texto sobre a discussão a respeito do sentido da vida humana

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1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN Campus Avançado do Seridó - Governadora Wilma Maria de Faria Faculdade de Filosofia Curso: Licenciatura em Filosofia Prof. Galileu Galilei Medeiros de Souza História da Filosofia Contemporânea I Prof. Galileu Galilei Medeiros de Souza 1 O SENTIDO DA VIDA HUMANA SEGUNDO A FILOSOFIA DA AÇÃO 1. BLONDEL E A FILOSOFIA DA AÇÃO A existência possui um sentido?A esta pergunta irremediavelmente somos levados ao submeter à crítica o nihilismo. Abundantemente, como já tivemos oportunidade de observar no capítulo anterior, Schopenhauer e o próprio Nietzsche pôr- la-se-ão. No entanto, todos os dois filósofos alemães, sem justificativas críticas suficientemente fundadas, são vítimas claramente de um pressuposto ―cultural‖ em relação a um tema encontrado necessariamente no centro de uma tal questão , que se expressa no seu ateísmo ou na assunção a-priorística pela negativa à pergunta: a existência possui um sentido?‖ O nosso presente texto, como anteriormente já precisamos, assumirá a produção filosófica blondeliana, seja por suas características críticas, seja por sua atualidade em relação ao diálogo com o âmbito cultural contemporâneo, especialmente com o nihilismo. Ainda uma vez, nunca é desnecessário afirmar a complexidade de tais assuntos. Complexa se mostra uma análise satisfatória do nihilismo e complexa mostra- se um estudo profundo da filosofia de Maurice Blondel. Reconhecidas estas observações se nos justifica as limitações teóricas que fizemos em relação ao nihilismo e se nos apresentam como necessárias algumas outras limitações. Fundamentalmente, no estudo ao qual nos devemos empenhar, limitar-nos- emos especialmente à obra central do blondelianismo, a L’Action, especialmente em seu famoso último capítulo: Le lien de la connaissance et de L’action dans l’Être. 1 O Prof. Galileu Galilei Medeiros de Souza é mestre em filosofia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, mestre em bioética pela Universidade Pontifícia Regina Apostolorum de Roma e professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

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    Prof. Galileu Galilei Medeiros de Souza1

    O SENTIDO DA VIDA HUMANA SEGUNDO A FILOSOFIA DA AO

    1. BLONDEL E A FILOSOFIA DA AO

    A existncia possui um sentido? A esta pergunta irremediavelmente somos

    levados ao submeter crtica o nihilismo. Abundantemente, como j tivemos

    oportunidade de observar no captulo anterior, Schopenhauer e o prprio Nietzsche pr-

    la-se-o. No entanto, todos os dois filsofos alemes, sem justificativas crticas

    suficientemente fundadas, so vtimas claramente de um pressuposto cultural em

    relao a um tema encontrado necessariamente no centro de uma tal questo , que se

    expressa no seu atesmo ou na assuno a-priorstica pela negativa pergunta: a

    existncia possui um sentido?

    O nosso presente texto, como anteriormente j precisamos, assumir a produo

    filosfica blondeliana, seja por suas caractersticas crticas, seja por sua atualidade em

    relao ao dilogo com o mbito cultural contemporneo, especialmente com o

    nihilismo. Ainda uma vez, nunca desnecessrio afirmar a complexidade de tais

    assuntos. Complexa se mostra uma anlise satisfatria do nihilismo e complexa mostra-

    se um estudo profundo da filosofia de Maurice Blondel.

    Reconhecidas estas observaes se nos justifica as limitaes tericas que

    fizemos em relao ao nihilismo e se nos apresentam como necessrias algumas outras

    limitaes. Fundamentalmente, no estudo ao qual nos devemos empenhar, limitar-nos-

    emos especialmente obra central do blondelianismo, a LAction, especialmente em seu

    famoso ltimo captulo: Le lien de la connaissance et de Laction dans ltre.

    1 O Prof. Galileu Galilei Medeiros de Souza mestre em filosofia pela Pontifcia

    Universidade Gregoriana de Roma, mestre em biotica pela Universidade Pontifcia

    Regina Apostolorum de Roma e professor da Universidade do Estado do Rio Grande do

    Norte.

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    Naturalmente, tal no excluir o recurso a outros captulos de tal obra, em especial sua

    introduo e aos captulo que formam a sua segunda parte, dentre os quais

    Schopenhauer ser um autor central. Ademais, nos ateremos ao estudo do ensaio

    blondeliniano de 1900: Princpio elementar de uma lgica da vida moral, o qual se

    mostra em perfeita continuidade com a LAction e com os debates contemporneos

    sobre o nihilismo.

    De fato, a crtica reconhece o desconhecimento ou ao menos a desateno

    de Blondel quando da produo da LAction da obra filosfica de Nietzsche,2 no

    entanto, essencialmente por via de Schopenhauer que a atualidade da LAction se

    estender toda a teorizao nihilista. O elo de ligao entre estes trs autores se deve

    sobretudo pergunta fundamental, com a qual introduzimos este presente captulo, que

    estes identificaram como sendo o centro de toda a filosofia. Blondel e Nietzsche no

    concordaro com a resposta pessimista de Schopenhauer. Ademais, o mtodo

    empregado ao fim do qual se chegaria a uma resposta, mostra-se, como veremos,

    radicalmente diverso nos trs casos.

    Procurando a partir de agora o enquadramento do estudo do ltimo captulo da

    LAction, para por em ressalto a sua atualidade contempornea, devemos inicialmente

    justificar a fora da crtica filosfica blondeliniana e para tanto nos empenhamos em

    uma essencial exposio de seus pontos centrais.

    1.1 POR UMA CRTICA DA VIDA E UMA CINCIA DA PRTICA

    2 Blondel somente tratar explicitamente de Nietzsche alguns anos depois da publicao

    da LAction: 1. em um curso proposto para o ano letivo de 1915-1916, cujo ttulo parafraseia a terceira inatual nietzscheana: Nietzsche educador de toda uma gerao: a

    vontade de potncia; 2. em uma carta datada de 1936 e direcionada Sociedade dos

    estudos filosficos de Aix-Masseille; 3. por fim, nas obras da maturidade, por meio de

    numerosos acenos, entretanto, de forma episdicas. (Cf. D. DALESSIO, Ecce Homo. Il dramma dellumanesimo cristiano, 339).

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    Blondel viveu e pensou sua filosofia ininterruptamente submetendo-se

    dinmica do rigor crtico, sabendo que tal tenso seria a garantia da receptividade de sua

    obra, paradoxalmente atacada pelo pensamento laico e pelo pensamento religioso de

    ento, em uma poca em que a religio enfrentava um profundo processo de convulso,

    em especial ao interno do catolicismo.

    Blondel assumira desde os primeiros anos de seus estudos o desafio de alcanar

    claridade em relao aos problemas fundamentais da existncia. Deveria existir um

    meio de fundar um discurso que pudesse ser irremediavelmente necessrio,

    incontestvel para todo e qualquer homem, seguindo de perto, neste ponto particular, as

    pretenses da modernidade.

    O subttulo da LAction Ensaio de uma crtica da vida e de uma cincia da

    prtica testemunha o carter e a amplitude do projeto que tal obra se props a

    realizar: desvelar o que ao mesmo tempo necessariamente e voluntariamente implcito

    na sucesso de atos que compe a vida de todo homem, para a constituio de uma

    cincia da prtica, por meio de uma crtica implacvel. Todo o contedo de tal obra

    ser o desenvolvimento de tal projeto, presente aqui como uma semente que anseia por

    iniciar o seu crescimento.

    No desprezando a herana do lgos ocidental, em especial por meio da

    valorizao do patrimnio filosfico moderno, o filsofo de Aix-en-Provence procura

    atingir o ncleo central do esforo que marca toda existncia humana, concentrando sua

    busca em torno pergunta inicial da ao: a vida humana possui um sentido? Uma tal

    questo, ao menos aparentemente, mostra-se como iniludvel.

    Em verdade, como nos diz Blondel na introduo a LAction, todo homem

    obrigado a afront-la e resolv-la implicitamente por meio de seus atos. A vida, a

    locomotiva da sucesso de nossos atos no para nunca. Somos necessariamente

    condenados a agir e na ao condenados a escolher o caminho concreto que esta deve

    seguir, porquanto se deixar levar pela corrente, ao invs de agir livremente, na maior

    parte dos casos agir contra si mesmo. Optar por uma via renunciar s outras; mesmo

    escolher no agir, mesmo o suicdio j uma ao.

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    Entretanto, as nossas escolhas, segundo Blondel, no sero nunca realizadas e

    atuadas sob plena luz, dada a limitao de nosso pensar finito. Nem mesmo poderemos

    ser totalmente senhores de nossos atos, como nos mostra a nossa experincia

    quotidiana, seja porquanto somos sujeitos a determinismos vrios que s vezes contra

    toda inteno diversa usurpam o nosso domnio, seja porquanto dos nossos atos

    resultam conseqncias exteriores que nos se mostram como indomveis (Cf. M.

    BLONDEL, LAction, VI-X).

    Na prtica, nada se esquiva ao problema da prtica; e no somente cada um o

    pe, mas cada um, a seu modo, o resolve inevitavelmente (M. Blondel, LAction, X).

    Na prtica o problema da ao universal a todo homem. Esta constitui a via direta na

    qual o mtodo de soluo o da ao de acordo com a conscincia moral. Todavia, no

    homem surgem outras exigncias: a busca do tentar entender o sentido daquilo que faz e

    daquilo que deve fazer. Esta segunda via, indireta, no somente ajudaria na iluminao

    da conscincia interior, como tambm permitiria comunicar a soluo encontrada

    pessoalmente, no obstante as limitaes aqui presentes, indicando a universalidade da

    soluo (Cf. M. Leclerc, Il destino, 134-135)

    Daqui deriva a importncia do estudo da ao (M. BLONDEL, LAction, XVII):

    ento uma cincia da ao que necessrio constituir; uma

    cincia, que no ser tal seno na medida em que ser total,

    porque toda maneira de pensar e de viver deliberadamente

    implica uma soluo completa do problema da existncia; uma

    cincia que no ser tal seno na medida em que determinar

    para todos uma soluo nica e excludente de todas as outras.

