Ética e serviÇo social: uma história e seus...
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TICA E SERVIO SOCIAL: uma histria e seus desafios
Marlia Borges Diogo - UNESP1
O estudo da tica na atualidade busca refletir filosoficamente o SER. A tica
contempornea se baseia nas potencialidades de cada ser humano, do aspecto
caracterstico pessoal e comunitrio, qualificando como tico ou antitico aquilo que
ajuda ou dificulta a realizao das potencialidades do ser humano. Assim a tica
atual entende a pessoa humana como antes de tudo prxis, ou seja, um ser
produtor, transformador e criador, portanto um ser social e histrico, um ser total.
A sociedade, uma totalidade composta por diversas esferas (singularidades
totais), para compreendermos a complexidade das relaes se do nessa sociedade
preciso compreender o movimento dessas esferas em relao totalidade. Essas
esferas operam na totalidade com intensidades diferentes dependendo dos ideais
dominantes de cada uma delas.
A pesquisa foi realizada a partir, de alguns estudiosos desse tema a TICA,
que tem como referencial terico a teoria critica de Marx.
O objetivo era traar alguns avanos alcanados no campo da tica
profissional do Servio Social principalmente aps o movimento de reconceituao
da profisso, e os desafios que se colocam a essa profisso para a implementao
dessa tica no seu cotidiano profissional. Para alcanar o objetivo foi realizada uma
pesquisa bibliogrfica, que permitiu refazer esse percurso histrico, j que a partir
desse mtodo possvel uma melhor apreenso da realidade, atravs de
sucessivas aproximaes.
Essas aproximaes possibilitaram compreender mais sobre a tica e os
desafios que essa categoria impe a todas as profisses, principalmente as que
lidam com seres humanos, e entre essas um enfoque ao agir profissional do
Assistente Social, que tem seu agir profissional guiado por um Cdigo de tica que
se compromete com a defesa dos direitos da classe trabalhadora.
Trabalho e alienao
Marx acredita na centralidade do trabalho, com isso o movimento da
totalidade deve ser compreendido a partir da categoria trabalho que condio
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ontolgico-social ineliminvel na reproduo do ser social, o que o diferencia dos
outros seres da natureza. o trabalho o responsvel pelas relaes humanas, que
surgem a partir da cooperao e unem os homens para a transformao da natureza
em prol de suas necessidades.
A partir do trabalho o homem toma conhecimento da natureza e faz
valorao dos objetos, ai se d a gnese da conscincia humana. Assim o ser social
torna-se autoconsciente e busca por sua emancipao atravs da prxis. A
sociabilidade, a universalidade, a conscincia e a liberdade so capacidades
humano-genricas, necessrias para a realizao da prxis. A prxis tem como
objeto a matria e as interaes culturais, e seu resultado a expresso concreta da
transformao dialtica operada subjetiva e objetivamente na relao entre os
indivduos e o gnero humano.
Portanto o carter te um poder emancipador, porm a sociedade capitalista
nega essa emancipao com a alienao.
Sob o capitalismo, como mostra a reflexo marxista, a dimenso tica que se instala requer que os indivduos tornem-se duplamente livres: livres da relao com o senhor, mas livres tambm de qualquer propriedade dos meios de produo que lhes assegurasse a subsistncia. Assim, foram obrigados a vender sua capacidade produtiva (energia fsica e espiritual), tornando-se mercadoria. A alienao em relao a si mesmos, aos outros e ao trabalho foi uma conseqncia e, ao mesmo tempo, condio para a reproduo desse ethos heternomo. No possuindo domnio sobre si nem sobre suas necessidades, no tem, na prtica, liberdade: pertencem ao capital. (SILVA, 2003, p. 201)
A alienao nega o carter livre, consciente, universal e social, do individuo
fazendo com que esses no se reconheam como sujeitos capazes e criativos. O
trabalhador se aliena do objeto que ele mesmo criou, da atividade que praticou e da
relao (consigo mesmo e com os outros). Cria-se uma ciso entre sujeito e objeto
(um estranhamento), que culmina ao tornar o indivduo em objeto e o objeto em
coisa uma coisificao das relaes sociais e a transformao da riqueza humana.
A alienao se cria em novas formas, que invadem todas as dimenses da
vida social e a objetivao do ser social. Dada a contraditoriedade da histria, a
alienao coexiste com a prxis emancipadora, evidenciando o movimento de
afirmao e negao das potencialidades e possibilidades humanas; de criao e
perda relativa de valores; de reproduo da singularidade alienada e da
genericidade emancipadora.
