tese avaliacao psicologica usuarios drogas

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FFCLRP – DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO PROGRAMA DE POS GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA Psicodinâmica de usuários de drogas: contribuições da avaliação psicológica Rodrigo Cesar Martins Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP, como parte das exigências para obtenção do título de Mestre em Ciências, Área: Psicologia. Ribeirão Preto - SP - 2003 -

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FFCLRP DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E EDUCAO

    PROGRAMA DE POS GRADUAO EM PSICOLOGIA

    Psicodinmica de usurios de drogas: contribuies da avaliao psicolgica

    Rodrigo Cesar Martins

    Dissertao apresentada Faculdade de

    Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro

    Preto da USP, como parte das exigncias

    para obteno do ttulo de Mestre em

    Cincias, rea: Psicologia.

    Ribeiro Preto - SP

    - 2003 -

  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FFCLRP DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E EDUCAO

    PROGRAMA DE POS GRADUAO EM PSICOLOGIA

    Psicodinmica de usurios de drogas: contribuies da avaliao psicolgica

    Rodrigo Cesar Martins Sonia Regina Pasian

    Dissertao apresentada Faculdade de

    Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro

    Preto da USP, como parte das exigncias

    para obteno do ttulo de Mestre em

    Cincias, rea: Psicologia.

    Ribeiro Preto - SP

    - 2003 -

  • Martins, Rodrigo Cesar Psicodinmica de usurios de drogas: contribuies da

    avaliao psicolgica. Ribeiro Preto, 2003-03-24 147 p. : il.: 30 cm

    Dissertao, apresentada Faculdade de Filosofia,Cincias e Letras de Ribeiro Preto / USP Dep. de Psicologia e Educao.

    Orientadora: Pasian, Sonia Regina. 1. Drogadio 2. avaliao psicolgica 3. Rorschach 4. entrevista

  • AGRADECIMENTOS Ao amigo e orientador Prof. Dr. Andr Jacquemin, no s pelo incentivo

    vida acadmica e ao estudo da drogadio, mas pelo amplo sentido que sua

    presena tem em minha vida profissional.

    minha orientadora Profa. Dra. Sonia Regina Pasian, por ter abraado

    comigo este projeto e pelo constante exemplo de dedicao e tica

    demonstrados nesta jornada.

    Aos vrios amigos e professores que colaboraram, direta ou indiretamente,

    com a pesquisa, em especial ao Paulo e ao Cristiano pelo companheirismo.

    Aos dirigentes das duas Instituies de recuperao de dependentes

    qumicos que trabalhei, pelo apoio e confiana em nossas propostas.

    Aos participantes da pesquisa, sem os quais no seria possvel a realizao

    deste trabalho.

    Aos meus pais, por tudo, sempre.

    Ao mistrio, agente primeiro de todas as coisas, do qual sabemos muito

    pouco, inspirador da nossa incessante busca.

  • SUMRIO

    RESUMO................................................................................................ i

    ABSTRACT........................................................................................... ii

    CERTIFICADO de TICA..................................................................iii

    I. INTRODUO..................................................................................01 I.1. Consideraes gerais sobre drogadio...................................................01

    I.2. O abuso e a dependncia de drogas psicoativas.....................................06

    I.4. Estudos atuais sobre a drogadio...........................................................16

    I.3. O usurio de drogas psicoativas..............................................................09

    II. OBJETIVOS ....................................................................................26 II. 1. Geral .......................................................................................................26

    II. 2. Especficos..............................................................................................26

    III. MTODO........................................................................................28 III. 1. Amostra...................................................................................................28

    III. 2. Material....................................................................................................37

    III. 3. Procedimento...........................................................................................39

    III. 4. Aspectos ticos........................................................................................43

    IV. RESULTADOS ................................................................................44 IV. 1. ANLISE DAS ENTREVISTAS......................................................................44

    IV. 1. 1 Grupo 1............................................................................................................45

  • - Desenvolvimento da Drogadio.................................................................45

    - Histria Pessoal...........................................................................................58

    - Histria Familiar..........................................................................................68

    IV. 1. 2 Grupo 2............................................................................................................76

    IV. 2 ANLISE DO TESTE DAS FIGURAS COMPLEXAS DE REY.....................77

    IV. 3 ANLISE DO PSICODIAGNSTICO DE RORSCHACH..............................83

    IV. 3. 1 Sntese quantitativa dos resultados no Rorschach do Grupo 1.......................84 IV. 3. 2 Sntese quantitativa dos resultados no Rorschach do Grupo 2.......................87 IV. 3. 3 Anlise comparativa entre G1 e G2 nos resultados no Psicodiagnstico de Rorschach......................................................................................................................90 IV. 3. 4 Anlise simblica da prancha IV do Rorschach..............................................93 V. DISCUSSO......................................................................................101 VI. CONCLUSO..................................................................................115 VI. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS...........................................119

    VII. ANEXOS..........................................................................................124

    ANEXO A. Roteiro de Entrevista................................................................................125

    ANEXO B. Carta de apresentao da pesquisa s Instituies....................................129

    ANEXO C. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido..........................................130

    ANEXO D. Parecer do Comit de tica.......................................................................131

    ANEXO E. Sntese das Entrevistas..............................................................................132

  • NDICE DE TABELAS

    Tabela 1. CARACTERIZAO DA AMOSTRA DESTE ESTUDO EM FUNO DE VARIVEIS

    DEMOGRFICAS E DE USO DE DROGAS ILCITAS, PERMITINDO VISUALIZAO DO

    PAREAMENTO ENTRE INDIVDUOS DO GRUPO 1 (N1 = 10) E DO GRUPO 2 (N2 = 10)..........32

    Tabela 2. CARACTERIZAO DO GRUPO 1 (N=10) DESTE ESTUDO EM FUNO DE SUA

    HISTRIA DE USO DE DROGAS ILCITAS.............................................................................34

    Tabela 3. CARACTERIZAO DA AMOSTRA DESTE ESTUDO EM FUNO DO DESEMPENHO

    COGNITIVO NO TESTE DE INTELIGNCIA NO VERBAL- INV FORMA C, PERMITINDO

    VISUALIZAO DO PAREAMENTO ENTRE INDIVDUOS DO GRUPO 1 (N1 = 10) E DO GRUPO 2

    (N2 = 10)..........................................................................................................................36

    Tabela 4. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DOS MOTIVOS DE BUSCA DE AJUDA REFERIDOS

    PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS, N1=10)......................................45

    Tabela 5. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DAS CAUSAS DA DROGADIO REFERIDAS PELOS

    INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS, N1=10)...............................................48

    Tabela 6. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DAS IMPLICAES DO USO DE DROGAS

    CONFORME REFERNCIA DOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGA,

    N1=10).............................................................................................................................53

    Tabela 7. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DAS SITUAES INTENSIFICADORAS DA

    DROGADIO CONFORME AVALIAO REFERIDA PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1

    (USURIOS DE DROGAS, N1=10).......................................................................................56

  • Tabela 8. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DOS FATOS MARCANTES DO

    DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA PERCPO DOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURI0S DE

    DROGAS, N1=10) .............................................................................................................58

    Tabela 9. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DAS CONSIDERAES GERAIS SOBRE SADE

    REFERIDAS PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS,

    N1=10).............................................................................................................................60

    Tabela 10. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DAS CONSIDERAES GERAIS SOBRE

    ALIMENTAO E NUTRIO, REFERIDAS PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE

    DROGAS, N1=10)..............................................................................................................61

    Tabela 11. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DAS CONSIDERAES GERAIS SOBRE O SONO

    REFERIDAS PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS, N1=10) ..................62

    Tabela 12. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DOS PRINCIPAIS ASPECTOS ASSOCIADOS A

    ADAPTAO E A RELACIONAMENTOS NA ESCOLA, REFERIDOS PELOS INDIVDUOS DO

    GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS, N1-10) ........................................................................63

    Tabela 13. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DAS CONSIDERAES SOBRE O TRABALHO

    REFERIDAS PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS, N1=10)...................65

    Tabela 14. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DAS CONSIDERAES SOBRE A SOCIALIZAO

    REFERIDAS PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS, N1=10)...................66

    Tabela 15. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DOS ASPECTOS DO RELACIONAMENTO COM OS

    PAIS, REFERIDA PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS, N1=10)............69

  • Tabela 16. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DOS ASPECTOS DO RELACIONAMENTO COM

    IRMOS REFERIDOS PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS,

    N1=10).............................................................................................................................71

    Tabela 17. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DOS ASPECTOS DO AMBIENTE FAMILIAR

    REFERIDOS PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS, N1=10)....................72

