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212 Titulo: As Forças Armadas Revolucionárias Da Colômbia (FARC) e Sua Atuação no Cenário Internacional Autor: Kalki Zumbo Coronel Guevara Publicado em: Revista Eletrônica de Direito Internacional, vol. 6, 2010, pp. Disponível em: http://www.cedin.com.br/revistaeletronica/volume6/ ISSN 1981-9439 Com o objetivo de consolidar o debate acerca das questões relativas ao Direito e as Relações Internacionais, o Centro de Direito Internacional CEDIN - publica semestralmente a Revista Eletrônica de Direito Internacional, que conta com artigos selecionados de pesquisadores de todo o Brasil. O conteúdo dos artigos é de responsabilidade exclusiva do(s) autor (es), que cederam ao CEDIN os respectivos direitos de reprodução e/ou publicação. Não é permitida a utilização desse conteúdo para fins comerciais e/ou profissionais. Para comprar ou obter autorização de uso desse conteúdo, entre em contato, [email protected]

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Titulo: As Forças Armadas Revolucionárias Da Colômbia (FARC) e Sua

Atuação no Cenário Internacional

Autor: Kalki Zumbo Coronel Guevara

Publicado em: Revista Eletrônica de Direito Internacional, vol. 6, 2010, pp.

Disponível em: http://www.cedin.com.br/revistaeletronica/volume6/

ISSN 1981-9439

Com o objetivo de consolidar o debate acerca das questões relativas ao Direito e as Relações Internacionais, o Centro de Direito Internacional – CEDIN - publica semestralmente a Revista Eletrônica

de Direito Internacional, que conta com artigos selecionados de pesquisadores de todo o Brasil.

O conteúdo dos artigos é de responsabilidade exclusiva do(s) autor (es), que cederam ao CEDIN os respectivos direitos de reprodução e/ou publicação. Não é permitida a utilização desse conteúdo para

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AS FORÇAS ARMADAS REVOLUCIONÁRIAS DA COLÔMBIA (FARC) E

SUA ATUAÇÃO NO CENÁRIO INTERNACIONAL

Kalki Zumbo Coronel Guevara*

RESUMO

O presente trabalho estará voltado para a o entendimento de como as Forças

Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) atuam e vêem se comportando no cenário internacional. Para tanto será analisado o processo histórico atrelada a tal

entidade, além de peculiaridades presentes em cada época de sua formação. Tendo

como objetivo compreender como tal organização veio se desenvolvendo e quais suas

implicações para a área das Relações Internacionais e o Direito Internacional, se farão

uso dos conceitos presentes nos atores e sujeitos presentes da arena internacional, bem

como o que vem se entender como sendo o fenômeno terrorista. Por fim, se procurará

abarcar as diversas definições atreladas ao objeto de estudo em questão, para

posteriormente ter-se uma noção de como é qualificado no ambiente internacional.

Palavras-chave: Forças Armadas Revolucionarias da Colômbia (FARC), Organizações

Internacionais, Movimentos de Libertação Nacional (MLN) e fenômeno terrorista.

RESUMEN

El presente trabajo estará destinado a la comprensión de como las Fuerzas

Armadas Revolucionarias de Colombia (FARC) atuan y vienen comportándose en el

escenario internacional. Para tanto será analizado el proceso histórico atrelada a tal

entidad, además de peculiaridades presentes en cada época de su formación. Teniendo

cómo objetivo comprender como tal organización vino desarrollándose y cuáles sus

implicações para la área de las Relaciones Internacionales y el Derecho Internacional, se

harán uso de los conceptos presentes en los actores presentes en la arena internacional,

así como lo que viene a entenderse cómo siendo el fenómeno terorista. Finlmente, se buscará abarcar las diversas definiciones atreladas al objeto de estudio en cuestión, para

posteriormente tenerse una noción de cómo es calificado en el ambiente internacional.

Palabras-llave: Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia (FARC),

Organizaciones Internacionales, Movimientos de Liberación Nacional (MLN) y

fenómeno terorista.

___________________________ * Bacharel em Relações Internacionais pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH); pós-

graduado em Direito Internacional pelas Faculdades Milton Campos/CEDIN; e membro do Grupo de

Pesquisa do Centro de Direito Internacional (CEDIN).

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1 INTRODUÇÃO

Levando-se em consideração a presença das Forças Armadas Revolucionárias da

Colômbia (FARC) no território do continente sul americano, e a insurgência dos

acontecimentos ocorridos no decorrer dos últimos anos, tais como a morte de

importantes membros – como Raúl Reyes, um de seus líderes; além da libertação de

alguns de seus reféns civis, mantidos sobre seu domínio na selva amazônica1, percebe-

se a relevância do estudo deste tema para a área das Relações Internacionais, partindo-se

com isso, para uma análise mais detalhada acerca dos aspectos que envolvem sua

conjuntura.

Para tanto, o propósito do presente trabalho será de apresentar o processo que

veio propiciar o surgimento das FARC no transcurso de sua história, destacando-se seus

principais ideais e princípios constitutivos, para que se possa compreender, de maneira

mais clara e condizente, do que se trata este movimento2. Posteriormente, haja vista o

seu envolvimento no plano internacional, se trará à tona uma discussão teórica, que terá

o intuito de apresentar como o campo de estudos do Direito Internacional e das

Relações Internacionais analisam o ator em questão, ou seja, a maneira pela qual estas

duas áreas o interpretam.

Outro aspecto a ser analisado será o de interpretar, em termos conceituais, o que

se entende por Movimento de Libertação Nacional (MLN) e fenômeno terrorista, para

que, em um segundo momento, possa-se relacionar-los com o estudo aqui abordado.

Esta inter-relação se dará com o intuito de procurar compreender se as FARC possuem

uma relação com estes dois conceitos e, em caso afirmativo, em quais circunstâncias.

Assim sendo, com o propósito de auxiliar na elaboração do trabalho, este se

fragmentará em três capítulos distintos, porém complementares entre si. O primeiro terá

o objetivo de apresentar os atores ou sujeitos de maior relevância no cenário

internacional e, conseqüentemente, para a compreensão das dinâmicas presentes nas

próprias FARC. Para tanto serão abordados as características principais presentes nos

Estado, nas Organizações Internacionais, nos indivíduos e nos Movimentos de

Libertação Nacional. Ainda, juntamente com a análise dos referidos atores, serão

abarcados os papeis desempenhados por estes e quais as suas participações na formação

do sistema internacional que compõem.

1 Como exemplos, podem ser citadas as libertações ocorridas entre os anos de 2008 e 2009 da Franco-

colombiana Ingrid Betancourt, além de Claras Rajas, Consuelo Gonzáles e outros. 2 Movimento aqui entendido como grupos de indivíduos que se reúnem em torno de causas em comum.

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Por sua vez, o segundo capítulo terá como objetivo apresentar o que vêem a ser

as FARC propriamente ditas, referindo-se à suas características constitutivas e

históricas, introduzindo assim o tema proposto neste trabalho. Para tanto será traçada

uma linha cronológica temporal que terá a função de demarcar os principais

acontecimentos ao longo dos anos, presentes no decorrer de seu processo de formação,

chegando até nos tempos atuais. Em seguida, será interpretado o que vem a ser um

fenômeno terrorista, levando-se em consideração suas características marcantes e sua

dificuldade em defini-lo.

Por fim, o terceiro e último capítulo se dedicará em relacionar as próprias FARC

à noção do que se entende e o que se definiu como sendo um Movimento de Libertação

Nacional, juntamente com o que vem a ser o fenômeno terrorista, criando o campo

propício para se relacionarem as informações que serão apresentadas no desenvolver

desse artigo. Esta última seção terá a função de pontuar, a partir de um embate entre

teoria e conceitos, como se classificam as FARC perante o sistema internacional, em

função de suas ações e atuações no âmbito das relações internacionais.

2 SUJEITOS DO DIREITO INTERNACIONAL3

Entende-se por sujeitos4 do direito internacional aqueles agentes ou instituições

que compõem e integram o sistema internacional5 em seus diversos aspectos, sendo

estes, econômicos, políticos ou sociais (PELLET, A. 2005).

