impacto da economia informal

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CRUZEIRO DO SUL INSTITUTO DE INVESTIGAO PARA O DESENVOLVIMENTO JOS NEGRO

Impacto da Economia Informal na Proteco Social, Pobreza e Excluso: A Dimenso Oculta daInformalidade em Moambique

PreparadoAntnio A da Silva Francisco1 Margarida Paulo2

Maputo, Maio 2006

1 Antnio Francisco, Economista (Lic.) e Demgrafo (Ph.D), Professor de Economia do Desenvolvimento na Faculdade de Economia da Universidade Eduardo Mondlane. O Prof. Antnio Francisco foi convidado a coordenar o presente trabalho na sequncia do falecimento inesperado do coordenador inicial, Prof. Jos Negro. A monografia da responsabilidade dos autores, podendo certas interpretaes e ideias no reflectir a perspectiva oficial do Cruzeiro do Sul. 2 Margarida Paulo, Cincias Sociais (Lic.), Antropologia Social (MA), investigadora/membro efectivo do Cruzeiro do Sul e docente na Faculdade de Letras e Cincias Sociais/Departamento de Antropologia e Arqueologia/Universidade Eduardo Mondlane.

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SUMRIOO trabalho anunciado no ttulo desta monografia analisa a economia informal e a proteco social, bem como os seus impactos, directos e indirectos, no desenvolvimento econmico e humano, na pobreza e na excluso social em Moambique. A resposta e os resultados que a monografia encontrou para as questes principais de pesquisa revelaram-se, de algum modo, surpreendentes, tanto para os promotores do estudo como para os organizadores e os prprios autores. A surpresa no por causa da revelao que a informalidade domina a sociedade moambicana. Afinal de contas, os nmeros aqui reunidos, segundo os quais a economia informal domina 90% da economia de Moambique, apenas confirmam o que as pessoas sentem e vivem na sua vida quotidiana. As surpresas reveladas neste trabalho tm a ver com os mitos e falcias em que as pesquisas sobre economia informal em Moambique tm acreditado. Do ponto de vista analtico e prtico, a presente monografia levanta um duplo desafio, um relacionado directamente com a economia informal e o outro com a proteco social. Sobre a economia informal, esta monografia pe a descoberto os inconvenientes da reduo da economia informal aos seus esteretipos e expresses mais vulgares: os vendedores que deambulam diariamente pelas ruas das cidades, vendendo todo o tipo de utenslios, desde roupa, comida, cassetes, ferramentas e muitos outros objectos; ou os pequenos empresrios que produzem, a partir de garagens de quintais, ou em qualquer lugar, longe dos registos estatsticos, das contas nacionais e contribuies fiscais. Em contra partida, esta monografia expe o imenso universo de informalidade oculta e sem qualquer enquadramento legal, porque o quadro legal institucional disponvel actualmente nunca teve, ou se teve perdeu, a sua relevncia social. Dado que as afirmaes e percepes no passam de meras opinies enquanto no so quantificadas, a monografia procura reunir e sistematiza factos, evidncias histricas, nmeros, ilustraes grficas e imagens documentais que, em conjunto, demonstram um fenmeno importante: Cerca de 90% da economia nacional, e da sociedade moambicana em geral, encontra-se mergulhada na informalidade. Isto vlido, tanto em relao ao mercado de trabalho, como para os mercados dos demais factores de produo: mercado de capitais produtivos e mercado de capital improdutivo imobilirio. Quanto proteco social, em vez de restringir a anlise aos mecanismos operativos e funcionais de dimenses especficas da segurana social, formal e informal, este estudo destaca duas dimenses importantes: 1) A dimenso dos direitos gerais dos cidados ao bem-estar social, dependendo da forma como so, ou no, consagrados no quadro legal institucional vigente no Pas; 2) A dimenso dos direitos especficos, atribudos e consagrados a grupos particulares (grupos vulnerveis, sistemas pblicos e privados de segurana social de trabalhadores por conta de outrem ou por conta prpria, seguros, poupanas, crdito, fundos solidrios, mutualidades) para preveno de riscos. A hegemonia da economia informa e a debilidade do quadro legal institucional, repercutem-se inevitavelmente numa grande fraqueza do sistema de proteco social em Moambique, tanto em relao primeira como segunda dimenso destacadas no estudo. Isto evidente em inmeros exemplos apresentados na monografia, incluindo o projecto de lei de proteco social que o Governo aprovou em Abril de 2006 e que se encontra presentemente na Assembleia da Repblica para aprovao. NoMoz: Cruzeiro do Sul e Centro de Estudos Africanos CEA, http://cea.iscte.pt Maio 2006

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referido projecto de lei, a dimenso e os aspectos relacionados com os direitos fundamentais dos cidados ao bem-estar, nem to pouco figuram no quadro das suas consideraes. A perspectiva actualmente prevalecente no Governo sobre proteco social privilegia o assistencialismo voluntarista, dependente de circunstncias e decises polticas arbitrrias, enquanto que em relao ao cidado em geral, se presume que a proteco social est garantida e devidamente adquirida. Porm, esta monografia mostra que a realidade bem diferente, o que s por si, permite perceber porque que a maioria da populao no possui melhor alternativa seno optar pela informalidade. Na prtica, os poucos e pequenos sistemas formais de proteco social existentes para grupos especficos, tm uma cobertura inferior dimenso da economia formal (menos de 5% de abrangncia nacional). Nestas circunstncias, populao moambicana resta-lhe uma alternativa. Desenvolver informalmente esquemas de proteco social, tanto em relao aos direitos pessoais e de propriedade, como esquemas e mecanismos especficos de preveno e mitigao de riscos e rupturas na segurana individual e familiar. O estudo considera que o sistema informal mais poderoso, extensivo e seguro que a maioria da populao moambicana possui, continua a ser a sua prpria produo agrcola de subsistncia. Tanto no perodo colonial, como em todas as grandes e pequenas crises que Moambique viveu nas dcadas passadas, o principal amortecedor de rupturas tem sido a agricultura de subsistncia. No obstante a sua fraca produtividade e limitaes tecnolgicas, a agricultura de subsistncia representa, para a maioria da populao, melhor seguro contra riscos de ruptura e crises de vrio tipo do que, por exemplo, a ajuda internacional mobilizada pelo Governo. Directamente associado, mas nem sempre, actividade econmica principal, a agricultura e pecuria, o estudo identifica uma vasta gama de sistemas informais. Mais de uma dzia de sistemas informais de entreajuda so referidos. Tais sistemas assentam em relaes de solidariedade entre familiares, parentes, amigos, vizinhos e relaes profissionais. Entretanto, a monografia defende ainda que os mecanismos informais tm uma eficcia limitada porque, entre vrias razes, carecem de enquadramento institucional legal e sistemtico. Trata-se de sistemas legtimos, porque socialmente teis e reconhecidos pela generalidade das pessoas, mas enfermam de uma grande limitao. No dispem de enquadramento legal institucional, o que eleva fortemente os riscos e custos na tentativa de se salvaguardar uma proteco social efectiva. Por este motivo, o estudo defende ser preciso debater as ambiguidades da informalidade, com frontalidade e viso estratgica de longo prazo. Presentemente, a ausncia duma estratgia governamental, adequada, explcita, clara e sistemtica, coloca toda a sociedade inteiramente dependente de decises polticas, circunstanciais e ad hoc, e por isso de elevado risco. A explicao para a ausncia duma estratgia sobre informalidade, explcita e abrangente, pode ter a ver com as ambiguidades existentes no prprio modelo de desenvolvimento econmico prevalecente em Moambique. Um dos mitos mais vulgarizados actualmente que Moambique est a edificar uma economia de mercado. Porm, como se defende neste estudo, h mais evidncias e razes para se considerar a actual economia moambicana como uma economia mercantilista, do que uma economia de mercado. Isto porque, o quadro institucional legal assenta num direito de estado, em vez de um estado de direito, e a economia nacional assenta mais na oferta e procura de privilgios e influncias de natureza poltica, do que na concorrncia de mercado.Moz: Cruzeiro do Sul e Centro de Estudos Africanos CEA, http://cea.iscte.pt Maio 2006

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Esta situao compreensvel e explicvel, a partir de evidncias histricas, mais ou menos distantes no tempo, em que Moambique enveredou por opes nacionais pelo atraso, em vez do progresso. No entanto, na perspectiva desta monografia, a opo nacional pelo atraso no uma fatalidade, nem uma maldio sobrenatural a que a sociedade moambicana deve resignar-se. Desde que se distinga bem a realidade, como ela , dos mitos, falcias e faz-de-contas, como nos aparenta ser, deve ser possvel evitar a situao fatalista, brilhantemente captada pela seguinte expresso: Num pas do faz de conta, tudo acaba em tanto faz.3 Moambique ainda pode ir a tempo de evitar permanecer um pas de faz de conta, mergulhado no pntano do tanto faz. S que para isso, ser preciso que a sociedade distinga a informalidade socialmente til e saudvel, da informalidade anti-social e prejudicial para o desenvolvimento duma economia prspera e sustentvel a longo prazo, e dum sistema de proteco social, vivel e estvel. Enquanto a primeira precisa de ser legalmente enquadrada, num quadro institucional socialmente relevante, a segunda precisa de ser combatida, por todos os danos que causa na proteco social e forma como contribuiu para a persistncia da pobreza e da excluso social.

