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Titulo: Limites Constitucionais para a Atuação das Unidades Federadas no Cenário Internacional Autor: Matheus Dos Reis Leite Publicado em: Revista Eletrônica de Direito Internacional, vol. 7, 2010, pp. 308-333 Disponível em: http://www.cedin.com.br/revistaeletronica/volume7/ ISSN 1981-9439 Com o objetivo de consolidar o debate acerca das questões relativas ao Direito e as Relações Internacionais, o Centro de Direito Internacional CEDIN - publica semestralmente a Revista Eletrônica de Direito Internacional, que conta com artigos selecionados de pesquisadores de todo o Brasil. O conteúdo dos artigos é de responsabilidade exclusiva do(s) autor (es), que cederam ao CEDIN os respectivos direitos de reprodução e/ou publicação. Não é permitida a utilização desse conteúdo para fins comerciais e/ou profissionais. Para comprar ou obter autorização de uso desse conteúdo, entre em contato, [email protected]

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Titulo: Limites Constitucionais para a Atuação das Unidades Federadas no Cenário

Internacional

Autor: Matheus Dos Reis Leite

Publicado em: Revista Eletrônica de Direito Internacional, vol. 7, 2010, pp. 308-333

Disponível em: http://www.cedin.com.br/revistaeletronica/volume7/

ISSN 1981-9439

Com o objetivo de consolidar o debate acerca das questões relativas ao Direito e as Relações Internacionais, o Centro de Direito Internacional – CEDIN - publica semestralmente a Revista Eletrônica de Direito Internacional, que conta com artigos selecionados de pesquisadores de todo o Brasil. O conteúdo dos artigos é de responsabilidade exclusiva do(s) autor (es), que cederam ao CEDIN os respectivos direitos de reprodução e/ou publicação. Não é permitida a utilização desse conteúdo para fins comerciais e/ou profissionais. Para comprar ou obter autorização de uso desse conteúdo, entre em contato, [email protected]

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LIMITES CONSTITUCIONAIS PARA A ATUAÇÃO DAS

UNIDADES FEDERADAS NO CENÁRIO INTERNACIONAL

Matheus Dos Reis Leite*

RESUMO

O presente trabalho abordará a questão dos limites constitucionais para a atuação

dos Estados Federados e entes públicos internos com relação ao âmbito internacional.

Analisará o texto constitucional brasileiro com o intuito de averiguar os limites

impostos para essa atuação, a prática habitual, e, a necessidade ou não de nova

legislação para tratar do tema. Conjuntamente, elucidará o entendimento do legislativo

federal quanto à possibilidade de mudança to texto constitucional.

PALAVRAS CHAVES: atuação internacional – limites constitucionais – entes públicos

brasileiros.

ABSTRACT

The article will broach a subject of the constitutional limits for the federal states

and others publics governments related to international scope. The article also will

analyze the brazilian constitutional law intend to verify the imposed limits for this

performance, habitual practices, and the elaboration of new legislation in case of need.

In the final part, will have the discernment of federal legislative power to clarify the

possibilities of constitutional law changes.

KEY WORDS: international scope – constitutional limits – brazilian publics

governments.

______________________________ * Aluno da Pós-Graduação de Direito Internacional do Centro de Direito Internacional – CEDIN e das

Faculdades Milton Campos. Advogado.

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1. INTRODUÇÃO

As relações internacionais entre povos e Estados remontam considerável tempo

atrás. Sob a perspectiva histórica das relações entre comunidades ou grupos distintos,

percebe-se que para atingir de maneira principal a constante evolução social, política,

cultural e econômica é indispensável a incansável busca por entendimentos mútuos que

ensejem celebração de atos internacionais de interesses recíprocos.

A diplomacia entre os Estados é um meio fundamental para a busca da

harmonização e estabilidade política, além de outros relevantes aspectos que se sujeitam

ao desempenho desta.

A prevalência da soberania dos Estados é indiscutível e representa um requisito

essencial para que qualquer governo estatal possa, por meio de suas convicções e

identidade histórica sócio-política, difundir e efetivamente normatizar e regulamentar as

questões de interesses próprios, desde que, estes se submetam ao ordenamento jurídico

interno estatal e sejam correspondentes geograficamente à circunscrição territorial pré-

definida.

No atual cenário internacional, os diversos sujeitos de direito internacional estão

relacionando-se uns com os outros com maior freqüência, tendo em vista que é

crescente a dependência de um Estado ou mesmo Organização Internacional entre si.

Devido à gradativa evolução econômica e social do mundo em geral, bem como do

processo de globalização que vem ocorrendo cada vez mais marcante tornou-se

inevitável aos governos que buscam desenvolvimento e integração a dependência das

relações internacionais.

Essa dependência refere-se à constante busca por maior abertura de mercados,

integração política e alianças regionais. Estes fatores têm contribuído bastante para que

os Estados e Organizações Internacionais, assim como, outros sujeitos de direito

internacional, ainda contestados de personalidade jurídica de direito público externa,

possam ampliar suas relações com o intuito de realizarem interesses mútuos ou

conjuntos.

O direito internacional público adota um sistema de coordenação entre os vários

sujeitos de direito internacional, considerando os sujeitos que são incontestáveis, de

acordo com a doutrina, tais como os Estados Nacionais soberanos e as Organizações

Internacionais.

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Sabe-se que é discutida a personalidade jurídica de direito internacional de

outros entes, inclusive a da própria pessoa humana. Nesse sentido, discutir-se-á no

presente trabalho o alcance da atuação internacional dos entes públicos, tais como os

Estados Federados, Distrito Federal e os Municípios relacionando com outros entes

internacionais.

O propósito do relacionamento de unidades federadas com entes ou governos

internacionais é justificado com base na possibilidade de celebração de atos

internacionais que de alguma maneira venham favorecer ou privilegiar os interesses

direta ou indiretamente daquelas, considerando que igualmente haverá reciprocidade no

que toca à satisfação de interesses mútuos, ou seja, dos governos e entes internacionais

eventualmente partes.

Nesse prisma, com espeque em uma razão histórico-política, o texto

constitucional brasileiro impôs alguns limites para a atuação dos Estados Federados,

Distrito Federal e Municípios, deixando a cargo da União Federal a responsabilidade

para atuar no âmbito das relações internacionais, seja tratando dos próprios interesses

nacionais ou mesmo de interesses regionais e locais de um determinado Estado-

Membro, do Distrito Federal ou Município.

Não obstante, a regra constitucional brasileira, é importante ressaltar que cabe à

União Federal a exclusividade para atuar nas relações internacionais mesmo que o ente

da federação atue como parte de eventual relacionamento, eis que ultimamente, está

ocorrendo com bastante freqüência devido aos fatores mencionados de abertura de

mercados, integração política e alianças regionais, dentre outros que podem ser

considerados devido à dinamicidade da questão.

Além disso, é necessário inferir que em algumas oportunidades, as unidades

federadas, especialmente os Estados-Membros já se dispuseram e engendraram o

estabelecimento de uma negociação internacional direta com outros entes e governos

estrangeiros, geralmente em busca de incentivos e financiamentos econômicos para

desenvolvimento de sua região.

