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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL TAN EXAME FINAL 06 DE JANEIRO DE 2014 Tópicos de correcção 1 Ernesta tinha 16 anos quando se casou com Fernando no dia 05 de Janeiro de 2014. Por isso, havia lugar à aplicação dos artigos 132.º, 133.º, 1604.º, alínea a), 1612.º e 1649.º, CC. À venda do colar de pérolas por parte de Ernesta aplicava- se o artigo 1649.º CC, dada a situação de emancipação restrita como consequência da violação do artigo 1604, alínea a) CC. Cumpria explicitar que o artigo 1649.º CC também se aplica a actos de disposição e não apenas a actos de administração. Desta forma, a venda do colar de pérolas era inválida. Excurso: por outro lado, o casamento de Ernesta com Fernando fazia cessar a contagem do prazo previsto no artigo 114.º, n.ºs 1 e 2 CC. 2 António, terminadas as 24 horas do dia 03 de Janeiro de 2014, perfez 18 anos. Até ao fim desse prazo, era ainda menor, nos termos do artigo 122.º CC. Porém, António, às 00h00 do dia 04 de Janeiro de 2014, não ficou com capacidade de exercício plena, atento o disposto no artigo 131.º CC. Como os seus pais tinham intentado uma acção de interdição – que podem ser requeridas ainda durante a menoridade, nos termos do artigo 138.º, n.º 2, CC – António, durante a pendência da referida acção de interdição, ficaria sujeito ao poder paternal até ao trânsito em julgado da respectiva sentença. Desta forma, à contratação dos serviços de um advogado, no dia 03 de Janeiro de 2014, aplicavam-se os artigos 122.º e 123.º CC, não se aplicando quaisquer das excepções previstas no 127.º CC. Assim, o acto de António era anulável nos termos do artigo 125.º, n.º 1, alínea a), CC. Quanto à venda do quadro valioso, seriam de aplicar os mesmos artigos mas por causa do efeito resultante do artigo 131.º CC. Quanto a estes dois actos (contratação de advogado e venda de quadro valioso), cumpria explicitar qual o âmbito de aplicação das excepções previstas no artigo 127.º CC e qual o fundamento para a sua inaplicação no caso. (Nota: no caso, também será valorizada a referência ao artigo 150.º CC, aplicável aos actos praticados antes de anunciada a propositura da acção, apesar do regime previsto no 131.º CC indicar a manutenção do poder paternal por via de uma “prorrogação da menoridade” durante a pendência da acção de interdição). Quanto ao fundamento da indemnização reclamada por António a seus pais, cumpria teorizar sobre o problema da “vida como dano”, referindo as principais coordenadas axiológicas que enformam o direito privado português, nomeadamente a dignidade da pessoa humana e o valor da vida humana. Não existe um direito a ser abortado.

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL TAN – EXAME FINAL – 06 DE JANEIRO DE 2014

Tópicos de correcção

1 Ernesta tinha 16 anos quando se casou com Fernando no dia 05 de Janeiro de

2014. Por isso, havia lugar à aplicação dos artigos 132.º, 133.º, 1604.º, alínea a),

1612.º e 1649.º, CC. À venda do colar de pérolas por parte de Ernesta aplicava-

se o artigo 1649.º CC, dada a situação de emancipação restrita como consequência

da violação do artigo 1604, alínea a) CC. Cumpria explicitar que o artigo 1649.º

CC também se aplica a actos de disposição e não apenas a actos de

administração. Desta forma, a venda do colar de pérolas era inválida. Excurso:

por outro lado, o casamento de Ernesta com Fernando fazia cessar a contagem

do prazo previsto no artigo 114.º, n.ºs 1 e 2 CC.

2 António, terminadas as 24 horas do dia 03 de Janeiro de 2014, perfez 18 anos.

Até ao fim desse prazo, era ainda menor, nos termos do artigo 122.º CC. Porém,

António, às 00h00 do dia 04 de Janeiro de 2014, não ficou com capacidade de

exercício plena, atento o disposto no artigo 131.º CC. Como os seus pais tinham

intentado uma acção de interdição – que podem ser requeridas ainda durante a

menoridade, nos termos do artigo 138.º, n.º 2, CC – António, durante a

pendência da referida acção de interdição, ficaria sujeito ao poder paternal até ao

trânsito em julgado da respectiva sentença. Desta forma, à contratação dos

serviços de um advogado, no dia 03 de Janeiro de 2014, aplicavam-se os artigos

122.º e 123.º CC, não se aplicando quaisquer das excepções previstas no 127.º

CC. Assim, o acto de António era anulável nos termos do artigo 125.º, n.º 1,

alínea a), CC. Quanto à venda do quadro valioso, seriam de aplicar os mesmos

artigos mas por causa do efeito resultante do artigo 131.º CC. Quanto a estes dois

