os princÍpios da aplicabilidade direta e do...

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* Mestranda em Direito Internacional pela PUC-MINAS. Bacharel em Direito pela UFMG e Bacharel em Relações Internacionais pela PUC-MINAS. * Bacharel em Direito pela Universidade FUMEC. Assistente judiciário no TJMG, 14a Câmara Cível. OS PRINCÍPIOS DA APLICABILIDADE DIRETA E DO PRIMADO DO DIREITO COMUNITÁRIO: Um estudo comparativo entre o Mercosul e a União Europeia a partir da noção de Supranacionalidade THE PRINCIPLES OF DIRECT APPLICABILITY AND OF THE SUPREMACY OF THE COMMUNITY LAW: A comparative study between the Mercosur and the European Union from the notion of Supranationality Luiza Diamantino Moura * Lais Alves Camargos * RESUMO A pretensão do trabalho é demonstrar que a forma pela qual o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) que se encontra estruturado, em moldes intergovernamentais, afasta a possibilidade de se tornar uma comunidade de nações. Assim, foi realizado um estudo comparativo entre a União Europeia e o Mercosul a partir dos princípios de Aplicabilidade Direta e do Primado para explicar o porquê, ao contrário do União Europeia, o Mercosul não se configura como organização supranacional, comunitária. Em um primeiro momento, portanto, é apresentado o projeto de integração europeu, com suas instituições e princípios sob os quais o ordenamentos jurídico comunitário se fundamenta. Feito isso, em um segundo momento a União Europeia é contraposta à estrutura institucional e jurídica do Mercosul, levando à conclusão de que este bloco pode ser tratado apenas enquanto Direito Internacional elaborado em moldes regionais, mas não enquanto Direito Comunitário. PALAVRAS-CHAVE: Direito Comunitário; Aplicabilidade Direta; Primado; Supranacionalidade; Mercosul. ABSTRACT The work`s aim is to demonstrate that the way in which the “Mercado Comum do Sul” (MERCOSUR) is structured, on intergovernmental molds, pushes away the possibility of becoming a nation’s community. Thus, we conducted a comparative study between the European Union and Mercosur basing on the principles of the Primacy and Direct Applicability to explain why, unlike the European Union, Mercosur is not a supranational or community organization. In a first moment, therefore, is presented the European integration project, with its institutions and principles under which the community legal frameworks is based. Once this is done, in a second moment the European Union is opposed to the legal and institutional structure of Mercosur, leading to the conclusion that the group can only be treated as International Law in regional templates, but not as Community Law. KEYWORDS: Community Law; Direct Applicability; Supremacy; Supranationality; Mercosur.

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* Mestranda em Direito Internacional pela PUC-MINAS. Bacharel em Direito pela UFMG e Bacharel em Relações Internacionais pela PUC-MINAS. * Bacharel em Direito pela Universidade FUMEC. Assistente judiciário no TJMG, 14a Câmara Cível.

OS PRINCÍPIOS DA APLICABILIDADE DIRETA E DO PRIMADO DO

DIREITO COMUNITÁRIO: Um estudo comparativo entre o Mercosul e a União

Europeia a partir da noção de Supranacionalidade

THE PRINCIPLES OF DIRECT APPLICABILITY AND OF THE SUPREMACY OF THE

COMMUNITY LAW: A comparative study between the Mercosur and the European Union from the

notion of Supranationality

Luiza Diamantino Moura*

Lais Alves Camargos*

RESUMO A pretensão do trabalho é demonstrar que a forma pela qual o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) que se encontra estruturado, em moldes intergovernamentais, afasta a possibilidade de se tornar uma comunidade de nações. Assim, foi realizado um estudo comparativo entre a União Europeia e o Mercosul a partir dos princípios de Aplicabilidade Direta e do Primado para explicar o porquê, ao contrário do União Europeia, o Mercosul não se configura como organização supranacional, comunitária. Em um primeiro momento, portanto, é apresentado o projeto de integração europeu, com suas instituições e princípios sob os quais o ordenamentos jurídico comunitário se fundamenta. Feito isso, em um segundo momento a União Europeia é contraposta à estrutura institucional e jurídica do Mercosul, levando à conclusão de que este bloco pode ser tratado apenas enquanto Direito Internacional elaborado em moldes regionais, mas não enquanto Direito Comunitário. PALAVRAS-CHAVE: Direito Comunitário; Aplicabilidade Direta; Primado; Supranacionalidade; Mercosul. ABSTRACT The work`s aim is to demonstrate that the way in which the “Mercado Comum do Sul” (MERCOSUR) is structured, on intergovernmental molds, pushes away the possibility of becoming a nation’s community. Thus, we conducted a comparative study between the European Union and Mercosur basing on the principles of the Primacy and Direct Applicability to explain why, unlike the European Union, Mercosur is not a supranational or community organization. In a first moment, therefore, is presented the European integration project, with its institutions and principles under which the community legal frameworks is based. Once this is done, in a second moment the European Union is opposed to the legal and institutional structure of Mercosur, leading to the conclusion that the group can only be treated as International Law in regional templates, but not as Community Law. KEYWORDS: Community Law; Direct Applicability; Supremacy; Supranationality; Mercosur.

1 INTRODUÇÃO

A Constituição brasileira de 1988 inaugura um novo período da história do

país, uma vez que incorpora ao ordenamento jurídico uma gama de direitos individuais

e sociais, garante a democracia e o pluralismo e apregoa por uma sociedade mais justa,

livre e humana.

Nesse sentido, tema que é constantemente lembrado e trabalhado em se tratando

da ordem constitucional brasileira é dos fundamentos do Estado Democrático de

Direito, inaugurado há 25 anos, e que se encontram no artigo 1º do texto constitucional,

quais sejam, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais

do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Contudo, o artigo 4º da

Constituição Federal também traz princípios fundamentais a serem observados na

condução da política brasileira, e que muitas vezes são esquecidos, não obstante sua

grande importância para a própria compreensão dos objetivos do Estado.

Com efeito, de acordo com o artigo 4º da Constituição brasileira,

A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - não-intervenção; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo político. Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações. (BRASIL, 1988).

Assim, o artigo 4º da Carta de 1988 traz princípios que devem obrigatoriamente

ser observados quando o Estado brasileiro se relacione com outros atores no sistema

internacional, sejam estes atores outros Estados ou organizações internacionais. Esta

disposição ganha especial relevância no mundo globalizado, em que a agenda

internacional interfere em grande medida na agenda interna dos Estados, e em que os

Estados são levados a buscar a concretização de seus interesses nos fóruns e organismos

internacionais. Não se pode, portanto, pensar no Estado brasileiro isolado de sua

existência internacional, ao contrário, é importante situá-lo no contexto de suas relações

internacionais para deslumbrar se os objetivos constantes do texto constitucional estão

sendo realizados.

De fato, José Afonso da Silva (2012) identifica quatro inspirações no rol

constitucional dos princípios ordenadores das relações internacionais:

(a) uma nacionalista, nas ideias de independência nacional (inciso I), de autodeterminação dos povos (inciso III), de não-intervenção (inciso IV) e de igualdade entre os povos (inciso V); (b) outra internacionalista, nas ideias de prevalência dos direitos humanos (inciso II) e de repúdio ao terrorismo e ao racismo (inciso VIII); (c) uma pacifista, nas ideias de defesa da paz (inciso VI), de solução pacífica de conflitos (Inciso VII) e na concessão de asilo político (inciso X); (d) uma orientação comunitária, nas ideias de cooperação entre os povos para o progresso da Humanidade (inciso IX) e na formação de uma comunidade latino-americana (parágrafo único). (SILVA, 2012, p. 52).

O que nos interessa neste artigo é justamente esta orientação comunitária, mais

especificamente a formação de uma comunidade latino-americana de nações, prevista

no parágrafo único do artigo 4º, e à qual o princípio de cooperação com vistas ao

progresso da humanidade está diretamente relacionado.

De fato, quando se fala em integração dos povos da América Latina, visando à

formação de uma comunidade latino-americana de nações, não se trata de simples

faculdade, mas de um mandamento constitucional a ser cumprido pelo Estado brasileiro.

Assim, o Estado brasileiro “Buscará a integração” enquanto objetivo colocado pela

Constituição dirigente. Neste sentido é a lição de Rosemiro Pereira Leal, Allan Helber

de Oliveira, Gustavo Gomes França e Juventino Gomes Miranda Filho (2001):

Conforme se pode depreender do texto transcrito [da Constituição], a República Federativa do Brasil não somente tem autorização legal, mas a tarefa inescusável criada por norma de estatura máxima, de buscar a integração, de forma abrangente, dos povos da América Latina, não fulcrada em objetivos aleatórios ou anelando a integração em si e por si, porém visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações. (LEAL et al, 2001, p. 101).

Além disso, formar uma comunidade de nações ultrapassa o sentido de uma

comunidade de Estados, na medida em que o que se pretende é uma convivência

econômica, política, social e cultural dos povos latino-americanos. Em uma

comunidade, portanto, as soberanias estatais são flexibilizadas ao máximo para a

criação de um espaço supranacional ou comunitário, que pressupõe uma solidariedade e

integração que: “(...) permite formar uma vontade política, de criar uma legislação

comum, de assegurar a gestão dos interesses comuns, enfim, de ajustar os litígios

sociais com base em uma jurisdição obrigatória, investida de uma vocação geral”.

