria, 57%, constituída de mu-lheres. Elas, por sua vez, estavam inseridas emmenor proporção (43%) do que os homens (46%)no mercado de trabalho formal, confirmando, umavez mais, a tendência de inserção das mulheresno mercado de trabalho em condições mais precá-rias que a dos homens. Se tomarmos a proporçãodos informais sobre a População EconomicamenteAtiva (PEA) e agregarmos a parcela dos desocupa-dos, teremos que a informalidade salta para assus-tadores 59%. Em outras palavras, praticamente60% da população economicamente ativa no paísnão usufrui dos direitos legais relacionados ao tra-balho, realidade que vem se juntar à elevada pro-porção dos que não contribuem para a previdên-cia social – 89% entre os informais –, o que agravaainda mais a condição de instabilidade e insegu-rança econômica e social dos brasileiros. Do totalde trabalhadores ocu-pados, apenas 49%contribuem para a pre-vidência. As Tabelas1, 2 e 3 resumem asestatísticas.

Se olharmospara a distribuiçãodos trabalhadoresinformais por suaposição na ocupação(Tabela 4), ganham

destaque os empregados sem carteira (32%) e ostrabalhadores por conta própria (38%). Elesrepresentavam 18% e 21%, respectivamente, dototal de ocupados em 2006, justamente, segundoo que reclama a literatura, as principais formas deinserção para onde se deslocaram osdesempregados após a reestruturação da economia.

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siamroF 54 64 34

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aicnêreferedanamesansonasiamuo01edsodapucoserodahlabarT)1( serodagerpmeevisulcxE

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sodapucoseD+siamrofnI 95 75 26.6002DANP/EGBI:etnoF

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oãçapucoanoãçisoPlatoT snemoH serehluM

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A última pesquisa do IBGE sobre ainformalidade urbana no país, realizada em 2003,parece corroborar tal argumento.10 Lá se constataque 88% das unidades produtivas do setor infor-mal eram formadas por trabalhadores por conta pró-pria, sendo que a sua mais absoluta maioria, 93%,não possuía constituição jurídica e era composta(80%) por apenas um trabalhador. Em dez anos, de1993 a 2003, registrou-se um crescimento de 11%no número desses microempreendimentos, boaparte deles (32%) concentrado no comércio e nosserviços de reparação e outra parcela considerável(18%) na construção civil.

Voltando à nossa tabela da distribuição dosinformais por posição na ocupação, é também dig-no de nota a proporção (11%) dos não-remunera-dos dentre os trabalhadores informais, representando6% dos trabalhadores ocupados em 2006 (essa pro-porção chegou a 9% em 1996). Eles normalmentese concentram nas atividades realizadas por mem-bros da família ou amigos, majoritariamente mulhe-res, e representam 5,54% da força de trabalho semrendimentos monetários no total da PEA. A Tabelanão mostra, mas no que respeita a outra categoriadas mais tradicionais do trabalho informal, a dostrabalhadores domésticos, em sua mais absolutamaioria representada pelas mulheres, 73% não têmregistro em carteira, o que nos dá uma dimensão doquanto essa categoria de trabalhadores permanecealijada da cobertura de direitos, mesmo tendo umestatuto diferenciado, e ainda mais flexível, que odos demais trabalhadores privados.

Um elemento essencial para abrir oportuni-dade de inserção menos precária dos trabalhadoresna atividade produtiva, seja no mercado de traba-lho formal seja no informal, é o nível educacionaldo trabalhador. Há um consenso universal sobre ofato de que a educação atua como um fator que in-flui no status da ocupação, muito embora, com areestruturação do capital no final do milênio, sejaforte a tendência a um desacoplamento entre a es-

trutura educacional e a estrutura ocupacional, com

a população mais educada, principalmente a maisjovem, enfrentando oportunidades de emprego de-terioradas no mercado de trabalho (Hasenbalg; Sil-va 2003; Fantasia; Voss, 2004). De fato, os dadosda PNAD 2006 confirmam que mais anos de estu-do podem significar uma melhor inserção no mer-cado de trabalho: o grosso das pessoas ocupadasno mercado de trabalho informal possui baixo ní-vel de instrução. Em números mais específicos, aTabela 5 nos mostra que 42% dos trabalhadoresinformais possuem até 4 anos de estudos, sendoque praticamente 30% deles sequer chegaram aconcluir o ensino fundamental, estando no quehoje comumente se considera como numa situa-ção de analfabetismo funcional. As proporções dostrabalhadores com até 4 anos de estudo e abaixodesse nível entre os formais é de 16% e 9%, res-pectivamente. Na subida da escala, pode-se verifi-car que uma proporção significativa dos trabalha-dores formais (40%) possui entre 9 e 11 anos deestudos ou o 2º grau incompleto. Em sua absolutamaioria, 60%, os trabalhadores informais sequerconcluíram o primeiro grau ou o antigo ginasial. Adiferença é ainda mais considerável entre os quepossuem mais de 12 anos de estudo. Apenas 6%dos informais se encontram nesse nível de instru-ção contra 19% entre os formais.

