etica bioetica moral

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Aula: Dr. Roberto Lana ÉTICA (GREGO) = "COSTUMES" MORAL (LATIM) ÉTICA = RELAÇÃO EU x SOCIAL (COLETIVO) MORAL = RELAÇÃO EU x VALORES INDIVIDUAIS ÉTICA = CONSIDERAÇÃO RACIONAL (RAZÃO) MORAL = FIDEÍSTA (FÉ) http://www.psiquiatrianet.com.br/bioetica/index.htm Aula: Dr. Roberto Lana RAIZ GREGA: DÉON = NECESSIDADE, CONVENIÊNCIA CIÊNCIA DOS DEVERES ORIGEM: FILÓSOFO J. BENTHAN (1834) - "DEONTOLOGIA OU CIÊNCIA DA MORALIDADE" CONJUNTO DE REGRAS TRADICIONAIS QUE REGEM O COMPORTAMENTO DE MEMBRO DO CORPO SOCIAL (DIRETRIZES) "ESPÍRITO" QUE ANIMA A PROFISSÃO Aula: Dr. Roberto Lana MORAL = QUALIDADE DA AÇÃO DEONTOLOGIA = CORREÇÃO DA AÇÃO ÉTICA = RESPONSABILIDADE DA AÇÃO ÉTICA BIOMÉDICA (SPINASANTI): "TOMAR DECISÕES COM CIÊNCIA E CONSCIÊNCIA" "É A PONTE DA RAZÃO ENTRE AS CONSCIÊNCIAS INDIVIDUAIS"

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Page 1: Etica Bioetica Moral

Aula: Dr. Roberto Lana

ÉTICA (GREGO)= "COSTUMES"

MORAL (LATIM)

ÉTICA = RELAÇÃO EU x SOCIAL (COLETIVO)

MORAL = RELAÇÃO EU x VALORES INDIVIDUAIS

ÉTICA = CONSIDERAÇÃO RACIONAL (RAZÃO)

MORAL = FIDEÍSTA (FÉ)

http://www.psiquiatrianet.com.br/bioetica/index.htm

Aula: Dr. Roberto Lana RAIZ GREGA: DÉON = NECESSIDADE, CONVENIÊNCIA CIÊNCIA DOS DEVERES ORIGEM: FILÓSOFO J. BENTHAN (1834) - "DEONTOLOGIA OU CIÊNCIA DA

MORALIDADE" CONJUNTO DE REGRAS TRADICIONAIS QUE REGEM O COMPORTAMENTO DE

MEMBRO DO CORPO SOCIAL (DIRETRIZES) "ESPÍRITO" QUE ANIMA A PROFISSÃO

Aula: Dr. Roberto Lana

MORAL = QUALIDADE DA AÇÃO DEONTOLOGIA = CORREÇÃO DA AÇÃO ÉTICA = RESPONSABILIDADE DA AÇÃO

ÉTICA BIOMÉDICA (SPINASANTI):

"TOMAR DECISÕES COM CIÊNCIA E CONSCIÊNCIA"

"É A PONTE DA RAZÃO ENTRE AS CONSCIÊNCIAS INDIVIDUAIS"

 

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Prof. José Roberto Goldim

 

A utilização de princípios como forma de reflexão é uma abordagem clássica e extremamente utilizada na Bioética. Os tipos de princípios propostos pelos diferentes autores ilustram a riqueza desta discussão. William Frankena, em 1963, propôs que os princípios são tipos de ação corretos ou obrigatórios. Estes princípios são deveres prima facie. Frankena propõe que dois princípios devem ser observados:

A beneficência e A justiça.

Frankena WK. Ética.Rio de Janeiro: Zahar, 1981:61, 73.

O Relatório Belmont, publicado em 1978, utilizou como referencial para as suas considerações éticas, a respeito da adequação das pesquisas realizadas em seres humanos, três princípios básicos:

O respeito às pessoas, A beneficência e A justiça.

The Belmont Report: Ethical Guidelines for the Protection of Human Subjects. Washington: DHEW Publications (OS) 78-0012, 1978

Tom Beauchamp e James Chidress, na época, 1978, ambos vinculados ao Kennedy Institute of Ethics, publicaram o seu livro Principles of Biomedical Ethics, que consagrou o uso dos princípios na abordagem de dilemas e problemas bioéticos. Estes autores consideravam quatro princípios:

Autonomia, Não-Maleficência, Beneficência e Justiça.

O conjunto dos quatro princípios, devido a sua intensa utilização e grande aceitação, passou a ser chamado de Mantra do Instituto Kennedy de Ética. O referencial teórico, proposto por Beauchamp e Childress, serviu de base para o que se denominou de "Principlism" (principialismo, em português), ou seja, a escola bioética baseada no uso dos princípios como modelo explicativo.

Beauchamp TL, Childress JF. Principles of Bioemdical Ethics. 4ed. New York: Oxford, 1994:100-103.

Termo Principlism foi cunhado por Dan Clouser e Bernard Gert em 1990. A melhor tradução para este termo é Principialismo, pois a origem latina da palavra é principia. Alguns autores utilizam Principismo ou Principalismo, que são traduções que devem ser evitadas, por não terem base etimológica.

Clouser D, Gert B. A critique of principlism. Journal of Medicine and

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Philosophy 1990; 15:219-236.

A nova visão dos 4 princípios não está clara para os autores. Serão eles primários, suficientes, são uma abordagem correta para a Moralidade Comum? Outros valores, como a solidariedade, deverão ser incorporados?

Emanuel EJ. The beginning of the end of principlism. Hastings Center Report 1995; 25(4): 37-38.

O Advisory Committee on Human Radiation Experiments (ACHRE) utilizou, para embasar sua reflexão ética a respeito destes experimentos, seis princípios éticos básicos:

As pessoas não são meios mas sim fins; Não enganar; Não infligir danos ou riscos de danos; Promover o bem-estar e prevenir o dano; Tratar as pessoas imparcialmente e de maneira igual; Respeitar a autodeterminação.

Beauchamp TL. Looking back and judging our predecessors. KIE Journal 1996; 6(3) 253.

 

 

A Bioética é a pesquisa de soluções para os conflitos de valores no mundo da intervenção biomédica.Esta definição pode ter tido como ponto de partida a afirmativa de James Childress de que "no âmbito da Ética o conflito é inevitável".

O Prof. Guy Durant é professor de Ética na Universidade de Montreal/Canadá.

Durant G. A Bioética: natureza, princípios, objetivos. São Paulo Paulus, 1995:22.

Bioética é o estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e a atenção à saúde, enquanto que esta conduta é examinada a luz dos princípios e valores morais.

Esta definição restringiu a área de abrangência da Bioética à pesquisa e atenção à saúde.