Nesse contexto, limitar-se-á, o presente trabalho ao estudo da atual conjuntura da

possibilidade de relação internacional direta de um Estado Federado, Distrito Federal e

Município com outro governo estrangeiro ou ente internacional, analisando os limites

constitucionais e as propostas de mudanças relativas ao atual texto para possibilitar tal

relacionamento direto como acontece em outros países.

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2. DA ATUAL PREVISÃO CONSTITUCIONAL

O instrumento pelo qual possibilita dois entes de direito internacional

celebrarem alguma obrigação, ou mesmo, mútua ajuda em determinada área é, de modo

geral, o tratado internacional, que se pode entender por diversas terminologias, sendo

esta a mais conhecida.

No direito interno brasileiro, cabe à União Federal a competência de relacionar

internacionalmente com os demais entes de direito externo, uma vez que esta deve

manter as relações com Estados estrangeiros e Organizações Internacionais, de acordo

com a dicção do artigo 21, I, da Constituição Federal de 1988 – CF/88.

Concomitantemente, opera a regra de competência privativa nos termos do

artigo 84, VII e VIII da Constituição da República, ao Presidente da República manter

relações com Estados Estrangeiros, acreditando seus representantes diplomáticos, assim

como a celebração de tratados, convenções e atos internacionais que, por sua vez,

estarão sujeitos ao referendo do Congresso Nacional.

Percebe-se da redação do mencionado dispositivo que está ausente aos Estados

Federados, Distrito Federal e Município a legitimidade para atuarem nas relações

internacionais com os Estados estrangeiros. Sabe-se que o sistema federativo brasileiro

é subdividido em três esferas de governos, (ressalta-se o Distrito Federal com sua

especificidade, agindo com competência para os assuntos locais e regionais) cabendo à

União poder de controle e fiscalização aos demais.

À esta centralização de poder do sistema federativo brasileiro, é conveniente

analisar a colocação a respeito da Constituição feita pelo Professor José Luiz Quadros

de Magalhães:

A Constituição de 1988 restaura a federação e a democracia, procurando

avançar em um novo federalismo centrífugo (que deve sempre buscar a

descentralização) e de três esferas (incluindo uma terceira esfera de poder

federal: o município). Entretanto, apesar das inovações, o número de

competências e de recursos destinados à União, em detrimento dos Estados e

Municípios, é muito grande, fazendo com que tenhamos um dos Estados

federais mais centralizados no mundo. Esta é uma grave distorção de nosso

federalismo que conviveu com um período de autoritarismo das “democracias

formais constitucionais” que tomaram conta da América-Latina na década de

90 com a penetração do perverso modelo neoliberal: os neo-autoritarismos ou

o neopresidencialismo autoritário, segundo expressão do constitucionalista

Friedrich Muller. Felizmente, a partir do século XXI, vivemos um momento

especial da história da América Latina, onde governos democráticos e

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populares, sustentados por uma sociedade civil cada vez mais forte e

organizada chegam ao poder na maioria dos Estados sul americanos.1

Observa-se que o federalismo brasileiro, principalmente, inspirado pelo

federalismo norte americano, atribuiu à unidade federal representante (União Federal) a

centralização de poder e autonomia em diversas matérias em detrimento dos Estados-

Membros e Municípios.

Muito oportuna é a lição do professor Paulo Borba Casella a respeito da

definição de federação de estados e o exercício da representação internacional da

federação no cenário internacional.

Estado Federal ou federação de estados – É a união permanente de dois ou

mais estados, em que cada um deles conserva apenas sua autonomia interna,

sendo a soberania externa exercida por um organismo central, isto é, pelo

governo federal, plenamente soberano nas suas atribuições, entre as quais se

salientam a de representar o grupo nas relações internacionais e a de

assegurar a sua defesa externa. Nesse tipo de união de estados, a

personalidade externa existe somente no superestado, isto é, no estado

federal. Os seus membros, ou seja, os estados federados,possuem

simplesmente a autonomia interna, sujeita esta, entretanto, às restrições que

forem impostas pela constituição federal. Existe, pois, nesse tipo de estado

composto, a partilha de atribuições do poder soberano, cabendo, porém,

sempre ao estado, resultante da união, o exercício, conforme ficou dito, da

soberania externa. Como exemplos de federações, podem mencionar-se os

seguintes: a) Estados Unidos da América (a partir da entrada em vigor, em

1789, da constituição adotada, dois anos antes, na convenção de Filadélfia);

b) a Suíça (desde a constituição de 1848); c) o Império Alemão (de 1871 a

1919); d) a República Federal Alemã (desde 1949); e) o México (desde

1875); f) a Argentina (desde 1860); g) a Venezuela (desde 1893); h) a União

das Repúblicas Socialistas Soviéticas ( de 1923 até a dissolução desta, em

1990) – além de alguns dos domínios britânicos (o Canadá, a Austrália). O

Brasil é estado federal desde a Constituição da República, de 24 de fevereiro

de 1891.2

Constitui-se elemento fundamental no sistema federativo, a indicação de um ente

federado que represente todas as demais unidades que obviamente estão subordinadas

hierarquicamente a este ente, que no caso brasileiro é a União Federal como dito

previamente.

É nesse sentido que se destaca a rigidez exacerbada do sistema brasileiro que

centraliza diversos tipos de matérias, sendo mais importante para o caso, a exclusiva

1 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E FEDERALISMO.

Revista Eletrônica Jus Vigilantibus, 23 de março de 2009. ISSN 1983-4640. Disponível em: <

http://jusvi.com/artigos/38872>. Acesso em 14 de dezembro de 2010. 2 CASELLA, Paulo Borba. Manual de direito internacional público / Hildebrando Accioly e G.E. do

Nascimento e Silva. – 18. ed., de acordo com o Decreto n. 7.030, de 14-12-2009, e Lei n. 12.134, 18-12-

2009. – São Paulo : Saraiva, 2010. Pág. 264 e 265.

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capacidade jurídica para atuar nas relações internacionais entre os governos estrangeiros

e entes internacionais conferida a um só ente da federação.

Certamente, entende-se que quando se tratar de matérias privativas da União

Federal, tais como as dispostas no artigo 22 da CF/88, a legitimidade para tratar de

relações internacionais com Estados estrangeiros e entes internacionais é

indiscutivelmente da União, como não poderia deixar de ser, dado à complexidade e

restrição dos assuntos previstos pelo mencionado artigo.

Entretanto, defende-se pela flexibilização da atuação internacional exclusiva da

União, quando se tratar de assuntos que envolvam questões regionais e ou locais, isto é,

conferir que os Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios possam tratar de seus

assuntos de modo direto no âmbito internacional, sendo intercedido pelo ente

representante da República naquilo que demandar por parte dos governos e entes

internacionais garantias jurídicas de validade do ato internacional e capacidade jurídica

externa para ser parte, uma vez que a personalidade jurídica das unidades federadas é de

direito público interno.

