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UNIVERSIDAD NACIONAL DE BUENOS AIRES FACULTAD DE DERECHO DOCTORADO EN DERECHO PENAL Apontamentos sobre os Conceitos de Pessoa e Ser Humano Disciplina: Direito Penal e Bioética Professora Doutora: Margarita Bosch Doutorando: Emerson Silva Barbosa

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UNIVERSIDAD NACIONAL DE BUENOS AIRES

FACULTAD DE DERECHO

DOCTORADO EN DERECHO PENAL

Apontamentos sobre os Conceitos de Pessoa e Ser Humano

Disciplina: Direito Penal e BioéticaProfessora Doutora: Margarita BoschDoutorando: Emerson Silva Barbosa

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20101. INTRODUÇÃO

Cuida-se de trabalho em se que pretende investigar os conceitos de pessoa e ser

humano, essencialmente sob enfoque antropológico-filosófico e jurídico, cuja compreensão é

indispensável tanto para resoluções dos dilemas no campo da Bioética, quanto para a

disciplina referente à proteção jurídica ao indivíduo.

Diversos são na história as concepções que se dá ao termo homem. A tarefa de

responder a pergunta “o que é o homem” geralmente é destinada é da antropologia filosófica1.

O que temos claro, todavia, é que nem sempre as ponderações de ordem

antropológico filosóficas estão em consonância os próprios princípios bioéticos, bem como

com as normas vigentes na ordem jurídica.

Cumpre ressaltar que o avanço tecnológico que promoveu nas últimas décadas

uma revolução nas técnicas de manipulação de material biológico humano tem levado a

questionamentos fundamentais de ordem ética. Tanto é assim, que documentos como

Relatório Belmont2, que disciplina os princípios éticos e diretrizes para pesquisa envolvendo

seres humanos, foi um marco na discussão quanto aos limites e os objetivos que devem

nortear a prática e a pesquisa, fornecendo elementos para resolução de conflitos no campo das

investigações envolvendo seres humanos. Estes princípios – respeito pelas pessoas,

beneficência e justiça – têm sido aceitos desde então como os três princípios fundamentais

para nortear o desenvolvimento de pesquisas éticas envolvendo participantes humanos.

De outra parte, o conceito de pessoa, sobretudo no que diz respeito ao início e ao

fim da vida, sempre teve importantes conseqüências no campo do direito. Se é verdade que o

direito é feito por pessoas para pessoas, saber quando começa a vida e quando ela termina

pode implicar numa série de direitos de natureza civil (direitos de personalidade) e penal.

Sendo assim, propomos a discussão do tema a partir da diversidade de conceitos

de pessoa ou do homem. Sem embargo da multiplicidade de concepções, Abbagnano (2003,

p. 512-516) propõe três como sendo fundamentais para reunir as várias definições de homem:

a) o homem em relação a Deus; b) o homem segundo uma característica ou capacidade que

lhe é própria; c) o homem segundo a capacidade de autoprojetar-se.

1 Edvino A. Rabuske (2008), em sua obra Antropologia Filosófica apresenta, na introdução, vinte idéias sobre o homem. Ademais, reforça esse papel da antropologia filosófica em buscar o fundamento do homem. 2 A Comissão Nacional para Proteção de Sujetos Humanos nas Pesquisas Biomédicas e Comportamententais, criada em 1974, apresentou no ano de 1978, o relatório dos trabalhos realizados e que foi intitulado: Relatório Belmont: Princípios Éticos e Diretrizes para a Proteção de Sujeitos Humanos nas Pesquisas.

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A primeira categoria, que não iremos tratar detidamente aqui pode ser extraída,

por exemplo, do contexto bíblico que diz “façamos o Homem à nossa imagem e semelhança”

(Gen. I, 26). Xavier (2009, p. 220) dispõe que

A noção de pessoa, no contexto religioso, liga-se ao conceito de pessoa divina pois, segundo a revelação bíblica, ‘Deus criou o homem à sua imagem e semelhança.’ Portanto, do ponto de vista religioso, a definição de pessoa depende de sabermos o que é essa pessoa divina, o que é uma noção de difícil aplicação prática nos contexto das ciências.