Os autores desconhecem a autoria da frase, supostamente duma cano brasileira, mas agradecem a sua referncia e sugesto Dra. Isabel Casimiro.Moz: Cruzeiro do Sul e Centro de Estudos Africanos CEA, http://cea.iscte.pt Maio 2006

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TABELA DE CONTEDOSUMRIO ...............................................................................................................iii

TABELA DE CONTEDO ................................................................................ vi Abreviaturas .............................................................................................. viiiLISTA DE TABELAS .................................................................................................ix LISTA DE FIGURAS.................................................................................................ix LISTA DE CAIXAS ...................................................................................................xi

Introduo.................................................................................................... 1 1. Apresentao do Estudo e Reviso Crtica dos Conceitos .......................... 21.1. Questes de Diagnstico ................................................................................. 3 1.2. Questes de Aco .......................................................................................... 4 1.3. Objectivos da Investigao ............................................................................. 5 1.4. Metodologia e Fonte de Dados ........................................................................ 5 1.5. Limitaes do Estudo ...................................................................................... 7 1.6. Delimitao dos Conceitos de Informalidade e Proteco Social ..................... 8

2. Contextualizao Histrico e Institucional: Proteco Social e Economia Informal ..................................................................................................... 162.1 Informalidade Institucional: Histrica, Poltica, Jurdica e Econmica ............16 2.2 Quadro Legal Fundamental da Proteco Social e da Informalidade ...............17 2.3 Contexto Histrico e Institucional da Informalidade .......................................23

3. Dimenso Visvel e Oculta da Economia Informal ............................................... 413.1 Mercado de Trabalho e Economia Informal .....................................................41 3.2 Entrevistas de Campo no mbito do Presente Projecto ...................................46 3.3 Mercado de Capital: Produtivo, Comercial e Financeiro ...................................51 3.4 Mercado Negro ou Subterrneo: Roubo, Trfico de Mercadorias e de Influncias e Corrupo ........................................................................................56 3.5 Economia de Activos Fundirio e Imobilirio versus Informalidade ................62

4. Proteco Social como Mecanismo de Mitigao de Riscos ..................... 704.1 A Literatura sobre Proteco Social e Estratgias de Sobrevivncia................71 4.2 Pirmide da Estrutura Social, a Burguesia CCCC e Proteco Social.............71 4.3 Proteco Formal Pblica e Privada ................................................................72Moz: Cruzeiro do Sul e Centro de Estudos Africanos CEA, http://cea.iscte.pt Maio 2006

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4.4 Proteco Social Informal: Estratgias de Sobrevivncia e Segurana............80

5. Consideraes Gerais sobre os Resultados Principais ............................. 895.1. Questes Fundamentais e Gerais da Pesquisa................................................89 5.2. Questes de Diagnstico ................................................................................95

7. Linhas de Aco: Economia Informal e Proteco Social......................... 99 8. Referncias Bibliogrficas Relevantes .................................................. 107

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AbreviaturasAEMO Associao dos Economistas de Moambique ASDI Agncia Sueca para o Desenvolvimento ASSOTI Associao dos Mercados e Pequenas Actividades BdM Banco de Moambique BM/WB Banco Mundial/World Bank CAP Censo Agro-Pecurio CEMPRE Censo de Empresas CENE Comisso Nacional de Emergncia CTA Confederao das Associaes Econmicas de Moambique DNPO Direco Nacional do Plano e Oramento DPCCN Departamento de Preveno e Combate as Calamidades Naturais FMI/IMF Fundo Monetrio Internacional GAPI, SARL Sociedade de gesto e Financiamento para a Promoo das Pequenas e Mdias Empresas GAPVU Gabinete de Apoio a Populao Vulnervel GdM Governo de Moambique HIV Human Immunodificiency Virus IAF Inqurito aos Agregados Familiares (1996-97, 2002-03) IDIL Instituto Nacional de Desenvolvimento da Indstria Local ILE ndice de Liberdade Econmica INAS Instituto Nacional para Aco Social INE Instituto Nacional de Estatstica INGC Instituto Nacional de Gesto das Calamidades Naturais INSS Instituto Nacional de Segurana Social MADER Ministrio da Agricultura e Desenvolvimento Rural MAE Ministrio da Administrao Estatal MF Ministrio das Finanas MIC Ministrio da Indstria e Comrcio MICAS Ministrio de Coordenao para Aco Social MICOA Ministrio para a Coordenao da Aco Ambiental MISAU Ministrio da Sade MPF Ministrio do Plano e Finanas OGE Oramento Geral do Estado ONGs Organizaes no-governamentais OTM-CS Organizao dos Trabalhadores de Moambique Central Sindical PAF Performance Assessment Framework (Quadro de Avaliao do Desempenho) PALOP Pases Africanos de Lngua Oficial Portuguesa PARPA Programa de Alivio e Reduo da Pobreza Absoluta PES Plano Econmico e Social PG Programa do Governo PIB Produto Interno Bruto PMA Programa Mundial Alimentar PNUD/UNDP Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (United Nations for Development Programmes) PS Proteco Social PSP Proteco Social Pblica PST Proteco Social Tradicional QUIBB Questionrio de Indicadores de Bem-Estar RDHM Relatrio do Desenvolvimento Humano de Moambique SIDA Sndrome de Imunodeficincia Adquirida UNAC Unio Nacional de Camponeses UTRESP Unidade Tcnica da Reforma do Sector Pblico

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LISTA DE TABELASTabela 1. Tabela 2. Tabela 3. Tabela 4. Tabela 5. Tabela 6. Tabela 7. Tabela 8. Tabela 9. Tabela 10. Tabela 11. Tabela 12. Tabela 13. Tabela 14. Dilemas e paradoxoes da informalidade .............................................. 13 Tipos de actividades econmicas e de proteco social: formais, Costumeiras e Informais ................................................................... 15 Evoluo da incindncia e profundidade da pobreza em Moambique, 1996-20003 .................................................................................... 31 Mudanas na desigualdade no tempo e entre provncias em Moambique, 1997-2003 .................................................................. 33 Projeco da populao economicamente activa, formal e informal, Moambique 2005............................................................................ 42 Informalidade da Populao Economicamente activa em Moambique, 2005.............................................................................................. 46 Profisses dos Pessoas Entrevistadas no Trabalho de Campo .................. 47 Instituies de Crdito e Sociedades Financeiras em Moambique ........... 53 Distribuio geogrfica de agncias de bancos comerciais ...................... 54 Estimativa do capital improdutivo imobilirio e fundirio urbano e rural em Moambique, 2005 ..................................................................... 68 Associaes, ONGs e Instituies do Governo que Trabalham na rea do Micro Crdito, Excluso Social e Pobreza ......................................... 77 Comparao da Estrutura da Economia Rural Antes e Depois da independncia, Moambique 1970 e 2000-01....................................... 83 Formas de Redes Informais de Segurana Social em Moambique ........... 84 Tipos de Actividades Econmicas Informais relevantes para a proteco social ............................................................................................. 96

LISTA DE FIGURASFigura 1. Figura 2. Figura 3. Figura 4. Figura 5. Figura 6. Figura 7. Figura 8. Pirmide da informalidade na economia de Moambique ....................... 10 Proteco dos direitos de propriedade e renda per capita ....................... 20 Distribuio dos sistemas de prosse da terra em pases da frica Austral seleccionados, em percentagem do territrio nacional ........................... 21 Evoluo da populao urbana e rural, 1960-2005................................ 23 Tendncia das taxas de crescimento rural e urbano em Moambique, 1955-2005...................................................................................... 24 Impacto da cupao informal dos centros rrbanos de Moambique, Grande Hotel na Beira em 2005 e em 1975 ......................................... 26 Evoluo das taxas de crescimento demogrfica, econmica e do desenvolvimento, 1960-2005 ............................................................ 28 Pobreza humana em Moambique, 2003 ............................................. 29Maio 2006

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Figura 9. Figura 10. Figura 11. Figura 12. Figura 13. Figura 14. Figura 15. Figura 16. Figura 17. Figura 18. Figura 19. Figura 20. Figura 21. Figura 22. Figura 23. Figura 24. Figura 25. Figura 26. Figura 27. Figura 28. Figura 29. Figura 30. Figura 31. Figura 32. Figura 33. Figura 34. Figura 35. Figura 36. Figura 37. Figura 38. Figura 39. Figura 40.

Comparao do PIB real per capita, salrio real nacional e salrio real mediano na Administrao Pblica, 1970-2000..................................... 30 Vulnerabilidade e Desigualdade em Moambique .................................. 32 Incidncia da Pobreza e Condies das Estradas, 1996-97 ..................... 33 Curvas de Lorenz do IAF 1996-97 e IAF 2002-03, Moambique............... 34 Curvas de Lorenz da Zambzia e da Cidade de Maputo, IAF 2002-03 .... 34 Evoluo do ndice de liberdade ecomica para pases seleccionados, 1995-2006...................................................................................... 35 Evoluo do ndice de liberdade em Moambique, 1995-2006 ................. 35 Tempo para abrir uma empresa (em dias) ........................................... 36 Determinantes Macro do Maior ou Menor Crescimento Econmico e da Informalidade, 2004......................................................................... 40 Trabalhadores rurais em actividades agro-pecurias por sexos e idades, Moambique 2000-01 ....................................................................... 43 Trabalhadores em actividade remunerada, Moambique QUIBB 2001 ...... 44 Trabalhadores em actividade remunerada, Moambique CEMPRE 2002 .... 44 Distribuio da populao ocupada em actividades no agrcolas, Moambique 2001............................................................................ 44 Distribuio das categorias ocupacionais no comrcio e servios, Moambique 2002............................................................................ 45 Mercado de Xipamanine .................................................................... 48 Vendedores nos Passeios da Cidade.................................................... 51 Peso da economia informal no PIB dos pases africanos, 1999/2000 ........ 51 Promoo da economia informal na produo comercializada, 1997......... 52 Peso da economia informal no valor acrescentado, Moambique 1997 ..... 52 Nmero de contribuintes por grupo de tributao, Moambique 1999 ...... 54 Impostos de reconstruo nacional, Moambique 1999.......................... 55 Imposto sobre o valor acrescentado, Moambique 2004 ........................ 56 Posse de ttulo das parcelsa agro-pecurias em Moambique, 20002001.............................................................................................. 64 Exploraes com acesso a crdito formal, Moambique 2000-01 ............. 64 Produo agrcola per capita, Moambique 1961-2003........................... 64 Imveis habitacionais em processo de alienao pelo Estado, Moambique 2002............................................................................ 67 Percentagem dos oimveis vendidos j com ttulos atribuidos, Moambique 2002............................................................................ 67 A Pirmide social de Moambique ....................................................... 72 Donativos externos em Moambique, 2001-2003.................................. 75 Desigualdade nos Vencimentos Base Bnus Especiais dos Funcionrios Pblicos em Moambique, 2003-04..................................................... 79 Coeficiente de Gini na Administrao Pblica e na Sade-MISAU, 20012002.............................................................................................. 79 Evoluo dos ndices de produo agrcola, Moambique 1960-2005........ 82Maio 2006

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Figura 41. Figura 42.

