tocaia atual

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  • 8/15/2019 Tocaia atual

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    Tocaia

    Leonardo Teixe

    A vida segue seu curso silencioso, pelas diversas estradas de escolha, cada qual tropesbarrões de susto, muitos deles dilaceradores da própria vida, pois a morte ronda solta, espreitandnos beirais de tocaia, nos solavancos cardíacos e outros fatores doentios. Muitos se oneram por aí, eriscar um desafeto da lista de contendas. Acabam borrando pequenas retas para cada alvo certeiro talve resquícios de passarinhos gravados em risco na madeira do bodoque estilingado, durante"utros se resolvem numa mania diversa, a fincar gravetos como pequenas estacas no fundo de sua reh$ os que acendem uma vela de aviso encomendado a cada alma liberta do físico, isto de carne e osso

    %elo que se di ter havido & e teve &, um caboclo destinado a pistolagem, ainda de pouno saco, mas de pontaria madura, que atirava uma pedra no meio do lago, fa endo ladainha e roafastar os intentos assombrosos dos mortos.

    'ada homem envolto em seu caminho, mergulhado em sua estrada, sonhador ou descrtocando a vida pela sobreviv#ncia, uns mais afortunados pela boa sorte ou forte intento, atraindo seempedrados na inve(a da cobi)a. "utros v*o largados de recurso, com vento na barriga, envoltos na dmis+ria. A vida se corroendo no consumo r$pido de um trieiro de pólvora faiscada.

    t*o comum como carrapicho a lista de contendas ser recheada de inimi ades por essa ca pólvora acesa, a vida corre no aumento da idade, e + f$cil ver os amontoados de falsa alegria, a(unrisos for)ados, em confraterni a)ões de espalha-fuxico. " a(untamento de cabe)as estampadas de ritranq ilo, com uma pouca por)*o de valores, terras ou produtos de benfeitoria. /rutos de felicidadtamb+m sempre foi alvo de querela. Aos que se exibem na companhia de uma boa mo)a podem ter escritos nessa lista de desafetos com muita rapide . Ainda que a mulher se(a desmantelada, em terrvulvas + (óia rara. 0e a bele a ainda for nata de família bem formosa, dessas da pele macia, de fresccheirosa quer#ncia, aí + alvo de melhor disputa, que por hora se di valer a facada, ou o gasto do suona tocaia. Ali vale a destre a do rumo, se a(unta o tempo despendido na pr$tica, corresponde a boa prud#ncia + a cautela por n*o se deixar perceber, em uma bala se basta, e nunca revela valentia. " mafalta de peito, n*o resolve por si a pend#ncia, preferindo pagar o servi)o tocaiado, diminuindo mais u

    sua lista. 1uanto mais risquinhos na arma, mais pr$tica e sorte de o trabalho sair bem feito. 0e a cova (ustifica, vale a ast2cia e a compet#ncia do homem do tiro. Mais uma tocaia na vida, menos uma vid3basti*o, liso de lobó, quiabo fu(*o dos pra)as do %ar$, descambou pra 4oi$s e reinou se

    %or l$ se fe dissolvido na mata, bem encorpado, com olho viseiro, vision$rio mesmo, apontandfutura chuva. 3basti*o tomou um tempo certo, o pra o de esquecimento de seus crimes no passado povo deixa de comentar e exigir provid#ncia, at+ poder surgir nos lugare(os com o discurso de paquela terra distante por certo haveria um pra o mais diminuto, o de se olvidar ou sequer (amaisalguma história de suas pistolagens6 era mesmo um tempo de garantia, pois ali se apostaria alto mningu+m soubesse da exist#ncia de gente de outras bandas, a n*o ser os tropeiros, vaqueiros e outr3basti*o tinha longa vida, segundo previs*o de uma velha cigana, ao ver t*o grande tra)o na m*o deltinha duas qualidades de apre)o. 3m era o descansar de uma folga trabalhosa, uma dormida espich

    que o melhor da vida era a ausente presen)a dela, no ref2gio de um sono, ainda que turbulentotremelicados em sustos. 'oisa comum pra quem ($ tombou outras vidas na mira reta de uma bala. 7$ 89 mandamento de :eus, o famoso ;n*o matar$s ve es. ?sso era a sua sina, seu segundo cora)*o homicida.

    A @/4, uma espingarda de ferrolho, de tiro simples, cano longo e de grupamento pchumbada, era sua 2nica companheira em vida. 0ilenciosa, quando falava era um só estampido, codona morte pra se tomar conta do corpo caído. %istoleiro que se pre a tem precis*o cir2rgica, um basta ao ponteiro miolado e certo do alvo. %istoleiro bom tem paci#ncia de 7ó, de 7o*o, e tudo oa(untado. preciso treino e preparo para ficar escondido no ponto de tocaia, sempre agachado e nosol e chuva, com ou sem provis*o6 mosquito e cobra + detalhe. A perna deve ag entar alongamentoencurtada ali no alo(ado. 3basti*o era desses, de arma cravada por retas, de uma bala por corpo, ac

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    estudar a vida e a rota do baleado, a descobrir um melhor ponto de mira, com menor perigo de testemenor probabilidade de espera. 'oisas que com o tempo se aprende nessa lida armada. 3basti*o abrasina de pistoleiro, em devo)*o ferrenha, at+ mesmo naquelas novas estradas.

