segurança humana e sustentabilidade. compartilhar o respeito à dignidade da vida

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    Segurana humana e sustentabilidade:

    Compartilhar o respeito pela dignidade da vida

    Segurana humana e sustentabilidade:

    Compartilharo respeito pela

    dignidade da vida

    Enviada s Naes Unidas (ONU)

    por ocasio do 37

    o

    aniversrio da SGI, em 26 de janeiro de 2012

    PROPOSTA DE PAZ 2012Por Dr. Daisaku Ikeda, presidente da Soka Gakkai Internacional

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    PROPOSTA

    DE PAZ 2012

    Daisaku Ikedanasceu em Tquio,Japo, em 2 de janeiro de 1928.

    Formado pela Escola Superior Fuji, na rea

    de Economia, atualmente presidente da Soka

    Gakkai Internacional (SGI), uma das maiores or-

    ganizaes no governamentais das Naes Uni-

    das, com mais de 12 milhes de associados em

    192 pases e territrios.

    Fundou vrias instituies educacionais e cul-

    turais, como as escolas Soka (da educao infantil

    ao ensino superior), a Associao de ConcertosMin-On, o Instituto de Filosofia Oriental e o Mu-

    seu de Arte Fuji de Tquio.

    Pacifista, filsofo, poeta laureado e escritor,

    com obras traduzidas para mais de vinte lnguas,

    scio-correspondente da Academia Brasileira de Le-

    tras (ABL) desde 1992, ocupando a cadeira de no14.

    Ikeda acredita que um movimento popular cen-

    tralizado nas Naes Unidas a chave para transfor-

    mar o mundo, onde imperam a desunio e a hosti-

    lidade, num lugar de coexistncia pacfica. Por isso,

    apresenta anualmente, no dia 26 de janeiro, anivers-

    rio de fundao da SGI, sua proposta de paz.

    A SGI oficialmente registrada como ONG no

    Conselho Econmico e Social das Naes Unidas

    (Ecosoc), no Alto Comissariado das Naes Uni-

    das para os Refugiados (Acnur), no Departamen-

    to de Informaes Pblicas das Naes Unidas

    (UNDPI) e na Organizao das Naes Unidas para

    a Educao, a Cincia e a Cultura (Unesco). Tambm

    integra a Federao Mundial das Associaes das

    Naes Unidas (WFUNA).

    photos.com

    PROPOSTA

    DE PAZ 2012

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    Segurana humana e sustentabilidade:

    Compartilhar o respeito pela dignidade da vida

    Segurana humana e sustentabilidade:

    Compartilharo respeito pela

    dignidade da vida

    Traduo:Mariana Ballestero Sales Vieira

    Reviso:Thiago de Mello

    Colaborao: Astolfo Valentim Vieira Martins , Edson Shoiti Tokunaga,Maria Alice da Costa e Susan Scaranci Ribeiro

    Arte:Henrique Kubota

    Foto da capa:Photos.com

    Todos os direitos reservados Editora Brasil Seikyo Ltda.

    Editora Brasil Seikyo Ltda. Administrao e redao: Rua Tamandar, 1.040So Paulo, SP _CEP: 01525-000

    Fones: (11) 3349-1930 / 1941 / 1942 / 1950 _Fax: 3349-1949CNPJ no61.612.891/0001-21

    Matrcula na Lei de Imprensa no2092 _Registro no INPI no0060117320Diretor-Presidente: Wagner Takeshi Issami

    Jornalista responsvel: Jlio Tadachi China (matrcula no DRT no17.595)

    Impresso: Prol Editora Grfica Ltda.

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    PROPOSTA

    DE PAZ 2012

    Perseverante no meu anseio de ajudar a

    construo de uma grande sociedade

    humana solidria, encaminho, anual-mente, uma Proposta de Paz Organizao das

    Naes Unidas (ONU), desde 1983. E sempre no

    dia 26 de janeiro, data que marca a fundao da

    Soka Gakkai Internacional (SGI) em 1975. Esta

    a minha 30 proposta.

    Os membros da SGI em todo o mundo esto

    comprometidos em trabalhar para que a dignidade

    de cada pessoa brilhe e os povos vivam em segu-

    rana, por meio de um movimento mundial de edu-

    cao para a cultura de paz.O fundamento espiritual da SGI a filosofia do

    Budismo Nitiren, que reverencia, acima de tudo, a

    dignidade da vida. Trabalhamos inspirados no ar-

    dente desejo que nos legou o segundo presidente

    da Soka Gakkai, Jossei Toda (19001958): Nunca

    mais quero ver a palavra misria usada para se re-

    ferir ao mundo, a um pas ou a qualquer indivduo.1

    Infelizmente, nosso planeta vive assolado por

    guerras e conflitos civis. As pessoas ao redor do

    mundo tm a vida e a prpria dignidade ameaa-

    das pela pobreza, fome e a destruio ambiental.

    Cresce a discriminao e a violao dos direitos

    humanos. Alm disso, terrveis desastres naturais,

    de um instante para outro, eliminam a vida das

    pessoas e enfraquecem as bases da sociedade.

    Nos ltimos anos, sucedeu-se uma srie das

    maiores catstrofes naturais, impondo um terr-

    vel nus humanidade: terremotos e tsunamis

    no Oceano ndico, em 2004, e no Japo em

    maro do ano passado; terremotos no Haiti, na

    Nova Zelndia e na Turquia; inundaes fatais naTailndia e nas Filipinas; e uma severa seca na

    Somlia e em grande parte da frica.

    Estendo minhas condolncias aos afetados

    por esses desastres, minhas oraes para o des-

    canso dos falecidos e apoio moral aos que lutam

    para reconstruir sua vida e suas comunidades.

    Torahiko Terada (18781935), fsico japons

    conhecido por seus repetidos apelos por me-

    didas mais eficazes para enfrentar terremotos

    e tsunamis, observou que, quanto maiores os

    avanos da civilizao, mais intenso o impacto

    da fria da natureza.

    Um exemplo o acidente na Usina Nuclear

    de Fukushima, causado pelo terremoto e tsunami

    em 11 de maro de 2011, no Japo. A liberao

    de radioatividade contaminou ampla rea alm

    do territrio japons e deixou grande nmero de

    pessoas desabrigadas. No se sabe quando as

    vtimas retornaro s suas casas, e h motivos

    para preocupao com a sade das crianas e

    com os produtos agrcolas e alimentcios.

    Os resultados desses desastres no tm pre-

    cedentes e a sociedade atual comea a duvidar

    da segurana da energia nuclear e pe em ques-

    to o prprio ritmo do desenvolvimento cientfi-

    co e tecnolgico.

    Perspectiva da segurana humana

    O indiano Amartya Sen, Prmio Nobel deEconomia e defensor da segurana humana,

    firme em suas advertncias sobre as ameaas

    que, a qualquer instante, ferem a vida das comu-

    nidades. Ainda jovem, viu de perto a espantosa

    fome que assolava sua terra natal, na Baa de

    Bengala: a experincia foi to aguda que, preo-

    cupado com a pobreza e a desigualdade, dedi-

    cou a vida inteira a pesquisas socioeconmicas.

    Amartya Sen apelou para a promoo, em escala

    mundial, de como trabalhar pela segurana hu-

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    Segurana humana e sustentabilidade:

    Compartilhar o respeito pela dignidade da vida

    mana e proteger a vida, a subsistncia e a dig-

    nidade das pessoas. Ele destaca os perigos da

    privao repentina:

    A insegurana ameaa a sobrevivncia e o

    cotidiano de homens, mulheres e crianas, expe

    os seres humanos ao temor das doenas e epi-

    demias e deixa as pessoas vulnerveis penria

    das crises econmicas. Essa insegurana exige o

    mesmo cuidado dedicado aos perigos da priva-

    o repentina.2

    O professor Sen ressalta que uma sociedade

    s ser verdadeiramente segura e estvel quandosouber aliviar e, na medida do possvel, eliminar

    as fontes de ameaa e de insegurana que afe-

    tam o ncleo vital de todos os seres humanos.3

    Os desastres naturais no surgem somente

    de fenmenos imprevisveis: eles tambm nas-

    cem de crises econmicas que geram crescente

    insegurana na vida das pessoas e da rpida de-

    gradao do meio ambiente, originada por alte-

    raes climticas. Tudo isso afeta pases desen-

    volvidos e em desenvolvimento.

    O relatrio da Comisso de Segurana Hu-

    mana de 2003 da ONU, que o professor Sen pre-

    sidiu com o Dr. Sadako Ogata, afirma:

    Quando as pessoas passam por estes trau-

    mas inevitveis que lhes desanimam extrema

    pobreza, danos pessoais, falncia, abalo da so-

    ciedade ou desastres , devemos empregar a

    viso da segurana humana para salv-las.4

    Em setembro do ano passado, o presiden-

    te do Banco Mundial, Robert Zoellick, alertou

    que o mundo entrou numa nova fase de perigoeconmico. H uma preocupao de que a rea-

    o em cadeia da crise econmica continue a

    se espalhar de um pas para outro. A economia

    global, estagnada desde a recesso de 2008, foi

    atingida pela crescente crise da dvida europeia,

    nascida na Grcia.

    Recentemente, o ndice das avaliaes de

    crdito nos Estados Unidos foi reduzido pela pri-

    meira vez.

    Juntos, esses acontecimentos contribuem

    para a instabilidade dos mercados financeiros e

    maior queda da atividade econmica.

    De acordo com recente relatrio da Organi-

    zao Internacional do Trabalho (OIT), o desem-

    prego mundial de cerca de 200 milhes.5

    Em muitos pases, o padro de vida das pes-

    soas est ameaado. A juventude quem mais

    sofre com o desemprego. Em alguns pases, os

    jovens tm duas a trs vezes mais probabilida-

    des de ficar desempregados do que as pessoas

    de outras faixas etrias.6Mesmo quando os jo-vens encontram trabalho, trata-se de emprego de

    meio perodo ou informal e, portanto, mal remu-

    nerado. A insegurana corriqueira nos jovens

    de todo o mundo.

    Em minhas propostas de paz anteriores, exa-

    minei distores da sociedade civil mundial, que

    resultaram numa lacuna de vida e numa lacu-

    na de dignidade. Quero dizer que inadmissvel

    a desigualdade no valor atribudo vida das pes-

    soas e sua dignidade, baseada simplesmente

    AUXLIO Os membros da SGI sempre esto prontos para ajudar em ocasiesde desastres. Ao lado, crianas japonesas recebem material escolar aps

    terremoto e tsunami ocorridos em maro de 2011. Acima, membros da SGI-

    Tailndia oferecem donativos s vtimas das inundaes no incio deste ano

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    PROPOSTA

    DE PAZ 2012

    na comunidade em que nasceram e nas circuns-

    tncias em que cresceram.

    Alm dessas questes estruturais, os meiosde subsistncia e a dignidade das pessoas so

    duramente afetados pelos perigos da privao

    repentina, provocados por desastres ou crises.

    crucial enfrent-los. Esta a rea que eu gostaria

    de aprofundar na presente proposta.