Evoluo de algumas prticas costumeiras e informais em Moambique ... 85 Direitos de proriedade, informalidade e proteco social ........................ 97

LISTA DE CAIXASCaixa 1. Caixa 2. Caixa 3. Que no nos chamem informais....................................................... 12 O Cardeal do Diabo Viva a pobreza!................................................ 31

Entrevista a um dono de chapas e trabalhador por conta prpria.. 48 Do formal para o informal....................................................... 49 Entrevista a uma Vendedora de Roupas usadas no Dumbanengue (mercado informal)........................................... 50 Expresses da Informalidade Ilcita e Criminosa......................... 58 O Caso Madjermane: Informalidade Delituosa de Trabalhadores pelo Estado...................................................... 60 Corrupo galopante em Moambique ...................................... 61 Proprietrios Formais e Informais da Terra................................ 68

Caixa 4. Caixa 5. Caixa 6. Caixa 7. Caixa 8. Caixa 9.

Caixa 10. Um Imvel no contabilizado no formal e no informal Informalizao do Formal ....................................................... 69 Caixa 11. Informalizao do Formal ....................................................... 73 Caixa 12. Estender a mo cansa ......................................................... 74 Caixa 13. Apreciao Humorstico: Ajuda Internacional, Crime e Trabalho ... 76 Caixa 14. Percepes sobre o INSS de Moambique ................................. 78 Caixa 15 Economia Mercantilista versus Economia de Mercado.................. 90 Caixa 16. Percepes sobre uma economia mercantilista........................... 91 Caixa 17. O Governo no quer assumir o peso do informal ..................... 93 Caixa 18. Atentado sade pblica ....................................................... 95 Caixa 19. O pesadelo de fazer negcio em Moambique ............................ 99 Caixa 20. O Projecto de Lei de Proteco Social do Governo.................. 104

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IntroduoO presente trabalho foi concebido e realizado em torno da seguinte questo principal: Em que medida e atravs de que processos a economia informal caracterizada por uma deficiente capacidade de garantir a proteco social e, consequentemente, se apresenta como incapaz de reduzir a pobreza e a excluso social? Esta hiptese geral prope, segundo o Caderno Conceptual e Metodolgico (Feliciano et al. 2005) do projecto desta pesquisa, que as rpidas e profundas evolues socioeconmicas que ocorrem em cada um dos Pases de Lngua Oficial Portuguesa (PALOP) transformaram a estrutura e dinmicas da economia informal, conduzindo determinados indivduos, grupos e territrios excluso social e privao dos benefcios do desenvolvimento econmico. Mas ser isto verdade, ou pelo contrrio, o prprio desenvolvimento econmico insuficiente ou, em certos perodo at mesmo regressivo, o que priva a sociedade duma proteco social minimamente adequada, vivel e sustentvel a longo prazo? Dado que a proteco social formal ainda um sistema muito pouco abrangente, a nvel nacional, a populao praticamente no pode contar com ela na sua vida quotidiana, para prevenir e minimizar a pobreza. Na prtica, acabam por ser as redes de proteco informal que desempenham o papel fundamental na amortizao de alguns dos efeitos negativos desta lacuna. Contudo, o facto da interdependncia entre a proteco social e a economia informal determinar estruturalmente as estratgias dos principais actores do desenvolvimento, tais mecanismos podem ser relativamente efectivos, a curto e mdio prazo, mas no necessariamente sustentveis para, a longo prazo, proporcionarem opes viveis, expansivas e duradoiras para o bem-estar, a proteco e prosperidade da populao em geral. Algumas anlises chamam a ateno para o declnio das formas tradicionais de proteco social, sob efeito da urbanizao e dos modos de vida e consumos de modelo ocidental, bem como questionam a prpria eficcia e sustentabilidade duma proteco social, maioritariamente assente na informalidade. Do ponto de vista analtico e metodolgico, o facto da proteco social constituir a referncia principal deste estudo, tem uma dupla importncia. Primeiro, fica imediatamente evidente que a finalidade principal do estudo no estudar a economia informal, em si prpria, mas sim na sua relao com a proteco social. Em segundo lugar, pode-se antecipar que a qualidade do produto final deste estudo dependa, em primeiro lugar e predominantemente, do quadro analtico e das definies operacionais utilizadas, tanto em relao informalidade como prpria proteco social. A monografia demonstra, antes de mais nada, que um quadro analtico e metodolgico de estudo da economia informal adequado e suficiente abrangente para a compreenso da proteco social, de modo algum pode ser o tipo de quadro convencionalmente aceite e circunscrito aos esteretipos da informalidade; geralmente as actividades de trabalho comercial e financeiras retalhistas, e outras profisses liberais urbanas, nomeadamente os vendedores ambulantes que ocupam as ruas mais movimentadas das principais cidades de Moambique. De facto, a informalidade abrange aspectos que so muito mais complexos e profundos, razo pela qual so difceis de observar a olho nu; por exemplo, as distores que comprometem a concorrncia de mercado entre os agentes econmicos, a sonegao de impostos, a fuga ou mesmo violao de obrigaes legaisMoz: Cruzeiro do Sul e Centro de Estudos Africanos CEA, http://cea.iscte.pt Maio 2006

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de toda a ordem e, em particular, o desrespeito pelo direito de propriedade, tanto material (fundiria, imobiliria e outras) como intelectual (CDs, DVDs, etc.). O presente estudo demonstra como todos os mercados dos factores de produo (trabalho, capital, terra e criao intelectual) esto directamente relacionados com a problemtica da proteco social, incluindo as formas de mercado paralelo e explicitamente ilcitas e delituosas. Estas ltimas, particularmente quando assumem propores e dimenses elevadas, podem influenciar negativamente, tanto o mercado formal como o mercado informal extralegal. Logo, so inmeros os prejuzos e danos que a informalidade premeditada, explicitamente ilegal e anti-social, provocam na proteco social, quer seja directamente (pela reduo de recursos financeiros e materiais pblicos e privados) quer indirectamente, pelo efeito corrosivo que exerce no tecido social e institucional, nomeadamente: o enfraquecimento dos mecanismos de segurana social e permissividade crescente sensao de impunidade e aceitabilidade social da informalidade. Tal como a questo principal da presente pesquisa, acima referida, est formulada, fica-se com a impresso que a economia informal deficitria e carente de proteco social. A ser verdade, acredita-se que a economia informal dificilmente poder reduzir a pobreza e a excluso social das pessoas. No entanto, esta presuno, por mais plausvel que possa parecer, primeira vista, no deve ser imediatamente tomada como bvia, incontroversa e dispensvel de fundamentao. Para alm dos argumentos a favor da economia informal, defendidos por certos autores (Meagher, 1995; de Soto, 1989, 2002), a prpria proposta inicial do presente projecto de investigao (Feliciano, 2004) reconhece que o sistema de proteco formal, em pases como Moambique, apresenta um alcance muito reduzido. A dvida saber se as formas de proteco social comunitrias, assentes em regras tradicionais e administradas por lderes tradicionais, tm estado a perder a capacidade de proteco das pessoas, originando um aumento dos efectivos de pobres e excludos, ou se, a sua influncia por vias informais incapaz de oferecer alternativas e complementar as limitaes do sistema de proteco formal. Este tipo de dvidas, reforadas pelas controversas e interpretaes ambguas que a economia informal geralmente suscita, tm conduzido a um renovado interesse pelo papel da economia informal. Por um lado, isto traduz um crescente reconhecimento, se bem que lento ou mesmo contrariado, quanto ao significado que a economia informal assume na vida da sociedade. Por outro lado, ainda que a interdependncia entre economia informal e proteco social seja estruturante de estratgias, tanto de sobrevivncia como de multiplicao de oportunidades de expanso do valor acrescentado e da riqueza na sociedade, tais estratgias parecem produzir resultados pouco eficazes e eficientes para a proteco social. Uma resposta adequada s questes, ambiguidades e contradies observadas entre a proteco social e a economia informal, poder permitir identificarem-se estratgias de reforo e expanso da proteco social para os cidados e, em particular, definir prioridades, identificar mecanismos eficazes de interaco entre proteco social formal e informal.

1. Apresentao do Estudo e Reviso Crtica dos ConceitosA problemtica identificada e expressa na questo principal, acima referida, conduziu a duas sub-hipteses mais especficas:

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1. A expanso e hegemonia da economia informal, embora garanta a sobrevivncia duma parte significativa da populao, por si s no reduz a pobreza nem a excluso social. 2. A chave para a superao das limitaes da economia e da proteco social informais estar na reconsiderao e mudana do quadro institucional das relaes de interdependncia entre os mecanismos formais (legais) e informais (extralegais e ilegais) da economia e da proteco social. Por si s, e isoladamente um do outro, os sectores formal e informal possuem uma capacidade limitada para influenciar na reduo da pobreza e da excluso social. Destas hipteses de pesquisas, dois tipos de questes orientadoras do estudo emergiram: 1) Questes de diagnstico, cuja resposta contribuir para um melhor conhecimento das realidades em anlise; e 2) Questes da aco a ser desenvolvida, no sentido duma interveno prtica sobre a realidade especfica do pas. As dvidas especficas, associadas a cada um destes dois grupos de questes, foram detalhadas na Proposta inicial do Projecto de Pesquisa (Feliciano, 2004) e no Caderno Conceptual e Metodolgico (Feliciano et al., 2005), atravs de uma srie de interrogaes. Por razes de tempo e limitaes metodolgicas, certamente no ser possvel responder satisfatoriamente a cada uma e a todas as interrogaes levantadas, pois o material primrio reunido no foi suficiente nem apropriado. Porm, para benefcio do leitor e utilizador deste estudo, vale a pena destacar as questes utilizadas como guia de referncia na elaborao da presente monografia.