A segunda categoria, que veremos com mais detalhe em seguida (capítulo 2), trata

das definições baseadas em alguma característica ou capacidade inerente ao homem, em

oposição aos demais seres vivos3. Esta é, aliás, a definição utilizada pelo Dicionário Oxford

de Filosofia (Blackburn, 1997, p. 245), ao justificar a dificuldade em saber o que é pessoa:

Um dos problemas fundamentais da metafísica consiste em saber o que é ser uma pessoa. A resposta deve explicar certos fenômenos centrais associados à propriedade de ser uma pessoa: racionalidade, domínio de linguagem, consciência de si, controle e capacidade para agir, e valor moral ou direito a ser respeitado, estão entre as características de destaque que têm sido consideradas típicas das pessoas, em contraste com outras formas de vida.

A terceira categoria, que consiste na compreensão do homem com capacidade de

autoprojeção, deve ser compreendida a partir da concepção do homo juridicus, o qual

trataremos na parte no capítulo 3 deste trabalho.

2. O CONCEITO DE PESSOA E SER HUMANO SOB A ÓTICA DA ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA

A primeira pergunta que deve ser feita é: O que é a pessoa4?

Consoante aduz Rachels (2006, p. 132), Kant acreditava que os seres humanos

ocupam um lugar especial na criação. Para ele, os seres humanos possuem “um valor

intrínseco”, isto é, “dignidade”, o que os torna valiosos “acima de tudo”. Outros animais, por

3 Jaspers (2007, p. 47) traz algumas dessas características: “O homem foi definido como ser vivo dotado de palavra e pensamento (zoon logon echon); como ser vivo que agindo dá à sociedade a forma de cidade regida por lei (zoon politikon); como ser que produz utensílios (homo faber); que trabalha com esses utensílios (homo laborans); que assegura sua subsistência por meio de planificação comunitária (homo oeconomicus).” Contudo, crítica nessas concepções a ausência de uma das principais características do homem: sua mutabilidade. Uma vez que o homem, ao contrário dos animais, como ser social, não se repete de geração em geração. Não permanece para sempre com o é. 4 De acordo com Xavier (2009), o termo vem do latim persona, que tem o mesmo sentido da voz grega prósopon, que significa máscara, o qual era o termo que designava a máscara que cobria o rosto de um ator enquanto atuava. Ademais, outra possibilidade de derivação da palavra é também do latim personare, que significa soar. Nesse sentido, era a voz do ator que se fazia ouvir, soar, por trás da máscara.

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outro lado, possuem valor apenas enquanto servem os propósitos humanos. Os humanos,

todavia, nunca podem ser usados como meio para se alcançar um fim, ainda que vise o bem-

estar da maioria. Trata-se, portanto, de formulação importante do imperativo categórico

kantiano, princípio moral fundamental do qual todas as nossas obrigações e responsabilidades

devem derivar.

Kant destaca o caráter racional do ser humano que o diferencia de todas as outras

coisas (incluindo os animais não-humanos), por disporem de desejos e objetivos

autoconscientes. Em outras palavras, os seres humanos são agentes racionais, ou seja, agentes

livres capazes de tomar suas próprias decisões, estabelecer seus próprios objetivos e guiar

suas condutas por meio da razão (RACHELS, 2006).

Assevera Xavier (2009) que o filósofo cristão Santo Tomás de Aquino (1225-

1274), ressaltou, sobretudo, a singularidade da pessoa humana, distinguindo-a de todos os

demais seres pela sua completude, incomunicabilidade, especialidade e racionalidade

Noutra linha, a definição de pessoa proposta por John Locke que, até hoje,

permeia as discussões no campo da filosofia: "um ser pensante, inteligente, dotado de razão e

reflexão, e que pode considerar-se a si mesmo como um eu, ou seja, como o mesmo ser

pensante, em diferentes tempos e lugares", põe em destaque às características da

autoconsciência e da capacidade de "reconhecer-se a si mesmo, agora, como o mesmo eu que

era antes; e que essa ação passada foi executada pelo mesmo eu que reflete, agora, sobre ela,

no presente" (Locke, 1986, p. 318 apud Ferreira, 2005).