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A moral e a vida cotidiana
Na vida cotidiana o indivduo se socializa, aprende a responder s praticas
imediatas, assimila hbitos, costumes e normas de comportamento. caracterstico
do modo de ser cotidiano a repetio automtica, o que propicia ao individuo
perceber-se somente como ser singular, porm isso no significa a inexistncia de
mediaes, elas ficam ocultas pela aparncia. A cotidianidade um elemento
ontolgico do ser social, indispensvel vida social, onde o indivduo assimila as
formas mais elementares de responder s necessidades de autoconservao.
A moral inicia-se com a necessidade de normas e regras para a convivncia
social, tem uma funo integradora e estabelece uma mediao de valor entre o
indivduo e a sociedade, produzindo novas mediaes, nos sentimentos,
comportamentos e deveres. A moral parte fundamental da vida cotidiana, pois a
reproduo das normas depende do espontanesmo e da repetio para que elas se
tornem hbitos e se transformem em costumes respondendo s necessidades de
integrao social.
A moral burguesa e a reflexo tica
Na sociedade burguesa a moral utilizada como ferramenta ideolgica para a
reproduo acrtica de um sistema de explorao, opresso e desumanizao. Por
isso, as escolhas nem sempre significam um exerccio de liberdade, pois so
direcionadas por determinantes ideolgicos coercitivos, voltados dominao. E o
moralismo (doena da moral) movido por preconceitos, juzos provisrios. A moral
preconceituosa possui valor nos sentimentos de amor e dio, com intolerncia
emocional, tendo interesses compreendidos como dogmas que no permitem
questionamentos. O preconceito pode ocorrer nas vrias esferas da atividade social.
O moralismo uma forma de alienao moral, pois implica na negao da moral.
No existe uma atividade tica autnoma, pois, o carter ontolgico social da
moral mediao de valor entre as atividades humanas. Os valores representam
conquistas da humanidade e no se perdem na histria. Com a reflexo ontolgica
da moral possvel ultrapassar o conformismo, j que os conflitos morais podem ser
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apreendidos em sua relao com a totalidade social, e no se apresentarem
somente como conflitos morais.
Afinal, segundo a Dra. Marlise Vinagre Silva para a emancipao humana:
O desafio realizar a anlise da realidade sem conformismos, mas, ao contrrio, com indignao e rebeldia, mas tambm com o mximo de criticidade. S o diagnstico, contudo, no basta! preciso ser propositivo, sem abrir mo da vontade otimista de transformar o mundo e construir uma nova ordem, fundada na emancipao humana. (SILVA, 2003, p. 200-201)
Para que a tica se realize como saber ontolgico preciso que ela conserve
sua perspectiva totalizante e critica, capaz de desmistificar as formas retificadas de
ser e pensar. Quando a tica no exerce essa funo crtica pode contribuir, de
modo, peculiar, para a reproduo de componentes alienantes, contribuindo para
que os homens se desconheam como sujeitos ticos.
Se a reflexo tica perder seu compromisso com valores, ela deixa de ter
sentido; se no apreender a fundao desses valores na realidade, no cumpre seu
papel terico; se abrir mo da crtica, deixa de se constituir numa reflexo tica para
se tornar uma doutrina. A tica de carter revolucionrio, crtica moral do seu
tempo, uma referncia para a prxis poltico-revolucionria, seja como instrumento
terico-crtico, ou como orientao de valor que aponta para o devir.
Constata-se que o indivduo na sociedade capitalista tem que submeter a sua
liberdade a processos de despossesso, portanto, a uma moral burguesa de
caracterstica heternoma. Assim, pode-se considerar que esta sociedade
estruturalmente desumana e antitica. O desafio se coloca, ento, no sentido da
construo, no interior dessa mesma sociedade, de uma tica emancipatria, na
qual se vislumbre que o direito a uma vida digna seja efetivado atravs da garantia
do acesso riqueza material e espiritual a todos.
Liberdade, necessidade e valor vinculam-se ontologicamente. Para que o
trabalho se efetive como atividade livre preciso que ele se realize como atividade
criadora, consciente, que no seja um meio de sobrevivncia, nem de explorao e
dominao entre os homens.