A atuação internacional das unidades federadas no âmbito internacional

depende, certamente, da chancela da União Federal. No entanto, a negociação e a

liberdade para relacionar devem, desde que não haja empecilhos que sejam nocivos à

ordem pública, bons costumes e soberania da República, ser flexibilizadas a ponto de o

Estado-Membro, Distrito Federal ou Município poder de modo direto tratar a nível

internacional de seus interesses.

Respeitando o sistema federalista, a questão proposta não viola a disposição do

artigo 60, parágrafo quarto, inciso I da CF/88, considerado uma cláusula pétrea, haja

vista que o reconhecimento de personalidade jurídica internacional é de exclusividade

da União, permanecendo-se a idéia de obediência ao ente federado superior

hierarquicamente.

Por outro lado, diferentemente do que acontece no Brasil, os sistemas

constitucionais dos Estados Unidos da América e Suíça conferem aos Estados

Federados e Cantões, respectivamente, legitimidade para celebração de atos

internacionais com quaisquer outros sujeitos de direito internacional.

No âmbito internacional, estes entes federados são conhecidos como governos

subnacionais, não havendo nenhum problema configurarem-se com parte de um acordo

internacional, haja vista que a principal preocupação seria a responsabilização por

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eventual ato ilícito. Resta claro que caberá, em princípio, ao Estado Nacional que

permite em seu ordenamento interno que seus entes federados atuem dessa maneira.

O sistema constitucional brasileiro, entendendo diversamente, concede poder de

celebração ao chefe do executivo federal, ao passo que em se tratando de uma questão

mais complexa que demande maiores análises técnicas e despenda de gastos, encargos

ou compromissos considerados gravosos ao patrimônio nacional cabe a decisão

definitiva por parte do Congresso Nacional, de acordo com a redação do artigo 49, I, da

CR/88, o que se entende ser correto.

O entendimento do legislador constitucional seguiu-se no sentido de que a

autonomia dos Estados Federados, Distrito Federal e Municípios encontra-se

significativamente restringida para a atuação internacional, deve, portanto, a União

intervir, embora não esteja prescrito no texto constitucional em todas as ocasiões que tal

relacionamento for conveniente para tais entes. A União age como se fosse uma

garantidora do relacionamento internacional, como adiante perceber-se-á a

plausibilidade dessa afirmação.

Em suma, faz-se alusão ao parecer do Ministério das Relações Exteriores feito

por Cachapuz de Medeiros, através do qual se concluiu que:

“[...] a ordem constitucional pátria é categórica ao conceder expressamente à

União competência para conduzir as relações exteriores. Não faz nenhuma

concessão às unidades federadas, sejam Estados, Municípios ou o Distrito

Federal. (Parecer MRE/CJ n. 13/1999)” 3

Destaca-se que em princípio seria interessante para os entes federados atuarem

internacionalmente, na busca de celebração de acordos, especialmente, em matérias de

ajudas econômicas e humanitárias e, mormente, as questões que se referem aos assuntos

regionais e locais.

No que diz respeito aos assuntos políticos, é mais conveniente ao Estado

Nacional agir em nome de seu ente federado e demandar questões que possam ser do

interesse tanto regional ou local quanto nacional.

Dessa maneira, pode-se chegar ao entendimento de que há mais possibilidade de

uma questão regional tomar medidas maiores, levando em conta que a participação

política da União é mais abrangente e juridicamente é incontestada.

3 BRASIL. Ministério das Relações Exteriores (1999). Pareceres dos consultores jurídicos do Ministério

das Relações Exteriores n.13/1999.

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Tal fórmula exposta acima é o caso brasileiro que invoca sempre a intervenção

da União para qualquer demanda de âmbito internacional que envolva qualquer ente

federado.

3. O EVENTO DA PARADIPLOMACIA

É recorrente, nos dias de hoje, o uso do termo paradiplomacia como fenômeno

para se referir às relações internacionais entre entidades governamentais em todo o

mundo.

Em artigo apresentado no XV Encontro Preparatório do CONPEDI – Conselho

Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, o professor Gilberto Marcos

Antônio Rodrigues foi muito pertinente ao analisar a atuação dos entes federados

exercendo paradiplomacia em relações internacionais e a significância do fenômeno

para o direito internacional brasileiro.

A paradiplomacia é transdisciplinar por excelência, pois na distinção entre

diplomacia federativa e política externa federativa, a paradiplomacia é o meio de

exercício mitigado da diplomacia relativa dos Estados-Membros e Municípios na

medida em que buscam soluções através de relacionamento internacional com outros

entes públicos estrangeiros que versam sobre interesses e necessidades regionais e

locais, respectivamente. A paradiplomacia refere-se aos assuntos de política externa

federativa. 4

No tocante ao direito internacional, a paradiplomacia representa um instrumento

que possibilita a ampliação de possibilidades e condições para que os entes públicos,

carentes da personalidade jurídica especial para atuarem no cenário internacional,

possam tratar, negociar, intercambiar, por meio de espécies de tratados internacionais,

determinadas matérias e assuntos de interesse mútuo de distintos tipos de governos

estrangeiros, ou mesmo, organizações internacionais.

Predominantemente, as matérias e assuntos a serem tratados devem ser de

interesses regionais ou locais, pois se assim não forem, a paradiplomacia estaria sendo

utilizada como forma de diplomacia federativa, que por sua vez, é o meio clássico do

4 Trabalho apresentado no GT Direito Internacional Contemporâneo do XV Encontro Preparatório do

Conpedi, Recife, junho de 2006. Autor: Gilberto Marcos Antônio Rodrigues. Professor do Programa de

Mestrado em Direito Internacional da UniSantos. Doutor em Relações Internacionais pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo.

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ente público, sujeito de direito internacional, atuar no âmbito das relações internacionais

entre os Estados Nacionais, sendo no caso brasileiro a União Federal.5

É importante ressaltar que, a forma federativa brasileira permite que a

diplomacia federal possa abarcar os interesses dos entes federados no cenário

internacional, haja vista que referidos interesses podem também ser tratados pela União

Federal, seja quando for a ela conveniente.

O interesse regional ou local pode perfeitamente passar a ser, na perspectiva do

sistema federalista, um interesse também do ente federado hierarquicamente superior,

sendo que, usualmente, a União Federal assume os encargos e responsabilidades

oriundas de seus Estados-Membros e Municípios e em certas ocasiões é invocada para

agir como garantidora, como se perceberá adiante oportunamente.

Este fenômeno da paradiplomacia justifica a atuação direta dos governos

carentes de personalidade jurídica internacional em assuntos de interesse local ou

regional que antes só eram tratados pela união federal.

Atualmente, uma gama de governos subnacionais mantém relações bilaterais e

multilaterais ativas, com presença marcante em foros globais e regionais.6

É inevitável o relacionamento internacional entre os governos, sejam quaisquer,

tendo em vista o freqüente e galopante processo de integração regional, a globalização e

o fato de que, no mercado mundial, está sendo gradativamente necessário e

imprescindível o processo de garantia e certificação dos produtos de modo geral, o que

faz com que a exigência dirigida aos países fornecedores de matérias-primas seja ainda

maior.