Locke distingue os conceitos de "homem" e de "pessoa". Para ele, o homem é um

organismo biológico; é um corpo. Então, para ele, nascemos homens e podemos nos tornar

pessoas. Da bem sucedida combinação entre o homem e a pessoa, surge o homem moral, o

homem que reflete sobre si, que se reconhece como um eu no tempo e no espaço, que é capaz

de perceber-se como responsável por suas ações passadas e de refletir sobre suas ações futuras

(FERREIRA, 2005).

Como destaca Ferreira (2005), Locke expressa que o "homem nasce com direito à

liberdade de sua pessoa". A pessoa, porém, não nasce com o "homem". A qualidade de pessoa

deve ser adquirida; é um status a ser alcançado. O homem desenvolve-se para a pessoa; do ser

humano passa-se ao ser inteligente, racional e responsável, que se reconhece como um "si

mesmo" em diferentes tempos e lugares. Do homem chega-se à pessoa responsável por seus

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atos e que, como tal, se reconhece no presente e no passado e da mesma forma é reconhecida

por outras pessoas (FERREIRA, 2005).

Cassirer (2001, p. 16), por sua vez, fala de um homem como animal simbólico.

Sustenta ele que “deveríamos definir o homem como animal symbolicum e não como animal

rationale”. Segundo este autor “as coisas físicas podem ser descritas nos termos de suas

propriedades objetivas, mas o homem só pode ser descrito e definido nos termos de sua

consciência”, mas “só por meio do pensamento dialógico ou dialético podemos abordar o

conhecimento da natureza humana”.

Já Peter Singer pretende dar à expressão "ser humano" um significado preciso,

designando-o como equivalente a membro da espécie Homo sapiens. Consoante escreve o

autor:

A questão de saber se um ser pertence a determinada espécie pode ser cientificamente determinada por meio de um estudo da natureza dos cromossomas das células dos organismos vivos. Neste sentido, não há dúvida que, desde os primeiros momentos da sua existência, um embrião concebido a partir de esperma e óvulo humanos é um ser humano; e o mesmo é verdade do ser humano com a mais profunda e irreparável deficiência mental — até mesmo de um bebé anencefálico (literalmente sem cérebro) (SINGER, 2000).

Singer prossegue sua justificação propondo outra definição do termo "humano",

atribuída a Joseph Fletcher. Segundo Singer, Fletcher compilou uma lista daquilo a que

chamou "indicadores de humanidade", em que incluiu o seguinte:

Autoconsciência

Autodomínio

Sentido do futuro

Sentido do passado

Capacidade de se relacionar com outros

Preocupação pelos outros

Comunicação

Curiosidade

Dos indicadores apontados por Fletcher, destaca Singer que as elementares mais

importantes seriam a racionalidade e a autoconsciência, conforme se extrai do conceito de

Locke (Singer, 2000). E é nesta acepção que afirma deva ser compreendido o conceito de

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pessoa.

Ainda de acordo com Singer (2000):

É este o sentido do termo que temos em mente quando elogiamos alguém dizendo que "é muito humano" ou que tem "qualidades verdadeiramente humanas". Quando dizemos tal coisa não estamos, é claro, a referir-nos ao facto de a pessoa pertencer à espécie Homo sapiens que, como facto biológico, raramente é posto em dúvida; estamos a querer dizer que os seres humanos possuem tipicamente certas qualidades e que a pessoa em causa as possui em elevado grau.

Estes dois sentidos de "ser humano" sobrepõem-se mas não coincidem. O embrião, o feto subsequente, a criança gravemente deficiente mental e até mesmo o recém-nascido, todos são indiscutivelmente membros da espécie Homo sapiens, mas nenhum deles é autoconsciente nem tem um sentido do futuro ou a capacidade de se relacionar com os outros. Logo, a escolha entre os dois sentidos pode ter implicações importantes para a forma como respondemos a perguntas como "Será que o feto é um ser humano?"

