a evoluÇÃo da cidadania europeia e a...

38
Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção Diplomática em Países Terceiros Autor: Ronaldo Viana Gotschalg Publicado em: Revista Eletrônica de Direito Internacional, vol. 7, 2010, pp. 334-371 Disponível em: http://www.cedin.com.br/revistaeletronica/volume7/ ISSN 1981-9439 Com o objetivo de consolidar o debate acerca das questões relativas ao Direito e as Relações Internacionais, o Centro de Direito Internacional CEDIN - publica semestralmente a Revista Eletrônica de Direito Internacional, que conta com artigos selecionados de pesquisadores de todo o Brasil. O conteúdo dos artigos é de responsabilidade exclusiva do(s) autor (es), que cederam ao CEDIN os respectivos direitos de reprodução e/ou publicação. Não é permitida a utilização desse conteúdo para fins comerciais e/ou profissionais. Para comprar ou obter autorização de uso desse conteúdo, entre em contato, [email protected]

Upload: dangkhue

Post on 08-Feb-2018

217 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção Diplomática em

Países Terceiros Autor: Ronaldo Viana Gotschalg

Publicado em: Revista Eletrônica de Direito Internacional, vol. 7, 2010, pp.

334-371 Disponível em: http://www.cedin.com.br/revistaeletronica/volume7/

ISSN 1981-9439

Com o objetivo de consolidar o debate acerca das questões relativas ao Direito e as Relações Internacionais, o Centro de Direito Internacional – CEDIN - publica semestralmente a Revista Eletrônica de Direito Internacional, que conta com artigos selecionados de pesquisadores de todo o Brasil. O conteúdo dos artigos é de responsabilidade exclusiva do(s) autor (es), que cederam ao CEDIN os respectivos direitos de reprodução e/ou publicação. Não é permitida a utilização desse conteúdo para fins comerciais e/ou profissionais. Para comprar ou obter autorização de uso desse conteúdo, entre em contato, [email protected]

Page 2: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

335

A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA DA UNIÃO EUROPEIA E A PROTEÇÃO

DIPLOMÁTICA EM PAÍSES TERCEIROS.**

Ronaldo Viana Gotschalg*

RESUMO

O presente trabalho tem como escopo analisar o modelo de cidadania da União

Européia, apresentando por meio de doutrinas e da jurisprudência internacional,

características e efeitos dessa figura inovadora, que exige inicialmente como requisito

primordial, que o indivíduo tenha a cidadania de qualquer um dos Estados membros da

União Européia.

Dessa forma, é abordado em profundidade e como foco principal do trabalho a

proteção diplomática de cidadãos europeus em países terceiros, tratando-se assim, de

um direito decorrente da cidadania da União Européia, uma vez que qualquer cidadão

europeu que se encontrar em países não pertencentes a União Européia e que não tenha

representação diplomática do seu país de origem, esse cidadão europeu receberá a

proteção diplomatica de qualquer outro Estado membro da União Européia que tiver

representação diplomática naquele país terceiro.

Portanto, a Cidadania da União Européia trata-se de uma figura única

atualmente, embora a longo prazo poderá servir de modelo para as integrações regionais

que estão a se desenvolver, sobretudo na União Africana e na União Sul-Americana.

PALAVRAS-CHAVE: Cidadania – Nacionalidade – União Européia – Proteção

Diplomática.

_______________________________

**Relatório apresentado à disciplina de Direito da Integração I e II do curso de Mestrado em Ciências do

Direito – Ciências Jurídico-Internacionais da Universidade de Lisboa – 2008/2009, como requisito parcial

para a obtenção do Título de Mestre em Direito. Orientador(a): Prof(a). Doutor(a) Ana Fernanda Neves.

*Mestrando em Direito, Ciências Jurídico-Internacionais na Faculdade de Direito da Universidade de

Lisboa. Bacharel em Direito pela PUC Minas.

Page 3: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

336

INTRODUÇÃO

Na antiguidade, a relação entre os povos de uma mesma região, formada por

cidades e/ou por impérios eram ligados pela religião, era considerado cidadão todo

aquele indivíduo que cultuava a mesma religião daquela determinada sociedade1, bem

como todas as relações civis e económicas eram determinadas sobretudo pela religião,

sejam elas monoteístas ou politeístas.

Essa característica, em regra, perdurou até o aparecimento do império romano,

uma vez formado, sua cultura, principalmente o direito, foram transferidos para os

povos que eram conquistados, segundo a lógica romana de expansionismo territorial.

Porém, a diferença era que a religião não era mais observada como um diferencial na

formação da cidadania, bem como das relações interpessoais. Dessa forma, era cidadão

romano, aquele que residia em territórios romanos.

Paralelamente ao modelo romano de cidadania, havia também a cidadania grega,

que por sua vez diferenciava-se do modelo romano pela característica de exaltação,

privilégio, superioridade de uma identidade do seu grupo social civilizacionalmente

avançado em contrapartida aos povos do exterior.

Com as invasõs bárbaras, cerca de 300 anos depois de Cristo, alguns autores

entendem que houve um retrocesso cultural, principalmente em relação ao direito2, e

nesse caso, a cidadania estava vinculada ao território do rei - do soberano do território,

era cidadão aquele que tinha um vínculo estreito com o soberano.

Com a formação dos Estados – no sentido moderno da palavra, a cidadania

tornou-se uma categoria jurídica relativa ao vínculo de um determinado indivíduo a uma

comunidade política, decorrente de determinadas leis que estabelecem aos indivíduos

beneficiários plenos direitos civis e políticos, bem como, o indivíduo deixou de ser

apenas o destinatário das leis do soberano, para receber um status de ator, contribuidor e

participante da “vida do Estado”, principalmente após a Revolução francesa que foi o

marco responsável pela transferência da titularidade da soberania de um único

governante – do soberano para o povo, e essa titulariedade esta presente ate os dias

1 História sobre o Império Brasileiro, seguindo a tradição Portuguesa, o Império delegava à Igreja católica

a função pública de determinar a legalidade ou ilegalidade dos atos civis, perdurando até o ano de 1891.

“No casamento, por exemplo, embora houvesse duas legislações em vigor sobre o assunto, uma civil e

outra eclesiástica, apenas esta última era considerada legítima”. Dessa forma, viam-se prejudicados os

protestantes e judeus. GRINBERG, Keila. Código Civil e Cidadania. 2001. Pág. 37 e ss. 2 RICHÉ, Pierre. As Invasões Bárbaras. São Paulo: Europa América, 1980.

Page 4: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

337

atuais, embora de forma pacífica, reconhecida constitucionalmente, decorrente de uma

evolução política democrática e não de forma violenta como foi na revolução francesa.

O presente relatório possui o escopo de interpretar o Tratado da União Europeia,

bem como o Tratado que constitui a Comunidade Europeia, visando elaborar um estudo

que possa contribuir no entendimento da aplicação da figura da “cidadania da União

Europeia”, necessariamente, com um maior foco em relação a um dos direitos por ela

tutelados, o direito da proteção por autoridades diplomáticas dos Estados membros da

União, aos cidadãos europeus em países terceiros que não possuem representações

diplomáticas do seu Estado de nacionalidade.

Inicialmente, abordaremos no capítulo primeiro, a cidadania da união3, sob dois

pontos: no primeiro, as suas origens, subdividindo-se em antecedentes ao Tratado de

Maastricht e do Tratado aos dias atuais. A segunda secção consistirá na abordagem

geral dos elementos da cidadania da União Europeia, como conceito, natureza jurídica,

conteúdo e características, que consistem nos seguintes direitos: a não discriminação em

razão da nacionalidade, o de circular e permanecer, o de eleger e ser eleito, a proteção

de autoridades diplomática e consulares em países terceiros, a petição ao Parlamento

Europeu, a queixa ao Provedor de Justiça e a livre mobilidade temporal e profissional

do trabalhador da União Europeia. Logo depois, passaremos a analisar a possibilidade

de extensão dos direitos dos cidadãos europeus aos cidadãos de países terceiros, porém

desde que esses beneficiários da equiparação apresentem vínculos estreitos/parentesco

com um cidadão europeu ou sejam residentes de longo prazo. Será também analisado

nessa secção, os deveres dos cidadãos europeus que decorrem do artigo 17,

considerando nº.2 do Tratado da Comunidade Europeia4, que possibilita a indagação do

porque que o tratado estabeleceu expressamente os direitos dos cidadãos europeus e

quando tratou-se dos deveres, foi de forma abstrata?

No capítulo dois, foco principal do trabalho, analisaremos o conceito de proteção

diplomática, sempre em consonância com as convenções de Viena relativo as

representações diplomáticas e consulares. Logo depois, falaremos especificamente da

proteção diplomática de cidadãos europeus em países terceiros, também relacionando

essa figura com a figura ja existente da proteção por parte das autoridades diplomática

de seus nacionais, reconhecido pelos Estados que ratificaram as convenções acima

3 Ver site sobre cidadania da União Europeia em:

http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/amsterdam_treaty/a12000_pt.htm. 4 TCE, art. 17, considerando 2º. “Os cidadãos da União gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres

previstos no presente Tratado”.

Page 5: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

338

descritas. Em um outro ponto, elaboraremos os fundamentos da proteção diplomática,

bem como analisaremos o(s) destinatário(s) da figura da proteção: seriam os próprios

cidadãos beneficiários dessa proteção? ou os beneficiários desta figura seriam os

Estados? Em um outro momento, abordaremos o âmbito de proteção que consiste nas

seguintes espécies: proteção aos cidadãos que trabalham e residem nos países terceiros,

na proteção aos familiares que não possuem a cidadania europeia, na identificação e

translado de restos mortais e ao fim, nos procedimentos de adiantamentos pecuniários.

Porém, faz-se necessário também abordar sobre o consentimento das autoridades

dos países terceiros, uma vez que essa proteção ocorrerá em seus territórios, bem como

trata-se de uma figura reconhecida e que constitui prática internacional / entre os

Estados, embora tratando-se apenas da proteção pelas autoridades Estatais aos seus

nacionais. Assim, a proteção de nacionais de outros Estados membros, e não somente

dos seus nacionais, como esta estabelecido nas convenções de Viena, constitui uma

inovação do Tratado Comunitário no âmbito do direito internacional.

CAPÍTULO 1. A CIDADANIA DA UNIÃO EUROPEIA

"Para se aprender a cidadania é mesmo indispensável

praticar a cidadania nos contextos de aprendizagem."

António Sérgio, Educação Cívica – 1982.

SECÇÃO 1.1. ORIGENS DA CIDADANIA DA UE

1.1.1. Antecedentes ao Tratado de Maastricht

Antes de adentrarmos na linha do tempo da cidadania da união europeia, um

dado importante foi o comentário do professor doutor Rabkin5, que lembrou que:

―Quando os Estados fundadores do mercado comum assinaram o

Tratado de Roma, em 1957, ninguém falou de cidadania comum. Apenas

três anos antes, a Assembleia Nacional Francesa tinha rejeitado o plano

para uma força militar conjunta franco-alemã. É altamente duvidoso que

os Franceses pudessem ter aceitado, naquela altura, a ideia de uma

cidadania comum com os alemães. Foram precisos mais 30 anos e quase

o triplo do número de Estados na Comunidade, para que o Tratado de

Maastricht lançasse a noção de uma cidadania europeia comum. A

5 Ver: RABKIN, Jeremy A. Porque é que a Cidadania Supranacional é uma má Ideia (Portuguese

translation of "Why Supranational Citizenship is a Bad Idea") in Cidadania e Novos Poderes Numa

Sociedade Global ("Citizenship and Powers in Global Society") Fundação Gulbenkian, 2000, pág. 158 a

159.

Page 6: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

339

utilização do termo faz parte de um esforço para fortalecer a

legitimidade do governo europeu, que já tinha adquirido poderes muito

consideráveis‖.

