indÚstria e desenvolvimento: a indústria de calçados...

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329 INDÚSTRIA E DESENVOLVIMENTO: a indústria de calçados diante das mudanças na economia. Hélio Braga Filho 1 – Uni-FACEF Márcio Benevides Lessa 2 – Uni-FACEF Jonatan Pousa 3 – Uni-FACEF INTRODUÇÃO O objetivo do artigo é examinar as mudanças que ocorreram na economia e no interior da indústria de transformação brasileira e, como essas mudanças afetaram o gênero de fabricação de calçados instalado no município de Franca - SP. Essas mudanças foram analisadas a partir de três momentos históricos distintos, visto que apreciam a situação do Brasil e da América Latina na fase do desenvolvimento para fora, depois aborda-se a etapa caracterizada pelo desenvolvimento para dentro do Brasil mediante o seu processo de industrialização substitutiva de importações (ISI), juntamente com as modificações que ocorreram na economia e no interior de sua estrutura industrial. Em seguida, registram-se as alterações que se processaram na economia e na indústria, decorrentes de uma nova inflexão da produção brasileira, gestada pela abertura comercial impulsada pela globalização. A dependência do Brasil e da América Latina na etapa do desenvolvimento baseado no modelo agrário-exportador, evidenciava a falta de comando, a fragilidade e a insustentabilidade desse modelo, pois, quem de fato exercia o comando era a demanda advinda do centro de sistema econômico mundial. Ademais, a conformação da economia mundial engendrada pela Revolução Industrial resultara de uma divisão internacional do trabalho (DIT), na qual, o sistema econômico mundial fora constituído por duas estruturas bem distintas: a do centro, da qual pertenciam as economias industrializadas e tecnicamente mais avançadas e, a da periferia, composta por economias especializadas na exportação de produtos primários para os países de centro.

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INDÚSTRIA E DESENVOLVIMENTO: a indústria de calçados diante das mudanças na economia.

Hélio Braga Filho1 – Uni-FACEF

Márcio Benevides Lessa2 – Uni-FACEF Jonatan Pousa3 – Uni-FACEF

INTRODUÇÃO

O objetivo do artigo é examinar as mudanças que ocorreram na

economia e no interior da indústria de transformação brasileira e, como essas

mudanças afetaram o gênero de fabricação de calçados instalado no município

de Franca - SP.

Essas mudanças foram analisadas a partir de três momentos

históricos distintos, visto que apreciam a situação do Brasil e da América Latina

na fase do desenvolvimento para fora, depois aborda-se a etapa caracterizada

pelo desenvolvimento para dentro do Brasil mediante o seu processo de

industrialização substitutiva de importações (ISI), juntamente com as

modificações que ocorreram na economia e no interior de sua estrutura

industrial. Em seguida, registram-se as alterações que se processaram na

economia e na indústria, decorrentes de uma nova inflexão da produção

brasileira, gestada pela abertura comercial impulsada pela globalização.

A dependência do Brasil e da América Latina na etapa do

desenvolvimento baseado no modelo agrário-exportador, evidenciava a falta de

comando, a fragilidade e a insustentabilidade desse modelo, pois, quem de fato

exercia o comando era a demanda advinda do centro de sistema econômico

mundial.

Ademais, a conformação da economia mundial engendrada pela

Revolução Industrial resultara de uma divisão internacional do trabalho (DIT),

na qual, o sistema econômico mundial fora constituído por duas estruturas bem

distintas: a do centro, da qual pertenciam as economias industrializadas e

tecnicamente mais avançadas e, a da periferia, composta por economias

especializadas na exportação de produtos primários para os países de centro.

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Diante disto, o subdesenvolvimento e a estagnação da periferia,

notadamente as economias latino-americanas, resultaria, entre outros motivos,

de um intercambio comercial desfavorável com os países do centro. Assim, o

inevitável rompimento com o modelo agrário-exportador de dependência

clássica resultou da adoção de uma estratégia de desenvolvimento para dentro

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que fora impulsada pela industrialização.

No entanto, essa nova etapa do desenvolvimento comandado

pela indústria requeria a superação de vários problemas de ordem estrutural,

entre os quais, destacamos a reduzida amplitude do mercado de consumo

proveniente de uma distribuição da renda e da propriedade marcada pela

concentração. Mesmo assim, com todas as dificuldades e limitações que

poderiam inviabilizar a implantação, bem como o desenvolvimento do setor de

transformação, importantes mudanças de viés estrutural deram novo impulso

ao desenvolvimento econômico e social do Brasil. Basta observar que a partir

da década de 1950, a agricultura começara a sofrer progressiva redução de

participação na composição do PIB e na ocupação dá força de trabalho, assim

como também diminuía a população residente na área rural.

Com o progressivo avanço da indústria, tanto sua participação na

formação do PIB e na ocupação da força de trabalho aumentara, como com o

esvaziamento do campo intenso processo de urbanização se iniciava.

Do lado da demanda externa, a cadente redução das importações

de bens de consumo de 36,9% entre 1901-1907 para 7,4% em 1961 -

apontavam para o fato de que a economia brasileira conseguira obter exito no

sentido de produzir bens que outrora importava. Por sua vez, à medida que as

indústrias tradicionais experimentavam contínua redução em termos de

participação no produto industrial, aquelas denominadas por indústrias

modernas/dinâmicas denotavam nítido movimento de expansão.

Entretanto, enquanto ocorria apreciável mudança na estrutura

interna da indústria, na direção contrária registravasse contínuo aumento das

importações de bens de capital, matérias-primas e bens intermediários. Após

uma década de estagnação proveniente da instabilidade protagonizada pela

inflação persistente e galopante, a economia brasileira, após sucessivos e mal-

sucedidos planos de estabilização econômica, conseguiria finalmente estancar

e levar a inflação níveis bem reduzidos. Assim, a década de 1990 inaugurava

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uma nova etapa para a economia brasileira marcada pela transição da inflação

com anêmica exposição à concorrência internacional, para a era da

estabilidade duradoura com apreciável abertura comercial.

Na fase mais densa do desenvolvimento para dentro ganharam

significado na economia e, portanto, no processo de desenvolvimento

econômico-social do país, a indústria, juntamente com a crescente participação

e presença do Estado. Todavia, a partir dos anos 1990, a globalização

assoviada ao ideário neoliberal, promovera a redução do tamanho e da

participação estatal na economia, além do que, uma nova inflexão da produção

no país marcaria progressivo declínio da indústria de transformação na geração

de empregos e na composição do PIB.

Diante deste movimento de construção - desconstrução -

reconfiguração procuramos examinar o que aconteceu com o gênero de

fabricação de calçados no Brasil, para em seguida, verificar diante deste

turbilhão de mudanças como tais ocorrências afetaram a atividade de

fabricação de calçados instalada no município de Franca-SP.