    Porque no deve suceder que minhas razes, se estas so

    cientficas, possuam mais valor para mim que para os demais,

    nem que deixem lugar a outras concluses distintas das minhas.

    Desta forma, Blondel se prope a assuno, ao estilo de Agostinho e de

    Descartes, de um mtodo de dvida que no aceite seno aquilo que no pode ser

    negado. Inspirando-se a J.S. Mill, o filsofo francs procura a aplicao de uma crtica

    radical que no se submeta a nenhuma das suas hipteses, seno diante do que

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    impossvel de se duvidar (mtodo dos resduos). Nada pode ser previamente dado por

    bvio, nem em nvel de fatos, nem em nvel de princpios ou de deveres (M. BLONDEL,

    LAction, XXI).

    Na via indireta diferentemente da via direta na qual somos necessariamente

    obrigados a agir e a agir escolhendo tudo deve metodologicamente ser posto sob

    dvida, no pelo simples duvidar, mas em vista de assumir somente certezas

    absolutamente fundadas. Mesmo o problema da real existncia de um problema, ou o

    ponto de partida inicial no existe nada so postos sob crtica:

    A fora de toda a investigao deve ser fornecida pela

    investigao mesma; e o movimento do pensamento se

    sustentar por si mesmo sem nenhum artifcio exterior.

    (M. BLONDEL, LAction, XXII)

    Que se abandone qualquer prejuzo ou desconfiana, justamente

    porque no tomamos nenhum partido de antemo, nem pedimos

    nenhum voto de confiana. Mesmo este ponto de partida no h nada no se poderia admitir, porque seria ainda um dado exterior e como que uma concesso arbitrria e escravizante. A

    operao de desobstruo completa.

    (M. BLONDEL, LAction, XXV)

    Como se v, a atualidade de um tal mtodo em confronto com as exigncias da

    crtica filosfica, e em especial da crtica nietzscheana, mostra desde j a sua relevncia.

    Devemos agora acompanhar o processo vital da rvore crtica blondeliniana, uma vez

    que le dblaiement est complet.

    No obstante as delimitaes a que nos devemos submeter neste presente escrito,

    mostra-se essencial a compreenso do suco central do caminho de seu crescimento.

    1.1.1 Existncia da pergunta3

    3 Tema correspondente primeira parte da LAction.

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    verdadeiramente imprescindvel para o homem a pergunta sobre o sentido da

    vida? Tal constitui uma questo qual Nietzsche e Schopenhauer, como vimos,

    responderam afirmativamente, no obstante as suas interpretaes sobre o real valor de

    um tal problema sejam diversas uma da outra. Em verdade, nem mesmo o critrio

    adotado por Nietzsche, ou seja, do ultrapassamento e do primado da diferena, deixam

    espao para a negao da pergunta, embora a sinceridade intelectual pretendida por

    Nietzsche deve organizar hierarquicamente a qualidade das respostas dadas.

    Uma tal negao , no entanto, uma assuno terica, baseada sobre a

    inexistncia de uma qualquer razo para se justificar uma escolha. Tal seria o ponto de

    vista do estado esttico kierkegaardiano. Ou ainda, do diletantismo de E. Renan e o

    sagismo de M. Barrs, aos quais Blondel se dirige implicitamente na primeira parte da

    ao.

    De fato o estetismo, considerando a vida como um jogo, afirma teoricamente a

    sabedoria do no fixar-se a nenhuma certeza ou modo de vida, felicitando-se a

    experimentao de todas as mais diversas experincias. A verdadeira liberdade

    consistiria em um no se aliar a nada definitivamente, fugindo s cadeias de todo tipo de

    escravido, qual seria a fidelidade a deveres morais etc (M. BLONDEL, LAction, p. 11).

    pergunta sobre a existncia humana, o esteta responde com o decreto de seu

    esvaziamento, proclamando-se como amante do no querer nada, ao mesmo tempo

    que tudo experimenta.

    Fazendo emprego de sua crtica, Blondel descobre a insensatez e a debilidade de

    uma tal doutrina, que excluindo todos os sistemas estveis, torna-se pelo mesmo

    movimento um sistema. Todavia, um sistema ilusrio, ao passo que incapaz de

    experimentar a vaidade de tudo, porquanto incapaz de experimentar totalmente tudo (M.

    BLONDEL, LAction, 13). Ademais, o esteta consciente de no querer nada

    deliberadamente, no quer querer (nolo velle). Mas, esta j uma vontade de algo

    (Cf. M. LECLERC, Il destino, 142). E um algo que no indiferente, porque exclui uma

    enorme gama de possibilidades, ou seja, aquelas que se apresentam como exclusivas.

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    Mas em fim, qual o contedo implcito do querer do esteta? O esteta quer a si

    mesmo, e dominado pelo medo de perder-se. Entretanto, por meio de um amor tanto

    disforme que procurando sacrificar todas as suas experincias a si, em uma autolatria,

    ao fim sacrifica a si mesmo aos objetos que se lhe apresentam, perdendo-se nas coisas

    exteriores (Cf. M. LECLERC, Il destino, 144).

    A concluso a que o filsofo de Aix-en-Provence chega ao fim de tal percurso

    especulativo de que o problema da ao existe, a escolha, o compromisso

    obrigatrio. O homem no um indeterminado, mas uma existncia que quer algo,

    mesmo se este algo ainda ignorado (M. BLONDEL, LAction, 21):

    No querer nada , ento, ao mesmo tempo: admitir o ser,

    buscando nele esta infinita virtuosidade que sempre escapa; afirmar o nada, colocando nele a esperana vaga de um refgio;

    limitar-se aos fenmenos e se encantar pela comdia universal, para gozar do ser dentro da seguridade do nada.

    abusar de tudo.

    Uma vez eliminada esta primeira problemtica a ao humana se apresenta em

    seu curso como uma busca: o homem quer e quer algo. A indeterminao deste algo

    abre possibilidades diversas. Blondel as analisa em trs hipteses: 1. a hiptese do nada;

    2. a hiptese dos fenmenos; 3. a hiptese da transcendncia.

    1.1.2 A estrada do nada4

    O algo ao qual se dirige o problema da ao, dado a impossibilidade de saci-lo

    completamente e a nusea que deriva de uma saciedade fenomnica, no poderia ser

    solucionado pela identificao do nada, tal qual vimos ser a hiptese do pessimismo de

    4 Quanto a este tema, acompanhamos sobretudo o estudo da crtica de Schopenhauer na

    LAction proposto por C. TROISFONTAINES, La critique de Schopenhauer dans LAction, RPL, 91(1993), 603-619. Tal tema dentro a LAction corresponder a sua segunda parte.

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    Schopenhauer? O nada no seria a concluso da experincia comum, da cincia e da

    metafsica, diante da irremedivel morte que acompanha todo o cosmo? Do fato de que

    a nossa liberdade independente diante do mecanismo determinstico do mundo

    fenomnico que nos leva irreparavelmente morte, a nica via de soluo ao problema

    da ao no seria o romper a iluso da imortalidade, alcanando a nica liberdade

    possvel, ou seja, o apagamento de todo desejo de ser, por meio da sua substituio pela

    vontade do nada? Porque a idia do pessimismo schopenhaueriano se embater

    frontalmente com o projeto blondeliniano, o seu confronto dentro LAction fora

    inevitvel. De fato, para Schopenhauer todo mal humano proveria da vontade de viver.

    A ao seria o lugar de perdio do homem, e a nica estrada de salvao seria o

    aniquilamento da vontade, pela vontade do nada.

    Blondel enfrentar o confronto com trs formas do pessimismo propagado por

    Schopenhauer.

    A primeira destas aparece mediante a constatao emprica da universal vaidade

    das coisas, de seu inevitvel encaminhamento para a degradao, inclusive da prpria

    vida: a estrada da experincia direta. Entretanto, tal no sucederia somente porque

    pediramos da vida mais do que esta nos poderia dar? No seria suficiente renunciar a

    encontrar a satisfao dentro aos nossos atos para esperar uma bem-aventurada

    indiferena?

    A segunda, de forma mais elaborada que aquela da experincia direta, parte do

    fim das iluses de imortalidade que nos comunicado pelas cincias. A cincia, por

    mais que procure solucionar os problemas de contingncia da vida humana e do

    universo, ao fim constata somente o encaminhar-se de todas as coisas extino:

    degradao de todos os sistemas.5 Tal, por sua vez, no seria, ainda, somente a

    constatao de que pedimos do mundo muito mais do que este nos poderia dar? Ao

    5 Em especial com as constataes da termo-dinmica tais observaes so levadas

    luz. De fato, um de suas leis aquela que afirma o encaminhamento de todo sistema

    isolado em si morte termo-dinmica, ou seja, ao estado de mxima entropia e mnima

    energia.

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    invs de proclamar o falimento da cincia, no seria mais justificvel se apoiar sobre ela

    e reconhecer que o nada o fim da vida humana?

    Por ltimo, a terceira forma de pessimismo mostra-se como sendo a mais

    radical, configurando-se como uma crtica metafsica. Segundo ela seriam inteis o

    suicdio do pensamento e da sensibilidade, caso a vontade no conseguisse livrar-se do

    erro da vontade de viver, do erro do ser (M. BLONDEL, LAction, 30). De fato, tal

    pessimismo embora, em um primeiro momento, constate a existncia de uma vontade

    de viver, em um segundo momento declara a impossibilidade de sua realizao, pela sua

    dissoluo dentro ao determinismo universal (M. BLONDEL, LAction, 29):

    E assim j que a vontade de ser no logra a ser, a se encontra a

    dor suprema; j que a vontade de no ser, ao entrar na verdade,

    provoca um infinito consolo nas almas, aquilo que preciso

    demolir em si no o ser que no , mas a vontade quimrica de

    ser, consentir ao no-ser da pessoa humana, arrancar at as

    ltimas razes o desejo e todo amor a vida: desmascarar a

    astcia de todo instinto de conservao e de sobrevivncia

    procurar humanidade e ao mundo a sade dentro do nada, este

    nada que se deve definir como ausncia de querer.