O primeiro momento em que houve um comentário expresso em relação a

criação de direitos especiais decorrente de uma cidadania da união, ocorreu na Cimeira

de Copenhage, em 1973, embora, tratando-se de uma tímida Declaração sobre a

identidade europeia, estabeleceram pela primeira vez os princípios para o

desenvolvimento interno da Comunidade, bem como fixaram as orientações e objetivos,

tomados por alguns autores como indicações para a concessão de direitos especiais aos

cidadãos que vivem em um Estado membro de acolhimento6.

Um ano após a Cimeira de Copenhage, é realizada a sétima Cimeira da

Comunidade desde o Tratado de Roma, denominada Cimeira de Paris, realizada em

Dezembro de 1974. Tinha como escopo refletir sobre o futuro da Europa e em

prosseguir com a sua união política. Estabelecia em seu parágrafo, denominado União

de passaportes, a introdução de um passaporte uniformizado, bem como visavam a

elaboração de um estudo de condições e prazos para a instituição de direitos especiais

para os cidadãos dos Estados membros da Comunidade, seguindo ipsis litteris:

―União de passaportes

10. Será formado um grupo de trabalho para estudar a possibilidade de

uma união de passaportes, e a eventual introdução de um passaporte

uniformizado.

(…)

11. Será encarregado outro grupo de estudar as condições e os prazos em

que os cidadãos dos nove Estados-Membros poderão usufruir de direitos

especiais como membros da Comunidade‖. 7

Em 29 de Dezembro de 1975, o Ministro Belga Leo Tindemans apresentou o

Relatório “Europe of the citizens”, que em seu Capítulo IV consistia no título “A

Europa dos cidadãos”. O relatorio propunha duas linhas de ações: a primeira linha

tratava-se da Proteção dos direitos dos cidadãos europeus, que não poderiam mais ser

satisfeitos apenas pelos governos nacionais. Consistiam na proteção dos direitos

fundamentais, dos direitos dos consumidores, na proteção ambiental; a segunda linha

era a percepção concreta da solidariedade europeia por sinais externos e evidentes na

6 Ver: KOSTAKOPOULOU, Theodora. Citizenship, identity, and immigration in the European Union:

between past and future. Manchester University Press, 2001. Pág. 44 e ss. 7 Texto disponível em:

http://infoeuropa.eurocid.pt/opac/?func=service&doc_library=CIE01&doc_number=000037059&line_nu

mber=0001&func_code=WEB-FULL&service_type=MEDIA.

Page 7: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

340

vida cotidiana, que consistia no princípio da uniformidade dos Estados, como uma

união de passaportes, o desaparecimento gradual de medidas de controle das fronteiras

entre os Estados membros, melhorias em relação aos transportes e telecomunicações,

simplificações quanto aos procedimentos de reembolso para os cidadãos que gastaram

em cuidados de saúde em outros Estados membros, uma maior integração na educação,

bem como incentivando o intercâmbio de estudantes e equivalência de diplomas8.

―IV. L’Europe des citoyens

[...] Il reste à définir ici des lignes d’action complémentaires. Je propose

que nous en retenions deux:

- la protection des droits des Européens, là où celle-ci ne peut plus être

assurée exclusivement par les États nationaux ;

- la perception concrète de la solidarité européenne par des signes

extérieurs sensibles dans la vie quotidienne‖.

Entre 07 a 10 de Junho de 1979, ocorreu a primeira eleição por sufrágio

universal direto do Parlamento Europeu, uma importante inovação, uma vez que ate a

presente data, os seus deputados provinham até então dos parlamentos nacionais, ao

passo que agora, eles não estavam mais organizados por delegações nacionais e sim por

grupos políticos pan-europeus (conservadores, socialistas, liberais, verdes, etc),

tratando-se de um dos primeiros sinais de eclosões de direitos relativos a uma cidadania

da União9.

A década de 80 foi um verdadeiro marco para a efetivação da cidadania da

União europeia, em decorrência do início da uniformalização/harmonização das normas

Estatais, é nesse lapso temporal que é criado um modelo de passaporte europeu

uniforme10

para os cidadãos dos Estados membros, bem como, a uniformalização das

cartas de direção dos cidadãos dos Estados membros, uniformalização do controle

aduaneiro e de pessoas nos aeroportos e fronteiras, a uniformalização das chapas de

matrícula dos veículos auto-motores11

.

8 Ver: Rapport sur L´Union européenne (29 décembre 1975) – Le 29 décembre 1975, le Premier ministre

belge Leo Tindemans rend public son rapport sur L´Union européenne en vertu du mandat confié par les

Neuf lors du Conseil européen de Paris (9-10 décembre 1974). Disponível em: http://www.ena.lu/. 9 Ver: FERREIRA, Filipa Monteiro César. A Europa da União e da Diversidade: propostas educativas

para uma Cidadania Multicultural. Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação, Universidade do

Porto, 2001. Pág. 32 e ss. LOBO, Maria Teresa de Cárcomo. Manual de Direito Comunitário - 50 Anos

de Integração - • A Ordem Jurídica • O Ordenamento Econômico • As Políticas Comunitárias • O Tratado

Constitucional – 3ª Ed. 2007. Pág. 69 e ss. 10

Ver: Resolução complementar da Resolução de 23 de Junho de 1981 relativa à criação de um

passaporte de modelo uniforme dos representantes dos governos dos Estados membros das CE, reunidos

no âmbito do Conselho, de 30 de Junho de 1982. 11

Ver: Formulários /Modelos europeus em:

http://www.eurocid.pt/pls/wsd/wsdwcot0.detalhe_area?p_sub=49&p_cot_id=3351&p_est_id=7923.

Page 8: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

341

Em 14 de Fevereiro de 1984, foi apresentado o projeto Spinelli, consistia num

projeto de Tratado de criação da UE. Num de seus capítulos, dispunha sobre a

Cidadania da União Europeia, cujo teor consistia no sentido de que os cidadãos dos

Estados membros são, portanto, cidadãos da União, e a última esta ligada a primeira,

não podendo ser ganha ou perdida separadamente. E ainda, os cidadãos gozam de

direitos e deverão cumprir as normas do tratado12

.

―Citoyenneté de l'Union.

3. Les citoyens des États membres sont par là même citoyens de l'Union.

La citoyenneté de l'Union est liée à la qualité de citoyen d'un État

membre; elle ne peut être acquise ou perdue séparément. Les citoyens de

l'Union participent à la vie politique de celle-ci dans les formes prévues

par le présent traité, jouissent des droits qui leur sont reconnus par

l'ordre juridique de l'Union et se conforment aux normes de celui-ci‖.

Ainda em 25-26 de Junho de 1984 ocorreu a Cimeira de Fontainebleau – Comité

Europa dos cidadãos, e dessa forma, o Conselho Europeu aprovou o acordo de princípio

sobre a criação de um passaporte europeu e convidou o Conselho a tomar decisões,

estabelecendo um prazo de até 01 de Janeiro de 1985 para a disposição do passaporte

para os cidadãos dos Estados membros, bem como aconselhou metas a serem cumpridas

a curto prazo, como um documento único para a circulação de mercadorias, a

eliminação de todas as formalidades aduaneiras e regulamentos para circulação

transfronteiriça de pessoas e um sistema geral de equivalência de diplomas13

.

―6. Europe des citoyens

II demande au Conseil et aux pays membres de mettre très rapidement à

l'étude les mesures qui pourraient permettre de parvenir dans un délai

rapproché et en tout cas avant la fin du premier semestre 1985:

- à un document unique pour la circulation des marchandises;

- à la suppression de toutes les formalités de police et de douane aux

frontières intercommunautaires pour la circulation des personnes:

- à un système général d'équivalence des diplômes universitaires, de

manière à rendre effectif le droit de libre établissement au sein de la

Communauté‖.

Um ano após, em Milão, 28-29 de Junho de 1985 é apresentado o relatório do

Comité Adonnino, relativo a europa dos cidadãos, trazendo em seu ponto dois, os

“Especiais direitos dos cidadãos”, como um resultado do relatório aprovado da Cimeira

12

Ver: Projet de traité instituant L´Union européenne (14 février 1984) – Le 14 février 1984, le Parlement

européen adopte à une très large majorité (237 voix contre 31 moins 43 abstentions) le projet de traité

d´Union européenne, dit “projet Spinelli”, qui fixe comme objectif ultime la réalisation d´une union

fédérale européenne. Disponível em: http://www.ena.lu/. 13

Ver: Conclusions du Conseil européen de Fontainebleau (25 et 26 juin 1984) – Le 26 juin 1984, le

Conseil européen de Fontainebleau définit de nouvelles orientations pour la relance de la coopération

européenne et fixe le cadre d´une Europe des citoyens. Disponível em: http://www.ena.lu/.

Page 9: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

342

de Copenhage, bem como em decorrência da evolução da Comunidade e dos seus

Estados membros no que respeita aos direitos especiais dos cidadãos da União14

.

Dessa forma, após vários esboços decorrente de relatórios, em fevereiro de 1986,

no texto do Ato Único Europeu, houve a implantação expressa da disposição que abolia

o controle das pessoas nas fronteiras, no caso do mercado interno das pessoas,

implementado em 1992. Em 1990 é estabelecida a Convenção de Aplicação do Acordo

de Schengen, e desse acordo, resultam as diretivas 90/364/CEE, 90/365/CEE e

90/366/CEE, que dispoem necessariamente, sobre o direito de residência para os

cidadãos não assalariados e estudantes mediante apenas a comprovação de seus meios

de subsistência próprios e de um seguro médico-hospitalar válido para a duração da

estadia.

1.1.2. Do Tratado de Maastricht aos dias atuais

Somente em 1992, com o Tratado de Maastricht, foi cunhado expressamente um

conceito de cidadania europeia, que trouxe o direito de residência como um direito

fundamental, e ainda trouxe os direitos de eleger e de ser eleito nas eleições municipais

e nas eleições europeias, a proteção diplomática e consular e o direito de petição as

repartições públicas15

.

Em 21 de Dezembro de 1993, é apresentado o Primeiro relatório da Comissão

sobre a Cidadania da União, em seu ponto dois tratando-se do conceito de cidadania da

União, no ponto três a definição de cidadania da União, bem como citando o caso

julgado no Tribunal de Justiça Internacional – “Micheletti vs Delegacíon de Gobierno

en Cantabria”, no ponto quatro, a implementação do tratado, com o direito de livre

mobilidade, o direito de residência, direito de voto nas eleições municipais, e o direito

de voto nas eleições europeias, direito de proteção diplomática e consular, o direito de

14

Ver: Rapport du comité pour L´Europe des citoyens remis au Conseil européen de Milan (Milan, 28-29

juin 1985) – Lors du conseil européen de Milan des 28 et 29 juin 1985, le comité Adonnino présente un

second rapport sur L´Europe des citoyens. 15

Nesse sentido: TAVOLARO, Lília Gonçalvez Magalhães. Dilemas da globalização na Europa

unificada. São Paulo, 2005. Pág. 74 e ss.

Page 10: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

343

petição e o direito de acesso ao Provedor de Justiça16

, sendo que em 12 de Julho de

1995 foi nomeado o primeiro Provedor de Justiça.

Em 1997 com o Tratado de Amesterdão, os direitos dos cidadãos europeus

foram alargados, houve uma complementação nos enunciados da lista dos direitos

cívicos de que beneficiam os cidadãos da União, uma outra inovação considerada uma

das mais importantes, foi a introdução de cláusulas de não discriminação para a

proteção dos cidadãos da União em razão da nacionalidade17

, bem como especificou

melhor, elucidando a relação entre a cidadania nacional e a cidadania europeia. É

incorporado ao tratado também, o Acordo de Schengen, abolindo o controle de pessoas

nas fronteiras na maioria dos Estados membros.

Em Dezembro de 2000, a Revisão de Nice proclamou pelas três Intituições a

Carta dos Direitos Fundamentais18

, bem como visou reforçar as medidas contra

qualquer forma de discriminação aos cidadãos da União.