actos (contratação de advogado e venda de quadro valioso), cumpria explicitar

qual o âmbito de aplicação das excepções previstas no artigo 127.º CC e qual o

fundamento para a sua inaplicação no caso. (Nota: no caso, também será

valorizada a referência ao artigo 150.º CC, aplicável aos actos praticados antes de

anunciada a propositura da acção, apesar do regime previsto no 131.º CC indicar

a manutenção do poder paternal por via de uma “prorrogação da menoridade”

durante a pendência da acção de interdição). Quanto ao fundamento da

indemnização reclamada por António a seus pais, cumpria teorizar sobre o

problema da “vida como dano”, referindo as principais coordenadas axiológicas

que enformam o direito privado português, nomeadamente a dignidade da pessoa

humana e o valor da vida humana. Não existe um direito a ser abortado.

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL TAN – EXAME FINAL – 06 DE JANEIRO DE 2014

3 Nos termos do artigo 952.º, n.º 1 CC, os concepturos e os nascituros podem

adquirir por doação, sendo filhos de pessoa determinada, viva ao tempo da

declaração de vontade do doador. Por isso, Rodrigo podia doar o quadro a

António tanto a 07 de Janeiro de 1994 como a 01 de Janeiro de 1996. Cumpria

ainda, neste contexto, teorizar sobre o início da personalidade jurídica,

abordando a temática do estatuto jurídico dos nascituros, conjugando o disposto

no artigo 66.º CC com os restantes vectores que conformam o direito civil

português.

4 Aplicação do artigo 68.º, n.º 3 CC. Neste caso, dadas as circunstâncias, não se

tratava de um caso de ausência que poderia conduzir à morte presumida nos

termos do artigo 114.º, n.º 1 CC. A explosão do avião no oceano atlântico, sem

que o corpo/cadáver de Rodrigo tenha sido encontrado, configura uma situação

que permitiria admitir a sua morte, cabendo a respectiva declaração a uma

entidade judicial.

5 Noção de coisa móvel nos termos do artigo 202.º e 205.º CC. Noção de parte

integrante e aplicação desse conceito também às coisas móveis. Contraposição

de parte integrante e coisas acessórias: diferenciação dos respectivos regimes,

realçando o requisito da ligação material. No caso, tratava-se de uma parte

integrante. Por esse motivo, exclusão da aplicação do artigo 210.º, n.º 2 CC. Em

suma: António estava obrigado a entregar o quadro com o respectivo caixilho,

nos termos do artigo 882.º, n.º 2 CC.

6 A associação PORTUVA, cujo objecto social consiste em “organizar e desenvolver

acções de divulgação e promoção da uva da zona do Douro” pode praticar actos

(inclusivamente, actos comerciais) que visam obter lucro, desde que esse lucro

seja destinado a financiar a prossecução do seu objecto social. O lucro apenas

pode ser um meio e não um fim, ao contrário do que sucede nas sociedades civis,

em que a repartição do lucro é o seu fim último. Neste ponto, cumpria teorizar

sobre o artigo 160.º CC e o princípio da especialidade, referenciando as principais

posições doutrinais sobre o âmbito de aplicação do mesmo. Em suma: não estão

vedadas actividades lucrativas às associações, desde que finalisticamente

enquadradas com o seu objecto social.

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL TAN – EXAME FINAL – 06 DE JANEIRO DE 2014

7 A manutenção da respiração com o ventilador mecânico não implica, por si só, a

cessação da personalidade jurídica. O conceito de morte previsto no artigo 68.º,

n.º 1 CC, está concretizado na Lei n.º 141/99, de 28 de Agosto, nos termos da

qual a morte corresponde à cessação irreversível das funções do tronco cerebral. Só após a

realização dos exames que confirmassem a cessação irreversível das funções do

tronco cerebral, Luís poderia ser declarado morto; e, nos termos do artigo 68.º

CC, cessaria a sua personalidade jurídica. Antes dessa declaração ser emitida, Luís

mantém-se titular de todos os seus direitos de personalidade. Depois da

declaração de morte ser emitida, teria lugar a aplicação dos artigos 71.º e 73.º CC.

O presente caso devia ser enquadrado na protecção do direito à imagem.

Cumpria teorizar sobre a teoria das esferas e, em concreto, discutir a aplicação do

artigo 79.º, especialmente os seus n.ºs 2 e 3 CC. De igual modo, havia que

ponderar a aplicação do artigo 80.º CC. Excurso: exclusão de qualquer relevância

da qualidade de administrador da PORTUVA por parte de Luís. Não estava em

causa qualquer exercício de função, pelo que não estava em causa a acção da

associação através dos seus órgãos.