    Tabela 18. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DOS ANTECEDENTES PATOLGICOS NA

    FAMLIA REFERIDOS PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS N1=10)......75

    Tabela 19. RESULTADOS DOS INDIVDUOS DO G1 E DO G2 NA REPRODUO DE CPIA DO

    TESTE DAS FIGURAS COMPLEXAS DE REY.......................................... ..............................78

    Tabela 20. RESULTADOS DOS INDIVDUOS DO G1 E DO G2 NA REPRODUO DE MEMRIA

    DO TESTE DAS FIGURAS COMPLEXAS DE REY...................................................................79

    Tabela 21. VARIVEIS DO RORSCHACH PARA AVALIAO DA CAPACIDADE COGNITIVA/

    INTELECTUAL...................................................................................................................90

    Tabela 22. VARIVEIS DO RORSCHACH PARA ANLISE AFETIVA E CONTROLE DA

    AFETIVIDADE....................................................................................................................91

    Tabela 23. VARIVEIS DO RORSCHACH PARA ANLISE DA ADAPTAO SOCIAL

    AFETIVA...........................................................................................................................92

    Tabela 24. RESPOSTAS DA PRANCHA IV VERBALIZADAS PELOS INDIVDUOS DO G1.......95

    Tabela 25. RESPOSTAS DA PRANCHA IV VERBALIZADAS PELOS INDIVDUOS DO G2......98

  • Autorizao

    Autorizo a reproduo total e/ou parcial da presente obra, por qualquer meio

    convencional ou eletrnico, desde que citada a fonte.

    Rodrigo Cesar Martins

    ______________________

    Universidade de So Paulo

    Av Bandeirantes, 3900.

    Ribeiro Preto

    e-mail: [email protected]

  • I. INTRODUO:

    I.1. Consideraes Gerais sobre Drogadio:

    A busca de substncias que alteram o humor sempre esteve presente e

    inserida em diversos contextos da humanidade. O uso de drogas psicoativas to antigo

    quanto o prprio homem que as utiliza, com diferentes propsitos, nos mais diferentes

    contextos (Bucher, 1991, 1992; Silvestre, 1999; Graeff e Guimares, 1999). Apesar da

    maior concentrao de usurios estar entre os jovens, sua utilizao incide nas

    diferentes idades e nveis scio-econmicos e culturais. As razes que dirigem as

    pessoas a buscarem essas substncias poderiam ser divididas em quatro grupos bsicos,

    segundo Claudio-da-Silva e Rocha do Amaral (1999): reduo da ansiedade e

    sentimentos desagradveis de depresso; aumento das sensaes corpreas e induo de

    satisfaes sensoriais de esttica, especialmente de natureza ertica; aumento do

    desempenho fsico e psicolgico e reduo de sensaes desagradveis como dor,

    insnia, fadiga ou superando necessidades fisiolgicas como sono e fome; forma de

    1

  • transcender os limites do corpo e a condio tempo-espao, qual estamos submetidos.

    J, segundo Bucher (1992), pode-se distinguir trs sentidos principais para o uso de

    drogas psicoativas: fugir da transitoriedade e da angstia existencial, procura de

    transcendncia e busca de prazer.

    Continuando a explorar as consideraes de Bucher (1992 e 1993), no

    existe sociedade sem drogas. O consumo de substncias psicoativas corresponde a uma

    prtica milenar e universal e o estudo de suas relaes com o ser humano permite extrair

    concluses a respeito da organizao de uma sociedade, seus mitos e crenas e suas

    representaes existenciais e religiosas. Para este estudioso da drogadio, este

    fenmeno no est situado nas periferias onde o trfico ocorre, mas se encontra no

    centro da sociedade e produzido por ela mesma, atravs de seus modos de

    organizao, pela injusta distribuio de renda, leis de mercado, ganncia e pela

    ilegitimidade frente s aspiraes legtimas da comunidade.

    Estudos epidemiolgicos sobre drogadio tem apontado ndices estatsticos

    reveladores de que, nas ltimas dcadas, tem aumentado o consumo de drogas em todo

    o mundo, inclusive no Brasil. O comrcio de drogas tem faturado, conforme Cazenave

    (2000), cerca de US$ 400 bilhes por ano, de acordo com o Programa das Naes

    Unidas para o Controle Internacional de Drogas (UNDCP). Este programa da ONU

    estima que entre 3,3 a 4,1% da populao mundial esteja envolvida no consumo anual

    de drogas ilcitas. Segundo o relatrio da ONU, referido por Cazenave (2000), cerca de

    10% da produo mundial de drogas tem passagem pelo Brasil.

    Mediante a complexidade do fenmeno drogadio, as indagaes sobre o

    panorama mundial do uso das drogas acontecem em ampliada dimenso. Tal

    2

  • Neste panorama de crescente aumento do consumo de drogas psicoativas

    (CEBRID, 1997), possvel observar uma preocupao marcante de vrios setores em

    buscar dados cientficos sobre o uso destas drogas pela populao brasileira (Carlini-

    Cotrin e Barbosa, 1993). Uma grande quantidade de informaes j existem sobre as

    condies, caractersticas e implicaes sociais da populao de drogaditos no pas.

    Instituies como o "Centro de Informao sobre Drogas Psicotrpicas" (CEBRID) se

    ocupam em caracterizar o panorama estatstico da problemtica social das drogas em

    nossa sociedade. (CEBRID, 1989, 1990 e 1997).

    O CEBRID realizou quatro levantamentos nacionais, de carter

    epidemiolgico, desenvolvidos em 1987, 1989, 1993 e 1997, sempre nas mesmas dez

    capitais brasileiras e empregando igual metodologia. O objetivo de tal trabalho foi

    analisar o comportamento do jovem frente droga, incluindo-se suas preferncias,

    tendncias de aumentos, diminuies ou estabilidade do uso, para cada droga, no

    decorrer do tempo. O ltimo levantamento (1997) constatou, de um modo geral, um

    aumento do uso de drogas. Entre as substncias pesquisadas est o lcool, que aparece

    como a droga mais amplamente utilizada. Verificou-se que seu uso na vida, nos quatro

    3

  • levantamentos, est sempre acima de 65% dos jovens, dentre os quais 50% dos

    pesquisados iniciaram o consumo de lcool entre 10 e 12 anos de idade. Foi constatado

    tambm o aumento do uso freqente (seis vezes ou mais ao ms), em seis das dez

    capitais analisadas. A maconha, pela primeira vez, ultrapassou os solventes como droga

    de maior uso na vida e apareceu com unanimidade de crescimento de uso em todas as

    capitais. Os solventes (esmalte, cola de sapateiro, lana perfume e outros), que so

    substncias tambm experimentadas em idades muito precoces (por volta de 11 anos

    de idade), tiveram uma tendncia de aumento do seu uso freqente em quatro capitais,

    de uso pesado (vinte vezes ou mais ao ms) em trs capitais e um aumento geral de

    25,7% do uso na vida entre todos os estudantes, nos dez anos pesquisados nestes

    levantamentos. A cocana e o crack tambm tm aumentado sua popularidade e

    consumo, sobretudo no sexo masculino. Hoje tendem a ser muito fomentados pela

    mdia que atribui um crescimento descontrolado do seu uso, talvez pelo Brasil ser uma

    das principais rotas de cocana em direo Europa e aos Estados Unidos (Atkinson,

    1997 ; Galdurz, Noto e Carlini, 1997) ou por ser considerada a droga da moda, a

    droga dos executivos, por possibilitar um aumento do rendimento e uma diminuio

    do desgaste (Bucher, 1991). O uso frequente e o uso pesado da cocana e do crack

    apresentaram um aumento de tendncia de uso em oito das dez capitais analisadas.

    (CEBRID, 1997).

    Um outro estudo realizado no Brasil para caracterizao dos usurios de

    drogas psicoativas (Laranjeira, 1996) avaliou 294 usurios ou ex-usurios de

    cocana/crack atravs de entrevista. Os resultados deste trabalho sinalizaram que a

    maioria desses indivduos tinha usado diversas substncias, incluindo: tabaco (88%),

    4

  • lcool (88%), maconha (96%), solventes (54%), anfetaminas (24%) e tranqilizantes

    (51%). Havia uma seqncia temporal na qual as drogas tinham sido usadas,

    comeando com tabaco (em mdia 14,2 anos), seguido pelo lcool, solventes e

    maconha (por volta de 15 anos), depois anfetamina (17,6 anos), cocana (18,9 anos) e

    ainda tranqilizantes (22,3 anos). Esses indivduos tinham passado cerca de seis anos

    usando cocana. Durante o pico do uso da droga, consumiam uma mdia de cinco

    gramas de cocana em p ou nove pedras e meia de crack por dia, sendo que 63% deles

    usavam a droga todos os dias. Houve referncia freqente (64% dos entrevistados) de

    que geralmente tomavam bebida alcolica enquanto usavam cocana e 30% descreviam

    uso simultneo de cocana e maconha. O consumo de drogas foi muitas vezes

    financiado por intermdio de atividades criminosas (98%), sendo que 56% destes

    indivduos j tinham sido presos.

