mercado informal em alagoas

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LUCIANA CAETANO DA SILVA a expansão do mercado de trabalho informal em Alagoas Mestra em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Ufal. Professora de Economia na Faculdade Alagoana de Administração (FAA) e na Sociedade de Ensino Universitário do Nordeste (Seune)

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LUCIANA CAETANODA SILVA

a expansão do mercado de trabalhoinformal em Alagoas

Mestra emDesenvolvimento e

Meio Ambiente pelaUfal. Professora de

Economia naFaculdade Alagoana

de Administração(FAA) e na

Sociedade de EnsinoUniversitário do

Nordeste (Seune)

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O ensaio propõe-se a analisar a dinâmica do mercado de tra-

balho informal no Estado de Alagoas e as principais causas

de sua expansão, no período 1997 − 2003, a partir de pesqui-

sas realizadas pelo IBGE (ECINF 1997 / 2003 e PNAD 2003 /

2004), buscando identificar a relação estabelecida entre os

indicadores socioeconômicos e as fragilidades políticas, so-

ciais e econômicas locais. Nesse contexto, são apresentados

os desafios enfrentados pelos que, expulsos ou impedidos

de ingressarem no mercado de trabalho formal, desprovidos

de recursos e com baixo grau de escolaridade, aventuram-se

na informalidade munidos, apenas, de esperança, determi-

nação e habilidades adquiridas.

Alagoas – desenvolvimento econômico. Mercado de traba-

lho. Economia informal. Trabalhadores.

RESUMO

PALAVRAS-CHAVE

The purpose of this essay is to analyze the dynamics of the

informal work market in the State of Alagoas, and the main

causes for its expansion, during the 1997-2003 period, based

on research conducted by IBGE (ECINF 1997 / 2003 and

PNAD 2003 / 2004). It aims to identify the relation between

the social-economic indicators and the local political, social

and economic fragilities. Accordingly, the challenges are

presented, faced by those who – excluded or impeded from

entering the formal work market, with lack of resources, and

with low educational level – venture into the informal work

market, counting only on hope, on determination and on

acquired skills.

Alagoas – economic development. Work market. Informal

Economy. Workers.KEY WORDS

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INTRODUÇÃO

Com elevado potencial de recursos naturais e grandes obstáculosestruturais, Alagoas não consegue romper as barreiras ao seu desenvolvi-mento, muitas delas alimentadas no âmbito político, com reflexos devasta-dores sobre o campo socioeconômico. A ausência de um plano de desen-volvimento de longo prazo, com integração das três esferas de governo eparcerias com a iniciativa privada, associada à prática de corrupção que seevidencia no enriquecimento biônico de parlamentares e chefes do execu-tivo, tem contribuído com um quadro de extrema pobreza e desigualdadesocial, só amenizado com os programas sociais do governo federal1.

Os índices da educação refletem o tratamento dispensado pelo Es-tado a um dos pilares do desenvolvimento, o que pode ser constatado apartir da elevada taxa de analfabetismo da população em idade ativa (PIA)2,configurando um mercado de trabalho com mão-de-obra pouco qualifi-cada para um processo de modernização mais acelerado. Eis aí um pontode estrangulamento que, além de limitar o nível de remuneração3, deixade atrair novos investimentos privados.

Em resposta à limitada oferta de vagas no mercado de trabalho for-mal, a população tem buscado na informalidade as oportunidades parageração de renda, na perspectiva de garantir as condições materiais neces-sárias à sobrevivência, sendo levada, ora pela expulsão do mercado, orapelo ingresso negado e ora pela necessidade de complementar a renda. Ofato é que o mercado de trabalho informal cresce de forma desordenada,mantendo elevado grau de complexidade, heterogeneidade, mutabilidadee dinâmica, além de fortes elos de comunicação com as atividades formais.

1 Para maiores informações sobre a dependência do Estado em relação à transferência de recursosfederais, ver Carvalho (2007).2 Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2004), entre a população emidade ativa (10 anos ou mais de idade), 25% não tinham qualquer grau de instrução e 31% possuí-am entre 1 e 4 anos de estudo, ou seja, 56% eram analfabetos funcionais. Por outro lado, apenas 10%desse mesmo universo possuíam 11 anos ou mais de estudo, o que corresponde ao segundo graucompleto e apenas 2% possuíam 15 anos de estudo. A taxa de alfabetização entre os de cinco anosou mais de idade era de 68%, enquanto em São Paulo esse percentual era de 92%.3 20% da população economicamente ativa não recebem qualquer rendimento mensal e quase 50%recebem até 1 salário mínimo, enquanto apenas 1% aufere rendimento médio mensal acima de 10salários mínimos. (PNAD, 2004)

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Identificada pelo Estado como uma contravenção, por escapar dosmecanismos legais de tributação, as atividades informais fogem do sistemade codificação e das convenções padronizadas pelo sistema de reproduçãocapitalista, embora tenham traços em comum com as atividades formais.Seus movimentos de contração e expansão são contínuos e as causas dessamovimentação, diversas, indo de aspectos históricos a conjunturais, pas-sando por questões de ordem política, cultural e econômica.

O que se pretende, neste ensaio, é analisar as características e aevolução do mercado de trabalho informal no Estado de Alagoas, situan-do-o no contexto da economia nacional e analisando as semelhanças ediscrepâncias entre os dois mercados. Para tanto, serão utilizados os da-dos das duas pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE) sobre economia informal urbana (ECINF 1997 e 2003) e a Síntese dosIndicadores Sociais, PNAD 2003 e 2004.