O projeto societrio e a tica do Servio Social
Na vida social existem projetos individuais, coletivos e societrios. Os
profissionais de carter coletivo indicam uma formao especfica, com organizao
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de cunho legal, tico e poltico, e um projeto profissional que atenda s
necessidades sociais, produzindo um resultado objetivo, com implicaes sociais e
desdobramentos ticos e polticos. A adeso consciente (tica) a um determinado
projeto profissional implica decises de valor inseridas na totalidade dos papis e
atividades inscritas na relao entre o indivduo e a sociedade; na reproduo da
singularidade e da genericidade humana.
A tica profissional recebe determinaes que antecedem a escolha pela
profisso e inclusive a influenciam, a prpria natureza da tica profissional possui
transformaes e dimenses, que se organizam de acordo com a inteno
profissional dirigida a uma prtica comprometida com a objetivao dessa
intencionalidade.
H trs modalidades de tica Profissional no Servio Social:
1) Uma tica legitimadora da prtica profissional j consolidada. Essa
modalidade surge ou torna-se possvel, no s a partir da formao cientfica dos
profissionais de Servio Social, de cunho positivista, em que os fatos so os nicos
dados que se impem como lei moral, mas tambm a partir da funo apaziguadora
das conscincias, que essa modalidade propicia. A tica, assim, ao invs de permitir
um questionamento crtico da prtica profissional, a torna legtima.
2) Outra que pode-se chamar de postura idealizante face prtica usual. Nesta,
a prtica profissional vai criticar aquilo que, avaliativamente, se constata ser
defeituoso e inepto face aos objetivos visados de produzir o bem-estar da
coletividade. No entanto, essa critica, traduz-se numa linha idealstica e irreal,
expressa atravs de normas e preceitos formulados em tal grau de generalidade e
de abstrao, que impedem quaisquer concluses prticas.
3) E por fim, a que deveria ser uma tica profissional universal para o Servio
Social, pois somente esta modalidade de encaixa nos preceitos de nosso projeto
tico-poltico, consiste essencialmente em problematizar efetivamente as atividades
usuais no Servio Social, propondo prticas alternativas fundamentais, sempre que
as atuais se mostrarem inadequadas aos objetivos de nossa profisso.
Construindo o Servio Social tica tradicional
O Servio Social uma profisso cujo processo de construo no aconteceu
de forma contnua, da sua gnese sua trajetria scio-histrico, a profiso nem
sempre so apreendida e compreendida pela sociedade e at mesmo dentro da
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prpria categoria h diferentes vises quanto ao seu processo de transformao e
atuao profissional. (OMENA)
Nesta pesquisa pretendemos apreender a noo de tica adotada pela
profisso em sua transformao histrica como uma profisso que surge no seio da
Igreja Catlica, que teve como base terica os conceitos morais, confessional do
Neotomismo, em meio a uma conjuntura scio-histrica e contexto institucional, que
tem hoje em sua fundamentao terica e prtica o mtodo dialtico de Marx.
O Servio Social tem em sua gnese, na sociedade capitalista monopolista,
marcado por um conjunto de variveis que vo desde a alienao, a contradio ao
antagonismo. Neste contexto, no Brasil, o Servio Social buscou afirmar-se
historicamente como uma prtica de cunho humanitria, atravs da legitimao do
Estado e da proteo da Igreja. (OMENA)
A profisso se constitui historicamente como uma profisso feminina de
origem catlica, com atividades educativas de cunho moralizador, com defesa da
famlia tradicional, e de preservao do papel moral da mulher como educadora
moral da famlia. Essas idias so sustentadas pelo conservadorismo moral, que
evidenciado na formao Profissional, no projeto social da Igreja Catlica e na
cultura brasileira, que baseada em ideais positivistas. A fundamentao do Servio
Social, nesta poca, muito ligada questo religiosa, percebe-se isso ao
analisarmos o primeiro dever fundamental do Assistente Social, no Cdigo de tica
de 1947:
dever do Assistente Social: 1. Cumprir os compromissos assumidos, respeitando a lei de Deus, os direitos naturais do homem, inspirando-se sempre, em todos seus atos profissionais, no bem comum e nos dispositivos da lei, tendo em mente o juramento prestado diante do testemunho de Deus. (SILVEIRA, 2011, p. 11, grifo nosso)
O Conservadorismo profissional acreditava na moral como espao de
enfrentamento da questo social e podia ser identificado na prtica profissional que
consistia na forma de intervir na vida dos trabalhadores, ainda que sua base fosse
atividade assistencial; porm seus efeitos eram essencialmente polticos: atravs do
enquadramento dos trabalhadores nas relaes sociais vigentes, reforando a
mutua colaborao entre capital e trabalho.