1.1. Questes de DiagnsticoO Caderno Conceptual e Metodolgico apresenta uma lista bastante extensiva de interrogaes, tais como: A economia informal integra mecanismos de proteco social? Ou seja, qual o lugar da proteco social na economia informal? As formas tradicionais de proteco social tm efectivamente diminudo com o desenvolvimento da economia informal ou, pelo contrrio, permanecem activamente sob formas idnticas ou diferentes e mais subtis em diferentes sectores dessas actividades? Em que medida as redes e relaes sociais geradas e alimentadas no mbito das actividades econmicas informais constituem um factor decisivo na promoo da coeso social, na atenuao dos conflitos latentes que a pobreza e a precariedade fazem surgir? No que diz respeito proteco social, em termos mais genricos, como est ela organizada e quais as dinmicas a ela associadas? Quais as formas de proteco social comunitria que se desenvolvem e intensificam, quais as que foram abandonadas e a que tipo de grupos elas se associam? Quais as diferenas, entre a proteco social comunitria no contexto urbano e contexto rural? Ser que existe declnio da proteco social em meio urbano? Ser que a proteco social urbana diferente daquela que se processa no meio rural? E em diferentes grupos? Ser que o declnio da proteco social comunitria se exprime em novas formas de excluso social que afectam indivduos e certos grupos?Maio 2006

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Qual o valor a atribuir aos diferentes vectores da proteco social (famlia, comunidade, sociedade civil, mercado, Estado)? Ser que os mecanismos da proteco social comunitria, associados s actividades informais complementam, anulam, tornam dispensvel a extenso da proteco social institucional? Que implicaes sobre o sistema de proteco social comunitria resultam da intensificao da monetarizao das trocas, da consolidao da economia de mercado, do processo de urbanizao acelerada? E que repercusses resultaro dessas transformaes no que se refere ao empobrecimento e excluso social? Que novas formas de excluso social surgem da redefinio das modalidades da proteco social comunitria? Ser que se assiste, nos PALOP, a uma transio entre as formas de proteco social comunitria informal e novas formas mais organizadas e formalizadas?

1.2. Questes de AcoAs questes de aco, enunciadas no Caderno Conceptual e Metodolgico, a lista no menos extensiva que a lista anterior, incidindo nas formas de articulao entre a proteco social formalmente legalizada (o que no texto se designa por institucional) e a proteco social comunitria e das possibilidades e modalidades de extenso da proteco social. Que tipo de sistema de proteco social se pode construir, a partir da estrutura e dos nveis de proteco social institucional existentes, em que as actividades informais desempenham um papel estruturante de organizao, de funcionamento da economia e da sociedade? Que importncia a atribuir ao conhecimento das experincias realizadas noutras latitudes relativas acomodao de modalidades modernas de proteco social em contextos no estruturados? Que nvel de formalizao das actividades informais e do seu enquadramento institucional se revela necessrio para tornar eficazes as modalidades modernas de proteco social? Como articular a formalizao e a extenso da proteco social com a organizao tradicional da sociedade e com as estruturas tradicionais de redistribuio de recursos e de proteco comunitria? A definio das estratgias deve assentar sobre o desenvolvimento em simultneo da extenso da proteco social e o fomento do crescimento econmico ou dever a proteco social ser introduzida apenas numa fase mais consolidada de criao de riqueza? Ou seja, possvel demonstrar que a existncia ou inexistncia de proteco social se relacionam directamente com a capacidade ou incapacidade da economia informal para reduzir a pobreza? Quais as prioridades e os mecanismos que devem ser estabelecidos para orientar as estratgias de extenso da proteco social? Que tipo de interaces devem ser estabelecidas entre a proteco social formal e a informal? Qual o papel da proteco social na formalizao da economia? Que tipo (s) e modalidade (s) de proteco social permite (m) fazer face pobreza e excluso social? Como formalizar a proteco social sem formalizar a economia? Que complementaridades se podero explorar como resultado de diferentes solues combinatrias entre mecanismos de proteco social de natureza colectiva e mecanismos de proteco social de natureza individual? Ou seja, que potencialidades e que limites oferece a economia informal na reduo ou mesmo erradicao daMoz: Cruzeiro do Sul e Centro de Estudos Africanos CEA, http://cea.iscte.pt Maio 2006

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pobreza? Como se pode alargar a proteco social institucional aos operadores da economia informal? Qual a eficcia dessa extenso? Como mobilizar os diferentes segmentos e actividades da economia informal no sentido de os tornar contribuintes efectivos do sistema de proteco social?

1.3. Objectivos da InvestigaoDe uma lista to extensiva de dvidas e questes para investigar, como a que se apresenta acima, a equipa de pesquisa identificou quatro objectivos especficos para a presente monografia (Feliciano, 2004): 1. Organizar e sistematizar o conhecimento sobre as temticas abordadas economia informal, pobreza e excluso social, proteco social, com base na reviso da literatura e estudos existentes e na recolha emprica de novos dados, incluindo a auscultao de especialistas nas respectivas reas; 2. Delimitar conceitos, problematizar a sua adequao ao contexto africano, nomeadamente o de excluso social, construir grelhas de indicadores para viabilizar a anlise comparativa de espaos diferenciados; 3. Identificar e caracterizar a natureza, modalidades, incidncias, impactos e efeitos relativamente proteco social, pobreza/excluso social, economia informal, bem como analisar de forma integrada, as inter-relaes que se geram entre estes fenmenos; 4. Identificar estratgias de aco e propor medidas que possam contribuir para minimizar e eventualmente superar as limitaes dos sistemas de proteco social principais.

1.4. Metodologia e Fonte de DadosA metodologia usada na pesquisa em Moambique baseou-se na orientao apresentada no Caderno Conceptual e Metodolgico produzido no 1 Seminrio de Lisboa em 2005. Primeiramente, procedeu-se a uma reviso e recolha de artigos e documento na literatura secundria relevante. De seguida, foi efectuado um trabalho de campo, recorrendo a mtodos qualitativos, nomeadamente entrevistas semiestruturadas, tanto individuais como a grupos focais e entrevistas especializadas.

1.4.1 A literatura secundria sobre a informalidadeA literatura relevante sobre a economia informal em Moambique abrange mais de uma centena de trabalhos, com resultados de qualidade variada, mas de uma maneira geral, teis para um estudo sistemtico das relaes de interdependncia entre a economia informal e proteco social, suas consequncias, directas ou indirectas, bemestar e pobreza, na desigualdade e excluso social. Num primeiro esforo de caracterizao das principais formas de informalidade em Moambique, debruou-se na apreciao e classificao das fontes secundrias, susceptveis de serem utilizadas para responder questo principal e aos objectivos especficos que motivaram este estudo. Da classificao realizada, pelo menos oito grupos temticos relevantes podem ser identificados, com destaque para os seguintesMoz: Cruzeiro do Sul e Centro de Estudos Africanos CEA, http://cea.iscte.pt Maio 2006

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temas: 1) Quadro jurdico e normativo do sistema econmico prevalecente em Moambique; 2) Informalidade relativa aos activos fundirios, imobilirios e assentamentos populacionais; 3) Informalidade no mercado de trabalho; 4) Aspectos macroeconmicos da economia informal; 5) O mercado subterrneo das actividades ilcitas e delituosas; 6) Informalidade nas relaes institucionais e regras de jogo polticas e econmicas; 7) Pobreza, desigualdade e excluso social; 8) Estratgias de sobrevivncia e segurana social. Destes oito grupos temticos, parte foram, reconhecidos como relevantes para o estudo da economia informal, tanto como fenmeno em si prprio, como na sua relao com a proteco social e outras dinmicas da economia, desenvolvimento nacional, pobreza e excluso social. A outra parte, raramente figura nas revises convencionais sobre economia informal. Isto deve-se aos pressupostos sobre o universo da economia informal tomados como adquiridos e implcitos nas pesquisas realizadas, o que fica patente a tendncia de se circunscrever a anlise s actividades do mercado de trabalho e do financeiro. Aceitar que a anlise da interaco entre economia informal e proteco social ficasse prisioneira dos quadros estereotipados e restritos dominantes na literatura convencional, seria contraproducente para a qualidade do presente estudo. No mbito da proteco social e econmica dos cidados, a incluso dos grupos temticos frequentemente ignorados, so postos considerao, porque permite captar a realidade relevante da informalidade nas relaes sociais e econmicas importantes para a proteco social. Outro tipo de fonte bibliogrfica til abrange literatura jornalstica. Bem ou mal, este tipo de literatura reflecte o quotidiano da economia informal e da sociedade em geral. Devido natureza complexa e de rpidas adaptaes que caracteriza a informalidade, no invulgar que certos aspectos da economia informal no tenham merecido a ateno de pesquisa cientficas e acadmicas. No entanto, as informaes divulgadas na imprensa escrita fornecem, com maior ou menor preciso e correco, hipteses de anlise que merecem ser tomadas em considerao. Mesmo admitindo que certas informaes jornalsticas carecem de confirmao de estudo cientfico e tcnico, no mnimo, elas podem ser tomados como hipteses do senso comum que merecem uma reflexo, pesquisa e resposta fundamentada. Por isso, a monografia recorrer extensivamente a este tipo de fonte, complementando as referncias com testemunhos digitalizados, em caixas temticas relacionados com os temas tratados.4

1.4.2 Informao primria adicional sobre a informalidadeAdicionalmente, uma outra metodologia privilegiada no presente estudo foram os mtodos qualitativos, atravs da recolha de histrias de vida, entrevistas semiestruturadas, grupos focais e entrevistas especializadas. Com base nesta metodologia foram realizadas entrevistas, individuais e colectivas em duas cidades de Moambique (Maputo e Nampula), bem como entrevistas especializadas com associaes locais, instituies do Estado, organizaes no governamentais nacionais, associaes do sector informal e associaes do sector privado. As entidades contactadas esto vocacionadas para capacitao e formao dos operadores do sector informal. Das entidades mencionadas, o Instituto Nacional de Segurana Social a nica Instituio do Estado que opera na rea da segurana social formal.4

A bibliografia principal no inclui a extensiva lista de referncias jornalstica. As referncias so perfeitamente identificveis onde so referidas, pelo menos a primeira vez, para alm de que na maioria dos casos, tais referncias carecem dos requisitos duma referncia bibliogrfica convencional.Maio 2006

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Numa primeira fase do trabalho de campo, em Agosto de 2005, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas que serviram de base para a seleco dos indivduos do Pas a serem registadas as histrias de vida, efectuadas em Setembro e Outubro do mesmo ano. A seleco desses indivduos obedeceu Base de seleco das entrevistas/histrias de vida apresentada no Caderno Conceptual (p. 10), a qual privilegia a seleco dos indivduos de acordo com o tipo de actividade desenvolvida, sexo, grupo etrio, origem, e residncia. Tambm foram realizadas entrevistas especializadas a instituies ligadas ao crdito, poupana e proteco social. Do material e mtodos j referidos, a equipa de Moambique recorreu tambm outra forma de recolha de informao, a quantitativa. Preparou e preencheu um conjunto de nove grelhas de indicadores de enquadramento, econmico, economia informal, poltico, social, proteco social pblica, proteco social privada, proteco social tradicional, pobreza e excluso social, e interaces entre economia informal, proteco social e pobreza e excluso social, que ajudaram a perceber o impacto da economia informal na reduo da pobreza em Moambique.