Em 15 de Dezembro de 2001, a Declaração de Laeken discorreu sobre o futuro

da União Europeia, detalhando sobre as expectativas dos cidadãos europeus, concluindo

que os cidadãos estão pedindo uma abordagem clara, transparente e democrática da

construção de uma Europa como um pólo para o futuro mundial, com mais empregos,

qualidade de vida, menos criminalidade, ensino e saúde melhores. Bem como, ao seu

final, tende a refletir sobre a criação de uma Constituição para os cidadãos europeus,

uma vez que a União Europeia dispõe atualmente de quatro Tratados e os objetivos,

competências e instrumentos políticos estão espalhados por esses tratados19

.

―Se pose enfin la question de savoir si cette simplification et ce

réaménagement ne devraient pas conduire à terme à l'adoption d'un

texte constitutionnel. Quels devraient être les éléments essentiels d'une

telle Constitution? Les valeurs auxquelles l'Union est attachée, les droits

fondamentaux et les devoirs des citoyens, les relations des États membres

dans l'Union?‖

16

Texto disponível em: http://aei.pitt.edu/5025/01/001228_1.pdf. 17

Ver: Jurisprudência – Caso C/85/96 – Em que o Tribunal de Justiça decide que os nacionais de um

Estado membro deverão invocar a cidadania europeia como proteção contra a discriminação por parte de

outros Estados membros diversos da sua nacionalidade, em consonância aos direitos abrangidos pelo

Tratado. 18

Ver: Título V Cidadania – artigos 39 a 46 da Carta de Direitos Fundamentais. Disponível em:

http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2007:303:0001:0016:PT:PDF. Da mesma

forma, ver artigo 20 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Disponível em: http://eur-

lex.europa.eu/JOHtml.do?uri=OJ:C:2008:115:SOM:PT:HTML. 19

Déclaration de Laeken sur L´avenir de L´Union européenne (15 décembre 2001) – Un an après la

Conférence intergouvernementale de décembre 2000 à Nice, qui lançait «Le débat sur L´avenir de

L´Union européenne», la Déclaration de Laeken du 15 décembre 2001 réaménage et concrétise les

questions soulevées à Nice sur la réforme des institutions. La répartition des compétences entre L´Union

et les États membres, la simplification des instruments législatifs de L´Union, L´équilibre.

Page 11: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

344

Em 2006, surge o Programa “Europa para os cidadãos” 2007-1013, destinado a

promover a cidadania europeia ativa, uma vez que a Comissão Europeia, o Parlamento

Europeu e o Conselho da União Europeia decidiram conjuntamente instituir esse

programa, criando um quadro jurídico de apoio a uma ampla gama de atividades e

organizações, visando promover o envolvimento de cidadãos e organizações da

sociedade civil no processo de integração europeia20

.

O Tratado de Lisboa, embora não esteja em vigor, no seu artigo 2º procurou

dispor sobre a liberdade de circulação do trabalhador da União, com o escopo de

conferir maiores facilidades para a fixação de residência em um dos Estados membros

diversos de sua nacionalidade, com a menção das palavras “assalariados ou não

assalariados”, visava mitigar a relação assalariada existente atualmente.

―51) O artigo 42.o é alterado do seguinte modo:

a) No primeiro parágrafo, o trecho «… trabalhadores migrantes e às

pessoas que deles dependam:» é substituído por «trabalhadores

migrantes, assalariados e não assalariados, e às pessoas que deles

dependam:»;‖

Finalmente, em 23 de Março de 2009, é apresentado ao Parlamento Europeu o

Relatório sobre os problemas e as perspectivas ligadas à cidadania da União, contendo a

Proposta de Resolução do Parlamento Europeu e 4 pareceres de Comissões, bem como

o resultado da votação final em Comissão21

.

SECÇÃO 1.2. ELEMENTOS DA CIDADANIA DA UE

1.2.1. Conceito

Primeiramente, há que se fazer uma diferenciação entre cidadania e

nacionalidade22

. Ambos referem-se a uma condição ou status do indivíduo em sua

relação com o Estado, e na prática é muitas vezes utilizados como sinônimos, embora

20

Ver: Europa para os Cidadãos – Guia do Programa – versão final – Janeiro de 2007. Disponível em:

http://www.anmp.pt/anmp/doc/Dint/2007/div/EUPG20072001301pt.pdf. 21

Ver: Relatório de 32 de Março de 2009 do Parlamento Europeu Sobre os problemas e as perspectivas

ligadas à cidadania da União. Disponível em: http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-

//EP//TEXT+REPORT+A6-2009-0182+0+DOC+XML+V0//PT. 22

Ver: SILVA, Ana Margarida Perrolas de Oliveira. União Europeia: Cidadania e Imigração. “As

Sociedades Nacionais perante os Processos de Globalização”. Dissertação de Mestrado em Sociologia.

Universidade de Coimbra, 2000. Pág. 111 e ss.

Page 12: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

345

seus significados não são necessariamente igualitários na descrição de uma mesma

relação de um determinado particular com o Estado.

O conceito de nacionalidade23

constitui na qualidade ou condição jurídica, fonte

de um vínculo ou de uma relação existente entre uma pessoa e um Estado determinado,

e em relação ao momento da sua aquisição poderá ser de duas formas: a originária,

decorrente do caráter automático do nascimento – decorrente do direito do solo ou do

sangue (jus soli / jus sanguinis)24

, bem como a forma derivada, decorrente da

naturalização (que deveria chamar-se nacionalização) que em regra, decorre da vontade

do cidadão em pertencer a um determinado Estado, desligando-se do anterior ou

mantendo-os simultâneamente, sempre em consonância com a Constituição de cada

Estado envolvido.

Por outro lado, a cidadania constitui em uma categoria jurídica relativo ao

vínculo de um determinado indivíduo a uma comunidade política, decorrente de

determinadas leis que estabelecem aos indivíduos beneficiários plenos direitos civis e

políticos. Dessa forma, esses direitos foram reconhecidos no artigo 25 do Pacto

Internacional de Direitos Civis e Políticos25

, relativos aos direitos de cidadania:

―Todos os cidadãos gozarão... sem restrições indevidas, dos seguintes

direitos e oportunidades:

a) Participar na direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio

de representantes livremente eleitos;

b) Votar e ser eleito em eleições períodicas, autênticas, realizadas por

sufrágio universal, igual e por voto secreto que garanta a livre

expressão de vontade dos eleitores;

23

Nesse sentido: “Pode dizer-se que toda a nacionalidade é efectiva, isto é, que o vinculo de

nacionalidade pressupõe uma ligação de carácter sociológico entre indivíduo e Estado, de forma tal que

possa dizer-se, que há uma relação de pertença entre aquele e este - é esta ideia subjacente à noção

germânica de Staatsangehorigkeit que literalmente significa "pertença ao Estado", ou seja o indivíduo faz

parte da população do Estado ( ou mais rigorosamente do povo) - Professor Marques dos Santos, Estudos

de Direito de nacionalidade, páginas 279/281, onde apresenta vastíssima recensão de doutrina nacional e

estrangeira, sobre nacionalidade e efectividade do vinculo”. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº

04B2130, de 13 de Julio de 2004. Ver ainda: ICJ, Reports 1955, pág. 23 (sentença de 06 de abril de 1955

no caso Nottebohm), onde o Tribunal de Haia definiu assim a nacionalidade: “Segundo a prática dos

Estados, das decisões arbitrais e judiciais, bem como das opiniões doutrinais, a nacionalidade é um

vínculo jurídico baseado em um feito social de relação, em uma efetiva solidariedade de existência, de

interesses e sentimentos, unido a uma reciprocidade de direitos e deveres. Cabe dizer que constitui a

expressão jurídica do feito de que o indivíduo ao qual se confere, seja diretamente pela lei, seja por um

ato de autoridade, está de feito mais estreitamente vinculado a população do Estado que lhe confere a

nacionalidade”. 24

Embora, devido ao aumento do número de Brasileiros no exterior, houve uma modificação na

Constituição Brasileira, relativizando o princípio do jus soli, anteriormente adotado: “art. 12. São

brasileiros: I – natos: c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que sejam

registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e

optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira”. 25

Adotado pela Assembleia Geral da ONU em seu Res. 2200 A (XXI), de 16 de dezembro de 1966, em

vigor desde o dia 23 de março de 1976.

Page 13: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

346

c) Ter acesso, em condições gerais de igualdade, nas funções públicas de

seu país.‖

Assim, podemos reconhecer que qualquer pessoa nacional de um Estado será,

em regra, cidadão em potencial do mesmo Estado, porém o contrário não seria possível.

Um estrangeiro poderá ser cidadão de outro Estado após preencher determinados

requisitos, bem como poderá requerer a sua naturalização, porém os requisitos deste

último nem sempre estão expressos constitucionalmente e sua concessão é mais

complicada26

.

Em relação aos não nacionais de determinado Estado, o artigo 1º da Declaração

sobre os Direitos Humanos dos indivíduos que não são nacionais do País em que

vivem27

, estabelece que são estrangeiros qualquer pessoa que não seja nacional do

Estado no qual se encontra, bem como essa declaração não reconhece, nem atribui os

direitos do artigo 25 acima citado do Pacto aos não nacionais / estrangeiros.

Dessa forma, é cidadão da União todo aquele que tiver a cidadania de um Estado

membro, porém, o tratado não define quem é cidadão de um Estado membro. Assim,

essa matéria continua aparentemente a ser parte da competência exclusiva dos Estados,

em consonância com a Declaração nº.2 da Conferência que afirma que “a questão de

saber se uma pessoa tem a nacionalidade de um Estado membro é regulada unicamente

por referência ao direito nacional do Estado em causa”.

De acordo com o artigo 17 do Tratado da Comunidade Europeia, esse estabelece

no seu considerando 1º que

―...É cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um

Estado membro. A cidadania da União é complementar da cidadania

nacional e não a substitui‖.

Dessa forma, em consonância com o citado artigo, podemos entender que a

cidadania da União não constitui uma nova cidadania, sua existência não é autonoma,

ela esta vinculada a cidadania estatal. O Estado membro, utilizando-se de sua soberania

26

Ver Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 04B2130, de 13 de Julio de 2004, que estabelece: “Não

são suficientemente caracterizadores para os fins dessa atribuição (da nacionalidade portuguesa), o

casamento recente com portuguesa, a existência de um filho comum do casal; o n.º fiscal e da segurança

social, a conta bancária e o trabalho numa embarcação de pesca, bem como a declaração de que o

requerente sabe falar português”. No mesmo sentido, o Acórdão do mesmo Tribunal, proferido na revista

nº. 1645/02, em 11 de Julho de 2002. 27

Adotada mediante consenso pela Assembleia Geral da ONU em sua Res. 40/144, de 13 de dezembro de

1985.

Page 14: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

347

determina quem são os seus nacionais, e dessa forma, determinará também quem será

cidadão da União.

Importante salientar também que o artigo é infeliz em sua denominação, quando

estabelece que: “é cidadão da união qualquer pessoa que tenha a “nacionalidade” de um

Estado membro[...]”. Dessa forma, devemos ler aqui: qualquer pessoa que tenha a

“cidadania” de um Estado membro. Embora no final do artigo, ele complementa o

entendimento utilizando o termo correto, “cidadania”, “a cidadania da união é

complementar a cidadania nacional”.

Assim, a cidadania da União é conferida apenas pelo fato de determinados

cidadãos terem a cidadania de qualquer um dos Estados membros, sendo impossível a

sua obtenção ou perda de forma separada e autonoma.

Conceituando negativamente, qualquer pessoa/cidadão que não tiver a cidadania

de algum Estado membro da União Europeia será denominado em termos jurídicos de

estrangeiro, ou seja, será estrangeiro, qualquer cidadão com a cidadania de Estados

terceiros, não membros da União Europeia.