    A agonia da perda

    da natureza das catstrofes destruir num

    s instante as coisas mais preciosas, insubstitu-veis vida humana. Nada mais doloroso que a

    perda de pessoas que faziam parte de nossa vida

    os pais que nos criaram, o companheiro que

    dividia alegrias e tristezas, o filho amado, o neto,

    o amigo, o vizinho.

    O Budismo Nitiren considera essa perda

    como o inevitvel sofrimento da separao da-

    queles a quem amamos. Ningum est a salvo

    dessa dor aguda.

    Lembro-me do seguinte episdio da vida do

    filsofo norte-americano Ralph Waldo Emerson

    (18031882) cujas obras eu amo desde a minha

    juventude. Ele anotou em seu dirio a morte de

    seu filho de 5 anos com estas simples palavras:

    Ontem noite, s 8 horas e 15 minutos, meu pe-

    quenino Waldo encerrou sua vida.7

    Emerson tinha o hbito, desde moo, de manter

    um dirio para reflexo filosfica e literria. A co-

    movente descrio do triste fato parece ser tudo

    o que ele foi capaz de escrever naquele momento.

    Talvez o indicativo mais revelador da profun-didade do sofrimento de Emerson se encontre

    no silncio dos dois dias seguintes quatro p-

    ginas em branco que foi finalmente quebrado

    por este registro:

    O sol se ergueu no cu da manh com toda

    a sua luz, mas a perda escureceu a paisagem.

    Aquele menino, de quem tanto me lembro no

    dormir e no despertar, iluminava para mim a es-

    trela da manh, e as nuvens da noite...8

    O Budismo sempre teve os mistrios da vida e

    da morte como preocupao primordial. Em 1276,

    Nitiren Daishonin (1222-1282), fundador da esco-

    la budista seguida pelos membros da SGI, escre-

    veu uma carta a uma discpula que, aps a morte

    do marido, perdeu o filho inesperadamente.

    Na carta, Daishonin imagina os sentimentos

    daquela me de corao enlutado, que poderia

    estar se perguntando por que seu filho morrera, e

    ela no. Por que no lev-la em vez de seu filho?

    Por que deix-la viva para ser atormentada pelo

    sofrimento?9Por meio dessas palavras, ele tenta

    estar junto dela para dividir seu sofrimento.

    Estou certo de que a senhora no hesitaria

    em mergulhar no fogo, ou esmagar o prprio cr-

    nio se, com isso, pudesse ver seu filho de novo.

    Ao imaginar sua dor, no contenho as minhas

    lgrimas.10

    As tragdias deixam muitas pessoas sofren-

    do a perda brusca de amigos e parentes. Nesses

    casos, essencial que toda a sociedade esteja

    preparada para dar ajuda e conforto por um longo

    perodo. Essas calamidades destroem casas, ali-

    cerce da vida cotidiana, e os laos da vizinhana.

    Um lar muito mais do que simplesmente

    um lugar no percurso da nossa existncia; est

    gravado com a histria da famlia, repleto de

    emoes e sensaes. Abrange um tipo especial

    FOTOS:UNPHOTO/SHAREEFSARHAN

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    Segurana humana e sustentabilidade:

    Compartilhar o respeito pela dignidade da vida

    de linha do tempo, unindo passado, presente e

    futuro; sua perda rompe a histria da nossa vida.

    Alm disso, quando comunidades inteiras

    so devastadas, h um rompimento instantneo

    das conexes entre as pessoas e o lugar, como

    no caso do tsunami que acompanhou o forte ter-

    remoto que atingiu o Japo. A intensidade desta

    perda cresce na proporo da nossa afeio e

    do nosso apego comunidade. Mesmo quando

    encontram outros lugares para viver, as pessoasso foradas a se adaptar a um novo ambiente,

    na maioria das vezes sem o apoio das relaes

    humanas de tanto tempo.

    Quando penso na agonia sofrida pelos desa-

    brigados, lembro-me das palavras do autor fran-

    cs Antoine de Saint-Exupry (19001944):

    Nada, na verdade, substitui um companhei-

    ro. Velhos amigos no se cria sem demora. Nada

    supera o tesouro de recordaes comuns, dissa-

    bores, discrdias e reconciliaes, emoes ge-

    nerosas. intil plantar uma semente pela ma-

    nh e pensar que de tarde vai sentar sombra

    do carvalho.11

    A tristeza de perder um amigo , creio eu,

    semelhante perda da casa em que vivemos, a

    vizinhana ou a cidade. uma realidade que de-

    vemos ter em mente.

    A destruio sbita de locais de trabalho pri-va das pessoas os meios de sustento e, portanto,

    o senso de propsito e de dignidade que, para

    muitos, deriva do trabalho.

    Atualmente converso com o professor Stuart

    Rees da Sydney Peace Foundation, na Austrlia, a

    respeito de paz com justia. Uma faceta desse

    tema refere-se ao desemprego e insuportvel

    ameaa que isso representa.

    O professor Rees escreveu: Aos desempre-

    gados se nega o essencial sentido da autoestima

    HOMENAGEM Crianas empinam pipas durante evento realizado pela Agncia da ONU para os Refugiados Palestinos (UNRWA) e relembram terremoto etsunami ocorridosem maro de 2011 no Japo

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    PROPOSTA

    DE PAZ 2012

    conquistada com o trabalho; seja no sustento, na

    realizao ou no prazer de contribuir com a so-

    ciedade.12

    Tomio Tada (19342010), imunologista de

    renome mundial, aos 67 anos sofreu um aciden-

    te vascular cerebral. Aps o acidente, descreveu

    seu espanto quando percebeu que teria de aban-

    donar seu trabalho.

    A partir desse dia, tudo mudou: minha vida,

    meu objetivo, minha alegria, minha tristeza

    tudo ficou diferente.13Quando ca em mim, fui to-

    mado por uma insuportvel sensao de perda.Tive de abandonar tudo.14

    O trabalho prova que o indivduo necessrio

    sociedade. Mesmo que no traga reconheci-

    mento ou fama, fonte de satisfao e de orgu-

    lho, porque nos confirma no papel que nosso e

    somente nosso dentro do contexto social.

    As pessoas que perderam casas e bens so-

    frem porque desabrigadas. Para elas, a perda do

    trabalho no representa somente a quebra da

    estabilidade financeira, tambm abala as convic-

    es espirituais, quando mais necessitam.

    Creio que todos ns somos responsveis em

    apoiar as pessoas na reconstruo da sua vida,

    levando-as a recuperar a esperana. Sobretudo

    com aqueles obrigados a mudar de casa ou de

    trabalho, de tal maneira que encontrem um novo

    lugar onde possam dizer: Este o meu lugar.

    As lies da histria

    A pergunta essencial : o que fazer para en-

    frentar as trgicas consequncias que surgem

    de desastres naturais ou de complexas questes

    globais? Antes de tudo, precisamos ser cautelo-

    sos e encontrar respostas concretas para evitar a

    ampliao do sofrimento e no ver mais a palavra

    misria como triste marca do nosso planeta.

    So relevantes as palavras de Arnold J. Toyn-

    bee (18891975), um dos maiores historiadores

    do sculo 20: Nossa experincia no passado nos

    d a nica luz que nos possvel para o futuro.15

    Faz quarenta anos que visitei o Dr. Toynbee,

    em sua casa de Londres. Um dos seus assuntos

    prediletos em nossas conversas, como em seuslivros, eram lies da histria.

    Na viso do Dr. Toynbee, o ponto fundamen-

    tal da histria est na contemporaneidade filo-

    sfica de todas as civilizaes.16

    Seu pensamento acerca deste assunto vem da

    prpria experincia no incio da Segunda Guerra

    Mundial, quando palestrava sobre a descrio

    que fez Tucdides da Guerra de Peloponeso, no

    sculo 4 a.C. Toynbee narra aquele instante:

    De repente, senti que as minhas experincias

    eram exatamente iguais s de Tucdides no co-

    meo da Guerra de Peloponeso. Estarmos a vinte

    e trs sculos de distncia era irrelevante. A ex-

    perincia do grego vale para nosso futuro.17

    Com esta profunda percepo, Toynbee era

    capaz de compreender as lies de milnios de

    histria da humanidade, relacionadas ao parado-

    xo do mundo atual. Na publicao de nosso di-

    logo, ele afirma: No devemos ser derrotistas,passivos ou indiferentes aos males que ameaam

    atualmente a sobrevivncia humana.18 Guardo

    estas palavras em meu corao.

    Este pensamento de Toynbee me leva Tese

    sobre o Estabelecimento do Ensino Correto para a

    Paz da Nao (Rissho Ankoku Ron), escrita por

    Nitiren Daishonin, que rene a viso crtica do seu

    tempo. Ele enviou este tratado em 1260 para Hojo

    Tokiyori (12271263) ento suprema autorida-

    de poltica do xogunato de Kamakura.

    Nada supera o tesourode recordaes comuns, dissabores,

    discrdias e reconciliaes,

    emoes generosas

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    Segurana humana e sustentabilidade:

    Compartilhar o respeito pela dignidade da vida

    Nitiren Daishonin inicia sua Tese com as se-

    guintes palavras:

    Nos ltimos anos vm ocorrendo alteraes

    incomuns no cu e estranhos acontecimentos

    na Terra. A fome e a peste afetam cada canto do

    imprio e se propagam por toda a nao. Bois e

    cavalos morrem pelas estradas e seus ossos se

    amontoam pelo caminho.19

    Na verdade, o Japo daquela poca sofria de-

    sastres que ceifaram tantas vidas, dando origem a

    uma misria devastadora. O que levou Daishonin a

    escrever essa Tese foi seu desejo de encontrar uma

    forma de aliviar o sofrimento humano.

    O papel do Estado

    Ao reler a Tese luz das atuais condies e

    dos imperativos da segurana humana, distingo

    trs aspectos especiais.

    O primeiro a posio filosfica de que o

    bem-estar e a segurana dos cidados comuns

    devem ser prioridades do Estado.

    As ideias expostas na Tese constituem o funda-

    mento da filosofia do Budismo Nitiren. Tanto as-

    DILOGO PELA PAZPresidente Ikeda conversa com

    o historiador Arnold Toynbee

    em 1975

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    PROPOSTA

    DE PAZ 2012

    sim que Daishonin a copiou de prprio punho vrias

    vezes para que suas ideias no fossem deturpadas.

    Quando revemos os textos copiados por ele, depa-ramo-nos com detalhe da maior importncia.

    Em sua poca, o caractere chins utilizado

    para descrever terra ou pas era composto por

    um quadrado emoldurado, representando os li-

    mites fsicos do Estado e dentro dele o smbolo

    de rei ou arma. Este caractere transmite a ideia de

    que as autoridades polticas ou a fora militar

    formam a base do Estado.

    Em sua Tese, Daishonin substitui rei ou arma

    por povo. E utiliza um novo caractere que define

    terra ou pas como o lugar onde as pessoas ha-

    bitam. Sua inteno era mostrar que o bem-estar

    das pessoas a prioridade do Estado. O uso des-tes caracteres resume a essncia da filosofia bu-

    dista. [Veja box na pgina seguinte.]