    As respostas a tais objees do pessimismo no sero difceis de serem

    formuladas. Quanto ao primeiro tipo, Blondel faz notar que algumas experincias

    humanas poderiam ser aproximadas quela do nada, sendo que a nica absoluta

    experincia de um tal nada hipottico seria aquela da morte. No entanto, as dificuldades

    na comunicao de tal experincia so bvias: quem dos pessimistas j a viveu para

    document-la? Ademais, poder-se-ia falar de uma experincia aproximada: aquela de

    uma vida mortificada, mediante a ascese, como previa j Schopenhauer. Entretanto, os

    ascetas que a viveram geralmente possuem toda outra opinio em relao quela do

    pessimismo.

    Os dois tipos de pessimismos seguintes se mostram estreitamente coligados.

    Quanto a aquele de cunho cientfico, este no seria seno uma derivao ou uma espcie

    de cientificismo, que afirmaria como nica realidade existente a dos fenmenos

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    objetivos das cincias positivas, os quais, entretanto, so reconhecidamente incapazes

    de satisfazer as aspiraes humanas. A crtica metafsica schopenhaueriana os

    identificaria com o horizonte do nada, encontrando como via de soluo somente aquela

    do nosso j estudado aniquilamento da vontade de viver.

    No entanto, em obra, em tal modo de pensar, uma retoro: negando

    explicitamente o ser, devido inconsistncia dos fenmenos, o pessimista imposta

    implicitamente a sua infinidade. De tal modo, observa-se um erro lgico interno em seu

    comportamento, no encontrando a satisfao infinita que buscava nos seres finitos, ele

    hipotetiza fundamental inconsistncia do ser, ao invs de procurar a soluo em um

    lugar diverso daquele dos fenmenos. Querendo o aniquilamento de toda vontade de

    ser, o pessimista afirma implicitamente um dplice querer contraditrio: o querer

    profundamente o ser, que os fenmenos no chegam a satisfazer, e o querer superficial

    dos fenmenos o qual o pessimista no consegue superar (M. BLONDEL, LAction, 35):

    Querer assim o nada, com palavras com as quais um se engana,

    com efeito render testemunho tanto da vaidade do que se d

    como alimento ao, como da grandeza daquilo que quer com

    toda a fora, com toda a sinceridade do primeiro e ntimo

    desejo: mentira, porque se abusa de um equvoco; no se quer,

    no se pode negar de uma s fez o fenmeno e o ser; e,

    entretanto, segundo as necessidades se os nega, uma vez ou

    outra, como se se aniquilasse os dois de um s golpe, sem se dar

    conta que por esta mesma alternativa eles so igualmente

    afirmados.

    Para Blondel, a oposio que o pessimismo institui entre ser e fenmeno possui

    a sua origem no criticismo kantiano e na sua separao entre as esferas da razo pura e

    da razo prtica. De fato, o formalismo da pura inteno desvinculando o imperativo

    moral do mundo fenomnico, no intuito de garantir a sua universalidade, acabou por

    erigir uma separao entre atos postos pelo interesse sensvel e atos postos pelo

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    entendimento.6 De tal modo, abriu-se a estrada das concluses Schopenhauerianas sobre

    a inexorvel alienao da vontade para o filsofo alemo radicalmente estranha ao

    fenmeno, porquanto coisa em si que se objetiva nos corpos.

    Mas seria justa a afirmao segundo a qual toda exteriorizao da vontade no

    mundo fenomnico seria uma perda para esta? A resposta de tal questo nos ser

    sugerida por Blondel, em seguida, na terceira parte da LAction.

    1.1.3 Estrada dos fenmenos7

    A pergunta a ser colocada a esta altura no aquela sobre a capacidade dos

    fenmenos em satisfazer completamente a nossa mais profunda vontade, o que j fora

    descartado pela crtica ao pessimismo. O que se pretende estudar agora se caso o

    engano no nosso, ou seja, em tentar buscar o infinito, quando deveramos nos

    contentar com a positividade, limitada, claro, mas real dos fenmenos (Cf. M. Leclerc,

    Il destino, 156).

    Este algo que nossa vontade anseia no seria somente reduzvel aos fatos

    objetivos, estudados pelas cincias positivas? A filosofia no seria v, caso procurasse

    andar alm dos limites estabelecidos pelas cincias positivas?

    O complexo desenvolvimento da crtica blondeliniana ao positivismo,

    profundamente devedora de E. Boutroux, foge aos limites aos quais nos prefixamos na

    redao do presente trabalho. Procuraremos nos concentrar em seus aspectos mais

    relevantes e em suas concluses.

    Fundamentalmente, as incoerncias do positivismo derivam da sua ereo como

    nico critrio de verdade. De fato, as cincias no podem bastar a si mesmas,

    dependendo da ao humana para se concretizarem, dependendo de escolhas e de

    hipteses de interpretao. A cincia moderna, filha do matrimnio entre as cincias

    exatas e as cincias experimentais, mostra-se como dependente da ao humana para a

    6 Como veremos em seguida, entre motivos e moventes da ao.

    7 Correspondente terceira parte da LAction.

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    constituio de suas concluses. O pretender se declarar como nico lugar da verdade

    no pode ser positivisticamente fundado. Resta sempre insatisfeito um resduo, que

    deriva da impossibilidade de reduo da vida e da qualidade, teoria e quantidade.8

    De tal resduo as cincias dependem radicalmente (M. LECLERC, Il destino, 161).

    Existe ento em nossa ao e em nosso querer um resduo positivo, irredutvel

    s cincias positivas. Como se aproximar deste? A razo que interroga a ao

    humana, a este ponto, deve se fazer inteiramente filosfica. Blondel falar aqui de uma

    cincia da ao ou do sujeito que somos ns mesmos. O olhar filosfico, uma vez

    resolvidos os problemas do diletantismo, do pessimismo e do positivismo, orientado

    para a clarificao do dinamismo interno ao.

    Deveremos ento proceder ao estudo do nascimento e acompanhar o

    desenvolvimento da ao. Neste mbito, logo se assiste a um confronto que deve ser

    solucionado: entre determinismo e liberdade.9 De fato, a proclamao de um

    determinismo absoluto condena a liberdade categoria de simples iluso,10

    como vimos

    ser o parecer de Schopenhauer. Mas tal pretenso justificvel?

    Uma certeza incontestvel: o fato da no existncia de uma liberdade absoluta,

    porquanto somos condicionados de diversos modos: enquanto possumos um corpo,

    encontramos-nos submetidos s leis que regem o mundo dentro do qual agimos;

    psicologicamente recebemos a influncia de nossa educao, de nossa lngua, de nossa

    cultura etc. Entretanto, do fato mesmo da nossa conscincia de tais determinismos,

    somos capazes de tomar as distncias necessrias para relativiz-los. O monoidesmo h

    como pressuposto a inconscincia, ou seja, a supresso da liberdade. A conscincia, por

    8 As reflexes blondelinianas mostram-se mais uma vez como de grande atualidade.

    Basta-nos fazer referncia s ltimas concluses da crtica cientfica (Cf. o primeiro

    captulo de nossa redao atual). 9 Sobre tal respeito no poderamos deixar de citar M. RENAULT, Dterminisme et

    liberte dans LAction de Maurice Blondel. 10

    Como veremos em seguida, na apresentao do Princpio elementar de uma lgica da

    vida moral, tais interpretaes filosficas sero prenhas de conseqncias.

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    sua vez, como veremos em seguida,11

    supe sempre a diferenciao entre estados

    contrastantes.

    Uma ao humana voluntria, ou seja, livre, no nunca indiferente. O nosso

    querer, ademais, condiciona-se sempre em funo de diversos moventes que nos levam

    a operar de uma ou outra maneira, de acordo com finalidades ou motivos por ns

    mesmos, ao menos implicitamente, fixados. Por movente Blondel entende as

    conseqncias em ns dos determinismos que precedem ao, os quais nunca se daro

    isoladamente o que conduziria mais uma vez ao monoidesmo. Agir livremente

    significa sempre comparar os diversos moventes que nos estimulam a orientar a nossa

    ao em diversos sentidos. A nossa reflexo, ento, procedendo por meio de uma

    inibio do poder dos diversos moventes, os transformam em motivos possveis (Cf. M.

    Leclerc, Il destino, 166-167).

    Tal processo no um simples resultado matemtico do jogo de foras, mas sob

    o impulso da idia do infinito, produzida dentro do sistema dos moventes, em acordo

    com nossa aspirao pelo infinito, responsvel por uma nova organizao que da

    idia do infinito recebe a fora de uma potncia infinita que suspende temporariamente

    a fora de todos os moventes, transformando-os, assim, em motivos, que por sua vez se

    refletem em novos moventes e assim continuadamente. A nova ordem que se estabelece

    dentro de nosso interior exige porm uma sua atuao, sendo impossvel permanecer na

    eterna reflexo, porquanto tal seria um suicdio metafsico, seno de fato. E ainda, uma

    vez atuada, a ao far parte desta imensa engrenagem, provocando novos

    condicionamentos.

    Uma vez conscientes, no podemos no agir livremente. Somos como que

    obrigados ao livre, no obstante ns mesmos. Entretanto, o sentido o qual

    imprimimos nossa liberdade a ns imposto como uma escolha. A liberdade para

    ns, ao mesmo tempo, necessria e voluntria. Encontra-se, assim, posta sob o crivo de

    dois determinismos: um determinismo antecedente, do qual deve ratificar as condies e

    11

    Cf. nesta nossa presente redao as consideraes sobre o Princpio elementar.

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    sobre o qual exerce o seu poder; e um determinismo conseqente, porquanto a liberdade

    ao ratificar as suas condies por meio da ao concreta, aciona uma imensa cadeia de

    conseqncias, as quais, no de raro, fogem ao seu prprio controle. Em concluso, no

    podemos querer um ato, sem querer o que o torna possvel e suas conseqncias.