Para tanto, essa seção se destinará a apresentar os principais sujeitos do direito

internacional, abordando suas peculiaridades e características compositivas, bem como

suas competências e poder de agência no meio em que se encontram inserido.

Nesse sentido se começará explanando sobre a figura do Estado, este que se

tornou um dos sujeitos mais preponderantes na área internacional desde que adquiriu

papéis específicos ao longo da história; também se abordará o que são as Organizações

Internacionais, instituições estas de suma importância no desenvolvimento das relações

internacionais; posteriormente analisar-se-á como o indivíduo passou a ser interpretado

3 Entende-se como Sujeitos de Direito Internacional aquelas entidades que possuem capacidade para

apresentar reclamações sobre violações de DI; capacidades para celebrar tratados e acordos válidos no

âmbito internacional; e gozos de privilégios e imunidades concedidos por jurisdições internacionais 4 Destaca-se aqui a existência de expressões distintas por parte do campo de estudos do Direito

Internacional e das Relações Internacionais, utilizadas para designar o mesmo objeto, sendo este

classificado como “sujeito” para o DI e “ator” para as RI (PELLET, A. 2005).

5 O sistema internacional diz respeito ao ambiente no qual interagem os sujeitos ou atores internacionais.

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pelo Direito Internacional, juntamente com sua influência e participação ao longo do

tempo; por fim, se desenvolverá um estudo acerca do que vem a ser um Movimento de

Libertação Nacional e suas prerrogativas.

2.1 O Estado

Considerado por muitos historiadores como o principal sujeito do direito

internacional, o Estado veio adquirindo forma e personalidade jurídica peculiar no

transcurso das relações internacionais.

O Estado é uma instituição que veio se desenvolvendo desde os primórdios das

civilizações e ao longo dos séculos, por meio do qual foi sendo estruturando e

assumindo características próprias, tais como população, território e governo. A análise

da instituição estatal também pode ser estudada em concomitância ao desenvolvimento

da sociedade, devido ao fato de ter sido moldado de acordo com suas necessidades em

cada período histórico (WEBER, M. 1999).

Nesse sentido, é possível interpretá-lo e estudá-lo a partir de uma perspectiva

sociológica, por meio da qual, por tratar-se de uma construção social6, também

necessitou passar por uma série de transformações e adaptações nas quais lhe

demandaram um largo espaço de tempo, até que assumisse o modelo no qual o

conhecemos atualmente, ou seja, até que se caracteriza-se como um Estado moderno7

(WEBER, M. 1999).

Tomando como marco histórico a Paz de Westfália8 de 1648, podemos afirmar

que o Estado passou a adquirir as características necessárias para se afirmar como uma

instituição de peso e importância no bojo das relações internacionais, uma vez que

passava ser detentor de legitimidade frente à sociedade internacional. Essa concepção

pode ser evidenciada pois além de ser constituído por uma população, um território e

um governo, o Estado também passava deter e usufruir da soberania, características

essas que o fundamentam e que serão mais bem analisadas a seguir (BOBBIO, N;

NOGUEIRA, M. 2000).

6 O Estado é um fenômeno histórico, sociológico e político considerado pelo Direito. DAILLIER, P;

DINH, N; e PELLET, A. Direito Internacional Público, Ed: 1999, pg. 373. 7 A definição moderna de Estado esta diretamente ligada à definição que o Cientista Político Max Weber

define como sendo uma entidade possuidora de povo, território, governo, e soberania, ou seja, detentor do

uso legítimo de força nos assuntos de ordem interna e externa. 8 A Paz de Westfalia, que marcou o fim da Guerra dos 30 anos na Europa, foi um acontecimento de suma

importância para a história das relações internacionais, pois a partir daquele momento estavam se

consolidando as instituições estatais, detentoras de um povo, território, governo e poder soberano.

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O conceito que gira em torno do que vem a ser uma população esta diretamente

ligada à idéia de um contingente de indivíduos que por razões em comum – sejam essas

de afinidade ou por motivos de segurança - passam a se organizar e a se reunir

conjuntamente em uma determinada região ou território. Assim sendo, é essa

coletividade, formada por uma massa de indivíduos, que da origem a população de um

Estado (BOBBIO, N; NOGUEIRA, M. 2000).

Por sua vez, os indivíduos pertencentes à população de um determinado Estado,

passam a se tornar os habitantes de tal instituição, em que além de serem os

responsáveis pelo povoamento da região, passarão a manter uma estreita relação com

esta, e vice-versa. Essa relação se pautará sobre certos deveres e obrigações que dizem

respeito à preservação e a manutenção do ambiente em que co-existem (BOBBIO, N;

NOGUEIRA, M. 2000).

Já no que diz respeito ao outro elemento constitutivo do Estado, referindo-se

nesse caso ao território ao qual pertence, pode-se dizer que se trata de uma estrutura

física na qual o próprio Estado se ergue e passa a desempenhar suas funções. Nesse

sentido, o território é a região na qual o Estado passa a predominar, também podendo

ser classificado como o espaço geográfico entorno do qual a instituição estatal é

consolidada.

De modos a facilitar a compreensão do que vem ser o território estatal e quais

suas implicações, basta-se interpretá-lo como sendo a estrutura física responsável por

sustentar o aparato estatal e conceder-lhe a área necessária para seu desenvolvimento

econômico, político e social. Dessa forma, são nas dependências dessa área territorial

que o Estado passa exercer seu poderio político/administrativo, direcionando-o por sua

vez à população que o compõe.

Cabe ressaltar ainda que o território estatal é composto por uma área geopolítica

– podendo esta ser integrada por montanhas, rios, mares e espaço aéreo –, em que passa

a ser delimitada por fronteiras que demarcam e separam o espaço nacional do

internacional, responsável também por delimitar o alcance do poderio do Estado

(WEBER, M. 1999).

Passando-se analisar a figura do governo, elemento este também indispensável

na constituição do Estado, pode-se interpretá-lo como sendo a entidade provida de

autoridade legal para gerir os interesses estatais. Essa autoridade por sua vez, passa ser

outorgada por parte da população, que lhe aufere a legitimidade necessária para

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representar-los perante o ambiente interno e externo, bem como para governar-los em

prol do bem coletivo (BOBBIO, N; NOGUEIRA, M. 2000).

Assim sendo, o governo passa ser o responsável legítimo em administrar o

aparato estatal em toda sua amplitude, devido ao fato de lhe ser conferida a confiança e

a competência necessária para tal. Para isso, o governo passa a fazer uso de um conjunto

de ferramentas administrativas e burocráticas, que se dividem em setores distintos, com

o objetivo de suprir as demandas e necessidades de seus nacionais (BOBBIO, N;

NOGUEIRA, M. 2000).

Com isso, a figura do governo passa a ser caracterizada como entidade máxima

de representação estatal, adquirindo caráter político, jurídico e administrativo,

responsável pela manutenção da ordem interna e defesa dos interesses do Estado em

suas relações internacionais.

Analisando finalmente o que se entende por soberania estatal, componente

essencial e imprescindível na composição do Estado tal como ele é, pode-se interpretá-

la como sendo uma característica que veio se desenvolvendo em comunhão à

desenvoltura do direito internacional. Esta inter-relação pode se comprovar uma vez que

a noção de soberania traz atrelada em si uma série de princípios e considerações

oriundas da jurisprudência internacional (BOBBIO, N; NOGUEIRA, M. 2000).

Assim como se é sabido, o Estado veio se arquitetando socialmente ao longo da

história, até que logrou adquirir status de uma instituição poderosa e influente tanto no

meio interno como no internacional. Dessa forma, de modos a ceder status legítimo ao

Estado no plano nacional e, de procurar manter uma ordem no sistema internacional – o

qual é caracterizado pela natureza anárquica9 -, a soberania estatal impera como sendo

detentora de um poderio supremo dentro dos limites territoriais do Estado; e no plano

internacional, valendo-se dos princípios de independência e igualdade, concede aos

Estados o mesmo poder e nível hierárquico (BULL, H. 2002).