    Em outra ocasio, Daishonin escreveu: os

    que esto no poder devem ser as mos e os ps

    do povo.20Isto , devem servir aos interesses co-

    muns, assegurando os meios de subsistncia e a

    felicidade do povo.

    Como j disse, Nitiren Daishonin apresentou a

    Tese ao lder poltico de sua poca. E argumentou

    com ele, convicto de que a compreenso correta

    UMA ROSA PELA PAZEm setembro de 2011, na sede

    da ONU, em Nova York, foi

    celebrado o 30 aniversrio do

    Dia Internacional da Paz

    U

    NPHOTO/MARKGARTEN

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    Segurana humana e sustentabilidade:

    Compartilhar o respeito pela dignidade da vida

    da filosofia budista dissiparia a escurido que en-

    volvia a sociedade. Desnecessrio dizer que sua

    deciso lhe causou duras consequncias: foi exi-lado duas vezes e foram numerosos os atentados

    contra a sua vida, embora ele no tenha cometido

    crime algum.

    Setecentos e cinquenta anos depois de escri-

    ta, a Tese continua surpreendentemente atual,

    em particular, a respeito da proteo da vida,

    sua constante preocupao. Neste ponto, cito de

    novo o relatrio da Comisso de Segurana Hu-

    mana da ONU:

    O Estado permanece o provedor fundamen-

    tal da segurana. Contudo, frequentemente no

    cumpre o seu dever e, s vezes, at se torna

    ameaador para seus cidados. A ateno com

    a segurana deve ser direcionada ao povo e no

    ao Estado.21

    Cabe-nos perguntar pelo propsito da exis-

    tncia do Estado. Ainda que bem-sucedido em

    termos econmicos ou militares, se o Estado no

    se esfora para aliviar o sofrimento de seus ci-

    dados nem para ajud-los a ter uma vida digna,

    perde a prpria razo de existir.

    A verdade que os desastres e as crises tra-

    zem tona os descuidos do Estado que poderiam

    permanecer ocultos em tempos normais. Revelam

    as vulnerabilidades particulares dos idosos, das

    mulheres, das crianas, das pessoas com deficin-

    cia e dos marginalizados pela desigualdade social.

    Estas foram as consequncias do terremoto que

    abalou o Japo em maro de 2011. impossvelno se indignar com a lentido da resposta oficial

    ao sofrimento da populao das regies afetadas

    e, sobretudo, das pessoas vulnerveis.

    Reconhecendo nossa inter-relao

    O segundo aspecto da Tese de Nitiren

    Daishonin seu pedido pelo estabelecimento de

    uma concepo de mundo enraizada no sentido

    vital da nossa interconexo. Cito uma passagem

    crucial: Se o senhor se preocupasse um pouco

    com sua segurana pessoal, deveria primeiro

    orar pela ordem e pela tranquilidade em todos

    os quatro quadrantes da Terra, no mesmo?

    (END, v. 1, p. 58).22

    Esta a maneira como Daishonin manifesta

    a ideia de que no se pode ser feliz e se sentir

    seguro individualmente, ignorando a misria e as

    ameaas que afligem os outros.

    Como o problema das mudanas climticas

    demonstra, neste mundo cada vez mais interdepen-

    dente, uma catstrofe em determinado lugar pode

    parecer um fato isolado, mas na verdade contm o

    potencial de maiores danos em escala global.

    Apesar de os efeitos das calamidades parece-

    rem relativamente pequenos agora, se no foremcuidados, criaro problemas indissolveis para

    as futuras geraes.

    A importncia de considerar as dimenses de

    tempo e espao das ameaas foi abordada num

    relatrio apresentado Assembleia Geral da Orga-

    nizao das Naes Unidas (ONU) pelo secretrio-

    -geral da ONU, Ban Ki-moon, em 2010. Diz ele:

    A segurana humana previne e reduz as

    ameaas futuras, quando compreende que cons-

    TERRA OU PAS(USO TRADICIONAL)=

    REI OU ARMA=

    POVO=

    TERRA OU PAS(UTILIZADO PORNITIREN DAISHONIN)

    =

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    PROPOSTA

    DE PAZ 2012

    telaes particulares de ameaas aos indivduos

    e s comunidades se traduzem numa violao

    ampla da segurana entre os Estados.23

    Na viso budista, a menos que haja paz e se-

    gurana nos quatro quadrantes da Terra a

    sociedade como um todo , nossa segurana

    individual ser mera iluso. Essa maneira de pen-

    sar baseada no ensinamento budista da ori-

    gem dependente (interdependncia profunda

    ou existencial).

    As palavras do filsofo espanhol Jos Ortega

    y Gasset (1883-1955), Eu sou eu e minha cir-cunstncia, e se no a salvo, tambm no me sal-

    vo, que usei mais de uma vez nas Propostas de

    Paz, tocam no mesmo ponto. Sua recomendao

    salvar... os fenmenos; quer dizer, procurar o

    significado do que nos cerca.24

    Quando acontecem as tragdias, as pessoas

    preocupadas do mundo inteiro respondem solid-

    rias com apoio espiritual e material. As manifesta-

    es de empatia e solidariedade so fonte incal-

    culvel de coragem e esperana para as vtimas.

    Nitiren Daishonin tambm registrou: os sofri-

    mentos que os seres vivos enfrentam todos so

    do prprio Nitiren.25Na sua Tese, ele descreve um

    modo de vida que reage contra a dor das pessoas

    e trabalha para o alvio dos sofrimentos.

    Quando Daishonin fala dos quatro qua-

    drantes da Terra e de nao, o mbito de sua

    preocupao abrange espao e tempo. Isso pode

    ser visto em seu uso repetido de palavras como

    Jambudvipa (vocbulo da tradicional cosmolo-

    gia budista que significa o mundo inteiro) e suareferncia ao futuro sem limite.

    Ele ressaltava a determinao de no ignorar

    a tragdia onde quer que ela ocorra, e de impedir

    que os legados negativos do presente se prolon-

    guem at as futuras geraes.

    O conceito de espao implica a conscincia

    de nossas responsabilidades como cidados; e o de

    tempo, um compromisso com a sustentabilidade.

    Como cidados, somos responsveis pelo

    planeta que ser deixado para nossos filhos. A

    clara conscincia das dimenses de interconexo

    da vida deve guiar todas as nossas aes.

    A importncia do empoderamento

    O terceiro aspecto da Tese de Nitiren Daishonin

    o que atualmente chamamos empoderamento

    (em ingls, empowerment). Empoderamento

    quando numa situao difcil, por meio do dilogo,

    incentivamos outra pessoa a manifestar o seu poder

    inerente para mudar a realidade. E, uma vez que eladecide mudar, juntos, avanamos compartilhando o

    juramento de alcanar a resoluo daquela situao.

    Como em muitas escrituras budistas, a Tese de

    Daishonin toma a forma de dilogo entre o viajante,

    que representa a autoridade secular, e o hospe-

    deiro, as perspectivas do Budismo.

    Na abertura do texto, o viajante para na mo-

    rada do hospedeiro onde ambos discutem e ex-

    pressam sua profunda aflio pela sucesso de

    desastres que atingiu a nao. As preocupaes

    UNPHOTO/EVANSCHNEIDER

  • 7/21/2019 Segurana humana e sustentabilidade. Compartilhar o respeito dignidade da vida

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    Segurana humana e sustentabilidade:

    Compartilhar o respeito pela dignidade da vida

    dos dois, de alguma forma, lhes permite enxergar

    alm das diferenas de suas posies.

    O dilogo se desenvolve e tanto o anfitrio

    como o viajante expem suas convices. Em

    resposta raiva e confuso do viajante, o hos-

    pedeiro, cuidadosamente, explica e resolve cada

    uma das suas dvidas. Pelo enfrentamento e con-

    frontao de alma a alma, o viajante finalmente

    se convence da veracidade das afirmaes do

    hospedeiro. Ele resgata o juramento que fizeram

    quando da preocupao inicial: Mas no bastaque somente eu aceite e tenha f em suas pala-

    vras , devemos trabalhar para que os outros se

    deem conta dos seus erros (END, v. 1, p. 62).26

    Por fim, ambos concordam que o poderoso

    reconhecimento da necessidade de se acreditar

    nas possibilidades ilimitadas do ser humano a

    mensagem do Sutra de Ltus constitui a es-

    sncia do Budismo. a f na certeza de que toda

    pessoa possui um potencial infinito: a capacidade

    de dar luz sua dignidade.

    Despertar para essa grandeza da condio

    humana acende a chama da esperana na vida

    de quem est perdido na angstia. Essa pessoa,

    por sua vez, tem o poder de inflamar a esperana

    no outro. O impulso resultante da renovao tem

    o poder de afastar a tenebrosa confuso que en-

    volve a sociedade.

    As palavras da Comisso de Segurana Humana

    esto em sintonia com as ideias desse antigo texto.

    Por exemplo, segurana humana deve ser constru-

    da com a fora das pessoas e suas aspiraes.27A

    chave est na capacidade das pessoas para agir por

    conta prpria a favor dos outros.28

    A questo principal de toda a atividade relacio-

    nada segurana humana no deve ser: o que po-demos fazer? Mas sim: como a ao poder apoiar

    o esforo e a capacidade da pessoa afetada?29

    Descrevendo o caos de seu tempo, Daishonin

    lamentou a perda do empoderamento. As cala-

    midades afetaram o nimo das pessoas, e muitas

    pareciam ter perdido a vontade de viver. Alm

    disso, a tica predominante da sociedade foi um

    dos fatores que as incentivaram a evitar a reali-

    dade e procurar tranquilidade apenas no reino de

    sua vida interior.

    RESPEITO A AssembleiaGeral da ONU homenageia

    as vtimas do terremoto no

    Haiti em 2010, realizando um

    minuto de silncio

    Acreditar nas

    possibilidades do serhumano constituia essncia do Budismo

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    PROPOSTA

    DE PAZ 2012

    Nitiren Daishonin considerava malignos os

    ensinamentos que estimulam a resignao ou o

    escapismo como um caminho para a salvao:

    algo que turva a viso das pessoas, cegando-as

    para o potencial ilimitado que elas possuem. Para

    Daishonin, o nico caminho vivel para superar o

    impasse que a sociedade enfrenta cada pessoa

    acreditar nas suas prprias possibilidades e traba-

    lhar de mos dadas para que todos se fortaleam.

    Neste contexto, lembro-me do episdio narra-

    do pelo filsofo austraco Ivan Illich (1926-2002).

    Ele disse que jamais devemos ter medo de ser uma

    vela na escurido.30Illich descreve sua amizade

    com o bispo Dom Hlder Cmara (1909-1999),

    que lutava contra as brutalidades desumanas do

    regime militar brasileiro na dcada de 1960.