    Em fim, este aliquid que necessariamente desejamos positivamente, a partir de

    tais constataes, descobrimos quer-lo livremente. O problema moral , assim,

    necessariamente e voluntariamente posto (Cf. M. LECLERC, Il destino,169). A infinidade

    de nosso querer, manifestada pelo nosso infinito poder de resistncia em relao a todas

    as presses dos determinismos exercitados sobre ns, caracteriza aquilo que Blondel

    chamar vontade que quer. Entretanto, ainda que fundando o imenso poder de nossa

    liberdade e mostrando a amplitude infinita do nosso querer, nunca apagado pela

    possesso de nenhum objeto finito, o movimento de nossa vontade necessariamente se

    exercita por meio de escolhas precisas, fins parciais e atos concretos. esta vontade

    concreta, ao objeto do nosso querer Blondel chamar vontade querida. A tenso

    existente entre a vontade que quer e a vontade querida, a inquietude fundamental,

    constituir o motor de todo o desenvolvimento da ao.

    Identificada a qualidade da semente e o dinamismo que possibilitar o seu

    crescimento, o filsofo francs passa ao estudo da ao em seu ciclo vital, que como

    veremos, apresentar-se- em ondas concntricas.

    Sinteticamente, procurando seguir o movimento da ao desvelado por Blondel,

    nos deparamos em um primeiro momento com o nosso prprio corpo. Instrumento

    privilegiado de expresso da vontade querida, por meio da assegurao de sua

    colaborao o corpo um meio indispensvel para a resoluo da equao da vontade.

    De tal modo, a ao em seu dinamismo constitui o elo de ligao entre o corpo e a alma

    (nossa vontade profunda), formando o indivduo humano, ou seja, a unidade dinmica

    entre os diversos elementos e tendncias esparsas que pouco a pouco se vo integrando

    em uma ao comum, denominada por Blondel de sinergia interna. A ao para o

    filsofo de Aix-en-Provence ser o verdadeiro vinculo substancial, que a filosofia

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    moderna em Leibniz e Descartes j procurara identificar (Cf. M. LECLERC, Il

    destino,172).

    Esta, embora se realiza por meio do corpo, no encontra neste o seu trmino

    ultimo, deve prosseguir. E tal prosseguimento se embate com diversos outros mbitos.

    O primeiro destes constitudo pelo mundo fsico. Pelo corpo, encontramos-nos

    irremediavelmente sujeitados a suas leis, mas tambm somos capazes de agir sobre ele.

    Assim, pouco a pouco, a ao procurar associar o cosmo a seus fins, mas

    irremediavelmente no conseguir resolver a equao de sua vontade.

    A minha ao pessoal em sua dinmica encontrar ainda outras liberdades, que

    podero com esta colaborar ou, ao contrrio, prejudic-la. Naturalmente, a ao somente

    ser beneficiada e poder prosseguir por meio da colaborao, que se caracterizar por

    ser uma colaborao de liberdades e, assim, se transformar em coao: ao de

    diversos sujeitos, unidos em vista de um mesmo fim. O segundo ciclo, o circulo social,

    possui o seu incio aqui, no princpio primeiro da amizade. A ao se mostra, desta

    forma, como sendo mais uma vez o seu vnculo, desta vez vnculo social. O movimento

    da ao se expandir ao interno do social, em diversos mbitos, a partir de uma ao

    particular que lanar seus fundamentos: a unio conjugal, alargada naturalmente em

    unio familiar. A famlia no bastar para realizar os fins da ao, pressupondo toda

    uma organizao social que se alargar da cidade constituio de uma nao e de um

    estado, e das diversas naes a uma ordem mundial, nas quais a colaborao das

    liberdades se potenciar cada vez mais fortemente (Cf. M. LECLERC, Il destino,172-

    174).

    Mesmo que a ordem social pudesse alcanar um estado satisfatrio, resta a

    pergunta se a aspirao profunda da vontade se completaria. Como vimos quando do

    estudo da filosofia de Schopenhauer, no plano emprico, ao homem no resta que o

    movimento do desejo ao tdio.

    Impulsionada por seu querer infinito a ao procurar uma transcendncia.

    Assim, far-se- primeiramente ao cultural ou artstica, tendo em vista uma qualquer

    superao da morte e permanncia na histria. No completa, far-se- em seguida ao

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    moral, procurando viver e esclarecer o significado do imperativo da conscincia.

    Entretanto, a vida moral ser sempre um meio, nobre claro; no entanto, somente um

    instrumento que aponta para um fim ltimo que no este mesmo. Nem mesmo aqui a

    equao da vontade encontra sua soluo.

    Esgotados todos os recursos do gnio humano; esgotados todos os recursos da

    via dos fenmenos, a tenso entre a vontade que quer e a vontade querida no se

    resolve, restando duas solues: 1. ou a capitulao do dinamismo infinito, pela

    assuno da hiptese de seu absurdo, fazendo da ao supersticiosa, ou seja, procurando

    atribuir arbitrariamente a um dos elementos encontrados durante o desenvolvimento da

    ao o valor infinito que sabemos estes no possuir, constituindo assim a idolatria ou a

    auto-idolatria; 2. ou continuar o movimento da ao e buscar o aliquid de nossa vontade

    na nica hiptese que resta por examinar, a do nico necessrio.

    1.1.4 O ser necessrio da ao12

    Como vemos, a resoluo da equao da vontade ao mesmo tempo necessria

    e irrealizvel, a no ser que a ltima hiptese possa reger. Em sntese, salvo a existncia

    do nico necessrio, do sentido implcito, em resgate do Deus morto por Zaratustra.

    Esta existncia necessariamente implicada no movimento de nossa vontade, que do

    primeiro momento a exige e por isto se reconhece como incompleta. na busca da

    adequao perfeita ou de uma vontade infinita realizada, a qual no conseguimos nunca

    atingir, que se funda toda nossa ao verdadeiramente livre. Tal, todavia, no significar

    um absoluto otimismo, o qual poderia ser teorizado como uma possvel resposta ao

    pessimismo de Schopenhauer, anteriormente analisado.

    Longe de poder ser considerado um otimista ingnuo, Blondel no decurso desta

    quarta parte se esfora em mostrar os limites inerentes da vida, do desenvolvimento da

    12

    Correspondente quarta parte da LAction.

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    ao humana. De fato, segundo ele, somos sujeitos morte, ao sofrimento, a decepes

    e a tantos outros infortnios (Cf. M. BLONDEL, LAction, 328-329).

    De fato, somos constantemente sufocados pelos dinamismos do determinismo e

    nossos atos constantemente se voltam contra ns mesmos, mudando-nos a ponto de no

    nos podermos mudar a ns mesmos (Cf. M. BLONDEL, LAction, 331). A impotncia de

    nossa ao nos parece total: antes, durante, aps os nossos atos, existe dependncia,

    coao, fraqueza (M. BLONDEL, LAction, 331).

    No entanto, o reconhecimento das deficincias da vida atual no seria possvel

    seno como um contraste: Admitir a insuficincia de todo objeto oferto vontade,

    sentir a enfermidade da condio humana, conhecer a morte, portanto descobrir uma

    referncia superior (M. BLONDEL, LAction, 334).

    Conscientemente ou no, o nico necessrio encontra-se por ns implicado em

    nossos atos. Diante dele, somos colocados de frente escolha, a que j nos referimos,

    que agora nos se revela em toda a sua necessidade. Acolher a hiptese da ajuda que nos

    pode dar o nico necessrio para o alcance de nossa plenitude o que no uma mera

    questo de teoria, mas envolve todo o dinamismo da vida constitui a vida da ao,

    que se abre possibilidade ltima da realizao de seu movimento, tendo como suprema

    hiptese a do dom sobrenatural. Ao contrrio, o rejeitar tal abertura fechando-nos

    em ns mesmos, em nossa auto-suficincia constituir a morte da ao, pela renncia

    da continuao de seu movimento natural.

    Percorrido todo o desenvolvimento da ao apresentado na obra central

    blondeliniana, resta-nos ainda analisar o fundamental aprofundamento crtico que

    Blondel propor no ltimo captulo de sua LAction: Le lien de la connaissance et de

    laction dans ltre.13

    13

    Este ltimo captulo ser o terceiro da quinta parte da LAction. Nos dois primeiros, Blondel analisar a hiptese da estrada religiosa, especularmente em contraste com a

    primeira parte da obra, na qual se tratava a questo do diletantismo. De tal forma se por

    em discusso o problema da possibilidade de uma revelao, que como um dom de

    graa poderia realizar a ao, pretendendo mostrar a razoabilidade filosfica da prtica

    religiosa catlica. Este ltimo captulo, ao qual dedicaremos a nossa presente ateno,

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    1.1.5. O vnculo da ao e do conhecimento no ser

    A implicao do nico necessrio em todos os atos humanos, com a fundao

    neste da conscincia e da liberdade, e, assim, de todo o movimento da ao em vista da

    resoluo da equao da vontade, provoca a inverso do caminho comumente

    empreendido pela crtica filosfica para a constituio de suas certezas o qual fora

    criticamente analisado por Blondel neste ltimo captulo.14

    Todos os ciclos concntricos, passo a passo, percorridos pela dinmica da

    vontade mostraram-se de grande homogeneidade: unidos dentro a esta pela referncia

    implcita, desde o princpio, ao nico necessrio. De igual modo, porm, tal

    encadeamento revela toda a sua heterogeneidade: de fato, cada momento pode se

    revelar como um absoluto, no qual a vontade pode pretender igualar a si mesma. Cada

    momento se apresenta como uma novidade, novas snteses irredutveis s suas

    condies antecedentes das quais, no obstante dependem , e, todavia, reunidas

    em um sistema.

    no fora apresentado como parte da tese doutoral Sorbona. Em verdade, embora j

    delineado, o texto inicial de tal captulo fora suprimido pelo prprio Blondel, que o

    considerou ainda imaturo. Somente aps a apresentao da tese e depois de substanciais

    modificaes, tal seria unido ao texto da LAction, correspondente a aquele de sua edio pblica. Entretanto, tal texto constitui como que um captulo parte, na qual se

    expem uma especial metafsica, a qual antecipa as futuras pesquisas de sua Trilogia.

    Blondel a definir uma metafsica de segunda potncia (Cf. LAction, 464), para distingui-la das idias metafsicas descritas como fenmenos na terceira parte (Cf.