A metodologia adotada, baseou-se na combinação da pesquisa

bibliográfica complementada pela pesquisa de natureza quantitativa calcada no

emprego de dados estatísticos de fontes secundárias nacionais e

internacionais.

Na primeira parte, abordamos alguns dos problemas pertinentes

ao subdesenvolvimento latino-americano nos moldes do modelo agrário-

exportador e, qual foi a estratégia adotada para sua superação. Examinamos

também, as modificações que se sucederam na estrutura da economia e da

indústria de transformação brasileira, onde procuramos demonstrar como que

as indústrias tradicionais - predominantes na fase inicial do processo de

industrialização - foram, gradativamente perdendo espaço no interior da

estrutura industrial para os segmentos mais modernos ou, dinâmicos.

Em seguida, na seção 1.1., a partir de uma seleto conjunto de

dados estatísticos, abordamos a situação mais recente da indústria brasileira

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com ênfase no segmento de fabricação de calçados. Entre outros fatores,

admitimos que em alguma medida, mudança no coeficiente de elasticidade-

renda da demanda por produtos industriais, tenha exercido alguma influência

sobre o gênero de fabricação de calçados no país, sem contar que dos anos

1990 em diante, câmbio, juros e tributos impactaram e, ainda continuam

impactando sobre a indústria nacional debilitando a sua própria

competitividade.

Finalmente, a seção 1.2. foi dedicada a avaliar, como este

intrincado rol de mudanças foi profundo e danoso, ao ponto de exigir, enquanto

reação passiva, que a indústria calçadista - base da atividade industrial -

sediada no município paulista de Franca, colocasse em movimento intenso

processo de reestruturação produtiva que culminou com uma nova

reconfiguração do setor.

1-Fundamentos teóricos

Com o advento da I Revolução Industrial protagonizada pela

Inglaterra no século XVIII, uma nova configuração do capitalismo mundial em

termos de funcionamento e hierarquia ia progressivamente se definindo. No

quadro da divisão internacional do trabalho e, em decorrência da difusão

desigual do progresso, poder-se-ia vislumbrar uma conformação do sistema

econômico mundial matizada por dois grupos distintos de estruturas.

[...] de um lado, o centro, que compreende o conjunto das economias industrializadas, estruturas produtivas diversificadas e tecnicamente homogêneas; de outro, a periferia, integrada por economias exportadoras de produtos primários, alimentos e matérias-primas, aos países centrais, estruturas produtivas altamente especializadas e duais. (CARDOSO DE MELO, 1994, p.14)

Ademais, as economias do centro configuravam acentuadas

diferenças estruturais com as economias da periferia.

Analisando e comparando a estrutura econômica e social dos

países subdesenvolvidos Kuznets (1983) constatara acentuadas diferenças

destes em relação aos países desenvolvidos. Nos primeiros, apreciável

proporção da população residia na área rural, assim como porcentagem

elevada do produto e da população economicamente ativa estavam

concentradas nas atividades primárias em detrimento de reduzida participação

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da indústria na composição do produto interno da economia como na ocupação

da força de trabalho. Com um produto per capita mais baixo, o consumo nos

países subdesenvolvidos ajustava-se a baixa renda, pois, além de reduzido

destinava-se apenas e em proporção mais elevada a satisfação das

necessidades básicas.

Já nos países desenvolvidos, Kuznets (1983) constatara uma

situação completamente diferente, posto que, parcela reduzida da população

residia no campo e proporção da população economicamente ativa bem menor

estava ocupada nas atividades primárias. A participação do setor primário

(agricultura, pecuária, pesca,aquicultura, etc.) no produto total destas

economias era reduzida, enquanto a contribuição da industria de transformação

na ocupação da força de trabalho e na formação do produto da economia, era

bem maior. Além do mais, a expressiva participação da industria nestas

economias proporcionava uma divisão técnica do trabalho mais sofisticada, que

por sua vez, resultava de um produtividade maior, salários mais elevados, uma

renda per capita mais alta e, uma estrutura de demanda mais ampla e

diversificada. Tanto que, em 1970, um pequeno conjunto de países formado

pela Austrália, Canadá, Europa, Japão e EUA, juntos representavam 82,57%

do total da riqueza produzida no mundo, somente a Europa e os Estados

Unidos da América produziam o equivalente a 72,24% do produto mundial.

(United Nations Statistics Division). Comparando os países subdesenvolvidos

com os desenvolvidos, verificamos que nos primeiros

[...] o produto per capita mais baixo é acompanhado por taxas de mortalidade mais elevadas [...] A população ajusta-se à baixa renda e ao produto, destinando uma proporção maior de seus gastos às necessidades fundamentais, como por exemplo, alimentos, deixando um proporção menor dos baixíssimos gastos per capita para outros bens [...] (KUZNETS,1983,p.254)

Nestas condições uma porcentagem maior da renda é destinada

ao consumo de bens essenciais, enquanto reduzida proporção da mesma,

sendo despendida no consumo de outras categorias de bens - semiduráveis e

duráveis - , limita e/ou dificulta a implantação de outras e diversificadas classes

de atividades econômicas, inclusive da própria indústria. Mesmo porque, para

certos gêneros da indústria, o que torna viável (econômica e financeira) sua

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implantação é a otimização das suas respectivas plantas industriais, a qual,

por sua vez, depende do tamanho do mercado.

Uma evidência empírica sobre a influência do tamanho do

mercado em relação à otimização da capacidade produtiva instalada é

encontrada no estudo de Bain (1965) mencionado por Singer (1988). De

acordo com os dados observados verificava-se que em países como o Brasil,

Formosa, Índia, Colômbia, México e Filipinas, a produção de automóveis

situava-se bem abaixo do nível de otimização da planta industrial.

[...] a indústria automobilística é virtualmente inviável nos países pequenos e médios e nos grandes teria alguma viabilidade (pelo menos no Brasil e no México) se toda a produção fosse concentrada num único estabelecimento o que não é, porém, o caso. (SINGER, 1988, p.74).

Por sua vez, o tamanho de um mercado condiciona-se ao

tamanho da sua população e da sua respectiva renda, pois, a priori é

admissível supor que à medida que a população cresça e, sua renda aumente

uma quantidade maior e mais diversificada de produtos, será, então

consumida. Todavia, deve-se levar em conta que o efeito renda não será igual

para todos os bens em decorrência dos coeficientes de elasticidade-renda

serem diferentes.