    Almiro era um daqueles privilegiados, pisoteador nas estradas da boa sorte, era alvo a preferencial B elei)*o de seu nome nas listas dos inve(osos. Tem proced#ncia de nome familiar. /ifa endeiro e detentor sobre contendas alheias. 3ma esp+cie de (ui leigo. Cas contendas, o rigor da de apontamentos. Domem querido e amigo, cu(o falecimento prometeu suceder o filho Almiro em semenino nascera com o chap+u virado, como se andasse por aí e o enchesse de mangas caídas em mflor. 5ra a sorte em pessoa. " dinheiro fe com que se tornasse um líder nato. 5ra o melhor partidmo)as casamenteiras. 5 por isso, muitos pais pegavam mais folgado para bolinagem. Ao que se grossa, em qualquer travessia. 0e fosse um p+ liso de racha, de m*o cale(ada no arrocho, (amaisengra)ar uma conversa al+m de duas palavras. Co m$ximo o cumprimento saudoso e a respeitosaAlmiro (amais deixou crescer bucho pra cria. Tinha sempre a id+ia de atuar próximo do sangue. Assirisco f+rtil pra nenhuma mo(ada pr+via. Aquelas que se embuxam ao ba2 das encomendas. Mas gasempre vinham das mo)as. "s falsos amigos aplaudiam Almiro por qualquer gra)a, circundav ba(ula)ões perenes.

    Mo)a de muita sali#ncia cale(a qualquer olho sedento. %or isso + que muitos marman(os dessas figuras e as trancam no escondido cafofo de suas taperas. Ee em quando pende o risco de uou o cheiro de doces entranhas acaba oscilando narigudos desnorteados rondando por ali. " preceitoas formas com muito pano folgado. Talve um vestido de chita, sem pinturas de batom e outras tin C*o essas futurices de tripinha min2scula que se espalham pelas pra)as. ?sto de esban(ar o que quasmostragem de decotes e regos e marcas e p#los e tantas outras sem-vergonhices. Mas qual mescondidas n*o se imagina carregar um vulc*o adormecido a ser desperto com o suprimento de leveinvestida de pouca palavra, quem sabe um alisamento envolvido. por isso que muitos se vagam nodesses caminhos.

    0e o caboclo + de família, de ber)o criado, sem lariado e firula, at+ que se respeita o compoutro, mesmo sem voto alian)ado em cartório. Mas nessas caminhadas de per!mbulos sem destinodesocupados. Cessa linha de respeitosos quase n*o existem boas almas deles. 0ó mesmo os desg

    querendo intentar as mulheres para desengrupir um chamego. Muitas delas, Bs ve es, nem sequemente chanfrar ofensa ao decoro marital e (amais arrebataria prensa diversa, n*o fosse a id+ia dedesses andantes, a bagun)ar-lhes o pensamento, desarran(ando os desatinos. 5is a ra *o de tantaregrada.

    5ra sabido que Almiro firmara apre)o por mo)a Maria, de tenra ingenuidade, virtuosa emcorporais, de m*os m$gicas a transformar mat+ria insossa em deliciosos alimentos. Maria era pura fechada aos improp+rios e tímida de espantar galanteios, mas retornava olhares para Almiro, demapre)o e quer#ncia recíproca. At+ que certa ve se combinaram os rumores, e acordaram trato de namfoi a glória de Almiro. A melhor de suas sortes e, por isto, a mais feste(ada. "s pensamentos dos doiexatamente os mesmos, o que temperava a vida em iguarias de sensa)ões, um equilíbrio em opiniõ puxava para mais e menos, Almiro e Maria se nivelavam num arrabalde de boas situa)ões, e a agrad

    se mostrava pr+vio ato casamenteiro.3basti*o acabou procurando servi)o em 4oi$s nas terras de Almiro, na mesma verve de pafugir da seca pestilenta do nordeste. Acertou com o patr*o o auxílio no trato do gado e na feitura%assado um m#s e o pagamento se veio com lucro a mais para 3basti*o, que apesar de se encantar c bondade de Almiro, cresceu olho na fartura daquelas terras, no montante daquelas cabe)as, e na fartude Maria. Apesar disso, n*o teve vontades de se pendurar naqueles cangotes, pois ($ sabia que ali nde 3basti*o. Cem mesmo grato ficou por dinheiro a mais em seu pagamento, posto que, ao ver tanta ade proventos, achou ainda pouca aquela in(usti)a. 5 esse sentimento foi crescendo at+ se romper notantos sem nada, e poucos com mais que tudoF< 3ma tenta)*o material se corroeu nos pensamentos d;A inve(a mataF< Maior verdade que se disse em vida, pois 3basti*o era cobrado nas pistolagens Apenas isto. ?nve(as. As tocaias n*o s*o mais que um desafeto a ir embora por inve(a, se(a pela co

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    bradar contra as afrontas e honrarias, se(a na disputa por território, a marcar regiões, bens e mudinheiro amaldi)oado pela inve(a, este foi por muito tempo o sal$rio de 3basti*o. A inve(a mataF Maque se disse em vida.