1.5. Limitaes do EstudoA principal limitao do presente estudo relaciona-se com a fraca sintonia e correspondncia entre as expectativas expressas nas questes de pesquisa (questo principal e questes de diagnstico e de aco), por um lado, e os mtodos de pesquisa utilizados, durante a maior parte da pesquisa, tomados adequados e suficientes para responder satisfatoriamente motivao da pesquisa. O presente texto da monografia procura superar, da melhor maneira possvel, as principais limitaes metodolgicas e conceptuais identificadas em relatrios preliminares sobre o trabalho de campo e os resultados da pesquisa. Uma avaliao efectuada, no incio de 2006, pela Comisso de Acompanhamento do Projecto STEP/Portugal (Estratgias e Tcnicas de Luta Contra a Pobreza e a Excluso), constatou que os textos disponveis estavam ainda distantes dos objectivos a atingir.. Especificamente, sobre o Relatrio da Equipa de Moambique em Novembro de 2005, a Comisso concluiu o seguinte: Moambique Relatrio incipiente e incompleto, apresentando bastantes lacunas na informao apresentada (Cunha, 22.03.2006). Tendo em conta estes e outros comentrios crticos, aos drafts anteriores, procurou-se superar as lacunas conceptuais e metodolgicas, resultantes de limitaes que remontam prpria formulao inicial e implementao da pesquisa. O pequeno nmero de novas entrevistas realizadas, na fase de trabalho de campo, dificilmente poderia sustentar inferncias, muito menos concluses, minimamente generalizadoras sobre questes to complexas, como as que emergem das interrogaes para efeitos de diagnstico e de aco. Por isso, uma das opes que acabou por revelar-se potencialmente efectiva e promissora, para se ultrapassar parte significativa das limitaes identificadas, foi virar a ateno mais para a rica literatura secundria disponvel e relevante para Moambique. Alm disso, durante grande parte do processo de pesquisa, um conjunto de lugares comuns e ideias preconcebidas permaneceram implcitas e sem serem devidamente questionadas. Pelo menos algumas dessas ideias continham pressupostos metodolgicos que inviabilizam o tratamento adequado das questes do projecto, nomeadamente:

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1. A ideia amplamente vulgarizada que a economia informal se circunscreve a certos sectores do mercado de trabalho, aqueles que assumem maior visibilidade, mas que na verdade acabaram por apenas manifestar os esteretipos da informalidade. Procurar extrair ligaes generalizadoras, entre um universo demasiado restrito da informalidade e a proteco social e a excluso social, seria inconsistente e infundado, em termos tericos e empricos. 2. O alargamento da anlise para o rol de relaes informais fundamentais facilita a resposta s questes complexas enunciadas e s expectativas e objectivos que motivaram o presente projecto, bem como a busca de opes de aco concreta. Inevitavelmente, porque esta superao analtica, das limitaes identificadas, surgiu depois do prprio trabalho de campo, a elaborao da presente monografia confrontou-se com limitaes de tempo e dados primrios indispensveis. No entanto, procurou-se resgatar e explorar, da melhor maneira, os dados disponveis e outros que, j no decurso do corrente ano, foi possvel reunir.

1.6. Delimitao dos Conceitos de Informalidade e Proteco Social

1.6.1 O que a economia informal?A definio do universo e tamanho da informalidade depende da metodologia, mas o mais comum optar tanto por uma perspectiva restritiva como por uma abordagem ampla. A utilidade e justificao de uma ou de outra opo depende das hipteses em anlise e dos objectivos estabelecidos para a pesquisa. A economia informal pode ser maior ou menor, dependendo dos conceitos operacionais e dos mtodos utilizados na anlise e investigao. Se a definio operacional tem como critrio de referncia, o registo contabilstico, estatstico ou legal das actividades econmicas, o universo da economia informal apresenta-se diferente do que aconteceria se o critrio fosse a dinmica econmica num sentido mais amplo. Por exemplo, se uma empresa possui licena para operar e paga imposto, ela considerada formal, do ponto de vista das estatsticas oficiais, mas do ponto de vista da dinmica econmica, pode ser informal e actuar informalmente, mesmo pagando imposto. Neste caso, o informal inclui o no-organizado, ausncia de registo. Opera sem visar lucro e funciona por motivos de sobrevivncia. De igual modo, tambm informal os operadores visando o lucro, mas que no cumprem com as obrigaes fiscais, vendendo combustvel adulterado, ou/e comprando e revendendo mercadorias roubadas. Para efeitos do presente estudo, a equipa de investigao estabeleceu, no incio da pesquisa, que o conceito de economia informal deveria ser entendido como todo o conjunto de actividades e prticas econmicas legais realizadas por agentes econmicos total ou parcialmente ilegais (Feliciano, 2004; Feliciano et al., 2005: 2). Esta definio operacional inspira-se na perspectiva da OIT (2002, in Feliciano et al., 2005: 2), segundo a qual o conceito de economia informal contempla todas as actividades econmicas de trabalhadores e unidades econmicas que no esto cobertas pela legislao ou pela prtica pelas disposies oficiais que asMoz: Cruzeiro do Sul e Centro de Estudos Africanos CEA, http://cea.iscte.pt Maio 2006

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enquadram, regulamentam e disciplinam; esto excludas do seu campo, as actividades ilcitas, delituosas e criminosas (trfico de armas e droga, contrabando, etc.) . A definio de economia informal aqui referida, afigura-se suficientemente amplo e capaz de abranger o universo de actividades e prticas econmicas que importante investigar, quer em termos de caracterizao da economia informal propriamente dita, quer para estabelecer as relacionaes analticas com as questes sobre a proteco social, a pobreza e a excluso social. Na prtica, o tipo de definio como a anterior, levanta uma srie de interrogaes, com destaque para dois problemas principais. Um de natureza analtica e metodolgica, enquanto que o outro diz respeito a problemas de entendimento e sintonia com as percepes de informalidade prevalecentes num certo ambiente social, neste caso, em Moambique. Quanto s questes de natureza analtica e metodolgica, a presente monografia serve-se da definio de economia informal acima apresentada, porque considera ser suficientemente geral e abrangente para abarcar tanto os aspectos restritos como os aspectos amplos da informalidade. Contudo, existe uma diferena importante, na forma como a definio geral operacionalizada nesta monografia, comparativamente ao que sugeriram no Caderno Conceptual e Metodolgico, quanto ao tipo de perspectiva terica em que o mesmo se enquadra. Na literatura convencional, incluindo a do Caderno Conceptual e Metodolgico tomada como referncia, prevalece uma definio de economia informal que circunscreve na anlise que poderemos designar como a ponta do iceberg, ou nas manifestaes mais vulgares e mais estereotipadas da informalidade. Exemplificando de forma grfica, a Figura 1 ilustra e chama a ateno, ou mesmo questiona a validade do estudo no tipo de informalidade centrada no mercado de trabalho, envolvendo tambm o mercado financeiro, nomeadamente: as actividade comerciais, a grosso e retalho, os vendedores de rua, as pequenas actividade profissionais liberais e formas rudimentares de poupana e outras actividades financeiras. Fora do objecto de estudo, ficam um vasto nmero de actividades econmicas, quer laborais quer actividades de compra e venda de bens fundirios, imobilirios e de outros valores. Uma definio de economia informal circunscrita a actividades laborais e empresariais apenas, em associao sua legalidade e registo formal, limita muito as possibilidades de uma anlise dos mecanismos de proteco social, porque tais mecanismos contemplam uma vasta gama de actividades e prticas econmicas de diversos mercados. Contudo, esta monografia rene uma vasta gama de factos, nmeros e outras evidncias histricas e empricas, quantitativas e qualitativas, que demonstram os inconvenientes da restrio da anlise aos esteretipos da informalidade. Entre os vrios inconvenientes, dois aspectos so particularmente importantes. Uma a anlise que incide nas manifestaes mais aparentes e vulgares dos fenmenos, geralmente conduzidos a uma caracterizao vulgar e superficial da realidade. Outra, a existncia do perigo de se banalizar um assunto que muito mais importante do que, as manifestaes estereotipadas. Ainda que esta perspectiva de operacionalizao mais ampla do conceito de economia informal contrarie a abordagem mais convencional, ela revela-se consistente nos trabalhos recentes, realizados para a OIT, tendo procurado ampliar a noo de proteco social para alm do universo laboral e de trabalho. Os autores Garcia and Gruat (2003) e Saith (2004), defendem que a proteco social deve ser colocada numaMoz: Cruzeiro do Sul e Centro de Estudos Africanos CEA, http://cea.iscte.pt Maio 2006

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perspectiva mais ampla do contexto do desenvolvimento, em vez do tradicional foco em torno do local de trabalho ou da empresa. De igual modo, Chen (2004, 2005) tem insistido numa reviso e reconceitualizao da definio de economia informal, com vista a captar a diversidade de relaes informais da enorme proporo da fora de trabalho que, geralmente, fica fora do emprego protegido, estvel e regulamentado.

Figura 1: Pirmide da Informalidade na Economia Moambicana

?

RETALHISTAS E PROFISSIONAIS LIBERAIS

?

{

MERCADO DE TRABALHO MERCADO PRODUTIVO E FINANCEIRO

MERCADO ILCITO E DELITUOSO

ACTIVOS CORPREOS (Fundirio e Imobilirio)

Chen (2004, 2005) vai mais longe, propondo uma reconceptualizao da economia informal, em que os critrios focalizados na actividade laboral, independentemente de ser ou no legalmente registada, deveriam dar lugar a critrios focalizados nas relaes laborais que carecem de regulamentao, estabilidade e proteco reconhecida. Esta perspectiva vai de encontro ao esprito e contedo da presente monografia, apenas com a diferena que nesta monografia se defende que a realidade relevante, em termos de informalidade e proteco social, abrange outros mercados dos factores de produo (terra e capital), e no apenas o mercado de trabalho. Nesta monografia, o recurso imagem da pirmide, para ilustrar a definio de economia informal inspira-se, mas apenas parcial e indirectamente, nas representaes grficas de Chen (2004: 5; 2005: 24).5 Em contra partida, no presente estudo a ponta do iceberg refere-se aos segmentos comerciais e profissionais que convencionalmente apresentam mais visibilidade nos estudos sobre informalidade (comerciantes, profissionais liberais ou por conta prpria urbanos). Na base da pirmide encontram a informalidade menos visvel, menos compreendida e mais desvalorizada e marginalizada, quer nas anlises quer mesmo

5 Chen (2003) recorreu pirmide para ilustrar a hierarquia na representao das categorias de emprego: empregadores, trabalhadores por conta prpria, trabalhadores assalariados, e trabalhadores em diversas indstrias e na actividade domstica (http://www.wiego.org/papers/2005/unifem/531_martha_alter_chen.pdf). Num outro artigo mais recente, Chen (2005), usa a pirmide para ilustrar a hierarquia de ligaes entre informalidade, pobreza e relaes de gnero (http://www.wiego.org/publications).