O conservadorismo um projeto poltico de oposio histrica ao Iluminismo,
ao liberalismo e s idias socialistas, com o significado de identificar as lutas
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polticas como indcios de uma desordem que deveria ser combatida. Esse projeto
poltico pretende restaurar a ordem e o equilbrio a partir da defesa moral das
bases tradicionais da famlia.
Nesse perodo histrico o Servio Social, tinha uma identidade atribuda, e
apesar de carregar uma viso anticapitalista, a ao profissional era psicologizante,
baseada no reajuste e na culpabilizao dos indivduos pela questo social,
servia para amenizar os conflitos de classe e manter a ordem, reproduzindo as
relaes de explorao estabelecidas pelo Capitalismo.
Com o aumento das seqelas da questo social, o Estado burgus busca
controlar as classes trabalhadoras e ao mesmo tempo, legitimar-se como
representativo de toda sociedade, com uma moral que funciona como instrumento
ideolgico favorecedor do consenso do projeto populista, corporativista e
assistencial, responsabilizando os indivduos por sua condio social, despolitizando
suas lutas, restringindo suas escolhas, contribuindo para a reproduo de uma
moralidade subalterna e alienada. O Estado atravs de um discurso tico
universalizante, fragmenta as necessidades da classe trabalhadora, transformando
seus direitos em benefcios.
Observa-se que diferentemente da caridade tradicional, a profisso prope:
uma ao educativa, preventiva e curativa dos problemas sociais atravs de sua
ao junto s famlias trabalhadoras. O Servio Social passa a orientar a
individualizao da proteo legal, entendida como assistncia educativa adaptada
aos problemas individuais, guiando-se pela militncia catlica, em oposio a
qualquer movimento que se levantasse contra a Igreja Catlica.
Mediante esses elementos analisa-se que o Servio Social emerge
como uma atividade com bases doutrinrias. E, posteriormente, passa por um
processo de ampliao do suporte tcnico-cientfico da profisso, com o
desenvolvimento das escolas e faculdades de Servio Social, sob influncia das
Cincias Sociais no marco do pensamento conservador, do Servio Social
americano.
Desenvolvimento Profissional o romper da tradio
O conservadorismo moral uma forma de alienao moral, que reproduz o
preconceito e se ope liberdade. A ruptura com os costumes e valores de ordem
moral sempre relativa a condies histricas favorecedoras de questionamentos
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que remetem vida cotidiana, a dcada de 60 um desses momentos. A dcada de
60 considerada uma poca revolucionria, pois nesta poca alargaram-se as
bases sociais de emancipao da mulher - sua insero no trabalho, na educao
superior, na vida pblica, instaurando uma conscincia cvica valorizadora da
participao e da liberdade.
A dcada de 60 um momento em que a liberdade emerge como projeto. O
Terceiro Mundo se destaca como um espao potencialmente gerador de
manifestaes poltico-revolucionrias, com lutas populares de libertao nacional,
resistncia em face do imperialismo, tentativas de superao da pobreza e das
desigualdades sociais. Entretanto os tempos revolucionrios tambm so tempos de
ditaduras (que fortalecem o conservadorismo), represso violenta aos movimentos
organizados, mostrando a dinmica relao entre afirmao e negao da liberdade.
O rebatimento dessas potencialidades tico-morais no Servio Social no se
faz visvel, nas dcadas de 60 e 70, em termos de um questionamento coletivo
moral tradicional; o eixo condutor da construo de uma nova moralidade no se
objetiva explicitamente pela oposio aos padres culturais e morais repressivos
que perpassam pela vida cotidiana, mas por uma inteno de ruptura poltico-
ideolgica com a ordem burguesa.
O Servio Social, em nvel mundial, evidencia um processo de eroso das
bases de sustentao de suas formas tradicionais. Tais condies so expressas no
Servio Social latino-americano, pelo movimento de reconceituao, onde emerge
um questionamento crtico sobre a teoria e a prtica tradicionais, com um
posicionamento tico-poltico potencialmente negador do tradicionalismo
profissional. A intensa mobilizao democrtico-popular do incio da dcada de
sessenta favorece a militncia poltica de setores profissionais, especialmente de
jovens estudantes.
A aproximao entre a juventude e a Igreja propicia a emergncia de um
ethos militante, caracterizada pela recusa tica social burguesa, entendida co um
sistema social injusto. Assim a histrica vinculao entre o Servio Social e a Igreja
Catlica passa a contar com novas bases de legitimao, o que abre um campo de
possibilidades em relao construo de uma crtica ao ethos tradicional.