Um milhão de consumidores distribuem seus gastos de 1.000 dólares por uma variedade muito maior de bens e serviços do que 10 milhões tendo somente 100 dólares para cada um. Embora a demanda total seja igual a um bilhão de dólares em cada caso, a demanda por bens com baixa elasticidade-renda, tais como alimentos, roupas, móveis é muito maior se a população é maior; a demanda por bens com alta elasticidade-renda será provavelmente maior se os consumidores dispuserem de rendimentos mais elevados. (SINGER, 1988, P.74)

Na América Latina e, por conseguinte no Brasil, a condição de

subdesenvolvimento de ambos, em larga medida, resultara da predominância

da atividade primária enquanto núcleo do modelo de dependência clássica do

tipo agrário-exportador. Basta verificar que como introdução ao Estudio

econômico de La América Latina escrito em 1949, Prebisch diagnosticava o

atraso do continente latino-americano como sendo resultado da perversa

relação centro-periferia, que no quadro da divisão internacional do trabalho

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[...] cabia à America Latina, como parte da periferia do sistema econômico mundial, o papel específico de produzir alimentos e matérias-primas para os grandes centros industriais. (PREBISCH,2000, p.71).

O problema do subdesenvolvimento latino-americano - senão na

sua quase totalidade, mas, pelo menos em boa medida - decorria de relações

desfavoráveis dos termos de intercâmbio comercial com o centro do sistema

econômico mundial.

[...], apesar do maior progresso técnico na indústria do que na produção primária, a relação de preços piorou para esta última, em vez de melhorar, dir-se-ia que a renda média por trabalhador aumentou mais intensamente nos centros industrializados do que nos países produtores da periferia. (PREBISCH, 2000,p.86)

Além disto, acrescenta-se ao problema da deterioração dos

termos de troca, o fato de que as economias da periferia do sistema econômico

mundial submetiam-se a influencia cíclica da economia.

Os preços primários sobem com mais rapidez do que os finais na fase ascendente, mas também descem mais do que estes na fase descendente, de tal forma que os preços finais vão-se distanciando progressivamente dos primários através dos ciclos. (PREBISCH, 2000, p.86).

Diante deste quadro, convém ainda assinalar que em decorrência

de eventos externos, tais como as guerras e a instabilidade provocada pelas

crises econômicas, o desenvolvimento latino-americano estaria nos moldes do

modelo de dependência clássica seriamente comprometido, razão, pela qual, a

estratégia seria, senão a da industrialização.

[...] o desenvolvimento econômico dos países periféricos é uma etapa a mais no fenômeno da propagação universal das novas formas da técnica produtiva [...] Antes da Primeira Guerra Mundial, já haviam ocorrido, nos países de produção primária, algumas manifestações incipientes dessa nova etapa. Mas foi preciso que sobreviessem, com o primeiro conflito bélico universal, graves dificuldades de importação, [...] e, em seguida, foi preciso que a grande depressão dos anos 1930 corroborasse a convicção de que era necessário aproveitar essas possibilidades, [...], corroboração esta que foi ratificada durante a Segunda Guerra Mundial, quando a industria da América Latina, com todas as suas improvisações e dificuldades, [...]. (CEPAL, 2000, P.140)*

Deste modo, o esgotamento do modelo agrário-exportador de

desenvolvimento para fora, cedera espaço para uma nova etapa de

desenvolvimento para dentro protagonizado pela industrialização substitutiva

de importações (ISI).

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Todavia, independente de certas restrições da industrialização por

substituição de importações, outra ordem de problemas criava dificuldades ao

processo de industrialização, decorrente, sobretudo, do longo período de

tempo no qual as economias latino-americanas permaneceram calcadas na

divisão internacional do trabalho como exportadoras de produtos primárias.

Entre outros, destaca-se o reduzido tamanho de seus mercados

domésticos de consumo devido a má distribuição da renda entre seus

habitantes.

Tabela 1: Participação das diferentes camadas da população no consumo total por rubricas de consumo, mais ou menos em 1970 na América Latina

Rubricas de consumo Camadas da população

20% mais pobres

50% mais pobres

10% mais ricos

Alimentos, tabaco e bebidas

5 23 29

outros alimentos 5 25 28 Roupas 2 13 44 Calçados 3 16 46 habitação (a) 2 29 44 Transporte 1 5 64 cuidados pessoais (b) 2 15 41 recreação e diversão (c) - 3 75

bens de consumo duráveis

1 6 61

automóveis* - 1 85 casas e aptos* 2 9 54 Mobiliário 2 5 74

apar.elétricos e mecânicos

1 5 50

3 15 43 FONTE: Apud (Anibal Pinto, 2000,p.630), adaptada pelos autores

a) habitação: inclui alugueis, artigos têxteis para o lar, gás, combustíveis, eletricidade, água e móveis e utensílios domésticos. b) cuidados pessoais: inclui produtos de toucador, drogas e medicamentos, serviços médicos, cabeleireiros e similares. c) recreação e diversão: inclui férias e turismo, jornais e revistas, mensalidades de clubes, agremiações e similares. * refere-se aos gastos com aquisições (compra)

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Comparando os 50% mais pobres com os 10% mais ricos, a

exceção das rubricas de consumo com alimentos, tabaco e bebidas e outros

alimentos, as demais rubricas denotam a elevada participação da classe mais

rica no consumo total. Verifica-se também que as camadas da população

pertencentes aos 20% e 50% mais pobres destinavam de suas respectivas

rendas, percentuais elevados aos gastos com alimentos, tabaco e bebidas,

outros alimentos e habitação, abaixo destes os gastos com calçados, roupas e

cuidados pessoais e, tímidas eram as demais rubricas de consumo.

A partir dessas informações questionasse de onde parte a

elasticidade-renda, em quais grupos se origina a demanda e qual a sua

dimensão para as diferentes categorias de bens.

Em outras palavras, as taxas de crescimento dispares dos grupos industriais assinalam aproximadamente as inclinações do sistema ou estilo, no que concerne ao que produzir.Cabe agora indagarmos sobre os destinatários desse esforço, que são, ao mesmo tempo, seus mandantes econômicos, isto é, cabe verificarmos " para quem" o sistema produz (preferencial ou exclusivamente). [...] Tomando como pontos de referência as participações da camada que compões a metade mais pobre da população e dos 10% de renda mais alta, ressalta de imediato que a participação do primeiro grupo é invariavelmente mais baixa que a do segundo, exceto no que tange ao consumo de cereais, e que ela vai diminuindo quando se trata de bens mais caros e serviços mais qualificados e dispensados (PINTO, 2000, p.629).

A partir destas constatações, entre outros fatores, é admissível

entender porque na fase inicial de industrialização a estrutura industrial

brasileira estivera tão fortemente concentrada nas indústrias leves ou

tradicionais, mesmo porque, têxtil; vestuário;calçados e artefatos de tecidos;

produtos alimentares;bebidas e fumo, juntos somavam 69,2% do valor

adicionado da atividade industrial em 1920 (BAER, 1998).

Assim, se no início do desenvolvimento para dentro, o setor de

transformação fora liberado pela indústria tradicional*, já a partir do final da

década de 1950, constata-se ampliação da participação dos gêneros:

metalurgia; mecânica; material elétrico e de comunicações; material de

transporte; produtos químicos; farmacêuticos e plásticos, enquanto, em sentido

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oposto, as indústrias têxteis; de vestuário e calçados; produtos alimentares;

madeira; bebidas e fumo, experimentaram redução em suas respectivas

participações no total do valor adicionado industrial.