(PESCATORE apud TRINDADE, 1972, p. 46, tradução nossa) 1.

Pensar em processo de integração conduzido pelo Brasil na América Latina

significa pensar no Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). Com efeito, “consolidado

o Mercado Comum do Sul, poderá ser este vislumbrado como o embrião de uma

Comunidade de proporções ainda mais significativas, criada para a inserção da América

Latina, como bloco coeso, (...) na comunidade internacional” (LEAL et al, 2001, p.

110).

O Mercosul é um projeto de integração que vem se desenvolvendo desde 1985

a partir de iniciativas de Brasil e Argentina, e que tem se pautado pelo modelo de

integração da União Europeia, o mais antigo projeto de integração regional e o único a

ter alcançado o status de espaço comunitário, de modo que muitas decisões passaram a

ser tomadas não mais a nível interno, mas num viés europeu, indicando uma grande

confluência dos interesses dos países em fortalecer o bloco.

Tendo em vista o modelo europeu o que se observa é que para se alcançar um

nível de integração comunitário, supranacional, é preciso trabalhar primeiro o âmbito

econômico, para depois poder partir para o âmbito político e social e, por fim, cultural.

Assim, um substrato de equilíbrio econômico entre os participantes do bloco é essencial

para a formação de uma comunidade de nações, como se delineia das etapas de

integração regional ensaiadas pela Europa, que primeiro instituiu uma União Econômica

e Financeira2 (passando por União Aduaneira3 e Mercado Comum4) para só depois dar

início a uma União Política5 – como se verá a seguir.

Ainda, construiu-se paralelamente um Direito Europeu de molde comunitário,

com a construção de princípios que foram agregados ao processo de integração e

contribuíram para o desenvolvimento de uma supranacionalidade, no que se pode

1 “(...) permet de former une volunté politique, de créer une législation commune, d’assurer la gestion des intérêts comuns, enfin, de régler le contentieux social sur la base d’une jurisdiction obligatoire, investie d’une vocation générale”. (PESCATORE apud TRINDADE, 1972, p. 46). 2 Na etapa de União Econômica e Financeira existe a coordenação macroeconômica entre os membros, inclusive monetária e cambial. 3 Na União Aduaneira não apenas existe uma tarifa comum aperada dentro do bloco, mas existe uma Tarifa Externa Comum a ser praticada com terceiros Estados que negociarem com os membros do bloco. 4 No Mercado Comum existe uma tarifa comum interna ao bloco, existe uma Tarifa Externa Comum e também uma harmonização da política comercial e livre circulação de mercadorias, serviços, capitais e pessoas. 5 No estágio de União Política as instituições domésticas, a nível nacional, passam a ser projetadas a nível supranacional. Existe um parlamento, uma política externa e de segurança comum, etc.

destacar a importância dos princípios da Aplicabilidade Direta e do Primado do Direito

Comunitário. “Neste sentido, uma real integração somente ocorrerá com a existência de

um direito supranacional”. (LEAL et al, 2001, p. 110).

Isto posto, apesar do projeto Mercosul tentar replicar o modelo de integração

europeu com vistas à formação de uma comunidade latino-americana de nações, tal

como previsto no artigo 4º da Constituição Federal brasileira, tem-se que o Mercado

Comum do Sul ainda não superou a etapa de integração econômica e ainda se encontra

longe de alcançar o status de espaço supranacional, o que nos parece reflexo da

estrutura jurídico-normativa do Mercosul, construída nos moldes do Direito

Internacional e não de um Direito Comunitário.

Assim, o objetivo deste artigo é demonstrar o porquê do Mercosul não poder ser

considerado uma comunidade de nações, indicando, portanto, que o Brasil ainda não

conseguiu efetivar o dispositivo do parágrafo único do artigo 4º de seu texto

constitucional. Para tanto, será feito um estudo comparativo entre União Europeia e

Mercosul, apresentando o histórico e estrutura destas organizações regionais, e focando

nos princípios do Efeito Direto e do Primado do Direito Comunitário como elementos

decisivos para a determinação da natureza supranacional destes blocos regionais.

2 A UNIÃO EUROPEIA

Diversas iniciativas de integração regional têm sido observadas em todas as

partes do mundo nos últimos anos, abrangendo África, Ásia e Américas, mas o exemplo

mais bem sucedido de integração continua sendo o projeto europeu, cujo estágio

alcançado hoje é representado pela União Europeia (UE). Com efeito, o projeto de

integração europeu vem sendo construído com o passar dos anos, agregando novos

países e instituições, e foi o único a atingir patamares comunitários, de modo que

continua o modelo a ser seguido quando de fala em Integração Regional 6.

6 A Integração Regional pressupõe dois conceitos centrais: o regional e a integração. A integração é um processo dinâmico de intensificação da profundidade e abrangência dos vínculos entre os atores de forma a gerar mecanismos de governança nas mais variadas áreas temáticas (social, cultural, política, econômica etc.). Em se tratando da Integração Regional, portanto, os mecanismos de governança político-institucionais, sociocultural e/ou econômica serão de escopo regional.

O processo de integração europeia compreende diferentes instituições e

organizações regionais, que culminaram na União Europeia. Se a ideia de integração na

Europa tem origens históricas distantes, ainda no século XIX e no contexto do

Congresso de Viena (1815), somente mais tarde, no século XX, deixará o campo das

propostas e terá efeitos concretos.

2.1 Histórico e Instituições da União Europeia

Pode-se identificar que a integração europeia tem realmente início com a

criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) pelo Tratado de Paris, de

18 de abril de 1951, englobando Alemanha, França, Itália, Bélgica, Holanda e

Luxemburgo, e cuja motivação era não somente econômica, mas sobremaneira a

formação de uma comunidade de segurança por meio do controle de recursos

estratégicos.

Por sua vez, os Tratados de Roma de 25 de março de 1957 criam a

Comunidade Econômica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia de Energia Atômica

(EURATOM). Já em 1965 as três comunidades criadas até então são unificadas através

de um Tratado de Fusão, que cria um Conselho e uma Comissão únicos.

O Ato Único Europeu, de 1986, traça as metas para a conclusão do mercado

comum e traz reformas institucionais, impulsionando a integração. A integração

culmina então com a criação da União Europeia em 1993, resultado do Tratado de

Maastricht.

Dentre os principais órgãos da União Europeia pode-se identificar o Conselho

da União Europeia, a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu, Tribunal de Contas e

o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.

Acerca do Parlamento Europeu, pode-se dizer que representa o poder

legislativo, orçamentário e de controle democrático sobre as outras instituições da UE.

Fato é que o Parlamento é que participa plenamente do poder de decisão da União

Europeia, inclusive sobre o orçamento. Este é o único órgão da União Europeia em que

os representantes são eleitos pelo voto direto e ainda “Qualquer cidadão da União

Europeia residente em um dos Estados-membros tem o direito de voto e de

elegibilidade” (RAMOS; MARQUES; DE JESUS, 2009, p. 36). Frisa-se ainda que as

decisões do Parlamento Europeu podem ser recomendatório ou obrigatório, a depender

da área temática.

No que tange à Comissão Europeia, exerce função em dois sentidos. Do lado

legislativo tem iniciativa da proposição de leis, e enquanto executivo é encarregado de

implementar a legislação e as decisões. (LEAL et al, 2001).

É a Comissão, na figura de seu Presidente, quem representa a União Europeia em suas relações internacionais e nas negociações de acordos com terceiros. Assim, a Comissão apresenta uma natureza executiva e busca a defesa dos interesses da União como um conjunto. (RAMOS; MARQUES; DE JESUS, 2009, p. 37-38).

Com relação ao Conselho da União Europeia, principal órgão legislativo e de

decisão, importa salientar que é responsável por negociar as propostas de ação para o

bloco e que, na maior parte do tempo, funciona como um fórum de discussão das

respostas dos governos dos Estados às propostas da Comissão. (RAMOS; MARQUES;

DE JESUS, 2009).

As atribuições do Conselho aumentaram à medida que a esfera de ação da União se alargou. No interior das suas estruturas formais em evolução, desenvolveu as suas próprias tradições, regras, hábitos e práticas de trabalho informais. Muitas vezes retratado erroneamente como a componente “intergovernamental” da estrutura institucional inédita da União Europeia, o Conselho é em primeiro lugar e acima de tudo uma instituição supranacional. O Conselho é o primeiro órgão de decisão da União e atua como órgão coletivo quando defende os seus interesses e prerrogativas perante as outras instituições da UE, ou os interesses da União face ao mundo exterior. Em muitos casos, toma decisões por maioria ou por maioria qualificada dos seus membros. Ao mesmo tempo, é a instância onde os interesses dos governos dos Estados-Membros podem legitimamente exprimir-se e são arbitrados no processo decisório da União. (COMUNIDADES EUROPEIAS, 2008, p. 6).

O Parlamento Europeu, a Comissão e o Conselho são órgãos que podem ser

ditos supranacionais, podendo expedir normas de caráter obrigatório para os membros

da comunidade europeia, sem a necessidade de unanimidade das decisões, de modo que

mesmo os Estados contrários a uma decisão serão obrigados a respeitá-la. Tanto

Parlamento (em conjunto com o Conselho), quanto o Conselho e a Comissão podem

expedir regulamentos, normas de caráter geral, obrigatórias e que devem ser

diretamente aplicadas. Ao Parlamento e ao Conselho, tomando em conjunto decisões de

cunho comunitário, “incumbiria o dever de manter a integridade da União Europeia,

zelando pelas normas de Direito Comunitário e primando pelo respeito aos princípios

sob os quais a UE se edificou”. (GOMES NETO, 2001, p. 38-39).