    Dom Hlder tentou dissuadir o general que

    mais tarde se tornaria conhecido como um dos mais

    cruis torturadores do Brasil. A tentativa do dilo-go fracassou. Depois que o militar partiu, Dom

    Hlder caiu num silncio profundo, virou-se para

    Illich e disse:

    No desanime nunca. Enquanto uma pessoa

    estiver viva, em algum lugar ainda h brasa sob as

    cinzas, e toda a nossa tarefa ... soprar... devagari-

    nho, com cuidado soprar... e soprar... e voc vai ver

    que ela se acende. No se preocupe em atear fogo

    de novo. Tudo o que tem a fazer soprar.31

    As palavras de Dom Hlder, no desanime

    nunca representam o esforo de renovar a prpriadeciso e, ao mesmo tempo, a importncia do enco-

    rajamento aos que esto beira do desespero.

    O esprito do empoderamento encontra-se

    no ato cuidadoso de assoprar a brasa que resta

    na alma humana, tanto daqueles que nos apoiam

    como dos que esto contra. Acredito que a f e

    a perseverana so a fora motriz das lutas de

    Mahatma Gandhi (1869-1948) e de Martin Lu-

    ther King Jr. (1929-1968) pelos direitos huma-

    nos. E daqueles que lideraram as revolues po-pulares do leste europeu que ps fim guerra fria

    e, mais recentemente, do movimento conhecido

    como a Primavera rabe.

    Durante os sombrios anos dos confrontos da

    guerra fria, visitei pases comunistas a antiga

    Unio Sovitica, a China para realizar inter-

    cmbios com o objetivo de amenizar as tenses

    e aprofundar a compreenso mtua. Empenho-

    -me tambm para dialogar com lderes polticos

    e intelectuais do mundo de vrias culturas e re-

    ligies. Estes esforos para promover a amizade,

    atravessando fronteiras, so frutos da convico

    de que a nica base duradoura para uma socie-

    dade mundial pacfica reside na transformao

    do corao de cada indivduo. Isso s poder

    ser alcanado com um dilogo que desperte em

    cada um de ns a nossa humanidade.

    Restaurar o corao

    Dos trs aspectos da Tese de Nitiren Daisho-nin que discutimos, creio que o do empoderamen-

    to fundamental para a recuperao do equilbrio

    psquico e fsico, a restaurao do corao. A re-

    construo mental e espiritual um dos desafios

    mais difceis e demorados que enfrentamos.

    Como j fiz antes, lembro a afirmao da

    Comisso da ONU que trata desta importan-

    te questo, quando considera que a segurana

    humana deva ser construda com a fora das

    pessoas e suas aspiraes. um desafio difcil,

    O esprito

    do empoderamentoencontra-se no ato cuidadoso de

    assoprar a brasa que resta na alma

    humana, tanto daqueles que nos

    apoiam como dos que esto contra

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    Segurana humana e sustentabilidade:

    Compartilhar o respeito pela dignidade da vida

    seno impossvel, para que o indivduo d o pri-

    meiro passo sozinho; e muito mais para susten-

    tar at o ponto onde toda a vida ser iluminadapela luz da sua esperana. Metaforicamente, as

    pessoas precisam de cordas seguras ligando co-

    rao a corao e dos ganchos do encorajamento

    para que continuem sua escalada pelos ngremes

    caminhos da vida.

    Exemplos luminosos so a vida de trs figuras

    histricas, Emerson, Saint-Exupry e Tada.

    Alm da trgica perda do seu filho, a vida de

    Emerson foi marcada pela morte da sua primeira

    esposa e dos seus dois irmos. Tempos depois, elereflete sobre estas perdas e conclui que assumiram

    o aspecto de um guia ou de um gnio,32dando-lhe

    o mpeto para transformar o seu modo de viver.

    Saint-Exupry escreveria mais tarde:

    O que salva um homem dar um passo e de-

    pois outro. sempre o mesmo passo, mas voc

    tem de dar... O que assusta o homem o desconhe-

    cido. Mas, quando tem de enfrentar o desconheci-

    do, passa a conhec-lo e perde o medo.33

    Tomio Tada, imunologista, finalmente foi ca-

    paz de voltar a escrever e, citando a Divina Co-

    mdia de Dante, gravou estas palavras: Se estou

    numa condio infernal, ento me deixe descre-

    ver o meu inferno. E acrescentou: No sei o que

    me espera, mas estou aqui pelo que eu passei.34

    Ele estava preparado para recuperar o sentido da

    sua vida.

    Em cada um desses momentos dramticos,

    foi indispensvel o apoio dos outros. O filsofoWilliam James (1842-1910), ao estudar a situa-

    o dos sobreviventes do terremoto de So

    Francisco em 1906, concluiu que as pessoas que

    trocam experincias sentem uma mudana per-

    ceptvel no senso de sofrimento e de perda. Mes-

    mo que esta troca no leve a um avano imedia-

    to, incentiva pessoas mergulhadas na dor a olhar

    o futuro sem esperana.

    Devemos dar ateno s palavras que fluem de

    outra alma. Nosso corao estremece com o sofri-

    IGUALDADE Dr. Martin Luther King, Jr., presidente da Conferncia de Liderana CristSulista, e Mathew Ahmann, diretor executivo da Conferncia Nacional Catlica para

    Justia Inter-racial, durante a Marcha dos Direitos Civis em Washington, capital dos

    Estados Unidos (agosto de 1963)

    DOM

    NIOPBLICO

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    PROPOSTA

    DE PAZ 2012

    mento do outro e, pacientemente, sopra vida naspequenas brasas que ainda restam no outro corao.

    O filsofo alemo Karl Jaspers (1883-1969)

    reconhece que o conjunto de ensinamentos dei-

    xado por Sakyamuni os sutras que contm

    80 mil ensinamentos nasceu de dilogos que

    ele manteve com uma pessoa ou com pequenos

    grupos. Sakyamuni acreditava que, para falar

    com todos, preciso falar com cada um.35 Seus

    ensinamentos so respostas s preocupaes e

    aos sofrimentos das pessoas.

    Chamando os outros de amigo, Sakyamunise esforava para penetrar no corao e na men-

    te de cada um deles, esclarecer a natureza real

    do sofrimento e ajud-los a despertar a forma de

    super-los. A parbola da flecha envenenada

    na qual um homem morto ao ser atingido por

    ela conduz ao entendimento da sabedoria do

    Budismo de no se ater a conceitos metafsicos

    ou a debates filosficos. Em vez disso, o Budis-

    mo aprofunda o desejo de aliviar o sofrimento de

    toda pessoa.

    Este cuidado se v nos ensinamentos de Ni-

    tiren Daishonin. Nas cartas que enviou aos seus

    discpulos, ele abraa cada um deles, lamentan-

    do-lhe as dificuldades como se fossem suas. As

    palavras de Daishonin nos chegam at hoje como

    diretrizes para a vida porque so a cristalizao de

    sua orao solidria e determinao para orientar

    os discpulos a superar as provaes.

    Ao lado do povo

    Atualmente, os membros da SGI em todo o

    mundo criam vnculos de corao a corao por

    meio do dilogo de vida a vida, tecendo redes de

    incentivos mtuos.

    Em situaes de emergncia, de calamida-

    des, as instalaes da Organizao esto dis-

    posio dos desabrigados. Distribumos material

    de socorro, colaboramos nos trabalhos de limpe-

    za e em outras atividades de salvamento. Cada

    membro apoia e incentiva seus vizinhos, ainda

    A parbola da flecha envenenada

    O novo discpulo fez uma srie de questes abstratas ao

    Buda, que lhe respondeu com a parbola sobre um homem

    que foi atingido por uma flecha envenenada. Os amigos e pa-

    rentes do homem conseguiram um cirurgio para cur-lo. Ele

    no quis que removessem a flecha at descobrir: quem atiroucontra ele, sua casta, seu nome, sua altura, de onde veio, que

    tipo de arco foi utilizado, de que material era feito, quem colo-

    cou a pena e que tipo de pluma foi usada. Antes de encontrar

    as respostas, o homem morreu. O Buda empregou essa pa-

    rbola para demonstrar a falta de sentido em ficar obcecado

    com especulaes abstratas.

    As palavras de

    Daishonin nos chegam athoje como diretrizes para a vida

    porque so a cristalizao de sua

    orao solidria

    PHOTOS.COM

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    Segurana humana e sustentabilidade:

    Compartilhar o respeito pela dignidade da vida

    que ele prprio tenha de suportar os impactos

    dos desastres. Tudo isso uma extenso das

    nossas atividades religiosas.Esses atos so a expresso espontnea do de-

    sejo de ajudar, o compromisso com a felicidade,

    que s se sente quando se reparte com os outros.

    Durante os encontros anuais de ONGs (em

    junho de 2011, em Genebra) com o Escritrio

    do Alto Comissariado das Naes Unidas para

    os Refugiados (Acnur), dedicou-se uma sesso

    especial ao papel das Organizaes Baseadas na

    F (FBO). Ficou demonstrado o crescente valor

    da contribuio das FBO na ajuda aos atingidospelas ameaas que surgem na sociedade.

    Baseado na experincia do terremoto e tsu-

    nami no Japo, um representante da SGI inter-

    veio na sesso:

    Mesmo num ambiente complexo e insegu-

    ro, o empoderamento dos sobreviventes que

    faz a ajuda humanitria ser eficaz e sustentvel.

    Com sua autoajuda e cumplicidade, as FBO esto

    numa posio privilegiada para servir.36

    Como exemplo deste tipo de empoderamento,

    lembro-me de um fato narrado por Martin Luther

    King Jr. Uma idosa participa de um boicote aos

    transportes coletivos de Montgomery (1955-1956),

    recusando-se a andar no nibus em que havia

    segregao racial. Um homem que estava de

    carro e tambm apoiava essa manifestao pa-

    rou ao lado dela e ofereceu-lhe uma carona. Ela

    no aceitou, dizendo: Eu no estou aqui por mim

    mesma. Estou caminhando por meus filhos e pormeus netos.37

    Nas consequncias das catstrofes, muitas

    pessoas, ainda que fsica e emocionalmente cas-

    tigadas, so levadas a agir pelo desejo de servir

    da melhor maneira, no apenas a seus amigos e

    entes queridos, mas a quem estiver em perigo.

    O Budismo Nitiren ensina que, no importan-

    do as circunstncias, temos a capacidade de aju-

    dar os outros; e nos assegura que os que sofrem

    tm direito a maior felicidade.

    Uma escritura budista afirma: A torre do te-

    souro no outra seno todos os seres vivos.38

    Isso significa que a magnfica torre, de escala

    csmica, descrita no Sutra de Ltus, nada mais

    que a essncia original de cada ser humano.

    Uma pessoa que despertou para a grandeza do

    ser adquire um estado de vida indestrutvel. Esta

    a dignidade da vida que no pode ser destruda

    por qualquer ameaa ou tribulao. Como os su-

    tras declaram: Um elefante louco pode somen-

    te destruir o seu corpo, mas no seu esprito

    (WND, v. 4, p. 51).39

    Quanto mais pessoas com esta convico es-

    tenderem a mo aos aflitos e juntos iniciarem areconstruo da comunidade, mais torres do te-

    souro se levantaro. Na SGI, este princpio o fun-

    damento da nossa f e d sentido ao que fazemos.