Tabela 2: Estrutura da produção industrial, segundo participação relativa de gêneros selecionados no valor da produção industrial - 1939-1959-1980

Gêneros de Indústria Participação no Valor da Produção

Industrial (em %) 1939 1959 1980

Metalúrgica 6,29 10,53 13,73 Mecânica 1,06 2,85 7,59

Mater.Elétrico e de Comunicações

0,91 3,98 5,19

Mater.Transporte 2,95 6,79 7,84 Química 5,79 8,96 19,27 Têxtil 23,04 12,54 6,42

Vestuário, Calçados, Artef.de Tecidos

4,65 3,41 3,85

Produtos Alimentares 31,37 24,15 13,88

Bebidas 2,60 2,37 1,05

Total* 78,66 75,58 78,82 Fonte: IBGE, elaboração dos autores

* Os percentuais foram calculados sobre o valor da produção das industrias de transformação (não foram considerados os valores das indústrias extrativas).

Entre os gêneros selecionados da indústria, percebe-se que

praticamente, tanto em 1939, como em 1980, juntos ainda representavam

quase 80% do valor da produção industrial.

No entanto, constata-se apreciável mudança na distribuição dos

percentuais de participação no valor da produção industrial, tanto que,

metalúrgica; mecânica; material elétrico e comunicações; material de transporte

e química; que em 1939 detinham o equivalente a 17%, já em 1980, passaram

a representar 53,6% do valor da produção industrial. Inversamente, os gêneros

têxtil, vestuários e calçados; artefatos de tecidos; produtos alimentares e

bebida, tiveram, respectivamente suas participações reduzidas de 61,6% para

25,2%.

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Convém assinalar que entre as décadas de 1940 e 1980, a

estrutura do PIB brasileiro também sofrera apreciável alteração, pois, a

participação da agricultura encolhera de 30% para 12%, a dos serviços passara

de 49,4% para 53,0%, enquanto a participação do setor de transformação

aumentou de 20,6% para 35,0%. (BAER, 1998). Analogamente, é incontestável

a mudança de peso relativo dos diferentes gêneros na própria estrutura interna

da indústria de transformação, que, entre outras razões, deve ter sido em boa

medida, dinamizada por alterações na composição da demanda devido ao

aumento da renda per capita.

A transformação estrutural de uma economia em fase de desenvolvimento constitui ainda um conjunto de mudanças na composição setorial da demanda, comércio exterior e produção que tem lugar simultaneamente com o aumento da renda per capita. Essa interdependência opera nas duas direções: o crescimento da renda altera a composição da demanda e da produção e o aumento das taxas de investimento, crescimento da produção e a realocação da mão de obra levam ao aumento da renda per capita. (BONELLI & GONÇALVES, 1998, p.11)

Esta assertiva pode ser melhor comprovada quando se compara a

estrutura da produção industrial brasileira em 1920, com a de 1990. Os

gêneros da industria denominada "tradicional" como madeira; couros e peles;

têxtil; alimentos e bebidas e fumo, tiveram por conta dessa mesma

interdependência, recuo de 76,68% para 27,34%, enquanto metalurgia;

química; mecânica; material elétrico e material de transporte aumentaram sua

participação no valor da produção industrial, respectivamente, de 6,47% para

51,86%, sendo estes pertencentes aos grupos classificados como indústrias

dinâmicas A e B. (BONELLI & GONÇALVES, 1998). Entretanto, a instabilidade

da economia mundial provocada por dois choques sucessivos do petróleo e

pela crise financeira na década de 1970, colocaria em curso pelas economias

mais avançadas do capitalismo central intenso processo de reestruturação e de

modernização industrial, lançando desta forma as bases de uma novo

paradigma industrial. O novo padrão de produção industrial conformara uma

estrutura, na qual os setores mais dinâmicos da atividade de transformação

baseavam-se no emprego intensivo de tecnologia, incorporavam no circuito da

produção volume considerável e crescente de gastos destinados às atividades

de pesquisa e desenvolvimento (P&D).

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Novos produtos passaram a ser elaborados a partir da bem-

sucedida articulação da eletrônica com a tecnologia da informação (TI), como

também, a microeletrônica embrenhando-se no complexo mecânico aumentou

de modo substancial a participação destes segmentos no valor da produção

industrial. (CARDOSO DE MELO, 1992). No comércio internacional o fluxo de

mercadorias de maior intensidade tecnológica também aumentava, além do

que, ao mesmo tempo, a demanda do setor externo (exportações e

importações) ampliava-se substancialmente, contribuindo sobretudo para o

crescimento das economias.

No plano microeconômico, o emprego de novas tecnologias

aplicadas ao processo de fabricação (CAD, CAM, CGMS), de ferramentas

gerenciais mais arrojadas (Kanban, JIT, TQC), somados aos modelos de

gestão e de estratégias empresariais mais requintadas, dotaram empresas e

setores da indústria de robustas vantagens competitivas. Ademais, novas

formas de organização da indústria, tais como os industrial district, clusters,

APL's, polos tecnológicos, etc, reforçavam as bases da competitividade e

proporcionavam novo impulso a diferentes segmentos industriais. (BRAGA

FILHO; LESSA, 2010).

Como se não fosse suficiente, a abertura comercial mais intensa

da economia brasileira no segundo quadriênio da década de 1990, coetânea da

fase mais aguda do ajuste pró-estabilização da economia, colocara em curso -

enquanto reação a este mesmo processo - veemente reestruturação produtiva

mobilizada por setores e empresas da industria.

Consequência bastante adversas se abateram, no decorrer dos anos 1990, sobre a empresa nacional. Várias cadeias produtivas foram desmanteladas, parcial ou integralmente, enquanto inúmeros segmentos e empresas surgidos e desenvolvidos ao longo das décadas sob o manto protetor do Estado tiveram poucas ou nulas chances de resistir à competição internacional, [...]. Novos segmentos, produtos e processos surgiram em todos os setores da atividade econômica, e o terciário não foi exceção àquele fenômeno. (IGLECIAS, 2010, p.295-296).

De fato, na década de 1980, a conjuntura econômica que se

instalou no país, em razão da crise de endividamento externo e fiscal do

Estado, alimentada pela inflação galopante e persistente, sem contar com a

imperiosa necessidade de produzir saldo comercial superavitário e do excesso

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de proteção industrial protagonizado pelo governo federal, deixou a indústria

nacional com sérios problemas de deficiência competitiva, além dos enormes

gargalos ou, estrangulamentos decorrentes da precária situação em que se

encontrava a infraestrutura econômica do país.