O Prof. Warren Reich é membro do Kennedy Institute of Ethics, da Universidade

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Georgetown/Washington/EEUU, e é o editor da Enciclopédia de Bioética.

Reich W.T. Encyclopedia of Bioethics. New York: Free Press-Macmillan, 1978:116.

REFLEXÕES SOBRE A BIOÉTICA E O CONSENTIMENTO ESCLARECIDO

Revista Bioética Vol.2 n°2- 1994Paulo Antônio de Carvalho Fortes - Médico.

Doutor em Saúde Pública, Professor da Faculdadede Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo-SP.

 

O autor discute a manifestação da autonomia individual o consentimento esclarecido em práticas e procedimentos relacionados à reflexão e ao estudo da bioética. Afirma como elementos do consentimento a liberdade, a informação, a temporalidade e sua possível revogabilidade.

Ressalta a necessidade de se adotar o padrão subjetivo para que a informação a ser revelada fundamente o consentimento esclarecido. Tece ainda considerações a respeito da competência dos indivíduos de decidir e sobre exceções ao princípio.

UNITERMOS Consentimento esclarecido, autonomia, beneficência.

As inovações tecnológicas das últimas décadas no campo das ciências médicas e biológicas trazem em si enorme poder de intervenção sobre a vida e a natureza, obrigando a profunda reflexão bioética em razão das conseqüências advindas para os indivíduos e a sociedade. A Bioética, de caráter eminentemente multidisciplinar, compreende "o estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e dos cuidados da saúde, na medida em que esta conduta é examinada à luz dos valores e princípios morais" (1).

A discussão e a reflexão sobre o comportamento ético em atividades de saúde não devem ser observadas, como uma rápida e apressada leitura poderia sugerir, como sendo apenas limitadas a relações e interesses meramente individuais. Ao contrário, devem ser compreendidas dentro do enfoque de responsabilidade social e ampliação dos direitos da cidadania, pois, como afirma Garrafa, sem cidadania não há saúde (2).

Por afetarem pessoas, cada decisão, procedimento ou ação abrangidos na esfera dos cuidados da saúde, envolvem princípios e valores diversos, às vezes conflituosos, podendo resultar em dilemas éticos para os profissionais de saúde. Aceitando como princípios éticos primários a autonomia, a beneficência, a não causação de dano e a justiça, como propugnado por Beauchamp & Childress (3), escolhemos reter nossa reflexão sobre aspectos relacionados ao princípio da autonomia, por ser este princípio fundamental para guiar as ações no campo da saúde.

O termo autonomia, de acordo com sua origem etimológica grega, significa autogoverno, referindo-se ao poder da pessoa de tomar decisões que afetem sua

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vida, sua integridade físico-psíquica, suas relações sociais. Citando novamente Beauchamp & Childress: "A pessoa autônoma é aquela que não somente delibera e escolhe seus planos, mas que é capaz de agir com base nessas deliberações" (3).

O direito moral do ser humano à autonomia gera um dever dos outros em respeitá-lo. A conquista do respeito a esse direito nas relações com os profissionais e serviços de saúde consiste em fenômeno histórico socialmente determinado, que vem deslocando paulatinamente, nas últimas décadas, a beneficência como princípio prevalente destas relações. A partir dos anos sessenta, entre outras causas, em virtude dos movimentos de defesa dos direitos fundamentais da cidadania e, especificamente, dos reivindicativos do direito à saúde e humanização dos serviços de saúde, vem-se ampliando a consciência por parte dos indivíduos de sua condição de agentes morais autônomos, desejosos de estabelecer com os profissionais de saúde relações onde ambas as partes mutuamente se necessitam e se respeitam ( 4,5,6).

O respeito à autodeterminação fundamenta-se no princípio da dignidade da natureza humana, acatando-se o imperativo categórico kantiano que afirma que o ser humano é um fim em si mesmo. O respeitar a pessoa autônoma pressupõe a aceitação do pluralismo social, não podendo ser observado apenas como um dever legal que protegeria os profissionais e serviços de saúde em matéria de responsabilidade jurídica. Respeitar a autonomia é reconhecer que ao indivíduo cabe possuir certos pontos de vista e que é ele que deve deliberar e tomar decisões seguindo seu próprio plano de vida e ação, embasado em crenças, aspirações e valores próprios, mesmo quando divirjam daqueles dominantes na sociedade (7).

Manifestação da essência do princípio da autonomia é o consentimento esclarecido. Este deve ser emitido pelo indivíduo quando de atos que afetem sua integridade físico-psíquica. Aceitamos a noção de consentimento esclarecido enquanto ato de decisão voluntária, realizado por uma pessoa competente, embasada em adequada informação e que seja capaz de deliberar tendo compreendido a informação revelada, aceitando ou recusando propostas de ação que lhe afetem ou poderão lhe afetar.

No campo das práticas que se relacionem com a saúde das pessoas tal assertiva significa que o indivíduo é quem, de forma ativa, deve autorizar as propostas a ele apresentadas e não meramente assentir a um plano diagnóstico ou terapêutico, por meio de uma atitude submissa às ordens dos profissionais de saúde.

O consentimento esclarecido deve ser recolhido anteriormente à realização de todo procedimento sobre o organismo humano de natureza física ou psíquica.

Podemos identificar a necessidade de garanti-lo em uma gama diversificada de temas que atualmente são debatidos por aqueles que se dedicam ao estudo da Bioética, como, por exemplo, nos casos de permissão das pessoas que se prestam a experimentações, na identificação das características pessoais por meio de exames genéticos, no tocante às doações in vivo ou post mortem e na recepção de órgãos e tecidos, por meio das técnicas de transplantes.

A questão se coloca em relação às atividades técnicas de reprodução assistida fecundação in vitro, doação ou recebimento de gametas, sêmen, óvulos, assim como nos procedimentos de inseminação artificial e na conservação dos embriões supranumerários advindos das técnicas de fecundação in vitro.

É também imperiosa a garantia do consentimento esclarecido nos casos de coleta e produtos de origem humana, no reconhecimento antenatal das condições de viabilidade do feto e na terapêutica intra-uterina, na identificação de pessoas por meio de suas "impressões" genéticas, nas manipulações do patrimônio genético,

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em situações relacionadas aos portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e com síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), assim como na utilização de dados pessoais e nominativos por meio de sistemas de informatização e bancos de dados (8).

O consentimento deve ser livre, voluntário, consciente, não comportando vícios e erros. Não pode ser obtido mediante práticas de coação física, psíquica ou moral ou por meio de simulação ou práticas enganosas, ou quaisquer outras formas de manipulação impeditivas da livre manifestação da vontade pessoal.

De acordo com esses pressupostos é que, atualmente, tende a predominar o posicionamento contrário à submissão de detentos ou pessoas em situação de internamento compulsório, a experimentações científicas, pois nestas situações o seu consentimento dificilmente será livre (8, 9).