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nas avaliaes econmicas e estimativas sobre o valor e peso da informalidade no Pas. Verificando as reaces a drafts que antecederam a presente monografia, a incluso tanto dos mercados fundirios e imobilirios, como do mercado paralelo (actividade ilcitas, delituosas e criminosas), revelou-se problemtica e em certo momento, explicitamente questionada. S que o questionamento pecava pela busca de autoridade na opo inicial, que testemunhada pelo Caderno Conceptual e Metodolgico, por no possuir qualquer explicao fundamentada para opes metodolgicas to importantes com so os casos da excluso das actividades ilcitas, delituosas e criminosas (trfico de armas, droga, contrabando, etc.), ou dos outros mercados que, directa e indirectamente, influenciam e tm impacto na proteco social. No Captulo 5, a pirmide apresentada na Figura 1, ser retomada, a partir dos dados que sero apresentados e discutidos nas seces seguintes, fundamentando melhor a coerncia e pertinncia duma anlise da interdependncia, entre economia informal e proteco social, que abrange os mercados dos factores de produo: trabalho, capital e terra.

1.6.2 Percepes de informalidade: o informal no ilegal?A dificuldade de definir o conceito, ou as controvrsias que a definio de economia informal provoca, tem a ver, pelo menos em parte, com a complexidade da prpria realidade, sobretudo a dificuldade de delimitar uma fronteira clara entre o informal e formal, ou entre o informal consentido, tolervel e a informalidade anti-social. Outra dificuldade, consiste nas percepes das prprias pessoas, nomeadamente os estigmas e preconceitos originados pela forma como o fenmeno abordado pelas autoridades governamentais e administrativas, principalmente nas aces de coao e represso exercidas em certos perodos. Em Moambique, presentemente, quando a questo do informal debatida em pblico, a reaco imediata negativa, pois a conotao vista como prticas eminentemente ilegais ou mesmo criminosas. A exemplo da definio de economia informal, (acima referida), em que se associa a informalidade a ilegalidade, suscitou reaces crticas por parte de alguns dos participantes no Seminrio de 25.04.06. Claramente ficou evidente, que a reaco crtica em certas percepes do senso comum, prevaleceu a associao do informal ao ilegal de forma pejorativa e mesmo ofensiva. Esta percepo interessante, pelo facto de evidenciar uma clara afronta e questionamento da validade de certa normao e regulamentao legal e formal. Dito por outras palavras, para certos observadores, certas formas de informalidade s existem por culpa do anacronismo da prpria regulamentao. Ou seja, quem est a agir indevidamente no o informal, mas sim a autoridade que estabelece leis e posturas inadequadas. Portanto, o questionamento da associao (abusiva?) da informalidade ilegalidade ultrapassa a prpria definio, pondo em causa a legitimidade e justia de certas disposies formais e legais. claro que, por motivos similares a estes, tambm se pode defender a corrupo, como o fez por exemplo Robert Barro (2000) ou, mais recentemente, Elsio Macamo (2006):Moz: Cruzeiro do Sul e Centro de Estudos Africanos CEA, http://cea.iscte.pt Maio 2006

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Em certas circunstncias, a corrupo pode ser melhor do que a implementao honesta de leis ruins. Os resultados podem ser piores se uma regulamentao que probe uma actividade econmica til for totalmente implementada em vez de burlada por subornos, defende Barro (in ODriscoll e Hoskins, 2002: 11). Como afirmam ODriscoll e Hoskins (2002: 11), muitos economistas (e no s!) concordariam com a abordagem de custo/benefcio da corrupo, no fosse a ambiguidade moral dessa posio. O mesmo se pode dizer sobre a informalidade, com a diferena que esta conseguiu granjear enorme aceitabilidade social em Moambique e, at mesmo as formas eminentemente delituosas e ilcitas, praticadas por privados ou representantes das instituies pblicas, tm beneficiado de admirvel impunidade. O que torna difcil este debate sobre informalidade o mercado paralelo resultante da adaptao da fraca definio de direitos de propriedade, elevadas taxas de impostos e regulamentao opressiva, que mistura com o mercado paralelo ligado ao crime organizado, ao contrabando explicitamente danoso, ou mesmo ao roubo e trfico de diversas mercadorias ou mesmo de influncias, para fins lesivos ao bem pblico. Um outro factor adicional j complexidade situao, envolve as prticas do universo consuetudinrio e suas ambiguidades quando se pretende distinguir prticas e regras costumeiras do universo da informalidade. De imediato, o consuetudinrio pode no ser necessariamente informal, desde que as normas e regras que regulam as relaes entre as pessoas sejam claramente estabelecidas e administradas pelas autoridades socialmente reconhecidas.Caixa 1:

Que no nos chamem informaisMargarida , Marta e Maria so mukheristas. No aceitam que as chamem de informais porque, tal como explicam, para alm de trabalharem para o sustento das suas famlias por o Estado se mostrar incapaz de empreg-las, pagam taxas s autoridades. Que no nos chamem informais, porque ns complementamos o trabalho do Estado, por si, incapaz de promover melhorias nas condies sociais e econmicas dos cidados em geral. Que nos deixem trabalhar, afirmaram em unssono. Tambm explicam que o Governo est a ser incapaz de explicar as vantagens do cumprimento das suas exigncias. Se no nos convence, no vamos sair desta rea, disseram, acrescentando que o que ganham por ms, superior ao que um funcionrio do Estado, do nvel delas, poderia ganhar.(Valoi, O Pas, 12.05.2006, p.3)

Mas a razo no reside apenas no simples facto das relaes consuetudinrias obedecerem a normas no escritas. Alis, tal argumento no faria justia s regras e normas que, tambm no sector informal, se desenvolvem para organizar e regulamentar as relaes de trabalho, transaco comercial, financeira e produtiva, nos diferentes mercados da economia nacional. O ascendente das prticas do consuetudinrio sobre o informal , por um lado, a antiguidade e maturidade das regras de jogo legitimadoras de certas prticas. Por outro lado, o consuetudinrio tem razes profundas em sistemas familiares e de linhagem profundamente determinantes nas relaes sociais. Contudo, o risco das prticas consuetudinrias, em certas circunstncias e perodos, se converterem em prticas informais, pode ser determinado pela natureza das instituies e regras de jogo que entretanto o Estado introduz. Tanto em relao ao perodo colonial como no perodo ps-independncia, existem inmeros exemplos em que as relaes consuetudinrias foram convertidas em

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relaes informais, com custos sociais e em termos de ineficincia. Alis, uma percepo que se afigura profundamente errada e necessita de questionada, a ideia vulgar que operar no informal uma opo sem custos; ou ento, que as pessoas preferem permanecer na informalidade e ilegalidade. Hernando de Soto questionou frontalmente esta percepo, enumerando os custos das operaes informais:Contrariamente ao que diz a sabedoria popular, o funcionamento na economia subterrnea no est livre de custos. Os negcios extralegais so taxados devido falta de leis eficazes de propriedade, sendo necessrio esconder as suas actividades das autoridades. Por no estarem legalmente constitudos, esses empresrios no podem atrair investidores pela venda de aces; no podem assegurar crdito formal a juros baixos, porque no tm endereo legal. No podem reduzir riscos declarando passivo limitado ou obter cobertura de seguro. O nico seguro disponvel aquele fornecido por seus vizinhos e a proteco que seguranas locais queiram lhes vender. Alm do mais, como os empresrios ilegais esto constantemente com medo de serem identificados pelo governo e extorquidos por burocratas corruptos, eles so obrigados a dividir suas instalaes de produo em vrios endereos e, portanto, no podem se beneficiar de economias de escala Com um olho sempre na polcia, os empresrios informais no podem anunciar abertamente seus produtos visando a aumentar a clientela nem fazer uso de entrega de grandes volumes, a custos baixos, aos seus clientes (de Soto, in

ODriscoll e Lee Hoskins, 2002: 11-12).

Esta citao de Hernando de Soto sintetiza a complexa relao e interdependncia entre a economia informal extralegal e a proteco social. Esta complexidade agravase pelo facto de inexistncia de fronteiras de separao entre extralegalidade ou nolegalidade por motivos legtimos e a ilegalidade premeditada, danosa e anti-social. Ao longo do presente trabalho, as principais manifestaes e expresses de informalidade sero mencionadas e aprofundadas. De imediato, a Tabela 1 sintetiza a questo da delimitao do conceito de informalidade, destacando algumas das razes para o seu consentimento e razes igualmente vlidas, para a sua rejeio (Rydlewski e Guandalini, 2005; Silva, 2005).