Embora existam muitas definições para empresas e trabalhadoresinformais, a definição aqui utilizada será a do IBGE que considera infor-mal a empresa cuja constituição jurídica não pertença ao grupo das Soci-edades Anônimas e aquelas cujo preenchimento da declaração anual doImposto de Renda de Pessoa Jurídica não foi feito no formulário LucroReal. Este recorte é feito porque as empresas que fazem tal preenchimen-to são caracterizadas como pequenos empreendimentos, mas não comoempreendimentos informais, uma vez que apresentam, via de regra, re-ceita elevada, alto grau de formalização e uma estrutura de produção re-lativamente organizada. Outros elementos que caracterizam a empresainformal, na definição do IBGE, são empresas com até cinco funcionários,baixo grau de organização operacional e pequena escala de produção. Amaioria delas não possui registro no Conselho Nacional de Pessoa Jurídi-ca, não assinam carteira de trabalho dos empregados e não recolhem ne-nhuma espécie de tributos aos cofres públicos.

O trabalhador informal é aquele que, de algum modo, está vincu-lado a uma unidade de produção informal, seja na condição de autôno-mo, empregador ou empregado. O autônomo é o trabalhador informalpor conta própria que trabalha sozinho ou com sócio, no próprio empre-endimento, sem contar com empregado remunerado. O mercado infor-mal, por sua vez, é um ambiente turvo para o qual as definições disponí-veis são incapazes de possibilitarem recortes precisos que permitam sa-

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ber onde ele começa ou termina. Suas imbricações com o mercado formalvão desde a produção, passando pelas relações de trabalho e desembo-cando em relações intercambiais.

Até o momento, só existem duas pesquisas do IBGE sobre mercadoinformal (1997 e 2003), excluindo as atividades ilegais e a atividade agríco-la. Subtraindo da população ocupada os 41,2% correspondentes à ativida-de agrícola4, os moradores de rua e as atividades ilegais, tem-se que omercado de trabalho informal representa, aproximadamente, 40% da po-pulação ocupada, podendo chegar a um pouco mais.

Por sua dimensão, traduzida no tamanho de sua produção, no vo-lume de pessoas ocupadas e no volume de renda gerada, a economia infor-mal, seja no Estado de Alagoas ou no território nacional, tem uma impor-tância crucial para a dinâmica desses mercados, tanto por sua participaçãono fluxo circular da renda quanto pelo atendimento às necessidades bási-cas de grande parte da população. Juntos, formam um grande mercado,desenvolvendo funções que, ora concorrem entre si, ora se complementam,embora existam elementos que os distingam, relacionados tanto às condi-ções de trabalho quanto ao rendimento e ao padrão de organização.

O mercado informal, em qualquer lugar, apresenta-se como a ex-pressão viva da identidade cultural de um povo que, reunindo seu conhe-cimento acumulado, seus recursos escassos e sua habilidade de vencer obs-táculos, cria e recria sua história por meio da arte e da criatividade. Está emconstante mutação, acompanhando as tendências sinalizadas pelo merca-do formal, porém, influenciado, em seus movimentos de retração e expan-são, pelas condições conjunturais de mercado criadas no âmbito das políti-cas macroeconômicas ou de políticas locais de incentivo à produção.

Entre 1997 e 2003, as atividades informais em Alagoas cresceramquase seis vezes acima do registrado no território nacional. No Brasil, onúmero de pessoas ocupadas no mercado de trabalho informal cresceu8% enquanto, em Alagoas, esse percentual foi de 47%. Essa explosão deno-ta as limitações do mercado produtivo local e a incapacidade do Estado

4 As leis trabalhistas demoraram no campo e, ainda hoje, é ignorada em boa parte do país. Essestrabalhadores são mais dispersos dificultando, inclusive, a fiscalização desenvolvida pela Delega-cia Regional do Trabalho. Isso leva a crer que o grau de informalidade no campo é maior que naárea urbana.

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em criar oportunidades a novos investimentos privados. A indústria re-presentava em 2003, apenas, 6,3% da população ocupada e a agricultura,que representa o maior percentual (41,2%), está concentrada namonocultura da cana-de-açúcar, com salários muito baixos para grandemaioria das pessoas ocupadas no setor.

PECULIARIDADES DA ECONOMIA ALAGOANA

Alagoas é um Estado com grande potencial de crescimento, porémcom sérios problemas sociais, políticos e econômicos identificados comoentraves ao desenvolvimento local. Entre os principais problemas podemser citados: infra-estrutura, ausência de políticas públicas de incentivo àprodução, fragilidade do sistema de educação pública, reduzido volumede mão-de-obra qualificada e um elevado nível de concentração de renda.Essa combinação de fatores tem retardado o impulso ao crescimento, ge-rando uma expectativa negativa entre empreendedores, desviando inves-timentos para outros estados e eliminando possibilidades reais de geraçãode emprego e renda. No primeiro semestre de 2007, foram criadas no Brasil1,096 milhão de novas vagas com carteira de trabalho assinada, enquantoem Alagoas foram eliminadas 34,9 mil vagas, segundo dados do CadastroGeral de Empregados e Desempregados (Caged), denotando a incapacida-de do Estado em criar novas oportunidades de investimento.