Apesar de se poder concordar com a afirmação de Loewi (10), de que a autonomia individual completa é sobretudo um ideal e não um fato concreto, é difícil imaginar que a liberdade do indivíduo possa ser total, que não exista nas relações sociais forte grau de controle. Mas, se o homem não é um ser totalmente autônomo, não significa que esteja no pólo oposto, que seja escravo das paixões ou dos fatores sociais, pois apesar de todos condicionantes sociais, o homem pode se mover dentro de uma margem própria de decisão e de ação.

Para se ter a garantia da liberdade de consentir é preciso que a práxis dos profissionais de saúde esteja imbuída da noção do respeito ao princípio da autonomia individual, pois em razão do domínio psicológico, conhecimento especializado e habilidades técnicas que possuem, eles podem inviabilizar a real manifestação da vontade da pessoa com quem se relacionam. Aceita-se que se utilizem da persuasão, mas não da coação ou da manipulação. Persuasão, entendida como a tentativa de induzir alguém por meio de apelos à razão para que livremente aceite crenças, atitudes, valores, intenções ou ações advogadas pela pessoa que persuade. Já a manipulação apresenta valor ético contrário, pois tenta fazer com que a pessoa realize o que o manipulador pretende sem saber o que ele intenta (11).

Além das restrições externas, a liberdade de consentir pode estar prejudicada por defeitos no controle decisório, devido a condições em que o indivíduo está dominado por desejos que ele não quer ter, como é o caso das pessoas em situações de agudização de alguns transtornos mentais ou sob o efeito de intoxicação por substâncias químicas, tornando as decisões e escolhas feitas não genuínas (12).

Além de ser livre, para que voluntariamente e conscientemente o indivíduo possa tomar decisões, e assim expresse seu consentimento esclarecido, aceitando ou recusando aquilo que lhe é proposto, é necessária a adequada informação.

Veatch (13), adepto das teorias deontológicas, que se fundamentam na noção do dever, considera que as pessoas têm direito à informação independentemente de sua utilidade social. Os utilitaristas, por sua vez, justificam o direito à informação nas atividades dos profissionais de saúde, pela criação de uma maior confiança dos indivíduos submetidos à relação com aqueles.

Mas para que haja um consentimento esclarecido a informação revelada deve ser compreendida, não sendo suficiente que a pessoa seja mera receptora. Informações falseadas, incompletas ou mal-entendidas podem ocasionar defeitos de raciocínio, por meio dos quais os indivíduos formam suas opiniões baseados em fatos manifestamente implausíveis e comprometem sua decisão autônoma. As informações devem ser adaptadas às circunstâncias do caso e às condições sociais,

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psicológicas e culturais, utilizando-se um padrão orientado para cada paciente, que denominamos de padrão subjetivo.

O padrão subjetivo requer uma abordagem informativa apropriada a cada indivíduo. A discussão sobre cada situação deve ser feita adaptando-se aos valores e expectativas psicológicas e sociais de cada pessoa, sem se ater a fórmulas padronizadas. Os pacientes devem, segundo esta linha de raciocínio, ser considerados como únicos, não padronizáveis e o consentimento com a adequada informação deve se basear, não na escolha de uma suposta "ótima alternativa científica ou tecnológica", mas sim, "da melhor para aquela pessoa".

Esse padrão obriga o profissional de saúde a ser realmente respeitador da autonomia individual e requer que descubra, baseando-se nos conhecimentos e na arte de sua prática, o que efetivamente cada pessoa gostaria de conhecer e quanto gostaria de participar das decisões.

As informações a serem transmitidas devem ser pautadas na natureza dos procedimentos, nos objetivos diagnósticos ou terapêuticos, nas alternativas existentes para os procedimentos propostos, nas possibilidades de êxito. Devem pautar-se no balanço entre os benefícios a serem obtidos e os riscos e inconvenientes possíveis de ocorrerem, e ainda, sobre as probabilidades de alteração das condições de dor, sofrimento e de suas condições patológicas. Se for o caso, deve o paciente ser esclarecido de que o tratamento ou a prática diagnóstica é experimental ou faz parte de um protocolo de pesquisas.

A noção do conhecimento esclarecido desaprova e tece críticas a que se ministrem informações exclusivamente ou prioritariamente por escrito. A padronização das informações contradiz a busca por padrão subjetivo e geralmente visa somente o cumprimento de ritual legal (14).

As dificuldades existentes em assegurar a transmissão dos conhecimentos técnicos às pessoas leigas ou mesmo a profissionais de saúde que estejam na condição de pacientes, levam a que autores, como Weiss (15), se expressem sobre a impossibilidade da existência de um consentimento totalmente esclarecido.

Rebatendo essa tese pode-se afirmar que não há, eticamente, necessidade de que as informações prestadas sejam tecnicamente detalhadas. É suficiente que sejam leais, compreensíveis, aproximativas e inteligíveis para que a manifestação autônoma do indivíduo seja garantida (16).

Porém, ocorrem circunstâncias em que a ansiedade ou o medo a respeito das condições de saúde, o simples desinteresse, a incapacidade de compreender as informações apresentadas, ou, ainda, a extrema confiança depositada nos profissionais de saúde, levam a que os pacientes se recusem a ser informados de suas condições.

Certo que o indivíduo capaz tem o direito de não ser informado, quando assim for sua vontade expressa. O respeito ao princípio da autonomia orienta que se aceite a vontade pessoal impedindo os profissionais de saúde de lhe fornecerem informações desagradáveis e autorizando a que estes últimos tomem decisões nas situações concernentes ao seu estado de saúde, ou, ainda, devam preliminarmente consultar parentes ou amigos do paciente.

Para validar-se tal direito, o paciente deve ter clara compreensão que é dever do médico informar a ele sobre os procedimentos propostos, que tem o direito moral e legal de tomar decisões sobre seu próprio tratamento. Deve também compreender que os profissionais não podem iniciar um procedimento sem sua autorização,

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exceto nos casos de iminente perigo de vida. E, finalmente, que o direito de decisão inclui o de consentir ou de recusar a se submeter a determinado procedimento.

A partir do preenchimento desses pressupostos o paciente pode escolher não querer ser informado ou, alternativamente, que as informações sejam dadas a terceiros ou ainda querer emitir seu consentimento sem receber determinadas informações.  

Como não existe hierarquia entre os princípios éticos, pois não possuem caráter de valor absoluto, a autonomia, assim como os outros princípios primários, pode ser suplantada em determinadas situações pela beneficência, ou pelo princípio de não causar dano.

Os utilitaristas consideram que a beneficência e o princípio de não causar dano justificam que em certas circunstâncias a informação possa ser sonegada ao paciente, ou mesmo que a ele seja ocultada a verdade. Legitimam que o profissional de saúde maneje qualitativamente ou quantitativamente as informações a serem fornecidas, e, mesmo, esteja isento de revelá-las caso possam conduzir a uma deterioração do estado físico ou psíquico do paciente, afetando a tomada de decisões.