1.2.2. Natureza Jurídica

Nas disposições comuns do Tratado da União Européia houve a implementação

de novas disposições com o escopo de reforçar a defesa dos direitos e dos interesses dos

nacionais dos Estados membros da União, uma dessas diposições (art. 2, considerando

3º)28

tratava-se da instituição de uma cidadania da União.

Ao passar do tempo, o Tratado da União Européia veio a incluir no Tratado da

Comunidade Européia uma Parte II, arts. 17 a 22, sob a denominação de “ A Cidadania

da União”. Dessa forma, o professor doutor Fausto de Quadros, ao tratar da cidadania

da União, frisa que não se trata apenas de uma simples cidadania da Comunidade

Européia, dessa forma, a matéria deveria estar elencada nas disposições comuns do

tratado da União Européia e não no tratado das Comunidades Européias29

.

Com essa inovação traga pelo tratado da União Européia, podemos perceber que

o processo de integração deixou de ser meramente econômico, ao ponto dos tratados

28

Artigo 2º TUE: A União atribui‑se os seguintes objectivos: (3)“o reforço da defesa dos direitos e dos

interesses dos nacionais dos seus Estados-Membros, mediante a instituição de uma cidadania da União;” 29

Ver: QUADROS, Fausto. Direito da União Européia. Almedina. 2004, Pág. 114.

Page 15: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

348

começarem a preocupar com a cidadania da União, estabelecendo uma forte figura

integralista sustentada por componentes sociais e humanistas.

Necessariamente, o avanço ocorrido decorreu do sucesso da aplicação prática

pelos Estados europeus, da aplicação de um mercado único e posteriormente a

implantação de uma moeda única. Com isso, os Estados membros sentiram a

necessidade da criação de uma europa dos cidadãos, visando reforçar o carácter

democrático da união européia.

O projeto Spinelli30

, de 1984, em seu artigo 3º dispunha da relação de

dependência da cidadania da União para com a nacionalidade Estadual, e que foi

tomado de base pelo tratado da União Européia:

―Os cidadãos dos Estados membros são, por esse simples fato, cidadãos

da União. A cidadania da União esta ligada à qualidade de um Estado

membro; ela não pode ser adquirida ou perdida separadamente‖.

Uma melhor e mais clara interpretação foi dada pelo Tratado de Amesterdão, ao

acrescentar que a cidadania da União é “complementar” da cidadania nacional e “não a

substitui”.

Ao designar o caráter “complementar” da cidadania da União, podemos concluir

que não houve a intenção de criação de uma cidadania europeia, que se manteria

sobreposta à cidadania estatal, nem que se acumulasse como uma cidadania autônoma.

Dessa forma, é possível compreender que a União Europeia não se trata de um modelo

de tipo Estadual, uma vez que a existência de um povo, com a cidadania própria é o

primeiro requisito de preenchimento dos elementos constitutivos dos Estados. Dessa

forma, uma vez que não existe uma cidadania europeia autónoma, não haverá também

um povo europeu em sentido jurídico, e no mesmo entendimento, a União não poderá

ser considerada um Estado. Bem como, não haverá o fenómeno que ocorre nas

Federações, a “dupla cidadania” ou “dupla nacionalidade”, ou seja a sobreposição de

duas ou mais cidadanias ou nacionalidades diferentes não ocorrerá na União Europeia,

que consiste na nacionalidade do Estado membro e a nacionalidade da União, que não é

Federal, pois a União Europeia por não ser um Estado, ela também não é uma

Federação.

30

Ver: ZORGBIBE, Charles. Histoire de la Construction Européenne, 2ª ed. 1993, pág. 227 a 236.

LESSA, Antônio Carlos. A construção da Europa: A última utopia das relações internacionais. IBRI,

2003, pág. 92 e 93. QUADROS, Fausto. Direito da União Européia. Almedina. 2004, Pág. 116.

Page 16: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

349

Esse raciocínio, do Prof. Doutor Fausto Quadros31

é fundamentado nos artigos

189 e 190, nº.1 do Tratado da Comunidade Europeia, que dispoe sobre a atribuição de

competência do Parlamento Europeu. Embora o parlamento seja eleito por sufrágio

direto e universal, ele não representa o “povo europeu”, uma vez que esse juridicamente

não existe, mas representa os “povos dos Estados membros da Comunidade Europeia”.

Consoante ao anteriormente estabelecido no relatório da Cimeira de Paris de 1974:

―Parlamento Europeu

12. Os Chefes de Governo consideram que a eleição da Assembleia

Europeia por sufrágio universal, um dos objectivos enunciados no

Tratado, devia realizar-se o mais rapidamente possível. Para o efeito,

aguardam com interesse as propostas da Assembleia Europeia, sobre as

quais pretendem tomada de posição do Conselho em 1976. Partindo deste

princípio, podem realizar-se eleições por sufrágio universal directo a

partir de 1978. Uma vez que a Assembleia Europeia é composta por

representantes dos povos dos estados unidos no seio da Comunidade,

cada povo deverá ser representado de uma forma adequada‖.

1.2.3. Conteúdo e Características

1.2.3.1. O direito a não discriminação em razão da nacionalidade

Em consonância com o artigo 12 do Tratado da Comunidade Europeia, o

considerando 1º estabelece que “No âmbito de aplicação do presente Tratado, e sem

prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em

razão da nacionalidade”32

, agora, aqui sim podemos dizer o conceito de nacionalidade (

de uma forma ampla, e não apenas da cidadania), uma vez que é vedada a discriminação

em razão do local de nascimento do cidadão, não há diferenciação se o cidadão nasceu

em um país terceiro ou que nasceu em uma cultura diferenciada, ou ainda, nasceu em

uma determinada montanha. É o que comprova o Relatório de 23 de Março de 2009 do

Parlamento Europeu – Sobre os problemas e as perspectivas ligadas à cidadania da

União (2008/2234/INI):

―5. Considera que as disparidades existentes entre as disposições que

regem o acesso à nacionalidade nos diferentes Estados­Membros, de que

depende a aquisição da cidadania europeia, podem constituir uma fonte

31

Ver: QUADROS, Fausto. Direito da União Européia. Almedina. 2004, Pág. 117. 32

Ver: Acordão do Tribunal (Sexta Secção) de 29 de Junho de 1999. Comissão das Comunidades

Europeias contra Reino da Bélgica. Processo C-172/98, ao decidir que: “Ao exigir a presença, consoante

o caso, de um associado belga na administração da associação, ou uma presença mínima, além disso

maioritária, de associados de nacionalidade belga, para o reconhecimento da personalidade jurídica de

uma associação, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6._

do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 12._ CE)”.

Page 17: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

350

de discriminação entre residentes nacionais de países terceiros ou

apátridas, dependendo do respectivo Estado-Membro de residência; sem

prejuízo da respectiva competência na matéria, confia que os

Estados­Membros suprimirão todas as fontes potenciais de

discriminação e exorta a Comissão a recorrer aos instrumentos

comunitários ao seu dispor para assegurar que a legislação comunitária

em matéria de luta contra a discriminação seja devidamente aplicada‖;

(Parecer da Comissão dos Assuntos Jurídicos – 21.01.2009).

Dessa forma, esse princípio territorial humano discriminante, esta sendo

mitigado, de início regionalmente, como no caso da cidadania da União europeia. E a

sua efetivação esta prevista no considerando 2º do art. 12, que estabelece: “O Conselho,

deliberando nos termos do artigo 251, pode adoptar normas destinadas a proibir essa

discriminação”.

O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias ja decidiu alguns casos a

respeito da discriminação de cidadãos de Estados membros que residiam em outros

Estados, e que a legislação interna desses Estados eram contrárias ao direito

comunitário. Seguem abaixo as decisões:

1. Acórdão do Tribunal de 20 de Setembro de 2001. - Rudy Grzelczyk contra Centre

public d'aide sociale d'Ottignies-Louvain-la-Neuve. - Pedido de decisão prejudicial:

Tribunal du travail de Nivelles - Bélgica. - Artigos 6.º, 8.º e 8.º-A do Tratado CE (que

passaram, após alteração, a artigos 12.º CE, 17.º CE e 18.º CE) - Directiva 93/96/CEE

do Conselho - Direito de residência dos estudantes - Legislação nacional que garante

um mínimo de meios de subsistência, designado 'minimex, unicamente aos nacionais, às

pessoas que beneficiam da aplicação do Regulamento (CEE) n.º 1612/68, aos apátridas

e aos refugiados - Estudante estrangeiro que trabalhou para o seu sustento durante os

primeiros anos dos estudos. - Processo C-184/99.

―31 Efectivamente, o estatuto de cidadão da União tende a ser o estatuto

fundamental dos nacionais dos Estados-Membros que permite aos que

entre estes se encontrem na mesma situação obter, independentemente

da sua nacionalidade e sem prejuízo das excepções expressamente

previstas a este respeito, o mesmo tratamento jurídico‖.

2. Acórdão do Tribunal de 7 de julho de 1992. - Mário Vicente Micheletti e outros

contra Delegacion del Gobierno en Cantabria. - Pedido de decisao prejudicial: Tribunal

Superior de Justicia de Cantabria - Espanha. - direito de estabelecimento - beneficiarios

- dupla nacionalidade. - Processo C-369/90.

―As disposições do direito comunitário em matéria de liberdade de

estabelecimento não permitem que um Estado-membro recuse o

benefício dessa liberdade a um cidadão de outro Estado-membro, que

Page 18: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

351

possua simultaneamente a nacionalidade de um Estado terceiro, pelo

facto de a legislação do Estado de acolhimento o considerar nacional de

Estado terceiro‖.

1.2.3.2. O direito de circular e permanecer

A liberdade de circulação de pessoas reconhecido pela figura da cidadania da

União Europeia não se trata de uma criação inovadora do Tratado de Roma, uma vez

que esse direito já existia quase que paralelamente, decorrente de acordos entre

determinados Estados europeus, nomeadamente os países membros do Tratado de

BENELUX, assinado em 1958, que entrou em vigor em 1960, bem como em relação a

Convenção Nórdica, ambos reconheceram e implementaram a liberdade de circulação

de pessoas. Esses direitos decorreram da celebração de tratados bilaterais ou

multilaterais que tinham como característica a adoção de cláusulas da nação mais

favorecida e aplicavam também a cláusula de igualdade referente aos nacionais33

.

Dessa forma, quase que simultâneamente, o Tratado de Roma, que instituiu a

Comunidade Económica Europeia, assinado em 1957, introduziu o direito das pessoas à

livre circulação nos territórios dos países membros da Comunidade Europeia. Porém,

tratava-se de um direito limitado, condicionado a uma ligação estreita com uma

determinada atividade económica, necessariamente a um trabalho assalariado, uma

atividade independente ou a uma prestação de serviços. Destarte, o beneficiário do

direito de permanência em qualquer território de um Estado membro da Comunidade foi

reconhecido somente aos trabalhadores assalariados e independentes, bem como aos

membros de sua família, com a presença da exigência do exercício de uma atividade

profissional no território escolhido.

Atualmente, trata-se do primeiro direito do cidadão da União, elencado no artigo

18, o direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados membros.

―Qualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer

livremente no território dos Estados membros, sem prejuízo das

limitações e condições previstas no presente Tratado e nas disposições

adoptadas em sua aplicação‖.

33

Ver: CRAIG, Paul P. BÚRCA, Gráinne. EU law: text, cases, and materials. 4ª ed. Oxford University

Press, 2007. Pág. 847 e ss. SANTOS, António Belo. Os direitos de livre circulação e o estatuto da União

Europeia. Relatório de mestrado – FDUL. Lisboa, 2000. Pág. 5 a 8. E Acórdão TJCE: Caso Cowan de

02/02/1989, Proc. 186/87. Pág. 195 e ss.

Page 19: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

352

O atual direito é decorrente da evolução da liberdade de pessoas, proveniente do

Tratado da Comunidade Econômica Europeia, referente as quatro liberdades de matéria

econômica. Foi uma evolução do direito que antes era meramente de carater econômico,

para a transformação do caráter atual de direito pessoal ou em um direito civil.