Alagoas ocupa 0,33% do território nacional com 27.731 Km2 e, emjul/2006, sua população era estimada em 3 milhões habitantes distribuídosem 102 municípios, com 1/3 concentrada na capital (Maceió). Em 2003, suapopulação economicamente ativa (PEA) correspondia a 1.227.524 e a popu-lação ocupada (PO), 1.133.203, composta em 62% por homens e 38% pormulheres. Apesar do crescimento da participação da mulher no mercadode trabalho, a taxa de desemprego, entre elas, continua mais elevada e ossalários menores, tanto no mercado formal quanto no informal, apesar deserem maioria entre a população economicamente ativa e possuírem maiorgrau de instrução. Isso pode ser atribuído a aspectos culturais e peculiari-dades do universo feminino como a maternidade e maior envolvimentocom atividades domésticas, o que se reflete em períodos mais prolonga-dos de ausência ao trabalho.

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Agrupada em cinco principais setores, a economia alagoana é for-temente influenciada pela agroindústria e, em muitos municípios, a úni-ca fonte de renda é o fundo de participação dos municípios (FPM), o quese reflete em ritmo pouco acelerado de crescimento. A renda gerada namonocultura da cana-de-açúcar é sazonal e bastante concentrada, geran-do picos de aquecimento e desaquecimento do comércio, fortemente in-fluenciado pelo setor público, que é responsável pela média mais elevadados rendimentos do Estado. O setor de serviços destaca-se pelo alto valoragregado5 (50,37%) e por sua expansão ao longo dos anos; o setor agrícoladestaca-se pelo volume de pessoas absorvidas (41,2% da população ocu-pada); já a indústria é um setor com pouca representação na absorção demão-de-obra, mas tem importante participação no PIB do Estado, além deresponder por quase 100% das exportações; a construção civil, por suavez, apresentou um crescimento expressivo nos últimos cinco anos, sob ainfluência de uma nova tendência de crescimento do mercado imobiliá-rio e de investimentos de pequeno, médio e grande porte, realizados tan-to pelo setor público quanto pela iniciativa privada; o comércio assume opapel de termômetro da economia, uma vez que é movido pela rendagerada nele próprio e nos demais setores.

DISTRIBUIÇÃO DA RENDA E QUALIDADE DE VIDA

Compreende-se que as desigualdades sociais não se limitam à má- dis-tribuição de renda, embora sua concentração seja responsável por muitos ma-les, particularmente, o acesso desigual à informação, elemento indispensávelàs mudanças socioeconômicas, tão necessárias à melhoria da qualidade de vidada população menos afortunada. O rendimento médio mensal de todos ostrabalhos da população ocupada em 2003 era de R$ 438,20, incluindo militares eestatutários, cujo rendimento médio mensal era de R$ 969,80 e empregadores,R$ 2.157,00. No mesmo ano, o rendimento médio mensal de todos os trabalhosda população ocupada da região metropolitana de São Paulo era de R$ 1.082,30

e o salário mínimo, R$ 240,00.

5 O valor adicionado ou agregado corresponde ao que cada setor agrega aos bens intermediáriosutilizados no processo produtivo, para compor o valor do produto final posto à venda no mercado.

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Em 2003, a população ocupada do Brasil produziu uma renda de 47,8

bilhões de reais, com a qual Alagoas participou com 0,8%, apresentando oquarto pior rendimento médio mensal de todo o território nacional, estan-do, com uma diferença muito pequena, à frente apenas de Maranhão, Piauíe Ceará. O Nordeste apresentou o pior resultado com rendimento médiomensal de R$ 409,40, respondendo por 14,7%6 da renda nacional ante 54% daregião Sudeste, com um rendimento médio de R$ 822,30.

Segundo o conceito do Ministério de Desenvolvimento Social eCombate à Fome, uma família é considera pobre quando a renda médiamensal per capita é igual ou inferior a ½ salário mínimo. No Brasil, 30,4%

dos empregados sem carteira assinada apresentavam, em 2003, rendimentomédio mensal familiar per capita de até ½ salário mínimo; no Nordeste, opercentual sobe para 52,5%, o segundo pior resultado entre as regiões bra-sileiras; e em Alagoas, esse percentual chega a assustadores 63,4%, o piorresultado em todo o território nacional. Em Santa Catarina, esse percentualé de apenas 8,3%, o melhor resultado no país. Fica fácil saber onde se con-centra a pobreza neste país e por que é tão denso o mercado de trabalhoinformal em alguns estados. Em estados mais pobres, o grau deinformalidade é mais elevado, dado à incapacidade de incentivo gover-namental ao setor produtivo na perspectiva de geração de emprego e rendano mercado formal.

O “estar na informalidade” pode representar um custo soci-

al extremamente alto que, nos dia atuais, se agrava à medida

que aumenta a parcela da população trabalhadora inserida

em ocupações que se caracterizam pela negação de direitos

trabalhistas e elevado grau de exposição a situações de

vulnerabilidade. (LIRA, 2006, p. 156)

O rendimento por hora trabalhada eleva-se à medida que au-menta o tempo de estudo e isso vale para todo o território nacional. EmAlagoas, o rendimento-hora da população ocupada, em 2003, era de R$ 2,80,sendo R$ 1,50 até quatro anos de estudo, R$ 1,90 de cinco a oito anos, R$ 3,70 denove a onze anos e R$ 10,40 para doze anos ou mais. A média nacional no

6 Fonte: IBGE, PNAD 2003.

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mesmo ano era de R$ 4,50 e na região metropolitana de São Paulo, R$ 6,80. Istosignifica que quanto maior o investimento na formação individual, maioresas chances de auferir salários mais elevados e atuar em áreas com melhorescondições de trabalho, apesar de muitos terminarem uma graduação e conti-nuarem desempregados.