A ruptura com o Servio Social tradicional se inscreve na dinmica de rompimento das amarras imperialistas, de luta pela libertao nacional e de transformao da estrutura capitalista excludente,
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concentradora, exploradora. (FALEIROS, 1987, p. 51 apud BARROCO, 2006, p. 108)
O aparecimento nos anos 70, de elaboraes tericas orientadas pelo
marxismo, aponta para um debate terico-metodolgico significativo, tendo a
primeira expresso terica em Belo Horizonte, construda entre 1972 e 1975,
conhecida como o Mtodo de BH, um projeto de ruptura, iniciado dentro do espao
universitrio, que tornou possvel a interao profissional entre assistentes sociais e
suas diversas demandas imediatas da prtica profissional submetidas s exigncias
e controles institucionais.
No Servio Social brasileiro se reproduz uma problemtica mundial: de um
lado, a impermeabilidade do tradicionalismo tico profissional em face das
transformaes sociais; de outro, a lenta e insuficiente explicitao das bases de
uma nova tica, por parte da vertente que, apoiada no referencial da tradio
marxista, se caracteriza pela inteno de ruptura com o ethos tradicional. O produto
objetivo destas determinaes, em nvel de literatura e Cdigo de tica, se traduz na
hegemonia do tradicionalismo tico at 1986, o que no impede a construo de
uma nova moralidade na prtica.
A hegemonia do tradicionalismo no se restringe aos Cdigos de tica de
1965 e 1975; em 1962 a ABESS, publica a obra Cdigo Moral de Servio Social, de
origem europia, tal obra se apresenta como uma reao conservadora aos
movimentos crticos sociais da dcada de 60 e traz o como o profissional de Servio
Social deve agir em defesa aos bons costumes e moral tradicional.
Os Cdigos brasileiros de 1965 e 1975 reproduzem a base filosfica
humanista crist e a perspectiva despolitizante a acrtica em face s relaes sociais
que do suporte a prtica profissional.
Constata-se uma diferenciao no que se refere ao pluralismo presente na
renovao profissional: em 1948, a profisso tratada como homognea, no Cdigo
de 1965 em sua introduo faz referencia s diferenas um Cdigo de tica se
destina a profissionais de diferentes credos e princpios filosficos, devendo ser
aplicvel a todos. (SILVEIRA, 2011: 15). J em 1975, tal referncia excluda do
Cdigo de tica, o que expressa a reatualizao do projeto profissional conservador,
no contexto ps-1968, onde ocorreu o endurecimento da Ditadura Militar no Brasil.
Durante os anos 60 e 70, o Servio Social, se dividiu em muitos momentos,
onde os profissionais puderam aderir a projetos contraditrios no ir e vir da profisso
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entre a ruptura e a reatualizao do conservadorismo. A proposta de Almeida foi
considerada uma reatualizao do ethos tradicional, por negar a presena da
alienao e da opresso nos processos sociais, e recorrer fenomenologia que se
apresenta como um mtodo de ajuda psicossocial fundado na valorizao do dilogo
e do relacionamento.
A proposta de Almeida no desborda o terreno do tradicionalismo profissional. parte os supostos do conservadorismo que dimensiona as concepes-chave que a sustentam (a concepo da constituio profissional, a viso do desenvolvimento do Servio Social no Brasil, etc.); parte o seu universo de valores (o apelo ao personalismo em tempo da Teologia da Libertao); parte as sua reivindicaes terico-metodolgicas (o seu problemtico recurso fenomenologia) parte esses componentes axiais na sua formulao, a nova proposta recupera o que h de mais consagrado no tradicionalismo profissional: a herana psicossocial, a tendncia centralizao nas dinmicas individuais. (NETTO, 1991, p. 244-245 apud BARROCO, 2006, p. 139-140)
Enfim, essa nova proposta ainda no tinha como objetivo romper com o
Servio Social tradicional e conservador vinha lhe oferecer apenas novos
instrumentais, novos mecanismos de anlise, que no lhe possibilitavam vencer a
viso de culpabilizao do indivduo por suas mazelas.
O nascer de uma nova profisso
A construo de uma nova moralidade profissional, nos anos 60 e 70, esto
atrelada participao poltica, donde sua configurao nesse perodo, como um
ethos militante, oposio ao tradicional, em suas formas antigas e reatualizadas, o
que aponta para a peculiar origem da nova tica profissional: sua subordinao
imediata opo poltica.