    'om o passar do tempo, o ac2mulo de risos em Almiro se tornava a o(eri a de 3bacasamento de Almiro e Maria estava perto demais. 5 aquele gosto de vitória, no deleite pra eroso de por primeiro nas entranhas daquela fruta tena imaculada, aquela amancebagem pr+via transdesalinho as id+ias de 3basti*o. 5ra preciso impor limites antes do cru amento das alian)as. %ermintento, naquele algaraviado de id+ias, o motim de antecipar a visita da morte para cortar o fio Almiro.

    5ra preciso matutar o tempo e o espa)o, a ocasi*o perfeita sem afronta de ser visto, nem por outros olhos denunciantes. 3ma ocasi*o se encaixou nos moldes daquela tocaia. 3basti*o ficou sAlmiro iria pescar so inho no %o)o dos Aflitos, perto do morro Tunic*o da 'onquista, lugar bom piranhas. %or onde havia uma estreita estradinha de passear no p+ dois. 5strada sondada por somarbustos, muitos esconderi(os de campana, desmantelada de avi inhados. 5ra melhor que muitas erraque, quase sem chance, acabaram por dar certo no talento da pontaria. Almiro ainda pescaria so inhosexta-feira, a lua na imin#ncia de sair da nova, o breu soturno daria pouca vis*o, mas para boa ponescolher o pontinho central do vulto. Almiro n*o escaparia.

    Toda sorte tem seu fim. 3m a ar esva iado por trag+dia repentina. D$ penosidade maiormatadaH Ainda sem tempo de se despedir da vida. Cova sina imposta a Almiro pelo pistoleiro 3bastivítima da inve(a, a ser dilacerado antes de consumar o sonho casamenteiro. A inve(a mataF Maior vedisse em vida.

    5is que chegou a sexta-feira. Co vigor do sol, 3basti*o ($ se acampava todo arranchado numa moita. %or fora dela restava apenas um pequeno espa)o para o cano longo e uma fresta de miretilínea, apontada certeira numa curvinha da estrada. 'onsigo tra ia provisões numa capanga velha cheio de $gua. 5ra só assinar o requerimento da morte, chancelada no gatilho da espingarda. A bei(ada, em sua ponta foi feita uma cru com a navalha do canivete. A vela tinha sido acesa na noiteencomenda de buscar a alma de Almiro. 5ra agora aguardar os passos. :ava tempo folgado de desolhos. 3basti*o dormiu igual boi, em olho quase fechado. Eigiando chegar a noite para acordar

    sentidos. A noite chegou $rida como nas terras do norte, e a brisa ali do po)o n*o a(udava em nada. o volumoso rio Araguaia que passava do outro lado do morro de nada suspirava um tempo mais amefinal de agosto. 3basti*o n*o perdia o rumo da estrada e n*o desviava olhar para nada, nem inscobras, nem nada. "uviu um assobio longínquo e reconheceu a melodia do Menino da %orteira, toadde Almiro. :epois, o sil#ncio imperou por tempo sobrado. Almiro ($ deveria ter passado por ali passou. " chamado da morte ($ estava pronto. " a ar, onde (a toda sorte, se iniciou com todo o motdo tiro. 3m vulto bem grande chegava na estrada, ($ perto da curva, bem perto da mira. " dedo indica bem rente ao gatilho, aquela virgula de metal que põe o ponto final na vida alheia mirada. 3ma cciente do mau agouro. Muitos barulhos se misturavam no farfalhar do mato. Agora o vento resolveu frescor da gra)a. %equenos ruídos chegavam perto do pistoleiro 3basti*o, mas ele n*o desviava o

    nada. " vulto estava prestes a centrali ar no miolo da mira e %3MF 3ma pancada seca de cabo do enna cabe)a de 3basti*o. "s farfalhos e ruídos eram passos leves de Almiro, que seguiu a pista de umum passarinho verde. Almiro lembrou-se do rigor da lei de seu pai, posicionou as m*os de 3basti*oa outra, num toco de angico e, aproveitando que o pistoleiro estava desmaiado, decepou num golaquelas m*os. " homem acordou berrando louco desvairado e, antes de desmaiar de novo, viu Almicavalo, agora sim dava para reconhecer aquele enorme vulto, e, montado no cavalo, levou a espenxad*o, a vara de pescar e as m*os ensang entadas de 3basti*o. M*os com o enorme risco da lin previsto pela velha cigana. As m*os serviriam de isca para as piranhas do Araguaia.

    Co dia seguinte n*o havia mais 3basti*o, mas uma sangueira de rastro que se terminava noAflitos, perto do morro Tunic*o da 'onquista, lugar bom de pescar piranhas. " fato + que 3basti*o nufoi visto. :i em que vaga perdido por aí, nos rigores da lei. Almiro voltou para casa com um bom

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    muitas piranhas bem alimentadas. Aquele mote n*o a arou a sorte. A inve(a mataF Maior verdadeem vidaF