Pressionado pelas demandas de um padrãode competitividade internacional, o Brasil se de-para, nos anos 90, com o desafio de elevar o

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10 IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalhoe Rendimento, Economia Informal Urbana 2003. Dis-ponível em: <www.ibge.gov.br>.

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baixíssimo nível de instrução de sua força de tra-balho, produto da também baixíssima prioridadeda educação básica no modelo de desenvolvimen-to por substituição de importações. Estamos, por-tanto, procurando enfrentar esse desafio com umatraso de pelo menos 50 anos em relação à trajetó-ria de outras sociedades mais desenvolvidas.Destarte, é sabido que, nos últimos anos, tem seregistrado uma elevação dos anos de estudos daforça de trabalho, reflexo dos esforços das políti-cas públicas no sentido de reduzir o enorme défi-cit educacional do país. No entanto, a melhoraeducacional da força de trabalho também vem sedando por outra via que, de uma perspectivamacrossocial, passa a exigir do Estado políticasconsistentes e coordenadas de qualificação e segu-ro desemprego. No campo dos empregos formais,com a reestruturação produtiva da economia, a ele-vação dos anos de estudo da força de trabalho for-temente traduziu uma sólida tendência de as em-presas estabelecerem como um de seus critériosbásicos de contratação a exigência de, pelo menos,o 1º grau de instrução (8 anos de estudo), o que,em muitos casos, implicou a dispensa de traba-lhadores de meia idade e baixa escolarização, quedificilmente retornam a exercer suas qualificaçõesnum emprego formal (Cardoso; Comin; Guimarães,2006; Chahad, 2006). Sendo cada vez mais seleti-vos os critérios de contratação das empresas (emmuitos segmentos a exigência mínima passa a sero 2º grau completo), maior ainda passa a ser o exér-

cito industrial de reserva consti-tuído de trabalhadores semi ounão-qualificados, que buscam mei-os de sobrevivência no trabalhoinformal. Ainda que a economiaretome o ritmo de crescimento al-cançado nas décadas de 1960 e1970, e ainda que seja consisten-te a ampliação dos empregos for-mais, como vem sendo registradodesde 2003 (IPEA, 2007), haveráum considerável contingente detrabalhadores que, a menos queseja beneficiado com políticas edu-

cacionais e de qualificação, jamais será incorpora-do pela economia formal.

No que respeita à renda, podemos visualizar,na Tabela 6, que consideráveis 65% dos trabalha-dores informais auferem até um salário mínimo derendimento mensal; essa proporção entre os for-mais é de 24%. Boa parcela dos trabalhadores for-mais, 40%, está concentrada na faixa de saláriosque vai de um a dois salários mínimos. A propor-ção dos trabalhadores informais nessa faixa de salá-rios é de apenas 21%. Todavia, é ainda mais signi-ficativo que 25% dos homens e 40% das mulheres,dentre os trabalhadores informais, se encontrem nafaixa de rendimentos de até meio salário mínimo.As estatísticas não nos falam da riqueza das parti-cularidades, mas, provavelmente, esse significativocontingente de trabalhadores compõe os estratos depobreza e indigência que caracterizam as modalida-des de atividade informal cotadas como condiçãode pura alternativa de sobrevivência, onde se en-contra a categoria dos trabalhadores de rua, objetoda etapa da análise qualitativa desta pesquisa. Nomomento, as estatísticas apenas nos mostram que acategoria dos trabalhadores por conta própria con-centra o agregado de trabalhadores informais nasduas pontas da escala salarial: 47% dos que auferematé meio salário mínimo pertencem a essa categoria.Subindo na escala, 68% dos informais que auferemde 2 a 3 SM e 71% dos que recebem de 3 a 5 SMtambém pertencem ao agregado dos trabalhadorespor conta própria. Esses números nos dizem da

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importância desses trabalhadores na estatística dainformalidade e da enorme heterogeneidade de suassituações de renda e de trabalho. As Tabelas 6 e 7apresentam as estatísticas.