Tabela 1: Dilemas e Paradoxos da Informalidade POR QUE DEVE SER CONSENTIDA Assegura emprego uma fonte de iniciativa criadora com elevado potencial de criao de riqueza Emerge como reaco inevitvel carga fiscal no distribuda equitativamente pela populao economicamente activa Proporciona preos baixos e alternativas comerciais competitivas Insere os pobres no consumo e melhora o seu poder de compra

POR QUE DEVE SER COMBATIDA Prtica de concorrncia desleal uma mina de sonegao Estimula o roubo Financia o crime organizado No facilita o investimento em tecnologias modernas Penaliza quem opta pela legalidade Reduz a capacidade produtiva nacional

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1.6.3 O que a proteco social?A proteco social envolve duas dimenses importantes. Uma dimenso a proteco social como direito a oportunidades, englobando oportunidades e direitos reconhecidos a todos os cidados. Neste sentido, a proteco social no constitui um privilgio, por motivos especiais e excepcionais; uma aspirao legtima que todos os cidados devem poder usufruir, nos termos claramente estabelecidos por via estatutria, regulamentar e fora da lei escrita, quer por via consuetudinria, normas, costumes ou tradies costumeiras. A segunda dimenso da proteco social, envolve o conjunto de mecanismos desenvolvidos para evitar, prevenir, amenizar ou mitigar riscos e rupturas na segurana econmica e social dos cidados (i.e. segurana social no trabalho, previdncia social, seguro de sade, seguro contra todos os riscos, entre outros). A este nvel surge incluem-se mecanismos para privilegiar sectores vulnerveis da populao, devido a calamidades naturais, deficincia fsica ou mental, acidente de trabalho, debilidade por motivos de doena ou velhice, entre outros aspectos explicitamente especificados. Convencionalmente, quando se fala de proteco social, refere-se a mecanismos de proteco do indivduo, quer no trabalho (segurana e seguro de trabalho), quer em condies de risco e debilidade pessoal, por motivos de doena, deficincia ou velhice. Porm, a forma como as pessoas, numa determinada sociedade, enfrentam situaes de insegurana social, depende, tanto do quadro estabelecido pela primeira dimenso, a dimenso dos direitos de acesso aos recursos e valores disponveis, como dos mecanismos especficos e especiais (incorpreos e financeiros, como salrio mnimo, seguro pessoal, penso de velhice, etc.). No fundo, a variedade e eficcia dos mecanismos estabelecidos, para prevenir e evitar riscos e rupturas, so determinadas pelas oportunidades proporcionadas aos indivduos, tanto em termos de oportunidades de trabalho, como oportunidades de poupana e de investimento (a curto, mdio e longo prazo).

1.6.4 Tipologia das actividades econmicas e proteco social

Tomando em considerao a finalidade do presente estudo, e as consideraes acima apresentadas, a Tabela 2 sistematiza as principais categorias e tipos de economia informal relevantes para a proteco social, em Moambique. O primeiro aspecto a reter da Tabela 2 que o tipo de actividades econmicas relevantes para a problemtica da proteco social inclui, desde actividades laborais urbanas e rurais, at actividades econmicas nos mercados fundirio, imobilirio, financeiro, comercial e de capitais. A questo das condies de segurana no trabalho uma questo fundamental, mas no a nica, nem talvez a mais importante, do ponto de vista da maior ou menor carncia ou dfice de proteco social na economia informal.

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Tabela 2: Tipos de Actividades Econmicas e De Proteco Social: Formais, Costumeiros e InformaisTIPO DE ACTIVIDADERural FORMAL (LEGAL) Urbano Alienao dos imveis Comercio e outras actividades com licena Concesso de terra Empresas por quotas, em nome individual, estatais, pblicas, e outras.

CONSUETUDINRIO (LEGTIMO) Rural Acesso terra via consulta s comunidades, mas a terra propriedade do Estado

INFORMAL (EXTRALEGAL) Rural Urbano

Mercados Terra Habitao Trabalho Mercadorias e servios Capital

Alienao dos imveis para fins comerciais Comercio e outras actividades com licena Concesso de terra Empresas privadas Empresas pblicas

Mercado Ilcito e delituoso Sistema de proteco social

Ocupao no autorizada Compra, venda aluguer de terras e habitaes Comercio ambulante Iseno de impostos. Transaces no-monetrias Transaces monetrias no Actividades agro-pecurias declaradas ao fisco nem registadas de subsistncia Evaso fiscal Descontos a trabalhadores, benefcios laborais Trabalhos realizados em casa e ajuda de vizinhos; Iseno dos impostos das propriedades agrcolas familiares e comunidades locais. Comrcio de mercadorias roubadas, trfico de drogas, armas ou outros produtos proibidos, desvios e fraudes. Transaces extra-legais e monetrias de activos, sobre mveis e imveis, proibidas nos termos da lei vigente Troca de droga, bens de contrabando; cultivo de drogas para uso pessoal; roubo para uso pessoal. Ajuda internacional: emergncia, donativos, apoio ao oramento de estado, apoio a sectores pblicos, ONGs e projectos especficos INSS Seguro dos bens mveis e imveis Seguros de sade, de trabalho, de viagem e de vida Acordos entre as comunidades e entidades privadas para a utilizao da terra e florestas, para fins tursticos ou outros Papel dos chefes costumeiros como fiducirio da terra para sua comunidade Garantia dos direitos consuetudinrios de utilizao da terra, independentemente de serem registados ou no. Xitique Micro-finanas Micro-crdito Seguros Agricultura de subsistncia Kurhimela Tsima Kurhimelissa Xivunga Kuvekeseliwa Ntimo Ganho-ganho

O segundo aspecto importante na Tabela 2 que, na prtica, entre o formal e informal, pases como Moambique dispem de um vasto universo de direitos consuetudinrios, sobretudo nas zonas rurais, que proporcionam estabilidade relativa, proteco e normao, mas diferentes, na forma e contedo, dos sistemas extralegais associados economia informal. O terceiro aspecto destacvel na Tabela 2 que a classificao dos tipos de actividades econmicas informais no tem como referncia principal a fiscalidade ou sonegao tributao. Reconhece-se, desta forma que, antes do imposto ou de qualquer outra taxa fixada por lei (taxas autrquicas, de mercado ou de outro tipo), as pessoas ocupam um espao e uma habitao, devendo para tal estabelecer relaes econmicas, desenvolvidas para tirar proveito dos activos, mveis ou imveis, bem como fazer uso da fora de trabalho e de outros recursos. Portanto, antes mesmo dos impostos, acontecem transaces monetrias e no-monetrias sobre valores, envolvendo mveis e imveis, cuja situao formal ou informal poder proporcionar maior ou menor segurana individual e social. No contexto da legalidade prevalecente em Moambique, os imveis desempenham um papel particularmente relevante na informalidade, porque o Estado afirma-se como o nico proprietrio de todos os recursos naturais, no subsolo e no solo, o que na prtica, por si s, gera e fomenta relaes informais mltiplas e complexas.

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O quarto aspecto na Tabela 2 a incluso de actividades e prticas para alm das que, vulgarmente, se designa por informais. Mesmo respeitando a opo de, no processo de recolha de informao no terreno, se deixar de lado prticas e actividades informais de natureza anti-social, pelo seu carcter explicitamente criminoso, ilcito e delituoso, no parece justificvel que tal rea seja completamente ignorada do domnio da proteco social. A incluso do mercado negro ou subterrneo na Tabela 2 destina-se a reconhecer que tal domnio de informalidade interage e influencia activamente, tanto a economia formal como a informal. Mesmo que, por razes prticas, o domnio da informalidade explicitamente ilegal no seja acessvel e fcil de estudar, tal no justifica que se ignore completamente, ou se assuma que o seu impacto irrelevante.

2. Contextualizao Histrico e Institucional: Proteco Social e Economia InformalO Captulo 2 traa os antecedentes histricos e institucionais da proteco social e da informalidade em Moambique, com referncia para: 1) Quadro legal e jurdico; 2) Processo de urbanizao e xodo rural; 3) Nveis de proteco dos direitos de propriedade e as oportunidades e restries prosperidade dos moambicanos; 4) Evoluo do crescimento demogrfico, econmico e desenvolvimento; 5) Padro de vida e pobreza absoluta (em termos de incidncia e profundidade); 6) Desigualdade e excluso social. Existem outros factores, tambm relevantes e que sero destacados na verso final da monografia, como o caso da abertura e reintegrao da economia nacional na economia capitalista internacional, desde meados da dcada de 1980, os processos de incluso e excluso associados globalizao, e as reformas institucionais (econmicas, jurdicas, polticas e sociais) nas ltimas duas dcadas.

2.1 Informalidade Institucional: Histrica, Poltica, Jurdica e EconmicaA literatura sobre as instituies, seu funcionamento e papel na economia, permite compreender como que o Estado e a Sociedade Civil reforam ou enfraquecem a proteco social dos cidados com as suas normas, medidas polticas e as aces dos seus representantes. Alguns exemplos da literatura sistemtica so os seguintes: Adam, 2006; Hodges e Tibana, 2005; de Vasconselos, 1999; Hamela, 2003; Newitt, 1997. Por seu turno, a literatura jornalstica rene uma vasta gama de artigos e anlise sobre diversas variveis institucionais. Alguns exemplos de artigos recentes encontrados na imprensa so os seguintes: Por uma cultura de responsabilidade (Macamo, 2005); Auditoria do Tribunal Administrativo s contas do Estado. GovernoMoz: Cruzeiro do Sul e Centro de Estudos Africanos CEA, http://cea.iscte.pt Maio 2006

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pontapeia a lei e realiza despesas ilegais (Savana, 5.11.2004, p. 2); O banquete (da Graa, in Savana 2.12.2005, p. 6); Uma realidade assustadora (Langa, O Pas, 6.01.2006, p. 19); Investimentos j reduzem dependncia externa (Diogo, in Notcias 13.01.2006, p. 5); A culpa do Estado na morte de Siba-Siba (Savana, 13.01.2006, p. 6); solta (da Graa, in Savana 13.01.2006, p. 6); Da racionalidade do cabrito (Macamo, in Notcias 30.07.2003, p. 2); O Cardeal do Diabo O crime compensa (Macamo, in Notcias 18.03.2006, p. 19; 20.03.2006, p. 19); Elsio Macamo e o elogio corrupo (Mose, in Savana 24.03.2006, p. 9); Moambique e a boa vida (Macamo, 2005); Outros tipos de pobreza (Macamo, 2005); Declarao de rendimentos: Uma complicao imposta por lei (Rungo, in Domingo 26.03.2006, p. 13); A justia que queremos em Moambique (Rosrio, 2006); Temos que agir com firmeza para que a corrupo no domine o Estado (Guebuza, in Meianoite 0713.03.2006, p. 4-5); informalismo no Ministrio do Trabalho, Malula, in O Pas 13.01.2006, p. 9); O Estado chapeiro! (Sitoe, in Notcias 10.03.2006, p. 5); A portagem (Savana, 10.03.2006, p. 6); Reformas precisam-se em frica! (O Pas, 9.12.2006, p.9-10); Moambique ainda no competitivo diz a CTA, considerando altos os custos de transaco (O Pas, 23.12.2005, p. 9); O pesadelo de fazer negcios em Moambique (Savana, 24.02.2006, p.4); Segundo relatrio da Transparncia Internacional: Corrupo galopante em Moambique (Savana, 21.10.2005, p. 32); Ambiente de negcios em Moambique: Governo torce nariz aos dados do Banco Mundial (Valoi, in O Pas, 23.12.2005, p.6-7); Sem polticas adequadas: PARPA pode fracassar (Osman, in O Pas 6.01.2006, p. 6-7);

2.2 Quadro Legal Fundamental da Proteco Social e da Informalidade

O contexto histrico e institucional, da evoluo da proteco social e da economia informal em Moambique, tem sido determinado por uma variedade de factores, nomeadamente: demogrficos, polticos, jurdicos, econmicos, sociais e culturais. Nesta seco destaca-se os factores determinantes histricos e institucionais da proteco social e da economia informal, considerando as vrias dimenses de proteco social e de informalidade no seu conjunto. A anlise ser suportada com dados estatsticos, numricos ou grficos, destacando-se as seguintes relaes mais relevantes para o objecto de estudo deste trabalho: quadro jurdico principal; migrao e processo de urbanizao; proteco da propriedade e prosperidade; crescimento demogrfico, econmico e desenvolvimento; padro de vida e pobreza humana.