Assim, no curso do processo de reestruturação produtiva

colocado em curso nos anos 1990, empresas foram vendidas ao capital

externo, ou até foram liquidadas, enquanto outras, na busca da redução de

custos aproveitando-se dos atrativos patrocinados pela guerra fiscal

deflagraram considerável movimento de relocalização industrial.

Todavia, não bastasse esse turbilhão de ocorrências, para que a

partir dos anos 1990 uma nova inflexão da produção ocorresse na economia

brasileira, em alguma medida provocada por alterações nos níveis de

elasticidade-renda da demanda, entre outras razões.

[...], na formulação pioneira de Clark (1957), países de renda muito baixa contam com maior participação relativa dos setores primários no PIB, mas, à medida que alcançam níveis médios de renda per capita, essa participação majoritária é transferida para o setor industrial. Quando alcançam finalmente níveis elevados (e sustentáveis) de renda per capita, a perda de participação do setor industrial no produto agregado e, principalmente no emprego total é transferida para o setor de serviços. (NASSIF, 2006, p.9).

Assim, no Brasil esta nova inflexão da produção resultante da

redução da participação da indústria de transformação de 33% (1980), para

apenas 18% (2008) no produto agregado - segundo dados da United Nations

Statistic Division/Unstad -, colide com o fenômeno assinalado de modernização

recente no mundo e no Brasil, denominado de " terceirização" da economia. (

AZZONI, 2005)

1.1 Situação da indústria de calçados no Brasil

Uma vez assinaladas as mudanças mais gerais da economia e da

indústria brasileira, detemo-nos em seguida a examinar, especificamente o

gênero de fabricação de calçados, segundo indicadores econômicos mais

recentes.

Embora o Brasil, notadamente o segmento de fabricação de

calçados esteja entre os principais países produtores, uma ordem variada de

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343  

questões - tanto de natureza macroeconômica, como de viés microeconômico -

tem dificultado o desempenho da indústria nacional em geral, sobretudo o

gênero de fabricação de calçados.

Basta, para tanto, observar o desempenho das exportações

brasileiras nos últimos anos, segundo os principais grupos de produtos.

Tabela 3: Exportações brasileiras por grupos de produtos em

porcentagem do total das exportações 1993 e 2013

Grupos de Produtos Participação no total das exportações (%)

1993 2012

Básicos 23,69 46,77

Semi-Manufaturados 14,67 13,62

Manufaturados 61,10 37,39 Fonte: MDIC, elaboração dos autores.

Convém antes observar que decorridas quatro décadas, a

participação relativa das exportações de mercadorias do continente sul-

americano em porcentagem das exportações mundiais, praticamente não se

alterou - de 3,67% em 1970 ficou em 3,65% em 2011 -, conquanto as

economias desenvolvidas da Ásia de 8,40% (1970) aumentaram para 33,4%

sua participação em relação às exportações mundiais (UNCTAD).

No Brasil, os produtos básicos (incluindo as commodities

agrícolas e minerais) puxados pela elevação dos preços internacionais e pela

demanda, aumentaram sua participação no total de mercadorias exportadas

pelo país, enquanto os semi-manufaturados sofreram tênue redução, o grupo

de produtos manufaturados experimentou abrupta contração.

Além do mais, de acordo com as estatísticas da WTO (World

Trade Organization) as exportações (em milhões de US$ dólar a preços

correntes) de produtos manufaturados teriam somado em 2011 o equivalente a

US$ 11,5 (trilhões), sendo que deste valor somente a China exportou US$ 1,7

(trilhão), ou seja, 15,4%, enquanto o Brasil computou US$ 84,1 (bilhões), isto é,

apenas 0,73%.

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344  

Em se tratando do gênero de fabricação de calçados, convém

observar que em 1980 a produção elaborada pela indústria brasileira atingira a

casa dos 465,2 milhões de pares (COUTINHO, 1993), o que representaria em

relação à produção mundial o equivalente a 20,5%. Além do que, juntos, China,

Taiwan, Coréia, Indonésia e Tailândia no mesmo ano, teriam produzido, tão

somente 871,2 milhões de pares, ou ainda 39,2% da produção mundial.

(BRAGA FILHO, 2000). Daí em diante, apesar da produção brasileira ter

aumentado de 465,2 milhões de pares (1980) para 806,1 (2005), a participação

da indústria brasileira de calçados em relação aos principais países produtores

sofrera suave redução.

Tabela 4: Principais países produtores de calçados (em pares) e

participação relativa (em %) - 2005 e 2007

Países Produtos de calçados (em

milhares de pares) Participação Relativa (%)

2005 2007 2005 2007 China 9.000,0 10.209,0 76,3 77,3 Índia 909,0 980,0 7,7 7,4 Brasil 806,1 796,3 6,8 6,0 Vietnã 525,0 665,2 4,5 5,0 Indonésia 552,0 565,0 4,7 4,3 Total 11.792,1 13.215,5 100,0 100,0

Fonte: Abicalçados, elaboração dos autores

É oportuno ressaltar que este conjunto seleto de países

representavam juntos mais de 80% da produção mundial de calçados e, que

somente China, Índia, Vietnã e Indonésia participavam com mais de 76% da

produção mundial. Assim, em menos de três décadas a participação da

indústria brasileira de calçados na produção mundial, reduziu-se de 20,5% em

1980, para apenas 6,0% em 2007. Além disto, de 1990 em diante, o segmento

calçadista nacional experimentara em razão da abertura comercial, sobretudo

os efeitos provocados pela apreciação cambial (R$/US$), abrupta redução do

volume de calçados exportados para o tradicional mercado norte-americano.

Basta verificar que em quase duas décadas, o valor das exportações

brasileiras para esse mercado, de US$ 837,3 (milhões US$/FOB) em 1990,

somaram US$ 351,2 milhões em 2009, já em volume físico, a quantidade de

pares recuou de 100,4 (1990) para 28,0 milhões de pares em 2009. Por sua

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345  

vez, em 1990, do volume total de calçados exportados pelo Brasil, 70,3%

destinavam -se ao mercado norte americano, contudo em 2009, apenas 22,2%

das exportações foram destinadas a esse mercado, sem contar que em volume

físico o total das exportações brasileiras de calçados em 1990,

comparativamente ao ano de 2009, recuou de 142,9 para 126,5 milhões de

pares.

Em síntese, o que se verifica é que de 1990 em diante, a indústria

brasileira vem experimentando progressiva redução da sua participação no

PIB, enquanto do mesmo modo, a participação dos produtos manufaturados no

total das exportações do país sofreu substancial contração. A reboque destas

alterações, a indústria brasileira de calçados também vem sofrendo e

acumulando perdas. Além disto, outros fatores tem contribuído para a perda de

dinamismo do segmento de fabricação de calçados.