Dessa forma, com o Tratado da União Europeia, o direito de circular e

permanecer nos territórios dos Estados membros pertencentes a União é independente

de qualquer exercício de atividade econômica, sendo passível para qualquer atividade,

seja por exemplo para fins de turismo ou estudo. Assim, qualquer cidadão da União

goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados

membros34

.

Esse direito é dividido necessariamente em dois: o direito de circular pelos

Estados membros, bem como o direito de permanecer, podendo em alguns dos Estados

membros, até a possibilidade de residir.

O artigo 308 do Tratado da Comunidade Europeia contém uma cláusula geral de

alargamento de competência que poderá ser utilizado pelo Conselho ao definir as

condições de exercício do direito de circulação e permanência, que já são de sua

competência, poderá criar ainda, caso haja necessidade, novos poderes, segundo o que

dispoe o artigo 18, nº 2 da revisão de Nice.

Quanto as limitações em relação ao exercício desse direito, o Tratado prevê

nomeadamente, as limitações relativas às matérias de ordem pública, saúde pública e

segurança pública, bem como, poderá ser imposto limitações decorrente do direito

derivado, como por exemplo, o cidadão beneficiário desse direito deverá estar portando

documento de identificação válido para o referido exercício de direito.

Dessa forma, alguns autores entendem que a liberdade de circulação ao ser

reconhecida aos Europeus na sua qualidade de agentes económicos constituiu o

primeiro momento de um posterior reconhecimento de uma cidadania da união europeia

sobre os mesmos europeus, representando assim, a concretização da vontade de

instituição de uma europa unida politicamente, conforme aos escopos decorrentes da

declaração de Schuman de 09 de Maio de 195035

.

34

Nesse sentido: Caso Martínez Sala – Proc. C-85/96, Acórdão de 12/05/1998. Pág. 2691 e ss. Bem como

caso Bickel e Franz – Acórdão de 24/11/1998, Proc. C-274/96. Pág. 7637 e ss. 35

Robert Schuman, Ministro Francês dos Negócios Estrangeiros, foi o responsável pela apresentação da

proposta conhecida como “Declaração de Schuman”, que visava criar uma Europa organizada, através da

manutenção de relações pacíficas entre todos os Estados europeus, considerada como a primeira de uma

série de importantes documentos que deram início a atual União Europeia: “A Europa não se fará de uma

Page 20: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

353

Em 14 de Junho de 1985 foi estabelecido o acordo de Schengen, relativo à

eliminação dos controles nas fronteiras internas da Comunidade Europeia, bem como

foi complementado por uma Convenção de Aplicação (1990) e por vários outros atos

que tinham o escopo de alargar o domínio de aplicação a quase todo o espaço da União

Europeia. Embora não sendo parte da União Europeia, em 2008 a Suiça também tornou-

se membro do acordo Schengen, e a aplicação plena do acordo previa a data de 12 de

Dezembro de 2008 e em 29 de Março de 2009 a eliminação dos controles de pessoas no

tráfego aéreo36

. Com esses procedimentos permitiu-se uma extraordinária facilidade na

prática do direito de livre circulação dos cidadãos europeus37

.

1.2.3.4 O direito de eleger e ser eleito

O artigo 19, números 1 e 2, estabelecem o segundo direito decorrente da

cidadania da União, consiste no direito de eleger/capacidade eleitoral ativa e ser

eleito/capacidade eleitoral passiva em quaisquer eleições municipais do Estado de

residência, bem como nas eleições para o Parlamento Europeu também no Estado de

residência, garantindo ainda, a igualdade do cidadão beneficiado pela nacionalidade da

União, ou seja, nas mesmas condições dos próprios nacionais desse Estado de

residência38

.

É vedado ao cidadão da União a sua participação ativa ou passiva em mais de

um Estado membro na mesma eleição para o Parlamento Europeu.

É possível o Estado membro requerer fundamentadamente disposições

derrogatórias ao exercício desses direitos, como por exemplo: poderão reservar o

exercício do cargo de presidente e vice-presidente do Município aos seus nacionais.

Essa inovação decorrente da cidadania da União é considerada pelos autores

como modesta, uma vez que em alguns Estados a lei interna já garantia esse direito para

os estrangeiros / não nacionais a capacidade eleitoral ativa e passiva em eleições para

só vez, nem numa construção de conjunto: far-se-à por meio de realizações concretas que criem em

primeiro lugar uma solidariedade de facto”. 36

Ver Site oficial da Embaixada da Alemanha em Lisboa.

Disponível em: http://www.lissabon.diplo.de/Vertretung/lissabon/pt/04/Seite__Visainfo__Botschaft.html. 37

Ver: CAMPOS, João Mota. Manual de direito comunitário: o sistema institucional, a ordem jurídica, o

ordenamento económico da União Europeia. 2ª Ed. 2008. Pág. 192 e ss. 38

Ver: Diretiva 93/109/CE do Conselho, publicada no JOCE n.º L329/34 de 30/12/93, a presente fixou as

modalidades do exercício do direito eleitoral ativo e passivo nas eleições para o Parlamento Europeu,

designadamente para os cidadãos da União que residam em um dos Estados membros de que não são

nacionais.

Page 21: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

354

autarquias locais, como no caso de Luxemburgo e França. Porém, alguns Estados

tiveram que alterar a sua carta constitucional com o escopo de acolher esse novo direito

reconhecido, do artigo 19, nº 1, como por exemplo, Portugal na revisão constitucional

de 1992, atual artigo 15, números 4 e 5.

1.2.3.5. O direito a proteção de autoridades diplomáticas e consulares.

O artigo 20, estabelece o terceiro direito proveniente da cidadania da União, que

consiste no poder de requerer proteção por parte de autoridades diplomáticas e

consulares de qualquer outro Estado membro, no território de Estados terceiros em que

o Estado de sua nacionalidade não tiver representação, nas mesmas condições dos

nacionais do Estado membro acreditante no Estado terceiro.

Trata-se de uma inovação radical, com uma profunda alteração das regras de

direito internacional clássicas, uma vez que consistia na proteção diplomática e consular

dos Estados apenas aos seus próprios nacionais. Abordaremos mais sobre o assunto no

capítulo terceiro.

1.2.3.6. O direito de petição ao Parlamento Europeu

Segundo o artigo 21, parágrafo 1º, trata-se do direito de petição ao Parlamento

Europeu, regulados ainda pelo artigo 194, que possui como escopo conferir aos

cidadãos da União direitos de participação no funcionamento e aperfeiçoamento dos

órgãos da União, uma vez que é derivado do conceito de direitos de controle

democráticos, dando dessa forma, uma ampla capacidade do cidadão de utilizar seu

direito de petição, que poderá incidir sobre qualquer questão relacionado aos domínios

de qualquer atividade da Comunidade Europeia, com o único requisito de que diga

diretamente respeito ao peticionário39

.

1.2.3.7. O direito de queixa ao Provedor de Justiça

39

Sobre o conceito de “dizer diretamente respeito” ver decisão do TJCE de 15 de Julho de 1963, referente

ao processo 25/62 – Firma Plaumann und Co. Gegen Kommission der EWG. – Rechtssache 25-62. Bem

como, decisão do TJCE de 23 de Abril de 1986, referente ao processo 294/83 – Parti écologiste “Les

Verts” contre Parlement européen – Recours en annulation – Campagne d´information pour l´élection du

Parlement européen.

Page 22: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

355

No artigo 21, parágrafo 2, percebemos o direito a queixa ao Provedor de Justiça,

bem como a regulamentação do seu exercício pelo artigo 195. Trata-se de outro direito

de controle democrático, que consiste na possibilidade do cidadão da União queixar-se a

respeito da má administração, ou seja, à violação do dever de boa administração de

instituições, órgãos e organismos comunitários, salvo nos casos do Tribunal Penal

Internacional e do Tribunal de Justiça quando estes atuarem no exercício das suas

funções.

Em 12 de Julho de 1995 foi nomeado o primeiro Provedor de Justiça, que tem

como função investigar casos de alegações de má administração nas atividades de

quaisquer instituições comunitárias, exceto os acima mencionados.

Em 09 de Março de 1994, o Parlamento Europeu decidiu pela aprovação do

Estatuto do Provedor de Justiça40

.

1.2.3.8. O direito de livre mobilidade temporal e profissional do trabalhador da União

Europeia

O Tratado da Comunidade Europeia, em seu artigo 39 e seguintes estabelecem a

livre circulação de trabalhadores na Comunidade, ficando assim abolida toda e qualquer

forma de discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados

membros, em relação ao emprego, à remuneração e demais condições inerentes ao

trabalho.

Há limitações quanto a livre circulação de trabalhadores, compreendendo assim

justificativas em razão de ordem pública, segurança pública e saúde pública, podendo

dessa forma, limitar os direitos previstos, que são os seguintes: o direito de responder a

ofertas de emprego efetivamente feitas, o direito de deslocar livremente com o objetivo

de responder as ofertas de trabalho no território dos Estados membros, o direito de

residir num dos Estados membros a fim de nele exercer uma atividade laboral, o direito

de permanecer no território de um Estado membro depois de nele ter exercido uma

atividade laboral. O disposto nos artigos não é aplicável aos empregos na administração

pública.

O Tratado de Lisboa que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que

institui a Comunidade Europeia, assinado em Lisboa em 13 de Dezembro de 2007,

40

Ver: JO nº. L 113, de 04/05/1994, pág. 15.

Page 23: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

356

embora não esteja em vigor, tratou de mitigar alguns requisitos em relação a matéria

com o escopo de alargar a integração política, afastando o caráter económico que é

exigido para o trabalhador da União Europeia.

―Art. 2º.

Livre circulação dos trabalhadores

50) Na alínea d) do n.o 3 do artigo 39.o, são suprimidos os termos «de

execução».

51) O artigo 42.o é alterado do seguinte modo:

a) No primeiro parágrafo, o trecho «… trabalhadores migrantes e às

pessoas que deles dependam:» é substituído por «trabalhadores

migrantes, assalariados e não assalariados, e às pessoas que deles

dependam‖;

1.2.4. O reconhecimento de direitos do cidadão europeu a cidadãos de países terceiros

A título didádico o estudo da extensão devera ser feito de forma subjetiva e de

forma material.

Primeiramente, a extensão subjetiva, que é perfeitamente observada em alguns

direitos conferidos aos cidadãos da União, como o de livre circulação e permanência,

bem como o de residência, o de petição ao Parlamento Europeu e o de queixa ao

Provedor de Justiça, esses direitos foram estendidos a alguns familiares, como por

exemplo, o primeiro direito estendidos ao cônjuge do cidadão da União, bem como dos

descendentes e ascendentes de ambos, mesmo que estes não sejam cidadãos de qualquer

um dos Estados membros da União41

. Tais extensões possuem o escopo de manter a

unidade e a estabilidade das famílias. Por outro lado, em relação ao direito de petição e

o direito de queixa poderá ser beneficiário os próprios cidadãos da União, bem como os

não cidadãos da União, uma vez que esses direitos foram reconhecidos em função dos

estatutos da cidadania da União e também do estatuto da residência ou da sede

estatutária no espaço comunitário. Dessa forma, terão esses direitos os cidadãos da

União mesmo que não residam no determinado território, bem como qualquer pessoa

jurídica que resida ou tenha a sua sede estatutária no determinado território, mesmo não

sendo cidadão da União42

.

Em relação a extensão material, não é tão visível e determinado, porém, a

cidadania da União não elenca taxativamente os direitos tipificados nos artigos 18 a 21

do Tratado da Comunidade Europeia, ou seja, não os esgota. Ao lermos o artigo 22

41

Ver: Regulamento nº 1612/68 e Diretivas números 73/148, 90/364, 90/365 e 93/96 da CEE. 42

Ver: QUADROS, Fausto. Direito da União Européia. Almedina. 2004, Pág. 122.