    Essas evidncias empricas, associadas aos dados estatsticos sobre a

    drogadio, mostram um cenrio preocupante e a necessidade de estudos cientficos que

    investiguem a complexa inter-relao entre as muitas variveis que norteiam este

    fenmeno. Dentro desta perspectiva, tentar examinar o grau de risco a que esto

    expostos os usurios de drogas, os fatores associados ao processo de envolvimento do

    indivduo com a drogadio, suas marcas scio-culturais e de personalidade,

    (facilitadoras ou no do consumo de drogas), apresentam-se como desafios

    investigativos. A partir de estudos sobre esta temtica poder-se- alcanar uma

    ampliao das possibilidades diagnsticas, compreensivas e interventivas sobre o

    comportamento de drogadio, de carter prejudicial ao pleno desenvolvimento

    humano.

    5

  • I.2. O Abuso e a dependncia de drogas psicoativas:

    O abuso de drogas refere-se a qualquer uso das mesmas que transgrida

    normas sociais ou legais vigentes em um determinado contexto social; pode ser relativo

    a drogas ilcitas ou ao uso inadequado de drogas lcitas (lcool e medicamentos sem

    prescrio mdica) (Graeff e Guimares, 1999). Mesmo com um aumento da procura e

    do efetivo consumo das drogas, a condio de dependncia atinge a minoria destes

    usurios. Segundo Graeff (1999), para ser enquadrado como dependente, necessrio

    que o indivduo apresente uma combinao de fatores de ordem gentica, psicolgica e

    social, onde suas atividades relacionadas com o uso da droga so precedentes s demais

    atividades. Essa situao acarreta completa perda do controle voluntrio do uso da

    substncia. Bucher (1993) enfatiza que a dependncia a conseqncia de um desejo

    sem medida, onde o indivduo vive uma relao totalitria com a droga, que

    generalizada para todas as outras situaes que ele possa estabelecer. Graud (1990

    apud Olievenstein, 1990) salienta que, para falar sobre dependncia, necessrio

    compreender psicodinamicamente o termo a falta. Sem a exata implicao desse

    termo nos processos de drogadio, nada pode ser compreendido, nem mesmo sobre a

    diferena entre usurios ocasionais e dependentes de drogas.

    Neste contexto, pode-se considerar que a droga existe sem o seu usurio e,

    diante deste objeto, o homem pode encontrar variadas formas de se relacionar,

    conforme sua ideologia, momento scio-histrico e vulnerabilidade pessoal. Esta

    interao, por sua vez, estaria diretamente relacionada com sua histria diante das

    6

  • experincias de separao e de ausncia, de suas vivncias sobre a falta arcaica,

    marcadores essenciais da especificidade da dependncia humana na concepo de

    Olievenstein (1990).

    Considerando essa complexidade, a dependncia da droga ilcita s ocorreria

    em uma ligao estreita entre trs fatores: o produto, a personalidade e o contexto scio-

    histrico. Olievenstein (1990) relatou sua experincia clnica onde, repetidas vezes, no

    dia precedente sada do paciente (momentos antes de se reencontrar com as trs

    variveis fundamentais da dependncia) este apresentava recada nos sintomas. Este

    autor pondera o seguinte para esta situao de agravamento clnico:

    "Sabemos que da falta da falta que o sujeito tem medo. Porque sem

    esta falta, o enfrentamento com a falta fundamental, arcaica, que

    pode ser encontrado (Olievenstein, 1990, p. 14).

    Nesse ponto fica evidente a compreenso da dependncia da droga como

    fenmeno ativo e simultaneamente passivo. O sujeito fica passivo e submisso em

    relao aos efeitos da droga, quanto convicto da necessidade que tem de se submeter a

    ela. Seria a partir dessa dinmica que, segundo Olievenstein (1990), o drogadito

    desenvolveria um modo de existncia, um meio de se relacionar com a vida que

    permite tamponar a falta essencial e ausentar sua histria, ou seja, o que aconteceu

    com ele desde sua infncia.

    Dentre as substncias psicoativas consideradas passveis de dependncia ou

    abuso, segundo a proposio do DSM-IV (1997), encontram-se os opiides, sedativos,

    7

  • hipnticos e ansiolticos, lcool, anfetaminas, cocana, nicotina, maconha,

    alucingenos, inalantes, feniciclina e arilcicloexaminas anlogas e substncias mistas.

    Para o presente estudo, focalizar-se- a anlise das caractersticas da adio

    da cocana e do crack..

    A cocana um alcalide originrio da planta da coca (Erytroxylon coca)

    que atinge sua forma final, para o consumo, aps vrias reaes qumicas. A cocana

    pode ser aspirada (via nasal), diluda em gua e injetada na veia (via intravenosa) ou

    fumada sob a forma de crack (via pulmonar) e considerada como um estimulante do

    sistema nervoso central (Graeff,1999). A cocana excita as reas sensoriais, motoras e

    reticular mesenceflica, causando uma sensao de bem estar e euforia, incluindo

    logorria e estimulao intelectual e motora. Quando consumida em alta dosagem pode

    causar tremores e convulses (Bergeret, 1991). Constata-se que seu mecanismo de ao

    muito semelhante aos efeitos estimulantes das anfetaminas, causando, no plano

    psquico, uma sensao de clareza mental e de aumento de fora muscular, reduo da

    fadiga e do apetite, estimulao geral com aumento de energia e um estado de elao

    (Bucher, 1991). Seu uso, contudo, provoca tambm um efeito rebote que consiste no

    plo oposto aos efeitos positivos, ou seja, o usurio sente depresso, sensao de

    isolamento e lentido.

    Os efeitos comportamentais do uso da cocana em p so sentidos

    imediatamente e com durao aproximada de 30 a 60 minutos. Alguns estudos

    constatam que a utilizao dessa droga est associada com a reduo do fluxo sangneo

    cerebral e o uso diminudo de glicose, elementos que consistem em um reforador

    positivo para o comportamento, pela sensao despertada de aparente bem estar. Desse

    8

  • modo, a dependncia psicolgica pode desenvolver-se logo depois de uma nica dose

    (Kaplan, Sadock & Grebb, 1997).

    O crack uma forma potencializada da cocana e altamente adictivo.

    Quando usado, uma ou duas vezes, pode causar profunda avidez por mais droga,

    levando os usurios a desenvolverem comportamentos extremos e agressivos para sua

    obteno. Um estado clnico mais agravado de dependentes da coca pode ser

    evidenciado pelas alteraes inexplicveis de personalidade, irritabilidade, capacidade

    comprometida para concentrar-se, comportamento compulsivo, insnia e perda de peso.

    Tambm inclui-se incapacidade geral e crescente de exercer tarefas associadas ao

    trabalho e vida familiar (Kaplan, Sadock & Grebb, 1997).

    Apesar da intensa dependncia psquica, no se observa a sndrome de

    abstinncia aps a suspenso do uso do crack ou cocana, o que permite dizer que o

    elevado potencial para causar dependncia no se relaciona com a droga em si, mas com

    a personalidade do usurio. (Bucher, 1991).

    I. 3. O usurio de drogas psicoativas:

    Alguns trabalhos clssicos na rea da drogadio dedicaram-se a conhecer

    melhor o usurio de drogas. Para tentar clarificar este fenmeno, tornou-se necessrio

    compreender como a adio a drogas psicoativas desenvolver-se-ia em um determinado

    indivduo. Nesse sentido, emergiram muitas especulaes e tentativas de explicao

    para as causas da drogadio: hipteses de carter psicolgico (questes de origem

    9

  • psquica e de dinmica da personalidade), psicossocial (influncia do ambiente scio-

    cultural), gentico (influncias hereditrias) e explicaes de cunho espiritual/religioso.

    Apesar de muitos fazerem uso de drogas, nem todos so considerados

    dependentes. Bucher (1988) classifica os usurios de acordo com a freqncia do uso.