Especificamente no caso brasileiro, a paradiplomacia vem sendo empregada nas

relações de cidades ou regiões metropolitanas que representam parcelas de substancial

relevância no cenário socioeconômico e político.

Os municípios, pessoas jurídicas de direito público interno relacionam-se

internacionalmente com outros governos e entidades estrangeiras, ou mesmo,

organizações internacionais, na perspectiva de celebração de, principalmente, acordos e

convênios que versem sobre matérias de cooperação e apoio.

Ressalta-se que a Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares

(AFEPA) do Ministério das Relações Exteriores, por meio do Instituto Rio Branco

realiza a interface entre o governo federal e os Estados-Membros, Distrito Federal e

5 Ídem.

6 Ídem.

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Municípios nos temas de política externa. Esta assessoria está presente em diversos

estados.7

Diante do processo irreversível de democratização, globalização e integração, os

Estados-Membros, historicamente, atuaram precocemente em busca de celebração de

acordos e convênios bilaterais e multilaterais para os assuntos de política externa

(paradiplomacia).

Entretanto, com especial destaque, e em função da crescente globalização e

transações constantes de pessoas, negócios e produtos, os Municípios foram levados

também a promover iniciativas externas pontuais de cooperação, de caráter comercial,

cultural e econômico no cenário internacional.8

A paradiplomacia pode ser facilmente visualizada nos recentes fóruns de

Secretários de Relações Internacionais dos Municípios realizados periodicamente que

sempre enfatizam acerca da participação e incremento das estruturas governamentais

voltadas para as relações internacionais dos governos subnacionais do Brasil.9

Ante ao fato de que o multilateralismo se corporificou a partir dos anos 90, com

atuação marcante da Organização das Nações Unidas – ONU através da realização de

diversas conferências mundiais, o relacionamento entre os governos subnacionais,

inevitavelmente, se expandiu e tende a permanecer se expandindo de acordo com o

cenário atual.

De modo mais avançado, é conveniente destacar que os países membros da

União Europeia - UE baseiam-se nos tratados comunitários e documentos pertinentes

que delinearam a participação dos governos locais e regionais no processo de integração

como instrumento de coesão regional.10

No âmbito da UE, foi fundada em 1986 a Rede Eurocities, que engloba as

grandes cidades de Estados Nacionais partes do processo de integração. O intuito desta

7 Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/o-ministerio/o-ministerio/afepa-assessoria-especial-de-

assuntos-federativos-e-parlamentares.. Acesso em 21 de novembro de 2010. 8 Trabalho apresentado no GT Direito Internacional Contemporâneo do XV Encontro Preparatório do

Conpedi, Recife, junho de 2006. Autor: Gilberto Marcos Antônio Rodrigues. Professor do Programa de

Mestrado em Direito Internacional da UniSantos. Doutor em Relações Internacionais pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo. 9 Idem.

10 Nesse sentido: Projeto de Tratado da União Europeia, elaborado pela Comissão Europeia em 1975,

Carta Europeia de Autonomia Local do Conselho da Europa no ano de 1985, Carta Europeia de

Autonomia Local de 1997, Tratado de Mastrich de 1992 e Tratado de Amsterdã de 1999.

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rede é favorecer o constante intercâmbio de boas práticas e a mobilização das cidades

para a inclusão das temáticas urbanas na agenda da UE.11

Embora mantenha uma relação ampla e coerente com a Presidência do bloco

comunitário e com seus países integrantes, a Eurocities não é parte da estrutura da UE,

o que a faz ter função relativamente significante nas políticas implementadas no âmbito

do processo de integração.12

No caso do Mercosul, cita-se como exemplo a criação da rede de Mercocidades,

que é o exemplo de uma iniciativa bem sucedida e ativa, cuja força e dinamismo nos

últimos anos propiciam uma perspectiva positiva em relação à institucionalização da

paradiplomacia no âmbito do Mercosul, embora ainda sejam desejáveis maiores

avanços neste caso.13

Nesse escopo, invariavelmente, o relacionamento internacional dos governos das

unidades federadas afetará de modo freqüente a agenda política interna e o próprio

ordenamento jurídico, sendo, talvez necessária a mudança constitucional para legitimar

e permitir com determinados limites, a atuação internacional dos governos estaduais e

municipais.

Desse modo, insta enfatizar que a celebração de acordos, convênios, ou outros

meios, que sejam previstos pelas mais variadas formas de tratado internacional,

possibilitam os Estados-Membros e Municípios utilizarem, incessantemente, das

relações internacionais como meios alternativos e convenientes para a busca de seu

próprio crescimento socioeconômico e político-cultural, naquilo que for relativo à

matéria de interesse regional ou local, ou até possivelmente, dependendo do caso, de

interesses comuns a todas as esferas federativas. É indiscutível as vantagens que o

relacionamento internacional direto dos entes públicos internos lhes proporciona, além

de que, da mesma maneira, torna-se vantajoso para o governo ou ente estrangeiro tal

relação.

11

BARROS, Marinana Andrade e. A atuação internacional dos governos subnacionais; Leonardo Nemer

Caldeira Brant, coordenador da coleção. – Belo Horizonte: Del Rey, 2009. Pág. 21. 12

Ídem. 13

Trabalho apresentado no GT Direito Internacional Contemporâneo do XV Encontro Preparatório do

Conpedi, Recife, junho de 2006. Autor: Gilberto Marcos Antônio Rodrigues. Professor do Programa de

Mestrado em Direito Internacional da UniSantos. Doutor em Relações Internacionais pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo.

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4. ACORDOS INTERNACIONAIS ENTRE ESTADOS ESTRANGEIROS E

ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS COM ESTADOS FEDERADOS E

MUNICÍPIOS.

Com a crescente atuação internacional entre os Estados soberanos e a criação de

Organizações Internacionais, que passaram a ter personalidade jurídica internacional,

outros entes também tiveram necessidade de relacionarem-se em busca de maior

integração e conseqüente crescimento mútuo.