A tica emerge como elemento motivador da opo poltica pelas lutas
populares, o que num primeiro momento, vincula-se a educao popular influenciada
por Paulo Freire. A Teologia da Libertao influncia a negao da concepo
tradicional do Servio Social, e a solidariedade com o pobre, no mais vista como
objeto de caridade e assistncia, e os oprimidos passam a ser considerados
sujeitos de sua prpria libertao.
Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertao, comeam a crer em si mesmos, superando, assim, sua convivncia com o regime opressor. Se esta descoberta no pode ser feita em nvel puramente intelectual, mas da ao, o que nos parece fundamental que esta
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no se cinja a mero ativismo, mas esteja associada a srio empenho de reflexo, para que seja prxis. (FREIRE, 1987, p. 22)
Ao enfatizar a unidade entre tica, educao e poltica, o assistente social
constri uma identidade muito prxima do militante poltico institudo
historicamente nos processos de organizao dos movimentos e partidos
revolucionrios, o que supe a incorporao do ethos socialista. No entanto, muitas
vezes, os valores so tomados de forma mecnica, dando margem a inmeros
equvocos.
A concepo tica restrita ideologia supe enfrentar a discusso filosfica
no interior do pensamento de Marx, o que possibilita rever sua herana hegeliana e
se aproximar de sua perspectiva ontolgica. Por uma srie de determinantes que
impedem a vontade individual dos protagonistas do Marxismo, ocorre uma
fragmentao do ncleo central da obra marxiana: as teorias da revoluo, do
valor/trabalho e a dialtica. As conseqncias dessa fragilidade impedem a
compreenso de componentes essenciais reflexo tica.
O mtodo crtico-dialtico reintroduz a categoria de totalidade. A renovao
tica marxista supe uma crtica ontolgica ao marxismo vulgar e que para tal
fundamental o recurso herana filosfica de Marx confirmada pela trajetria de
Lukcs; entre outros aspectos, as etapas que anunciam o seu processo de
superao do voluntarismo tico coincidem com seu aprofundamento de Hegel e de
estudos da cultura e das artes.
Na produo tica dos discpulos de Lukcs evidente a articulao entre a
questo tica e a alienao, tendo em vista ser esse o eixo central do desvelamento
das possibilidades e impedimentos para a realizao de uma tica dirigida
emancipao humana. A tica marxista apoiada na teoria da emancipao
proletria marxiana, pois Marx concebe o proletariado como sujeito histrico,
potencialmente capaz de subverter o ordem social da sociedade burguesa, de modo
a superar a prpria moral.
Libertar a humanidade, para Marx, no transferir a funo ideolgica da
moral burguesa para a moral proletria, pois esses parmetros, sendo histricos,
esto invariavelmente sujeitos s manifestaes alienadas. A prtica poltico-
revolucionria uma das possibilidades de conexo dos indivduos com o humano-
genrico, que vai alm da teoria da alienao, a uma apreenso das particularidades
da tica, pois entende-se que a estrutura capitalista pode ser transformada somente
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a partir de uma transformao moral, que devemos apreender as mediaes
particulares entre as necessidades, interesses e a liberdade, (fundamento do agir
tico).
na compreenso da dinmica interna do modo de ser do capitalismo, na
natureza de suas contradies, que possvel compreender a coexistncia
contraditria entre a afirmao e a negao das potencialidades humanas, pois a
sociedade compreendida como uma etapa histrica em que a universalizao da
produo e das capacidades humanas fornece as bases concretas para a criao de
uma nova sociedade, que propicie uma ampliao da conexo consciente entre os
indivduos e sua genericidade pois o livre desenvolvimento de cada um condio
do livre desenvolvimento de todos.
O Cdigo de tica de 1986, afirma a necessidade da mudana em funo a
dinmica social e a vinculao profissional com a classe trabalhadora. A tica
ento definida em funo do seu carter histrico e de sua fundao na produo
econmica da sociedade. Aponta-se ento a necessidade de uma nova tica
profissional que reflita a vontade coletiva, superando a viso acrtica. No entanto,
esse Cdigo no alcana os avanos esperados, pois expressa uma concepo
tica mecanicista; ao derivar, imediatamente, a moral da produo econmica e dos
interesses de classe no apreende as mediaes, peculiaridades e dinmicas da
tica.