O Tratado da Comunidade Europeia, alterado pelo Tratado de Maastricht, de 1992, [que] oferec[e] autonomia aos órgãos comunitários – Conselho da União Europeia, Comissão das Comunidades Europeias e ao Parlamento Europeu – para legislarem acerca dos assuntos de interesse comunitário, por meio de decisões, regulamentos, diretivas, recomendações e outros atos, sendo que as determinações originárias das instituições acima, de acordo com seu conteúdo e forma, são geradoras da norma supranacional. (GOMES NETO, 2001, p. 81).

Quanto ao Tribunal de Contas, sua principal função é verificar a execução do

orçamento da Comunidade. Assim, é ele o responsável pela verificação da regularidade

e legalidade das receitas e despesas da União Europeia, tendo também como função

primordial a prestação de assistência ao Parlamento e ao Conselho, cabendo emitir

relatório anual sobre o exercício financeiro precedente.

Por fim, o Tribunal de Justiça é o órgão de função judiciária e possui grande

amplitude de atuação, trabalhando como guardião do respeito ao Direito Comunitário e

promotor da harmonização legislativa, podendo funcionar ainda como um tribunal

internacional, intervindo nos casos de litígios entre os Estados membros, ou ainda como

tribunal constitucional, cabendo a ele fiscalizar a legalidade dos atos adotados pelas

instituições da UE. (RAMOS; MARQUES; DE JESUS, 2009).

Formidável a respeito do Tribunal de Justiça é que “A efetividade da

integração econômica se fez na Europa graças ao trabalho dos juízes do TJCE. Este

Tribunal, do ponto de vista institucional, tem competência supranacional, a qual é

condição fundamental da integração e do exercício pleno dos direitos subjetivos”.

(LEAL et al, 2001, p. 109).

“É de extrema importância destacar que o respeito a suas decisões – acórdãos –

e a estabilidade destes, perante os Estados-membros, reforçam o sentimento

integracionista europeu, o respeito à supranacionalidade da norma e o Direito

Comunitário”. (GOMES NETO, 2001, p. 71). Isto faz sentido na medida em que

As decisões do TJ, em primeiro lugar, aprofundaram os princípios e as regras de Direito Comunitário, inclusive compreendendo que eram dotados de normatividade, mesmo quando não expressamente previstos. Os limites de princípios como o da aplicabilidade direta e primado, por exemplo, foram caracterizados por importantes decisões do Tribunal Comunitário. (LEAL et al, 2001, p. 58).

Ainda, “Para diminuir a sobrecarga do Tribunal de Justiça, foi criado, em 1988,

um Tribunal de Primeira Instância. Este Tribunal, também é composto por um juiz de

cada Estado membro da União e tem competência para proferir sentenças em

determinadas categorias de processos”. (RAMOS; MARQUES; DE JESUS, 2009, p.

39).

Além desses, outros órgãos podem ser ditos essenciais para que a União

Europeia realize suas atividades, tais quais o Comitê Econômico e Social (CES), o

Comitê das Regiões (CdR), o Provedor de Justiça Europeu (Ombudsman), o Banco

Europeu de Investimento (BEI) e o Banco Central Europeu (BCE).

Quanto ao Banco Central Europeu destaca-se seu papel de condutor da política

monetária comum, que passou a ser supranacional com a constituição da Zona do Euro

em 1998 (embora Reino Unido e Dinamarca tenham decidido pela não participação).

Esse movimento indica a passagem para uma União Monetária e Econômica, algo até

então sem precedentes na história mundial.

O Euro entra em circulação em 2002, impactando diretamente a vida da

população e com apreensão inicial geral.

A aceitação do euro por parte da população não foi livre de controvérsias, e a propaganda para sua introdução foi cuidadosamente planejada pela Comissão, inclusive com estratégias diferentes para cada país. [...] No entanto, à medida que os ganhos econômicos decorrentes da eliminação de gastos com conversões e a facilidade do manuseio em viagens de negócios e turismo foram sendo percebidos, a população foi se identificando com a nova moeda. (HERZ; HOFFMANN, 2004, p. 193).

Ao lado da ampliação para uma integração econômica e monetária houve a

preocupação em resolver os problemas logísticos advindos do aumento significativo do

número de membros da União Europeia. Se a integração europeia se inicia em 1951

com 6 membros, em 2004 contava com 25 membros, e hoje compreendem 27 países e 6

candidatos à inclusão7. Assim, o Tratado de Nice de 2001 trouxe reformas institucionais

para a ampliação da integração, além de ter sido anexada a Declaração de Laeken, que

convocava uma Convenção para se discutir o futuro da UE.

Esta Convenção, cujos trabalhos foram realizados de março de 2002 à julho de

2003, foi concluída com a aprovação do “Projeto de Tratado que institui uma

Constituição para a Europa”. A primeira Constituição para a Europa unificada, assinada

no dia 29 de outubro de 2004, em Roma, acabou fracassando por não ter sido ratificado

em todos os países-membros. Não ratificada, não entrou em vigor, e a solução

encontrada foi a elaboração de um novo tratado, que acabou por implementar alguns

pontos centrais do projeto constitucional. Trata-se do Tratado de Lisboa. 7 Países membros podem ser visualizados em: http://europa.eu/about-eu/countries/index_pt.htm

Os 27 Estados-Membros da UE assinaram o Tratado de Lisboa, que modifica os Tratados anteriores. O seu objectivo é aumentar a democracia, a eficácia e a transparência da UE e, deste modo, torná-la capaz de enfrentar desafios globais tais como as alterações climáticas, a segurança e o desenvolvimento sustentável. O Tratado de Lisboa é ratificado por todos os países da UE antes de entrar em vigor a 1 de dezembro de 2009. (A HISTÓRIA..., 2013).

O Tratado de Lisboa reforça a atuação da União Europeia nos âmbitos interno

e externo, buscando conferir maior coerência e visibilidade quanto às políticas

europeias.

O Tratado de Lisboa reforma as instituições e melhora o processo de decisão da UE; reforça a dimensão democrática da UE; reforma as políticas internas da UE; reforça a política externa da UE. O Tratado de Lisboa procura ainda clarificar e melhorar o funcionamento da UE. (...) Para além disso, o Tratado de Lisboa torna o funcionamento da UE mais flexível. Instaura várias cláusulas institucionais que visam facilitar a construção europeia em determinados domínios políticos. A aplicação de cooperações reforçadas entre os Estados-Membros é também melhorada. (TRATADO...., 2013).

Ainda, um dos objetivos deste Tratado é empreender um reforço da democracia

europeia, com vistas a melhorar a legitimidade das decisões e levar a uma aproximação

dos cidadãos da União Europeia. Para tanto, tem-se um reforço dos poderes do

Parlamento Europeu e a criação da “Iniciativa de cidadania”, permitindo aos cidadãos

uma participação mais ativa da construção europeia de integração. (TRATADO...,

2013).

Assim, cada qual com sua função, todos esses órgãos e tratados contribuíram

para que a União Europeia se tornasse “o principal fórum para o exercício da política na

Europa, tanto no nível de suas atividades internas quanto externas”. (HERZ;

HOFFMANN, 2004, p. 192). “De fato a UE passou a ser cada vez mais vista não apenas

como um fórum de negociações para seus Estados-parte, mas como um ator da política

internacional, ganhando representação em outros fóruns e organizações internacionais”.

(HERZ; HOFFMANN, 2004, p. 194).

As reformas institucionais com vistas a aumentar a legitimidade democrática

da UE, inclusive com o Tratado de Paris, com a crescente politização do processo de

integração, e a incorporação do Acordo de Schengen pelo Tratado de Amsterdã (1997),

eliminando os controles fronteiriços e levando à implementação da liberdade de

circulação de pessoas no âmbito da União Europeia, também contribuíram “para o

desenvolvimento de uma nova percepção de participação em uma coletividade entre os

cidadãos europeus” (HERZ; HOFFMANN, 2004, p. 187-188).

Nesse sentido, pode-se falar na construção de uma identidade europeia com o

desenvolvimento do projeto de integração europeu. Ainda não é possível falar em uma

identidade única europeia, mas pode-se perceber que a população “se encontra dividida

entre cidadania e identidade nacional e europeia” (HERZ; HOFFMANN, 2004, p. 198).

A existência de fronteiras sociais - e mesmo culturais - na Europa ainda dificulta essa

“harmonização” identitária, mas é inegável que na União Europeia além do nível

nacional existe uma identificação com o “ser europeu” 8. O processo de integração,

assim, sai do nível meramente econômico para expandir sobre os setores político e

também social e cultural.

Ante o exposto tem-se que a formação da União Europeia implica o

desenvolvimento de um espaço político e econômico supranacional, inclusive com a

criação de um Banco Central Europeu e a tentativa de uma Constituição Europeia, que

se materializa em um Tratado. Tem-se a criação de uma moeda europeia, o euro. Tem-

se a preocupação com a segurança, com uma Política Comum de Segurança e Defesa.

Tem-se o desenvolvimento de um Direito Europeu Comunitário, inclusive com o

desenvolvimento, pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, de princípios

basilares em sua jurisprudência, essenciais para o caráter supranacional da integração

europeia.