Gráfico 1: Brasil, exportações e importações de calçados segundo índice

de quantum (média 2006=100) - 1995-2008

Fonte: Ipeadata, elaboração dos autores

A progressiva e acentuada expansão das importações de

calçados a partir de 2004, exercera impacto de sinal negativo na indústria

calçadista visto que, a exceção da considerável fase de volatilidade cambial

resultante da transição de governo - fim do mandato de FHC e inicio do

governo Lula - a apreciação cambial, daí em diante, comprimiu sobremaneira o

50

60

70

80

90

100

110

120

130

140

150

160

95 96 97 98 99 00 01 02 03 04 05 06 07 08

Exportações Importações

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346  

volume físico das suas respectivas exportações.Além disso, o mercado

doméstico de consumo não tem esboçado reação favorável, ao ponto de suprir

a perda resultante da redução das exportações de calçados, mesmo porque, o

coeficiente de elasticidade - renda da produção industrial de calçados,

calculado a partir das variações percentuais do valor adicionado bruto em

relação às variações do PIB per capita, teria reduzido de 3,79(2001) para

1,51(2009).

De acordo com os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares

(P.O.F./IBGE) a participação relativa dos gastos das famílias com a rubrica

calçados pouco se alterou, pois o total em porcentagem de todas as classes de

rendimento apurado em 1996 somara 1,27%, enquanto a pesquisa 2008-09

registrou 1,3%, entretanto, comparando os percentuais de gastos desta última

com a primeira, constata-se que para todas as classes de rendimento ocorrera

diminuição.

Outra evidencia de desempenho do gênero de fabricação de

calçados no país, está relacionada aos índices anuais da produção física.

Gráfico 2: Índices anuais da produção física da indústria do vestuário,

calçados e artefatos de tecidos - ano diversos.

Fonte: IBGE, Elaboração dos autores

*para os anos de 2005, 2010 e 2012, o índice anual foi calculado a partir da média aritmética

dos índices de janeiro, julho e dezembro.

Embora os índices de produção física englobe os segmentos do

150,38145,55

115,23

93,09

82,5783,99

68,99

55,35

0

25

50

75

100

125

150

1980 1985 1990 1995 2000 2005* 2010* 2012*

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347  

vestuário e de fabricação de artefatos de tecidos, constata-se que o

desempenho destes incluindo o de fabricação de calçados, esboça um

comportamento bem diferenciado antes e depois da abertura comercial dos

anos 1990, apesar do movimento indicar progressivo declínio. De 1995 em

diante, taxa de câmbio, o peso dos tributos indiretos, redução da participação

da produção nacional de calçados em relação à produção mundial, diminuição

do peso do mercado norte-americano para as exportações brasileiras de

calçados, seguido de ampliação das importações deste mesmo produto pelo

país, entre outros fatores, foram decisivos e continuam a comprometer o

desempenho deste tradicional ramo da indústria nacional.

Desta forma, admitimos que as mudanças estruturais, mais

acentuadas que ocorreram na economia brasileira, acrescidas das

modificações que se materializaram na estrutura interna da indústria do país,

potencializadas pelas alterações impostas por conta das diferentes conjunturas

econômicas internas e externas, em boa medida, explicam o que aconteceu

com a indústria calçadista instalada no país.

1.2 A indústria de calçados de Franca

Muito embora o município de Franca tenha perdido o status de

economia predominantemente industrial, para a classificação, baseada na

tipologia do seu respectivo PIB (Fundação SEADE) de economia multissetorial,

o setor das indústrias de transformação, ainda representa um peso significativo

para a economia local. Assim, ao calcularmos o coeficiente de reestruturação*

nos anos de 2003 e 2012 - quase que uma década - apuramos que no período

não ocorreu mudança tão significativa na estrutura de empregos do município.

No entanto, convém salientar que ao longo dos nove anos considerados, a

participação dos setores de comércio e de serviços no total de empregos,

saltou de 40,4% em 2003, para 50,9% em 2012, conquanto, inversamente, a

indústria recuou de 46,5% para 37,8% respectivamente.

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348  

Tabela 5 : Distribuição percentual dos empregos entre setores de

atividade econômica no município de Franca - 2003 e 2012

Classes de Atividade Econômica Distribuição do Estoque de

Empregos** (em%) 1993 2012

Agropecuária 2,09 1,38 Extrat.Mineral 0,03 0,01 Indústrial 46,59 37,88 Constr.Civil 3,73 3,94 Serv.Util.Pública 2,09 1,33 Comércio 17,00 25,23 Serviços 23,47 25,68 Adm.Pública 5,00 4,55 Total 100,00 100,00

Fonte: MTE, elaboração dos autores *O coeficiente de reestruturação relaciona a estrutura de emprego na região j entre dois períodos, a fim de avaliar o grau de mudança na especialização desta região.Quando o coeficiente for igual a 0, não teria havido modificações na composição setorial da região. Se, por outro lado, o coeficiente for igual a 1, terá ocorrido uma reestruturação profunda na composição setorial da região. (HADDAD, 1989,p.241). **refere-se ao estoque recuperado de empregos formais em 31/12 Obs: ao invés de calcularmos o coeficiente de reestruturação da região, calculamos o coeficiente do município.

De acordo com os percentuais obtidos, calculamos o coeficiente

de Reestruturação (CR) para o município de Franca.

∑ t1 t0

CRi = i (|iej - iej|)

2

CRi = 0,10650

O que se depreende é que no período examinado o coeficiente de

reestruturação bem próximo de zero, evidencia que não houve modificação tão

significativa na estrutura de empregos do município de Franca. Do mesmo

modo, não fora computada alguma alteração na estrutura interna da indústria

de transformação local, haja visto, que o gênero de fabricação de calçados,

ainda detém mais de 70% do valor adicionado total produzido pela indústria.

Todavia, a atividade de fabricação de calçados instalada no

município, cresceu, aproveitou-se do efeito de encadeamento produzido pelo

setor e diversificou-se no sentido da complementariedade, atingiu o seu ápice,

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349  

contudo vem também enfrentando uma conjuntura adversa, para não qualificar

de perversa, ao ponto de sofrer a partir de 1990, abrupta reconfiguração.

De acordo com as características mais gerais descritas por

diferentes escolas e correntes da Teoria Econômica compartimentadas no

núcleo da Economia Industrial, podemos admitir que empresas calçadistas de

Franca - considerando as suas especificidades - evoluíram da empresa

clássica para o formato de Empresa Verticalmente Integrada. Muito embora

em bem poucas empresas a integração vertical tenha se estendido a reduzidos

estágios da cadeia produtiva, podemos destacar que o Grupo Samello fora

pioneiro ao adotar no passado este mesmo desenho organizacional. Do

mesmo modo, porém em menor escala podemos citar também as empresas

HB e Sândalo. No limite, possibilitaram que um formato mais arrojado de

organização industrial pudesse emergir no município. Ocorre que, à medida

que novas fábricas surgiram, outras, já existentes ampliavam suas próprias

instalações, expandindo, por sua vez, a capacidade instalada da indústria e,

ainda criavam demanda intermediária suficiente para que novas

empresas/indústrias aproveitando-se do efeito de encadeamento se

instalassem no município. Assim, embora não se possa afirmar que a indústria

calçadista francana configure um arranjo organizacional tão satisfatório quanto

as empresas/setores do capitalismo avançado, convém ressaltar que a sua

evolução contribuiu decisivamente para a conformação de uma cadeia

produtiva. (BRAGA FILHO, LESSA, PUPIM, 2009).