    P. HENRICI. Maurice Blondel e la filosofia dellAzione, 609). 14

    Trataremos em seguida de esclarecer tal questo, que na LAction nasce em resposta s observaes dirigidas a Blondel por seu diretor de tese E. Boutroux e por seu amigo

    V. Delbos. Aps a leitura dos manuscritos que antecipam a confeco final da LAction, Boutroux e Delbos haviam sentido a necessidade de: uma maior significao filosfica

    em especial pela clarificao de algumas questes religiosas que surgissem propsito

    da tese, sem, porm, fazer realmente parte desta (Cf. M. BLONDEL E. BOUTROUX, Lettres philosophiques de M. Blondel, 28 de julho de 1892); algumas correes que

    precisassem o estatuto da metafsica, permitindo-lhe no s de preparar e erigir a ao,

    mas tambm de justific-la em seu pleno valor (Cf. M. BLONDEL V. DELBOS, Lettres philosophiques de M. Blondel, 27 de julho de 1892).

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    Assim, as snteses da ao, seus moventes e motivos, aparecero ao mesmo

    tempo como uma srie de causas eficientes e um sistema de causas finais. Blondel a

    definir como unidade do vnculo causal (Cf. M. BLONDEL, LAction, 434). Dentro

    desta, observe-se que o posto central ocupado pelo nico necessrio concede a

    possibilidade de toda existncia, ou seja, dependente dele, a ao se constituir como

    movimento que de escalo em escalo fundar a todos: o sistema a condio sine qua

    non da srie.

    Como causas eficientes e causas finais os objetos da ao so na verdade seus

    fenmenos, ou melhor, representaes que o esprito se faz dos diversos setores de sua

    existncia. Curiosamente, em referncia ao percurso realizado na terceira etapa da

    LAction, Blondel criticamente concluir, assim, pelo carter meramente ideal ou mental

    de todo o complexo fenomenolgico estabelecido: Com efeito, at agora, e ainda que

    hbitos mentais contrrios tenham podido convencer o leitor, somente se trataram de

    meios subordinados ao. Em nenhum caso se tratou de transformar ditas condies

    prticas em verdades reais. (M. BLONDEL, LAction, 425)

    No entanto, a partir daqui se faz necessria anlise crtica a identificao do

    valor ontolgico de tais condies. O determinismo contnuo que desenvolve a cincia

    da ao requer um supremo passo do pensamento, para exprimir todas as exigncias

    do determinismo prtico: a sua prova ontolgica.15

    Tal no significar a sada do

    determinismo fenomnico que se impe obrigatoriamente a ns com seu cetro de

    ferro , mas a necessidade cientfica que para ns, pelo fato de pensarmos e

    15

    La ncessit pratique de poser le problme ontologique nous amne ncessairement

    la solution ontologique du problme pratique. [] Ce qui exprimait simplement les besoins de notre volont doit acqurir, devant lentendement mme, une vrit absolue. Ce qui ntait encore que ncessit de fait sera fond en raison. Ce qui navait t pos, en face de la pens, que comme moyens immanents au vouloir va tre pos, hors de la

    volont, comme fins immanentes la pense. Et, tandis que laction avait paru premire, et ltre, driv, cest la vrit, cest ltre qui vont paratre premiers, mais sans que leur subsistance et leur nature mme cessent dtre dtermines par laction qui y trouve sa rgle en mme temps que sa sanction (M. BLONDEL, LAction, 425)

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    atuarmos, comportarmos-nos como se a ordem universal fosse real e as obrigaes

    prticas, fundadas. (M. BLONDEL, LAction, 427)

    Segundo Blondel, de uma parte, para se resolver cientificamente o problema do

    conhecimento e do ser exigido um rigor crtico tal para o qual impossvel no

    determinar com exatido e de antemo todo o sistema das relaes intercaladas entre

    estes dois extremos. De outra parte, uma vez abarcadas pelo pensamento todo o

    complexo das operaes transitivas, este necessita que toda a srie de seus objetos

    participe da realidade de seu trmino, implicado desde o princpio, sob a pena de

    banalizao de todo o sistema (M. BLONDEL, LAction, 427).

    De acordo com as exigncias cientficas, que nos obrigam ao rigor, pelo fato do

    determinismo da ao nos levar obrigatoriamente identificao de um tal trmino,

    resulta que possumos um conhecimento certo do ser, do qual no nos podemos eximir.

    No entanto, para alcanarmos um tal trmino no poderemos nos subtrair alternativa

    no resolver o problema prtico, que se nos apresenta como vida ou morte da ao. O

    conhecimento cientfico do ser se apresenta assim como necessrio e ao mesmo tempo

    voluntrio. Subsiste uma presena necessria da realidade no pensamento, sem que a

    realidade esteja necessariamente presente no pensamento (Cf. M. BLONDEL, LAction,

    420). O modo como tal presena se encontrar em ns, depender, segundo Blondel, da

    opo suprema. O ser e o conhecimento so, assim, radicalmente heterogneos e, no

    obstante, idnticos. (Cf. M. BLONDEL, LAction, 429)

    Para compreender tais observaes Blondel se empenhar em responder: 1.

    como o pensamento concebe inevitavelmente a realidade de todos os seus objetos? 2. O

    que pode ser rechaado da inevitvel concepo do ser e o que resta desta necessria

    realidade no pensamento que a exclui e na vontade que dela se subtrai? 3. A adeso

    prtica e o livre reconhecimento, o que acrescem ao ser necessariamente concebido e a

    verdade forosamente reconhecida? Em fim, estas perguntas se reagrupam em uma

    final: como a ao perfeita pode consumar tudo o que serviu para constitu-la?

    Seguiremos agora o percurso por ele empreendido.

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    1.1.5.1 A idia de objetividade16

    Por que a continuao do determinismo prtico em toda a sua srie reveste o

    carter de uma verdade real? Como j observamos, o determinismo da ao nos pe

    diante da srie, apresentando-a como um complexo de meios pelos quais a vontade

    procura resolver a sua equao de modo voluntrio. Precisamente porque cada objeto da

    vontade se apresenta necessariamente como devendo ser querido voluntariamente, mas

    podendo no s-lo, onde se funda a idia de uma existncia objetiva, ou seja,

    independente de nossa vontade.

    Todos os objetos que se apresentam vontade, agrupados no sistema, como

    dissemos, fazem referncia opo suprema, que se constitui em um momento da srie,

    e da qual cada opo particular ser revestida, de tal forma que o seu Objeto, Deus, as

    transcender todas. E tal somente possvel porque a srie eficiente encontra-se

    inseparavelmente unida ao sistema final, de tal forma que cada singular sntese porta em

    si a presena do nico necessrio.

    Cada movimento da vontade querida testemunha a sua incapacidade de igualar-

    se no seu engajamento fenomenal vontade que quer, fundando a necessidade do

    sistema. No entanto, a realidade do todo sistemtico, da qual participa cada anel da

    cadeia, no passa ainda de uma abstrao, de uma necessidade interna. A vontade que

    quer exige uma sua objetivao, o seu engajamento, a vontade querida, de tal forma

    que: Para que a noo de existncia objetiva esteja na conscincia, necessrio que

    esta noo abstrata se realize em objetos concretos (Cf. M. BLONDEL, LAction, 433).

    O j citado vnculo causal encontra assim sua explicao: no se trata de uma

    necessidade inteligvel e analtica, nem de uma simples justaposio de termos

    empiricamente independentes, mas de uma concepo que integra estas duas ltimas

    dentro lei necessria que exprime idealmente ao pensar o encadeamento real das

    16

    No desenvolvimento dos pontos do ltimo captulo da ao seguiremos o esquema

    proposto por Paul Gilbert no artigo Le phnomne, la mdiation et la mtaphysique.

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    necessidades prticas cujas exigncias ratifica a vontade mesma (Cf. M. BLONDEL,

    LAction, 434).

    Nesta ratificao ou objetivao, a cada escalo, a vontade joga o tudo por tudo,

    tendo diante de si constantemente a possibilidade da idolatria. E ainda, porque o sistema

    transcendente a cada um de seus anis, porque o nico necessrio implcito em cada

    ponto da srie, a opo suprema, positiva ou negativa, determinar o sentido do sistema

    concreto e sua realidade ontolgica, como a de cada um de seus elementos.

    No texto que seguir procuraremos, seguindo Blondel, esclarecer tais

    observaes, por meio da explicitao do conhecimento privativo e do conhecimento

    possessivo do ser.

    1.1.5.2 O conhecimento privativo do ser

    No segundo ponto do ltimo captulo da LAction, Blondel trata de precisar

    alguns questionamentos que se mostraro essenciais: 1. de que forma tudo o que a viso

    do esprito oferece como objetivo pode ser excludo. 2. Tal excluso suprimir a

    possesso, mas no a necessidade e o conhecimento da realidade. 3. De que modo este

    conhecimento privativo postula do ser excludo a mesma confirmao daquela do ato

    que o rejeita.

    A verdade real dos objetos, segundo Blondel, no residir na irremedivel

    representao que possumos destes, em virtude das exigncias prticas de nossa ao,

    mas sim no fato que depende de ns o querer e o no querer em relao a estes. Para que

    estes objetos sejam em ns, devemos querer que sejam para ns o que so em si

    mesmos. Mas como?

    Segundo Blondel, aceitar ou regeitar as exigncias prticas, significa acolher em

    si ou eliminar de si a realidade da que derivam estas mesmas necessidades. Rejeitar a

    dinmica da ao que transcende toda a srie, pela resposta negativa diante da suprema

    opo em relao ao nico necessrio, ser eliminar de ns a possesso dos outros

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    seres, porquanto privamos a experincia daquilo que a reflexo descobriu ao corao de

    todo conhecimento possvel.