Page 24: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

357

podemos perceber que contém a cláusula de extenção material desses direitos, porém

dependerá do Conselho, respeitando os procedimentos previstos, poderá aprovar

quaisquer disposições que destinam-se a criar novos direitos, bem como fortalecer e

ampliar os atualmente existentes43

.

Em relação a extensão desses direitos (e a criação do direito de proteção contra a

expulsão) aos cidadãos terceiros sem nenhum vincúlo com um cidadão da União,

também é possível nos casos estabelecidos segundo a Diretiva 2003/109/CE, do

Conselho, de 25 de Novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países

terceiros residentes de longa duração44

.

―(6) O critério principal para a aquisição do estatuto de residente de

longa duração deverá ser a duração da residência no território de um

Estado-Membro. Esta residência deverá ter sido legal e ininterrupta a

fim de comprovar o enraizamento da pessoa no país. Deve ser prevista

uma certa flexibilidade para ter em conta determinadas circunstâncias

que podem levar alguém a afastar-se do território de forma temporária‖.

A extensão poderá ocorrer também em relação aos familiares dos nacionais de

países terceiros que residam no Estado membro, em consonância com a Diretiva

2003/86/CE do Conselho, de 22 de Setembro de 2003, relativa ao direito ao

reagrupamento familiar45

.

―(20) Os familiares deverão igualmente poder instalar-se num outro

Estado-Membro com os residentes de longa duração a fim de manter a

unidade familiar e não entravar o exercício do direito de residência do

residente de longa duração. No que se refere aos familiares que podem

ser autorizados a acompanhar residentes de longa duração ou a juntar-se

a eles, os Estados-Membros devem prestar especial atenção à situação

dos filhos adultos portadores de deficiência e dos ascendentes directos em

primeiro grau que deles dependam‖.

Nesse sentido, o TJCE ja decidiu a respeito:

Caso Baumbast46

:

43

Ver: SOUSA, Marcelo Rebelo. A cidadania europeia - nível de concretização dos direitos,

possibilidade de alargamento e suas implicações. in AAVV, Em torno da revisão do Tratado da União

Europeia, Coimbra, Almedina, 1997, pp. 119-129. 44

JO L16/44 de 23.1.2004. 45

JO L 251 de 3.10.2003, p. 12. 46

Acórdão do TJCE de 17 de Setembro de 2002. - Baumbast e R contra Secretary of State for the Home

Department. - Pedido de decisão prejudicial: Immigration Appeal Tribunal - Reino Unido. - Livre

circulação de pessoas - Trabalhador migrante - Direitos de residência dos membros da família do

trabalhador migrante - Direitos de os filhos prosseguirem os seus estudos no Estado-Membro de

acolhimento - Artigos 10.º e 12.º do Regulamento (CEE) n.º 1612/68 - Cidadania da União Europeia -

Direito de residência - Directiva 90/364/CEE - Limitações e condições. - Processo C-413/99.

Page 25: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

358

―O TRIBUNAL DE JUSTIÇA, pronunciando-se sobre as questões

submetidas pelo Immigration Appeal Tribunal, por despacho de 28 de

Maio de 1999, declara:

1) Os filhos de um cidadão da União Europeia que se instalaram num

Estado-Membro durante o exercício pelo seu progenitor do direito de

residência como trabalhador migrante nesse Estado-Membro têm o

direito de residir no Estado de acolhimento com vista a aí frequentarem

cursos de ensino geral, nos termos do artigo 12.° do Regulamento (CEE)

n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre

circulação dos trabalhadores na Comunidade. O facto de os progenitores

se terem entretanto divorciado, de só um dos progenitores ser cidadão da

União e de este progenitor ter deixado de ser trabalhador migrante no

Estado-Membro de acolhimento ou ainda o facto de os filhos não serem

eles próprios cidadãos da União é, a este respeito, irrelevante‖.

Caso Kunqian Catherine47

―Par ces motifs, la Cour (assemblée plénière) dit pour droit:

L’article 18 CE et la directive 90/364/CEE du Conseil, du 28 juin 1990,

relative au droit de séjour, confèrent, dans des circonstances telles que

celles de l’affaire au principal, au ressortissant mineur en bas âge d’un

État membre qui est couvert par une assurance-maladie appropriée et

qui est à la charge d’un parent, lui-même ressortissant d’un État tiers,

dont les ressources sont suffisantes pour que le premier ne devienne pas

une charge pour les finances publiques de l’État membre d’accueil, un

droit de séjour à durée indéterminée sur le territoire de ce dernier État.

Dans un tel cas, ces mêmes dispositions permettent au parent qui a

effectivement la garde de ce ressortissant de séjourner avec celui-ci dans

l’État membre d’accueil‖.

Bem como aos Refugiados, que deverão se enquadrar como beneficiários do

estatuto de refugiado, na acepção da Convenção de Genebra relativa ao estatuto dos

refugiados, de 28 de Julho de 1951, alterado pelo protocolo de Nova Iorque, de 31 de

Janeiro de 1967.

1.2.6. Os deveres do cidadão europeu

De acordo com o artigo 17, nº 2 do Tratado da Comunidade Europeia, o estatuto

da cidadania da União constitui em direitos e deveres. Porém, os artigos 18 e seguintes

estabelecem apenas direitos aos cidadãos da União. Seria um esquecimento do Tratado

47

Acórdão: Arrêt de la Cour (assemblée plénière) du 19 octobre 2004 / Affaire C-200/02 - Kunqian

Catherine Zhu et Man Lavette Chen contre Secretary of State for the Home Department (demande de

décision préjudicielle, formée par l'Immigration Appellate Authority) «Droit de séjour – Enfant ayant la

nationalité d'un État membre, mais séjournant dans un autre État membre – Parents ressortissants d'un

État tiers – Droit de séjour de la mère dans l'autre État membre».

Page 26: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

359

em relação aos deveres do cidadão da União ou ele não dispôs sobre os deveres,

deixando-os a cargo do Estado da nacionalidade do cidadão da União?

Segundo o Dr. Vlad Constantinesco a tecer comentários sobre essa ausência de

disposições relativas aos deveres do cidadão da União, diz que: “falta à cidadania

europeia a segunda dimensão”, dado que os direitos foram outorgados “sem a habitual

contrapartida reconhecida, explícita ou implicitamente, aos deveres”48

.

Dessa forma, há que existir um equilíbrio em relação aos direitos e deveres,

sendo que a obtenção e o exercício dos direitos somente existem com o cumprimento

dos deveres por parte de todos os cidadãos, cumprindo-se dessa forma, a eficácia de

uma cidadania plena.

Assim, podemos entender que os deveres dos cidadãos constituem nada mais do

que um conjunto de obrigações decorrentes da sua responsabilidade como um

participante político ativo numa sociedade, e se o tratado não estipulou expressamente

esses deveres, podemos entender que o tratado não alterou os deveres já existentes que

são por exemplo, o pagamento dos impostos que são devidos; a utilização dos serviços

públicos como o recolhimento de lixo, iluminação pública, bem como o pagamento, seja

por taxas ou preços; o pagamento da segurança social; o cumprimento e o respeito às

leis; o respeito pelos agentes públicos (autoridades); o contributo na preservação do

meio ambiente; o respeito pelas regras de tolerância e cortesia no relacionamento com

outros cidadãos, principalmente com os de outras nacionalidades, evitando assim a

discriminação em razão da nacionalidade49

.

CAPÍTULO 2. A PROTEÇÃO DIPLOMATICA

2.1. Conceito

Constitui na transferência da titulariedade de qualquer causa/ação/reclamação

para o Estado acreditante, sofrida por qualquer dos seus nacionais particulares em solo

estrangeiro, que foram vítimas de qualquer arbitrariedade praticada pelo Estado

acreditado. Uma vez ocorrida a outorga da proteção diplomática de um Estado ao seu

48

CONSTANTINESCO, Vlad. La citoyenneté de l`Union, Baden-Baden, 1993. Pág. 27. QUADROS,

Fausto. Direito da União Européia. Almedina. 2004, Pág. 122 e 123. 49

Nesse sentido: Direitos e deveres do cidadão europeu – Dos princípios e direitos inscritos nos Tratados

ao seu impacto no dia-a-dia. Disponível em:

http://www.eurocid.pt/pls/wsd/wsdwcot0.detalhe?p_cot_id=2990&p_est_id=7217.

Page 27: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

360

nacional, por meio do “endosso”, o Estado natal da referida vítima passa a ter o

“dominus lítis”, ou seja, passa a ser o titular da causa50

. Importante observar também

que as normas e os procedimentos aplicados, decorrentes da avocação da causa por

parte do Estado de origem, serão os do Estado de ocorrência, ou seja, serão as normas e

procedimentos do Estado acreditado.

Segundo o Professor Dr. Carlos Piernas51

, o direito da proteção diplomática é

uma faculdade do Estado, que a exerce com caráter discricionário, salvo se o

ordenamento interno dispor contrariamente. E também diferencia a proteção em sentido

lato sensu e stricto sensu, cabendo nesse trabalho apenas a abodagem do último, que

segundo o autor, consiste:

―... mediante a apresentação de uma reclamação formal frente ao Estado

presumidamente autor da violação ou de uma norma convencional na

mesma matéria estrangeira ou de uma norma convencional na mesma

matéria, incluida qualquer convénio bilateral ou multilateral em vigor, se

a violação afeta a pessoa nacional do Estado reclamante‖.

De acordo com a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de

18.04.1961, no seu artigo 3º estabelece:

―As funções de uma Missão diplomática consistem, entre outras, em: b)

proteger no Estado acreditado os interesses do Estado acreditante e de

seus nacionais, dentro dos limites permitidos pelo direito internacional‖.

Ainda, nesse sentido, a Convenção de Viena sobre Relações Consulares de

24.04.1963, no seu artigo 5º estabelece:

―... As funções consulares consistem em:

a) proteger, no Estado receptor, os interesses do Estado que envia e de

seus nacionais, pessoas físicas ou jurídicas, dentro dos limites permitidos

pelo direito internacional;

e) prestar ajuda e assistência aos nacionais, pessoas físicas ou jurídicas,

do Estado que envia‖.

Destarte, seja a proteção ou seja a ajuda e assistência prestada pelas Embaixadas

ou Consulados, os beneficiários serão os seus nacionais que encontra-se no território

estrangeiro.

50

SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 2ª ed. Universidade do Texas. 2002. Pág. 288 e ss.

E BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. E Outros. O Brasil e os novos desafios do direito internacional.

Universidade do Texas, 2004. Pág. 73 e ss. 51

PIERNAS, Carlos Jimenez. La protección diplomática y consular del ciudadano de la Unión Europea.

Revista de Instituciones Europeas, Madrid, v.20n.1(Enero-Abr. 1993), p.25 a 27.

Page 28: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

361

2.2. A Proteção de cidadãos europeus em países terceiros

A proteção diplomática que decorre do artigo 20 do Tratado que institui a

Comunidade Europeia, consiste numa inovação no direito internacional, uma vez que

sua figura decorre de um Tratado Comunitário, sendo um dos escopos, o de integrar os

povos europeus com uma cidadania complementar a dos Estados, e por essa razão, a

proteção diplomática em países terceiros possui um caráter subsidiário, ou seja, na

ausência de uma proteção por parte do Estado natal, o cidadão da União, será protegido

por qualquer outro Estado membro da União.

―...qualquer cidadão da União beneficia, no território de países terceiros

em que o Estado membro de que é nacional não se encontre

representado, de proteção por parte das autoridades diplomáticas e

consulares de qualquer Estado membro, nas mesmas condições que os

nacionais desse Estado‖.

Os casos em que os Estados membros poderão prestar assistência encontram-se

listados na Decisão 95/553/CE52

, embora não consiste em uma lista exaustiva, tratam-se

de casos de prisão ou detenção, acidente ou doença grave, atos de violência, morte,

situações de dificuldade e repatriamento.