    Aps os desastres dos ltimos anos, vimos

    muitos exemplos de redes voluntrias de ajuda,

    com pessoas vindas de todo lado, surgindo quan-

    do as autoridades locais estavam sobrecarrega-

    das. Em minha opinio, este mesmo impulso est

    no apoio e incentivo oferecidos por pessoas que

    esto longe, em outros pases.

    A Torre do Tesouro

    No Sutra de Ltus, escritura reconhecida na tradio

    do Budismo Nitiren como o mais elevado ensinamento

    de Sakyamuni, a imagem de uma enorme torre de te-

    souros cravejada de joias usada para ilustrar a beleza,

    a dignidade e a preciosidade da vida. A Torre do Tesouro

    aparece no dcimo primeiro captulo do Sutra de Ltus

    quando emerge da terra e paira no ar. Ela adornada

    com sete tipos de tesouro: ouro, prata, lpis-lazli, con-

    chas do mar, gata, prola e cornalina. Esses tesouros

    correspondem aos vrios aspectos da capacidade hu-

    mana de trabalhar para a autoperfeio.

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    PROPOSTA

    DE PAZ 2012

    As aes em momentos difceis demonstram

    a importncia de se nutrir constantemente os la-

    os de apoio e de cultivar o esprito de ajuda m-

    tua. Esta a melhor maneira de capacitar os povos

    para reagir aos perigos da privao repentina.

    A Dra. Wangari Maathai (19402011), Prmio

    Nobel da Paz, criou o Movimento Cinturo Ver-

    de no Qunia e em outros pases da frica. Seu

    intuito era capacitar as pessoas para fazer frente

    s ameaas da destruio ambiental. Por vrias

    vezes, ela se deparou com obstculos e at com

    a censura: muitas rvores recm-plantadas foram

    destrudas pelos que se opunham ao movimento.

    Pois, como ns, as rvores tambm sobrevive-

    ram, escreveu a Dra. Maathai. As chuvas viro

    e o Sol brilhar, e, quando menos se esperar, as

    rvores vo dar novas folhas e brotos nascero.40O incentivo de suas palavras inesquecvel.

    Ela conseguiu dar ao Movimento Cinturo

    Verde o poder de despertar a energia das pessoas.

    Isso porque o Movimento se fez com o esprito

    de trabalhar com em vez de trabalhar para.41

    A convico de trabalhar com cria um ciclo

    autossustentado para recuperar o empoderamen-

    to do qual tenho falado. Este processo, conduzido

    pelo prprio povo, dissipa a escurido do desespe-

    ro e faz surgir no horizonte um sol de esperana.

    Uma clara viso do futuro

    Gostaria de discutir agora propostas concre-tas para enfrentar diversas ameaas prejudiciais

    vida das pessoas.

    Antes, bom observar duas perspectivas des-

    tacadas pela Dra. Elise Boulding (19202010),

    pioneira da cultura de paz. A primeira agir com

    a necessria clareza do futuro que desejamos. A

    outra o intervalo de tempo que ela chama de

    presente de 200 anos.42

    A respeito da primeira perspectiva, a Dra.

    Boulding contou-me que na dcada de 1960,numa reunio de estudiosos dos aspectos eco-

    nmicos do desarmamento, ela perguntou como

    seria um mundo totalmente desarmado. Para sua

    surpresa, eles no tinham ideia alguma, o traba-

    lho deles era apenas convencer os outros que o

    desarmamento era possvel.

    Como poderiam trabalhar de corao num

    movimento cujo resultado nem sequer imagina-

    vam?43 Esta questo essencial. No importa

    quo relevantes sejam a paz e o desarmamento,

    se o movimento para alcan-los no tiver uma

    viso claramente definida, no gerar a energia

    necessria para superar os obstculos em meio

    realidade. A Dra. Boulding entendia que uma

    viso comum a todos une as pessoas e lhes per-

    mite se dedicar incondicionalmente.

    A outra perspectiva da filsofa, o presente

    de 200 anos, afirma que a nossa vida abrange o

    perodo dos cem anos passados a cem anos futu-

    ros. Ela salientou: No vivemos apenas no pre-

    sente. Se este momento fosse tudo, suas ocor-rncias nos esmagariam.44Mas, pensando que

    vivemos num perodo maior, podemos participar

    da vida de uma multido de crianas recm-

    -nascidas e de idosos centenrios. Desta forma,

    a Dra. Boulding valoriza a importncia de viver-

    mos com a perspectiva ampliada pelo passado e

    o futuro da nossa comunidade.

    Esta ideia nos faz levar em conta o sofrimen-

    to dos nossos antepassados. Ao mesmo tempo,

    nos inspira um senso de responsabilidade para

    As aes em momentos

    difceis demonstram a importncia de senutrir constantemente os laos de apoio e de

    cultivar o esprito de ajuda mtua

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    17

    Segurana humana e sustentabilidade:

    Compartilhar o respeito pela dignidade da vida

    construir um futuro em que estes mesmos sofri-

    mentos no sero experimentados pelas prxi-

    mas geraes.

    Considerando as perspectivas da Dra. Boul-

    ding, proponho os valores do humanismo, dos

    direitos humanos e da sustentabilidade como

    elementos indispensveis de qualquer viso de

    futuro da humanidade. Em termos concretos,

    esta a viso de:

    um mundo que se recusa a esquecer a tra-

    gdia humana ocorrida em qualquer lugar se une

    em solidariedade para superar as ameaas; um mundo fundamentado no empodera-

    mento dos indivduos prioriza a garantia da dig-

    nidade e o direito de conviver em paz;

    um mundo que se recorda das lies do pas-

    sado e no permite que geraes futuras herdem

    o legado negativo da histria humana e pe toda

    a sua energia na transformao desse legado.

    Este olhar sustenta minhas Propostas de Paz

    desde 1983. Para quem lida com um problema de

    difcil soluo, a clareza no que se deve fazer

    Movimento do Cinturo Verde

    Quando trabalhava no Conselho Nacional de Mulheres do

    Qunia, a Dra. Wangari Maathai lanou a ideia de um programa

    de cultivo de rvores. O objetivo era resolver os problemas do

    desmatamento, da eroso do solo e da falta de gua na zona rural

    do Qunia. Assim, ela criou, em 1977, o Movimento Cinturo Ver-

    de. A este foram incorporados a defesa dos direitos e o empode-

    ramento das mulheres, o desenvolvimento econmico equitativo

    e o ecoturismo. Mais de 40 milhes de rvores foram plantadas

    em toda a frica. Mais de 30 mil mulheres foram treinadas paracontribuir com o melhor aproveitamento e uso racional da flores-

    ta, no processamento de alimentos, na apicultura e em outras ha-

    bilidades. Em 2004, a Dra. Maathai tornou-se a primeira mulher

    africana a receber o Prmio Nobel da Paz por sua contribuio

    ao desenvolvimento sustentvel, democracia e paz. O Movi-

    mento Cinturo Verde pretende plantar um bilho de rvores em

    todo o mundo na prxima dcada.

    www.greenbeltmovement.org

    AES PELA PAZPresidente Ikeda e sua esposa, Kaneko, encontram-se com a Dra. Wangari Maathai em fevereiro de 2005

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    PROPOSTA

    DE PAZ 2012

    uma linha de Ariadne: ajuda a encontrar o cami-

    nho para sair do labirinto e serve como fonte de

    perspectivas para as mudanas.

    Quero agora me concentrar em trs grandes

    desafios que nos espreitam: desastres naturais; de-

    gradao ambiental e misria; e armas nucleares.

    Cada um desses desafios vai expor as futuras

    geraes s ameaas e aos encargos, e estes, por

    sua vez, sero maiores, quanto mais adiarmos

    nossa resposta.

    Que prevaleam os direitos

    Para reduzir os riscos dos desastres, propo-

    nho o fortalecimento das estruturas interna-

    cionais de apoio s vtimas das catstrofes: a

    aplicao dos direitos e a regularizao do com-

    promisso do Gabinete do Alto Comissariado das

    Naes Unidas para os Refugiados (Acnur).

    Atualmente, os esforos da ONU para pro-

    mover a cooperao internacional no intuito de

    ENCONTRO Elise Boulding,Randall Forsberg e Hazel

    Henderson em debate no

    Centro de Pesquisa de Boston

    para o Sculo 21 (atualmente,

    Centro Ikeda para a Paz, a

    Aprendizagem e o Dilogo)

  • 7/21/2019 Segurana humana e sustentabilidade. Compartilhar o respeito dignidade da vida

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    Segurana humana e sustentabilidade:

    Compartilhar o respeito pela dignidade da vida

    reduzir os danos das catstrofes, a partir de uma

    perspectiva preventiva, esto no mbito da Es-

    tratgia Internacional para Reduo de Desastres(Einurd). Mas, ao mesmo tempo, pela natureza

    imprevisvel dos desastres, indispensvel o pre-

    paro para o apoio queles cuja vida atingida.

    Aliado ao dever humanitrio, defendo que os

    direitos humanos sejam o ponto central em todo

    esforo de socorro. Esta abordagem garante dig-

    nidade s pessoas afetadas.

    Proponho que as atividades de ajuda humanit-

    ria s vtimas das catstrofes, que at agora foram

    tratadas, caso a caso, pelo Acnur, sejam oficialmen-

    te includas entre os deveres do Alto Comissariado.

    Ao longo de sua histria, o Acnur vem am-

    pliando o leque de beneficirios e de competn-

    cias de suas atividades. Alm de seu mandato

    original de proteo aos refugiados, agora res-

    ponsvel pela ajuda humanitria dedicada aos

    refugiados internacionais e populaes afetadas

    pela guerra. O Acnur responde ainda pela prote-

    o daqueles que requerem asilo poltico e dos

    aptridas. O artigo nono do mandato do Acnur

    prev que ele tambm participar em atividadesadicionais determinadas pela Assembleia Geral.

    Relatos mostram que, hoje, so 160 milhes

    as pessoas afetadas por desastres naturais e 100

    mil as que perdem a vida a cada ano. Em com-

    parao com a dcada de 1970, atualmente

    triplicada a incidncia de desastres e o nmero

    de pessoas atingidas. A maioria das vtimas est

    concentrada nos pases em desenvolvimento; e

    o ciclo vicioso de catstrofes e de pobreza um

    desafio ao qual devemos responder.45

    O alto-comissrio das Naes Unidas para

    Refugiados, Antnio Gutierrez, observou:

    Qualquer ao deve estar amparada pelos di-

    reitos humanos, pois a experincia vivida aps o

    tsunamique ocorreu no Oceano ndico em 2004

    e outros recentes desastres confirmam que tais

    situaes de emergncia geram novas ameaas

    aos direitos da populao afetada.46

    De acordo com os dados, cresce cada vez mais

    a ateno voltada proteo da dignidade daque-

    les que foram atingidos por desastres, tanto quan-

    do foram socorridos como no processo de recupe-

    rao. Resta, contudo, a tendncia de considerar

    inevitvel que ocorra alguma deteriorao dascondies de vida e de sade. Em compensao, o

    esforo para que seus direitos sejam protegidos se

    acentua em casos de desastres, particularmente,

    nas implicaes para a sobrevivncia.