    Entretanto, tal no significar a supresso da necessidade e do conhecimento da

    realidade. A realidade e seu conhecimento, embora co-extensivos, podem ser

    radicalmente distintos (Cf. M. BLONDEL, LAction, 438-439). Blondel falar da

    existncia de um conhecimento subjetivo, idntico opo, negativa ou positiva, a favor

    do ou contra o nico necessrio. De acordo com esta opo, o conhecimento,

    anteriormente abstrato, amplia-se, traduzindo em nosso pensamento a soluo prtica do

    problema ontolgico. (Cf. M. BLONDEL, LAction, 438)

    Caso a opo seja negativa, caso se suspenda o movimento natural do

    conhecimento e da vontade em vista do nico necessrio, restar somente um

    conhecimento intelectual da verdade dos fenmenos, uma imensa representao sem

    nenhum fundo ontolgico (Cf. P. GILBERT. Le phnomne, la mdiation et la

    mtaphysique, 116). O conhecimento, ao limitar-se ao que j era, ser ento

    privativo, dirigindo-se ao ser para esvaziar a si mesmo daquela realidade que, todavia,

    requer por fora de uma necessidade; a vontade permanecer incapaz de proceder

    resoluo de sua equao: o infinito que necessitamos, ele [o conhecimento] afirma de

    fronte a quem o negou, mas para recusar ao negador tudo aquilo que ele [o

    conhecimento] lhe afirma (M. BLONDEL, LAction, 439).

    1.5.1.3 O conhecimento possessivo do ser

    O tema da mediao, cujo termo proposto por Blondel j desde o primeiro

    ponto do presente captulo da LAction, no terceiro ponto, recebe uma considerao

    absolutamente central. A opo positiva em relao ao nico necessrio, segundo

    Blondel, com a conseqente aceitao de tudo o que o movimento da ao nos

    apresenta como necessariamente requerido para seu cumprimento, nos abre a via da

    possesso real dos seres. Todo o demais, somente em virtude deste mediador do

    nico necessrio se nos comunica (M. BLONDEL, LAction, 441-442). E, igualmente,

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    no se poderia realizar a opo verdadeiramente positiva no seu confronto, sem a

    soluo prtica do existir para ele, sacrificando a ele tudo o demais: o sacrifcio a

    soluo do problema metafsico pelo mtodo experimental. Justifica-se, assim, o papel

    central da ascese quanto a tal possesso. No entanto, uma ascese que recebe toda uma

    outra significao daquela proposta por Schopenhauer.

    Mas de tal modo, no se acabaria por subordinar o conhecimento a um ato

    voluntrio? O conhecimento da verdade, de tal forma, no pareceria ser um resultado da

    vontade, de uma vontade criadora, anloga quela de potncia nietzscheana?

    Blondel responde claramente: a realidade no subsiste em si porque um ato de

    nossa vontade a erige em ns. Ao contrrio, quando queremos a realidade, a ordem

    universal, a fazemos ser em ns como e porque em si mesma. Mesmo o

    conhecimento necessrio, que precede opo, constitui-se em uma regra inflexvel,

    no podendo ser diferente do que . impossvel que um decreto de nossa vontade

    possa modificar a ordem cientfica. No entanto, diante da suprema opo, ao querer

    livremente o que poderia ser no querido,17

    o conhecimento se beneficia da possesso

    do objeto, levando realmente em si o que antes era somente uma idia, uma

    representao (M. BLONDEL, LAction, 440).

    A este ponto do seu escrito, o filsofo de Aix-en-Provence, por meio de um

    discurso rico de antecipaes existencialistas, procura esclarecer o sentido do

    conhecimento possessivo. Ao centro deste, como seu rgo, Blondel identificar a

    caridade, ou o amor, sem o qual nada se conhece.

    Por um lado, a caridade se configura em uma paixo ativa. Por outro, na medida

    em que as coisas so, atuam e nos fazem padecer; de tal forma que o ser amor:

    Aceitar esta paixo, receb-la ativamente, ser em ns aquilo que elas [as coisas] so

    em si (M. BLONDEL, LAction, 443).

    17

    A opo apresenta-se, recordamos, como um momento da srie dos fenmenos,

    entretanto um momento decisivo para todos os outros: a encruzilhada necessria para

    se atingir a soluo da equao da ao.

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    A pureza do desprendimento interior, e o sacrifcio de si mesmo ao nico

    necessrio sem o qual impossvel chegar a qualquer outro ser e a ns mesmos, ou

    seja: a caridade asctica constitui a verdadeira filosofia analogicamente ao que

    afirmou Schopenhauer, mas em todo outro sentido. Somente pela caridade se resolveria

    o problema das aparncias, porquanto nela se encontra o privilgio do poder aproximar-

    se de tudo o que os seres possuem de vida e de ao, sem violentar ou despojar nenhum

    do que lhe pertence, por meio da simples participao com a inteno do bem dos

    demais. Tambm em relao s outras liberdades humanas, a caridade permite a

    identificao em absoluto.18

    Esta, segundo Blondel, no poder nunca ser

    verdadeiramente cientfica se no se realiza na obra individual, na relao caritativa

    com o outro homem. O crculo social, exige, assim, a resoluo prtica, a possesso, a

    caridade, como cada um dos demais anis da cadeia dos fenmenos. Sem o dinamismo

    da caridade entre os membros da humanidade no pode existir Deus para o homem; nem

    to pouco, sem Deus, homem para o homem, porquanto o caminho de acesso ao ser

    estaria definitivamente obstrudo.

    De fato, por um lado, tudo se sustenta dentro ao amor ao nico necessrio,

    porquanto Deus o nico que se pode amar por tudo e por todos. E, todavia, a Deus se

    ama por meio do particular.

    A heterogeneidade dos fenmenos, das aparncias, depois da opo a favor do

    nico necessrio se funde na homogeneidade e na solidez do vnculo real. De um tal

    modo, ao fim da opo positiva, realizar-se- a unio universal (M. BLONDEL, LAction,

    443):

    Mas tambm [adeus] a palavra da verdadeira e nica unio, a que consagra a mesma ausncia, porque ela revela, pela

    supresso dos laos aparentes, a solidez do vnculo real. Se no

    18

    Analogamente a E. Lvinas, Blondel no considera o conhecimento abstrato como

    capaz de promover a unio entre duas liberdades. No entanto, diferentemente de

    Lvinas, e em conformidade com S. Agostino Blondel afirma tal possibilidade por meio

    da Caritas.

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    se chega a Deus que pela oblao de tudo o que no ele, nele

    se reencontra a verdadeira realidade de tudo o que no Deus.

    No entanto, afirma o nosso autor, tal no significa a supresso do princpio da

    individuao. A comunho universal, longe de ser causa de confuso, constitui-se no

    nico meio de possesso e distino perfeita. O ser real a unidade da mltipla

    aparncia e a diversidade simultnea dos fenmenos universalmente solidrios: a

    verdade de cada fenmeno da srie obrigatoriamente fundada, para que todo o demais

    o seja.

    Nenhuma ordem de fenmenos, por sua vez, poderia ser fundada por meio de

    uma outra: em virtude da sua heterogeneidade, cada ordem de fenmenos exige uma

    crtica irredutvel s demais, nem mesmo ao entendimento; todavia, exigido para a

    sustentao do determinismo da ao que seja elevado ao que implica de ser e de

    absoluto cada elemento relativo, cada aparncia de fenmeno (M. BLONDEL, LAction,

    449-450).

    A cincia da ao nos testemunha a absoluta necessidade do determinismo da

    vontade, que exige para se completar, a opo positiva e tal opo nos previne

    antecipadamente contra os perigos do aniquilamento ou melhor, do nihilismo e do

    pantesmo da absoro de todo ser distinto na imensidade divina.19

    Nos correspondentes quarto e quinto pontos deste ltimo captulo Blondel

    procurar aprofundar estas ltimas observaes, a partir do estudo dos fenmenos, em

    vista de atingir a existncia objetiva.

    1.1.5.4 O problema da existncia objetiva

    19

    Cf. M. BLONDEL, LAction, 448. Esclarecedoras se mostram as palavras de P. Henrici comentando tais passagens: Blondel dimostra () la necessit di una scelta riguardo al concetto dellessere, proprio partendo dal fatto che lessere esiste solo in una correlazione totale di tutti i fenomeni e che la sua realt dipende dalla realt dellUnico Necessario. La decisione a favore del possesso dellessere dunque da intendere come esplicazione delle implicazioni ontologiche della decisione riguardi dellUnico Necessario (P. HENRICI, Maurice Blondel e la filosofia dellAzione, 610).

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    a) Ser e fenmeno

    Antes de tudo, Blondel procura focalizar criticamente algumas suposies

    filosoficamente infundadas, que originaram um pseudo-problema, ao qual a

    modernidade buscou em vo uma soluo: onde se encontra a realidade ou a verdade

    do ser que se nos exprime nos fenmenos?.

    De fato, para Blondel analogamente a Nietzsche , o ser no pode ser

    buscado em uma realidade posta atrs ou alm dos fenmenos. Do fato de que o sistema

    total do mundo dos fenmenos deve ser real, conclui-se que os dados sensoriais dos

    quais este se compe, devem ser igualmente reais. Ademais, o nmeno kantiano, no

    passaria, segundo Blondel, de um outro fenmeno: de idias da metafsica primeira

    potncia. Em senso pleno, o ser deve ser atribudo aos fenmenos enquanto tais (Cf. P.

    Henrici, Maurice Blondel e la filosofia dellAzione, 610).

    Entretanto, todos os fenmenos como tais so essencialmente relativos a um

    sujeito. Seria possvel, ento, que o que por ns, seja sem ns e apesar de ns? Seria

    possvel a afirmao de uma relatividade absoluta?

    b) O vnculo do conhecimento

    Blondel encontrar uma possvel resposta a partir da hiptese leibniziana do

    vnculo substancial,20

    ao qual o nosso autor dedicou a sua famosa tese latina.21

    De

    20

    Em relao a tal estudo, conferir o comentrio introdutrio de C. TROIFONTAINES in

    M. BLONDEL, Le lien substantiel et la substance compose daprs Leibniz, 3-141. 21

    Em uma srie de cartas trocadas com o jesuta Des Bosses, Leibniz havia concebido a

    hiptese de um vnculo substancial, ou seja, de uma realidade que serviria de elo de

    ligao das mnadas entre si e que realizaria a unio dos fenmenos compostos tais

    quais os percebemos, para tentar desta forma justificar a doutrina catlica da

    transubstanciao eucarstica em desconformidade com a concepo da substncia fsica

    composta, extensa, pretendida pela teoria leibniziana. No de forma muito clara,

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    acordo com Blondel, como toda experincia humana leva em si um qu de atividade e

    de passividade, assim cada fenmeno mostraria especularmente as mesmas duas partes

    (Cf. M. BLONDEL, LAction, 456). O ser dos fenmenos deve ser buscado precisamente

    no elo desta unio, que se mostrar indissolvel. Por ela, atuamos em e sobre as coisas;

    elas atuam em e sobre ns: o conhecimento ativo e passivo que temos destas o duplo

    fundamento do fenmeno, sensvel e real.