É nesse escopo que se torna conveniente a relação direta entre um governo

subnacional, ou mesmo, governo subestatal, outra terminologia que foi indicada para

diferenciar Estado de Nação, com outro ente internacional, apesar de que já é utilizado o

termo subnacionais com bastante freqüência pelos trabalhos e discussões a respeito

deste tema.14

Embora ainda, não seja possível de forma direta tal relação no sistema brasileiro,

muitos Estados-Membros vêm firmando parcerias e acordos internacionais. Merece

atenção também que, dentro de governos subnacionais, há aquelas cidades denominadas

de internacionalizadas, que desde um marco histórico relevante tem atuação

significativa no cenário internacional. A esta denominação e sua real atuação concluiu o

professor Pellet dessa forma:

A internacionalização de certas cidades foi a resposta, hoje caduca, a

controvérsias territoriais complexas ou a competições entre grandes

potências. Soluções historicamente situadas, função de relações de forças

conjunturais, deram origem a regimes jurídicos diversificados e frágeis. O

seu traço comum é fundamentarem-se no princípio da neutralização e num

mecanismo de autonomia administrativa sob o controlo internacional: a sua

independência não está suficientemente definida face aos Estados

corresponsáveis para lhes permitir reivindicar a qualidade de Estados

soberanos.15

Devido ao fato histórico, as cidades internacionalizadas são exemplo de atuação

no cenário internacional. Esses centros urbanos, em sua maioria, se encontram no

continente europeu e no oriente médio. A localização se deve pelo fato de que em

tempos remotos, de acordo com a história, foram intensas formas de relacionamento

14

PRAZERES, Tatiana Lacerda. Por uma atuação constitucionalmente viável das unidades federadas

brasileiras ante os processos de integração regional. Págs. 283 a 312. In: A dimensão subnacional e as

relações internacionais / orgs. Tullo Vigevani et al. – São Paulo: EDUC; Fundação Editora da Unesp;

Bauru, SP: EDUSC, 2004, pág. 283 em notas de rodapé. 15

Tradução do original francês intitulado:Droit International Public – 7• edition, Nguyen Quoc Dinh,

Patrick Daillier, Alain Pellet, 2002, Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, E.J.A., Paris. Pág.

468.

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321

destas cidades com qualquer outro tipo de governo, daí sua importância para

conhecimento.

Os governos subnacionais, tais como, no caso brasileiro, os Estados Federados,

considerando ainda as cidades mais influentes político e economicamente, tendem a

relacionarem-se com base nos pressupostos considerados externos, quais sejam a

globalização e integração regional, além de pressupostos internos ou domésticos, como

a redemocratização e descentralização política com o advento da Constituição de 1988,

bem como os ajustamentos constantes da economia brasileira.16

Enfatiza-se que qualquer tipo de governo carece da necessidade de ampliar suas

relações além do âmbito interno de federalização, sendo razoável e na maioria das vezes

mais vantajoso a celebração de um acordo internacional em determinada área, podendo

prever assistências mútuas, o que torna interessante para as partes pactuantes,

especialmente para a estrangeira.

Pode-se afirmar que em diversos casos, as unidades subnacionais, como as

brasileiras, não demonstram acomodação e inércia com as limitações constitucionais

impostas à sua atuação externa. Especialmente devido às novas oportunidades derivadas

do atual cenário internacional de gradativas celebrações de atos internacionais relativos

a vários assuntos.17

É fundamental o fator socioeconômico, haja vista que os pressupostos externos

têm grande relevância para lograr crescimento à determinada região. Portanto, justifica-

se, a atuação corriqueira dos governos subnacionais em busca de acordos internacionais,

sobretudo, acordos de conteúdo econômico. Usualmente, estes governos atuam de modo

a celebrar empréstimos financiados por organizações internacionais financiadoras.

Nesse contexto, destaca-se que a atuação dos Estados Federados e cidades mais

influentes, sendo juridicamente pertinente o termo Municípios, é preponderante para a

busca de celebração de acordos que beneficiem, sobretudo, determinada região de

maneira recíproca, haja vista que o ente internacional ou governo estrangeiro

subnacional envolvido será, de algum modo, beneficiado.

16

BARROS, Marinana Andrade e. A atuação internacional dos governos subnacionais; Leonardo Nemer

Caldeira Brant, coordenador da coleção. – Belo Horizonte: Del Rey, 2009. Págs. 11 a 30. 17

PRAZERES, Tatiana Lacerda. Por uma atuação constitucionalmente viável das unidades federadas

brasileiras ante os processos de integração regional. In: A dimensão subnacional e as relações

internacionais / orgs. Tullo Vigevani et al. – São Paulo: EDUC; Fundação Editora da Unesp; Bauru, SP:

EDUSC, 2004, págs. 298 a 300.

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322

4.1. OS ACORDOS FIRMADOS ENTRE O ESTADO DE MINAS GERAIS E O

BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO

Embora o sistema constitucional brasileiro preveja que os Estados Federados

não possuem autonomia para qualquer tipo de celebração de acordos internacionais, foi

possível por diversas vezes, certos Estados-Membros serem parte de contratos de

empréstimos, que por sua natureza jurídica, significa o mesmo que um acordo.

É indiscutível a carência de personalidade jurídica externa de um Estado-

Membro, entretanto, considerando que a outra parte de um eventual acordo intitulado

contrato de empréstimo possa ser uma organização internacional, que

incontestadamente, possui personalidade jurídica para atuar no âmbito externo, possa

perfeitamente, valendo dessa condição, celebrar diretamente acordo internacional.

No ano de 1970, o estado de Minas Gerais celebrou contrato de empréstimo com

o Banco Interamericano de desenvolvimento, para a finalidade de cooperação

financeira. Não obstante, sob a ótica do direito internacional a possibilidade de

celebração de tal instrumento, ousa-se discordar da terminologia empregada de contrato

de empréstimo, entendendo-se correta a indicação de acordo.

Contrato. Sua utilização tem sido evitada na prática internacional, por ser um

termo intimamente ligado ao direito interno, apropriado para designar aqueles

acordos celebrados entre um sujeito de Direito Internacional Público e uma

entidade privada, em oposição a um tratado internacional.18

Corroborando o entendimento que a terminologia correta seria o acordo, o ilustre

professor Valério Mazzuoli elucidou:

Entende-se por acordo, assim, os atos bilaterais ou multilaterais – muitas

vezes com reduzido número de participantes e de relativa importância – cuja

natureza pode ser política, econômica, comercial, cultural ou científica.19

Alcançada a conclusão da discussão concernente à terminologia, analisa-se que

no mencionado contrato de empréstimo, além de fazer previsões acerca de direitos e

obrigações expressas para ambas as partes, também previu a submissão à arbitragem

qualquer controvérsia, cujo meio é mais eficiente e menos morosidade, além de que

18

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público – 2 ed. rev., atual. – São Paulo

: Revista dos Tribunais, 2007, pág. 148. 19

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público – 2 ed. rev., atual. – São Paulo

: Revista dos Tribunais, 2007, pág. 142.

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323

previa o uso de decisões arbitrais com base na ex aequo et Bono, apontada como

irrecorrível e de imediata execução. 20

É conveniente esclarecer que acionar algum sistema judiciário interno, tornar-se-

ia morosa a decisão de eventual conflito existente entre as partes.

Ademais, para que houvesse validade jurídica no plano do direito internacional,

após, celebrado o acordo entre as partes, celebrou-se também outro acordo, ora

denominado contrato de garantia entre a União Federal e o Banco Interamericano de

desenvolvimento. O denominado contrato de garantia fazia com que a União pudesse

responder como fiadora, pelo exato cumprimento das obrigações então assumidas por

sua unidade federada.21

Este acordo realizado pelo estado de Minas Gerais com uma organização

internacional financiadora de recursos econômicos surtiu excelentes efeitos, tanto é que,

atualmente, acordos dessa natureza são constantemente celebrados, como é o caso do

último acordo celebrado em 26 de fevereiro de 2010 entre as mesmas partes com o

mesmo objetivo. Além deste exemplo, há outros entes públicos internos que também já

celebraram acordos ou convênios dessa natureza com entes externos.