Nesse sentido é a soberania estatal que outorga ao Estado agir livremente, tendo

autonomia e sendo detentor legítimo do poder em seu ambiente doméstico, assim como

ser detentor de personalidade jurídica especifica e sem vínculo de subordinação no

ambiente internacional. Cabe pontuar que todas as características que compõem a

9 O motivo pelo qual o sistema internacional é composto por um ambiente de anarquia se da pelo fato que

nas relações internacionais, diferentemente do que ocorre nas relações domésticas, há a inexistência de

um poder central ou hierárquico entre as partes que o compõem. Assim sendo, não existe um poder

supranacional que norteie ou controle as diversas relações existentes, sendo estas de qualquer ordem

(BULL, H. 2002).

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soberania e permeiam no Estado foram norteadas no campo de estudos do direito, em

particular do direito internacional (BOBBIO, N; NOGUEIRA, M. 2000).

Assim sendo, é através das características específicas de cada elemento aqui

abordado que surge o Estado nas relações internacionais, passando também a adquirir

status de sujeito do direito internacional. No que diz respeito a seu papel de sujeito de

direito, pode se destacar o fato de ser o Estado o responsável em representar-se no rol

do ambiente internacional, quando assim for necessário, bem como quando achar

pertinente.

O Estado ainda traz atrelado a si uma serie de questões que lhe são particulares,

tais como ser o único sujeito do direito internacional capaz de celebrar Tratados e

integrar Organizações Internacionais, sendo o responsável por cumpri-los e reger-los,

valendo-se e estando protegido pelos princípios e normas do ordenamento jurídico

internacional (PELLET, A. 2003).

2.2 As Organizações Internacionais

Desenvolver uma análise tendo como objeto de estudo as Organizações

Internacionais requer uma abordagem histórica, que como no caso dos Estados, remonta

aos primórdios das relações internacionais. Essa abordagem se torna necessária para que

se possa compreender como foram se desenvolvendo as interações entre seus atores, em

busca de seus interesses, e como o direito internacional veio ordenando-os.

As Organizações Internacionais surgiram com o objetivo de defender interesses

estatais em comum, pautadas sobre o princípio da cooperação entre seus membros.

Estas, que são compostas primordialmente por Estados, são munidas de caráter

intergovernamental que, como o próprio nome diz, são geridas por autoridades

soberanas, responsáveis por sua vez em legitimar-lhes a atuação no cenário

internacional. Assim, como se deve presumir, tais instituições vieram se constituído

posteriormente ao surgimento dos Estados, tendo como berço a Europa do século XIX,

marcada por uma vasta gama de interesses nacionais que careciam de organização para

serem bem direcionados10

(HERZ, M; HOFFMANN, A. 2004). Torna-se importante

pontuar que pelo fato das organizações serem compostas por diversos Estados, estas se

10

Podem ser citadas como primeiras Organizações Internacionais a Comissão Central do Reno (1815) e a

Comissão Européia do Danúbio (1856) que se tratavam de acordos realizados entre as principais

potências européias em prol de se regulamentar o usufruto dos mais importantes rios presentes em tal

continente. DAILLIER, P; DINH, N; e PELLET, A. Direito Internacional Público, Ed: 1999, pg. 524.

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caracterizam por um multilateralismo11

no qual devem lidar com interesses de natureza

variada. No entanto, de forma a ceder-lhes um ordenamento funcional e jurídico, estas

ficam submetidas a regras e normas pré-estabelecidas e acordadas por um Tratado

constitutivo. Estes tratados por sua vez, são os responsáveis por institucionalizar-las, no

intuito de delegar-lhes as funções, responsabilidades e obrigações, padronizando-as

dessa forma não apenas como instituição, mas como também frente à arena

internacional na qual desempenham suas ações (TRINNDADE, A. 2002).

Nesse sentido, devido ao fato de serem constituídas por entidades soberanas e

ao mesmo tempo serem pautadas por tratados constitutivos, nos quais os próprios

Estados lhe delegam a função de representação, as organizações passam a desempenhar

um papel preponderante em suas relações. Isso ocorre em função de serem

consideradas um dos sujeitos do direito internacional com maior proeminência, em

razão principalmente de possuírem uma autonomia particular e especifica em suas

interações.

Assim sendo, as Organizações Internacionais tem a competência de representar e

defender seus interesses de forma legítima e autônoma, detendo poder de negociação e,

podendo até mesmo firmar acordos em âmbito internacional, acarretando deveres e

obrigações às partes envolvidas. A partir desses atributos percebe-se que tais

instituições se assemelham bastante a forma de atuação estatal, se diferenciando no

entanto quanto ao nível de soberania que detém (TRINNDADE, A. 2002).

Isso se explica analisando-se o grau de abrangência que o atributo da soberania

concede a tais instituições, pois, mesmo essas organizações sendo compostas por

Estados e serem suas representantes legais, é o Estado que lhe transfere o poder

soberano. Dessa maneira, afirma-se que o nível do poder soberano presente nas

organizações aplica-se de forma variada de acordo com cada situação específica.

Seguindo-se essa lógica, a soberania assume sua plenitude desde que não se choque ou

vá contra as vontades estatais, devido ao fato de estarem em última instância

submetidos e condicionados à estas entidades (HERZ, M; HOFFMANN, A. 2004).

Outra competência presente nas instituições em questão, e o de servirem como

foro de negociação e mediação, relativo aos assuntos que defendem, os quais

encontram-se constituídos nos tratados que lhes da origem. De forma a exemplificar tais

11

As Organizações Internacionais são providas de caráter multilateral pois devem ser compostas

necessariamente por um numero de três ou mais membros. Caso contrário, estas assumiriam um caráter

uni ou bilateral, característica essa que não se aplica a uma organização (HERZ, M; HOFFMANN, A.

2004).

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competências, podem ser citadas as inúmeras conferências e pareceres consultivos

requisitados as Nações Unidas – considerada uma das principais organizações existentes

- no intuito de se procurar solucionar questões que ponham em risco a ordem e paz

internacional (KRASNER, S. 1983).

Por fim, cabe pontuar que mesmo as organizações tendo como seus principais

integrantes os Estados participantes na formulação dos ratados que lhes deram origem,

estas podem ser compostas igualmente por outros Estados - que passam a se integrar de

forma associada -, ou até mesmo por membros não estatais, tais como organizações não-

governamentais12

– agregados como observadores. Quanto ao poder de agência dos

respectivos membros, os associados acabam tendo os mesmos direitos dos Estados

permanentes, com exceção ao poder de voto; já no que confere aos membros

observadores, esses acabam desempenhando um poder um pouco mais limitado, tendo

direito apenas a se pronunciarem quando assim forem solicitados (TRINNDADE, A.

2002).

2.3 Os Indivíduos

Partindo-se do pressuposto que temos um sistema internacional formado por

Estados detentores de autonomia e poderes soberanos, valendo-se ainda da afirmativa

que é competência legitimada do Estado gerir, defender e representar os interesses

nacionais, torna-se interessante abarcar as questões relativas à classificação dos

indivíduos como agentes e sujeitos do direito internacional.

Os Indivíduos, que em conjunto compõem a população dos Estados, são partes

integrantes fundamentais na própria constituição e dinâmica presente nas relações

internacionais. Pode-se dizer que os acontecimentos e evoluções que pairaram entorno

da sociedade internacional ao longo dos anos, teve necessariamente a figura do

indivíduo como interlocutor e agente, tanto nas tomadas de decisões como também no

desenrolar de suas ações.

Concomitantemente, sentiu-se a necessidade de se prover um aparato legal de

representação ao indivíduo no bojo de suas relações sociais, políticas e econômicas,

tarefa essa que passou ser desempenhada por parte do direito. Nesse sentido, a

sociedade veio sendo acompanhada e norteada por uma jurisdição responsável em

12

As Organizações Não Governamentais (ONG‟s) são entidades constituídas por parte da saciedade civil

organizada em que se reúnem em torno da defesa de causas em comum, e que como o próprio nome diz,

encontram-se desvinculadas dos governos estatais.