    Esperam-se medidas que permitam ao Acnur

    estar constantemente comprometido com o so-

    corro s vtimas. Uma estrutura deve ser estabe-

    lecida para possibilitar ao Acnur realizar aes

    de salvamento, em parceria com outras organi-

    zaes internacionais, alicerada nos princpios

    Fio de AriadneA histria do fio de Ariadne surge na antiga lenda gre-

    ga sobre Teseu e Minotauro. Segundo uma verso dessa

    mitologia, os atenienses eram obrigados a sacrificar sete

    rapazes e sete moas a cada nove anos em oferecimen-

    to ao Minotauro uma criatura com cabea de touro e

    corpo de homem que vivia no centro de um labirinto. Em

    certo ano, Teseu, o heri, ofereceu-se para matar o Mi-

    notauro. Ao chegar a Creta, a filha do rei, Ariadne, apai-

    xonou-se por ele. Ela lhe deu um novelo de linha para ele

    navegar pelo labirinto. Teseu cumpriu sua misso. E refezo caminho de volta trazendo outros para fora do labirinto.

    Aliado ao dever

    humanitrio,defendo que os direitos humanos

    sejam o ponto central em todo

    esforo de socorro

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    PROPOSTA

    DE PAZ 2012

    do humanismo e dos direitos humanos, para pro-

    teger a vida das pessoas. Precisamos criar umacultura desses direitos para defender a dignidade

    das pessoas que se encontrem em perigo ou so-

    frem pela desigualdade social.

    A Assembleia Geral da ONU aprovou, em de-

    zembro de 2011, uma indita Declarao sobre

    Educao e Formao em Direitos Humanos, es-

    tabelecendo princpios e objetivos por meio dos

    quais a sociedade internacional deve promover

    uma cultura de direitos humanos. A Declarao,

    elaborada desde 2007, aps deciso do Conse-

    lho de Direitos Humanos da ONU, reflete a voz

    da sociedade civil por meio das contribuies da

    ONG Grupo de Trabalho em Educao em Direi-

    tos Humanos e Aprendizagem da Conferncia

    das ONGs em Relaes Consultivas para as Na-

    es Unidas e outras organizaes.

    Como presidente da ONG Grupo de Trabalho

    e para implementar o esprito dessa Declarao,

    a SGI colabora com a Associao para a Educa-

    o em Direitos Humanos (HREA) para copro-

    duzir um DVD educativo em parceria com o Es-critrio do Alto Comissariado das Naes Unidas

    para os Direitos Humanos.

    Garantir que o esprito da Declarao seja mun-

    dialmente aceito resultar na promoo do socorro

    com foco consistente nos direitos humanos, condu-

    zido pelos governos nacionais e regionais.

    O desafio central da comunidade internacio-

    nal no sculo 21 criar uma cultura de direitos

    humanos. E a SGI trabalha para reforar a contri-

    buio da sociedade civil neste processo.

    A este respeito, proponho maior nfase no

    papel que a mulher desempenha em todos os

    processos para reduo do risco de desastres,

    assistncia e reconstruo, como um objetivo

    prioritrio da sociedade internacional.

    Esperana na mulher

    Em resposta aos desastres e perigos da pri-vao repentina, essencial atender situao

    de cada um. Ao mesmo tempo, imprescindvel

    empoderar as pessoas para transformar suas

    prprias circunstncias. neste ponto que o pa-

    pel da mulher indispensvel.

    Em termos de desastres naturais, estudos in-

    dicam que a mulher mais propensa a morrer do

    que o homem.47E esta tendncia aumenta com

    as dimenses da tragdia. Quando ocorre uma

    catstrofe, a mulher, alm de suportar um fardo

    Direitos Humanos_DVD EducativoA Soka Gakkai Internacional (SGI), em colabo-

    rao com a ONG Associao para Educao em

    Direitos Humanos (HREA), trabalha para produzir

    um DVD que sensibiliza [o pblico] sobre o pa-

    pel positivo que a educao em direitos humanos

    pode desempenhar na capacitao das pessoas e

    na promoo de uma cultura de direitos humanos.

    O DVD Educativo apresentar exemplos da ndia,

    Austrlia e Turquia, que ilustram como a educao

    em direitos humanos vem ajudando a proteger ecapacitar os indivduos cujos direitos humanos fo-

    ram ameaados. Alm disso, destacar o desen-

    volvimento internacional no mbito da educao

    em direitos humanos, como a recente adoo da

    Declarao das Naes Unidas sobre Educao e

    Treinamento em Direitos Humanos.

    www.hrea.org

    imprescindvel

    empoderar as pessoas paratransformar suas prprias circunstncias

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    Segurana humana e sustentabilidade:

    Compartilhar o respeito pela dignidade da vida

    desproporcional das privaes, tem seus direi-

    tos humanos e sua dignidade expostos a graves

    ameaas. evidente que preciso enfatizar ascapacidades da mulher para contribuir no alvio

    e na reconstruo, e lev-las em conta no enfren-

    tamento dessas adversidades.

    O Quadro de Ao de Hyogo 2005-2015,

    aprovado na Conferncia Mundial sobre Redu-

    o de Desastres, realizada em 2005, continha

    a seguinte declarao: A perspectiva de gne-

    ro deve ser integrada em todas as polticas de

    gesto do risco de desastres, planos e processos

    decisrios.48

    Infelizmente, como o Relatrio de

    Avaliao Global de Reduo do Risco de Desas-

    tres de 2011 assinalou, os progressos nesta ma-

    tria continuam insuficientes. preciso mudar, e,para tanto, necessrio um mandato inequvoco

    e juridicamente vinculativo.

    Tomemos o exemplo da Resoluo n 1.325,

    aprovada pelo Conselho de Segurana da ONU

    em outubro de 2000, que reafirma a importn-

    cia da igualdade de participao e total envol-

    vimento da mulher em todos os esforos para

    manter e promover a paz e a segurana da vida.

    Isso transmite uma mensagem clara e poderosa

    ao mundo inteiro.

    CARINHO E ATENO A Agncia da ONU para os Refugiados Palestinos (UNRWA) realiza Jogos de Vero com crianas da Faixa de Gaza (junho de 2010)

    UNPHOTO/SHA

    REEFSARHAN

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    PROPOSTA

    DE PAZ 2012

    Mais de dez anos depois de aprovao, a ple-

    na implementao ainda um desafio, preciso

    constante apoio. Apesar disso, a existncia da Re-

    soluo n 1.325 de grande importncia, porque

    se tornou referncia para a promoo de diversas

    iniciativas mundiais.

    O ex-subsecretrio-geral da ONU, Anwarul K.

    Chowdhury, que teve papel indispensvel na apro-

    vao da Resoluo no1.325, disse-me certa vez:

    A cultura de paz fincar razes mais fortes com a

    participao da mulher... No existe mundo pacfi-

    co, no verdadeiro sentido da palavra, sem a parti-cipao da mulher.49

    As mulheres esto habilitadas a desempenhar

    um papel extremamente importante nas reas de

    reduo de desastres e recuperao. Com a de-

    vastao do terremoto no Haiti, cresce o reconhe-

    cimento dentro do sistema das Naes Unidas da

    necessidade de ampliar o mbito da Resoluo

    no1.325 aos desastres naturais.

    Proponho que o conceito de construo da

    paz na Resoluo no

    1.325 contemple a reduo

    As mulheres esto habilitadasa desempenhar um papel extremamente

    importante nas reas de reduo de desastres

    e recuperao

    RESPEITO S MULHERES Michelle Bachelet ( esquerda) discursa na Comisso sobre o Status das Mulheres (CSW), em fevereiro de 2012 em Nova York, Estados Unidos

    UNPHOTO/R

    ICKBAJORNAS

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    Segurana humana e sustentabilidade:

    Compartilhar o respeito pela dignidade da vida

    do risco de desastres e de recuperao, ou que

    uma nova resoluo seja aprovada ressaltando o

    desempenho da mulher nesse trabalho.O Japo foi o pas-sede quando o Quadro de

    Ao de Hyogo foi aprovado. E sofreu grandes

    terremotos em Kobe, Tohoku e em outras reas.

    Por isso, peo que o Japo tome a iniciativa de

    uma ao modelo para os demais pases, pela

    melhora rpida de sua conjuntura interna, apta

    para prevenir catstrofes com a conscincia do

    papel da mulher.

    Michelle Bachelet ex-presidente chilena e pri-

    meira diretora executiva da ONU Mulher, entidadecriada h dois anos. Ela considera a capacidade de

    resistncia e potencialidades da mulher:

    Vi em mim mesma o que as mulheres, nas

    circunstncias mais difceis, conseguem para suas

    famlias e para a sociedade desde que tenham

    chance. O poder de resistncia, a dedicao ao

    trabalho e a sabedoria das mulheres continuam

    a ser os maiores recursos inexplorados da huma-

    nidade. No podemos nos dar ao luxo de esperar

    mais cem anos para revelar este poder.50

    A mulher deve ser empoderada como agen-

    te de mudana eficaz nas reas de preveno do

    risco de desastres, recuperao e reconstruo.

    Suas capacidades devem ser reconhecidas para

    resoluo de conflitos, preveno e construo

    de uma cultura de paz. intolervel que a mulher

    continue a suportar o fardo mais pesado.

    A SGI trabalha pela conscientizao do papel

    central da mulher para uma cultura de paz, e pro-move, localmente, maior conscincia sobre as con-

    tribuies da mulher em relao s catstrofes.

    Uma sociedade sustentvel

    Outras questes preocupantes so: o meio

    ambiente e o desenvolvimento sustentvel.

    A Conferncia das Naes Unidas sobre De-

    senvolvimento Sustentvel Rio+20 ser

    realizada em junho deste ano no Rio de Janeiro.

    Esta Conferncia analisar a evoluo dos traba-

    lhos ao longo das ltimas duas dcadas, desde a

    Cpula da Terra de 1992. Ela se concentrar em

    dois temas: a economia verde no contexto do

    desenvolvimento sustentvel e a erradicao dapobreza; e o quadro institucional para o desen-

    volvimento sustentvel.

    Ainda ocorrem debates sobre a definio do

    que seja economia verde. importante no nos

    precipitarmos numa definio restrita deste con-

    ceito, simplesmente representando um compro-

    misso entre as preocupaes com o crescimento

    econmico concorrente e a proteo ambiental

    ou apenas uma nova ferramenta para a gerao

    de emprego.