4.2 A UNIÃO FEDERAL COMO FIADORA DE ACORDO INTERNACIONAL

ENVOLVENDO ESTADO FEDERADO COMO PARTE E A

RESPONSABILIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO.

Conforme exposto no item anterior, é possível que Estados Federados sejam

parte de tratados ou acordos internacionais que estão intimamente ligados às

negociações financeiras que supostamente um ente público regional possa celebrar para

satisfazer suas necessidades buscando melhores condições e adequações para tratar

eventual problema sócio-político.

Tem-se como exemplo, o financiamento de obras públicas e projetos

eminentemente focados em relações humanitárias que buscam fortalecer as instituições

políticas para modernizarem-se, fazendo com que possam proporcionar melhor

20

Artigo VII, seção 3, e, artigo VIII do Contrato de empréstimo de 11 de junho de 1970 entre o Estado de

Minas Gerais e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Publicado no diário oficial da união em

11/06/1970. 21

REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar – 12 ed. rev. e atual. – São

Paulo: Saraiva, 2010. Pág. 245, notas de rodapé.

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324

qualidade de atendimento a uma das mazelas de uma determinada região menos

favorecida em igualdade social.

Por outro lado, analisando o sistema constitucional brasileiro, é manifesta a

impossibilidade dos Estados e Municípios atuarem no cenário internacional em busca de

celebração de tratados que possam servir os interesses regionais e locais destes,

respectivamente, dado que somente a União federal é tida como ente responsável pelas

negociações das relações exteriores.

Destaca-se a real importância no relacionamento direto como foi o caso, do

exemplo exposto no tópico anterior de Minas Gerais com o Banco de Desenvolvimento

Interamericano, que proporcionou através desse acordo benefícios evidentes referentes

ao financiamento de obras e projetos sociais para a população do Estado. Reforça-se que

não foi o caso do Estado de Minas Gerais o único a relacionar com entidades

internacionais de grande expressão, sendo igualmente o caso de vários outros Estados

brasileiros.

Nesse prisma, conforme discutido é prescindível que os Estados, ou mesmo, os

Municípios atuem no cenário internacional, uma vez que é clara a necessidade de firmar

tratados para satisfazerem seus interesses.

No entanto, criou-se um impasse a impossibilidade de atuação dos entes

federados, sob a ótica constitucional, pois, qualquer relação direta de determinado ente

público interno restaria inválida do ponto de vista jurídico.

A esse impasse de proibição constitucional, o sistema brasileiro que dispõe

poderes à União Federal cuidar de tal responsabilidade, foi sendo mitigado com a

aparente atuação dos Estados Federados e Municípios, estes, atuando de maneira a

buscarem acordos internacionais ligados predominantemente à projetos sociais

cooperacionais com as organizações internacionais financiadoras e atuantes em áreas de

apoio social, tal como a relação da United Nations Children’s Fund - UNICEF com

diversas grandes cidades brasileiras.

Superado o imbróglio da vedação constitucional e a possibilidade dos outros

entes, além da União federal, atuarem diretamente com entes exteriores, sujeitos de

direito internacional público, houve uma questão que passou a ser levada em

consideração, tendo-se em vista sua possibilidade de invalidação jurídica desses tipos de

acordos internacionais.

Tratava-se da necessidade de garantia de eventual acordo internacional com

algum ente interno do sistema constitucional brasileiro, entendendo-se que, somente

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325

seria possível figurar algum ente público interno como parte de um tratado internacional

se houvesse alguma garantia do ente público de personalidade jurídica externa que fosse

responsável pela negociação.

Embora, o sistema constitucional brasileiro não permita, e, tampouco reconhece

personalidade jurídica de direito externo aos Estados e Municípios, o atual

entendimento é de que estes podem celebrar acordos internacionais com entes externos,

sendo sempre a União Federal a garantidora da relação.

A União Federal atuando no sentido de representante da República, ou seja,

como único e exclusivo ente brasileiro sujeito de direito internacional público, deve agir

de modo a amparar eventual relação internacional dos entes federados hierarquicamente

inferiores, tendo em vista o aspecto de competências constitucionais.

Sob o ponto de vista jurídico-formal, qualquer negociação direta de unidades

federadas no âmbito internacional depende da União como garantidora da relação para

que haja respaldo jurídico em casos de responsabilização de atos cometidos que possam

ser considerados ilícitos sob a ótica do direito internacional.

A rigor, é regra geral convencionada de que o Estado Nacional responde pelos

atos de pessoas jurídicas ou coletividades que, em seu território, exerçam funções

eminentemente públicas de ordem administrativa ou legislativa, sendo estes os Estados

Federados, Províncias, Municípios, Comunas, etc., a partir do momento em que são

contrários aos deveres internacionais do Estado.22

Em relação ao Estado Federal, é doutrina corrente, da qual se busca afastar que

um estado estrangeiro não deve relacionar-se diretamente com as unidades da

Federação, sendo que, o governo destas não pode esquivar-se da responsabilidade por

atos imputáveis aos governos das ditas unidades, sob a alegação de que a autonomia

destas lhes proíbe intervir nos seus negócios internacionais.23

Convém ressaltar que em caso de responsabilidade internacional por ato ilícito,

cabe Estado Nacional responder, uma vez que somente pode-se imputar a prática de um

ato ilícito internacional para aquele que é sujeito de direito externo.

Para compreensão do entendimento dos tribunais internacionais, destaca-se que

nos casos de descumprimento por tratado firmado pelo governo central, a prática dos

22

CASELLA, Paulo Borba. Manual de direito internacional público / Hildebrando Accioly e G.E. do

Nascimento e Silva. – 18. ed., de acordo com o Decreto n. 7.030, de 14-12-2009, e Lei n. 12.134, 18-12-

2009. – São Paulo : Saraiva, 2010. Pág. 373. 23

Ídem.

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326

tribunais internacionais tem tendido a não aceitar governos subnacionais como partes

em demandas, sem que o Estado Nacional esteja presente como na lide.24

Tal entendimento é muito relevante, levando em conta que no sistema de

coordenação do direito internacional público, eventual sanção imposta a determinado

Estado descumpridor de normas e regras internacionais deve ser cumprida, de tal sorte

que seria difícil executar as sanções aplicadas aos governos que carecem da

personalidade jurídica internacional.

Portanto, com vistas ao caso brasileiro, a responsabilização por qualquer ato de

um governo de ente público interno com outro governo externo cabe à União responder

por suas unidades federadas, tendo-se em vista que é dada personalidade jurídica

externa a esta, na condição de que representa a República Federativa do Brasil no

âmbito das relações internacionais.

4.3. ANÁLISE DA PEC 475/2005

Inicialmente, cumpre salientar que a Proposta de Emenda Constitucional de

número 475 do ano de 2005 – PEC 475/2005 foi projeto que partiu da iniciativa do

senhor Deputado Federal André Costa do Rio de Janeiro, que é diplomata de carreira e

conhecedor das questões federativas.