Esses dados refletem uma das faces da insustentabilidade da eco-nomia alagoana tanto do ponto de vista social quanto econômico, umavez que grande parte dessa população vive em condição precária, comlimitadas possibilidades de consumo e acesso restrito a serviços de edu-cação, saúde e moradia de qualidade. Considerando que a restrição deconsumo associada a uma renda muito concentrada paralisa o mercado,as chances de crescimento econômico para o Estado são bastante reduzi-das. É preciso melhorar as condições materiais de sobrevivência dessapopulação desafortunada para que o Estado comece a desenvolver-se,tendo como foco garantir à população local acesso a bens e serviços deboa qualidade, sem as atuais restrições.

Tal cenário sinaliza, com a manutenção ou elevação do atual nívelde pobreza, sem propostas consistentes de desenvolvimento que resultemna melhoria da qualidade de vida dos 67% mais pobres que auferem rendi-mento de até dois salários mínimos, avanço possível, apenas, com a redu-ção da concentração de renda e com melhor atuação do Estado. Ainsustentabilidade do sistema de reprodução capitalista reside, entre ou-tras coisas, no crescimento da população excluída do mercado consumidorem decorrência dos elevados índices de desemprego resultante da moder-nização das grandes corporações que, em busca de maior rentabilidade,elevam o grau de mecanização à medida que reduzem a utilização de mão-de-obra direta, especialmente em países com elevados encargos sociais.

Nos últimos quinze anos, a evolução do sistema de comunicação eos avanços tecnológicos em todas as áreas do conhecimento revoluciona-ram o sistema de produção de modo que, mesmo aumentando a produ-ção e o faturamento, as grandes empresas empregam um número cadavez menor de trabalhadores. E quando o fazem, é por meio da terceirizaçãoe contratos temporários, neutralizando as conquistas trabalhistas de anosde luta dos movimentos sindicais.

No que diz respeito às relações de trabalho, há uma polarização dasopiniões entre a flexibilização e a manutenção dos direitos conquistados, fruto

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de muitas lutas. Os primeiros argumentam que a flexibilização das relaçõesde trabalho levará à redução do desemprego por permitir ajustes, aparente-mente, necessários à dinâmica do mercado de trabalho, atrelado às oscila-ções do mercado de produção. O segundo grupo condena tal flexibilizaçãopelo entendimento de que esse fenômeno se traduz em anulação de impor-tantes conquistas que, uma vez perdidas, resultarão em queda da qualidadede vida da classe trabalhadora, à medida que resulte em extinção do direitoà aposentadoria, férias remuneradas, licença-saúde, seguro-desemprego, etc.

O governo federal, no entanto, tem demonstrado que é possívelreduzir o desemprego sem, necessariamente, flexibilizar as relações detrabalho, criando oportunidades e instrumentos para realização de no-vos investimentos, ainda que de pequeno porte, seja com liberação delinhas de crédito, desoneração fiscal, ou mesmo com elevação de gastosgovernamentais na perspectiva de incentivar a produção.

A IMPORTÂNCIA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Um dado preocupante no universo do trabalho é o percentual dapopulação ocupada que não contribui com a previdência social, chegan-do a 54,8% no Brasil e a 68,5% em Alagoas, o que significa um percentual decontribuição na ordem de 31,5%. O Nordeste é a região que apresenta ospiores números, com uma média de contribuição em torno de 26,9%, en-quanto o Sudeste apresenta uma média de 56,1%. O melhor resultado ficacom o Distrito Federal com um percentual de recolhimento de 63,9%7. Obaixo percentual de recolhimento ao Instituto Nacional de SeguridadeSocial (INSS) significa que a maioria das pessoas ocupadas está inseridaem atividades informais, sem carteira assinada e desprovida dos direitostrabalhistas assegurados por lei, o que é insustentável, no longo prazo,agravando o desequilíbrio do sistema de previdência social.

Sem a cobertura do seguro social, que poderia ampará-los

em situações de risco (acidentes, invalidez, velhice), os tra-

balhadores na informalidade sofrem com a troca da solidari-

7 Idem.

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edade social pela solidariedade privada (família, rede de

amizades), não porque seja uma mudança nova, mas porque

ela acontece num momento no qual a própria família encon-

tra-se mais vulnerável que antes às mudanças no mundo do

trabalho e nas relações sociais. (LIRA, 2006, p. 156)

O não recolhimento impede que o trabalhador tenha direito a umaaposentadoria, seja por idade ou incapacidade física, sobrecarregando outrosmembros da família. Sua causa é devida ao baixo nível de renda e à falta deesclarecimento da população ocupada quanto aos benefícios que são assegu-rados pela legislação trabalhista. Após os 64 anos, aumenta a demanda porserviços de saúde, incluindo medicamentos caros, indisponíveis nos postos desaúde pública. Muitos têm a morte abreviada pelas condições precárias desobrevivência, impostas pelo elevado grau de pobreza, fruto de um sistema dereprodução concentrador e excludente. Outros são largados em asilos porquea família, muito pobre, não consegue arcar com a responsabilidade de lhes daros cuidados devidos. Não é à toa que a esperança de vida em Alagoas é a piorentre as unidades da federação: em 2005, a média nacional era de 72 anos en-quanto em Alagoas era de 66 anos e o Distrito Federal, 75 anos. A taxa de mor-talidade (7,9%), por sua vez, é a quarta maior entre os estados brasileiros. Oelevado grau de pobreza torna as condições de vida tão precárias que abreviaa morte por caminhos tão curtos quanto perversos.