Assim, pode-se dizer que a União Europeia é uma organização supranacional

fundada em tratados internacionais, e cuja supranacionalidade se manifesta nas

instituições comunitárias, independentes diante dos governos nacionais e dotadas de

poder para tomar decisões, com base em maioria, e, finalmente, pelo fato de o poder

normativo das instituições se aplicar a Estados e indivíduos. Ainda, “a ideia de

supranacionalidade implica a assertiva de que o Direito Comunitário tem autonomia e

identidade próprias” (LEAL et al, 2001, p. 137), reflexo em grande medida da

construção de princípios específicos, dentre os quais destacamos o princípio da

Aplicabilidade Direta e o do Primado do direito europeu sobre o direito nacional, tal

como se verá a seguir.

8 Isso pode ser percebido mesmo na presente crise mundial. A crise de 2008 mostrou e ainda mostra efeitos perversos na economia europeia, e mesmo assim a maioria da população ainda se coloca a favor do euro e da manutenção da integração. “Uma minoria agressiva [que] está reivindicando a abolição do Euro e da União Europeia” (SCHWARZ, Peter. As origens da crise do Euro – parte 2. 1 mar. 2012. Disponível em: http://www.wsws.org/pt/2012/mar2012/pteu-m01.shtml. Acesso em: 01 mar. 2013).

2.2 Os Princípios da Aplicabilidade Direta e do Primado no Direito Comunitário

Europeu

A constitucionalização do ordenamento jurídico europeu se dá em grande

medida com o desenvolvimento dos princípios fundamentais de natureza comunitária,

que refletem a evolução de um Direito da União Europeia. Dentre eles pode-se

encontrar o princípio Democrático - que coloca a democracia como elemento essencial

da ordem jurídico-política da União Europeia, que se estrutura em Estados

Democráticos de Direito -, o princípio da Reciprocidade - que implica correspondência

mútua entre os Estados da Comunidade -, o princípio da Coesão Econômica e Social -

que dita como missão comunitária a realização de desenvolvimento harmonioso na

Comunidade -, o princípio da Proporcionalidade - que permite que o necessário seja

feito para atingir os objetivos da Comunidade sem excessos - e o princípio geral da

Subsidiariedade - que pressupõe que a UE só deve intervir caso seja extremamente

necessário para atingir seus objetivos e o Estado Membro não esteja em condições de

fazê-lo9.

Neste trabalho, contudo, o foco está sobre dois princípios considerados chave

para compreender o caráter supranacional da União Europeia, o “Princípio do primado,

elemento de conformação da juridicidade comunitária, e o princípio da aplicabilidade

direta, criador de identidade própria da ideia de normatividade comunitária”. (LEAL et

al, 2001, p. 116). Com efeito, a afirmação da aplicabilidade direta e do primado do

ordenamento comunitário alterou o perfil comunitário de maneira substancial, tendo-o

despertado para a questão do controle de legalidade dos atos comunitários em casos de

violação dos direitos fundamentais, implicando na padronização do ordenamento

jurídico europeu. (SOARES, 2000).

O princípio do Primado significa a prevalência do Direito Comunitário sobre

todo o Direito nacional dos países membros, de modo que a legislação interna que for

divergente é afastada pelo Direito Comunitário. Trata-se, portanto, de uma situação de

superioridade hierárquica das normas comunitárias em relação às normas nacionais dos

Estados-membros. (LEAL et al, 2001).

9 Os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade implicam que a UE só possa legislar se se apurar que uma ação a nível da UE é mais eficaz do que uma ação a nível nacional, regional ou local, devendo essa ação limitar-se ao estritamente necessário para obter os objetivos pretendidos. (COMO TRABALHA..., 2012).

O primado do Direito Comunitário é o primeiro corolário da delegação de poderes soberanos pelos Estados-Membros, que aceitam, nas matérias concernentes ao aludido poder soberano, a primazia da ordem jurídica comunitária sobre os direitos estatais. Este princípio afirma a supremacia de uma norma comunitária (em cuja produção, geralmente, influenciam interesses nacionais dos Estados) sobre uma norma estatal. (SOARES, 2000, p. 229).

O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias teve papel relevante quanto

ao desenvolvimento do princípio do Primado, tendo o mesmo sido consagrado no

acórdão Costa vs. Enel, de Julho de 1964, no qual se declarou que o direito advindo das

instituições europeias se integra nos sistemas jurídicos dos Estados-Membros, que são

obrigados a respeitá-lo. De fato, “Apesar de o artigo 10 (numeração atual) do TCE dar

ocasião à compreensão do princípio do primado, foi o TJ quem lhe conferiu identidade e

promoveu sua afirmação (...)”. (LEAL et al, 2001, p. 138).

O direito europeu tem assim o primado sobre os direitos nacionais. Deste modo, se uma regra nacional for contrária a uma disposição europeia, as autoridades dos Estados-Membros devem aplicar a disposição europeia. O direito nacional não é nem anulado nem alterado, mas a sua força vinculativa é suspensa. (...) Na medida em que o direito europeu passa a prevalecer sobre o direito nacional, o princípio do primado garante assim uma proteção uniforme dos cidadãos em todo o território da UE, através do direito europeu. (...) Compete também aos juízes nacionais fazer respeitar o princípio do primado. Estes podem, se necessário, recorrer à decisão prejudicial em caso de dúvida sobre a aplicação do princípio. Num acórdão de 19 de Junho de 1990 (Factortame), o Tribunal de Justiça declarou que um órgão jurisdicional nacional, no âmbito de uma questão prejudicial sobre a validade de uma norma nacional, deve suspender de imediato a aplicação da referida norma, na pendência da solução preconizada pelo Tribunal de Justiça, bem como da sentença que o órgão jurisdicional proferir sobre a questão quanto ao mérito. (O PRIMADO..., 2010).

O princípio do Primado do Direito Comunitário veda a possibilidade de

situações de ambiguidade com relação a qual norma aplicar, se interna ou comunitária,

assim, conduz necessariamente à noção de aplicabilidade direta. Explica-se.

No que diz respeito ao princípio da Aplicabilidade Direta, corresponde à

possibilidade de aplicação do Direito Comunitário sem a necessidade de qualquer ato de

transposição para a legislação nacional, garantindo assim a eficácia do Direito europeu

dento do bloco. Nas palavras de Rosemiro Pereira Leal e outros (2001),

A aplicabilidade direta é o princípio por meio do qual determinadas normas de Direito Comunitário ingressam na ordem jurídica dos Estados-membros, para fins de atribuir direitos e impor deveres aos sujeitos destinatários, de

forma autônoma, independentemente de recepção do direito nacional. (LEAL et al, 2001, p. 147).

O princípio da Aplicabilidade Direta é expressamente reconhecido nos Tratados

da União Europeia, estando consignado no atual art. 249 do Tratado de Roma,

consistindo na imediata entrada em vigor dos regulamentos na ordem interna dos

Estados-membros. (LEAL et al, 2001, p. 148). Ainda, “A ideia de aplicabilidade direta

traz ínsita a ruptura com o paradigma do Direito Internacional Público, por meio do qual

a norma internacional depende de ratificação do Estado para que haja a recepção pelo

direito doméstico (...)”. (LEAL et al, 2001, p. 148). Tem-se, portanto, a subversão da

lógica tradicional das relações internacionais, o que contribui em larga medida para a

configuração de um Direito Comunitário.

Em decorrência do princípio da Aplicabilidade Direta os tribunais nacionais

também se vinculam ao Direito Comunitário, trazendo a possibilidade de particulares

invocarem normas comunitárias perante a jurisdição dos Estados. Assim, em estreita

relação com este princípio encontra-se o princípio do Efeito Direto, pelo qual um

particular pode invocar a aplicação de uma norma comunitária independentemente da

transposição desta norma para o Direito interno de seu país.

Diferentemente do princípio do Primado, que sujeita todos os atos estatais,

independente de sua natureza (lei, portaria, circular, regulamento, despacho), a

aplicabilidade direta diz respeito apenas a determinados atos, estando inclusive, sujeito a

várias condições. Os regulamentos, por exemplo, possuem sempre o efeito direto,

enquanto que as decisões podem ter efeito direto apenas quando designam um Estado-

Membro como destinatário. Há ainda aqueles atos que nunca possuem o efeito direto,

tais como os pareceres e recomendações, que não possuem força jurídica vinculativa.

O Tribunal de Justiça das Comunidades inclusive que construiu a noção de

efeito direto em uma vasta jurisprudência, reconhecendo a qualidade da norma

comunitária criar direitos subjetivos capazes de serem tutelados em juízo, a exemplo do

acordão Frantz Grad vs. Finanzamt Traustein, publicado em 06 de outubro de 1970.

Através da primeira questão, o referido órgão jurisdicional pede ao Tribunal que declare se as disposições do artigo 4.°, segundo parágrafo da Decisão, conjugada com o artigo 1.° da diretiva, produzem efeitos diretos nas relações jurídicas entre Estados-membros e particulares, de modo a constituir, na esfera jurídica destes, direitos subjetivos individuais que aos órgãos jurisdicionais incumbe proteger. (...) Nos termos do artigo 189° [hoje art. 249] do Tratado CEE, a decisão é obrigatória em todos os seus elementos para os destinatários que designar.