Em relação ao conceito de situações de dificuldade, podemos entender

como qualquer fato diverso, prejudicial a estadia do cidadão da União no país terceiro,

dessa forma, a decisão ainda prevê procedimentos relativos a concessão de

adiantamentos pecuniários aos cidadãos que encontram-se em qualquer caso de

dificuldade.

Foi criado no Conselho da UE um grupo de trabalho responsável pela

cooperação consular, denominado de “COCON”, o objetivo desse grupo é a

organização das informações sobre as boas práticas nacionais. Recentemente

elaboraram orientações, não vinculativas, para a proteção dos cidadãos da UE em países

terceiros53

, com o escopo de criarem uma cooperação estreita entre os Estados

membros, facilitando o intercâmbio de informações54

.

A protecção diplomática e consular pode aplicar-se a casos individuais ou

colectivos, dessa forma, a União adotou diversos instrumentos para a aplicação em

52

Decisão dos Representantes dos Governos dos Estados-Membros, reunidos no Conselho de 19 de

Dezembro de 1995, relativa à protecção dos cidadãos da União Europeia pelas representações

diplomáticas e consulares (JO L 314 de 28.12.1995, p. 73). 53

Doc. 10109/06 do Conselho da União Europeia, de 2.6.2006. 54

JO C30/8 de 10.2.2007 – Livro Verde – A proteção diplomática e consular dos cidadãos da União

Europeia nos páises terceiros (apresentado pela Comissão) – 2007/C 30/04.

Page 29: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

362

situações de crise, como por exemplo as catástrofes naturais, atos terroristas, pandemias

e conflitos armados. Esses instrumentos são:

―— o mecanismo de protecção civil, que pode intervir dentro e fora da

União;

— a ajuda humanitária às populações civis atingidas por catástrofes fora

da União;

— instrumentos específicos para fazer face a situações de gestão de

crises, como o mecanismo de reacção rápida;

— missões civis de gestão de crises, no âmbito da Política Externa de

Segurança e de Defesa‖.

Para que esses instrumentos possam ser utilizados de forma eficaz, há uma

necessidade de cooperação estreita entre o Conselho e a Comissão, visando garantir

coerência e dinamismo nas atividades externas da União e de seus Estados membros.

A equiparação de direitos decorrente do Tratado de Amizade, Cooperação e

Consulta entre à República Federativa do Brasil e a República Portuguesa, poderia levar

a um entendimento equívoco quanto a proteção diplomática dos cidadãos beneficiários

desse Tratado se não fosse pelo seu artigo 20, que estabelece que:

―O brasileiro ou o português, beneficiário do estatuto de igualdade, que

se ausentar do território do Estado de residência terá direito à proteção

diplomática apenas do Estado da nacionalidade‖.

2.3. Fundamentos

A fundamentação referente a proteção do cidadão da União assume particular

importância devido ao número crescente de viagens que os cidadãos da União efectuam

para países terceiros55

, bem como ao aumento do número de cidadãos que fixam

residência nesses países. No entanto, nem todos os Estados-Membros dispõem de uma

representação permanente e acessível em cada um dos países terceiros56

.

A legislação internacional existente prevê a possibilidade de exercício das

funções consulares de um Estado acreditante para um Estado terceiro em território do

Estado acreditado, sempre com o consentimento do Estado acreditado, de acordo com o

artigo 8º da Convenção de Viena sobre Relações Consulares:

―Exercício de funções consulares por conta de terceiro Estado

55

No grupo COCON, em Abril de 2006, o número destas viagens foi estimado em cerca de 180 milhões

por ano. 56

Ver dados sobre representações diplomáticas em: Documento do Conselho 15646/05, de 12 de

Dezembro de 2005. JO C30/8 de 10.2.2007 – Livro Verde – A proteção diplomática e consular dos

cidadãos da União Europeia nos páises terceiros (apresentado pela Comissão) – 2007/C 30/04.

Page 30: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

363

Uma repartição consular do Estado que envia poderá, depois da

notificação competente ao Estado receptor e sempre que este não se

opuser, exercer funções consulares por conta de um terceiro Estado‖.

No mesmo sentido, os artigos 45, c) e 46 da Convenção de Viena sobre Relações

Diplomáticas dispõe sobre o assunto:

―Artigo 45 - Em caso de ruptura das relações diplomáticas entre dois

Estados ou se uma Missão e retirada definitiva ou temporariamente: c) o

Estado acreditante poderá confiar a proteção de seus interesses e dos de

seus nacionais a um terceiro Estado acreditado‖.

―Artigo 46 - Com o consentimento prévio do Estado acreditado e a

pedido de um terceiro Estado nele não representado, o Estado

acreditante poderá assumir a proteção temporária dos interesses do

terceiro Estado e de seus nacionais‖.

E dessa forma, segundo o Documento de Trabalho do Parlamento Europeu57

, em

relação ao quadro jurídico existente sobre a matéria, esclarece que de acordo com a

atitude voluntarista da Comissão, ela se recusa a fazer uma interpretação minimalista do

artigo 20, ao dizer que não se trata de uma cooperação intergovernamental, mas do

exercício de um autêntico direito. E ainda, descreve que quando se trata da proteção

diplomática ou consular, os juristas e os Estados membros sempre consideraram que se

tratava de um domínio de caráter intergovernamental regulado pela Convenção de

Viena de 1963, e não pelo artigo 20 do Tratado, que deveria ser.

Dessa forma, a Comissão defende que, desde já, há que procurar harmonizar a

proteção diplomática e consular, que constitui uma etapa essencial da necessária

“comunitarização do pilar JAI”, que permitirá intensificar a cooperação em todas as

frentes.

Assim, em relação aos destinatários da proteção diplomática e consular, se

pensarmos que é o Estado, fundamentamos que trata-se de um reconhecimento da sua

soberania em território estrangeiro, bem como uma gentileza internacional decorrente

de normas consuetudinárias, bem como das duas Convenções de Viena, por outro lado,

o cidadão foi a vitíma de fato da violação ou dificuldade, é o ofendido quem inicia o

procedimento, dessa forma, constitui em um fato que lhe diga diretamente respeito,

embora o Estado atravez do endosso será o titular da causa.

57

Documento de Trabalho sobre a proteção diplomática e consular dos cidadãos da União nos países

terceiros de 13.6.2007. Parlamento Europeu – Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos

Assuntos Internos.

Page 31: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

364

Novamente, de acordo com o Professor Dr. Carlos Piernas58

, ao diferenciar as

ações de natureza diplomática e as ações e assistências consulares, ele cita como

exemplo os presos espanhois que cumpriam penas em estabelecimentos prisionais

tailandeses e eram entregues aos presos, por meio da assistência consular, alimentos,

roupas, medicamentos e materiais de higiene pessoal, e ao mesmo tempo, eram

realizadas intensas reúniões diplomáticas, que resultaram na adoção de um acordo

bilateral sobre cooperação em matéria de execução de sentenças penais, permitindo aos

presos espanhois cumprirem o resto de suas penas em Espanha.

2.4. Âmbito da proteção

Partindo da constatação que a protecção não é uniforme, tendo em conta que o

artigo 20 do Tratado CE só obriga os Estados-Membros a protegerem os cidadãos da

União nas mesmas condições oferecidas aos seus nacionais, os cidadãos da União estão

confrontados com um número de regimes de protecção equivalente ao número de

Estados-Membros.

Estes regimes podem ter um âmbito e uma força jurídica diferentes59

.

A Comissão considera que as divergências entre vários aspectos da protecção

mereciam ser estudadas a mais longo prazo, com vista a examinar a possibilidade de

oferecer aos cidadãos uma protecção similar, independentemente da sua nacionalidade.

Desde já, devem ser exploradas as seguintes proteções, embora trata-se de uma

mera exposição exemplificativa de procedimentos decorrentes do livro verde60

:

2.4.1. Cidadãos que trabalham e residem nos países terceiros

Em consonância com a Decisão 88/384/CEE, que tem como escopo instituir um

procedimento de notificação prévia e de concertação sobre as políticas migratórias em

relação a Estados terceiros61

, a Comissão instituiu um procedimento de consulta entre

Estados-Membros com o objetivo de promover a inclusão de um máximo de

58

PIERNAS, Carlos Jimenez. La protección diplomática y consular del ciudadano de la Unión Europea.

Revista de Instituciones Europeas, Madrid, v.20n.1(Enero-Abr. 1993), p.26 a 27. 59

Por exemplo, só alguns Estados-Membros reconhecem o direito de recurso contra a recusa de

protecção. 60

Jornal Oficial da União Europeia. LIVRO VERDE A protecção diplomática e consular dos cidadãos da

União Europeia nos países terceiros (apresentado pela Comissão) (2007/C 30/04). 61

JO L 183 de 14.7.1988, p. 35.

Page 32: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

365

disposições comuns nos acordos bilaterais e de melhorar a protecção dos nacionais dos

Estados-Membros que trabalham e residem nos países terceiros.

E a conclusão que chegamos para essa eficaz proteção é a necessidade de uma

expansão legislativa, necessariamente na inclusão de disposições em matéria de

proteção dos cidadãos da União, que encontram-se previstas no artigo 20º do Tratado

CE, bem como a inclusão de disposições sobre a mesma matéria nos acordos bilaterais

com os países terceiros.

A sugestão dada no Livro Verde é a inclusão de disposições de proteção dos

cidadãos da União que trabalham e residem nos países terceiros, nos acordos bilaterais

dos Estados-Membros com estes países, a fim de aplicar plenamente a Decisão

88/384/CEE.

2.4.2. Familiares que não possuem a cidadania europeia

No conflito do Líbano ocorrido em Julho de 2006, manifestou-se a necessidade

de proteção conjunta dos cidadãos e dos seus familiares que não têm a cidadania da UE,

principalmente quando realizaram os procedimentos de evacuação e repatriamento por

Chipre de familiares dos cidadãos cujo Estado-Membro não tinha representação. Dessa

forma, foram analisadas e colocadas a termo essas dificuldades práticas consideráveis

com que se depararam os cidadãos e as suas famílias nesse caso particular, bem como

em futuras situações, a fim de definir pelo menos um rol exemplificativo das

modalidades que permitirão assegurar uma proteção conjunta dos cidadãos em perigo e

dos seus familiares que não têm a nacionalidade de um Estado-Membro da UE.

A sugestão dada no Livro Verde é a extensão da proteção consular aos familiares

dos cidadãos da União que têm a nacionalidade de um país terceiro através dos meios

adequados, ou seja, uma adequada alteração da Decisão 95/553/CE ou uma proposta da

Comissão com base no artigo 22 do Tratado CE.

2.4.3. Identificação e translado de restos mortais

As consequências do maremoto do final de 2004 revelaram a dimensão do

problema da identificação e os procedimentos referente ao traslado dos restos mortais

dos cidadãos da União, bem como o atual acidente da aeronave da Air France que partiu

do Rio de Janeiro no dia 31 de maio de 2009 em direção a Paris, que caiu sobre o

Page 33: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

366

Oceano Atlântico. As autoridades locais do país terceiro podem exigir uma série de

formalidades, como a obtenção de um livre-trânsito mortuário (emitido pela autoridade

consular) ou certificados sanitários e das autoridades policiais que atestem a morte e as

respectivas causas, o respeito de determinados requisitos em matéria de saúde pública

relativamente ao caixão ou a tradução oficial dos documentos administrativos.

Alguns dos Estados-Membros aderiram ao Acordo do Conselho da Europa, de

26 de Outubro de 1973, relativo ao Traslado de Corpos das Pessoas Falecidas62

, que

visa simplificar as formalidades administrativas do traslado dos restos mortais. O

relatório do Livro Verde analisa esse acordo emitindo duas opiniões importantes, ao

alegar que o instrumento acima citado deixa uma ampla margem de apreciação aos

Estados membros, bem como diz que é importante convencer a totalidade dos Estados

membros a aderirem a este instrumento, buscando simultaneamente uma ação

simplificativa na matéria.