A concentração dos trabalhadores informaisnas faixas de salário mais baixas, de meio até 1salário mínimo, parece confirmar aquela velha pro-posição de que o nível educacional tem efeito so-bre o padrão de rendimento ou a forma de inser-ção do indivíduo no mercado de trabalho. Parececonfirmar, também, o argumento de que ainformalidade anda de mãos dadas com a pobrezano nosso país, realidade que se agrava pela ausên-cia ou insuficiência do Estado no campo do provi-mento dos serviços públicos e sociais. Ainda quesejam restritos o assalariamento e o baixo o pa-drão de renda da força de trabalho, produto dasdesigualdades estruturais já discutidas, esses nú-meros nos dizem da importância do vínculo for-mal de trabalho não apenas no campo dos direitosindividuais, mas no da capacidade política de re-versão daquelas desigualdades. Eles corroboram,como fizeram outras pesquisas sobre a mesma rea-lidade em regiões específicas do país (Jakobsen et

al, 2000; Filgueiras et al, 2004), o grau de precari-edade da inserção produtiva de um número cres-cente de trabalhadores brasileiros.

Se a noção de flexibilidade que acompanhaas mudanças no regime de emprego tradicional vemincorporando, cada vez mais, um sentido de

informalidade e ela é, por definição, o reino do não-direito, o que presenciamos, no campo da sociabili-dade, é uma degradação quase que generalizada dasegurança dos indivíduos; uma insegurança vivida

no emprego, na renda,na seguridade social,na representação do tra-balho (Mattoso, 1996),mas também na capa-cidade de planejamen-to, na possibilidade degarantir a refeição dodia, no porvir.

À GUISA DE CON-CLUSÃO: maisregulação, maisEstado

No momento em que concluo este texto, ascelebrações por parte do poder público, no Brasil,de uma retomada, a partir de 1999 e, sobretudo,depois de 2002, dos empregos com carteira, aindaque positivas, mais se assemelham a retóricas anteo enorme déficit nos números da inserção econô-mica e social historicamente registrados no país.Se, de fato, a informalidade vem se retraindo (Bra-sil, 2008; IPEA,2007; Pochmann, 2006; Chahad,2006), há uma forte dependência da solidez docrescimento econômico. Mas esse crescimento,como consequência do atual estágio tecnológico edas estratégias de organizar o processo produtivo,parece não guardar mais a forte relação positivacom o nível de emprego que registrou em décadaspassadas. Por um lado, caberia distinguir, comosugere Chahad (2006), em que medida aquela re-tomada se deve a uma maior formalização da eco-nomia, devido às políticas de incentivo, inclusivedecorrentes de maior flexibilização dos direitos dotrabalho, e de fiscalização do Estado; e em que me-dida ela provém de aumento genuíno dos empre-gos. Por outro, é importante ter em mente a ten-dência acima comentada: os atuais parâmetros decontratação das empresas deixam de fora, sem se-

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quer ter a possibilidade de concorrer, um vastoexército industrial de trabalhadores semi ou não-qualificados, esses ainda mais dependentes depolíticas públicas. Temos, assim, que crescimentoeconômico, per se, não é sinônimo de mais empre-go formal ou de distribuição de renda.11

Voltando à nossa reflexão inicial, a diminu-ta redução da informalidade (o IPEA, na análisedos números da PNAD, registrou uma queda de2,37 pontos percentuais entre 2002 e 2006) nãodecorre de efetivas mudanças estruturais no regi-me de relações de trabalho, na estrutura fundiária,ou mesmo no regime tributário do país. Ao con-trário, a política de estabilização da economia vemse pautando ainda mais contundentemente no for-talecimento dos interesses do capital financeiro edo capital agroexportador de bens primários: oprimeiro pouco comprometido com a produção ea geração de empregos; o segundo, ora apoiado namecanização ora na superexploração do trabalho,continua a reproduzir as formas arcaicas de rela-ções de produção ainda prevalecentes no campo(o caso do etanol é emblemático). É nesse sentidoque a retomada do crescimento e uma possível am-pliação do emprego regulado muito dificilmente ouapenas de forma bastante limitada podem contri-buir para uma efetiva diminuição do vergonhosoquadro de desigualdade social (e a informalidade éa sua face mais perversa) e dos sofrimentos a queseus trabalhadores se submetem.

A desocupação, o subemprego, o trabalhoinformal, o emprego regulamentado, mas debaixíssimos salários e poder de barganha, são pro-blemas centrais na sociedade brasileira e estão noâmago de suas profundas desigualdades estrutu-

rais, marca de um padrão de acumulaçãoconcentrador de renda e perpetuador da pobreza.Enfrentar tais problemas requer mudanças profun-das naquelas desigualdades estruturais, e isso ne-cessariamente passa pelo embate político do con-flito de classe, adverso, nos últimos governos, paraos trabalhadores.12 Nesse embate cabe ressaltar aquestão do papel do Estado, de sua responsabili-dade pela condução dos destinos da sociedade,sobretudo no que remete à institucionalização demecanismos democráticos que possibilitem que opróprio conflito se dê de forma menos desequili-brada. E aqui cabe destacar a importância da regu-lamentação do mercado de trabalho e das políticaspúblicas no campo do planejamento econômico eda cidadania. Em outras palavras, a informalidadeé um problema social, portanto de interesse públi-co. Ela demanda do Estado políticas que primempor um sistema de distribuição de renda maisequitativo, apoiado no princípio da universalizaçãode direitos e por intervenções que limitem a ga-nância das empresas, uma vez que delas provémgrande parte das mudanças que ora prescindemdo trabalho, ora o explora de forma abjeta. O forta-lecimento dos movimentos sociais e do trabalhotem relação direta com o fortalecimento desse po-der de intervenção.