Nos termos do mesmo artigo a diretiva vincula o Estado-membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios. (…) Contudo, se resulta das disposições do artigo 189 °, que os regulamentos são diretamente aplicáveis e, consequentemente, por natureza suscetíveis de produzir efeitos diretos, isso não implica que as outras categorias de atos referidos por aquele artigo não possam nunca produzir efeitos análogos. Designadamente, a disposição segundo a qual as decisões são obrigatórias em todos os seus elementos para os destinatários permite suscitar a questão de saber se a obrigação que decorre da decisão pode apenas ser invocada pelas instituições comunitárias contra aqueles destinatários ou poderá eventualmente sê-lo por qual- quer pessoa interessada no cumprimento daquela obrigação. (LUXEMBURGO, 1970).

Em suma, “O direito comunitário detém autonomia e primazia em relação ao

direito estatal e é convertido automaticamente em direito interno (...). Uma vez vigentes,

as normas comunitárias têm efeito imediato sobre os Estados e direto sobre todos os

seus destinatários (...)”. (CARNEIRO, 2007, p. 35.).

Isto permite afirmar que os princípios do Primado do Direito Comunitário, da

Aplicabilidade Direta, e também o do Efeito direto, compreendem meios de assegurar

um “super-princípio” fundamental do Direito Comunitário Europeu: o princípio da

Uniformidade. “O princípio da uniformidade de interpretação e aplicação do Direito

Comunitário significa que o Direito Comunitário deve ser interpretado e aplicado

uniformemente no território dos Estados membros”. (PRINCÍPIOS..., 2006).

A aplicação uniforme do Direito Comunitário é um elemento essencial para

considerar a União Europeia como dotada de caráter supranacional, expressão esta que

pressupõe a independência do órgão supranacional perante os Estados, além do caráter

obrigatório de suas decisões. Assim, o direito comunitário é um ordenamento autônomo

em face de suas relações jurídicas serem definidas segundo critérios próprios das

Comunidades, caracterizando uma “nova ordem jurídica de direito internacional”.

(SOARES, 2000).

Há de se ressaltar mais uma vez a relevância do Tribunal de Justiça Europeu no

que diz respeito a esses princípios. O primado, a aplicabilidade direta e o efeito direto

são em grande medida contributos do TJC para a construção do Direito Comunitário.

Com efeito, “O TJC manifestou-se sobre o ius receptum, entendendo que a norma

comunitária há de prevalecer, automaticamente, sobre a norma interna, não importa se

anterior ou sucessiva”. (SOARES, 2000, p. 219).

Não obstante a peculiar natureza jurídica das instituições comunitárias, marcada pela supranacionalidade de uma nova ordem jurídica, o TJC não

possui competência em relação aos tribunais nacionais para reformar as decisões proferidas no âmbito interno nas quais se faça a aplicação do Direito Comunitário ou para anular atos dos Estados contrários ao Direito Comunitário. (...) O reconhecimento desse caráter supranacional do ordenamento comunitário e a prevalência de suas normas sobre o direito interno implica conflito de competência entre os tribunais constitucionais e o TJC, no qual prevalece a interpretação em matéria de validade do ato jurídico da comunidade europeia [...]. (SOARES, 2000, p. 220).

Esses princípios parecem constituir a base da noção de comunidade, em que

relações profundas são estabelecidas entre diferentes povos, com a criação de um

sistema jurídico dotado de uniformidade e autonomia e que transcende a ordem

nacional, configurando, portanto, uma manifestação de supranacionalidade. Finalmente,

ressalte-se que o Direito Comunitário ultrapassa a ideia do Direito Internacional

Público, de coordenação entre entes soberanos, para inaugurar uma nova lógica jurídica,

de subordinação dos países-membros a uma entidade criada a partir de seus interesses e

capaz de criar normas supranacionais.

3 O MERCOSUL

Como se sabe, os projetos de integração regional não são exclusivos do

continente europeu. De fato,

A ideia de integração dos países da América Latina não é nova e tem inspirado, ao longo do século, iniciativas importantes de se promover o desenvolvimento de uma região tão marcada pela instabilidade política e econômica através do fomento a associações de países que, se bem-sucedidas, poderiam ser o embrião de verdadeiras comunidades de nações na América do Sul. (LEAL et al, 2001, p. 88-89).

O precursor do ideal de aproximação entre os países na região costuma ser

identificado na figura histórica de Simón Bolívar, general venezuelano e revolucionário

que sonhava resgatar a unidade latino-americana, tendo contribuído para a

independência das então colônias da América espanhola.

Tentativas de integração regional empreendidas pelo Brasil podem ser

identificadas desde o início do século XX. Com efeito, já com o governo de Campos

Sales, em 1900, e mais tarde com Getúlio Vargas, em 1935, foram realizadas

negociações para iniciar um processo de integração entre os três países economicamente

mais expressivos da América do Sul, quais sejam, Argentina, Brasil e Chile. Todavia, a

ideia foi desaconselhada pelos norte-americanos e acabou não dando frutos.

(ACCIOLY, 1998).

A próxima tentativa ocorreu na década de quarenta. Em 1948 foi assinada a

Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA) e também foi criada a Comissão

Econômica para a América Latina (CEPAL) cuja ideia era a criação de um mercado

comum latino-americano. Já na década de sessenta foi criada a Associação Latino-

Americana de Livre Comercio (ALALC), cujo objetivo era implantar um mercado

comum regional a partir de uma zona de livre comércio no prazo de doze anos.

(ACCIOLY, 1998).

A ALALC, resposta dos países latino-americanos à ideia de integração

europeia, pretendia regulamentar toda a estrutura econômica da América Latina, sem

admitir fracionamentos nos arranjos econômicos. Essa ampla pretensão, bem como o

momento histórico, com a instalação de governos ditatoriais na região, acabaram

impedindo que fosse efetiva, levando-a ao descrédito e ao fracasso.

Assim, duas décadas mais tarde a ALALC foi substituída pela ALADI,

“voltada para a liberalização do comércio regional através de mecanismos de redução

tarifária” (LEAL, et al, 2011, p. 91). No Tratado de Montevidéu de 1980 as partes se

propuseram a dar prosseguimento ao processo de integração para promoção do

desenvolvimento econômico-social da América Latina, mas acordaram um papel mais

minimalista para a ALADI, que funciona como moldura institucional dentro da qual

acontecem diferentes arranjos de integração na região.

Os objetivos dessa Associação se assemelhavam aos da ALALC (criação de um mercado comum, desenvolvimento social e econômico dos países membros, promoção do comercio intra-regional), mas seus princípios foram mais flexíveis quanto aos prazos para o estabelecimento de redução tarifaria. (ACCIOLY, 1998, p. 78).

Assim, a ALADI acaba favorecendo a emergência de diferentes processos de

integração na América Latina, entre os quais pode-se destacar o de criação do Mercosul,

cujo marco foi a conclusão do Tratado de Assunção, realizado entre Brasil, Argentina,

Paraguai e Uruguai em 1991. Se tradicionalmente o Mercosul foi formado por estes

quatro membros, em 2012 um quinto país aderiu ao bloco, a Venezuela.

3.1 Histórico e Instituições do Mercosul

O Mercado Comum do Sul, ou Mercosul, é, portanto, um bloco de integração

regional que engloba atualmente cinco países: Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e

Venezuela. Interessante ressaltar, contudo, que a origem do Mercosul é, em verdade,

bilateral, já que os ex-presidentes do Brasil e da Argentina, José Sarney e Raul

Alfonsín, firmaram em 1985 a Declaração de Iguaçu prevendo a criação de um bloco

regional do Cone Sul.

Já completada a transição democrática, os presidentes recém-eleitos Raul Alfonsín e Tancredo Neves explicitaram a vontade de desenvolver um projeto de integração de cunho mais político. Apesar da morte de Tancredo, José Sarney levou adiante o projeto comum e assinou juntamente com Alfonsín, em novembro de 1985, a Declaração do Iguaçu, que constituiu a Comissão Mista Binacional de Alto Nível para acelerar o processo de integração bilateral. Mais um passo foi dado com a criação do Programa para Integração e Cooperação Econômica, em julho de 1986, e a Declaração Conjunta sobre Política Nuclear, em novembro do mesmo ano. O Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, assinado em novembro de 1988, projetou a criação de um espaço econômico comum em dez anos. Com a troca de governo e a eleição de Carlos Meném e Fernando Collor de Mello na Argentina e Brasil, respectivamente, os dois países adotaram uma política liberalizante sem precedentes e, nesse contexto, se propuseram a formar um mercado comum. A Declaração de Buenos Aires, assinada em julho de 1990, criou o Grupo Mercado Comum, encarregado de elaborar um projeto para implementação do mercado comum. Apesar de sua origem bilateral, o Uruguai e, posteriormente, o Paraguai aderiram ao projeto de integração. A preferência inicial por parte da Argentina e do Brasil pela manutenção do projeto no âmbito bilateral foi definitivamente revertida após a declaração da Iniciativa para as Américas pelo governo norte-americano. Aqui percebe-se o caráter exógeno e defensivo da integração no Cone Sul (...). (HERZ; HOFFMANN, 2004, p. 201).

Nesse sentido, o auge do processo de integração se deu em 1990, quando da

assinatura pelos referidos países da Ata de Buenos Aires, que previa a criação de um

mercado comum dentro do prazo de quatro anos e meio. (CARNEIRO, 2007). O

Uruguai, temendo isolamento, aderiu ao movimento e, seguido pelo Paraguai, foi

firmado o tratado de Assunção pelos quatro países em março de 1991. O objetivo do

Tratado de Assunção é, assim,

(...) promover a inserção mais competitiva dos quatro países no mercado internacional. Ao contrário das tentativas anteriores de Integração, da Alalc e da Aladi, o Tratado de Assunção apresenta propostas mais estruturais e consistentes, aumentando, assim, a possibilidade de êxito dessa nova tentativa, diante da realidade atual das propostas. (SILVA, 2002, p.357).