A CAPACIDADE DE CONSUMO

Imagine um Estado em que o número de pessoas ocupadas sem remu-neração seja igual ao número de pessoas inseridas no setor de comércio e repa-ração. Parece irreal, mas esse é o Estado de Alagoas. Entre a população ocupa-da, 16,1% não são remuneradas, o que corresponde a mais de 182 mil pessoas,normalmente inseridas na informalidade, ajudando a outros membros da pró-pria família. Apenas o estado do Piauí, com 16,8% de pessoas ocupadas nãoremuneradas tem uma situação pior entre os estados da federação. Já na Re-gião Metropolitana do Rio de Janeiro, esse percentual é de apenas 0,8%.

Os indicadores socioeconômicos apresentados pela PNAD 2004

revelam que boa parte da população do Estado não tem acesso a bens

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de consumo duráveis, apesar das possibilidades de financiamento eda disponibilidade de linhas de crédito, por meio de financeiras e ban-cos comerciais. A falta de comprovação de uma renda dificulta o aces-so a esse serviço. Em 2004, 18% ainda não possuíam televisão, 31% nãopossuíam geladeira, 93% não possuíam máquina de lavar, 21% não pos-suíam rádio e 6% não possuíam fogão a gás.

Em todas as regiões do país, o percentual da população ocupada comrendimentos acima de cinco salários mínimos oscila entre 11,4 e 13,7%, comexceção do Nordeste, cujo percentual é de 4,1%, influenciando a média naci-onal que ficou em 10,3%. Em Alagoas, esse percentual cai para 4,5%, reafir-mando o elevado grau de concentração de renda, um dos principais entravesao desenvolvimento local e comprometendo o fluxo circular da moeda.

Quanto maior o percentual de pessoas ocupadas não-remuneradas,maior o esforço dos que são remunerados para suprir as necessidades deconsumo de toda família. Essa população ocupada não-remunerada está,quase sempre, inserida em unidades de produção informais, trabalhandocom a própria família, embora esse vínculo informal aconteça, também, emunidades de produção consideradas formais. Muitas dessas pessoas estãona fase da adolescência, sacrificando a atividade escolar e queimando umaimportante etapa de investimento na formação pessoal.

A EVOLUÇÃO DO MERCADO INFORMAL EM ALAGOAS − 1997 A 2003

Neste tópico, será analisada a evolução do mercado de trabalhoinformal em Alagoas, em comparação com o mercado nacional, na pers-pectiva de identificar as principais causas de sua expansão. A análise temcomo foco as unidades de produção, primeiro pela necessidade de se ca-racterizar as condições de trabalho a que o trabalhador informal está sub-metido e, segundo, porque neste mercado, o trabalhador informal autô-nomo se confunde com o empreendedor.

[...] se nos moldes da empresa tipicamente capitalista, o traço

essencial da organização da produção seria dado pela se-

paração entre capital e trabalho, o da economia informal

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seria, inversamente, a não separação entre o capital e traba-

lho. Os agentes econômicos nela envolvidos participariam

do processo produtivo na dupla condição de trabalhadores

e empresários de seu próprio trabalho, o que, de certa for-

ma, poderia ser estendido aos micro e pequenos empresári-

os, que também atuam como produtores diretos. (OLIVEI-

RA, 1998, p.15)

Entre 1997 e 2003, o número de empresas informais em Alagoascresceu 46,7%, passando de 110.592 para 162.288 empreendimentos, en-quanto no Brasil o percentual de crescimento desses empreendimen-tos foi de 9%. Desses 162,3 mil, 91,6% eram administradas pelos deno-minados conta própria e 8,4% por empregadores, o que revela um ele-vado grau de pulverização nesse mercado. O número de pessoas ocu-padas, por sua vez, cresceu 46,8%.

Em 2003, o Produto Interno Bruto do Estado de Alagoas foi R$ 10,3

bilhões, enquanto a receita anual produzida pelas empresas informais noEstado foi estimada em R$ 2,063 bilhões ou 20% do PIB oficial, excluindoalgumas atividades informais geradoras de renda, segundo o recorte doIBGE. Exatamente por esse recorte, é possível afirmar que a participaçãoda renda gerada informalmente no PIB do Estado seja superior a 40%.

Em razão do baixo nível dos rendimentos auferidos, boa partede quem atua nesse mercado possui mais de uma atividade, seja na con-dição de empregado do setor público ou privado, seja em outro empre-endimento informal. Para quem tem mais de uma atividade, o rendi-mento médio é mais que o dobro do rendimento médio dos que possu-em apenas uma atividade, porém, com uma carga horária mais pesada.Em 2003, a média dos rendimentos de todos os trabalhos realizados porproprietários de empresas informais era de R$ 436,00, sendo R$ 396,00 paraquem tinha um único trabalho e R$ 818,00 para quem tinha mais de um.Em ambos os casos, o rendimento das mulheres é menor que o rendi-mento dos homens8.

8No mercado informal do Estado de Alagoas, a remuneração das mulheres correspondia, em 2003,a 67% da remuneração dos homens. No mercado de trabalho formal, 76%.