A reviso do Cdigo de 1986 teve como pressuposto a consolidao do
projeto profissional nele evidenciado, numa perspectiva superadora, ou seja, de
garantir suas conquistas e ao mesmo tempo superar suas debilidades, assim
procurou-se estabelecer o recurso ontologia social permitindo decodificar
eticamente o compromisso com as classes trabalhadoras, apontando para a sua
especificidade no espao de um Cdigo de tica: o compromisso com valores tico-
poltico emancipadores referidos conquista da liberdade.
A renovao tica do Servio Social, tomada a partir do marco histrico do
atual Cdigo e do projeto tico-poltico profissional - que constri sua identidade
atravs da crtica terica e oposio tica e poltica ao conservadorismo do Servio
Social -, parte de um processo que antecede os anos noventa e permanece em
aberto, colocando indagaes quanto nossa capacidade crtica de analisar e
responder os/aos desafios do presente.
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O Cdigo de 1993 assinala uma etapa de amadurecimento do processo de
renovao da tica profissional, marcando a consolidao das conquistas afirmadas
no Cdigo de 1986: a ruptura com o conservadorismo tico-moral e a superao da
concepo tica tradicional, abstrata e a - histrica. Alm disso, ele supera as
fragilidades tericas do Cdigo anterior sem romper com a linha de continuidade
poltica que os unifica; dessa forma, amplia a concepo tica marxista para alm da
sua configurao de classe, fornecendo as bases para uma compreenso
ontolgico-social da realidade. A devida compreenso terico-metodolgica tambm
permite explicitar as mediaes necessrias entre a tica, os valores e a interveno
profissional; entre o projeto profissional e o projeto societrio ao qual ela se conecta
em dado momento histrico.
O Cdigo explicitou sua diferencialidade em face do discurso liberal, ao
afirmar a equidade e a democracia como valores tico-poltico. O Cdigo se ope ao
humanismo cristo porque no concebe uma tica essencialista, dada por uma
essncia transcendental e predeterminada histria; ao liberalismo porque no
naturaliza os valores universais nem os concebe como possibilidade objetiva
universal, na ordem burguesa; e ao marxismo anti-humanista, superando-o porqu
repe a tica no interior da prxis.
O Cdigo trata de dimenso prtico-operativa, tendo por eixo a defesa e a
universalizao dos direitos sociais e de mecanismos democrticos de regulao
social, traduzindo seus valores e princpios para a particularidade do compromisso
profissional. O Cdigo aponta para as determinaes da competncia tico-poltico
profissional identificando as dimenses tica, poltica, intelectual e prtica, na
direo da prestao de servios sociais, visando o pluralismo, a superao do
moralismo, a recusa do preconceito e da discriminao, enfrentando o dogmatismo,
ao defender a tolerncia, concebida como respeito diversidade.
A partir de 1993, o Cdigo de tica passa a ser uma das referncias dos
encaminhamentos prticos e do posicionamento poltico dos assistentes sociais em
face da poltica neoliberal e de seus desdobramentos para o conjunto dos
trabalhadores, e nesse contexto que o projeto profissional de ruptura comea a ser
definido como projeto tico-poltico referendado nas conquistas dos dois Cdigos
(1986 e 1993), nas revises curriculares de 1982 e 1996 e no conjunto de seus
avanos terico-prticos construdos no processo de renovao profissional, a partir
da dcada de 60.
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Os valores eticamente legitimados expressam conquistas scio-histricas
essenciais, e sua permanncia ou perda sempre relativa e no depende somente
da categoria profissional, mas do conjunto das foras sociais democrtico-populares.
A hegemonia do Cdigo vincula-se sua capacidade terico-prtica de responder,
positivamente, aos desafios, e a tica contribui para concretizar a superao do
histrico conservadorismo do Servio Social.
Consideraes Finais
A luta pela emancipao da sociedade um longo caminho a percorrer, e
exige que o profissional, compreenda a totalidade real em que esto engendradas
as relaes sociais. Percebendo os limites e desafios a serem enfrentados, afinal os
conceitos que servem aos movimentos de luta para o rompimento da sociedade
burguesa, so os mesmos que servem ao sistema para justificar e amenizar as
mazelas causadas pelo capitalismo.
O Servio Social constitui-se como um dos atores sociais que realiza um tipo
de prtica social, portanto importante observar se essas prticas ocorrem em
consonncia com os princpios da tica profissional do Servio Social, encontrando
na prtica cotidiana as possibilidades polticas de transformao e no esquecendo
o compromisso profissional do assistente social com o coletivo e a construo de
uma esfera publica democrtica.