Diante da possível confusão terminológica, Singer entende que o melhor é

abandonar o termo ambíguo “ser humano” e substituí-lo por dois termos diferentes,

correspondentes aos sentidos diferentes da palavra. O primeiro sentido, já ressaltado acima,

enquadra o ser humano a uma expressão, a seu juízo, mais precisa “membro da espécie Homo

sapiens”, enquanto para o segundo sentido usa o termo "pessoa", embora reconheça ele que o

termo é muitas vezes usado como sinônimo de ser humano e, portanto, provocam equívocos

interpretativos. No entanto, assevera Singer que “os termos não são equivalentes; poderia

haver uma pessoa que não fosse membro da nossa espécie. Também poderia haver membros

da nossa espécie que não fossem pessoas (...) (SINGER, 2000).

A maior dificuldade é admitir o argumento de Singer de que alguns animais não-

humanos como chimpanzés, golfinhos e, quem sabe, até porcos, são pessoas, uma vez que a

nossa compreensão de dignidade e respeito resiste a tal idéia.

Muitos filósofos criticaram o conceito proposto por Singer, conforme veremos

adiante.

Como destaca Ferreira, Ronald Dworkin, embora sem expressa referência a

Singer, admite a possibilidade de que, em sentido filosófico, alguns animais não-humanos

sejam considerados pessoas:

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Suponhamos’, diz ele, ‘que se descubra que os porcos são muito mais inteligentes e emocionalmente complexos do que os zoólogos hoje acreditam, e que alguém então pergunte se um porco deve ser considerado uma pessoa’ (Dworkin, 2003, p. 30). E, após afirmar a possibilidade de que a questão seja analisada sob o prisma filosófico e sob o prisma prático, conclui que ‘filosoficamente, poderíamos acreditar que os porcos são pessoas’ (2003, p. 30). De toda sorte, assevera, a exemplo do que ocorre nas discussões sobre o feto ser ou não pessoa, ‘seria inteligente deixar de lado a questão, não por se tratar de uma questão irrespondível, mas por ser demasiado ambígua para ser útil’ (Dworkin, 2003, p. 30 apud Ferreira, 2005).

Contudo, embora se possa filosoficamente, acreditar que os porcos são pessoas, o

fato é que os seres humanos não têm nenhuma razão para tratá-los do mesmo modo como

tratam uns aos outros (DWORKIN, 2003 apud FERREIRA, 2005). No domínio da

antropologia filosófica, a categoria de pessoa não pode ser pensada para além do humano e de

que a própria compreensão de pessoa (DWORKIN, 2003 apud FERREIRA, 2005).

De outra sorte, segundo posição de José Nedel (2004, p. 237-240 apud Ferreira,

2005):

(...) a concepção de pessoa adotada por Singer é ‘empírico-psicológica’, deduzindo a definição a partir de atributos pelos quais se expressa a personalidade, tais como a racionalidade, a consciência e a capacidade de sentir dor ou prazer, em oposição à concepção ontológica, que reconhece o status de pessoa a partir da própria estrutura ontológica do homem.Dentre os seres naturais somente o ser humano tem merecido a qualificação de pessoa; os outros animais, mesmo os superiores entre eles, como os grandes macacos, não têm sido considerados pessoas, por falta de consciência reflexa perfeita. A proposta de Singer, deste modo, constituiria um ‘nivelamento por baixo’ que ‘retira do ser humano o privilégio de sua singularidade absoluta entre todos os viventes naturais, na contramão da grande tradição ocidental’. Destaca Nedel que ‘a intenção de Singer é boa: visa a promover a defesa dos animais’, salientando que, ‘para isso, entretanto, não é mister atribuir-lhes a condição de pessoas nem direitos. Animal racional não é sujeito de direitos, segundo a velha e boa tradição filosófica e jurídica’.

Complementando o que diz Nedel, Junges argumenta que "Se a biologia define

que alguém pertence como indivíduo à espécie humana, merece respeito devido à pessoa."

(Junges, 2002, p. 08 apud Ferreira, 2005). Sendo assim, a categoria de pessoa é reservada ao

ser humano, ao indivíduo pertencente à espécie humana, dotado de dignidade e merecedor de

respeito. O humano e o não-humano são "duas realidades diferentes", porque o "ser humano é

um ser cultural e, portanto, moral. Por isso, a abrangência e o critério ético para respeitar

um e outro é diferente" (Junges, 2002, p. 08 apud Ferreira, 2005).