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ceder-lhe direitos e obrigações cruciais para sua desenvoltura e boa convivência. De

maneira a exemplificar alguns dos princípios fundamentais que perduraram na

sociedade ao longo dos anos, e por via de conseqüência no indivíduo, podem ser citados

aqueles que defendem o direito à vida e o da nacionalidade, características estas que

concedem ao indivíduo um laço de pertencimento à uma determinada região ou Estado

e o direito à própria existência (PELLET, A. 2003).

Assim sendo, o indivíduo veio adquirindo certas características ao longo da

história que lhe proporcionaram assumir um patamar preponderante frente à questões de

extrema importância para com o mundo e consigo mesmo, fato esse responsável por

conceder-lhe personalidade jurídica especifica frente as relações internacionais.

Nesse sentido, em razão de ser reconhecido pelo direito internacional como seu

sujeito, este passou a deter poder de agência dentro do cenário internacional dispondo,

porém, de uma competência limitada devido ao fato do indivíduo ser parte integrante do

Estado e estar sob seu condicionamento. Esta limitação de agência se explica

principalmente em função do Estado estar legitimado pelo princípio da soberania, que

por sua vez lhe designa poderes exclusivos, que dentre outros, tem a função de

representar legalmente sua população e se responsabilizar por ela, deixando seus

indivíduos em situação de dependência e com restrita margem de ação (PELLET, A.

2003).

No entanto, cabe pontuar que se por um lado os indivíduos estejam atrelados aos

Estados por não possuírem poderes soberanos frente suas ações, por outro, também são

detentores de um aparato legal, condicionado pela jurisprudência internacional, que lhe

outorga o direito de poderem se representar e se defender. Servindo como exemplos da

atenção cedida pelo direito internacional nesse assunto, podem ser citadas a Convenção

Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas

em 1948, e a Carta das Nações Unidas13

, que trazem agregados direitos fundamentais do

homem pautados nos princípios dos valores da pessoa humana14

(TRINNDADE, A.

2002).

Dessa forma, pelo fato dos indivíduos passarem a ser protegidos pelo direito

internacional e lhe serem concedidos poderes de agência, estes acabam exercendo o

13

A Carta das Nações Unidas foi o documento que deu origem a Organização das Nações Unidas (ONU),

assinada em 26 de junho de 1945 na cidade de São Francisco – EUA. 14

Esses princípios e valores defendem, regra geral, que a pessoa humana possua uma vida digna

independente de raça, sexo, religião ou língua. Ou seja, que cada indivíduo tenha a liberdade de viver de

acordo com seus valores morais e culturais (TRINNDADE, A. 2002).

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papel de sujeitos, podendo recorrer a instituições tais como as Organizações

Internacionais ou Cortes em prol dos Direitos Humanos, no intuito que sejam

defendidos ou representados seus interesses. Cabe pontuar finalmente que esses

interesses devem respeitar os princípios atrelados à soberania estatal para que possam

ser considerados como pertinentes e legítimos na dinâmica das relações internacionais

(PELLET, A. 2003).

2.4 Movimentos de Libertação Nacional (MLN)

Os MLN, como o próprio nome indica, estão relacionados com uma causa de

cunho nacionalista, no sentido de procurarem se libertar de alguma forma de dominação

seja esta colonial15

, econômica ou política e, conseqüentemente, alcançarem uma

integridade identitária relacionada com a constituição de um Estado, em seu sentido

moderno.

Assim sendo, para que um MLN seja classificado como tal, este precisa

primeiramente passar por um processo de aprovação frente às Nações Unidas, composto

basicamente pelos seguintes procedimentos: Em primeiro lugar, o MLN deve receber

um reconhecimento prévio realizado por meio de uma Organização Internacional –

independentemente de qual seja esta -, de forma a ser digno de uma legitimidade na

esfera internacional. Posteriormente, a partir do momento que este MLN seja possuidor

de tal reconhecimento, este passa por um processo de aprovação e confirmação

desempenhado pelas Nações Unidas, através dos Estados componentes de sua

Assembléia Geral (PELLET, A. 2003).

Logo após ser aprovado pelas Nações Unidas, o MLN passa a ser detentor de

uma personalidade jurídica internacional, ou seja, passa a se tornar um Sujeito de

Direito Internacional. Não obstante, essa classificação de Sujeitos de Direito

Internacional cedida aos MLN é passível de uma análise mais detalhada, pois, esta é

possuidora de certas características intrínsecas e peculiares à tais movimentos16

.

15

Podem ser citados como exemplo o Movimento Popular de Libertação de Angola, o Movimento de

Independência da Argélia e a Frente de Libertação de Moçambique, que auxiliaram no processo de

independência, a partir de meados do século XX, nos respectivos países africanos. 16

Os MLN são convidados na ONU a titulo de “observadores” a participar nos trabalhos referentes à

Assembléia Geral. Com isso, lhes são concedidos direitos superiores aos que são reconhecidos às ONG‟s,

estando privados apenas das seções plenárias e das reuniões do Conselho de Segurança. Com isso,

percebe-se que a personalidade jurídica internacional dos MLN é por definição temporária, devido ao

fato de ainda estarem atrelados ao Estado, passando a ser definitiva a partir do momento que se tornem de

fato os próprios Estados. Ver à propósito PELLET, A. Direito Internacional Público, Ed: 2003, pg. 536 e

537.

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224

Algumas destas características peculiares, dizem respeito aos limites de atuação

dos MLN frente às decisões e acontecimentos internacionais. Podem ser citados como

forma a exemplificar tal raciocínio, a questão que essas entidades, apesar de serem

convidadas e aceitas nos foros internacionais, não são dignas de poder de voto, mas

apenas de voz, frente às inúmeras decisões desempenhadas por exemplo nas

dependências da ONU (PELLET, A. 2003).

Com isso percebe-se então que apesar dos MLN possuírem atrelados a si

aspectos de personalidade jurídica, estes ainda continuam dependentes à vontade dos

Estados como entidade, pois necessitam de um consentimento estatal para que passem a

ser considerados sujeitos de direito, além de não serem detentores de uma autonomia

plena frente às decisões que envolvam suas atuações no cenário internacional,

dependendo, por exemplo, do voto estatal para realizar determinadas atividades.

Contudo, apesar das já mencionadas limitações que os MLN possuem no bojo de

suas Relações Internacionais, estes ainda podem participar na formação de alguns tipos

de tratados internacionais, fazendo referência por exemplo aos tratados relativos à

condução da luta armada, acordos estes que tem o intuito de negociar o desempenho dos

conflitos belicosos entre os diversos MLN; também tratados que possuem certas

características de atos constitutivos de Organizações Internacionais, haja vista o caso da

Organização de Libertação da Palestina (OLP), por meio da qual exerce a função de

representar o Estado da Palestina frente ao cenário internacional; outro modelo de

tratado internacional composto pelos MLN são os referentes aos Acordos de

Independência, entorno dos quais estes movimentos passam a ser considerados Estados

nacionais propriamente ditos, além de também, passarem a ser detentores das

características plenas presentes nos Sujeitos de Direito Internacional (PELLET, A.

2003).

3 APRESENTAÇÃO HISTÓRICA DAS FARC

Para se compreender como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia

(FARC) surgiram e se fundamentaram ao longo do tempo é necessário tomar-se como

análise o Estado colombiano e a conjuntura internacional presente no contexto regional

da segunda metade do século XX.

Os primórdios do surgimento das FARC tem sua origem procedente do combate

e ataques constantes por parte do governo colombiano – de viés liberal – contra grupos

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e cooperativas de agricultores que se mobilizavam à favor de melhorias de condições de

vida, inspirados e pautados sob ideais socialistas. Tais ataques ocorriam com o objetivo

de se impedir a organização de movimentos comunistas e revolucionários que

contestassem ou pusessem em risco a estrutura do Estado colombiano (PARDO, Rafael,

2000).