Ainda, o referido Tratado de Assunção estabelece os princípios elementares do

Mercosul e institui o seu principal objetivo, qual seja, o de constituir um Mercado

Comum, estabelecendo o prazo para sua implementação para o fim de 1994.

(MAZZUOLI, 2007).

A constituição do Mercosul visou a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países através da eliminação de barreiras alfandegárias, do estabelecimento de uma “tarifa externa comum” e da cooperação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados-partes. [...] Estabeleceu, ainda, entre os Estados-partes a reciprocidade de direitos e obrigações e o compromisso de manterem os tratados anteriormente concluídos em decorrência da Associação Latino-Americana de Integração – Aladi. (RIBEIRO, 2001, p. 167).

Se o objetivo do grupo é compor um mercado comum, geralmente identificado

pela eliminação das tarifas no interior do grupo, estabelecimento de uma tarifa externa

comum para ser utilizada com terceiros Estados, e pelas quatro liberdades - livre

circulação de bens, serviços, capitais e trabalhadores – há de ser destacado, contudo,

que o Mercosul pode ser considerado apenas uma união aduaneira imperfeita. Isso

porque, se uma união aduaneira é caracterizada pela consolidação de uma tarifa externa

comum, existem ainda tantas exceções quanto a esta tarifa aplicada pelo grupo que não

se pode afirmar que esta etapa tenha sido concluída. Isto posto, cabe destacar que

Embora a iniciativa de integração tivesse claros objetivos políticos, o Tratado de Assunção só incluiu compromissos na esfera comercial, especialmente em seus anexos, que estabeleceram critérios e prazos para implementação do programa de liberalização comercial, regime de origem e um sistema de solução de controvérsias. A própria estrutura jurídico-institucional do Mercosul só veio a ser estabelecida três anos após sua criação, com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto, em dezembro de 1994, que estabeleceu também sua personalidade jurídica. (HERZ; HOFFMANN, 1994, p. 202).

Interessante destacar que outros protocolos vêm complementar o Tratado de

Assunção. O Protocolo de Brasília, de 1991, prevê a solução das controvérsias que

surgirem entre os Estados membros sobre as disposições contidas no Tratado de

Assunção ou ainda de acordos celebrados em seu âmbito. Assim, em primeiro plano há

a necessidade de negociações diretas que, caso não surtam efeitos, implica em que os

Estados-parte deverão encaminhar o conflito às considerações do Grupo Mercado

Comum, que elaborará uma recomendação. Se ainda não chegarem a um consenso, seria

estabelecido um procedimento arbitral perante um Tribunal ad hoc composto por três

árbitros. (SILVA, 2002).

Por sua vez, o Protocolo de Ouro Preto, de 1994, não somente estabelece a

personalidade jurídica do Mercosul, mas também determina a estrutura jurídico-

institucional definitiva dos órgãos do Mercado Comum, definindo para cada um deles o

sistema de tomada de decisões e suas atribuições específicas.

Além disso, o Protocolo de Ushuaia, assinado em 1998, que inseriu um

compromisso democrático e uma declaração de que o Mercosul compreende uma zona

de paz. Já o Protocolo de Olivos, assinado em 2002, reformou o sistema de solução de

controvérsias do grupo, instituindo uma Corte Permanente de Revisão, mas ainda de

caráter arbitral.

Dentre os principais órgãos do Mercosul pode-se identificar o Conselho do

Mercado Comum, que detém status de órgão superior do bloco, compreendendo o poder

legislativo, sendo que suas decisões são obrigatórias e tomadas por consenso, devendo

ser internalizadas pelos países membros. Assim, o Conselho do Mercado Comum é o

órgão que possui a titularidade jurídica, possuindo competência para negociar e firmar

acordos com outros blocos ou outros Estados, responsável, portanto, pela condução da

política do processo de integração e cumprimento dos objetivos do tratado constitutivo.

Terá, entre outras, as funções de fiscalizar o cumprimento do Tratado de Assunção, de seus Protocolos e dos acordos firmados em seu âmbito; formular políticas e promover as ações necessárias à conformação do mercado comum; (...) manifestar-se sobre as propostas que lhe sejam levadas pelo Grupo Mercado Comum. (LEAL et al, 2001, p. 96).

O Grupo do Mercado Comum equivale ao poder executivo e de iniciativa

legislativa do Mercosul, produzindo resoluções, por consenso, que são obrigatórias para

os membros. Este grupo participa, portanto, da produção do direito de integração, ou

seja, na elaboração dos projetos normativos a serem submetidos ao Conselho.

Observa-se neste ponto que apesar de ser o órgão superior do Mercosul, “o

Conselho do Mercado Comum não detém poder de decisão entre os Estados-Membros,

dependendo suas decisões de um longo e exaustivo processo para serem absorvidas pelo

ordenamento jurídico dos Estados-Membros”. (GOMES NETO, 2001, p. 73). Da

mesma forma, apesar de o Grupo Mercado Comum se pronunciar através de resoluções

de natureza obrigatória para os Estados-membros, para serem efetivadas precisam

passar pelo processo de internalização nos Estados. Assim, na medida em que o poder

de decisão destes órgãos só vincula os órgãos institucionais do próprio Mercosul, não é

possível aferir a existência de um Direito Comunitário Mercosulino. Os órgãos

institucionais do Mercosul não têm competência para criar normas supranacionais,

tomando decisões através do consenso entre os membros, não exprimindo a vontade de

órgãos comunitários.

Ainda sobre os órgãos do Mercosul, o acompanhamento da produção do direito

de integração e posterior encaminhamento das medidas legislativas para a vigência e

implementação é feito pela Comissão Parlamentar Conjunta, órgão mais recente e

composto por membros dos Congressos Nacionais. Esta Comissão tem ainda poder

consultivo, e suas recomendações são adotadas por consenso.

A Comissão de Comércio do Mercosul produz, também por consenso,

diretrizes obrigatórias para os Estados membros e propostas. Esta comissão temática

indica a relevância do tema comercial para o bloco, tratando especificamente da

administração da zona de livre comércio e da união aduaneira, bem como das políticas

comerciais comuns intra e extrabloco. Também de caráter mais temático o Foro

Econômico-Social é o órgão no qual estão representados os setores econômicos e

sociais. Com poder consultivo, tem por função produzir recomendações para o Grupo

Mercado Comum.

Existe ainda uma Secretaria Administrativa do Mercosul, órgão de apoio

operacional, responsável pela parte burocrática do trabalho do Mercado Comum, tal

com prestação de serviços, arquivamento da documentação, publicação das decisões e

sua divulgação e registro dos árbitros e especialistas em listas nacionais.

Por fim, então, tem-se o Tribunal Permanente de Revisão como o órgão do

sistema de solução de controvérsias. Criado pelo Protocolo de Olivos, o tribunal produz

laudos arbitrais adotados por maioria e obrigatórios, e ainda trouxe a possibilidade dos

Estados solicitarem opiniões consultivas. A criação deste Tribunal permanente foi um

avanço considerável, já que substituiu um sistema simplificado de tribunais arbitrais ad

hoc, em que não era possível rever o conteúdo dos laudos.

Atualmente a estrutura do Mercosul é muito mais complexa do que

originalmente previsto nas normas fundamentais, assim, existem inclusive Reuniões

Especializadas (como a de Turismo, de Promoção Comercial e da Mulher), Grupos ad

hoc (para Concessões, para o setor Açucareiro e Compras Governamentais e

Relacionamento Externo) e Comitês (Comitê de Cooperação Técnica, Comitê de

Diretores de Aduana e Comitê de Sanidade Animal e Vegetal, além dos Comitês

técnicos). (SILVA, 2002).

Ainda, os órgãos do Mercosul não atuam de forma isolada, mas em cooperação

permanente com os órgãos internos que devem garantir a efetividade do direito de

integração. Isso significa que o Mercosul adotou o método intergovernamental, no qual

os Estados membros é que providenciam a incorporação do direito de integração e a

partir daí que a norma passa a ter vigência.

3.2 O Direito do Mercosul: ausência da Supranacionalidade

Como foi visto, a Constituição brasileira de 1988 traz o objetivo de se proceder

à integração latino-americana com vistas à formação de uma comunidade regional de

nações, e o projeto do Mercosul pode ser identificado como a tentativa de cumprir tal

desígnio. Entretanto, a Constituição não especificou a forma de se proceder a esta

integração, ou seja, não especificou se deve obedecer ou não ao conceito clássico de

soberania ou ainda se autoriza a integração em moldes supranacionais. (LEAL et al,

2001, p. 104).

Por um certo ângulo parece que a Constituição abriu margem à opção por organismos supranacionais, já que se assim não fosse, seria desnecessária a criação do dispositivo, posto que organismos desprovidos de caráter supranacional já existem na América Latina. No entanto, a expressão “integração” engloba a participação de entidades que não sejam de caráter meramente associativo. (RIBEIRO, 2001, p. 179)

Há de se ressaltar que o próprio Protocolo de Ouro Preto parece ter feito a

opção pela não-supranacionalidade, uma vez que define a natureza intergovernamental10

dos órgãos do Mercosul e estabelece um complexo processo de incorporação das

decisões, que devem ser internalizadas11.