Para a ética das conseqüências há casos em que se pode aceitar o fato de que a mentira pode trazer benefícios ao paciente, isto é, mantê-lo com saúde ou mesmo, vivo. Sua justificativa fundamenta-se na tese de que, para reparar a desintegração produzida pela enfermidade, é preciso violar até certo ponto a autonomia da pessoa, objetivando restaurá-la (17).

Este ponto enseja relevante divergência com os adeptos das teorias éticas deontológicas que não aceitam a permissão de mentir, pois entendem que a mentira violaria o princípio da autonomia e não pode ser validada eticamente (18).

A nosso ver é preciso cautela na validação do ocultamento da verdade sob alegações de perigo de que informações nem sempre bem-vindas, esperadas ou desejadas possam causar danos psicológicos. As pesquisas e análises junto aos próprios pacientes não demonstram tais assertivas (19,20).

A legitimação ética desse proceder tem servido freqüentemente para que os profissionais de saúde se escusem do penoso dever de dialogar e revelar situações desagradáveis sobre o diagnóstico ou o prognóstico. E, mesmo aceitando-se a tese da não obrigatoriedade de se revelar certas informações potencialmente danosas, isto não exclui o dever de revelar outros elementos do caso, isto é, não produz direito de que o profissional se cale sobre tudo que diz respeito aos procedimentos, técnicas e tratamentos a serem utilizados e suas conseqüências.

É ainda importante ressaltar que do ponto de vista ético a noção do consentimento esclarecido pode diferir da forma adotada pela lei e pelos tribunais (21). No terreno da ética ela é mais aprofundada porque não se limita ao simples direito à recusa, como se expressa nas normas penais brasileiras, Código Penal, art. 146, parágrafo 3º, I. Discorrendo a esse respeito, Pellegrino (6) observa que quando a autonomia chega a ter uma acentuada qualidade legalista ocorre uma tendência ao minimalismo ético, restringindo-se ao exclusivo cumprimento daquilo que é prescrito pela lei.

O terceiro elemento do consentimento diz respeito a sua temporalidade. O consentimento, quando preliminarmente recolhido, o foi dentro de determinada situação. Sendo assim, quando ocorrerem alterações significantes no panorama do estado de saúde inicial ou da causa pela qual o consentimento foi dado, este deverá ser renovado.

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Em virtude desse preceito consideramos que a assinatura de termo de responsabilidade fórmula adotada pela maioria dos estabelecimentos hospitalares no ato da internação, quando o paciente ou seu representante legal declara estar ciente de todos os riscos que poderão advir das medidas adotadas durante sua estadia no estabelecimento e autoriza a realização de todos os atos que os profissionais julgarem necessários tem valor ético e legal nulos.

O consentimento não pressupõe imutabilidade e permanência, podendo ser revogado a qualquer instante por decisão voluntária, livre, consciente e esclarecida, sem que ao paciente sejam imputadas sanções morais ou legais.

O direito a ter o consentimento revogado pressupõe a inexistência de defeitos na estabilidade. A instabilidade que leva à mudança das decisões, de um momento para outro no mesmo indivíduo, pode relacionar-se com a falta de real manifestação autônoma. Todavia, como expressa o já mencionado Harris (12), é preciso muito cuidado ao se considerar que a mudança de opiniões signifique defeito de estabilidade, pois se podemos refutar decisões tomadas em outras épocas de nossas vidas, isto não quer dizer que elas tenham sido irracionais, precipitadas ou errôneas, mas que foram tomadas à luz dos conhecimentos e da visão própria de cada tempo, elas foram simplesmente diferentes das que tomaríamos hoje.

As ações dos profissionais de saúde nas situações de emergência, em que os indivíduos não conseguem exprimir suas preferências ou dar seu consentimento, fundamentam-se no princípio da beneficência, assumindo o profissional o papel de protetor natural do paciente por meio de ações positivas em favor da vida e da saúde da pessoa. Nas situações de emergência aceita-se a noção da existência de consentimento presumido ou implícito, pelo qual supõe-se que a pessoa, se estivesse de posse de sua real autonomia e capacidade, seria favorável à intervenção na tentativa de resolver causas e/ou conseqüências de suas condições de saúde.

Aliás, a inação do profissional nas circunstâncias de grave e iminente perigo de vida pode consubstanciar situação de omissão de socorro, contrariando o dever de solidariedade imposto pelo acatamento ao princípio de beneficência, Código Penal, art. 135.

Polêmica é a questão da recusa a procedimentos médicos por motivos religiosos, como nos casos dos adeptos da seita das Testemunhas de Jeová, que, mesmo em situações de risco de vida, rejeitam a possibilidade de receberem sangue. Nos anos recentes as cortes americanas e canadenses têm fundamentado suas decisões no predomínio do princípio da autonomia, acatando a recusa a transfusões sanguíneas por parte de pacientes seguidores daquela seita, quando maiores e capazes, mesmo se encontrando em situação de emergência e risco de vida (22).

Mas, contrariamente, os juízes permitem a realização do procedimento em crianças, filhas de adeptos da seita, mesmo contrariando o desejo de seus pais ou responsáveis, por considerarem que não sendo ainda possível a manifestação autônoma da criança, o direito à vida deva prevalecer sobre a manifestação da vontade parental.

Finalizando esta reflexão devemos nos deter na questão da competência dos indivíduos em decidir. Aqui observa-se a abordagem ética poder diferir das normas jurídicas. No âmbito legal presume-se que um adulto é competente até que a justiça o considere incompetente e restrinja seus direitos civis, mas no campo da ética raramente se julga uma pessoa incompetente com respeito a todas esferas de sua vida.

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A abordagem ética se revela mais complexa, pois por um lado qualquer desordem emocional ou mental, e mesmo uma alteração física, pode comprometer a apreciação e a racionalidade das decisões reduzindo a autonomia do paciente, dificultando sobremaneira o estabelecimento de limites precisos de capacidade individual de entendimento, de deliberação, de escolha racional. Neste caso passa a ser necessária a diferenciação da pessoa autônoma com a possibilidade de realização de atos autônomos.

Por outro lado, mesmo os indivíduos considerados incapazes para certas decisões ou campos de atuação, não o são para tomar decisões em outras. O julgamento de incompetência deve ser dirigido a cada ação particular e não a todas as decisões que a pessoa, mesmo aquela considerada legalmente como incompetente, deva tomar (3).

A pessoa acometida de transtornos mentais, assim como os indivíduos retidos em estabelecimentos hospitalares ou de custódia, não devem ser vistos como totalmente afetados em sua capacidade decisional. O simples fato da existência do diagnóstico de uma doença mental não implica que ocorra incapacidade do indivíduo para todas as decisões a serem tomadas com respeito à sua saúde ou vida (23, 24).