Pode-se tomar o ano de 1966 como marco da fundação das FARC, tendo como

seus principais responsáveis Manuel Marulanda Velez ou “Titofijo”, Jacobo Arenas e

outros membros proeminentes do Partido Comunista Colombiano que adotaram esta

denominação para designar o grupo na segunda reunião de agricultores rebelados contra

o governo colombiano na região de Marquetalia. As FARC têm suas raízes na luta dos

movimentos de auto defesa Liberal e Comunista durante o período conturbado e de

fortes repressões do governo, mas surgiu de fato como grupo guerrilheiro após os

ataques militares aos campesinos, quando após terem sido desalojados pelo exército,

passaram a se agrupar em guerrilhas móveis (PARDO, Rafael, 2000).

É importante pontuar que o Estado colombiano, naquele contexto, passava por

uma série de problemas estruturais de ordem econômica e política que refletiam de

maneira geral em toda sua sociedade e, de maneira especifica, em seus setores mais

carentes e fragilizados tais como a população campesina. Nesse sentido, pelo fato dos

contingentes mais debilitados do Estado não receberem uma assistência social que

condiziam com suas expectativa, percebe-se que se começava a arquitetar a formulação

de um organismo, que visava responder e suprir as necessidades eminentes presentes na

sociedade colombiana, criando-se portanto o campo propício para o surgimento das

FARC. A partir desse momento, percebe-se a mobilização de agentes que mesmo

estando desvinculados dos aparatos estatais passavam a se posicionar de forma

proeminente entorno da defesa das causas da população marginalizada (MEZA, R.

2001).

As FARC, que se fundamentou através dos princípios e ideais socialistas – tendo

ênfase na reforma agrária e projetos anti-imperialistas e anti-capitalistas -, também se

desenvolveu entorno das idéias defendidas pelo líder latino-americano Simon Bolívar17

,

assumindo em função disso um caráter nacionalista, apoiando uma auto-

sustentabilidade e independência frente a intervenções externas. Nesse sentido as FARC

17

Simon Bolívar (1783-1830) foi um aristocrata em que lutava e defendia a idéia da libertação da

América Latina no período colonial, ou seja, a independência dos países. Atualmente, ele se tornou

símbolo da luta contra as influências externas nos países latino americanos, podendo se citados

principalmente a Venezuela, a Bolívia e a Colômbia (URQUIDI, 1970).

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surgiu como uma organização preocupada com o progresso social, político e econômico

do Estado colombiano, mais especificamente da população colombiana que não detinha

meios para tal desenvolvimento, responsabilizando conseqüentemente a Colômbia por

não fornecer os recursos básicos necessários (MEZA, R. 2001).

A partir de uma análise sobre a história da Colômbia, constata-se que a segunda

metade do século XX foi marcada por uma época de fortes instabilidades, oriundas

principalmente por não possuir uma economia estabilizada e um poder político

centralizado, passando a estar suscetível à influencias externas, tal como foi detectada a

proximidade da nação norte-americana e sua influência em assuntos de ordem interna.

Destaca-se nesse contexto como se constituía o sistema internacional, marcado pelo

ambiente da Guerra Fria18

e, regido por um delicado equilíbrio de poder no qual estava

em disputa a influência das diversas regiões do planeta, sob a égide das duas principais

potências mundiais - EUA e URSS (MEZA, R. 2001).

Assim sendo, a situação da sociedade colombiana que desprovia de assistência

social, econômica e política básica, ficou ainda mais prejudicada pelo fato do Estado

colombiano além de não ser capaz de suprir as necessidades de sua população, passar a

estar sob a influência de uma potência mundial. Esse fato prejudicava ainda mais os

setores necessitados da população, uma vez que a assistência estatal que já era precária

passou a ser mais debilitada em função da Colômbia ter se vinculado à área externa,

deixando de dar a devida atenção as questões internas e nacionais (AMIN, M. 2004).

A partir destas informações evidencia-se que as FARC se constituíram

enfatizando a necessidade de se ceder mais atenção aos setores postos à margem da

sociedade, tais como os camponeses, indígena e operários, uma vez que estes não

possuíam os meios de reivindicarem seus direitos. Nota-se também que as causas

defendidas por seus membros, como Manuel Véles – um de seus fundadores, partem de

pressupostos e princípios de viés marxista, devido ao fato de estes estarem sobre a

influência das ideologias socialistas presentes no embate de choque entre os Estados da

Guerra Fria e, conseqüentemente, se oporem as práticas da vertente neoliberal existentes

em seu país em tal época (AMIN, M. 2004).

Com isso, destaca-se ainda que as FARC se consideram como um grupo político

organizado, por meio do qual procuram alcançar um desenvolvimento nacional

18

A Guerra Fria que teve seu início a partir da década de 1950, foi um conflito que trazia atrelado à si

disputas entre as ideologias de viés socialista e capitalistas, estando estas representados principalmente

pelo URSS e os EUA, respectivamente.

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alternativo em contra-oposição à aquele desempenhado pela Colômbia, acreditando que

serão capazes de levantar recursos e conquistarem a confiança da população civil,

alcançando com isso um status legitimo frente as questões e práticas que desempenham.

Entretanto, devido a pouca aceitação por parte principalmente dos EUA e da

Colômbia, em função das práticas de caráter ilícitos desempenhadas por esta entidade,

haja vista o financiamento de suas ações por meio do capital arrecadado pelo

narcotráfico, contrabando de armas e, até mesmo, pela práticas de seqüestros em

território colombiano, as FARC também são classificadas com grupo terrorista,

passando-lhes a ser rechaçadas qualquer tipo de apoio, seja político ou institucional

frente as causas que declaram defender (MEZA, R. 2001).

Não obstante, se analisarmos o grau de aceitação da população campesina

presente no interior do Estado colombiano, percebe-se que há uma certa adesão e

simpatia para com as causas desempenhadas por esta entidade, podendo ser melhor

evidenciado no quadro a seguir:

Quadro 1: Décadas do crescimento das FARC-EP nos municípios

colombianos

Ano Municípios Percentagem de Municípios

1964 4 0,04

1970 54 0,50

1979 100 9,00

1985 173 15,00

1991 437 42,00

1995 622 59,00

1999 1.000 95,00

2004 1.050 100,00 Fontes : Grace Livingstone, Inside Colombia (London: Latin American Bureau, 2003), 8; James F.

Rochlin, Vanguard Revolutionaries in Latin América (London: Lynne Reinner Publishers, 2003), 99;

FARC-EP, FARC-EP Historical Outline (Toronto: International Commission, 2000), 14; Jesus Bejarano

Ávila, Camilo Enchandia, Rodolfo Escobedo & Enrique Querez, Colombia: Inserguridad, Violencia Y

Desempeno Economico en las Areas Rurales (Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 1997), 133;

Timothy Wickham-Crowley, Guerrillas & Revolution in Latin America (Princeton, N. J.: Princeton

University Press, 1992), 109-10; Jorge P. Osterling, Democracy in Colombia (Oxford: Transaction

Publishers, 1989), 99. (Dados retirados do Artigo de BRITAIN, J. James. Uma Excepção Revolucionária

numa era de expanção imperialista. Disponível em <<http://resistir.info/colombia/brittain_farc.html>>

acessado em 20 de março de 2010.

Este quadro evidência, no transcurso de quarenta anos a partir do surgimento das

FARC, um crescimento evolutivo por parte da população rural colombiana. Percebe-se,

analisando-o atentamente, que houve um constante apoio de nacionais que estiveram em

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228

busca de uma maior proteção ou segurança, devido principalmente ao pouco caso

cedido a estes pelas autoridades governamentais.

Nesse sentido, destaca-se que apesar das FARC ser muitas vezes desaprovada

pela opinião pública internacional, e até mesmo confrontada e perseguida por certos

Estados, esta ainda vem sendo aderida por cidadãos colombianos, em que passam-lhe

ceder a estrutura necessária para que continue atuando e representando seu interesses

ao longo dos anos. É importante pontuar no entanto o caráter polêmico atrelado a esta

organização no desenvolver de sua história, característica esta responsável por inúmeros

estudos e analises acerca do tema e que será apresentado nesse trabalho.