    Em ordem progressiva de intensidade, seriam: o experimentador, usurio recreativo ou

    ocasional, usurio habitual ou funcional e o dependente que seria o verdadeiro

    toxicmano. Neste ltimo se configuraria uma relao de exclusividade com a droga

    que se sobrepe a qualquer outra rea da vida do indivduo. Priorizando uma abordagem

    clnica e a anlise dos modelos psicolgicos e estruturas mentais deste fenmeno,

    Bergeret (1991) considera totalmente descartada a hiptese de se falar do drogadito de

    uma maneira generalizada ou global, conforme pode se depreender nesta passagem:

    A cada categoria estrutural clssica, definida por uma

    caracterologia contempornea, corresponde uma possibilidade de

    funcionamento toxicmano. (Bergeret, 1991, p. 256).

    Segundo esta perspectiva, no existiria uma estrutura de personalidade

    prpria da drogadio e nem esta poderia apresentar-se como um estado natural da vida

    do sujeito. Dito de outro modo: a drogadio, independentemente da natureza qumica,

    poderia desenvolver-se em qualquer tipo de estrutura mental ou em qualquer momento

    de sua evoluo, sob diversas circunstncias. Assim, nada de especfico caracterizaria

    este fenmeno enquanto estrutural.

    10

  • Paralelamente ao desenvolvimento desta concepo sobre a adio a

    substncias psicoativas, Bergeret (1988 e 1991) conseguiu elaborar um panorama dos

    modelos psicolgicos mais encontrados entre os usurios de drogas. Como primeira

    forma de personalidade toxicmana estaria a estrutura psictica, no o doente psictico,

    mas o carter psictico. Este se caracterizaria pela organizao do psiquismo centrada

    na violncia primitiva, onde as pulses libidinais no chegariam a se integrar e a se

    organizar no conjunto da personalidade. Esses indivduos, sofrendo de um quadro

    toxicomanaco, perderiam o controle da personalidade, acarretando um comportamento

    descontrolado. Esse tipo de personalidade poderia encontrar na toxicomania uma forma

    de evitar surtos delirantes e desorganizao interna. Uma segunda forma de

    personalidade seria a de um modelo neurtico, que se organizaria em torno de uma

    profunda problemtica genital e edipiana. Seriam indivduos vivenciando carncias

    imaginrias, dificuldades de funcionamento psquico a partir de representaes mentais

    pouco elaboradas e um desejo de subjugar o corpo em suas atividades comportamentais.

    Usariam drogas sozinhos, porm nunca estariam ss, pois se drogariam contra algum.

    Como terceiro e mais constante modelo de personalidade toxicmana, Bergeret (1991)

    ressaltou a do tipo depressiva, caracterizada por profunda imaturidade afetiva que

    impediria a pessoa de estruturar-se solidamente. Seriam indivduos que no conseguem

    superar a crise da adolescncia, mal estruturada, e prolongariam este estado vivendo

    sem uma identidade real, insatisfeitos, influenciveis e temerosos quanto ao isolamento,

    devido profunda angstia interior. Essa estrutura psicolgica predisporia o indivduo

    uma rpida submisso presso de pequenos traficantes ou do grupo de semelhantes

    que sucumbiu s drogas, principalmente pela acentuada falta de autoconfiana.

    11

  • De acordo com a literatura, os fatores ligados ao contexto familiar do usurio

    de drogas so tambm altamente relevantes no processo de adio s drogas

    (Olievenstein, 1986; Bergeret, 1991; Bucher, 1992; Sudbrack, 1996). A famlia fornece

    os modelos sociais na medida em que a primeira expresso de sociedade do indivduo,

    o que influenciar seus padres de conduta e ir, no processo de desenvolvimento,

    definindo a sua identidade e seus valores. Desse modo, o estudo da famlia torna-se

    significativo quando se busca a compreenso sobre o fenmeno drogadio.

    O desenvolvimento emocional e afetivo est intrinsecamente associado ao

    contexto scio cultural em que se apresenta, e a famlia faz parte deste contexto. O

    modo de funcionamento da dinmica familiar poder afetar de diversas formas o

    desenvolvimento psicossocial do indivduo. Assim, a famlia poder proporcionar tanto

    um ambiente de proteo, como de risco potencial para o fenmeno da drogadio

    (Sudbrack, 1996). Na relao com o contexto scio-cultural vigente, a famlia pode

    encontrar dificuldades com as alteraes scio-poltico-econmicas (mudanas

    religiosas, tecnologia, progresso, estresse, problemas existenciais e perdas referenciais

    tico-morais), o que pode acarretar em uma perda do referencial de conduo e de

    administrao da estrutura familiar, colaborando para possveis desvios e transgresses

    em relao s drogas. Como escreveu Kalina (apud Natrielli, 1993):

    Ningum original em sua doena e, portanto, no existe drogado

    sem uma famlia com quem mantenha uma dependncia manifesta ou

    latente. (Kalina, 1993, p. 14)

    12

  • Natrielli (1993) ressalta ainda que a prpria dinmica familiar, quando

    incorre em alguns fatores (mensagens dbias, falta de limites, desmistificaes de falsos

    valores), pode levar o indivduo a sentir-se perdido e desorientado. Tem-se, portanto,

    fortes evidncias da influncia da famlia na estruturao da identidade e nos padres de

    comportamento dos indivduos.

    Apesar disso, no estudo do desenvolvimento da drogadio, no existe a

    possibilidade de se definir uma infncia especfica, tampouco existe uma determinada

    famlia ou perfil familiar prprio causador da toxicomania (Bergeret, 1991;

    Olievenstein, 1986). Esse fenmeno pode ocorrer nas mais variadas formaes

    familiares com suas especificidades sociais, culturais e econmicas. Entretanto, alguns

    fatos se repetem no fenmeno da drogadio, como, por exemplo, a alta incidncia de

    episdios psiquitricos nos pais, estados depressivos, s vezes com tentativas de

    suicdio, e a prpria toxicomania.

    Algumas atitudes familiares tambm corroboram a construo de uma

    personalidade potencialmente vulnervel toxicodependncia. Ilustrao desta

    interferncia pode ser visualizada quando na famlia ocorrem as chamadas adies

    sociais, ou seja, o uso abusivo de bebidas alcolicas, cigarro, medicaes, intoxicao

    com o trabalho, comer ou comprar demais, ou seja, comportamentos compulsivos.

    Tambm fica acentuada a vulnerabilidade drogadio em famlias que no conseguem

    despertar no filho um senso crtico e coerncia, onde h desrespeito sua

    individualidade.

    Outras variveis familiares apontadas como facilitadoras do abuso de drogas

    seriam: a no proximidade dos amigos dos filhos e das famlias dos mesmos; a

    13

  • ineficcia em capacitar os filhos a resistir s presses do grupo; a no orientao para

    que procurem ajuda dentro da famlia para resoluo de seus problemas; os valores

    rgidos e a incapacidade dos pais para abordar, com naturalidade, drogas, efeitos e

    conseqncias, sem assumir uma atitude de terror, orientando-os sobre os mitos e a

    realidade; o autoritarismo ou o excesso de permissividade; a falta de dilogo na famlia

    e as mensagens duplas (os pais se fazem contraditrios) (Loureno, 2000).

    Sudbrack (1996) tambm enfatizou caractersticas pertinentes ao contexto

    familiar como fatores de risco para a drogadio, apontando como relevantes: a

    violncia domstica, os padres rgidos de disciplina e a falta de negociao com os

    adolescentes, alcoolismo do pai, presso para o trabalho infantil e ausncia no convvio

    com o filho. Estes elementos estariam em oposio s famlias que proporcionam um

    ambiente de proteo, oferecendo um espao privilegiado de influncia educativa,

    capacidade afetiva por parte da me, sensibilidade s dificuldades enfrentadas pelo filho

    e expectativa de ascenso social depositada nos filhos.

    A influncia da famlia no s tem o potencial de influenciar um futuro

    drogadito, como tambm pode contribuir para dar manuteno ao comportamento

    transgressor e dependente do filho. Em entrevistas realizadas por Rigon (1999) com

    meninos de rua consumidores de crack, foi evidenciado o abuso de autoridade por parte

    dos pais, padrastos ou madrastas. Nestes contextos, o nmero de conflitos familiares foi

    apontado pelos adolescentes como uma das possveis causas da vivncia de rua,

    associando-a ao incio da toxicodependncia e a sua manuteno, pelo poder viciante e

    compulsivo do crack.