A década de 1980 inaugurou o período de transição política do

país com o fim da ditadura militar e a retomada da redemocratização, no

entanto, do ponto de vista econômico penalizou severamente a indústria de

modo geral em decorrência da instabilidade macroeconômica agravada pela

inflação crônica e persistente que entre os outros efeitos perversos,

inviabilizou a modernização e a atualização tecnológica do parque fabril

nacional.

Diante disto, tecnologicamente atrasada e com significativas

deficiências competitiva, a indústria brasileira passaria e enfrentar em meados

da década de 1990 uma conjuntura bastante diferenciada daquela que ficou

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350  

conhecida como "década perdida". Ocorre que, além da economia do país

transitar do circuito inflacionário para a era da estabilidade (monetária e dos

preços), os expedientes de política econômica adotados pelo governo federal,

principalmente, entre 1995 a 1998 - sobrevalorização do câmbio, taxas internas

de juros elevadas e redução sintomática das alíquotas de importação - ,

induziram as empresas industriais, de modo geral, a promoverem profundo

ajuste de viés microeconômico.

No âmbito da indústria de transformação, o subsetor de

fabricação de calçados foi duramente penalizado em razão do "forte viés

antiprodução e pró-importação, traduzido pelo significativo aumento do

coeficiente de penetração das importações sobre a produção que em 1993

oscilaria entre 0,7 e 3% passou em 1996 a variar entre 4% e 8%". (COUTINHO,

1997). Assim, a abertura comercial inaugurada pelo governo Collor,

posteriormente aprofundada concomitantemente à estabilização da economia

pelo governo FHC, induziram os produtores de calçado de Franca a promover

radical ajuste estrutural em suas respectivas empresas, contribuindo

sobremaneira,entre outra ordem de motivos, para que mudanças sem dúvida

significativas ocorressem no formato da indústria. A transição da economia

brasileira da conjuntura da instabilidade e inflação com proteção industrial para

a da estabilidade com abertura comercial e econômica, foi senão decisiva e

sintomática para as empresas calçadistas sediadas no município de Franca.

Por este motivo, admitimos que até por volta de 1990, muito provavelmente, a

indústria calçadista francana passara de uma estrutura um tanto

similar/próxima da oligopolizada para uma configuração mais acentuada de

concorrência monopolística.

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351  

Quadro 1: Esquema simplificado das características dos mercados

Atributos do Mercado

Estrutura de Mercado

Concorrência

Monopólica Oligopólio

Nº de compradores e

vendedores Muito alto

Poucos

Fornecedores

Grau de diferenciação do

produto Muito baixo Normalmente Alto

Barreiras à entrada e a saída

do mercado Inexistentes Altas

Fonte: Apud (NELLIS & PARKER, 2003). Adaptada pelos autores.

Uma descrição mais detalhada a respeito das estruturas de

mercado permite-nos diferenciar melhor as indústrias competitivas daquelas

que conformam as indústrias oligopolistas.

As industrias competitivas apresentam as seguintes características: 1. existem barreiras à entrada de pequenos produtores; 2. os produtores com custos mais elevados (as formas marginais) são firmas pequenas e apresentam uma taxa de lucro nula ou apenas ligeiramente superior a zero; 3. as firmas marginais respondem por uma parcela não - negligenciável da produção total da indústria[...]. As indústrias oligopolistas caracterizam-se por: 1. Existência de significativas barreiras à entrada; 2. existência de siginificativos diferencias de custos, refletindo economias de escala; 3. o fato de que os produtores com custos mais elevados ( as firmas marginais) têm taxa de lucro significativamente maiores que zero[...]. (GUIMARAES,1987,p.34-35).

Examinando a quantidade de estabelecimentos segundo o porte

da planta industrial da indústria de calçados de Franca em 1985, é cabível

admitir, devido a existência de onze plantas industriais de grande porte que

essas empresas: a) desenvolviam de forma bem rudimentar atividades de P&D;

b) exerciam certa influência no mercado nacional, devido o lançamento de

novos produtos/coleções; c) por serem empresas multiproduto, alcançavam

escala de produção em algumas de suas linha de produtos , sobretudo nas

exportações, que otimizavam a planta industrial em que operavam, embora em

outras linhas de produtos as quantidades produzidas eram reduzidas; e d)

adotavam as estratégias mais agressivas de marketing. Diante disso,

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352  

presumindo que tais características sejam verdadeiras, podemos supor que a

indústria calçadista de Franca no passado, deve ter-se constituído de

empresas que operavam na indústria competitiva, como também, por aquelas

que competiam no oligopólio diferenciado. (BRAGA FILHO, LESSA, PUPIM,

2009).

Entretanto, a partir de 1990 em diante, a economia como a

indústria, notadamente o ramo da manufatura de fabricação de calçados do

município de Franca experimentariam consideráveis mudanças. Analogamente

ao que ocorreu na economia brasileira - tanto na composição setorial do PIB

como a redução da participação da indústria - na economia de Franca, a

participação da indústria no produto da economia local, reduziu-se

abruptamente de 54,9% em 1970, para 22,5% em 2007 , razão pela qual, o

status de município mudou para economia multissetorial segundo a

classificação/tipologia conferida pela Fundação SEADE. Na direção oposta, a

participação dos serviços ampliou-se de 40,3% para 76,4% respectivamente .

Por sua vez, a reestruturação do segmento de fabricação de calçados resultou

da liquidação de considerável número de empresas - inclusive daquelas mais

tradicionais e de grande porte - da relocalização de alguns plantas industriais e

de um intenso processo de terceirização , que foram, por sua vez, suficientes

para produzir uma nova reconfiguração da indústria, a qual, por conseguinte,

passou a constituir-se predominantemente de empresas de micro e pequeno

porte.

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353  

Tabela 6: Franca, indústria de calçados segundo a quantidade de

estabelecimentos e estoque de vínculos ativos por classes de

estabelecimentos - 1985 e 2009.

Classes de estabelecimentos por faixas de vínculos ativos

Indústria de Calçados Quantidade de

estabelecimentos Estoque de Vínculos

Ativos 1985 2009 1985 2009

de 04 a 19 vínculos 148 1.189 1.106 5.391de 20 a 99 vínculos 85 177 3.837 6.808de 100 a 499 vínculos 46 33 11.905 5.250de 500 a 999 vínculos 09 01 6.454 505de 1000 ou + vínculos 02 0 2.702 00

Total 290 1.400 26.004 17.954Fonte: RAIS/MTE, Elaboração dos autores.