3.1 O Terrorismo

Compreender e analisar o que vem a ser o fenômeno do terrorismo não é uma

tarefa muito simples, pois se trata de um conceito desprovido de uma idéia ou definição

aceita universalmente, sendo submetido por sua vez à uma variedade de estudos

analíticos por parte das diversas áreas do conhecimento tal como é o caso do próprio

Direito Internacional (PELLET, S. 2003).

Assim como os fenômenos presente ao redor do mundo por exemplo19

, o

terrorismo também padece de certas dificuldades que lhe são inerentes, tais como a não

existência de um parâmetro capaz de qualificá-lo ou quantificá-lo de acordo como sua

intensidade ou amplitude. Outra característica que pode ser citada como pertencente a

tal fenômeno, diz respeito à sua aparição muitas vezes inesperada e repentina, ou seja,

sem um aviso prévio de onde, como ou quando ocorrerá (PROENÇA, D; DINIZ, E.

1999).

De acordo com os primórdios da palavra, o terrorismo é proveniente da

expressão latina terror, a qual foi incorporada pela língua francesa em 1335 (com a

expressão terreur) designando: “um medo ou uma ansiedade extrema correspondendo,

com mais freqüência, a uma ameaça vagamente percebida, pouco familiar e largamente

imprevisível”20

. No entanto essa definição se esbarrava com uma série de problemas de

caráter conceitual, em que por se tratar a primeira tentativa de classificação do termo do

19

São citados nesse caso os fenômenos da natureza tais como tempestades, furacões, maremotos,

terremotos e etc, em que quando ocorrem não é possível bem ao certo traçar-lhes suas origens nem

tampouco suas conseqüências. 20

Para mais informações ver: GUILLAME, G. Terrorisme et Droit Internationa, R.C.A.D.I., vol. 215,

1989-III, p.296. (PELLET, S. A Ambigüidade da Noção do Terrorismo, IN______ BRANT, L.

Terrorismo e Direito, 2003).

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qual se tem notícia – pelo menos no mundo ocidental -, traz atrelado a si uma definição

muito ampla e generalista.

Nesse sentido, com o passar dos anos, o termo terrorismo foi sendo interpretado

de maneira distinta, passando a adquirir características particulares que o classificavam

de acordo com a época e período histórico em que se encontrava. Com isso, traçando-se

uma evolução histórica do termo em questão, percebe-se que no final do século XVIII -

com o advento da Revolução Francesa - este era considerado uma política exclusiva do

Estado, pelo fato das autoridades terem implementado uma governança que se

legitimava e requeria respeito pautada, em uma lógica de ameaça e prática de terror

(PELLET, S. 2003).

Posteriormente, no final do século XIX e com o surgimento de grupos

extremistas ou facções nacionalistas exacerbadas – tais como são exemplos os Niilistas

da Rússia ou os Anarquistas presentes na Europa - evidencia-se uma mudança no

sentido do termo. Essa mudança diz respeito à passagem de um terrorismo de Estado,

presente na já mencionada Revolução Francesa, para um terrorismo contra o próprio

Estado, ou seja, atos designados a ferir a integridade e soberania estatal (BRANT, L.

2006)

Dessa forma, acompanhando-se ainda o transcurso histórico à procura de uma

identificação e definição do fenômeno aqui abordado, destaca-se que este atravessa o

século XX sendo objeto de largas discussões e interpretações nos diversos foros

mundiais e pelos inúmeros Estados componentes do sistema internacional. Pode-se

dizer que o terrorismo assume o atributo internacional após o incidente acorrido em

Marselha (França) no ano de 1934, no qual são assassinados, por via de um cidadão

croata, o Rei Alexandre I da Iugoslávia e um Ministro Francês de Assuntos

Estrangeiros, despertando uma eminente preocupação por parte da comunidade

internacional em procurar-se compreender e tipificar o fenômeno em questão

(PELLET, S. 2003).

Assim sendo, passou a se tornar um assunto amplamente discutido e analisado

no âmbito da Liga das Nações, passando posteriormente para as dependências da

Organização das Nações Unidas, assim como no bojo dos demais encontros ou

Organizações internacionais que percebiam a necessidade eminente de se proteger

contra uma ameaça internacional e de poderem contribuir para manutenção da paz

mundial (BRANT, L. 2006).

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Destarte, foram se criando uma série de conceitos como ocorreu no artigo

primeiro da primeira Convenção de Genebra de 1937 em que:

na presente Convenção, a expressar „atos terroristas‟ quer dizer fatos

criminosos dirigido contra um Estado, e cujo objetivo ou natureza é

provocar o terror em pessoas determinadas, em grupo de pessoas ou no

público (PELLET, S. 2003).

Assim como é procurado ser definido por estudiosos como o francês Antoine

Sottile, em que o classifica como sendo: “O ato criminal perpetrado mediante terror,

violência ou grande intimidação, tendo em vista a alcançar um objetivo determinado”21

.

Já Antonio Cassese, caracteriza o terrorismo como sendo:

(...) qualquer ato violento contra pessoas inocentes como a intenção de

forçar um Estado, ou qualquer outro sujeito internacional, para seguir uma

linha de conduta que, de outro modo, não seguiria, é um ato de terrorismo

(PELLET, S. 2003)22

.

Cabe pontuar, entretanto, que mesmo havendo a existência de definições por

parte de organismos internacionais, bem como por parte de estudiosos sobre o assunto,

ainda não se foi possível chegar à um consenso – entre os diversos atores que compõem

as Relações Internacionais – acerca do que vem a ser de fato o fenômeno do terrorismo.

Essa dificuldade de classificação pode estar atrelada em grande medida na influência em

que o terrorismo passa a exercer sob determinado ator, sendo esta questão responsável

por sua vez pela tipificação do objeto de estudo.

Não obstante, com o advento do século XXI e certos acontecimentos

catastróficos acorridos no cenário internacional em função do terrorismo – tais como o

atentado de 11 de setembro nas torres de World Trade Center em Nova York; e as

explosões das bombas no metro de Madri em 11 de março de 2004 -, alerta a sociedade

internacional sobre a necessidade eminente de se compreender o fenômeno, em suas

diversas facetas, para se prevenir das ameaças e manter a segurança internacional.

21

Ver nota de roda pé n. 24, p. 17 de (PELLET, S. 2003). 22

Ver nota de roda pé n. 29, p. 18 de (PELLET, S. 2003).

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4 A ÁREA DE INFLUÊNCIA DAS FARC E SUAS DIVERSAS

CLASSIFICAÇÕES

Considerando a explanação de informações, presentes nos capítulos anteriores,

relacionadas à como se fundamentaram ao longo da história as Forças Armadas

Revolucionárias da Colômbia (FARC), juntamente com o que vem a se entender como

sendo um Movimento de Libertação Nacional e o fenômeno do terrorismo,

desempenhar-se-á uma análise que terá o objetivo de procurar compreender qual a

relação existente entre esses três fatores.

Desta forma, de modo a propiciar o desenvolvimento de tal análise, serão co-

relacionados tanto elementos conceituais quanto teóricos, além de fazer menção aos

principais acontecimentos que se fizeram presentes e, de alguma forma, marcaram a

atuação das FARC perante a opinião pública e a sociedade internacional, principalmente

no que concerne aos últimos anos.

Para tanto, será necessário voltar a se fazer referência aos primórdios da

formação das FARC como entidade, para que se possa a partir daí pontuar algumas

características intrínsecas a tal organização. A principal delas compreende os próprios

princípios constitutivos das FARC como entidade, para que através deles se possa

melhor compreender quais foram os propósitos basilares de sua formação. Assim sendo,

destaca-se que os motivos condicionantes para a formulação de tal entidade giraram

entorno de aspirações que visavam a conquista de um desenvolvimento nacional

alternativo, uma vez que na década de 1960 a Colômbia - assim como a maioria dos

países da América Latina -, permanecia sobre uma forte influência de políticas neo-

liberais por parte dos Estados Unidos da América23

.