Deve-se ainda salientar que a autonomia do paciente, não sendo um direito moral absoluto, poderá vir a se confrontar com a do profissional de saúde. Este pode, por razões éticas, se opor aos desejos do paciente de verem realizados certos procedimentos, tais como técnicas de reprodução assistida ou eutanásia.

Finalmente, embora possamos concordar com Drane (25), ao afirmar que apesar de existirem acordos quanto aos princípios éticos a aplicação destes em casos concretos é tarefa difícil e delicada, julgamos necessário que cada vez mais as políticas de saúde e as políticas educacionais orientadas à formação dos profissionais de saúde estejam voltadas à redução das violações contra os princípios éticos, tal como o cotidiano dos serviços de saúde facilmente demonstra, caminhando para a construção de um sistema de saúde comprometido com uma prática mais humanista.

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Breve Discurso sobre Valores, Moral, Eticidade e Ética

Revista Bioética Vol.2 n°1- 1994

* Claudio Cohen** Marco Segre

Page 12: Etica Bioetica Moral

* Professor Assistente Doutor, Departamento de Medicina Legal, Ética Médica e Medicina Social e do Trabalho(FMUSP), São Paulo - SP.

** Professor Titular, Departamento de Medicina Legal, Ética Médica e Medicina Social e do Trabalho, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo - SP

Os autores propõem uma conceituação de moral, eticidade e ética. Trata-se, segundo eles,de conceitos diferentes, que procuram caracterizar, utilizando para isso, também, a doutrina psicanalítica.Basicamente, colocam a eticidade como a condição do ser humano de poder vir a ser ético, e a ética como algo que emerge das emoções e da razão de cada pessoa, tendo-se como pressuposto a autonomia na escolha do posicionamento no percurso que unido coração à razão. Já a moral é encarada como um conjunto de direitos ede deveres, impostos durante a estruturação da personalidade, com relação a cada um dos quais, aparentemente,a pessoa não tem condições de opção e, portanto, de autonomia. Valendo-se da teoria psicanalítica, os autores definam a moral como superegóica, trazendo em seu bojo a marca da proibição, comparável à de umcódigo, e do conseqüente castigo. A ética, por sua vez, resulta do amadurecimento do ego, autônomo, mas num enfoque mais abrangente do que o kantiano, lesando em conta também as emoções (fundamento das crenças).Concluem o trabalho enfatizando dever passar, a ética, basicamente, pelo RESPEITO AO SER HUMANO,após terem feito considerações sobre o fato de quanto mais desenvolvido for o sentir ético dos membros de uma sociedade, menos ela necessitará de uma codificação repressiva, e, portanto, moralista.UNITERMOS - Ética, moral, juízo de valores.

Introdução

Propomos, no presente trabalho, uma revisão dos conceitos de valores, moral e ética, apenas aparentemente cristalinos para cada um de nós.

Consideramos que esses termos são frequentemente utilizados, carecendo de maior precisão quanto ao seu significado.

A pessoa não nasce ética; sua estruturação ética vai correndo juntamente com o seu desenvolvimento. De outra forma, a humanização traz a ética no seu bojo.

Muitos crêem que a eticidade, ou condição de vir a ser ético, significa apenas a competência para ouvir o que o coração diz. Acreditamos que essa seja apenas uma característica de sensibilidade emocional, reservando-se o ser ético para os que tiveram a capacidade de percepção dos conflitos entre o que o coração diz e o que a cabeça pensa, podendo-se percorrer o caminho entre a emoção e a razão posicionando-se na parte desse percurso que se considere mais adequada.

Podemos avaliar esse conflito a partir da ótica proposta por Clande Lévi-Strauss, que alega ser o homem um ser biológico (isto é, produto da natureza) e ao mesmo tempo um ser social (isto é, produto da cultura), resultando portanto um ser ambíguo, produto da natureza e da cultura. Portanto, ele está sujeito às leis naturais e culturais (1), que muitas vezes são conflitantes, como por exemplo no caso dos desejos incestuosos (natural) e da sua proibição (cultural).

Para exemplificar essa passagem do ser biológico para o psicossocial podemos observar a instituição familiar. O ser humano não nasce com o conceito de família (2), pois esta implica em um modelo de significação e organização desse parentesco não obrigatoriamente natural, tendo portanto característica cultural (ainda que esteja apoiado no modelo biológico, como ocorre quando o pai biológico

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é também o pai social). Sabemos que a descoberta da paternidade, estruturante do nosso modelo atual de família, é um dado que se funda na observação, pois a descoberta da relação entre sexo e procriação não é um dado imediato da consciência.

Da mesma maneira que não se nasce com a consciência do significado de família, o mesmo ocorre com os conceitos de valores, de moral e de ética, sendo eles introjetados a partir da experiência de vida.

Muitas vezes, pela sua proximidade, esses conceitos são confundidos, outras vezes eles se fundem. Tentaremos mostrar, aqui, como na realidade eles são distintos, trazendo à tona algumas de suas diferenças, citando exemplos que nos pareçam demonstrativos.

1) 0 conceito capitalista de que tempo é dinheiro reduz a vida a um valor, podendo-se chegar à noção de quanto custa uma vida, o que pode ser de enorme interesse para a medicina securitário, carecendo, entretanto, freqüentemente, de um enfoque ético.

2) 0 movimento hippie, que tinha como lema paz e amor, aproximou-se de uma ética universal. Esse movimento foi, porém, inviável na vida prática: muitos de seus membros foram presas durante a guerra dos Estados Unidos com o Vietnã por terem se negado a participar dos combates, passando a ser considerados como desrespeitadores da moral americana daquele momento; eles foram entretanto coerentes com os próprios princí0pios.

Quem sabe, no mito Robin Hood, possamos observar um modelo dessa coerência, mas não de moral, sendo ele porém bastante aceito socialmente, pois o herói roubava dos ricos para dar aos pobres.

3) Um monge franciscano faz voto de pobreza, e dedica toda sua vida ao próximo; socorre seus semelhantes com abnegação e realiza um grande número de conversões ao cristianismo. Existe crença nessa postura (servir a Deus e ao próximo), embora a situação de obediência e servidão contrarie o que denominamos autonomia. O caráter ético desse posicionamento é questionável, conforme se verá mais adiante, podendo-se pelo menos insinuar a situação de uma renúncia autônoma à autonomia.

4) 0 pastor Jimmy Swaggart, que pregava aos seus fiéis os princípios da moral cristã, foi encontrado em um motel com uma prostituta: desta pessoa podemos dizer ter sido extremamente moralista, mas nada coerente com os seus alegados princípios.