    ONU Mulheres

    A ONU Mulheres, ou a Entidade das Naes

    Unidas para a Igualdade de Gnero e o Empode-

    ramento das Mulheres, foi criada por meio da Re-

    soluo no64/289 da Assembleia Geral das Na-

    es Unidas em 2010, com o objetivo de trabalhar

    pelo empoderamento das mulheres e meninas. A

    ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, di-

    retora executiva da entidade. Ao integrar quatro

    partes da estrutura da ONU, que anteriormente

    eram distintas, a ONU Mulheres visa combater asdesigualdades enfrentadas pelas mulheres em ter-

    mos de cuidados com a educao, o trabalho e a

    sade. Busca garantir que elas tenham uma repre-

    sentao equilibrada nos processos decisrios no

    campo da poltica e economia. Apoia organizaes

    intergovernamentais na formulao de polticas e

    normas e ajuda os governos na sua implementao

    e na monitorao da operabilidade do sistema das

    Naes Unidas com seus prprios compromissos

    em matria de igualdade de gnero.

    www.unwomen.org

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    PROPOSTA

    DE PAZ 2012

    Em 2011, o Programa das Naes Unidas para

    o Meio Ambiente (Pnuma) organizou uma confe-

    rncia de jovens em Bandung, na Indonsia, queaprovou uma declarao sobre a economia ver-

    de: Numa estrutura integrada verdadeiramente

    sustentvel, o bem-estar, a igualdade social e a

    proteo ambiental tm o mesmo peso.51Estou

    inspirado com a esperana e o senso de respon-

    sabilidade desses jovens.

    Gostaria da aprovao de metas comuns

    para um futuro sustentvel como continuao

    dos Objetivos de Desenvolvimento do Milnio

    (ODM), que vo at 2015. A verso zero daConferncia Rio+20, resumo das declaraes

    apresentadas aos organizadores da Conferncia,

    refere-se necessidade dos Objetivos de Desen-

    volvimento Sustentvel (ODS). Espero que todos

    os participantes desta deliberao se pautem pe-

    los desafios que a humanidade enfrenta.

    At hoje, a sociedade internacional trabalha

    para a realizao dos ODM, que incluem metas

    como a reduo da misria e da fome. Os ODM

    ajudaram a conduzir esforos para amenizar as

    desigualdades que j mencionei. Atualmente, h

    muitos pedidos de um novo conjunto de metas a

    partir de 2015.

    Apoio com entusiasmo a tentativa de se es-

    tabelecer esses objetivos e espero v-los dando

    continuidade ao esprito dos ODM de atenuar as

    distores em nossa sociedade global geradas

    pela pobreza e pelas disparidades de renda. De-

    vem tambm envolver uma gama completa de

    questes sobre segurana humana que nenhum

    pas discordaria e, desta forma, unir as pessoasnum empreendimento comum da humanidade

    no sculo 21.

    Para este fim, proponho que a Conferncia

    Rio+20 estabelea um grupo de trabalho para

    estudar estes objetivos e inicie um dilogo. Os

    dois conceitos-chave dessa tarefa so a seguran-

    a humana e a sustentabilidade.

    O que a sustentabilidade? Em termos bem

    simples, penso que possa ser descrita assim: um

    modo de vida em que a conquista da minha fe-

    licidade no custe o sacrifcio de outro; a deter-

    minao de no deixar para a prxima gerao a

    nossa comunidade e o nosso planeta mais dani-

    ficados do que eram quando chegamos. Uma so-

    ciedade sustentvel aquela cujo futuro no seja

    prejudicado pelas necessidades momentneas

    do presente, mas onde as melhores escolhas se-

    jam determinadas pelos interesses dos nossos

    filhos e netos.

    A procura desses ideais no deve ser acom-

    panhada pela obedincia a regras impostas de

    fora nem como um fardo sufocante de respon-

    sabilidade. Pelo contrrio, ela deve ser um desejo

    natural. O economista John Kenneth Galbraith

    (19082006) disse muito bem, certa ocasio em

    que conversvamos: um sculo em que as pes-

    soas falem: Eu gosto de viver neste mundo.52

    Eu estava motivado por sentimentos muitosemelhantes quando escrevi em minha Proposta

    de Paz de 2008 que o esforo para alcanar os

    ODM deve ser no apenas para cumprir metas,

    mas para restaurar o sorriso no rosto daqueles

    que sofrem.

    No preciso criar do zero a tica necess-

    ria para a concretizao desta viso. Ela est nas

    religies e culturas tradicionais, verdade que a

    sociedade contempornea possui, mas perdeu

    de vista. Os povos indgenas iroqueses da Am-

    Uma sociedade

    sustentvel aquela cujo futuro no seja

    prejudicado pelas necessidades

    momentneas do presente, mas

    onde as melhores escolhas sejam

    determinadas pelos interesses dos

    nossos filhos e netos

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    Segurana humana e sustentabilidade:

    Compartilhar o respeito pela dignidade da vida

    rica do Norte, por exemplo, recomendam: Tenha

    sempre em vista no s o presente, pense nas fu-

    turas geraes, e mesmo naquelas cujas faces j

    esto sob a superfcie da terra...53

    Da mesma forma, nas escrituras budistas en-contramos as famosas palavras de Sakyamuni:

    O que visvel e invisvel,

    Os que vivem perto e longe,

    Os que nasceram e os que vo nascer

    Que todos sejam felizes.54

    A tica de um novo conjunto de metas para

    uma sociedade global sustentvel deve ser tra-

    balhada por meio de aes educativas para sen-

    sibilizar as pessoas de que no se trata de regras

    alheias. Mas sim de um juramento firmado na

    valorizao da vida expressa nessas Declaraes.

    indispensvel que a formulao das metas

    considere cuidadosamente questes como a po-breza, a indigncia e as desigualdades das con-

    dies de vida; lide com a variedade de ameaas

    imprevisveis tal como os desastres naturais

    , a destruio de ambientes humanos e natu-

    rais, a proteo e o estudo da biodiversidade.

    Para essas deliberaes, devemos reunir re-

    cursos da sabedoria sobre o modo de viver e a

    sociedade que protegero a vida, os meios de

    subsistncia e a dignidade das pessoas que vi-

    vem e vivero na Terra.

    CONSCIENTIZAR Exposio Sementes da Mudana: a Carta da Terra e o potencial humano comeou em 2010 em So Paulo e j percorreu diversas cidades do pas

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    PROPOSTA

    DE PAZ 2012

    Futuro energtico

    A ONU designou 2012 como o Ano Internacio-

    nal da Energia Sustentvel para Todos, destacando

    a importncia da sustentabilidade como objetivo

    essencial da poltica energtica. Neste contexto,

    devemos considerar as perspectivas presentes e

    futuras para produo de energia nuclear.

    O acidente na Usina Nuclear de Fukushima,

    que se seguiu ao terremoto e ao tsunami de 2011,

    compete com o acidente de Three Mile Island,de 1979, e o desastre de Chernobyl, de 1986, em

    termos de alcance e gravidade. A situao ainda

    no foi totalmente controlada, e no h planos de

    armazenamento dos produtos do solo e dos res-

    duos expostos contaminao radioativa. uma

    ameaa permanente vida de muitas pessoas.

    Estima-se que levar aproximadamente qua-

    renta anos para remover todo o combustvel e

    outros materiais radioativos do reator, desmon-

    t-lo completamente e desativar de modo seguro

    todas as instalaes. H questes pendentes re-

    lativas viabilidade da recuperao ambiental da

    rea contaminada pelos poluentes radioativos.

    Os efeitos, no longo prazo, sobre a sade huma-

    na no so claros. Todos estes fatores impem

    encargos para as geraes presentes e futuras.

    Por mais de trs dcadas, persevero em ma-

    nifestar minha grande preocupao com as con-

    sequncias verdadeiramente imponderveis de

    um grave acidente numa usina nuclear.

    A herana negativa dessa atividade nuclear,com a eliminao necessria de resduos radioa-

    tivos, em funcionamento normal e sem acidentes,

    pode durar milhares de anos. At hoje, nenhuma

    soluo foi encontrada para o problema do arma-

    zenamento destes resduos altamente radioativos.

    O secretrio-geral da ONU, Ban Ki-moon, foi

    pertinente: Como estamos dolorosamente apren-

    dendo mais uma vez, os acidentes nucleares no

    respeitam fronteiras: so ameaas diretas para a

    sade humana e para o meio ambiente... Como o

    PHOTOS.COM

  • 7/21/2019 Segurana humana e sustentabilidade. Compartilhar o respeito dignidade da vida

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    Segurana humana e sustentabilidade:

    Compartilhar o respeito pela dignidade da vida

    impacto atinge toda a humanidade, essas questes

    devem ser seriamente debatidas globalmente.55

    Os problemas da produo de energia nu-clear tm tal dimenso que no podem ser en-

    frentados de forma eficaz dentro dos limites da

    poltica energtica de uma nica nao.

    Para o Japo localizado numa zona geogr-

    fica que sofre cerca de 10% dos terremotos do

    mundo e onde os tsunamis so comuns , pa-

    rece impossvel ser otimista quanto preveno

    de acidentes.

    Clamo pela rpida adoo de uma poltica

    energtica que no dependa da energia nu-clear. O Japo deve colaborar com os pases

    pioneiros na pesquisa de fontes renovveis

    de energia e desenvolver projetos em conjun-

    to para reduzir os custos dessas tecnologias.

    Deve promover uma inovao tecnolgica que

    facilite a introduo de novas fontes de energia

    nos pases em desenvolvimento que hoje en-

    frentam este problema.

    A adoo destas novas fontes requer medi-

    das criadoras de polos industriais alternativos

    nas comunidades dependentes economicamen-

    te da usina ou onde estas fornecem energia.

    urgente que todos os Estados colaborem

    com a resoluo dos desafios da energia nuclear.

    Em abril de 2011, passados vinte e cinco anos

    do acidente de Chernobyl, o secretrio-geral da

    ONU, Ban Ki-moon, apresentou seu parecer:

    Devemos tratar a segurana da energia nuclear

    com a mesma seriedade que dispensamos s ar-

    mas nucleares.56

    O dano sade e ao ambiente, decorrente daexposio radioatividade, o mesmo, indepen-

    dentemente da fonte: produo, testes e uso de ar-

    mas nucleares, liberao de radioatividade durante a

    gerao de energia, ou acidente numa usina nuclear.

    Desde o incio das operaes da primeira usi-

    na nuclear na Unio Sovitica em 1954, muitos

    reatores chegaram ao fim da sua vida til. Apesar

    disso, os resduos desses reatores aumentam em

    ritmo proporcional ao do nmero das usinas nu-

    cleares em funcionamento.

    A Agncia Internacional de Energia Atmica(AIEA) concentra esforos na rea de pesquisa

    e desenvolvimento do uso pacfico da energia

    nuclear, dando assistncia s usinas nucleares e

    ao intercmbio de informao cientfica e know-

    -how tecnolgico, e impedindo o desvio de mate-

    riais e tecnologias para fins blicos.

    Diante da situao da produo de ener-

    gia nuclear trazida tona pelo acidente de

    Fukushima , imperativo que, alm de suas

    responsabilidades, a AIEA assuma a liderana na

    promoo da cooperao internacional quanto

    fase final do ciclo do combustvel nuclear.

    A AIEA deve ainda exercer o papel central no

    socorro aos danos provocados pelos acidentes

    em usinas e para a desativao das centrais nu-

    cleares obsoletas.