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A posição de Singer que tem como preocupação central o respeito aos animais,

equipara moralmente de forma indevida estes com os seres humanos, pois considera que os

indivíduos que apenas possuem mera "vida biológica humana" não têm valor intrínseco, na

medida em que a vida sem autoconsciência é desprovida de valor. Assim, defende ele que não

haveria problema em relação ao aborto ou ao descarte de embriões, ou à sua manipulação,

seja em que nível for (Xavier, 2009).

A visão reducionista de Singer atribui como característica formadora do ser

apenas uma de suas manifestações, a autoconsciência, isto é, centra-se na dimensão pensante

do ser e esquece-se de sua dimensão física do corpo como também constitutiva ser. Desse

modo, para ele muitas das modernas práticas biomédicas - no campo dos transplantes,

inseminação artificial, cuidados ao recém-nascido e aos doentes terminais – tornaram-se

incompatíveis com a crença do igual valor da vida humana, porque, entre outras coisas, esse

valor é variável, visto que "a vida sem autoconsciência não tem valor algum” (Xavier, 2009).

Em resumo, embora essas características não sejam adotadas por todos, podemos

dizer que os aspectos essências que dão singularidade à pessoa5, é a de um ser autônomo,

logo, racional, livre, responsável, que se constrói ao longo da vida, singular, único, irrepetível,

relacional e comunicativo.6

2. A IMPORTÂNCIA DO CONCEITO DE PESSOA PARA O DIREITO

O conceito atual de homem para direito está ligada a concepção e valorização da

humanidade enquanto capacidade de autonomia, ambas constitutivas do humanismo moderno.

De acordo com Renaut (2004, p. 10):

(...) o que define intrinsecamente a modernidade é, sem dúvida, a maneira como o ser humano nela é concebido e afirmado como fonte de suas representações e de seus atos, seu fundamento (subjectum, sujeito) ou, ainda, seu autor: o homem do humanismo é aquele que não concebe mais receber

5 É autônomo porque a pessoa é capaz de escolher, atuar e assumir as responsabilidades que advêm dos seus atos. É racional porque é capaz de pensar por si. Livre porque é capaz de escolher e decidir o seu caminho, tem a capacidade de agir ou não agir de acordo com sua vontade. Responsável porque assume-se como autor de uma ação, reconhece-se na ação e suporta as consequências dessa mesma ação. Ademais, que se constrói ao longo da vida, já que sempre aprende alguma coisa, aceita as mudanças, bem constrói o seu caráter com base na relação com os outros. É singular, único e irrepetível, uma vez que cada pessoa é diferente de todas as outras porque cada uma tem características próprias, no tempo e no espaço. É relacional porque só é possível a construção da pessoa na relação que estabelece com os outros e com o mundo. E, por fim, é comunicativo, porque todas as relações tem por base a comunicação.6 Karl Jaspers (2007, p. 46) também reforça o caráter relacional do homem como algo que lhe dá sentido: “ O homem acha-se sozinho em meio a uma natureza de que, não obstante é parte. Somente com seus companheiros de destino ele se transforma em homem, em si mesmo e deixa de ser solitário.”

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normas e leis nem da natureza das coisas, nem de Deus, mas que pretende fundá-las, ele próprio, a partir de sua razão e de sua vontade. Assim, o direito natural moderno será um direito ‘subjetivo’, criado e definido pela razão humana (voluntarismo jurídico), e não mais um direito “objetivo”, inscrito em qualquer ordem imanente ou transcendente do mundo.

O direito é, assim, feito pelo homem para o homem. E, como tal, deve assegurar

que este homem o status jurídico compatível a sua existência humana. Tal status advém de

sua consideração como pessoa.

O texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos dispõe, em seu Artigo VI,

diz que “Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa

perante a lei.” O homem da Declaração dos direitos humanos é uma pessoa.