Valor

Etimologicamente valor provém do latim valere, ou seja, que tem valor, custo. As palavras desvalorização, inválido, valente ou válido têm a mesma origem.

O conceito de, valor freqüentemente está vinculado à noção de preferência ou de seleção. Não devemos, porém, considerar que alguma coisa tem valor apenas porque foi escolhida ou é preferível, podendo ela ter sido escolhida ou preferida por algum motivo específico.

Rokeach (3) define valor como uma crença duradoura em um modelo específico de conduta ou estado de existência, que é pessoalmente ou socialmente adotado, e que está embasado em uma conduta preexistente. Os valores podem expressar os sentimentos e o propósito de nossas vidas, tornando-se muitas vezes a base de

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nossas lutas e dos nossos compromissos. Para esse autor, a cultura, a sociedade e a personalidade antecedem os nossos valores e as nossas atitudes, sendo nosso comportamento a sua maior conseqüência.

Como exemplos de valores culturais, cite-se o fato de ser o dinheiro, para os americanos, o maior valor, que tem seu equivalente na cultura para os europeus, e na honra para os orientas. Exemplos de valores individuais são a escolha profissional, a opção pela autonomia ou pelo paternalismo, e, como exemplo de valores universais, registrem-se a religião, o crime, a proibição ao incesto etc.

Moral

Para Barton e Barton (4) o estudo da filosofia moral consiste em questionar-se o que é correto ou incorreto, o que é uma virtude ou uma maldade nas condutas humanas. A moralidade é um sistema de valores do qual resultam normas que são consideradas corretas por uma determinada sociedade, como, por exemplo, os Dez Mandamentos, os Códigos Civil e Penal etc.

A lei moral ou os seus códigos caracterizam-se (2) por uma ou mais normas, que usualmente têm por finalidade ordenar um conjunto de direitos ou deveres do indivíduo e da sociedade. Para que sejam exeqüíveis, porém, torna-se necessário que uma autoridade (Deus, Juiz, Superego) as imponha, sendo que, em caso de desobediência, esta autoridade terá o direito de castigar o infrator. Gert (5) propõe cinco normas básicas de moral:

1) Não matar

2) Não causar dor

3) Não inabilitar

4) Não privar da liberdade ou de oportunidades

5) Não privar do prazer.

Assim como ocorre com todos os códigos de moral, as proibições vêm sempre precedidas de um não, ficando implícito que todos possuem esses desejos, e que eles devem ser reprimidos, caso contrário haverá castigo.

Novamente tentando relacionar a idéia de moral com um conceito psicanalítico, poderíamos comparála (a moral) como Superego.

Para Laplanche e Portails (é) o Superego é uma das instâncias da personalidade e tem uma função comparável a de um Juiz ou censor em relação ao Ego. O Superego é o herdeiro do complexo de Edipo, sendo que ele se forma por meio de introjeção das exigências e das proibições paternas. Freud fez questão de salientar que o Superego é composto essencialmente pelas representações de palavras, sendo que os seus conteúdos provam das percepções auditivas, das normas, das ordens e das leituras, ou seja, do mundo externo ao indivíduo.

A moral pressupõe três características: 1) seus valores não são questionados; 2) eles são impostos; 3) a desobediência às regras pressupõe um castigo.

Numa abordagem psicanalítica, podemos afirmar, hierarquizando as pulsões, que a religião é a pulsão que mais se afasta do desejo humano de liberdade "ao perturbar o livre jogo de eleição e adaptação, ao impor a todos um igual caminho único para alcançar a felicidade e evitar o sofrimento, reduzindo a vida a um único valor (Deus)

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deformando intencionalmente a imagem do mundo real e estimulando o mundo de fantasias catastróficas, medidas que têm como condição prévia a intimidação da inteligência e levando a que só reste o sofrimento, a submissão incondicional como último consolo e fonte de gozo"(7). Portanto, a ÉTICA que desejamos conceituar não pode ser religiosa, ou moralista, se a quisermos autônoma.

Igualmente, a ciência é muitas vezes usada para justificar um posicionamento moralista, atribuindo-se-lhe um valor inquestionável. Tome-se como exemplo a certeza científica de que o início da vida ocorre no instante da união do gamela masculino com o feminino,"racionalizando-se uma crença", quando, na verdade, a ciência apenas demonstra que nesse momento misturam-se os DNAs (lembrar que o cristianismo já considerou o início da vida - animação do embrião - 40 dias após a fecundação, para o homem, e 80 dias para a mulher).

Ética

Para Barton e Barton (4) a ética está representada por um conjunto de normas que regulamentam o comportamento de um grupo particular de pessoas, como, por exemplo, advogados, médicos, psicólogos, psicanalistas etc. Pois é comum que esses grupos tenham o seu próprio código de ética, normatizando suas ações espeíficas.

Nesta interpretação da ética, ela não se diferencia em nada da moral, com a exceção de que a ética serviria de norma para um grupo determinado de pessoas, enquanto que a moral seria mais geral, representando a cultura de uma nação, uma religião ou época. Não nos associamos a esse enfoque.

nossa compreensão de ÉTICA é a seguinte:

Conforme já dissemos, a eticidade está na percepção dos conflitos da vida psíquica (emoção x razão) e na condição, que podemos adquirir, de nos posicionarmos, de forma coerente, face a esses conflitos. Consideramos, portanto, que a ética se fundamenta em três pré-requisitos: 1) percepção dos conflitos (consciência); 2) autonomia (condição de posicionar-se entre a emoção e a razão, sendo que essa escolha de posição é ativa e autônoma); e 3) coerência.

Assim, fica caracterizado o nosso conceito de ética, reservando-se o termo eticidade para a aptidão de exercer a função ética.

Kant estabeleceu como pressuposto de sua moral a condição de livre escolha, fundamentando essa escolha na razão. Mas a razão também é um pressuposto, passível de avaliação de fora. O que é razoável (ou racional) para uns pode não ser para outros. Entendemos que nossa conceituação de ética, que não se atém apenas à racionalidade, é mais dinâmica e abrangente do que a kantiana.

Admitimos, entretanto, que, mesmo pretendendo pluralizar ao máximo o conceito de ética, distinguindo-o do de moral, não há como estabelecê-lo sem amarrá-lo a alguns valores preestabelecidos.

Fica então claro que o nosso conceito de ÉTICA está vinculado a: 1) percepção dos conflitos; 2) autonomia; e 3) coerência. Torna-se evidente, por exemplo, que, para nós, a postura religiosa não é autônoma, pois ela não se embasa nesses pré-requisitos, sendo na prática equivalente a um posicionamento moralista.