    A cincia humana especulativamente distingue no real por um lado a imensa

    inteligibilidade dos fenmenos (razo), por outro, a originalidade de cada sntese

    diretamente percebida (sensibilidade), que se mostra irredutvel ao conhecimento que

    destas possumos. Ambos estes aspectos na realidade, mesmo que irredutveis um ao

    outro, mostram-se vinculados na indissolvel unidade sinttica do dplice vnculo do

    conhecimento racional e sensvel. A ambigidade do fenmeno constitui, assim, a sua

    verdade real (M. BLONDEL, LAction, 454):

    As coisas so porque os sensos e a razo as vem, e as vem em

    comum sem que este dplice olhar, com que cada um parece

    penetr-las inteiramente, confunda-se nelas. [...] aquilo que a

    abstrao distingue na realidade sensvel deve permanecer

    indissoluvelmente unido: pode-se mostrar os aspectos

    irredutveis, mas no se pode separar suas faces solidrias. E,

    precisamente, porque impossvel separ-las e reuni-las, entre

    estas duas aparncias conhecidas subsiste o que constitui o

    apoio do vnculo, o que faz a verdade consistente.

    c) Entendimento e Reflexo

    Leibniz atribui tal vnculo a um ato da vontade divina, que torna existente e ordenada a

    unidade como tal, anteriormente somente possvel.

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    Observemos ainda que se as coisas apresentam-se como ativas em relao a ns

    e as outras coisas mediatamente o conhecimento e a percepo que possumos destas

    porquanto no podem se perceber diretamente, sendo que o seu ser consiste em ser

    ativas e passivas em um e mediatamente, em si , da mesma forma, o conhecimento

    depende das coisas para ser, porquanto pelas coisas realiza a sua atividade e sua paixo.

    O conhecimento assim tambm ele um elemento da srie (M. BLONDEL, LAction,

    456).

    Diferentemente de um realismo exacerbado que se inclina a afirmar a existncia

    de um ser diverso do que nos aparece fenomenicamente; diferentemente de um

    idealismo disforme para o qual o ser existiria porque ns o faramos existir; Blondel

    afirma que as coisas que so conhecidas so conhecidas tais quais so (M. BLONDEL,

    LAction, 457). Como entender tais afirmaes?

    O conhecimento um elemento da srie e, portanto, no pode conhecer sem

    implicar a srie em sua totalidade e em todas as suas exigncias. No entanto, chegar a

    tais afirmaes encontrar-se dentro a um novo tipo de conhecimento que transcende o

    fenmeno do conhecimento, conhecendo seus limites, conhecendo seu ato, e, assim,

    conhecendo a necessidade voluntria de sua encarnao na possesso do ser: uma

    metafsica de segunda potncia, que une tudo (M. BLONDEL, LAction, 465).

    Estabelece-se, assim, a distino entre duas instncias do conhecimento, o entendimento

    e a reflexo, ou seguindo a prpria nomenclatura blondeliniana, entre cognitio per

    notionem e cognitio per connaturalitatem, per habitum, per unionem (Cf. P. GILBERT,

    Le phnomne, la mdiation et la mtaphysique, 304-305).

    Tais duas formas de conhecimento para Blondel no se opem, gozando de uma

    imanncia recproca, embora sem nenhuma confuso: o conhecimento objetivo e

    abstrato no a reflexo objetiva e concreta. O vnculo substancial que nasce aqui se

    estabelece por meio de um ato, da ao completamente fiel a suas exigncias, e no por

    meio de um qualquer novo conhecimento, a partir do qual a reflexo consideraria a srie

    fenomenal (Cf. P. GILBERT, Le phnomne, la mdiation et la mtaphysique, 306).

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    A reflexo consciente, assim, da incapacidade de auto-fundao no real-

    concreto do conhecimento nocional separadamente considerado, ou de cada elemento da

    srie, em razo da insuficincia do relativo. A atividade e a passividade dos fenmenos

    se podem definir somente a partir de um sujeito que conhece, que opera ou que sofre.

    Mas, retomando a pergunta j feita, possvel uma relatividade absoluta?

    d) O Panchristismus e os limites da filosofia

    Para se fundar uma relatividade absoluta, ou seja, a absoluta atividade e

    passividade dos fenmenos, Blondel faz recurso busca de um sujeito tambm ele

    absoluto e aqui nos adentramos nos limites da filosofia.

    Se o ser das coisas do mundo consiste no seu poder ser passivas e ativas, no

    bastar, para se constituir o fundamento ltimo do ser mundano, a referncia da

    passividade das coisas em relao ao ato criador de Deus. Seria conveniente, assim,

    tambm uma paixo absoluta, na qual as coisas pudessem exprimir a sua atividade. A

    fundamental hiptese blondeliniana do panchristismus assume aqui suas justificativas:

    na hiptese crist, na vida divino-humana de Cristo, se configura o vnculo substancial

    que sustenta o conjunto das coisas mundanas como seres reais no seu dplice modo de

    manifestar-se (Cf. P. Henrici, Maurice Blondel e la filosofia dellAzione, 611).

    Fazendo-se homem, em Cristo Deus percebe o mundo com os olhos da criatura e em

    sua paixo, Cristo realiza o sofrimento absoluto. Assim, nele se estabeleceria o perfeito

    vnculo entre o relativo e o absoluto (M. BLONDEL, LAction, 460-461):

    A realidade do fenmeno e, com ela, o sistema total e o

    conjunto mesmo dos espritos se desvaneceria sem este dplice

    vnculo do relativo com o absoluto e do absoluto com o relativo.

    No que o relativo seja minimamente necessrio; ele no real

    que na medida em que recebe do absoluto o dom de ser causa no

    mbito do absoluto mesmo: necessidade condicional que no

    toca em nada a independncia soberana da causa primeira, mas

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    que manifesta simplesmente a que condescendncia, por sua

    parte, subordinada a existncia das causas segundas.

    Claro, Blondel consciente da impossibilidade filosfico-especulativa de provar

    a verdade desta extrema hiptese. No entanto, o papel da filosofia o de demonstrar a

    sua extrema coerncia com a nossa mais profunda exigncia. Como a cpula do

    Pantheon de Agripa, a razo se mostra incompleta e aberta ao infinito. Mas existiria

    uma via para se realizar uma tal prova? Dir Blondel: Fac et videbis (M. BLONDEL,

    LAction, 403). Ao fim do percurso a via indireta encontrar novamente a via direta (M.

    BLONDEL, LAction, 463):

    Que no se pretenda jamais de encontrar em uma teoria, por

    mais perfeita que esta seja, um equivalente enganoso. No se

    resolve o problema da vida sem viver; e jamais dizer ou provar

    dispensa o fazer e o ser. Eis ento absolutamente justificado,

    pela cincia mesma, o papel da ao: a cincia da prtica

    estabelece que no se pode suprir prtica.

    A filosofia de Blondel, em sua via indireta, depara-se, ao fim, aberta a grandes

    hipteses. Uma desconfiana logo nos invade: a crtica no deveria proteger a reflexo

    justamente de tais admisses hipotticas, quais sejam as do tipo da opo em relao ao

    nico necessrio? No incluiriam estas a necessidade de um a-priori, mostrando as

    mesmas caractersticas pelas quais se ps sob suspeito o nihilismo?

    2. POSSVEL AINDA UM SENTIDO?

    s perguntas anteriores respondemos: absolutamente! A implicao do nico

    necessrio no se mostra crtica como sendo um a-priori, um fundamento sobre o qual

    se construiria todo o edifcio das afirmaes posteriores. Ao contrrio, na fidelidade ao

    mtodo da LAction, tudo o que afirmado, o porquanto necessariamente deve s-lo.

    As hipteses devem ser necessariamente comprovadas. No percurso crtico, algumas

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    delas no se sustentam e cedem, algumas se mostram necessrias, outras exigiro o

    recurso da prtica para serem comprovadas.

    E a hiptese nihilista? No aquela de Schopenhauer, j vencida pela crtica, mas

    aquela que se inspira em Nietzsche que a seu modo, tenta responder ao pessimismo

    nihilista por meio da assuno do paradoxal otimismo do bermensch diante do

    absurdo da imanncia, no ultrapassamento e conseqente primado da diferena esta

    se sustenta crtica?

    Certamente o a-priori que estimulara Nietzsche a levar a frente sua produo

    filosfica nihilista no pode ser considerado como um argumento vlido. Ademais, a

    vontade de potncia demonstrar todas as suas contradies quando sujeita cincia da

    ao: em verdade, o movimento da vontade nunca atingir a resoluo de sua equao

    em meio imanncia. A vontade de potncia ser, conscientemente ou no, posta em

    xeque-mate pela reflexo blondeliniana, que mostrar sim a impotncia do movimento

    da vontade de bastar-se a si mesmo. No entanto, recordemos que o falimento de uma

    argumentao usada para se sustentar uma dada tese no significa necessariamente o

    falimento da tese de fundo.

    A deriva nihilista, fundamentalmente erigida sobre os pressupostos da crtica

    nietzscheana metafsica e moral os quais, por sua vez, segundo a nossa

    interpretao histrica, radicam-se no falimento do projeto moderno de cientificidade

    , apresenta-se para grande parte da cultura atual como sendo uma alternativa possvel.

    Em verdade, para muitos, erroneamente, como a nica. De fato, muitas dentre as

    filosofias que apostam nesta estrada como um acontecimento irrefrevel e

    irrenuncivel, fundam suas pretenses na paradoxal necessidade crtica da assuno das

    respostas nihilistas.