Estas aspirações, de um desenvolvimento nacional alternativo na Colômbia,

referiam-se essencialmente ao fato de procurarem propiciar a seus integrantes - em sua

maioria campesinos e agricultores, uma vida digna, não mais dependentes em sua

totalidade do Estado colombiano, que por sua vez estava influenciado, político e

economicamente pelas potências estrangeiras e que, em detrimento deste fato, não lhe

era cedia a assistência necessária a seu povo. Assim sendo a organização das FARC,

tinham como objetivo alcançarem um desenvolvimento auto-sustentável, pois, estavam

diretamente ligadas a vontade de lograrem desempenhar um desenvolvimento

23

Esta menção faz referência a uma série de golpes militares, presentes no continente latino americano a

partir de meados do século XX.

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232

autônomo. Nesse sentido, percebe-se que foi através deste argumento que a organização

passou a se consolidar ao longo de sua história, fazendo menção em seus

pronunciamentos, que estiveram, assim como continuam estando, a favor de uma causa

nacionalista e legítima, devido ao fato de acreditarem e defenderem seu próprio

desenvolvimento nacional (AMIN, M. 2004).

Desta forma observa-se que, de acordo com os integrantes das próprias FARC,

esta pode ser considerada como um Movimento de Libertação Nacional propriamente

dita, tendo em vista as considerações e a auto-denominações anteriormente

mencionadas, realizadas por seus membros. Contudo, antes de se definir estritamente se

as FARC são dignas, ou não, de uma classificação entorno do que se é definido como

sendo um MLN, é preciso se levar em consideração não apenas seus objetivos, ou

resultados esperados a serem alcançados, mas também os meios utilizados para tal.

Sendo assim, passando a observar os meios utilizados pelas FARC nas práticas

de suas ações, percebem-se algumas particularidades que merecem ser mais bem

analisadas. Partindo-se do pressuposto que esta entidade exerce suas atividades

financiadas, na maioria das vezes, através do dinheiro arrecadado pelo narcotráfico de

drogas, além de uma série de outros atos ilícitos, haja vista por exemplo, a prática de

seqüestros e contrabando de mercadorias ou de armas, se torna complicado e complexo

defini-las como pertencentes a um MLN legítimo (MEZA, R. 2001).

De modo a melhor exemplificar a prática de ilicitudes desempenhadas pelas

FARC, são factíveis de destaque os seguintes indícios, cada uma de acordo com suas

peculiaridade. Segundo pesquisas oficiais elaboradas pelo Fundo Nacional para a

Defesa da Liberdade Pessoal (Fondelibertad), vinculados ao governo colombiano, a

incidência de seqüestros praticados pelas FARC de 1996 até 2008 são altíssimos,

mantendo sobre seu domínio uma media de reféns que ultrapassam a cifra de 700

(setecentas) pessoas por ano. Dentre estes reféns, estão incluídos personalidades

importantes da vida política e econômica da Colômbia, em que são mantidos em

cativeiro por uma extensa data, até que passam a ser negociados por meio do pagamento

de resgates ou, servirem de barganha para a libertação de seus membros que foram

presos pelas autoridades legais.

O narcotráfico e o contrabando de mercadorias também podem ser citados como

artifícios fortes que agem de forma a alimentar financeiramente as FARC, pois juntas

são responsáveis por movimentar quantias que giram entorno dos dois bilhões de

dólares anuais. Dentre as principais drogas e mercadorias contrabandeadas constam a

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233

cocaína24

, a maconha e a intensa comercialização de arsenal bélico que servem para

armar e concederem um poder relativo a esta entidade, frente às forças que tentam

combatê-las (MEIRA, L. 2007).

Desta forma, percebe-se que muitos dos meios utilizados pelas FARC de modo a

lograrem alcançar seus objetivos são exercidos de forma ilícita e fora dos padrões ou

normas, aceitas pelas instancias jurídicas internacionais. Estas práticas, além de serem

desaprovadas pelos órgãos jurisdicionais internacionais, tais como a ONU, passam a

acarreta-lhe também uma desaprovação da opinião pública mundial, que por sua vez

recrimina tais atos por não os considerarem corretos ou aceitáveis, tamanha a crueldade

praticada por seus membros.

Outra questão importante a ser mencionada é a discussão entorno da qual surge a

polêmica de como as FARC vem sendo denominadas pela sociedade internacional nos

últimos anos, principalmente por alguns Estados, tais como os Estados Unidos, o

Canadá, a Inglaterra e a própria Colômbia.

Segundo a definição concedida pelos Estados Unidos às FARC, no mandato do

presidente George W. Bush, este as denomina como sendo um grupo terrorista25

na qual

a considera como uma ameaça inerente a paz mundial e que deve ser combatida,

independentemente de quão custoso isso se torne (AMIN, M. 2004).

Desta forma, em parceria ao governo de Álvaro Uribe, os Estados Unidos

promovem um plano denominado “Plano Colômbia”, em que consistia principalmente

formar uma Força Nacional de combate aos grupos terroristas insurgentes e a

erradicação do cultivo da folha de coca, ou seja, às FARC e suas práticas. Este plano

passaria a ser financiado, econômica e tecnologicamente pelos EUA, além de possuir

um acompanhamento periódico de oficiais norte americanos no território colombiano e

nas dependências de suas Forças Armadas. Posteriormente a este “Plano Colômbia”,

surgiu à tona um segundo plano, denominado desta vez como o “Plano Patriota”, em

que basicamente serviria como continuidade ao anterior, desenvolvendo as mesmas

práticas e aspirando os mesmos objetivos, se diferenciando apenas nas quantias de

investimentos financeiros que lhe passaram a ser em quantias maiores (MEIRA, L.

2007).

24

A Colômbia é líder no ranking entre os países que produzem cocaína no mundo (MEIRA, L. 2007). 25

Existe uma extensa discussão entorno da qual se define a partir de quais circunstancias um determinado

grupo pode ser classificado como terrorista. Neste caso especifico, os Estados Unidos referem-se às

FARC como terrorista pelo fato desta praticar e disseminarem o terror no meio da sociedade. Para mais

detalhes ver: BRANT, L. Terrorismo e Direito, Ed: Forense, 2003.

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234

Porém, não são todos os Estados que compartilham com a definição cedida pelos

Estados Unidos e seus aliados, classificando as FARC como grupos terroristas.

Podemos destacar como exemplo a esta não conformidade, o posicionamento da

Venezuela no cenário internacional, em que através de seu líder Hugo Chavez passa a

criticar e a questionar a postura dos EUA frente a tal definição.

Segundo Hugo Chavez, a classificação de terroristas atribuída às FARC é

concedida de forma equivocada, pois de acordo com ele esta entidade compõe um

verdadeiro exército que ocupa o território colombiano e, portanto precisa ser

reconhecido como força insurgente que além de possuir um projeto político, este é

legítimo (NETO, R. 2008).

Independentemente se esta afirmação, feita pelo representante da Venezuela,

seja verdadeira ou não, o fato é que se iniciou a partir das intermediações realizadas por

este chefe de Estado um longo processo de negociações, entorno do qual estavam sendo

barganhadas as possibilidades de libertação de alguns dos reféns mantidos sobre o

domínio das FARC.

Estas negociações que continham um amplo apoio tanto de organismos

internacionais – como foi o caso da presença da Comissão Internacional da Cruz

Vermelha (CICV), quanto de um forte apoio de inúmeros Estados, tais como a França,

Espanha, Brasil, dentre outros, teve como principal articulador o próprio Hugo Chavez.

Sendo assim, foram a partir destas negociações que se lograram com êxito alcançar a

libertação de alguns de seus reféns, tais como Clara Rojas, Consuelo Gonzáles, além de

alguns soldados do Exercito e da polícia colombina tais como William Giovanny

Dominguez, Alexis Torres Zapata e Juan Fernando Galícia Uribe, como também a

libertação da Franco-colombiana Ingrid Betancourt dentre os últimos anos (BBC –

Brasil, 2009).

No decorrer destas negociações, um fator importante de ser mencionado, de

acordo a opinião de inúmeros especialistas e analistas internacionais, é o fato da

importância que o chefe de Estado venezuelano representou para se conseguir alcançar

um bom resultado entre as partes, ou seja, se conseguir efetuar a libertação dos

mencionados reféns do poderio das FARC. Ainda segundo estes estudiosos, o bom êxito

destas negociações pode estar atrelado ao fato de como Hugo Chavez se identificou com

as FARC, não lhes auferindo um conceito de terroristas, mas sim de detentores de um

status legítimo frente as causas que defendem, podendo com isso ter flexibilizado tais

negociações (BBC – Brasil, 2009).