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ESCOLARIDADE

Grande parte dos trabalhadores informais não consegue atender,a contento, as exigências do mercado de trabalho formal e, entre os requi-sitos exigidos, estão grau de escolaridade, capacitação técnica, experiên-cia anterior de trabalho, aparência física e boa desenvoltura na entrevistade seleção. Com uma renda muito baixa, longa jornada de trabalho9 erendimentos descontínuos, esses trabalhadores não conseguem fazer umbom investimento em sua formação profissional, o que se traduz em gran-de obstáculo de acesso ao mercado formal e à ascensão social.

Uma família inserida em um quadro de extrema pobreza e des-provida de uma boa formação educacional, dificilmente terá a com-preensão dos efeitos nocivos da reprodução do desconhecimento aolongo das próximas gerações. Ademais, elas se reproduzem numa ve-locidade acima da média, influenciadas por convicções equivocadas.Este fenômeno vem se repetindo no Brasil há muitas décadas: famíliasmuito pobres se reproduzem a uma taxa acima da média nacional e,raramente, conseguem abandonar sua condição de miséria pelas difi-culdades impostas pela conjuntura socioeconômica e pelas limitaçõesde conhecimento.

Normalmente, uma criança que ingressa muito cedo no mercadode trabalho, tem mais dificuldade de garantir uma boa educação, por de-dicar muito de seu tempo a atividades de grande responsabilidade. Elanão tem maturidade para conciliar, com sucesso, a responsabilidade deuma longa jornada de trabalho com a dedicação ao ensino, pois, para isso,ela precisa de lazer, sono tranqüilo e um lar acolhedor que lhe dê maisafeto e lhe faça menos cobranças. Em muitos casos, a renda gerada porcrianças com idade entre oito e quatorze anos é indispensável à sobrevi-vência da família, que nem sempre lhe oferece o conforto do lar e muitomenos a oportunidade de acesso à escola. Um bom rendimento escolarpara a população de baixa renda exigiria uma boa estrutura de moradia,assistência médica, transporte gratuito, acesso à escola, aumento da ofer-ta de vagas nas escolas públicas com a garantia de boa qualidade, incluin-

9 52% da população ocupada no mercado de trabalho informal cumprem uma jornada superior a 40horas semanais.

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do a distribuição de material didático e condições mínimas de acesso auma boa alimentação diária.

O governo, por sua vez, não consegue criar mecanismos de com-pensação com redistribuição de renda, seja a partir da oferta de servi-ços de educação de boa qualidade, seja a partir da criação de novasoportunidades de investimentos que elevem o nível de emprego e ren-da. Essa realidade compromete o grau de competitividade do Estado,já que um dos gargalos ao desenvolvimento é a escassez de mão-de-obra qualificada para os setores mais dinâmicos da economia, contri-buindo com a expansão do desemprego estrutural e elevando a neces-sidade de programas de assistência social de distribuição direta derenda, que estão longe de resolver, de forma sustentável, o problemada desigualdade social. A longo prazo, essa política é insustentáveluma vez que é financiada por tributos, cuja proporção já se mostrainsuportável ao atual sistema de produção.

Os números da pesquisa, por meio dos quais são percebidos os obs-táculos enfrentados por esse estrato social, denotam a estreita relação entrenível de empregabilidade e grau de instrução. Em 2003, a taxa de atividadepara pessoas com 12 anos ou mais de estudo, em Alagoas, era de 82,7% e paraas que possuíam de 1 a 4 anos de estudo, 47,2%, evidenciando que melhoresníveis de escolaridade criam melhores e maiores oportunidades de empre-go. No Brasil, em 2003, a taxa de atividade entre pessoas com 12 anos ou maisde estudo era de 82,2%, muito próxima da registrada em Alagoas.

Em 2003, apenas 2,5% da população ocupada no mercado de traba-lho informal no Estado de Alagoas tinham curso superior completo, en-quanto 19,36% eram sem instrução ou com menos de um ano de estudo,40,27% tinham o ensino fundamental incompleto e 10% tinham o primeirograu completo. As chances desses 70% serem absorvidos pelo mercado detrabalho formal são remotíssimas e a remuneração tende a ficar, na me-lhor das hipóteses, próxima ao salário mínimo.

A educação, além de dar independência, ajuda na promoção dasmudanças, tão necessárias à melhoria da qualidade de vida de um povo.Isso reforça a importância do papel do Estado enquanto agente promotorde políticas públicas estruturantes e compensatórias, com a capacidadede criar oportunidades de ascensão social via educação pública e cursosde capacitação técnica.

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GRAU DE ORGANIZAÇÃO E ESTABILIDADE DOS EMPREENDIMENTOS INFORMAIS

O baixo grau de organização do mercado informal, caracterizadopor um sistema operacional simplificado, guarda uma relação muito es-treita com o grau de escolaridade e a escassez de recursos, dificultandoao empreendimento estruturar-se de forma adequada. Essa dificuldadede organização se estende à articulação política entre esses pequenosempreendedores, enquanto classe social. Em Maceió, mesmo no merca-do da produção, que reúne grande número de feirantes, muitos não sãofiliados à associação de classe e o mesmo ocorre com grande número deempreendedores informais espalhados pela cidade, que se dizem céticosem relação à funcionalidade das associações.