O Servio Social uma profisso historicamente jovem, e que ao longo de
sua histria j passou por muitos avanos e transformaes. Ao observarmos a
histria e os avanos propostos pelo cdigo de tica da profisso, possvel
perceber a importncia da reflexo tica no agir profissional, e as transformaes
desse modo de agir, da conscincia profissional sugeridas no ultimo Cdigo de tica
Profissional do Servio Social.
A reflexo tica um dos instrumentos que permitem a compreenso dos
limites e possibilidades da atuao profissional frente os desafios colocados pela
modernidade, na medida em que indagada sobre a realizao objetiva dos valores
que assumem.
No bojo das relaes sociais historicamente estabelecidas, o profissional de
Servio Social tem sua prtica voltada para atender as necessidades concretas da
classe trabalhadora. O compromisso com essa classe, assumido formalmente no
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Cdigo de tica de 1986 se realiza, para a maioria dos profissionais, na prtica
institucionalizada.
No basta fundamentao terico-metodolgico para imediatizarmos uma
ao transformadora; a reflexo tica far justamente a mediao entre esse saber
terico-metodolgico e os limites e possibilidades, decorrentes das relaes
valorativas do homem em sociedade, para a prtica profissional.
No basta conhecer a realidade, querer transform-la, ter conhecimento
terico e metodolgico, se tudo isso no for dimensionado dentro das possibilidades
da ao, no mbito poltico.
Portanto, um dos pressupostos para as possibilidades da ao a liberdade,
ligada diretamente responsabilidade e ao compromisso social, que tem na
educao um dos espaos para essa conquista.
A reflexo tica um dos espaos onde encontraremos suporte para a busca
de respostas a essas questes impulsionadoras da ao, a partir dos desafios
colocados pelos projetos sociopolticos de nossa realidade social.
Do ponto de vista operacional, o Cdigo de 1993 efetivamente conseguiu
avanar no sentido da explicitao das mediaes particulares dos deveres e
direitos profissionais, facilitando, dentro do possvel, a objetivao dos valores e
princpios na prtica concreta do assistente social.
O Cdigo de tica de 1993 desempenhou o papel de mobilizador de um
processo que foi incorporado pelas entidades da categoria, especialmente pelo
conjunto CFESS/CRESS, em atividades de capacitao tica e poltica, com o
objetivo de trazer a tica para o cotidiano da vida social e profissional, superando
sua histrica restrio da tica expresso formal. Na dcada de noventa, a tica,
favorecida pela conjuntura nacional e mundial, tornou-se um tema central dos
debates acadmicos, incentivando a produo terica, mas tambm invadindo a vida
cotidiana atravs dos meios de comunicao.
Embora influenciada pelo marxismo, a renovao tica dos anos noventa no
se reduz a ele; abrangendo teses de ps-graduao, artigos e ensaios, a reflexo
tica do Servio Social apresenta uma interlocuo com diferentes autores, sem
deixar de contar com o aprofundamento do debate e da produo tica inscritos na
tradio marxista.
a partir dos princpios orientadores no Cdigo de tica, que os profissionais
em Servio Social, preciso refletir e desenvolver estratgias de mediao para a
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conquista da emancipao social da classe dominada. a partir da reflexo tica
dos conceitos que fundam os princpios desse Cdigo, como Liberdade, Cidadania,
Direitos Humanos e Democracia, que o profissional encontrar subsdios para sua
ao tica profissional.
REFERNCIAS
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. 04 ed. So Paulo, Cortez, 2006.
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FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 06 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. (Col. O Mundo, Hoje).
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______. Aspectos Histricos da Moral. Franca, 2010 ((Texto de apoio da disciplina de tica Profissional em Servio Social II - UNESP).
______. Nominata: Cdigos e Leis de Regulamentao da Profisso de Assistente Social, Resolues e Diretrizes Curriculares e Gerais. Franca, 2011(Texto de apoio da disciplina de tica Profissional em Servio Social II - UNESP).
1 Mestranda em Servio Social, pelo Programa de Ps Graduao da Faculdade de Cincias Humanas e Sociais, da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho e membro pesquisadora do Grupos de Estudos e Pesquisa do Servio Social na Educao GEPESSE e membro do grupo de pesquisa: Polticas pblicas e democratizao do ensino no Brasil: a implementao das propostas educacionais:mudanas e permanncias.