Consoante adverte Tasca (2009), a princípio:

Pode soar estranho o teor deste sexto artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pois na atualidade a idéia de ser humano está indissociavelmente ligada à idéia de pessoa. Mas nem sempre foi assim. Na história da humanidade, houve épocas nas quais nem todo ser humano era reconhecido como pessoa. O instituto jurídico da escravidão legitimava a ‘propriedade’ de alguns seres humanos em relação a outros. Os escravos, por vezes, eram considerados ‘coisas’, sujeitas aos poderes do dono: compra, venda, uso, aluguel, empréstimo, destruição.

Segundo Supiot (2007, p. 236), “os direitos do Homem são os herdeiros dessa

concepção, que vê em cada pessoa um espírito único, o qual vai desenvolver-se ao longo de

toda a sua vida e lhe sobreviverá através de suas obras”. E, ao tratar sobre os fundamentos

jurídicos da pessoa, ele chama a atenção o fato de que em toda sociedade adota certa

concepção do homem que dá sentido à vida humana, bem como que, “sob o ponto de vista

jurídico, nós o consideramos como sujeito, dotado de razão e titular de direitos inalienáveis e

sagrados”. (idem, 2007, p. 12)

A idéia de que o homem é um sujeito dotado de razão não passa por uma

demonstração científica, mas é fruto de uma afirmação dogmática, própria da história do

Direito e não da história das ciências (SUPIOT, 2007).

Ademais, ressalta que os três atributos da humanidade, que são a individualidade,

subjetividade e personalidade são ambivalentes. É que o homem, enquanto indivíduo, é um

ser único, indivisível, mas também semelhante a todos. Quando tipo como sujeito, ele é

soberano, mas também se sujeita à lei comum. Já como pessoa, o homem é espírito e também

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é matéria (SUPIOT, 2007)7.

Ora, o direito deve buscar conciliar toda a ambivalência do homem e todas as suas

dimensões, uma vez que é sua função antropológica instituir o ser humano, o que significa.

Nesse sentido, Xavier (2009) ressalta, em termos jurídicos, como sinônimas as

palavras pessoa e sujeito de direito:

Na concepção jurídica, pessoa é um ente físico ou coletivo susceptível de direitos e obrigações, sendo sinônimo de sujeito de direito. Sujeito de direito é aquele que é sujeito de um dever jurídico, de uma pretensão ou titularidade jurídica, é o indivíduo que pode exercer as prerrogativas que o ordenamento jurídico lhe atribui, que tem o poder de fazer valer, através dos meios legais disponíveis, o não-cumprimento do dever jurídico.

Se formos buscar no direito positivo, veremos que a lei associou a pessoa à

subjetividade jurídica.

O Código Civil Brasileiro (Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002) , por exemplo,

dispõe que, em seu art. 2o que “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com

vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” Desse modo, no

sentido jurídico moderno, todo ser humano é pessoa, dotado, pois, de uma personalidade

jurídica, considerada a aptidão genérica para adquirir direitos e deveres.

O Código Civil Argentino, por sua vez, caracteriza a pessoa com sendo “todos los

entes susceptibles de adquirir derechos, o contraer obligaciones” (art. 30), sejam elas de

existência visível ou não. Contudo, ao disciplinar o que seja uma pessoa de existência visível,

ou seja, o ser humano, preceitua que são: "Todos los entes que presentasen signos

característicos de humanidad, sin distinción de cualidades o accidentes, son personas de

existencia visible” (art. 51).

Ademais, a lei civil argentina também fixa o marco temporal da proteção à pessoa

como ente humano digno de amparo legal. Prescreve o art. 70 que:

Desde la concepción en el seno materno comienza la existencia de las perso-nas; y antes de su nacimiento pueden adquirir algunos derechos, como si ya

7 Cumpre ressaltar que é noção de homo juridicus que busca vincular as dimensões biológicas e simbólicas que constituem o ser humano, ou nas palavras de Supiot (2007, prólogo), “o Direito liga a infinitude de nosso universo mental à finitude de nossa experiência física, cumprindo em nós uma função antropológica de instituição da razão.”

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hubiesen nacido. Esos derechos quedan irrevocablemente adquiridos si los concebidos en el seno materno nacieren con vida, aunque fuera por instantes después de estar separados de su madre.