    14

  • Contudo, no h elementos para se afirmar que um modelo de desenvolvimento

    infantil ir determinar um comportamento de drogadio. Pode-se apenas relacionar

    alguns fatores familiares especficos com a produo de marcas preponderantes e

    freqentes nos casos de desenvolvimento da toxicomania. Essas marcas referem-se

    principalmente questo dos limites e do respeito lei, tanto real como imaginria,

    elementos que se desenvolvem na relao com a figura paterna. Uma das funes mais

    importantes desta figura, no desenvolvimento infantil, a apresentao da Lei criana,

    ou seja, os limites que regulam o processo civilizatrio e a vida em sociedade (Avi e

    Santos, 2000). Caso a figura paterna venha a fracassar, tal circunstncia poder incidir

    sobre a formao do superego da criana, deixando-a numa condio de vulnerabilidade

    menos predisposta a reconhecer os limites culturais, fato que contribui para os

    comportamentos de desafio autoridade, comuns na adolescncia. Estes, no entanto,

    podem alcanar um grau patolgico dirigido ao vandalismo, drogadio e outras

    condutas delinqentes e at criminosas.

    Em um estudo realizado por Martins e Jacquemin (2000) com a finalidade de se

    conhecer, atravs de psicodiagnstico, a personalidade do drogadito, evidenciou-se uma

    dificuldade estrutural no relacionamento do toxicmano com a figura de autoridade.

    Estas evidncias corroboraram a teoria de Olievenstein (1991) sobre a possvel

    influncia negativa do pai na relao do filho com a lei social. A conduta do pai na

    relao familiar, nesse sentido, poder ser determinante na formao do futuro usurio

    de drogas psicoativas.

    15

  • I.4. Estudos atuais sobre a drogadio:

    Com a finalidade de se obter um panorama geral sobre as pesquisas referentes ao

    estudo das caractersticas psicolgicas associadas a drogadio na realidade cientfica atual,

    foi realizado levantamento bibliogrfico abrangendo o perodo de 1992 a 2002. As bases de

    dados selecionadas foram PsycINFO, MEDLINE e LILACS, utilizando-se as seguintes

    palavras-chave: Rorschach; drug abuse; toxicomania; cocaine; drug addiction; family-

    relations

    Num primeiro levantamento, a partir do cruzamento sucessivo destes

    indexadores, foram encontrados apenas oito artigos sobre o tema, neste perodo

    pesquisado. Dentre estes estudos encontrou-se diversidade de focos de investigao,

    como, por exemplo, sndrome de apnia durante o sono com participantes toxicmanos;

    relaes entre abuso de drogas, guerras e assassinatos; estudo clnico de indivduos com

    auto mutilaes; anlise da personalidade de mulheres com histrico de abuso de

    sedativos hipnticos; estudo do tratamento de toxicmanos e de jogadores compulsivos

    atravs da tcnica comportamental cognitiva.

    Num segundo levantamento, valendo-se dos mesmos indexadores, foi

    encontrado apenas um artigo que utilizou o Rorschach para anlise da relao de

    adolescentes usurios de cocana com seus pais. Este estudo, realizado por Pinheiro

    (2001), investigou os processos de identificao entre adolescentes do sexo masculino,

    usurios de cocana e suas famlias, avaliando 134 trades (pai-me-filho) subdivididos

    em dois grupos, um com a prevalncia de drogadio por parte do filho adolescente e o

    16

  • outro, em mesmo nmero, foi o grupo controle. Para tal avaliao foi utilizado o mtodo

    de Rorschach. Limitado a aplicao da Escala de Defesa Lerner. Este estudo constatou

    presena de intenso processo de identificao patolgica especialmente entre pai e filho

    sugerindo srios conflitos na funo paterna no desenvolvimento da drogadio. Os

    resultados evidenciaram um elevado ndice do uso de mecanismos de defesa regressivos

    com nfase na identificao projetiva, apresentando diferena estatisticamente

    irrelevante do aumento deste mecanismo no grupo experimental. O acentuado uso de

    identificao projetiva foi evidenciado no adolescente no pai e na me, e com grande

    disparidade em relao ao grupo controle. Em relao a outros mecanismos de defesa,

    os resultados se mantiveram aproximados. Pinheiro conclui um processo de

    identificao patolgica dos adolescentes, principalmente com a figura paterna.

    Pinheiro (2001) considera que a dependncia de cocana do filho est

    associado ao funcionamento borderline do pai, em virtude do uso macio de

    identificao projetiva ser muito proeminente. Esta pesquisa evidencia a forte influncia

    que tem o pai no desenvolvimento da drogadio do filho, principalmente na situao

    onde pai se abstm da funo paterna.

    Em outra busca bibliogrfica, agora atravs da base de dados DEDALUS, a

    partir do acervo de publicaes da USP desde 1906, focalizou-se os estudos referentes

    drogadio. Nesta pesquisa foram identificados 53 estudos atravs da palavra-chave

    "toxicomania", sendo que a maioria delas eram relacionadas a abordagens mdicas do

    fenmeno, salientando aspectos clnicos e referentes psicofarmacologia. Dentre estes,

    apenas uma tese de Doutorado (Sousa, 1995) utilizou o Mtodo de Rorschach como

    instrumento de anlise da dinmica da personalidade de toxicmanos.

    17

  • Sousa (1995) avaliou 34 sujeitos do sexo masculino, com idade entre 17 e 36

    anos, adictos maconha e/ou cocana h pelo menos um ano. Tal amostra foi coletado

    aleatoriamente medida em que os usurios de drogas procuravam atendimento

    ambulatorial na Clnica de Psicologia do IPUSP ou na Faculdade de medicina da Santa

    Casa de So Paulo. Para coleta de dados foram utilizados, respectivamente, entrevista

    (com roteiro baseado na Escala Diagnstica Adaptativa Operacionalizada, E.D.A.O.) e

    o teste de Rorschach, aplicado sempre aps a entrevista. A anlise dos resultados

    seguiu-se pela avaliao do Rorschach segundo a escola francesa, pela interpretao das

    entrevistas segundo a orientao de Simon (1989). As entrevistas evidenciaram graves

    dificuldades adaptativas em relao produtividade, aspectos afetivos relacionaise

    aspectos scio-culturais, identificando este grupo com uma adaptao no eficaz

    severa (p.88, 1995) em relao a seu meio e aos objetos com os quais se relacionam.

    Esta dificuldade evidencia-se no desenvolvimento destes indivduos em situaes como:

    abandono dos estudos, desinteresse, falta de iniciativa ou qualquer interesse no

    desenvolvimento intelectual, falta de perspectivas futuras, falta de motivao para o

    trabalho ou para desenvolvimento profissional. No campo afetivo relacional evidencia

    dificuldade referente a um empobrecimento do investimento afetivo seja fraternal ou

    sexual em virtude da relao intensa e quase que exclusiva com a droga.

    Dentre as concluses deste estudo, Sousa indica alguns aspectos da

    psicodinmica deste grupo que podem ser resumidos do seguinte modo:

    - Falta de uma figura paterna significativa, favorecedora de

    identificao sexual.

    18

  • - Perturbaes na relao precoce co a imago materna

    acarretando introjeo de uma figura no suficientemente

    boa.

    - Excesso de pulses agressivas gerando grande ansiedade

    - Identidade estabelecida de forma menos integrada, gerando a

    necessidade de erigir um falso self .

    Entre as teses, os livros e os artigos do acervo da USP (DEDALUS), foram

    encontrados 390 estudos com o indexador "Rorschach", dos quais apenas sete esto

    relacionados drogadio. Estas teses se constituem em estudos de aspectos da

    personalidade de alcoolistas, anlise biomdica de dependentes qumicos de crack e

    sobre a relao do homossexualismo com a drogadio.

    Entretanto, o interesse nos estudos relativos a drogadio crescente e

    abrange vrias direes. S no ano de 2002, para o indexador drug abuse, pesquisado na

    base de dados PsycINFO, foram encontrados 762 artigos com as mais diferentes

    abordagens. Para os indexadores drug abuse e psychology, foram encontrados 249

    artigos, e, incluindo-se o indexador cocaine, resumiu-se a busca para 42 artigos com

    grande variedade de abordagens do fenmeno. Dentre estes, oito artigos utilizaram

    sujeitos do sexo feminino, focando o comportamento de usurias de cocana e de

    usurias de ecstasy; as relaes entre sade mental, uso de droga e envolvimento com

    o trabalho; o comportamento de usurias crnicas de droga em sesses de terapia;

    efeitos da maconha em mulheres grvidas; fatores de personalidade e a droga de escolha

    em mulheres adictas e com comorbidade psiquitrica; histria de abuso sexual na

    19

  • infncia e uso de drogas e um, por fim, voltado ao estudo comparativo entre mulheres e

    homens usurios de lcool e drogas que sofreram violncia domestica.