Com pouco ou nenhum planejamento, os trabalhadores informaisagem isoladamente e por intuição, não tendo qualquer controle sobre oorçamento e dominando, apenas, a arte de vender ou produzir. Entre asempresas do setor informal de Alagoas, em 2003, apenas 4% fizeram usode serviços de informática para o desenvolvimento do empreendimentoe 6% utilizaram o serviço profissional de um contador. O resultado dessaequação é má-administração, vida curta do empreendimento, baixos ren-dimentos e prejuízos camuflados pela ausência de um bom planejamentotanto do orçamento quanto da produção.

A falta de planejamento, associada a baixos rendimentos e à ne-cessidade imediata de auto-sustento, impede a esses micro-empreende-dores separar uma provisão para manutenção do empreendimento e oenfrentamento de possíveis adversidades impostas pela dinâmica domercado, elevando o índice de insucesso.

Os indicadores de formalização mostram que a grande maioriadesses empreendimentos vive na clandestinidade, sem registro demicroempresa (95%), sem adesão ao simples (99%), sem licença municipalou estadual (85%), sem filiação a sindicatos ou associações (94%) e semconstituição jurídica (94%).

Uma questão pode ser colocada: por que alguns empreendedorescomeçam uma simples atividade informal, crescem em tamanho de pro-dução e de número de pessoas envolvidas no empreendimento, enquan-to outras desistem antes mesmo de completar um ano, se todos são sub-metidos às mesmas condições de mercado? Qual o elemento de diferen-

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ciação? As explicações vão desde o grau de formação do empreendedoraté as habilidades natas, passando pela disponibilidade de recursos e,acima de tudo, pelo grau de organização imposta ao empreendimento.

Esse padrão de organização é definido pela escolha adequada dolugar, pela qualificação técnica dos trabalhadores envolvidos na ativida-de, pela campanha publicitária para divulgação do produto, pelo contro-le sobre a qualidade e distribuição da produção no mercado. Às vezes, oempreendedor atinge apenas parte dessas exigências, perdendo espaçono mercado para seus concorrentes, a menos que ele domine um ofício aoqual mais ninguém consiga imitar, o que é pouco comum nesse mercado.É o grau de organização que vai definir o nível de fortalecimento do em-preendimento, associado a uma boa percepção empreendedora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados analisados denotam o elevado grau de pobreza e concen-tração de renda do Estado de Alagoas, traduzidos nas condições precárias devida de mais 60% de sua população, amargando indicadores socioeconômicosatribuídos, entre outras coisas: a) à incapacidade do Estado em dinamizar aeconomia por meio de estímulo à produção agrícola diversificada e à produ-ção industrial; b) à precariedade do sistema de educação pública, compro-metendo a qualidade de mão-de-obra disponível no mercado.

O desemprego, além de diminuir o volume de renda, comprometea dinâmica de seu fluxo circular, criando gargalos à sua distribuição entreos agentes econômicos sob a forma de salários, retraindo os investimentose privando grande parte da população do consumo de determinados bense serviços, imprescindíveis a seu bem-estar social. Em outras palavras, odesemprego estrangula o processo de desenvolvimento e produz mais de-semprego, num efeito cíclico,pela redução dos níveis de renda, consumo einvestimento. Vale ressaltar que se a arrecadação tributária incide sobre arenda e o consumo, níveis menores de produção, consumo e renda impli-cam, necessariamente, queda de receita tributária, a menos que haja au-mento de alíquotas. Este último expediente estimula a migração de empre-sas e trabalhadores para a informalidade.

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O principal elemento de diferenciação entre os mercados formal einformal é o grau de organização para o qual o nível de conhecimento e otempo de estudo fazem grande diferença. Pelas estatísticas, boa parte dostrabalhadores informais tem pouco tempo de estudo, especialmente oshomens que, na grande maioria das vezes, são os que assumem o coman-do do empreendimento. Com base nas pesquisas de campo, fica claro queesses empreendedores informais dominam o ofício, mas têm uma dificul-dade gigantesca em gerenciar o empreendimento em um ambiente degrande instabilidade, no qual cada empreendedor precisa ser um estrate-gista, mesmo no mercado informal.

Dentro do atual modelo de reprodução do capital ocorre um fenô-meno curioso e preocupante: o aumento da produção não tem resultadono aumento proporcional da absorção direta de mão-de-obra; em algunscasos, ocorre o inverso, a exemplo da indústria automobilística e das em-presas de telefonia. Embora a inovação tecnológica não seja o único fatorde expansão do desemprego, tem contribuído largamente com esse fenô-meno. A redução do desemprego é o grande desafio que está posto atémesmo para as economias capitalistas consideradas de primeiro mundo.Não se sabe se o colapso do sistema capitalista previsto por Karl Marxocorrerá algum dia, mas o atual modelo tem sido colocado em xeque àmedida que é cobrado a dar respostas aos desafios ora apontados.

Os níveis de desigualdade social, degradação ambiental e insta-bilidade econômica, vistos em âmbito global e reproduzidos nos espa-ços regionais e nacionais, parecem insustentáveis a longo prazo. A bus-ca obcecada pela satisfação das necessidades individuais tem provoca-do uma irracionalidade coletiva com efeitos negativos de grande pro-porção sobre toda a sociedade. Um exemplo disso é a corrida competiti-va entre as empresas, por meio da inovação tecnológica, resultando naredução de absorção de mão-de-obra que, por sua vez, concentra rendae diminui o mercado consumidor de forma contínua. A diminuição domercado consumidor parece tornar sem sentido a busca desenfreadapelo aumento de produtividade.