    Fim das armas nucleares

    Agora, proponho ideias concretas para o

    cumprimento da proibio e abolio das armasnucleares.

    O acidente nuclear de Fukushima reacendeu

    a inquietao com a poluio radioativa desen-

    cadeada pelos testes com armas nucleares reali-

    zados a partir de 1950.

    Este ano comemora-se o quinquagsimo

    quinto aniversrio da declarao do segundo

    presidente da Soka Gakkai, Jossei Toda, claman-

    do pela proibio das armas nucleares. Essa de-

    clarao foi feita quando era mais acirrada a con-

    As armas nuclearesnuncapodem ser aceitas comoum mal necessrio, mas devem ser

    rejeitadas, proibidas e extirpadas

    como um mal absoluto

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    PROPOSTA

    DE PAZ 2012

    corrncia entre os possuidores do poder atmicopor armas ainda mais destruidoras.

    O presidente Toda declarou: Mesmo que

    neste momento cresa no mundo inteiro o movi-

    mento para abolir os testes nucleares, meu dese-

    jo atacar o problema pela raiz: cortar as garras

    ocultas na sua origem.57

    Neste trecho, ele estava convencido de que

    a proibio de testes de armas nucleares era es-

    sencial, porque uma soluo mais eficaz no se-

    ria possvel enquanto as polticas de segurana

    nacional, que acarretam sofrimento e sacrifcio

    dos cidados, permacessem inalteradas.

    Antes desta declarao, o presidente Toda

    props o conceito de chikyu minzokushugi, na-

    cionalismo global ou unidade dos povos do

    mundo, que corresponde ao que hoje chama-

    mos cidadania planetria.

    Este conceito resume sua averso ideia do

    sacrifcio da nao ou do povo pela guerra. Ele lu-

    tou pelo fim da guerra por meio da solidariedade

    dos cidados.Este foi o motivo da sua declarao de se-

    tembro de 1957, exatamente a seis meses de seu

    falecimento. Concentrado nas armas nucleares,

    em atacar o problema pela raiz, o presidente

    Toda buscou eliminar o que considerava ma-

    ligno que servia de impedimento ao progresso

    dessa luta. Alm disso, declarou sua esperana

    de que esta empreitada seria realizada pela gera-

    o mais jovem.

    Ainda que as armas nucleares no sejam uti-

    lizadas em ataques reais, os processos de sua

    produo, testes e armazenamento afetam gra-

    vemente a vida dos seres humanos e do meio

    ambiente. Isso comprovado pelo enorme estra-

    go causado pelo teste dos Estados Unidos com a

    bomba de hidrognio detonada no Atol de Bikini,

    em maro de 1954, trs anos antes da declarao

    do presidente Toda.

    Mesmo com o fim dos testes, os problemasno estariam resolvidos. Porque s a deciso de

    possuir armas nucleares j manifesta a disposi-

    o de sacrificar vidas e a sade do planeta em

    nome da segurana nacional. Se assim for, qual-

    quer coisa pode ser justificada em nome da ne-

    cessidade militar.

    As armas nucleares so a principal personi-

    ficao dessa mentalidade. O Budismo explica

    que a escurido fundamental da vida a ori-

    gem primria desses impulsos negativos, como

    O presidente Todabuscou eliminar o que

    considerava maligno que servia

    de impedimento ao progresso

    dessa luta

    ENERGIA NUCLEARAcima, um helicptero

    sobrevoa Chernobyl para

    ajudar os peritos a verificar

    os danos ao reator central

    (abril de 1986). Ao lado, na

    Usina Nuclear de Fukushima,

    membros da AIEA avaliam os

    danos do terremoto seguido

    do tsunami no nordeste do

    Japo (maro de 2011)

    UN

    PHOTO/IAEA

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    Segurana humana e sustentabilidade:

    Compartilhar o respeito pela dignidade da vida

    ira, avareza e estupidez, razes venenosas da

    guerra e de outras calamidades.

    deste aspecto tenebroso da natureza huma-

    na que surgem o desprezo, o dio, a crueldade e a

    insensibilidade diante da vida. A menos que esse

    impulso de desrespeito e desconsiderao vida

    seja superado, a mente humana, que d origem

    misria e ao sofrimento da guerra, permanecer

    igual, mesmo que seja evitado o uso efetivo dearmas nucleares.

    O presidente Toda insistia nesta questo: as

    armas nucleares nunca podem ser aceitas como

    um mal necessrio, mas devem ser rejeitadas,

    proibidas e extirpadas como um mal absoluto.

    Na verdade, a necessidade militar algo que

    o Tribunal Internacional de Justia (TIJ) foi inca-

    paz de solucionar no seu parecer sobre a Legali-

    dade da Ameaa ou do Uso de Armas Nucleares

    emitido em 1996.

    Embora considere essa ameaa ou uso de ar-

    mas nucleares, em geral, ilegal pelo direito huma-nitrio internacional, o TIJ decidiu que era incapaz

    de proferir uma deciso definitiva numa circuns-

    tncia extrema de autodefesa, na qual a prpria

    sobrevivncia de um Estado estivesse em jogo.58

    O acordo alcanado por unanimidade na

    Conferncia de Reviso do Tratado de No Pro-

    liferao Nuclear (TNP) (2010) pode ser enten-

    dido como o preenchimento dessa lacuna legal

    e um reforo ao argumento da ilegalidade das

    armas nucleares.

    Teste de Armas Nucleares dos Estados Unidos,

    Atol de Bikini, 1954

    Em 1 de maro de 1954, o mais poderoso

    dispositivo nuclear j detonado pelos Estados

    Unidos foi testado no Atol de Bikini, nas Ilhas

    Marshall. Essa bomba de hidrognio foi aproxi-

    madamente mil vezes mais poderosa que a bom-

    ba atmica lanada sobre Hiroshima, em termos

    da equivalncia da tonelagem de TNT. Mais de

    sete mil quilmetros quadrados do Oceano Pa-

    cfico, incluindo ilhas habitadas, foram contami-nados com a precipitao radioativa, acarretan-

    do em longo prazo graves desequilbrios sobre a

    sade das pessoas expostas. Os 23 tripulantes

    do Lucky Drangon n 5, navio de pesca japons,

    estavam entre os que foram contaminados, o que

    provocou protestos globais contra os testes de ar-

    mamento nuclear. O Atol de Bikini ainda tem de ser

    restabelecido devido aos nveis de resduos de ra-

    dionucldeos nos alimentos produzidos nesse local.

    UNPHOTO/IAEA/GREGWEBB

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    PROPOSTA

    DE PAZ 2012

    Para citar o documento final da Conferncia:

    A Conferncia exprime profunda preocupa-

    o com as consequncias catastrficas do uso

    de armas nucleares e afirma a necessidade de to-

    dos os Estados, em qualquer momento, respeitar

    o direito internacional aplicvel, inclusive o direi-

    to humanitrio internacional.59

    A frase todos os Estados, em qualquer mo-

    mento indica a obrigao legal de que nenhu-

    ma exceo ser tolerada. Na minha proposta

    para abolio das armas nucleares de setembrode 2009, solicitei um movimento que mani-

    festasse a vontade dos povos do mundo para

    a proibio das armas nucleares. Argumentei

    que o movimento seria estabelecido pela norma

    internacional de 2015 que servir de base para

    a Conveno sobre Armas Nucleares (NWC),

    proibindo formalmente estas armas de destrui-

    o em massa.

    O acordo da Conferncia de Reviso TNP,

    em 2010, abre um caminho para este esforo.

    Devemos, o mais rpido possvel, dar ao acor-

    do carter juridicamente vinculativo na forma

    de tratado.

    Em geral, a edio de novas normas interna-

    cionais passa pelas trs fases seguintes:

    1. As limitaes da atual norma se tornam

    claras, e so feitos requerimentos por uma nova

    abordagem.

    2. O reconhecimento da necessidade de uma

    nova norma se espalha, e recebe apoio de nume-rosos governos.

    3. A nova norma aceita pela comunidade

    internacional, formalizada e ganha a expresso

    institucional de tratado.

    Creio que, no tocante proibio das armas

    nucleares, estamos num momento-chave: exata-

    mente no incio da segunda etapa, antes de co-

    mear a receber apoio de numerosos governos.

    Sinto-me encorajado a adotar este ponto de vista

    pela sequncia dos ltimos acontecimentos:

    A iniciativa da sociedade civil para elaborar

    um modelo de Conveno sobre Armas Nuclea-

    res (NWC) em 1997 foi seguida de um projeto

    revisado, lanado em 2007, demonstrando o

    bom encaminhamento do processo de reviso

    das medidas legais para assegurar a abolio das

    armas nucleares.

    Desde 1996, a Malsia e outros pases pro-

    pem, anualmente, junto Assembleia Geral

    da ONU uma resoluo exigindo que se iniciem

    negociaes para uma Conveno sobre Armas

    Nucleares (NWC). Cresce o apoio a esta reso-

    luo: no ano passado, 130 Estados-membros

    apoiaram esta iniciativa, dentre eles China, ndia,

    Paquisto, Coreia do Norte e Ir. Em 2008, o secretrio-geral da ONU, Ban

    Ki-moon, props negociaes para uma Conven-

    o sobre Armas Nucleares (NWC) ou instru-

    mentos distintos que se reforcem mutuamente.

    A Conferncia de Reviso do TNP em 2010

    observou esta proposta e aprovou com unanimi-

    dade seu documento final.

    A Unio Interparlamentar (UIP) composta

    por 159 pases, entre eles Rssia, Reino Unido, Fran-

    a e China apoia, por unanimidade, esta proposta.

    Enquanto existirem

    armas nucleares,persiste atentao de ameaar os outros com o

    poder militar esmagador

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    Segurana humana e sustentabilidade:

    Compartilhar o respeito pela dignidade da vida

    A Rede Prefeitos pela Paz, com mais de

    5.100 cidades e municpios no mundo, pede ati-

    vamente o incio imediato das negociaes para

    uma NWC. Da mesma forma, o Conselho de In-

    terao, formado por ex-chefes de Estado e de

    governo, solicita a assinatura desta Conveno. Em setembro de 2009, o Conselho de Segu-

    rana da ONU realizou uma cpula especial que

    aprovou a Resoluo n 1.887, comprometendo-

    -se a criar as condies para um mundo sem ar-

    mas nucleares.

    O agravamento da crise econmica provo-

    cou uma reavaliao dos gastos militares, inclu-

    sive, por parte dos Estados possuidores de armas

    nucleares. Finalmente os custos desses arma-

    mentos esto em debate.

    Embora nenhum desses acontecimentos, por

    si s, represente um avano decisivo, em conjunto,

    constituem uma dinmica forte e irreversvel para

    um mundo livre de armas nucleares.

    A liderana da sociedade no projeto da Con-

    veno sobre Armas Nucleares, por meio depeties e outras atividades, demonstra que

    as fontes espiritual e normativa para a abolio

    dessas armas malignas esto no corao e na

    mente dos cidados comuns.