    Dentre os 42 trabalhos mencionados acima, 16 artigos privilegiavam uma

    abordagem mdica e psicobiolgica. Em seus temas investigados, encontravam-se:

    estudos relativos ao processo diagnstico e comorbidade da dependncia de usurios de

    cocana; comparao da sndrome de abstinncia de cocana e de herona; aspectos

    neuropsicofarmacolgicos correlacionados ao uso da cocana; traos caractersticos de

    personalidade de usurios de opiides com ou sem comorbidade psiquitrica; relao do

    funcionamento cognitivo em adultos dependentes qumicos; efeitos no comportamento

    locomotor de alcoolistas e estudos farmacolgicos. Tambm foi possvel identificar,

    neste grupo de pesquisas identificadas, focos de anlise de caractersticas

    psicobiolgicas e comportamento agressivo com o uso do ecstasy; relaes do uso de

    coca e narcolepsia; dependncia de opiides e tratamento com novas medicaes;

    relaes entre famlias com histrico de abuso de drogas e famlias ditas normais no

    desenvolvimento gentico do feto e predisposio ao uso de drogas no filho. Ainda

    dentro da mesma abordagem, dois estudos, utilizando cobaias, investigaram a

    drogadio e sistema de memria em suas relaes com o hipocampo e o processo de

    extino de comportamentos nos casos de dependncia qumica.

    Ainda dentre os 42 artigos, identificados neste levantamento bibliogrfico,

    dez trabalhos estudaram a adolescncia, avaliando comportamentos sexuais de risco;

    contaminao com HIV; problemas comportamentais relacionados com o uso de fumo,

    drogas e sexo; fatores de predisposio ao uso de lcool e drogas; fatores de

    personalidade associados violncia domstica e ao desenvolvimento da drogadio.

    20

  • Completando os temas abordados pelas pesquisas deste levantamento

    bibliogrfico, ainda encontrou-se artigos que avaliaram as relaes de valores

    tradicionais de famlia e a substncia de abuso; meta-anlise na avaliao da

    interferncia da mdia, comunicao de massa e os problemas da drogadio; avaliaes

    da relao entre a fora de trabalho e a substncia de abuso e um estudo que avaliou o

    problema da drogadio numa perspectiva Darwiniana. Este ltimo considera que as

    adversidades da drogadio transcenderiam os aspectos mdicos e psiquitricos e

    causariam efeitos na organizao de comportamentos adaptativos. Esta perspectiva

    Darwiniana considera que o abuso de drogas causaria uma disfuno no comportamento

    natural que o indivduo tem de explorao do meio social.

    A partir destes levantamentos bibliogrficos, pode-se notar a existncia de

    poucos estudos recentes relativos temtica de drogadio e personalidade,

    nomeadamente utilizando o Psicodiagnstico de Rorschach. Este dado imprime um

    estmulo favorvel investigao dessa inter-relao entre abuso de substncias

    psicoativas e psicodinmica da personalidade por meio de tcnicas projetivas.

    Por outro lado, muitas informaes so conseguidas com trabalhos referentes

    a aspectos psicofarmacolgicos, comportamentais e de caracterizao epidemiolgica

    da drogadio realizados por instituies como o Centro Brasileiro de Informao sobre

    Drogas Psicotrpicas (CEBRID). Contudo, projetos com o objetivo de caracterizar o

    perfil psicolgico dos adictos a drogas no existem na mesma proporo.

    Outros estudos sobre drogadio tm abordado a questo do discurso sobre

    drogas em instituies pblicas (Bravo, 2000); as relaes e riscos sociais do trabalho

    infantil associados a drogas, ao sentido existencial e modificao da conscincia no

    21

  • consumo de drogas (Medeiros, 2000). Este ltimo estudo salienta a acentuada alterao

    da conscincia por intermdio do uso de substncias alucingenas e evidencia, atravs

    da anlise dos relatos de histria de vida de usurios de droga, um sofrimento relativo

    perda crescente do exerccio da liberdade, sentimento de impotncia perante algo ou a

    falta de algo, com mudana na sua forma de estar no mundo.

    Atravs da abordagem qualitativa e fenomenolgica, Baumkarten (2000)

    investigou a iniciao ao uso de drogas e a busca de tratamento dos jovens viciados em

    merla com a perspectiva de compreenso do significado do uso da droga na

    adolescncia. Conseguiu evidenciar a presena de conflitos relacionais na famlia do

    drogadito e aumento de atos infracionais associados com o consumo da merla. Para este

    autor a drogadio pode ter o sentido de ativar a busca de soluo de conflitos pessoais

    e familiares, um desejo de viver e de buscar respostas, sobretudo na adolescncia.

    Poucos ainda so os estudos que investigam os aspectos relacionados

    afetividade, funcionamento psicodinmico e personalidade de usurios de drogas, tanto

    para conhecer mais sobre a pessoa que desenvolve a drogadio, como para angariar

    subsdios que possam orientar o seu auxlio teraputico. Como referido nas

    consideraes sobre a dependncia emocional, esta se constitui como fator comumente

    presente na estrutura afetiva do drogadito e esta marca deve ser abarcada como uma

    evidncia clnica relevante para um planejamento teraputico. Desta forma, a prtica de

    interveno psicoterpica poder criar um campo de dependncias substitutivas, cuja

    finalidade se dirige para o fim de toda a dependncia. (Olievenstein, 1990)

    Apesar destes limites no campo investigativo desta rea, a utilizao do

    psicodiagnstico, principalmente em instituies de sade mental, tem ocupado uma

    22

  • boa posio enquanto auxlio na compreenso da toxicomania, principalmente por

    contribuir de modo relevante nos processos avaliativos e de prticas de interveno

    teraputica. Informaes preciosas podem resultar de uma avaliao psicolgica

    exaustiva sobre a personalidade dos drogaditos, podendo ajudar tambm na

    determinao do progresso ao longo do curso da psicoterapia ou de outros programas de

    tratamento. (Kaplan, Sadock & Grebb, 1997).

    Nos processos de avaliao da personalidade, o Psicodiagnstico de

    Rorschach (1921) alcana reconhecido valor e destaque internacional, nos mais

    diferentes contextos, como aponta a literatura da rea. Considera-se que com a

    utilizao do Mtodo de Rorschach, associado ou no a outros instrumentos

    coadjuvantes, seja possvel identificar possveis efeitos do uso de drogas psicoativas,

    tanto em aspectos qualitativos quanto quantitativos, na dinmica psquica.

    Segundo Ey (1997), a preservao do nvel intelectual de um indivduo

    traduz-se no Rorschach pelos seguintes fatores: sucesso ordenada, tipo de apreenso G-

    D- Dd ou D- G- Dd, porcentagem de F% elevada (de 80 a 90%), porcentagem mdia de

    banalidades e de originalidades bem vistas, baixa porcentagem de respostas de contedo

    animal e diversas cinestesias.

    Do ponto de vista terico, apreender, perceber a prancha de um modo mais

    amplo, global, seria uma forma de se mostrar recursos internos para abordar o real nas

    situaes cotidianas (Rausch de Traubenberg, 1998). O modo de abordagem do meio

    ambiente varia muito de um indivduo para outro, embora esteja, de certo modo,

    condicionado pelas caractersticas estruturais do estmulo. Para Rorschach (1921), uma

    boa inteligncia caracterizar-se-ia pelo nmero de respostas (G), sua qualidade de

    23

  • organizao e o determinante associado; o F+% elevado; o tipo de apreenso flexvel e

    rico; o nmero elevado de (K) e um nmero suficiente de originalidades. Respostas

    globais (G) seriam dadas em primeiro lugar, seguidas de grandes detalhes (D),

    englobando subconjuntos dos estmulos que se destacam com facilidade. Em seguida

    emergiriam imagens exploradoras de partes reduzidas das manchas (Dd). Poderia ainda

    ocorrer a utilizao dos recortes do fundo e no da figura, que seriam os detalhes

    brancos (Dbl). Quanto afetividade, Rorschach (1921) sugeriu que os FC predisporiam

    a uma capacidade de adaptao e de relao objetal estimuladora da coerncia em

    perceber e organizar (elaborao) o estmulo.

    O Teste de Rorschach aplicado na populao de usurios de drogas por

    Sousa (1995, 1998), evidenciou alguns. O grupo estudado atingiu um valor alto de

    respostas globais sendo a maioria bem vistas, um valor razovel de F+%, um bom

    nmero de respostas sinestsicas e um A% um pouco abaixo da norma, o que indica boa

    capacidade criadora e imaginao.