Certo, porém, é que todas as pessoas têm direitos inerentes à sua condição

humana, os chamados direitos de personalidade, classificados em três grandes categorias: a.

direito à integridade física; b. direito à integridade moral; c. direito à integridade intelectual.

Como já ressaltado, muitas tem sido as discussões bioéticas sobre qual o limite

para se lidar com a disponibilidade da vida humana que, em regra, suscitam de igual forma

embates no campo jurídico. A principal delas, talvez, seja quanto início da vida humana

Uma leitura da lei indica que a personalidade civil só existe a partir do nascimento

do ser humano, tal como defendem os adeptos da teoria natalista, embora se assegure, desde a

concepção, a proteção ao nascituro. Contudo, para os adeptos da posição conceptivista é

possível admitir que, em termos jurídicos, o asseguramento dos direitos ou interesses do

nascituro o caracteriza já como pessoa, ainda que uma pessoa virtual, potencial.

Entendemos que a posição conceptivista é que melhor traduz a importância da

vida humana, uma vez que, como acentuam Campos e Barbas (2001):“Todo indivíduo que

pertence à espécie humana tem natureza de pessoa — ubi homo sapiens, ibi persona. Não é

possível conceber a existência de seres humanos que não sejam pessoas”. E arrematam: “As

categorias do Direito assim como as fronteiras de tutela jurídica têm de adaptar-se às

realidades decorrentes da vida humana nascente e do embrião. As normas jurídicas devem

reconhecer valor às normas biológicas, às leis da vida.”

Desse modo, ponderamos que a vida humana, a pessoa humana e personalidade

jurídica começam com a concepção, devendo o Direito se conformar à realidade da natureza

humana e não o contrário8.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concordamos com a visão kantiana de que os seres humanos ocupam um lugar

8 O ser humano é uma entidade pré-jurídica que impõe ao Direito todo um conjunto de reivindicações, com reflexos em vários domínios, desde logo, o reconhecimento da sua personalidade jurídica. A personalidade jurídica não é construída pelo ordenamento jurídico; este limita-se a reconhecê-la como um estatuto jurídico, um Direito inato que caracteriza toda a pessoa. É um atributo inerente à própria natureza do ser humano em sentido ontológico e o seu reconhecimento consubstancia o Direito do humano. É uma categoria, um espaço, fundamental da ciência jurídica. (CAMPOS e BARROS, 2001).

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especial na criação, bem como que estes possuem “um valor intrínseco”, isto é, “dignidade”,

o que os torna valiosos “acima de tudo”. E que tratar o ser humano não dotado de

autoconsciência como um animal, subtrai-lhe seu valor, bem como promove um nivelamento

por baixo em relação às outras espécies vivas, na medida em que lhe retira sua singularidade e

importância.

Nada justifica tratar os seres humanos como aos animais, mesmo que se tenha a

boa intenção de valorizar estes últimos.

Assim, somos contrários, portanto, às posições que distingue as dimensões do ser

humano, como faz Peter Singer, entre vida biológica e ser pensante, dotado de

autoconsciência, conferindo-lhes tratamento diferente. O ser humano, a pessoa, é algo

integral, composto de corpo e alma e assim deve ser visto, independentemente de suas

qualidades, seu estado físico ou psíquico.

Embora o conceito filosófico de pessoa seja sempre mais amplo que o do Direito,

este não pode perder vista o valor do homem enquanto distinto e superior a qualquer outra

espécie animal. E que, por isso, deve ampliar cada vez mais seu espectro de proteção sobre os

direitos da pessoa, salvaguardando não só ser biológico dotado de autoconsciência, mas

também a pessoa em potencial (nascituro, embriões); a pessoa em sua integridade física e

psíquica; e a pessoa enquanto corpo humano indisponível.

É esse o tratamento adequado que o direito deve dar a ser humano. Tratá-lo o mais

breve e integralmente como pessoa, conferindo-lhe a proteção necessária que a dignidade

decorrente de sua condição com ser único, irrepetível exige.

Em síntese, o homem deve ser tributário de dignidade jurídica em toda sua

ambivalência.

BIBLIOGRAFIA

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