Entretanto, coerentemente com o enfoque dado mais acima à moral e à religião, mas, em função do pluralismo necessário para a aceitação de toda crença que não seja a nossa (8), haveremos de considerar autônomo também aquele que

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aparentemente opta pela obediência a determinadas regras, não lhe negando (a esse indivíduo) a condição de eticidade (situação do terceiro exemplo, por nós citado em capítulo anterior).

trabalhar. Freqüentemente, as pessoas encarregadas da elaboração dos códigos são extremamente moralistas, podendo, ainda, os códigos passarem a ser utilizados apenas para o exercício do poder institucional. Por outro lado, não é a punição normalmente prevista para os infratores desses códigos que modificará o indivíduo e o transformará em um ser ético: provavelmente ele não voltará a infringir o código por temor, não se tratando de experiência de um aprendizado ético. À nosso ver, o que mais se aproxima de um "Código de Ética" é a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Entendemos que um indivíduo se tornará ético quando puder compreender e interpretar o código de ética, além de atuar de acordo com os princípios por ele propostas. Caberá, entretanto, também ao indivíduo a possibilidade de discordar do posicionamento ético, devendo responsabilizar-se frente ao Conselho, justificando uma atuação diferente da proposta pelo código.

É justamente esse tipo de exercício que propiciará modificações nos códigos, não obstaculizando a evolução da sociedade. E a resolução do conflito ético permitindo o desenvolvimento.

Portanto, para ser ético não basta Ter-se o conhecimento do código de ética, pois a pessoa poderá atuar apenas de um modo moralista; são necessárias a assimilação e o amadurecimento de certos conceitos do que é ser um "ser humano", para que a pessoa evolua e se humanize.

Somente os indivíduos que elaboraram a proibição da atuação dos desejos edípicos, ou seja, aqueles que introjetaram o "não" como um ordenador mental (afetivo-cognitivo), podem estruturar o seu superego e desenvolver o seu ego. Por esse motivo, o seu ego, agora mais desenvolvido, poderá obter satisfações mais eficientes para suas necessidades, como também ter uma noção mais realista de suas fronteiras (noção de limites).

Gaylin (citado em 4) avalia que o interesse na ética se desenvolve quando não estamos seguros de qual a direção correta a ser seguida. Por esse motivo, quando os valores estão em conflito, existe uma necessidade de esclarecimento dos enfoques opostos, pois pode haver mais de uma resposta adequada para a mesma situação.

Como exemplo, poderíamos analisar a questão da operação para a mudança de sexo de um transsexual.

Algumas pessoas valorizam o pênis como a questão central da sexualidade, outras valorizam a representação mental que o indivíduo tem sobre a sua sexualidade, e outras ainda podem enfatizar a questão da autonomia do ser humano, sobrevindo então enormes conflitos éticos quanto à atuação do médico no que tange ao tratamento cirúrgico desses indivíduos. Na primeira hipótese, a presença de um pênis caracteriza indelevelmente a sexualidade masculina, excluindo-se todo tipo de intervenção (conduta paternalista). Nas outras hipóteses, já levando-se em conta o subjetivismo do paciente, a cirurgia seria, respectivamente, indicada ou aceita (autonomia).

Esse tipo de problema, trazido para uma abordagem ética, mostrando-se um leque enorme de respostas, vem corroborar as diferenças, já mencionadas, entre moral e ética, pois a moral apenas indica como deveríamos agir, apresentando-nos uma direção aprioristicamente tomada.

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Sob outro ângulo, podemos avaliar a situação de termos uma norma moral muito arraigada, como por exemplo a de não matar. Pode sobrevir um conflito ético quando estivermos frente a um indivíduo com morte cerebral, trazendo dúvidas quanto à nossa atuação, desligando, ou não, os equipamentos que o estão assistindo. Conflito semelhante pode surgir frente às questões de suicídio assistido ou de suicídio.

Por outro lado, quando nos deixamos levar por nossas pulsões, também surgem problemas éticos; por exemplo, quando nos sentimos atraídos sexualmente por uma paciente e temos necessidade de atuar nesse desejo. Qual será a atitude ética correta: reprimir esses desejos e prosseguir o tratamento; reprimir o desejo mas encaminhar a paciente para um colega; ou, então, atuar nesse desejo? A questão não se resume exclusivamente ao desejo sexual, ela também ocorre quando sentimos medo de um paciente, ou quando não nos sentimos confortáveis para tratar alguém, ou ainda, quando temos raiva de uma pessoa a quem estamos prestando assistência.

Face a todas as reflexões, que são poucas diante da complexa problemática da eticidade, cremos que o princípio fundamental da ética deva passar basicamente pelo RESPEITO AO SER HUMANO, como sujeito atuante e autônomo.

Por essa razão, os Códigos de Ética das diferentes categorias de profissionais de saúde-médicos, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, fisioterapeutas, odontólogos etc – fincam-se, todos eles, nas mesmas bases conceituais. Condições como a de respeito à privacidade, à livre escolha do profissional por parte do paciente, do consentimento informado, permeiam todos esses estatutos legais. Eles devem ajustar-se, continuamente, às situações novas que a evolução científica e tecnológica nos apresenta, como ocorre com a engenharia genética, a reprodução assistida, os transplantes de órgãos e a manutenção artificial de certas funções vitais.

Nas sociedades democráticas os códigos de ética representam a consolidação dos princípios éticos assumidos por uma sociedade. Considerando, entretanto, que os principios são mutáveis, temos que os códigos são habitualmente retrógrados com relacão ao pensar ético, pois eles se referem a experiências passadas, recomendando-se, conseqüentemente, sua análise crítica e revisão periódica face à necessidade de se "olhar" para o presente.

Esses aspectos, pragmáticos e extremamente importantes na aplicação da ética, não cabem neste breve discurso, podendo vir a ser objeto de outro trabalho.

Abstract - A Short Speech on Values, Moral, Ethicity and Ethics

The authors propose a conception of moral, ethicity and ethics. According to them, these are different concepts that they try to define, using the psychoanalytic doctrine. Ethicity is the human being capability of becoming ethic and ethics is something emerging from the emotions and the rationality of each person, on the basis of the autonomy to choose the right attitude between heart and reason. On the other hand, moral is defined as a set of rights and obligations imposed during the personality formation, which a person is not apparently able to choose; so, there is no autonomy in this case. Based on the psychoanalytic theory, the authors define moral as superegoic, marked by prohibition, compared to a code, and the consequent punishment. In its turn, ethics results from the maturity of an autonomous ego, but in a viewpoint broader than Kant's, by considering the emotions as well (fundament of faith). Finally, they emphasize that ethics must be based on the RESPECT TO HUMAN BEING. They also consider that the more the ethical feeling of a society's members is developed, the less it will need a repressed, moralistic codification.

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Referências Bibliográficas

1.

1. Cohen C. O ser biopsicossocial. In: Fortes Jr A, editor. Psiquiatria e Medicina Interna. São Paulo: Asturias, 1988: 145-50.