    Qualitativamente, este estudo constata que estas dificuldades no se devam a

    limitaes intelectuais ou incapacidade na apreenso de valores sociais, ao contrrio

    disso, segundo Sousa (1995):

    As produes no Rorschach mostraram sobejamente a

    capacidade crtica, a permanncia do sentido da realidade, a concordncia

    com o pensamento coletivo e vrios sujeitos at exibiram um potencial

    intelectivo mdio-superior. (p. 89)

    24

  • Num outro trabalho, Neto, Yazigi e Ribeiro (1997) realizaram um estudo de

    caso sobre a deteriorao mental com o uso do crack, utilizando um indivduo de 18

    anos com trs anos de histria de uso da droga, sem comorbidade psiquitrica, sendo

    avaliado atravs do Rorschach. Obtiveram baixo nmero de respostas e a perseverao

    de temas fragilizados, como fumaa, poluio e anatomia. Identificaram presena de

    determinantes do tipo sombreado difuso e cor acromtica na srie de pranchas

    acromticas; respostas de cor pura ou cor-forma com a presena de contedos sangue e

    rgos internos nas pranchas cromticas. Um dado importante das verbalizaes foi,

    segundo os pesquisadores, a predominncia daquilo que sentido frente ao que

    experienciado, sugerindo dificuldade de transformar a experincia sensorial em

    experincia emocional.

    O conhecimento sistematizado at o momento sobre as caractersticas de

    personalidade de usurios de drogas ainda insuficiente. E, como se pode perceber,

    estudos atuais sobre a problemtica das drogas investigam temas variados e muito

    especficos, priorizando, em sua maioria, abordagens mdicas. As pesquisas que visam

    conhecer mais profundamente o usurio de drogas, atravs de instrumentos projetivos e

    outras tcnicas da avaliao psicodiagnstica, existem em nmero bastante reduzido em

    relao a outras abordagens que investigam este fenmeno. Estas ltimas consideraes

    justificam sobremaneira a necessidade de se conhecer mais profundamente os aspectos

    de afetividade, funcionamento psicodinmico e personalidade do usurio de drogas em

    nosso contexto social, por se tratar de um fenmeno de larga proliferao.

    25

  • II. OBJETIVOS

    II.1. Geral:

    Pretende-se elaborar uma sistematizao de variveis psicolgicas

    potencialmente caracterizadoras da dinmica e de funcionamento da personalidade de

    usurios de drogas psicoativas, especificamente de cocana e crack. A partir do processo

    psicodiagnstico, recorrendo-se ao Mtodo de Rorschach, objetiva-se evidenciar

    aspectos freqentes no funcionamento da personalidade destes indivduos, analisando-se

    componentes cognitivos e sua vivncia emocional.

    II.2. Especficos:

    Considerando-se o objetivo geral proposto, pretende-se avaliar a histria de

    vida e o desempenho de usurios de cocana / crack em termos de funcionamento

    lgico, psicomotor e afetivo-social, evidenciado por processo de avaliao psicolgica.

    26

  • Atravs de entrevista semi-estruturada, tentar-se- obter elementos sobre o

    desenvolvimento destes indivduos e suas relaes familiares, possibilitando anlise das

    circunstncias e situaes comuns ocorridas na trajetria de vida de drogaditos. Nesta

    anlise qualitativa dos relatos, objetiva-se compreender melhor o processo de

    desenvolvimento da drogadio e variveis a ele potencialmente associadas.

    Atravs da avaliao neuropsicomotora e cognitiva, pouco investigada nos

    usurios de cocana /crack, buscar-se- identificar possveis alteraes nos processos

    intelectuais e de memria.

    Atravs de tcnica projetiva, nomeadamente do psicodiagnstico de

    Rorschach, focalizar-se- aspectos do funcionamento psicodinmico da personalidade,

    com nfase nos fatores da dinmica afetiva, nos aspectos relacionais e de adaptao

    social dos usurios de droga. Essa investigao pretende colher informaes e

    evidncias sobre como tais fatores se apresentam na vida de usurios de drogas e se

    existem caractersticas de personalidade comuns entre eles, a partir dos ndices

    levantados pelo Psicodiagnstico de Rorschach.

    27

  • III. MTODO

    AMOSTRA:

    Foram avaliados 20 indivduos do sexo masculino, com idade entre 18 e 35

    anos, provenientes de diferentes condies scio-econmico-culturais. Selecionou-se

    essa faixa etria por considerar que a maturao biolgica e o desenvolvimento

    cognitivo, assim como a personalidade, estariam com bases plenamente desenvolvidas,

    favorecendo o ajuste ao contexto scio-cultural. Tambm nesta faixa etria que incide,

    com maior freqncia, a drogadio, foco desta pesquisa. Dos 20 participantes, dez

    eram usurios de droga (grupo 1 = G1) e outros dez fizeram parte do grupo controle

    (grupo 2 = G2). Procurou-se emparelhar os voluntrios dos dois grupos, buscando

    manter semelhantes variveis de idade, escolaridade e nvel scio-econmico dos

    indivduos do G1 e do G2, com a nica diferena de G1 ser usurio de droga.

    Foram excludos nesta pesquisa os indivduos que apresentaram limite

    cognitivo (percentil abaixo de 20) na avaliao feita atravs do Teste de Inteligncia

    No verbal- INV forma C, de Weil e Nick (1971). Com este critrio pretendeu-se

    28

  • eliminar uma possvel interferncia de dificuldades intelectuais nos resultados globais

    da amostra, fator que poderia mascarar variveis da dinmica afetivo-social desses

    indivduos, foco nesta investigao.

    Para participar deste estudo, os indivduos, aps devidos esclarecimentos

    sobre a pesquisa, consentiram voluntariamente em colaborar com o trabalho.

    O Grupo 1 foi contatado em duas instituies particulares de base religiosa

    de Ribeiro Preto (SP), que utilizam como mtodo de trabalho, fundamentalmente, o

    Programa dos Doze Passos dos Narcticos Annimos para sua interveno

    teraputica. Grosso modo, este programa consiste em reunies feitas exclusivamente por

    dependentes qumicos, onde os participantes trocam informaes sobre suas histrias de

    vida, focadas, principalmente, no uso de drogas. Alm destas reunies que so

    realizadas de manh, tarde e noite, os perodos intermedirios do dia so preenchidos

    com a chamada laborterapia, onde os internos se dividem em trabalhos na prpria

    instituio como: fazer a comida, lavar a loua, fazer o jardim e a limpeza da casa,

    arrumar os quartos, lavar e passar as roupas, plantar e colher nas pequenas hortas feitas

    por eles mesmos.

    Aps o contato inicial com estas instituies e suas autorizaes para a

    pesquisa, foram procurados, entre seus internos, eventuais participantes para este

    estudo. Procurou-se seguir os seguintes critrios para a seleo e a incluso dos

    indivduos no G1:

    - ser voluntrio e ter oferecido consentimento pesquisa

    - ser usurio de cocana / crack h, pelo menos, um ano, associado ou no com outras

    drogas, como lcool, maconha e solventes.

    29

  • - encontrar-se em fase inicial de alguma interveno teraputica (primeira semana de

    tratamento) de internao integral ou parcial, em casas de recuperao para drogaditos.

    Este critrio objetivou alguma padronizao no momento de se fazer a avaliao

    psicolgica dos indivduos, ou seja, todos estariam em busca atual por ajuda

    profissional (especificamente a internao) para lidar com a sua adio cocana e/ou

    ao crack.

    Aps a identificao dos indivduos do Grupo 1, que foram buscados

    possveis voluntrios para compor o Grupo 2, pareando-os ao Grupo 1. Os indivduos

    do G2 se compuseram atravs de contatos informais do pesquisador, ou seja, a

    necessidade de se compor o Grupo 2 foi divulgada entre os colegas do Programa de

    Ps-Graduao em Psicologia da USP onde estes colaboraram indicando amigos,

    conhecidos, pessoas que pudessem integrar o grupo. Desse modo, as pessoas que se

    dispuseram a participar tomaram conhecimento da pesquisa, primeiramente, atravs das

    indicaes desses colegas e foram mais amplamente esclarecidas a posteriori. Alguns

    desses indivduos vieram atravs do contato do pesquisador com funcionrios do

    campus da USP que tambm indicaram conhecidos para comporem a amostra.

    Diante destes critrios foi possvel constituir a amostra deste estudo

    conforme especificaes sinteticamente apresentadas na Tabela 1.

    Nesta tabela, esquematicamente, as caractersticas dos participantes deste

    estudo (G1 e G2) em relao idade, estado civil, escolaridade, procedncia, religio,

    profisso e renda liquida, podem ser observadas. O pareamento alcanado entre os

    indivduos do G1 e do G2 est representado, na Tabela 1, em cada uma das linhas.

    30

  • Neste sentido, o caso G11 foi considerado como semelhante, nas caractersticas scio-

    demogrficas, ao caso G21, o G12 ao G22 e assim sucessivamente.