2.2.1 Quadro institucional, regras de jogo formais e informaisAo iniciar uma reviso da literatura sobre a proteco social e a economia informal, tem todo o sentido comear pelos documentos fundamentais reveladores da natureza jurdica e reguladora do Estado, identificando a natureza e mbito da legalidade instituda no Pas, bem como a consequente dimenso da ilegalidade, informalidade, extralegalidade e ilegalidade explcita. Se entendermos a proteco social como base assente nos direitos bsicos que determinam, de forma directa ou indirecta, o contedo e a forma dos mecanismos de preveno, compensao e mitigao de riscos e rupturas proporcionados ao dispor

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das pessoas, ser tambm fcil de entender a dimenso da pobreza, desigualdade e a excluso social, nas suas interaces com as relaes multidimensionais. Antes de mais nada, o importante a entender sobre a proteco social, relativa primeira dimenso, acima identificada, refere-se aos direitos bsicos que determinam, de forma directa ou indirecta, o contedo e a forma dos mecanismos de preveno, compensao e mitigao de riscos e rupturas na proteco das pessoas. A partir do quadro estabelecido para a primeira dimenso, torna-se mais fcil entender a dimenso da pobreza, desigualdade e a excluso social, nas suas interaces, internas ou em relaes com multidimensionais com outras dimenses. Neste mbito, o documento magno de toda a legislao e regulamentao jurdica definida pelo Estado, a Constituio da Repblica. A partir desta Lei principal, podese inferir e perceber a definio dos direitos civis e de actividade econmica dos cidados, nomeadamente os direitos de propriedade, de proteco social, segurana social e de trabalho. A Constituio da Repblica Moambicana, estabelece o quadro legal fundamental em como o Pas se organiza politica, administrativa e economicamente, bem como condensa os direitos, deveres e liberdades fundamentais, os princpios que caracterizam o sistema econmico adoptado e outros aspectos financeiros e fiscais do Estado. Alm do texto constitucional, existe um conjunto de leis, decretos e regulamentos definidores do quadro legal institudo, detalhando ou especificando direitos de cidadania, ao trabalho e segurana no emprego; direitos de propriedade e condies de uso e aproveitamento dos recursos naturais, liberdade de associao profissional e sindical, direitos educao, sade, habitao, consumo, assistncia na incapacidade e velhice, entre outros (Governo de Moambique, 1975, 1990, 2004). No caso especfico de Moambique, o direito proteco social garantido constitucionalmente, em termos de igualdade dos cidados perante a Lei e encorajamento de criao de condies para a realizao efectiva deste direito (art. 35 e artigo 95, Constituio de 2004). Porm, um aspecto relevante para a proteco social que gerou e continua gerar ambiguidades e controvrsia, quando se considera o texto da Constituio da Repblica, diz respeito dimenso dos direitos de propriedade explicitamente e legalmente reconhecidos por lei. O direito de propriedade, tanto os direitos privados como os que se baseiam nos sistemas consuetudinrios, aparece nas trs Constituies da Repblica Moambicana, adoptadas desde a Independncia Nacional em 1975, subordinado a decises inteiramente polticas. Em particular, a Constituio de 2004 confere ao Estado o direito exclusivo de propriedade sobre A terra e os recursos naturais situados no solo e no subsolo, nas guas territoriais e na plataforma continental (art.98). A este respeito, as diferenas entre as trs Constituies, implementadas nas trs dcadas passadas, so mnimas, ou praticamente nenhumas, excepto em relao ao papel dirigente e impulsionador dos sectores econmicos. Na Constituio de 1975, a propriedade do Estado recebia proteco especial (art. 10), enquanto relativamente propriedade privada o texto constitucional apenas declarava que estava sujeita a obrigaes e impostos progressivos (art. 13). Na Constituio de 1990, e mais recentemente na de 2004, os direitos de propriedade, tanto individuais como consuetudinrios, recebem um reconhecimento legal explcito e mais generoso. Pelo menos no tocante s restries expropriao sem justificao fundamentada nem indemnizao (art. 82) e ao reconhecimento da autoridade tradicional legitimada pelas populaes, segundo o direito consuetudinrio (art. 118). No entanto, a terra e outros recursos naturais situados no solo e no subsolo permanecem propriedade exclusiva do Estado. Relativamente terra, as ConstituiesMoz: Cruzeiro do Sul e Centro de Estudos Africanos CEA, http://cea.iscte.pt Maio 2006

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de 1990 e 2004, declaram explicitamente que no deve ser vendida, ou por qualquer outra forma alienada, nem hipotecada ou penhorada (art. 109). O Estado reconhece que o uso e aproveitamento da terra direito de todo o povo moambicano (art. 109), mas reserva-se do direito de determinar as condies do seu uso e aproveitamento (art. 110). Estas disposies legais, por si s, constituem uma definio fundamental da natureza e dos mecanismos, legalmente permitidos e proibidos, ao cidado moambicano. Na prtica, como que as pessoas obedecem, contornam, modificam ou violam os direitos de posse legal estabelecidos? Conduz-nos, precisamente, para o domnio da maior ou menor informalidade do Pas real.

2.2.2 Proteco da Cidadania: Identidade, Registo pessoal e InformalidadeUm aspecto fundamental relativo cidadania num Estado de Direito, relevante para a questo da proteco social e a dimenso da informalidade, diz respeito realizao do direito a ser contado e existir nos registos estatsticos, bem como possuir uma identificao pessoal, para efeitos de mobilidade, dentro e fora do Pas. Em Moambique, para grande parte das pessoas a informalidade comea nascena e mantm-se, ao longo da sua vida, at prpria morte. O nmero da populao no registada nascena e sem identificao pessoal, formal e legalmente reconhecida, no conhecido. Na verdade, este assunto nem to pouco constituiu motivo de preocupao no rol de questes iniciais para a prpria pesquisa de campo, presumivelmente porque se tomou como adquirido circunscrever-se ao emprego e ao trabalho. Ser correcto, do ponto de vista dum sistema de proteco social que se pretende moderno, ignorar os direitos bsicos do cidado? Nos pases desenvolvidos, o sistema de registos vitais so mantidos de forma sistemtica, profissional e sentido do seu significado para a multiplicidade de aspectos bsicos, directa ou indirectamente, relevantes e para a proteco social das pessoas. Como afirmou uma participante, no seminrio de 25.04.2006, em vrios pases desenvolvidos, quando um adolescente atinge a maioridade, o Estado preocupasse em fornece-lhe no s o nmero de contribuinte fiscal, mas tambm um nmero de segurana social. Em Moambique, o Estado, nestes ltimos anos, tem-se mostrado mais preocupado, empenhando-se arduamente em introduzir o NUIT (nmero nico de identificao tributria), mas igual empenho no se verifica na obteno de um tipo de NUSI (nmero nico de segurana individual). O problema a este nvel, antes de ser um problema de falta de recursos financeiros e materiais, tem a ver com o sentido de equilbrio e balano nos deveres e direitos dos cidados. Uma grande parte da ausncia de mecanismos e meios ao dispor do cidado, como forma de garantia dum registo pessoal nascena (cdula pessoa), identificao pessoal, legalmente vlida e reconhecida, dentro (bilhete de identidade) e fora do Pas (passaporte) porque a Administrao Pblica a nvel local, no tem sensibilidade para estes assuntos como prioritrio nos servios que lhe compete oferecer ao cidado.6Existem Estados, incluindo em frica, que se preocupam em se responsabilizar pela segurana e proteco dos seus cidados fora do pas. Por exemplo, a Constituio da Repblica de Cabo Verde autoriza o Estado a concluir tratados de dupla nacionalidade e permite aos Caboverdianos a aquisio de nacionalidades de outro pas, sem perderem a sua nacionalidade de origem (art. 5) (http://www.icrc.org/ihl-nat.nsf ). Esta clareza til para um pas com tantaMoz: Cruzeiro do Sul e Centro de Estudos Africanos CEA, http://cea.iscte.pt Maio 20066

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2.2.3 Proteco dos Direitos de Propriedade e ProsperidadeA segunda dimenso dos direitos bsicos na proteco social envolve os direitos de propriedade. Nos anos recentes, a questo da propriedade, tanto individual e privada como consuetudinria, tem merecido um crescente reconhecimento internacional, por polticos e investigadores, porque cada vez se afirma mais como um factor chave no crescimento e desenvolvimento econmico (Acemoglu 2004, 2005; ODriscoll e Hoskins, 2002; de Soto, 1989, 2002; Garcia, 2003; ECA-SA-EGM.Land, 2003). Certas evidncias estatsticas internacionais mostram uma forte correlao entre o nvel de proteco de propriedade definida em termos de transparncia, independncia e eficincia do sistema jurdico e a riqueza dos pases, medida em produto interno bruto (PIB) per capital. A Figura 2 mostra que o PIB per capita medido em termos de paridade de poder compra duas vezes maior em pases com proteco de propriedade mais forte ($ 23,769) do que pases com proteco razovel ($ 13,027). Em pases com proteco da propriedade moderada, o PIB per capita cai para 1/5 em relao aos pases com proteco mais forte ($4,963). Em contra partida, os pases com um sistema jurdico corrupto ou muito corrupto, dominado por regras rgidas e complexas, so geralmente tambm muito pobres e com proteco dbil ($3,010-$2,651) (ODriscoll et al., 2002, 2003). Moambique, com um PIB per capita abaixo da mdia do grupo com