[O Protocolo de Ouro Preto] manteve ou criou fóruns intergovernamentais, onde estão representados os interesses de cada Estado Parte, cujas decisões dependem da posterior ratificação pelas ordens nacionais. Foi descartada a criação de órgãos supranacionais, isto é, de um poder comum, acima dos Estados, que poderia aplicar diretamente algumas decisões, dispensando sua transposição para o direito nacional. (VENTURA, 1996, p. 57).

10 Artigo 2º do Protocolo de Ouro Preto. 11 Artigos 38 e 40 do Protocolo de Ouro Preto.

Assim, os direitos e obrigações produzidos no âmbito do Mercosul estão

condicionados à necessidade de incorporação ao ordenamento interno dos países-

membros, o que equivale a dizer que não existe aplicabilidade direta do direito

produzido pela “comunidade de nações”. Com efeito, Mônica Herz e Andrea Hoffman

(2004) também ressaltam essa característica do Mercosul, afirmando também a ausência

do primado da norma comunitária.

O desenho institucional do Mercosul tem um caráter intergovernamental, não incluindo nenhuma instituição supranacional e exigindo a tomada de decisão por consenso com a presença de todos os Estados-parte em todos os órgãos, como estabelecido no artigo 37 do Protocolo de Ouro Preto. A existência de forte assimetria de poder entre o Brasil e os demais países, acirrada ao longo da década de 1990, sobretudo após a crise argentina, é apontada como um dos fatores determinantes de rejeição à cessão parcial de soberania no âmbito da integração. Além da inexistência de órgãos supranacionais e votação por maioria, a validade das normas produzidas no âmbito das instituições do Mercosul só ocorre após sua incorporação aos sistemas jurídicos domésticos. (...) As decisões, ainda que de caráter obrigatório, são apenas determinações políticas e não normas jurídicas. Para complicar, algumas são automaticamente validadas após sua recepção, enquanto outras requerem que todos os membros a tenham recepcionado. (HERZ; HOFFMANN, 2004, p. 205).

No Mercosul as normas dependem de medidas a serem tomadas

unilateralmente pelos Estados-membros para se tornarem aplicáveis. Em outros termos,

é necessária a edição de ato normativo interno para que a norma seja vigente, inclusive

com os procedimentos para internalização variando de país a país, e dotando estas

normas com diferentes níveis hierárquicos. No âmbito do Mercosul, portanto, não existe

uma uniformização legislativa, podendo-se dizer que permanece o antigo debate entre

monismo e dualismo, que no caso europeu é transcendido com a configuração da

primazia da norma comunitária. De fato, se para os monistas é inadmissível imaginar

dois sistemas jurídicos independentes, para o dualismo o direito internacional deve se

submeter ao direito interno e à soberania do Estado.

Neste quadro, observa-se que as Constituições da Argentina e do Paraguai

seguem a teoria monista, admitindo o primado do Direito Internacional, enquanto as do

Brasil e do Uruguai não estabelecem a posição hierárquica das normas internacionais

em seus ordenamentos internos. Especificamente com relação ao Brasil, entende-se que

permanece atrelado ao dualismo, o que acaba refletindo em uma

(...) concepção de soberania absoluta do Estado, incapaz de conviver com a superveniência de blocos regionais integrados, que sob a bandeira da

supranacionalidade almejam a aplicação imediata das normas comunitárias no ordenamento jurídico dos Estados e a garantia de sua primazia sobre a norma de origem exclusivamente interna, ainda que editada posteriormente. (ROSA, 1997, p.125).

Deste modo, prevalece no Direito brasileiro a possibilidade da lei interna

inviabilizar as normas internacionais. As duas exceções dizem respeito aos tratados de

direitos humanos (art. 5º, §2º CF), que a jurisprudência atual do STF considera

hierarquicamente superiores à legislação infraconstitucional – não obstante posições

doutrinárias que os consideram equivalentes à Constituição – e aos tratados e

convenções internacionais sobre matéria tributária, aos quais se atribui grau hierárquico

superior às leis ordinárias (art. 98, CTN).

Insta ressaltar que o ordenamento brasileiro não traz nem o primado da norma

internacional nem a possibilidade de aplicabilidade direta. Neste sentido, a decisão do

Supremo Tribunal de Federal deixa claro a opção pela indispensabilidade de

transposição das normas do Mercosul para a ordem jurídica interna do Brasil.

Sob a égide do modelo constitucional brasileiro, mesmo cuidando-se de tratados de integração, ainda subsistem os clássicos mecanismos institucionais de recepção das convenções internacionais em geral, não bastando, para afastá-los, a existência da norma inscrita no art. 4o, paragrafo único da Constituição da República, que possui conteúdo meramente programático e cujo sentido não torna dispensável a atuação dos instrumentos constitucionais de transposição, para a ordem jurídica domestica, dos acordos, protocolos, e convenções celebrados pelo Brasil no âmbito do Mercosul. (CR 8.279-AgR, Rel. Min. Presidente Celso de Mello, julgamento em 17-6-1998, Plenário, DJ de 10-08-2000). (SUPREMO..., 2010, p.48).

Assim como acontece no Brasil, o Direito uruguaio não parece dar ênfase ao

processo integracionista, adotando uma posição dualista quanto ao Direito

Internacional, delegando-o a um segundo plano em relação ao direito interno e trazendo

instabilidade jurídica ao Mercosul.

Apesar de possuir dispositivos relativos a celebração de tratados internacionais, a Constituição do Uruguai é omissa à delegação de poderes a organizações internacionais e também quanto à hierarquia das normas. Dessa forma, o legislador constituinte uruguaio deixou uma duvida no caso de conflitos entre tratados e normas internas, apesar de ser possível submeter tais tratados ao controle de constitucionalidade que é exercido pela Suprema Corte de Justiça. (...) Entretanto, a posição da Suprema Corte Uruguaia tem sido no sentido de que uma lei posterior pode derrogar as normas de um tratado internacional, para que mantenha-se inviolabilidade da Constituição. (RIBEIRO, 2001, p. 191)

Quanto à Constituição argentina, adota o primado do Direito Internacional

sobre o nacional, mas estabelece que as normas internacionais devem ser encaminhadas

ao Congresso para prévia aprovação, inexistindo aplicabilidade direta. Atualmente,

determina que os tratados de direitos humanos se equiparam à Constituição, enquanto os

tratados de integração têm tratamento diferenciado, sendo superiores apenas às leis

infraconstitucionais e possuindo distinto processo de aprovação quando celebrado com

países da América Latina, situação em que necessita apenas de aprovação da maioria

absoluta.

Isto implica em dizer que no caso de aprovação de tratados de integração que deleguem competência e jurisdição a organizações supranacionais, as normas advindas desses tratados poderão modificar normas do ordenamento jurídico interno argentino, caso haja conflito entre ambas. (...) Destarte entendemos que no caso da Argentina, há uma norma constitucional que possibilita a transferência de soberania aos organismos supranacionais. No entanto, em que pese a própria Constituição ao fazer uso de sua supremacia para possibilitar essa transferência de soberania, não há que se falar em perda de tal supremacia continuando a mesma no vértice da pirâmide do ordenamento jurídico. (RIBEIRO, 2001, p. 187-188).

Da mesma forma, no caso do Paraguai a hierarquia constitucional dos tratados

e a questão da submissão à ordem jurídica supranacional são bem definidas, atribuindo

primado às normas internacionais sobre as leis nacionais, mas ainda condicionando a

aplicabilidade dessas normas à aprovação do Congresso Nacional. De fato,

O texto constitucional do Paraguai admite a existência de uma ordem jurídica supranacional em condições de igualdade com os Estados-partes, ressalvando a garantia do respeito aos direitos humanos, à paz, à justiça e à cooperação, e o desenvolvimento nos campos politico, econômico, social e cultural. (RIBEIRO, 2001, p. 192)

Frente a esta verdadeira falta de harmonização constitucional quanto à matéria

por parte dos países, e uma vez que as normas produzidas pelos órgãos do Mercosul só

entram em vigência quando todos os Estado-membros tenham assegurado sua

internalização no ordenamento pátrio, observa-se que as Constituições da Argentina e

Paraguai são mais adequadas à construção de uma integração de moldes comunitários.

Assim, é preciso pensar, em um primeiro momento, na necessária reforma das

Constituições brasileira e uruguaia com vistas a aceitar o primado das normas

internacionais e a delegação de poderes e jurisdição a organismos supranacionais. Isso

feito será possível, em um segundo momento, proceder à uniformização quanto à

aplicação automática das normas produzidas pelo bloco, sem a necessidade de

aprovação pelos congressos.

Em consonância com o posicionamento de Rosemiro Pereira Leal e outros

(2001), entendemos que a possibilidade dos Estados-membros do Mercosul

selecionarem a força executiva das normas produzidas no âmbito da organização em

face do seu direito interno acaba minando a efetivação dos objetivos da

supranacionalidade. Com efeito, se a norma produzida não for superior ao direito

nacional dos países não existe comunidade, não havendo que se falar em

supranacionalidade.