2. Cohen C. O incesto um desejo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1993. 3. Rokeach M. The nature of human values. New York: The Free Press, 1973. 4. Barton WE, Barton GM. Ethics and law in mental health administration. New

York: International Universities, 1984. 5. Gert C. The moral rule: a new rational foundation for morality. New York:

Harper and Row, 1970. 6. Laplanche J, Pontails JR. Diccionário de psicoanálisis. Buenos Aires: Labor,

1968: 189-91. 7. Freud S. apud Crowberg RU. A ética como invenção singular da vida. Revista

de Psicanálise Percurso 1993;(11):60-6 8. Segre M. Ética. Rev Med Fac Med S Paulo 1991;70:8-12. 9. Klein M. Sobre la salud mental. In: Klein M. Obras Completas. Buenos Aires:

Paidos, 1976: 283-90.

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ARTIGO 121 - HOMICÍDIO CULPOSO

Não pedir exame de imagem no TCE Avaliação e prescrição por telefone Retardo na intervenção cirúrgica Erro anestésico Abandono de corpo estranho na cavidade Infecção por transfusão de sangue contaminado

ARTIGO 129 - LESÃO CORPORAL CULPOSA

Lesão de nervo ciático em cirurgia ortopédica Deformidade em plástica de mama Incapacidade funcional em cirurgia traumatológica Seção de uterer em cirurgia abdominal com insuficiência renal e nefrectomia

ARTIGO 135 - OMISSÃO DE SOCORRO

Médico chamado várias vezes não comparece Recusa de internação de paciente grave por falta de vaga Recusa do anestesista em particular de cirurgia Abandono de paciente aos cuidados profissionais

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Abandono de plantão sem justificativa ou substituto

 

AGENTE ATO CULPA DANO NEXO CAUSAL

 

"Culpa é a inexecução de um deve que o agente podia conhecer e observar"(Savatier)

SUBJETIVA 1. CLÍNICA MÉDICA 2. CIRURGIA GERAL

OBJETIVA 1. CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA 2. ANESTESIOLOGIA 3. INFECÇÃO HOSPITALAR 4. TRANSFUSÃO DE SANGUE INCOMPATÍVEL 5. EXAMES DE IMAGEM, LABORATÓRIO

CÓDIGO CIVIL - Artigo 1545:

''Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer o dano, sempre que da imprudência, negligência ou imperícia. em atos profissionais, resultar morte, inabilitação de servir, ou ferimento."

CÓDIGO CIVIL - Artigo 159:

''Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano."

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CÓDIGO CIVIL - Artigo 1525:

''A responsabilidade civil é independente da criminal; não poderá , porém, questionar mais sobre a existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime."

CÓDIGO CIVIL - Artigo 1518:

''Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se tiver mais de autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação."

 

NEGLIGÊNCIA: INOBSERVÂNCIA DOS DEVERES DE CUIDADO 1. Exame superficial e desatento do paciente2. Omissão de encaminhamento ao especialista (parecer) 3. Retardo no início da intervenção cirúrgica 4. Prescrição de medicamento incorreto ou superdosagem 5. Abandono de corpo estranho em cavidade durante intervenção cirúrgica 6. Colocação defeituosa de aparelhos gessados

IMPRUDÊNCIA: OMISSÃO DE CAUTELA1. Utilização de técnica complicada em cirurgia simples2. Realização de cirurgia sem examinar previamente o paciente3. Avaliação e receita pelo telefone

IMPERÍCIA: INAPTIDÃO, INSUFICIÊNCIA DE CONHECIMENTO TÉCNICO1. Secção dos uteres em cirurgia cesariana2. Secção da artéria femural em cirurgia de varizes3. Transfusão de sangue incompatível

Artigo 121 § 3º Homicídio culposo Pena : detenção 1 a 3 anos

Artigo 122 Eutanásia ativa Pena : reclusão 2 a 6 anos

Artigo 125 Aborto provocado sem consentimento da gestante

Pena : reclusão 3 a 10 anos

Artigo 125 Aborto provocado com consentimento da gestante

Pena : reclusão 1 a 4 anos

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Professora Doutora Fabíola Zioni Texto resumido por Dr. Paulo F. M. Nicolau

O século XX foi marcado por significativas transformações políticas e grandes experimentações sociais. Com a Revolução Russa, um modelo socialista de desenvolvimento surgiu, tencionando resolver questões como a pobreza e a desigualdade, por intermédio de um sistema - econômico de planejamento central e da erradicação da propriedade privada, promovendo a afirmação política de novos sujeitos e movimentos sociais.

Porém, com a permanência de antigos problemas e agravamento de questões como a violência, o desemprego, a estagnação política, entre outras, emerge a importância da relação entre a “questão social” e a prevalência das leis do mercado e da economia sobre a discussão política e ética a respeito dos direitos, deveres e justiça, uma vez que, movimentos ecológicos, indígenas, de mulheres, assim como o próprio drama da realidade contemporâneo desafia os valores estabelecidos e elegem a questão ética como ponto central de discussão.

Nos anos 50-70, grandes transformações ocorreram em função do planejamento estatal e da economia e de estratégias de desenvolvimento - promovendo a urbanização e a industrialização - produzindo mesmo que às custas da degradação ambiental, um crescimento econômico inusitado que permitiu ao Estado administrar a modernização econômica, a industrialização, a garantia de emprego e ainda procurar eliminar a desigualdade social com políticas de seguridade e previdência social. Essa época é marcada também pelo aumento da inserção da população dos países em desenvolvimento nos mercados nacionais.

Além de salientar a diferença entre pobres e ricos, essas décadas geraram problemas a partir da própria ideologia da época, que tinha no crescente domínio da natureza pelo homem, o avanço certo da humanidade e assim surgiram problemas ecológicos como poluição excessiva e desgaste de fontes não renováveis de energia como o petróleo e conseqüentemente na crise dos anos de crescimento.

A crise dos anos 80 atingiu a todos os países, porém, para os em desenvolvimento, as conseqüências foram estagnantes, caracterizando essa como a “década perdida”, na qual o crescente aumento do endividamento externo agravou a qualidade de vida e elevou os índices de pobreza.

Houve assim, uma redução no papel do Estado, o que dificultou a reordenação do mercado e das atividades produtivas indispensáveis na administração da crise, e no enfrentamento da pobreza e da violência, caracterizando indiferença ou evidenciando a incapacidade dos governos diante da questão social.

No início dos anos 90, os organismos financeiros exigiram inúmeros compromissos que garantissem as renegociações das condições de pagamento. Dessa forma, a questão social foi substituída por políticas de contenção de inflação, fazendo com que a lógica contábil prevalecesse às exigências da vida.

Como parte da filosofia que estuda os fundamentos da ação humana, a ética pode propor a reformulação de valores, a reflexão sobre condutas, enfim, novas formas de atuação em relação a questões sociais.