    Todavia, os dissensos em relao interpretao do significado da anomalia

    paradigmtica mesmo dentro ao quadro dos explcitos expoentes do nihilismo

    ao mesmo tempo em que abrandaram as afirmaes nihilistas-nietzscheanas mais

    categricas constituindo as bases do pensamento fraco deixaram a descoberto a

    sua fragilidade, o seu carter hipottico (Cf. F. DAGOSTINI, Logica del nichilismo, 370-

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    384). At este ponto nada mais conforme ao nihilismo: paradoxo, fragilidade e

    hipoteticidade constituem a sua fora.

    O nihilismo, pressupondo a necessidade da assuno de uma determinada lgica,

    a clssica, como pr-requisito essencial para toda filosofia que pretenda contra este uma

    crtica e constatada a falsificao em se afirmar esta mesma lgica como a nica

    possvel, aparece aos olhos da filosofia como um blindado impenetrvel e ao mesmo

    tempo como uma arma de alta penetrao, sob o nome de pensamento fraco.

    Em um artigo denominado A prospectiva metafsica entre analticos e

    hermenuticos, Enrico Berti observa que no pensar contemporneo o adjetivo fraco

    passa a gozar de uma grande fora desde quando fora usado para denominar a especial

    forma de pensar que renuncia a categorias fortes (bem e mal, justo e injusto etc.), para

    assumir posies mais esfumadas, menos categricas. Tal se daria porque, segundo ele,

    lgica e epistemologia seriam dois pontos de vista inversamente proporcionais: as

    teorias mais fortes do ponto de vista epistemolgico, ou seja, as mais ricas de

    informaes, so as mais fracas do ponto de vista lgico, ou melhor, da argumentao,

    porque facilssimo refut-las (E. BERTI, La prospettiva metafisica tra analitici ed

    ermeneutica, 2). E vice-versa, de acordo com o mesmo autor, as teorias

    epistemologicamente mais dbeis gozariam de uma fora lgica maior pela dificuldade

    de sua confutao. Daqui a fora das teorias epistemologicamente fracas, ou

    melhor, daquelas teorias epistemolgicas que admitem uma pluralidade de

    possibilidades na determinao de uma coisa (E. BERTI, La prospettiva metafisica tra

    analitici ed ermeneutica, 2).

    O mais importante a se notar que Berti faz valer tais afirmaes tambm para o

    campo da metafsica, chegando a individuar uma metafsica epistemologicamente

    fraca como compatvel com as filosofias contemporneas hoje dominantes, analtica e

    hermenutica (E. BERTI, La prospettiva metafisica tra analitici ed ermeneutica, 2):

    Uma metafsica forte, como era por exemplo aquela de

    Parmnides, segundo a qual (simplificando muito) todas as

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    coisas so imveis [...] facilssima de se confutar [...] Ao invs, uma metafsica fraca [...] seria muito mais dificilmente

    confutvel, e portanto deveria ser considerada como

    logicamente muito forte. [...] Por isto creio que uma metafsica

    fraca, o de qualquer forma no excessivamente sobre-determinada, seja em realidade difcil de refutar e seja em fundo

    compatvel com muitas correntes filosficas de hoje. [] Neste sentido, o carter obsoleto da metafsica poderia ser somente

    aparente.

    A agudez intelectual de Blondel em relao a tal problemtica, que em verdade

    se configura em torno da busca de fora e de resistncia crtica na assuno de uma

    teoria epistemolgica, mostrar-se- impressionante. J a LAction, como anteriormente

    destacamos, dominada pelo desejo de um forte rigor crtico, o qual paulatinamente faz

    ver o carter novo da lgica blondeliana; posteriormente mais especificamente

    formulado quando da apresentao do escrito Principe lmentaire dune logique de la

    vie morale, em ocasio do congresso internacional de filosofia de ano 1900, realizado

    em Paris.

    A tal escrito dedicaremos agora a nossa ateno, procurando destacar o seu

    carter lgico e epistemolgico, e a diversidade deste da lgica e epistemologia das

    filosofias de inspirao nihilista.

    2.1 PRINCPIO ELEMENTAR DE UMA LGICA DA VIDA MORAL22

    Fundamentalmente, com palavras do prprio Blondel, assim se podem descrever

    as preocupaes que o orientavam (M. BLONDEL, Principio elementare, 12-13):

    Eu direi, transcrevendo termos precisos de Aristteles, que a

    toda a lgica constituda do ponto de vista da e da , necessrio prepor uma lgica metodicamente constituda do ponto de vista da .

    22

    Faremos uso de sua traduo italiana realizada por E. Castelli.

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    De fato, sob o ponto de vista da filosofia at ento vigente, o pensamento e a

    moral humanos, apresentavam-se como inconciliveis. Embora constitussem

    dimenses do prprio homem, estes mostravam-se contraditrios, ou melhor dizendo,

    um excluiria categoricamente o outro: o pensamento exigia um inflexvel determinismo

    para ser absolutamente fundado; a moral, exigia a liberdade, ou melhor, a iseno de

    todo determinismo, mesmo lgico (M. BLONDEL, Principio elementare, 15-16).

    Somando-se a esta constatao, o filsofo francs alude ainda a duas outras (M.

    BLONDEL, Principio elementare, 13-15). Em primeiro lugar, a natureza ambgua do

    fato moral, ou seja, o seu carter ao mesmo tempo coligado inteno, sendo assim

    autnomo em relao ao mundo, e, por sua necessidade de concretizar-se em uma ao,

    coligado aos estados orgnicos anteriores, concomitantes e posteriores, ou seja,

    engrenagem das foras fsicas e psicolgicas. Todavia, em segundo lugar, nunca a

    contraditria dada de fato, sendo impossvel que o seja. Segundo Blondel, duas

    alternativas nos restam: ou salvar a moral e permitir que a lgica sucumba diante da

    evidncia na realidade das oposies radicais; ou salvar a lgica, a partir da

    pressuposio de que os fatos enquanto tais ignoram as leis de contradio e a norma

    ideal ou formal do pensamento.

    A primeira opo nos levaria a uma espcie de nihilismo especulativo

    misturado com um toque de fidesmo moral. A segunda opo nos levaria suposio

    de que a lei moral seria completamente formal, exigindo uma total indiferena em

    relao matria dos atos; seno, uma postura ainda mais radical na qual se termina por

    suprimir toda vida individual, todo desejo, todo ato particular quietismo ou

    budismo.23

    Ao incio do mesmo escrito, Blondel afirmara (M. BLONDEL, Principio

    elementare, 12):

    Sem dvida o pensamento filosfico realizou um imenso e feliz

    esforo, seja para mitigar e alargar os horizontes da sua dialtica

    23

    A estas duas opes se podem somar as concluses de Nietzsche, ou seja, a

    possibilidade de uma terceira opo: condenar seja a lgica, seja a moral.

  • 1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN Campus Avanado do Serid - Governadora Wilma Maria de Faria Faculdade de Filosofia Curso: Licenciatura em Filosofia Prof. Galileu Galilei Medeiros de Souza Histria da Filosofia Contempornea I

    abstrata, que este iguala sempre mais inexaurvel riqueza do

    esprito e das coisas, seja por preservar a parte original, e

    sempre renovada da evoluo das formas viventes ou da

    inveno criadora das idias, seja por reivindicar a

    independncia ou defender a supremacia da vida moral contra a

    tirania das palavras e a usurpao dos conceitos. Mas em fim

    nos limitamos ou a subordinar, o mais possvel, o real ao

    racional e a vida ou a mesma histria dialtica idealista, ou,

    invs, a opor a ordem prtica e moral, com o seu prprio gnero

    de certeza e as suas leis autnomas, ordem especulativa ou

    cientfica e s normas do pensamento.

    Individuando sob tais vestes o problema central da lgica ocidental, Blondel se

    prope em seguida (M. BLONDEL, Principio elementare, 12):

    Seria necessrio ento, colocando-nos a este ponto de

    interferncia (ao passo que, em fim, para ns, viver realizar a

    unidade do pensamento e da ao), desvincular o princpio

    elementar que preside aos desenvolvimentos, tanto orgnicos

    quanto originais da idia e das aes, na integridade de uma

    dialtica que domina, sem sacrificar um ao outro, os dois

    aspectos da vida moral.

    Segundo o filsofo de Aix-en-Provence uma tal lgica moral, criticamente

    fundada, no somente possuiria um princpio especfico e simples, que solucionaria o

    problema dos aparentemente contraditrios elementos da ao, determinismo e

    liberdade, mas tambm daria acesso chave de uma lgica geral, impensvel caso no

    se pudesse reconstruir tais problemas que como fizeram Aristteles ou Kant, os quais se

    mantiveram dentro lgica constituda segundo o ponto de vista da e

    da (Cf. M. BLONDEL, Principio elementare, 12).

    Para entender as observaes blondelianas a tal respeito, devemos-nos remontar

    ao modo como Blondel procede a interpretao do princpio bsico de tais lgicas, o

    princpio de no-contradio.

    Segundo o Filsofo da ao, o princpio de no-contradio como tambm

    aquele de identidade, no existem nos fatos: os fatos no podem nem produzi-lo, nem

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    sugeri-lo, e nem mesmo ser a ocasio direta ou indireta de sua apario na conscincia

    (M. BLONDEL, Principio elementare, 16). De onde, ento, proviriam as noes lgicas

    contraditrio, contrrio, relativo, diverso etc. que encontram-se luz de todo

    conhecimento, sendo condies da conscincia distinta, a qual , explicitamente ou no,

    sempre conscincia de uma descriminao, de uma relao e de uma oposio?

    Tais noes surgiriam em ns porque espontaneamente nos cremos capazes de

    modificar as coisas. Tal modificao se caracteriza, por um lado, pela iniciativa de

    nosso automatismo psicolgico sempre inserido na engrenagem dos fatos; por outro,

    pela advertncia que recebemos por parte das resistncias empricas e das lutas uterinas

    entre os nossos desejos co-existentes de nossa capacidade de mudar os fenmenos,

    adaptando-os mais ou menos s exigncias da nossa atividade, determinada e

    determinante (Cf.