(Recebido para publicação em janeiro de 2009)(Aceito em maio de 2009)

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11 De outra perspectiva, argumenta no mesmo sentido:segundo sua análise, entre 1992 e 2005, o crescimentodo PIB real foi de 44%, superior ao crescimento da PEA(32%), ao total do pessoal ocupado (25,6%) e muitoacima do crescimento do emprego formal (17,8%). Emsuas palavras: “o maior crescimento da PEA, relativa-mente ao total de pessoal ocupado, explica por que temhavido crescimento contínuo do desemprego aberto eda informalidade do trabalho. O maior crescimento dototal de pessoal ocupado, por sua vez, do que o empregoformal é indicativo que os empregos protegidos pela le-gislação trabalhista e previdenciária, os chamados “bons”empregos, tem crescido bem menos do que as ocupa-ções informais, precárias, atípicas, ou desprotegidas”(Chahad, 2006, p.47).

12 Para uma análise contundente de como se tem configu-rado as forças políticas no Brasil após a avalanche demedidas neoliberais das últimas duas décadas ver, porexemplo: Oliveira (2005), Cardoso (2003), Boito Jr (1999),Mattoso (1997).

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Márcia da Silva Costa - Doutora em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro -IUPERJ. Professora e pesquisadora do Departamento de Administração da Universidade Federal da Paraíba edo Programa de Pós-Graduação em Administração da mesma Universidade, desenvolvendo pesquisas naárea do trabalho e organizações. Suas mais recentes publicações, são: COSTA, M. S. Reestruturação Produtivae Trabalho na Indústria Têxtil Brasileira. In: NEVES, Jorge Alexandre Barbosa; FERNANDES, DanielleCireno; HELAL, Diogo Henrique (Org.). Educação, trabalho e desigualdade social. 1ª ed. Belo Horizonte:Editora Argvmentvn, 2008. COSTA, M. S. Relações de trabalho e regimes de emprego no Canadá e no Brasil:RAE Eletrônica, v. 6, n. 2, p. 1/16-29, 2007. COSTA, M. S.; MATIAS, Karla; GODIM, Cibelle. Mercado de

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LE TRAVAIL INFORMEL: un problèmestructurel basique pour comprendre les

inégalités dans la société brésilienne

Márcia da Silva Costa

Ce texte reprend le débat théorique etconceptuel à propos du thème de l’informalité entant que tel, le débat sur les liens de dominationqui ont favorisé l’accumulation du capital dans lepays. A partir des données du PNAD 2006, on yfait également une analyse de la distribution de laforce de travail active. Qui sont ces informels etcomment sont-ils répartis ? Quel est le profil deleurs revenus et de leur scolarisation ? Les résultatscorroborent les arguments de l’analyse quiconsidèrent l’informalité comme un problèmestructurel de base dans la société brésilienne. Sonaugmentation confirme le cadre historiqued’inégalité et de pauvreté qui a marqué son modèlede développement. Même si l’économie reprenait,il y aurait toujours un grand nombre de travailleursqui, à moins d’être bénéficiaires de politiqueséducatives solides, n’auraient jamais la possibilitéd’être intégrés dans l’économie formelle.MOTS-CLÉS: travail informel, travail précaire, inégalité.

INFORMAL LABOR: a basic structural problemin the understanding of inequalities in Brazilian

society

Márcia da Silva Costa

This paper rescues the theoretical-conceptual debate that involves the theme theinformality, in essence, that of dominancerelationships that favored the capitalistaccumulation in this country. Starting from the dataof PNAD 2006, the distribution of the busyworkforce is also analyzed. Who are the informalones and how are they distributed? Which incomeand education profile do they have? Thesediscoveries corroborate the analytical argumentsthat understand the informality as a basic structuralproblem in Brazilian society. Its growth asserts thehistorical picture of inequality and poverty thatmarked its development pattern. Even if theeconomy grows again, there will be a considerablecontingent of workers that, unless benefitted withsolid educational policies, will never have thepossibility of being incorporated in the regulatedeconomy.KEYWORDS: informal labor, labor precariousness,inequality.