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235

Por fim se passará analisar o que as próprias FARC se denominam, ou seja,

como esta entidade entende que atua, levando-se em consideração suas características

peculiares. Assim sendo, apresenta-se a seguir um declaração feita por um de seus

integrantes, o Ex Comandante do Secretario geral das FARC, Raúl Reyes26

:

As FARC são um exército do povo que se nutre da economia do país, que é

o petróleo, o café, as esmeraldas, o gado, o algodão, a coca e a papoula. Não

perguntamos ao empresário das transportadoras se seus caminhões foram

comprados com dinheiro do narcotráfico. As FARC não têm cultivos, não

negociam com narcóticos, não vendem favores aos narcotraficantes. As

FARC subsistem da economia do país, apesar da campanha encabeçada

pelos EUA que tem por fim desacreditar-nos, mostrar-nos não como uma

organização revolucionária, mas como narcotraficantes, agora

narcoterroristas. Mas é normal que os EUA façam isso, pois são nossos

inimigos e, portanto, fazem o que devem fazer. (Citação retirada do site:

<<http:://www.globalsecurity.org/military/world/para/farc.htm>>. Acessado

em: 30 de abril de 2009).

A partir da análise feita em decorrência de tal declaração, percebe-se

naturalmente que há uma grande repulsa na definição proveniente dos EUA e seus

aliados, em classificá-los como grupo terrorista. Isso se deve ao fato de que com essa

classificação as FARC perdem legitimidade frente ao cenário internacional, podendo ser

alvo de denúncias e perseguições no âmbito do Direito e das Relações Internacionais.

Em função desse fato, os integrantes das FARC fazem o possível para serem

classificados como um movimento revolucionário que lutam e defendem as causas do

povo, para que com isso possam agir de maneira a não infringirem regras e normas

presentes no ordenamento jurídico internacional.

Para se poder ter uma idéia de qual a abrangência das FARC no Estado

colombiano, basta observar o mapa a seguir que traz consigo um território nacional

multifacetado:

26

Raúl Reyes, um dos lideres das FARC, foi assassinado em 2008 por uma operação secreta entre os

governos Álvaro Uribe e George W. Bush, pertencente ao Plano Colômbia.

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FIGURA I – MAPA DAS ÀREAS CONTROLADAS PELOS GRUPOS NÃO ESTATAIS

FONTE : United Nations Office on Drugs and Crime

Torna-se importante destacar, apenas como matéria de informação, que além

das FARC o território colombiano abriga outros grupos armados não estatais, tais como

é o caso dos paramilitares e do Exército de Libertação Nacional.

Esses grupos por sua vez defendem idéias próprias que se contrastam

principalmente pelas diretrizes que cada um segue. O ELN se caracteriza por ser um

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grupo marxista-cristão criado em 1964 e fortemente inspirado pelos ideais da Revolução

Cubana, atraindo estudantes, padres, sindicalistas e remanescentes das guerrilhas do

partido Liberal. A estratégia inicial do grupo, que se apoiava fundamentalmente em uma

liderança carismática, era iniciar uma guerra de libertação nacional começando com

uma revolução rural similar ao que ocorreu em Cuba (PRADO, R. 2000)

Já no caso dos Paramilitares, que também surgem na Colômbia no início da

década de 1960, se organizaram em contra-partida às ações desempenhadas tanto pelas

FARC como pelo ELN. Acreditando que esses grupos de viés marxista e revolucionário

pudessem por em risco a estrutura social dos grupos de militares e elites agrárias –

desvinculadas do Estado ou descrentes do mesmo –, esses passaram a se articular à

favor de seus próprios interesses e poderio nas regiões que habitavam, sempre munidos

de fortes recursos, principalmente o capital financeiro (MEIRA, L. 2007).

Essa constatação é mais um indício de o quanto a Colômbia esteve, e continua a

estar, sobre forte pressão de grupos organizados e de contestação das políticas

desempenhadas por tal nação, colocando em choque a estrutura estatal como um todo.

Nesse sentido, torna-se latente a necessidade do restabelecimento da ordem social e

política para se dar continuidade ao desenvolvimento do Estado, em seu plano interno e

em suas relações internacionais.

5 CONCLUSÃO

Com a elaboração deste trabalho se podem considerar certas questões inerentes

ao objeto de estudo aqui analisado, questões estas que se apresentam de forma a melhor

compreender, em termos conceituais e teóricos, como vem a se caracterizar as FARC e

qual a sua atuação no que concerne ao cenário internacional.

Por tanto, a partir da apresentação de sua formação ao longo da história foi

possível pontuar e se entender quais foram os motivos e os princípios basilares, em que

se fundamentaram o surgimento das FARC. Também, em decorrência dessa cronologia

histórica propiciou-se a possibilidade de se ter uma maior noção de como as

circunstancias presentes em cada momento distinto de sua existência,

condicionaram esta entidade a tomar certas atitudes no bojo de suas inter-relações.

Posteriormente, fazendo-se uso das conceituações teóricas acerca de como é

fundamentado um Movimento de Libertação Nacional (MLN), apresentando-se as

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características necessárias para que determinado movimento possa vir a ser classificado

como tal, teve-se uma idéia geral de quais os atributos, e sobre quais condições, estes

organismos se fazem presentes. Assim sendo, a partir da noção de como se classificam

os MLN, passaram a serem relacionados com a conceituação das FARC, no intuito de

se procurar compreender qual a relação existente entre estas duas entidades.

Nessa relação conceitual entre os dois organismos, surgiram certas limitações de

caráter teórico e analítico, devido ao fato das FARC possuírem uma série distinta de

definições, podendo variar dependendo da perspectiva abordada. Esta limitação teórica

esta atrelada ao fato desta entidade fazer uso de uma gama variada de meios para

conseguir lograr seus fins, que por sua vez – segundo o que aparentam -, trata-se de

visarem alcançar uma certa autonomia frente a autoridade governamental e ao poderio

estatal colombiano.

Desta forma, percebe-se como delicado se torna definir as FARC, segundo as

interpretações e classificações presentes no que se constituem os campos de estudos

tanto do Direito Internacional quanto das Relações Internacionais. Esta dificuldade se

torna ainda mais eminente a partir do momento que lhe é concedida uma certa

personalidade jurídica, em que pode ser julgado perante o ordenamento jurídico

internacional, porém é detentor de um grau de alcance limitado, ou em certas

circunstancias até mesmo inexistente, devido ao fato de não ser reconhecido como um

Sujeito de Direito Internacional pleno.

Outra questão que merece ser explanada é a polêmica que gira entorno se as

FARC são uma entidade terrorista – assim como defendem os Estados Unidos e seus

aliados -, ou se pode ser considerada como um organismo legítimo de direitos para dar

continuidade a seus atos, agindo como entidades de cunho meramente político – como

defendido por Hugo Chavez.

Nesse sentido, levando-se em consideração a inexistência de um consenso acerca

do que vem a ser o terrorismo, juntamente com a falta de uma definição condizente e

aceita universalmente à respeito de como é interpretado tal fenômeno tanto pelo Direito

Internacional, como pelas Relações Internacionais, evidencia-se o quão complexo torna-

se definir as FARC como pertencente a esta qualificação.

Assim sendo, a partir da explanação destes conceitos e de seus embates teóricos,

espera-se haver alcançado o propósito desse artigo, que se refere ao fato de apresentar

as particularidades entorno das quais se assentam os diversos conceitos que pairam

sobre as FARC. Com isso e em função das dificuldades de conceituação das FARC

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como entidade, procurou-se, no desenvolver deste trabalho, de forma sucinta, mas

objetiva, apresentar as principais características inerentes a tal organismo, evitando

dessa forma adentrar de maneira desnecessária em embates teóricos ou análises extensas

que o desvirtuassem.

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