Tem-se assim um imenso hiato entre a estrutura do Mercosul e a da União

Europeia. A União Europeia é dotada de caráter supranacional, possuindo órgãos

supranacionais que são independentes perante os Estados e suas decisões detêm caráter

obrigatório. Esta é, portanto, uma das maiores diferenças entre a União Europeia e o

Mercosul, que criou apenas órgãos intergovernamentais, priorizando, desta forma, a

atuação governamental em detrimento da comunitária. Ainda, enquanto as normas na

União Europeia são automaticamente incorporadas ao direito interno sem a necessidade

de atos unilaterais por parte do Estado membro, no Mercosul subsiste esse obrigação, o

que enfraquece a construção comunitária.

Nesse sentido, pode-se dizer que “a produção de direito no Mercosul não é

comunitária, como o caso da União Europeia, mas equipara-se ao Direito

Internacional”. (HERZ; HOFFMANN, 2004, p. 205). Esta distinção entre Direito

Internacional e Direito Comunitário é colocada de forma clara por Antônio Augusto

Cançado Trindade (1972), que destaca que

(...) as instituições comunitárias apresentam uma estrutura superior às estruturas intergovernamentais clássicas do Direito Internacional, que lhes torna possível a “formação de uma vontade em função de objetivos comuns”. Também quanto às fontes de direito a distinção é notável, uma vez que os Tratados do Direito Comunitário são muito mais do que um liame de obrigação mútua: constituem “um todo institucional capaz de decidir e de legiferar; diferentemente do Direito Internacional clássico, que não pode se renovar senão pela conclusão e revisão sucessiva de tratados internacionais, as comunidades europeias contém em si próprias um mecanismo de “auto-regulação” legislativa”. (...). Dessa forma, enquanto o efeito comum dos tratados internacionais é o de engajar os Estados excepcionalmente produzindo efeitos diretos na ordem jurídica interna, no Direito Comunitário “o efeito direto das regras comuns deve ser considerado de qualquer modo como sendo o estado de coisas natural”, de vez que o tratado é destinado a “engendrar direitos que entrem em seu patrimônio jurídico”, tornando os “réglements communautaires” consoante o disposto no artigo 189 do tratado

CEE [hoje artigo 249], “diretamente aplicáveis” nos Estados membros.” (TRINDADE, 1972, p. 46-47).

Não prevalece, portanto, o princípio da Aplicabilidade Direta que caracteriza o

Direito Comunitário Europeu, nem há de se falar em Primado do Direito Comunitário

no âmbito do Mercosul. Isso significa que, em caso de conflito entre norma interna e

norma do Mercosul, a lei interna poderá ser invocada para eximir o país do

cumprimento de suas obrigações regionais, o que limita a credibilidade do Mercosul

quanto à eficácia de suas normas. De fato,

Um estudo recente aponta que, das 149 decisões aprovadas pelo CMC [Conselho do Mercado Comum] entre 1991 e setembro de 2002, 70% não haviam sido internalizadas. Das 604 resoluções do GMC [Grupo Mercado Comum], 63% estavam pendentes, e das 90 diretivas da Comissão de Comércio, 59%. Esse alto índice de não-internalização das normas do Mercosul provoca um ciclo vicioso, pois à medida que os Estados-parte percebem que podem tomar decisões sem se comprometer a cumpri-las, o processo de integração torna-se fictício, a integração não sai do papel e não se torna realidade. Como há pouco controle e não são previstas sanções no caso de não cumprimento da internalização, o problema nem se torna público. (HERZ; HOFFMANN, 2004, p. 211).

Outro ponto a se ressaltar é a ausência de um Tribunal de Justiça do Mercosul,

que tenha capacidade e competência para zelar pela aplicabilidade da legislação

mercosulina, bem como para construção de princípios de Direito Comunitário, tal como

se dá com o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, responsável pela

construção de uma jurisprudência que reforça a supranacionacionalidade. A existência

de um Tribunal nestes moldes é essencial para a legitimidade de normas supranacionais

que eventualmente surjam na estrutura do Bloco regional, assim como para a

constituição de um poder de sanção no âmbito da organização, que garanta a aplicação

destas normas e a solução dos conflitos entre os Estados-Membros, particulares e

instituições. Um Tribunal de Justiça é, portanto, um elemento necessário para garantir a

supremacia das normas produzidas. (GOMES NETO, 2001).

Salienta-se [ainda] que o nacionalismo exacerbado dos povos sul-americanos, somado ao arraigado conceito de soberania, são fatores que dificultam a formação de uma ordem jurídica supranacional e colocam em risco o processo integracionista; devido a uma noção equivocada de tais conceitos, as delegações das devidas competências legislativas não se efetivam ou permanecem no campo da intergovernabilidade, o que transforma o Tratado de Assunção em mero acordo internacional entre os Estados-Membros. Isto dificulta seu objetivo de promover a integração econômica entre seus signatários, sendo inadmissível levar a cabo a formação de um Bloco econômico de tamanha desenvoltura sem implantar uma ordem jurídica

supranacional que incida sobre todos os Estados-Membros e, naturalmente, se coloque acima de ser ordenamento jurídico interno. (GOMES NETO, 2001, p. 86).

Ante o exposto, o Mercosul não pode ser considerado um projeto de integração

de moldes comunitários. Não existindo nenhum órgão supranacional, a independência

do Mercosul quanto aos Estados-membros é limitada pela sua própria estrutura

institucional do bloco. Isso implica em eficácia restrita das normas do bloco e

problemas de internalização dessas normas, o que vem prejudicar o projeto de

integração do Cone Sul da América Latina.

4 CONCLUSÃO

Este artigo procurou demonstrar o porquê do Mercosul não poder ser

considerado um espaço comunitário no sistema internacional. Para tanto, buscou-se

evidenciar que a União Europeia comporta um status de supranacionalidade,

diferentemente do que acontece no âmbito do Mercosul.

Tem-se que a União Europeia compreende não somente um fórum para

negociação dos países que pertencem ao bloco, mas um verdadeiro ator da política

internacional quando se tem em vista as atividades comunitárias. Com efeito, é possível

falar na existência de um verdadeiro Direito Comunitário Europeu, que inclusive

desenvolveu importantes princípios em sua jurisprudência, tais quais o princípio da

Aplicabilidade Direta e o princípio do Primado do Direito Europeu, essenciais para a

efetivação do Direito Comunitário e que impactam na conformação do caráter

supranacional da União Europeia.

Ao contrário, em se tratando do Mercosul não se percebe este caráter

supranacional. Apesar do Mercosul seguir o modelo de integração europeu, observa-se

uma grande divergência entre os dois projetos de integração, na medida em que o

projeto do Cone Sul da América Latina prioriza o Direito interno dos países em

detrimento do Direito ‘mercosulino’. Assim, não há que se falar em Aplicabilidade ou

Efeito Diretos ou Primado do Direito do Mercosul, uma vez que o Mercosul se

conforma em processo de integração intergovernamental, e não supranacional como a

União Europeia.

É inquestionável que a supranacionalidade proporciona um maior grau de

integração entre os Estados, mas para o Mercosul adquirir este status supranacional é

preciso inclusive a alteração dos seus tratados institutivos, incluindo em sua estrutura

órgãos supranacionais, com decisões de caráter supremo e aplicáveis diretamente aos

membros, bem como instituindo um tribunal jurisdicional encarregado da defesa dos

interesses do bloco e da consolidação de um verdadeiro Direito supranacional do

Mercosul.

Assim, hoje no Mercosul não existe um Direito Comunitário, mas tão somente

um Direito Internacional que é elaborado em moldes regionais, inclusive com altos

déficits de internalização das normas, o que prejudica o desenvolvimento do processo

de integração. Ainda, antes de se adotar um Direito Comunitário no âmbito do Mercosul

é preciso concluir a União Aduaneira e depois o Mercado Comum, consolidando a

integração econômica para então partir para uma integração política, social e cultural

por meio do fortalecimento da estrutura jurídico-institucional do bloco.

Um primeiro e importante passo para concretizar um processo integracionista

de molde econômico, político, social e cultural – tal como consta do parágrafo único do

artigo 4º da CF/1988 – é a harmonização legislativa dos Estados-membros do bloco, de

forma que o ordenamento interno destes Estados possa contemplar a norma comunitária

de forma direta e preferencial, tal como preconizam os princípios da Aplicabilidade

Direta e do Primado. Com efeito, sem a supremacia da norma comunitária, num

contexto de Direito Comunitário, é impraticável pensar na efetivação de um processo

integracionista nos moldes pretendidos pela Constituição Federal de 1988.

No Mercosul falta a harmonização necessária para a promoção de uma

verdadeira ordem jurídica comunitária. Isto equivale a dizer que o projeto de integração

do Mercosul se encontra longe de representar a concretização do mandamento constante

do parágrafo único do artigo 4º da Constituição Federal brasileira de 1988. É claro que a

formação de uma comunidade de nações no âmbito da América Latina é uma tarefa que

não depende unicamente do Brasil, visto que demanda o interesse e ação comuns dos

diversos países latino-americanos para lograr êxito, mas também nos parece evidente

que o país está em posição de exercer um papel de destaque na definição do molde

jurídico-institucional do Mercosul ou de outra organização regional de pretensão

comunitária na América Latina.

Em suma, o Brasil não parece estar buscando uma integração econômica,

política, social e cultural com vistas à formação de uma comunidade latino-americana

de nações, e sim dá indicações de estar preocupado somente com a integração

econômica e com a manutenção de sua soberania. Desta forma, percebe-se uma

relativização do preceito constitucional, indicando que o país ainda tem um longo

caminho a percorrer para realizar o objetivo do legislador originário no que diz respeito

à condução de suas relações internacionais.

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