No que diz respeito às despesas ligadas ao traslado dos restos mortais, uma vez

que a familia que é a responsável pelos custos, embora os cidadãos mais precavidos

possuam seguro viagens que cobrem o translado, a criação de um sistema europeu de

compensação poderá constituir uma ação complementar.

Salienta ainda o relatório, que a identificação dos restos mortais é uma condição

prévia e necessária para a efetivação do traslado. Nesta matéria, a Comissão incentivará

a investigação e o desenvolvimento de instrumentos eficientes que permitam a análise

do DNA e que sejam menos onerosos do que os existentes actualmente.

As sugestões do Livro Verde constituem em duas modalidades:

“A curto prazo: A alteração da Decisão 95/553/CE, a fim de incluir a

identificação e a trasladação dos restos mortais. Bem como a Recomendação aos

Estados-Membros que ainda não são partes contratantes no Acordo de Estrasburgo de

1973 no sentido de aderirem ao mesmo”.

“A longo prazo: A simplificação dos procedimentos de traslado dos restos

mortais, uma eventual criação de um sistema europeu de compensação, e ainda, um

incentivo à investigação e ao desenvolvimento de instrumentos de análise do DNA, bem

como à especialização de alguns laboratórios europeus na identificação de vítimas”.

62

Convenção nº 80 da Série dos Tratados do Conselho da Europa (ratificada por 15 Estados-Membros).

Page 34: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

367

2.4.4. Procedimentos de adiantamentos pecuniários

A Decisão 95/553/CE revela a complexidade do procedimento de reembolso das

despesas e dos adiantamentos pagos aos cidadãos em dificuldade: o requerente deve

obter uma autorização do seu próprio Estado de nacionalidade e assinar um documento

de promessa de reembolso; o Estado de nacionalidade reembolsa todas as despesas a

pedido do Estado que prestou assistência; o cidadão reembolsa o seu próprio Estado. Os

nacionais de certos Estados membros podem ser aconselhados a deixar o seu passaporte

a título de garantia ao Estado que presta assistência.

Segundo o Livro Verde, a solução para este problema poderia consistir em tratar

os dossiês de modo centralizado num serviço comum no país terceiro, o que

simplificaria as diligências administrativas descritas na Decisão 95/553/CE. Dessa

forma, a ação sugerida seria a simplificação dos procedimentos de adiantamentos

pecuniários.

2.5. O Consentimento das autoridades dos países terceiros

A aplicação do artigo 20 do Tratado CE pressupõe o consentimento dos países

terceiros.

Um princípio geral de direito internacional consiste na proteção de um cidadão

por outro Estado que não seja o de sua nacionalidade, desde que tenha o consentimento

do país terceiro.

Art. 8º da Convenção de Viena sobre Relações Consulares:

―Exercício de funções consulares por conta de terceiro Estado

Uma repartição consular do Estado que envia poderá, depois da

notificação competente ao Estado receptor e sempre que este não se

opuser, exercer funções consulares por conta de um terceiro Estado‖.

No mesmo sentido, os artigos 45, c) e 46 da Convenção de Viena sobre Relações

Diplomáticas dispõe sobre o assunto:

―Artigo 45 - Em caso de ruptura das relações diplomáticas entre dois

Estados ou se uma Missão e retirada definitiva ou temporariamente: c) o

Estado acreditante poderá confiar a proteção de seus interesses e dos de

seus nacionais a um terceiro Estado acreditado‖.

―Artigo 46 - Com o consentimento prévio do Estado acreditado e a

pedido de um terceiro Estado nele não representado, o Estado

acreditante poderá assumir a proteção temporária dos interesses do

terceiro Estado e de seus nacionais‖.

Page 35: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

368

O artigo 20 do Tratado CE prevê a obrigação dos Estados membros realizarem

as negociações internacionais necessárias para a matéria.

Essas negociações são possíveis por meio de acordos bilaterais com os países

terceiros63

, bem como atravez de acordos mistos, celebrados pela Comunidade e pelos

seus Estados membros, contendo cláusula(s)-tipo de consentimento da proteção

diplomática e consular comunitária. Por força dessa(s) cláusula(s) acordadas, os países

terceiros aceitariam que os cidadãos da União pudessem ser assistidos por qualquer dos

Estados membros acreditante em seu território.

Um exemplo citado pelo Livro Verde, como um modelo a ser seguido a longo

prazo, trata-se dos acordos de pesca, que constitui um caso específico, embora análogo,

sobre o apresamento dos navios de pesca que arvoram pavilhão de um Estado membro,

bem como a detenção do capitão e da tripulação. Assim, nos termos de alguns acordos

de pesca, as autoridades do país terceiro são obrigadas a informar a delegação da

Comissão Europeia no local, que exerce “um dever de protecção diplomática”64

,

perfeitamente observado no acórdão “Odigitria”65

.

Embora, não sendo possível utilizar o acórdão “Odigitria” como precedente na

referida matéria, ou seja, fora do contexto do acordo de pesca no âmbito do qual foi

proferido. No entanto, como foi dito pelo relatório do Livro Verde, a longo prazo,

poderá levantar-se a questão da aplicação deste dever de proteção diplomática se este

decorrer do exercício das competências comunitárias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cidadania da União trata-se de uma evolução do conceito de cidadania

tradicional, porém, com a característica integralista dos “povos da europa”, criada após

consecutivos conflitos armados, tanto que nos relatórios anteriores ao Tratado de

Maastricht, bem como aos atuais tratados, referem-se na união dos povos europeus para

os fins pacifícos, esquecendo-se o passado, os horrores provocados pelas guerras. Trata-

se de uma figura única atualmente, embora a longo prazo poderá servir de modelo para

as integrações regionais que estão a se desenvolver, sobretudo na União Africana e na

União Sul-Americana.

63

Estes acordos completam os previstos pela Decisão 88/384/CEE: ver ponto 3.1. 64

Por exemplo, o Acordo entre a Comunidade Económica Europeia e a República da Costa do Marfim

relativo à pesca (JO L 379 de 31.12.1990, p. 3). 65

Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 1995, processoT -572/93.

Page 36: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

369

Ao estabelecer direitos especiais ao cidadão da União, a integração europeia

passa a fortalecer o seu ramo político, principalmente após o sucesso da “experiência

integralista”, que como observamos iniciou-se no âmbito económico, bem como outras

“conquistas europeias” como a livre circulação de mercadorias, a adoção de uma moeda

única.

Assim, em relação ao direito de proteção diplomática em especial, podemos

considerar que o artigo 8º do atual Tratado da Comunidade Europeia, estabelece um

direito de proteção diplomático subsidiário, com o escopo de suprimir a inexistência de

uma proteção Estatal aos seus nacionais no território estrangeiro, e somente nesse caso.

Porém, para a sua efetivação, há a necessidade do consentimento dos países terceiros

em seus territórios, e como visto, de acordo com sugestões do Livro Verde, esse

requisito poderá ser sanado atravez de simples acordos, sejam eles bilaterais ou mistos.

Não se trata de direitos acabados, expressamente definidos nos Tratados da

União Europeia e no Tratado das Comunidades Europeias, mas sim de direitos especiais

elásticos, flexíveis, passíveis de fácil ampliação, e com o escopo principal de

concretizar o tão sonhado sentimento de paz entre os povos europeus, que segundo

Churchill: “NÓS NÃO COLIGAMOS ESTADOS, NÓS UNIMOS HOMENS”.

BIBLIOGRAFIA

BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. E Outros. O Brasil e os novos desafios do direito

internacional. Universidade do Texas, 2004,

CAMPOS, João Mota. Manual de direito comunitário: o sistema institucional, a ordem

jurídica, o ordenamento económico da União Europeia. 2ª Ed. 2008,

CAPORASO, James A. Changes in the Westphalian Order: Territory, Public Authority,

and Sovereignty. Source: International Studies Review, Vol. 2, No. 2, Continuity and

Change in the Westphalian Order (Summer, 2000), pp. 1-28. Published by: Blackwell

Publishing on behalf of The International Studies Association. Stable URL:

http://www.jstor.org/stable/3186426. Accessed: 15/04/2009 08:10,

CRAIG, Paul P. BÚRCA, Gráinne. EU law: text, cases, and materials. 4ª ed. Oxford

University Press, 2007,

Page 37: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

370

FERREIRA, Filipa Monteiro César. A Europa da União e da Diversidade: propostas

educativas para uma Cidadania Multicultural. Dissertação de Mestrado em Ciências da

Educação, Universidade do Porto, 2001,

GRINBERG, Keila. Código Civil e Cidadania. 2001,

KOSTAKOPOULOU, Theodora. Citizenship, identity, and immigration in the

European Union: between past and future. Manchester University Press, 2001,

LESSA, Antônio Carlos. A construção da Europa: A última utopia das relações

internacionais. IBRI, 2003,

LOBO, Maria Teresa de Cárcomo. Manual de Direito Comunitário - 50 Anos de

Integração - • A Ordem Jurídica • O Ordenamento Econômico • As Políticas

Comunitárias • O Tratado Constitucional – 3ª Ed. 2007,

MARTINS, Ana Maria Guerra. A natureza jurídica da revisão do tratado da União

Européia. Lisboa 2000,

MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Internacional Público. 3ª ed. Lisboa. 2006,

MOHINO, Juan Carlos Bayón. Ciudadanía, soberanía y democracia en el proceso de

integración europea. Anuario de Filosofia del Derecho – Núm. XXIV, Enero 2007,

Disponível em: http://vlex.com/vid/ciudadania-soberania-democracia-integracion-

42886186,

MORAIS, Fatima Rodrigues. As repercussões da Cidadania Europeia sobre o direito da

nacionalidade dos Estados membros. Lisboa, 2002,

MOURA, Aline Beltrame. Cidadania Europeia: Uma ponte entre a Europa dos

Mercados e a Europa dos Cidadãos. Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível

em: http://www.insieme.com.br/portal/conteudo.php?sid=247&parent=247. Acesso em:

25 de junho de 2009,

Page 38: A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA EUROPEIA E A …centrodireitointernacional.com.br/static/revistaeletronica/volume7/... · Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção

371

PIERNAS, Carlos Jimenez. La protección diplomática y consular del ciudadano de la

Unión Europea. Revista de Instituciones Europeas, Madrid, v.20n.1(Enero-Abr. 1993),

p.9-51,

QUADROS, Fausto. Direito da União Européia. Almedina. 2004,

RABKIN, Jeremy A. Porque é que a Cidadania Supranacional é uma má Ideia

(Portuguese translation of "Why Supranational Citizenship is a Bad Idea") in Cidadania

e Novos Poderes Numa Sociedade Global ("Citizenship and Powers in Global Society")

Fundação Gulbenkian, 2000,

REBELO, Marta. O momento constitucional e a legitimidade democrática da União

Européia. FDUL. 2003,

SANTOS, António Belo. Os direitos de livre circulação e o estatuto da União Europeia.

Relatório de mestrado – FDUL. Lisboa, 2000,

SILVA, Ana Margarida Perrolas de Oliveira. União Europeia: Cidadania e Imigração.

“As Sociedades Nacionais perante os Processos de Globalização”. Dissertação de

Mestrado em Sociologia. Universidade de Coimbra, 2000,

SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 2ª ed. Universidade do Texas.

2002,

SOUSA, Marcelo Rebelo. A cidadania europeia - nível de concretização dos direitos,

possibilidade de alargamento e suas implicações. in AAVV, Em torno da revisão do

Tratado da União Europeia, Coimbra, Almedina, 1997, pp. 119-129,

TAVOLARO, Lília Gonçalvez Magalhães. Dilemas da globalização na Europa

unificada. São Paulo, 2005,

ZORGBIBE, Charles. Histoire de la Construction Européenne. Presses Universitaires

De France – PUF. 2ª ed. 1993,