Na comparação 2009/1985 da quantidade de estabelecimentos

segundo o porte e o estoque de vínculos ativos formais, constata-se: a) em

porcentagem,a classe de estabelecimentos de micro e pequeno porte

aumentou de 80,3% para 97,6%; b) que os estabelecimentos industriais de

médio porte escolheram de 15,9% para apenas 2,3%; c) que as classes de

grande porte reduziram-se de 3,8% para menos de 1%; d) acentuada

desconcentração do estoque de vínculos ativos nos estabelecimentos de

grande porte, que de 35,2% passaram a representar apenas 2,8%; e)

expressiva ampliação do estoque de vínculos ativos nos estabelecimentos de

micro e pequeno porte, visto que de 19,0% passaram a somar 67,9% ; e f)

considerável redução da participação dos estabelecimentos de médio porte no

total do estoque de vínculos ativos que de 45,8% aproximadamente, chegaram

a representar 29,2%.

Vale ainda observar de uma forma mais geral, que o tamanho

médio dos estabelecimentos sofrera também considerável diminuição, haja

vista que, de 89,6 passaram em média para 12,8 pessoas empregadas por

estabelecimento. Desta forma,devido à inexistência de barreiras à entrada de

pequenos produtores acrescida da imoderada expansão de firmas de menor

porte cabe-nos supor se a ausência de escala de produção representa custos

mais elevados e taxas de lucro ligeiramente superiores a zero para estas

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354  

firmas; e se as mesmas teriam regredido à forma clássica, pois na sua grande

maioria "são empresas familiares ou sociedades de natureza jurídica simples,

não separando a responsabilidade do patrimônio familiar dos compromissos

assumidos pelas empresas" (DANTAS, KERTSNETSKY e PROCHNIK, 2002).

Outra questão que deve ser considerada e, que de alguma forma

pode ter contribuído para o desaparecimento das plantas industriais de grande

portem relaciona-se ao ambiente macroeconômico dos anos 1980,

comparativamente ao dos anos 1990.

Até o final da década de 1980 é bem provável que a configuração

da atividade de fabricação de calçados em Franca, tenha sido, em alguma

medida, influenciada pelas possibilidade de obtenção de escala de produção

advindas: a) das políticas adotadas pelo governo federal( subsídios, incentivos

fiscais e de proteção industrial); b) da pífia concorrência externa e interna; c)

dos programas de exportação caracterizados pelos elevados volumes físicos e

por uma maior padronização; d) pelo ciclo de vida mais prolongado dos

produtos destinados ao mercado interno; e e) de uma demanda mais alta. A

partir da década de 1990 este quadro modificou-se acentuadamente. A politíca

de proteção industrial cedera espaço para o câmbio apreciado e por uma

significativa redução das alíquotas de importação.

Gráfico 2: Franca, exportações de calçados segundo índice de quantum

(1994=100)- anos selecionados.

Fonte: SINDIFRANCA, Elaboração dos autores.

Enfim, as importações brasileiras de calçados saltaram de 1999

para 2009 em volume físico de 7,0 milhões para 30,3 milhões de pares e, em

0

20

40

60

80

100

120

84 88 92 96 00 04 08 11

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355  

valores de US$/FOB de US$ 50,0 para US$296,4 milhões. As importações de

calçados provenientes da China aumentaram no mesmo período de 3.779.196

para 22.587.692 pares e, em valores de US$ 16,3 para US$183,5 milhões de

dólares. Em trajetória descendente, as exportações de calçados de Franca

reduziram-se pronunciadamente em volume físico, de 15.593.203 em 1993

para pífios 3.105.735 pares em 2009.

Assim, a progressiva e crescente ampliação da produção e

penetração nos mercados do continente asiático, a apreciação do real e, o

ainda reduzido consumo doméstico per capita, foram - e ainda continuam

sendo - decisivos para o segmento de fabricação de calçados no Brasil. Já no

município de Franca, um dos principais polos produtores de calçados do país,

além destes problemas que afetam sobremaneira o desempenho do setor,

acrescenta-se ainda, o fato da industrial local, ser constituída,

predominantemente por micros e pequenas empresas e, por uma base

exportadora relativamente pequena.

CONCLUSÃO

Entre as décadas de 1970 e 1990 importantes movimentos

ocorreram na economia mundial, nucleados pelo capitalismo avançado do

centro. Inaugurava-se um novo povo de acumulação de capital com a

globalização econômica e financeira e, um novo padrão de produção industrial

gestado pela Terceira Revolução Industrial.

Incorporando no circuito do capital os gastos provenientes das

atividades de pesquisa e desenvolvimento(P&D), novos materiais, produtos e

processos passaram a ser empregados, produzidos e oferecidos em escala

global pelas empresas/economias.

A ampliação do mercado global decorrente do aumento da

população mundial e da renda per capita, provocara inaudita ampliação do

consumo. Por sua vez, o comércio internacional experimentara notável

expansão em termos de fluxo de mercadorias transacionadas pelas economias,

como também, a sua estrutura sofrera, substancial mudança, pois, produtos de

maior conteúdo tecnológico passaram a circular progressivamente através

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desta via.

Mudanças nos níveis de renda per capita acompanhadas de

alterações nos níveis de elasticidade-renda da demanda provocaram

simultaneamente modificações na estrutura da demanda e, por conseguinte, na

estrutura da própria indústria.

Além disto, o novo padrão de acumulação de capital e de

produção industrial engendrou duplo efeito sobre empresas/setores da

atividade econômica, uma vez que, a dinâmica e acirrada concorrência nos e

pelos mercados forçaria as empresas a adotarem estratégicas mais arrojadas e

as indústrias a buscarem novas formas de organização.

Até o final da década de 1980, a indústria calçadista de Franca

fora de certa forma, bem menos exposta à concorrência externa e, sua

configuração detonava expressiva presença de empresas de grande porte.

Com a abertura comercial iniciada na década de 1990, somada a

expedientes não favoráveis de política macroeconômicas,a exposição desta

mesma indústria à concorrência internacional impulsou um radical processo de

reestruturação produtiva. O resultado deste culminou com a extinção das

empresas mais tradicionais e de grande porte, esboçando, por conseguinte, um

novo formato, no qual, é predominante a participação/presença de empresas

de micro e pequeno porte.

Assim, a ausência de barreiras à entrada, a falta de escala de

produção, a predominância de empresas genuinamente familiares de capital

limitado, a progressiva redução do volume físico das exportações, mais o

problema da sucessão nas empresas, entre outras questões, podem estar

atuando em duas direções, ou seja, selar o destino final deste ramo da

manufatura industrial no sentido do declínio progressivo ou, abrir novas janelas

de possibilidades que dariam novo impulso à industria calçadista local.

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