Em razão da baixa dinâmica de mercado da economia alagoana, éelevada a taxa de desemprego e o subemprego cresce a olhos vistos. Asatividades informais crescem diariamente e, com elas, a deterioração dasrelações de trabalho, cada vez mais distantes da proteção da legislação

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trabalhista. Homens, mulheres e crianças de todas as faixas etárias, compouca, muita ou nenhuma formação educacional, amontoam-se nainformalidade, na perspectiva de garantir a sobrevivência. Por piores quesejam as condições de trabalho e por menores que sejam os salários, asatividades informais são preferidas ao desemprego.

Assim como o setor industrial, o setor agrícola é pouco dinâmico ese resume à monocultura de cana-de-açúcar, fazendo com que quase 100%

dos produtos comercializados tanto no mercado formal quanto no infor-mal sejam oriundos de outros estados, aquecendo essas economias emdetrimento da economia alagoana que poderia estimular a diversificaçãoda atividade agrícola e industrial, tanto pelos incentivos fiscais quantopela liberação de crédito. Até mesmo o setor turístico tem perdido espaçopara outros estados, dada à precariedade de infra-estrutura e a elemen-tos conjunturais como a promoção de eventos culturais e de lazer.

Sendo os fatores de produção capital, trabalho e tecnologia, quan-to maior o investimento nesses fatores maiores as possibilidades de ex-pansão de determinado empreendimento. Como no mercado informalcapital e tecnologia são escassos, sendo abundante apenas o trabalho que,por sua vez, é pouco qualificado, são pequenas as chances de crescimentovertical das atividades informais, salvo raríssimas exceções. Por outro lado,pelas condições materiais desse trabalhador informal, são pequenas aschances de realização de investimentos na qualificação pessoal que im-plicaria o acesso a uma boa educação, condicionada a uma renda muitoacima da que ele recebe. Portanto, a expansão da informalidade se deve,em grande parte, ao ingresso de novos trabalhadores informais nestemercado atuando, quase sempre, como autônomo, e não à expansão dosempreendimentos já existentes.

O mercado informal não se desenvolve isoladamente, mas inte-grado ao mercado formal, constituindo um tecido denso, heterogêneo eem constante metamorfose. A renda produzida pelo mercado informal éutilizada para aquisição de bens e serviços produzidos formalmente, as-sim como o inverso também acontece. A imbricação entre os dois merca-dos não se resume ao fluxo circular da renda, mas às etapas do próprioprocesso produtivo.

A pobreza aguda associada à inoperância do Estado gera umimobilismo no tecido social, impedindo que pessoas muito pobres mu-

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dem sua condição social pelas barreiras que lhe são impostas. Uma pes-soa muito pobre além de não ter acesso a uma boa educação, não temacesso também a uma boa alimentação, moradia e, às vezes, a um traba-lho que lhe dê auto-afirmação enquanto cidadão. Na atual sociedade ca-pitalista em que as pessoas são avaliadas por sua capacidade de consu-mo, quem não dispõe de uma renda é amargamente discriminado.

A expansão das atividades informais é um reflexo do elevado ní-vel de desemprego, para o qual não existem propostas concretas de redu-ção e que gera, continuamente, insegurança, miséria, marginalidade eviolência urbana. Além de provocar gargalos ao próprio sistema de re-produção do capital, o desemprego representa um custo social sem pre-cedentes, refletido na precária qualidade de vida da população mais po-bre que vive abaixo da linha de pobreza e cujas necessidades imediatasde sobrevivência não são adequadamente atendidas.

Assim sendo, tal situação urge pela intervenção do Estado no sen-tido de dotar especialmente a população mais pobre do bem mais precio-so que é o conhecimento, por meio da distribuição da renda de formamais equânime, de modo a possibilitar a todos, e não apenas à minoria, oenfrentamento dessa tendência de mercado, caracterizada pela expansãodo trabalho autônomo e pela redução das relações de trabalho formais.Essa distribuição de renda poderia concretizar-se tanto por intermédiode maiores investimentos na área social, sobretudo na educação pública,quanto pela liberação de crédito para pequenos empreendedores e daredução percentual dos impostos indiretos10 que penalizam mais as clas-ses de baixa renda por meio do consumo11.

Tal intervenção, além de reduzir as desigualdades sociais com-pensaria os gargalos que o desemprego estrutural tem causado à dinâmi-ca do mercado pela retração do consumo. Ora, se todos tiverem a qualifi-

10 Impostos que incidem sobre o consumo, a exemplo do Imposto sobre Produtos Industrializados(IPI) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).11Segundo pesquisa no site da Receita Federal (www.receita.fazenda.gov.br), realizada em03/02/2005, pessoas que ganham até dois salários mínimos são tributadas em 13,13% de suarenda, por meio do consumo, enquanto as que ganham mais de trinta salários mínimos sãotributadas em 6,94%. Em outras palavras, a regressividade da carga tributária, caracterizadapor elevada participação dos impostos indiretos ou dos impostos que incidem sobre o consu-mo sacrifica mais as classes de baixa renda.

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cação mínima necessária e as condições materiais para desenvolveremalguma atividade, ainda que de forma autônoma, a tendência será a re-dução, quiçá a eliminação, do atual grau de desocupação. Uma boa quali-ficação técnica e condições materiais adequadas dariam mais qualidadeàs condições do trabalho autônomo, reduzindo os efeitos nocivos provo-cados pela expulsão de trabalhadores do mercado formal.

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