A proposta consiste em regular expressamente a paradiplomacia brasileira, tal

como mencionado em tópico alhures, com a previsão de que os Estados e Municípios,

no âmbito de suas competências, sem a extrapolação do limite constitucional imposto,

possam firmar compromissos, acordos, convênios, dentre outros, no âmbito

internacional com governos estrangeiros e possivelmente com organizações e entidades

internacionais.25

Tal como acontece em alguns países, os governos subnacionais atuam com o

intuito de relacionarem-se no âmbito internacional, sendo, em princípio vedada tal

atuação pelo sistema constitucional brasileiro.

É nesse enfoque que houve a necessidade de propositura de emenda

constitucional que pudesse viabilizar e validar juridicamente as atuações e

relacionamentos internacionais dos entes públicos de direito interno, mormente, dos

Estados-Membros.

24

BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. A Corte Internacional de Justiça e a Construção do Direito

Internacional. Belo Horizonte: CEDIN, 2005, pág. 625. 25

<http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=305376>. Acesso em 30 de maio de

2010.

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327

Sabe-se da importância de relacionamento de tais entes, dado toda a discussão

mencionada acima, portanto, avança-se para o entendimento da proposta de emenda

constitucional ora salientada.

A PEC 475/2005, foi arquivada com espeque do artigo 105 do regimento interno

da Câmara Federal, em 28 de fevereiro de 2008, e ainda não foi encaminhada ao Senado

Federal para averiguação. A proposta trata de modificar o artigo 23 da Constituição

acrescentando-lhe parágrafo para permitir que Estados, Distrito Federal e Municípios

possam promover atos e celebrar acordos ou convênios com entes subnacionais

estrangeiros.26

Embora a Comissão de Constituição Justiça e Cidadania tenha reconhecido que

seria possível aos entes estatais agirem no cenário internacional não celebrando atos,

cujo tema seja nacionalidade ou moeda, entretanto, de atos internacionais que fossem

relacionados à esfera da respectiva competência de determinada unidade federada, não

seria necessário emendar a constituição em virtude de que para a prática de certos atos,

os entes federados não necessitam de autorização, pois, de acordo com o artigo 18 da

CR/88 agem em acordo com sua respectiva autonomia.27

Destacou-se ainda que seria possível celebrar tais atos com quaisquer pessoas

estrangeiras, sejam elas dotadas ou não de personalidade jurídica de direito

internacional. Estado, Distrito Federal e Municípios podem celebrar quaisquer atos com

cidadãos, organizações oficiais ou não-governamentais ou quaisquer entes de natureza

estatal (o País, a Província, o Departamento, o Condado, etc.). Para tais atos, não seria

necessário autorização da União federal, como é a sugestão da emenda, diferente do

caso estampado no artigo 49, I, da CR/88.28

Desta feita, a sugestão da proposta em modificar o artigo 23, acrescentando a

previsão da possível celebração direta de acordos e convênios internacionais pelos entes

públicos internos com entes subnacionais estrangeiros não foi, em princípio, acatada

pelo fato de que mesmo que não haja previsão constitucional para tal tipo de atuação, na

prática é possível percebê-la, além de que não havia muita força política para esse

caso.29

26

<http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=305376>. Acesso em 30 de maio de

2010. 27

<http://www.camara.gov.br/sileg/integras/388392.pdf>. Acesso em 30 de maio de 2010. 28

Ídem. 29

A discussão a respeito da PEC475/2005 não se engajou muito bem, devido a baixa força política

envolvida nela, o que acabou por arquivá-la.

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328

4.4. ANÁLISE DO PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR 98/2006

Insistindo-se na discussão no Brasil a respeito da necessidade de normatização

da cooperação descentralizada, adveio uma nova etapa, iniciada a partir da proposta do

Projeto de Lei do Senado (PLS) n. 98, de 2006 – Lei Complementar.30

Ressalta-se que, este projeto de Lei Complementar do Senado n. 98 de 2006

dispõe, basicamente, a respeito da aplicação de tratados internacionais no ordenamento

jurídico interno, não trazendo especificações sobre a relação internacional das unidades

da federação. O objetivo é pacificar temas que se referem à aplicação de tratados

internacionais no ordenamento jurídico nacional.31

Importante enfatizar que a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional

manifestou-se favorável pela aprovação do projeto, sob a forma de um substitutivo, o

qual continua tramitando no Senado Federal. A proposta de substitutivo faz menção

expressa acerca da possibilidade de atuação externa dos entes públicos federados no

sentido de poderem concluir acordos internacionais.32

Merecem ser destacados os artigos 12 e 30, que tratam da possibilidade de

Estados-Membros, Municípios e Distrito Federal agirem no âmbito internacional. As

previsões dos mencionados artigos afastam a questão de que a Constituição Federal não

conceder aos entes federados a competência para atuação no âmbito externo, estendendo

as atribuições dos governos subnacionais através de norma infraconstitucional.

Obviamente, este projeto de lei complementar só alcançaria êxito e legitimidade

se de fato houvesse ciência e concordância do governo federal, levando em conta que

eventual imputação de responsabilidade no âmbito internacional recai sobre a pessoa

sujeito de direito internacional, que é a União Federal.

As chances para se obter legitimidade constitucional neste substitutivo são

grandes e animadoras, haja vista que partindo do mesmo pressuposto do parecer emitido

pela Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania – CCJC relativo À PEC

475/2005, de que o texto constitucional permite a atuação internacional das unidades

federadas, a lei complementar estaria apenas complementando aquilo que dispõe a

Constituição.

30

<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=77481>. Acesso em 15 de

dezembro de 2010. 31

Ídem 32

Ídem.

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329

Ressalta-se que na prática, com a devida aprovação da proposta do substitutivo,

haveria legitimidade para que os entes federados pudessem celebrar acordos

internacionais, que seriam regidos por lei estadual ou municipal, isto é, passariam a

integrar o ordenamento jurídico interno sem que houvesse qualquer vinculação com as

normas e regras do Direito Internacional. Os eventuais acordos teriam uma função

preponderante, uma vez que serviriam de modo a complementar os acordos quadros

ajustados pelo governo federal.33

Deve-se ter cautela para tal interpretação do projeto, tendo em vista que descarta

a praxe jurídica e costume de aplicação do direito brasileiro, o que por outro lado,

poderia ensejar a inconstitucionalidade do substitutivo.

Corroborando com as afirmações elucidadas acima, a autora Marinana Barros foi

muito pertinente em suas colocações a despeito deste projeto de lei complementar

demonstrando as possíveis implicações que poderia causar:

Ao dispor de tal hipótese, a Lei Complementar marginaliza o fato de a

Constituição Federal não conceder aos entes federados a competência para

atuar internacionalmente, ampliando, portanto, as atribuições dos governos

não centrais por meio de norma infraconstitucional. Isto contradiz um dos

pilares da idéia moderna de Constituição, segundo o qual ela deve dispor

sobre as competências de cada esfera de poder e de governo, tal qual

analisado anteriormente. É fato que o projeto prevê que os atos dos governos

subnacionais só poderiam existir legalmente estando ciente o governo

federal, contudo, ainda assim, conceder-se a Estados membros e Municípios a

capacidade de empreender tal ação é ampliar suas competências

constitucionais. A proposta de substitutivo que se coloca como Lei

complementar poderia ser julgada constitucionalmente apenas se se partisse

do mesmo pressuposto do parecer emitido pela CCJC à PEC n.475, ou seja,

de que o texto da CF permite a atuação internacional dos governos não

centrais. Nesse caso, a lei apenas estaria complementando aquilo que a

Constituição dispõe. Não parece esta, contudo, a interpretação mais

apropriada, já que se afasta de toda a tradição jurídica brasileira.34

Tendo como base o sistema federativo brasileiro que atribui à União Federal a

representatividade da República, atuando nas relações internacionais, certamente o

sucesso deste projeto está condicionado à aceitação desta, que invariavelmente estará de

certo modo dividindo parte da responsabilidade em todas as eventuais relações que suas

unidades federadas realizarem.

Dessa forma, até o presente momento, as proposituras de emenda constitucional

475/2005 e do projeto de lei complementar 98/2006 não obtiveram êxito expressivo

para tratar mais especificamente do assunto discorrido. Permaneceu-se do modo que a

33

BARROS, Marinana Andrade e. A atuação internacional dos governos subnacionais; Leonardo Nemer

Caldeira Brant, coordenador da coleção. – Belo Horizonte: Del Rey, 2009. Pág. 125. 34

Ídem. Pág. 125.

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330

atual prática estatal permite, isto é, até o atual momento, é impossível a atuação direta

de qualquer ente público federado no cenário internacional, restando ausente qualquer

previsão para a atuação internacional dos entes públicos federados.

5. CONCLUSÃO

Cumpre salientar que a atuação internacional das unidades federadas, sobretudo

dos Estados Federados é relevante, principalmente, no cenário atual de globalização e

integração regional econômica, sendo indispensável para o fortalecimento destes, além

de que é altamente válida a experiência de cooperação mútua entre governos de distintas

nacionalidades.

Convém elucidar o entendimento da autora Tatiana Lacerda Prazeres que

abordou no seu artigo – Por uma atuação constitucionalmente viável das unidades

federadas – a relevância da atuação dos Estados-Membros e Municípios no cenário

internacional, defendendo, em síntese, a possibilidade de alteração constitucional com

vistas a permitir o relacionamento direto das unidades federadas.

As alternativas pontuais a fim de se viabilizar a atuação externa direta de

alcance menos superficial parecem girar em torno (i) da própria possibilidade

de reforma constitucional que rompa o monopólio do Estado Federal em

matéria de atuação externa; (ii) da representação dos interesses das unidades

federadas através dos mecanismos de diplomacia federativa, desenvolvidos

pelo Ministério de Relações Exteriores – MRE; (iii) dos ajustes

complementares assumidos pelo MRE, através dos quais se indique uma

unidade federada brasileira como agente executor do referido ajuste, (iv) da

possibilidade (ainda que meramente paliativa) de as unidades federadas se

utilizarem de agentes privados como intermediários para assumirem

compromissos de Direito Internacional Privado. Enquanto não houver

discussão necessária sobre o tema que possa vir a motivar uma reforma

constitucional que altere a repartição de poderes em matéria de política

externa, resta a necessidade de se fortalecerem os laços federativos,

estimulando o diálogo entre o Estado total e as unidades federadas no que se

refere à política externa, para que a forma federativa de organização do Estado

possa se fazer sentir nessa importante esfera da vida política, contribuindo para

o processo de democratização desta seara, já deflagrado por outros estados

federais.35

35

PRAZERES, Tatiana Lacerda. Por uma atuação constitucionalmente viável das unidades federadas

brasileiras ante os processos de integração regional. Págs. 283 a 312. In: A dimensão subnacional e as

relações internacionais / orgs. Tullo Vigevani et al. – São Paulo: EDUC; Fundação Editora da Unesp;

Bauru, SP: EDUSC, 2004, pág. 309.

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331

Diante desta perspectiva ressalta-se que, atualmente, os estudiosos do Direito

Internacional Público demonstram certa flexibilidade referente à questão de possibilitar

a atuação no âmbito externo das unidades federadas.

Na ótica atual do Direito Internacional Público entende-se que os países

federados possuem liberdade de definir se há ou não centralização em um único ente

central federado representante no cenário externo de política externa, não sendo foco do

Direito Internacional Público se envolver em caso de países que admitem

constitucionalmente tal exercício.

O Brasil, diferentemente, de outros países, não concedeu permissão legal-

constitucional para que seus estados federados pudessem atuar no âmbito internacional,

entretanto, aplica-se um comportamento já praticado há tempos, qual seja a

possibilidade de atuação internacional de estados federados, bem como, outros entes

públicos internos de se relacionarem, tendo sempre como garantidora do relacionamento

a União federal.

Com enfoque na questão discorrida sobre a real necessidade de relacionamento

internacional entre os entes públicos federados com governos estrangeiros, a

paradiplomacia, termo empregado para se referir à política externa dos Estados-

Membros e Municípios, deve ser difundida para que cada vez mais possa haver

possibilidades de atuações externas de referidos entes, devido, inclusive, ao fenômeno

da globalização e processo de integração regional dos países.

A CF/88 não proíbe expressamente tal atuação, porém, em casos que tratam de

compromissos gravosos e encargos de natureza dispendiosa é que obrigatoriamente o

legislativo federal, através do Senado Federal, impõe a necessidade da intervenção da

União federal, de modo que afasta qualquer atuação de governos subnacionais.

Em se tratando de limites constitucionais impostos, estes são considerados como

limites gerais, deixando a cargo da União federal, na medida em que age como

representante da República federativa do Brasil no cenário externo, a atuação para

questões consideradas mais complexas e estratégicas.

Portanto, esclarece-se que quanto às espécies de tratado internacional, cabe aos

estados federados e a outros entes públicos de direito interno relacionarem-se

diretamente com outros entes de direito externo, ou mesmo, com governos subnacionais

alienígenas nas formas menos complexas tais como: acordos, convênios, atos

internacionais que não configurem questão que demande gravidade, ou, possa

eventualmente atentar à ordem pública.

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332

Nesse sentido, a atuação dos Estados-Membros e Municípios no cenário

internacional é eminentemente aparente, não havendo razão para que o direito

internacional se oponha à atitude do Estado soberano, que conforme seu ordenamento

jurídico interno permite aos Estados-Membros e Municípios atuarem com competência

para celebração de certos atos internacionais, de modo que outros Estados soberanos

reconheçam tal atuação, e haja a consciência de que a responsabilização pelas unidades

federadas é da União Federal.36

REFERÊNCIAS

BARROS, Marinana Andrade e. A atuação internacional dos governos subnacionais;

Leonardo Nemer Caldeira Brant, coordenador da coleção. – Belo Horizonte: Del Rey,

2009. 149p.

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