    31

  • 32

    Tabela 1: CARACTERIZAO DA AMOSTRA DESTE ESTUDO EM FUNO DE VARIVEIS DEMOGRFICAS E DE USO DE DROGAS ILCITAS, PERMITINDO VISUALIZAO DO PAREAMENTO ENTRE INDIVDUOS DO GRUPO 1 (N1 = 10) E DO GRUPO 2 (N2 = 10)

    GRUPO 1 (N1 = 10) USURIOS DE DROGAS

    GRUPO 2 (N2 = 10) NO USURIOS DE DROGAS

    Cas

    o

    Idad

    e

    Est

    ado

    civi

    l

    Esc

    olar

    i da

    de

    Proc

    edn

    cia

    Rel

    igi

    o

    Prof

    iss

    o

    Ren

    da

    liqui

    da

    Cas

    o

    Idad

    e

    Est

    ado

    civi

    l

    Esc

    olar

    i da

    de

    Proc

    edn

    cia

    Rel

    igi

    o

    Prof

    iss

    o

    Ren

    da

    liqui

    da

    G11 23 Solt. 1 g inc. (p) Jardinpolis Catl.Aux. de

    escritriodesempre

    gado G21 24 Solt. 1 g inc. (p) R. Preto Catl. Zelador 350,00

    G12 25 Solt. 3 g inc. (c) R. Preto Catl.Tc. em

    informtica 1.000,00 G22 24 Solt. 3 g inc. (c) R. Preto Crist.

    Program. Tcnico 2.300,00

    G13 24 Solt. 2 g R. Preto Catl. Tc. em prtese 300,00 G23 18 Solt. 2 g inc. (c) R. Preto Catl.

    Desempregado

    Sem renda

    G14 18 Solt. 2 g inc. (p) R. Preto Espr.Aux. de

    escritriodesempre

    gado

    G24 18 Solt.2 g (p)

    R. Preto Catl. Secretrio 600,00

    G15 30 Solt. 3 g inc. (c) R. Preto Catl.Vendas

    publicidade 800,00 G25 27 Casa. 3 g inc. (c)

    Poos de Caldas

    Nenhuma

    Assist. Jurdico 1.200,00

    G16 32 Casa. 3 g inc (p) R. Preto Catl. Empresrio 1.500,00 G26 33 Solt. 3 g inc (c) R. Preto Catl. Jornalista 700,00

    G17 21 Solt. 1 g (p) R. Preto Evang. Torneiro mecnico 750,00 G27 20 Solt. 2 g inc. (p) R. Preto Catl. Telefonista 500,00

    G18 23 Solt. 3 g inc. (c) R. Preto Catl. Vendedor 300,00 G28 23 Solt. 3 g inc. (c) R. Preto Catl. Estudante

    Desempregado

    G19 19 Solt. 1 g (p) Cajuru Catl. Lavrador 180,00 G29 19 Solt. 1 g inc.(p) R. Preto Catl.

    Aux. de manuteno 360,00

    G110 19 Solt. 1 g (p) Tiet Catl. Desempregado Sem renda

    G210 19 Solt. 1 g (p) R. Preto Catl.Serv.

    Gerais 180,00

    Legenda: (p): parado; (c): cursando; inc: incompleto; solt: solteiro; casa: casado; catol: catlico; espr: esprita: evang: evanglico; crist: cristo

  • Em sua maioria, os drogaditos relataram que o crack a principal droga de

    abuso, na maioria dos casos sendo fumado em combinao com maconha e lcool. A

    freqncia do uso, em sua maioria, segue um padro de dependncia desta droga, onde

    os usurios, quando em situao de uso, consomem o crack at no terem mais como

    obt-lo com recursos prprios ou atravs de pequenos furtos (vendas de objetos prprios

    ou roubados). Aps essa situao, existe um perodo entre o prximo uso que

    geralmente varia entre dez dias a um ms. A intensidade varia de uma a duas pedras por

    dia at 100 pedras em situaes de uso ininterrupto. De diversas formas, os usurios de

    drogas relataram que quando esto usando o crack, quaisquer outras atividades em suas

    vidas se relativizam. Ficam inteiramente por conta do consumo desta substncia,

    chegando a passar at trs ou quatro dias acordados fumando o crack. Em relao ao

    tempo de uso, encontrou-se desde um ano e meio at nove anos de drogadio.

    A maioria dos drogaditos iniciaram as sesses de psicodiagnstico na primeira e

    alguns na segunda semana de internao na instituio. Complementando esta anlise

    das caractersticas dos participantes desta pesquisa, a Tabela 2 apresenta os principais

    dados histricos dos usurios de drogas presentemente selecionados e avaliados.

    33

  • 34

    oe

    s

    req

    n

    Tabela 2: CARACTERIZAO DO GRUPO 1 (N=10) DESTE ESTUDO, EM FUNO DE SUA HISTRIA DE USO DE DROGAS ILCITAS.

    G1

    Dro

    ga

    prin

    cipa

    l

    Cm

    bina

    Inte

    nsi-

    dade

    F cia

    de u

    so

    Tem

    po

    de u

    so

    Dia

    s de

    inte

    rna-

    o

    Obs

    .

    G11 Crack Maconha/ cocana

    10 - 30 pedras (dependendo do dinheiro)

    Crack- diria durante um ano Cinco anos Trs

    G12 Crack Maconha 40 pedras de uma vez De 1 a 2 x/ ms Trs anos Cinco

    G13 Crack Cocana/ maconha 4 -5 gramas 4x / ms Oito anos Quatro Comeou a tomar Olcadil e Anafranil (sono e ansiedade)

    G14 Crack Maconha/ lcool1 a 2 pedras/dia. 5 g na semana

    13 aos 14 anos, diria, hoje: 2x/semana

    Cinco anos Sete

    G15 Cocana Maconha/ lcool 3 - 4 gramas 2x / semana Oito anos Oito

    G16 Crack Cocana/ maconha/ lcool 5 - 6 pedras em meio perodo 2x / semana

    Nove anos-coca quatro anos - crack Oito

    G17 Crack Cocana / lcool 40 pedras em 3 dias sem parar 2 -3x / ms Seis anos Treze

    G18 Crack Cocana / maconha 3 pedras/dia Diria Oito anos - maconha Quatro anos- crack Dez

    G19 Crack lcool (pinga) 15g 100 pedras (3 dias sem parar)

    de 2 a 3x/ ms Um ano e meio Trs

    G110 Crack Cocana/ lcool 100 pedras (3-4 dias sem parar) diria Oito anos Quatro Muito trmulo

  • Composta esta amostra, os participantes foram submetidos a avaliao

    intelectual realizada atravs do Teste de Inteligncia No Verbal INV- forma C,

    (Weil e Nick, 1971). Esquematicamente, os resultados obtidos pelos indivduos

    do G1 e do G2 podem ser observados na seguinte Tabela 3.

    35

  • TABELA 3. CARACTERIZAO DA AMOSTRA DESTE ESTUDO EM FUNO DO DESEMPENHO COGNITIVO NO TESTE DE INTELIGNCIA NO VERBAL- INV FORMA C, DE Weil e Nick (1971), PERMITINDO VISUALIZAO DO PAREAMENTO ENTRE INDIVDUOS DO GRUPO 1 (n1 = 10) E DO GRUPO 2 (n2 = 10)

    GRUPO 1 GRUPO 2

    G 1

    Idad

    e

    Pont

    os

    Perc

    entis

    Cla

    ssifi

    ca

    o *

    G 2

    Idad

    e

    Pont

    os

    Perc

    entis

    class

    ifica

    o

    G11 23 34 40

  • A anlise destes resultados evidenciou normalidade intelectual em

    ambos os grupos, condio para a sua incluso neste estudo. A mdia dos pontos

    brutos no G1 foi de 39,1 alcanando relativa uniformidade em relao mediana

    (37,5 pontos). O resultado mdio deste grupo apontou para um percentil entre 50

    e 60, nvel III+, classificado como Inteligncia Mdia. O G2 atingiu, por sua vez,

    escore mdio um pouco mais elevado (43,6 pontos), entre os pontos percentlicos

    60 e 70, nvel III+, resultado que tambm caracteriza Inteligncia Mdia.

    Conclui-se, a partir destes resultados, que foi conseguida uma amostra

    compatvel com os objetivos do estudo, onde G1 e G2 apresentaram recursos

    intelectuais adequados para serem includos nesta investigao, evitando-se

    possvel interferncia deste fator nas demais anlises.

    MATERIAL

    Para a anlise da histria de vida, do desenvolvimento, do

    relacionamento familiar, do contexto afetivo e das circunstncias concomitantes e

    relacionadas com a drogadio, foi utilizado um roteiro semi-estruturado de

    ENTREVISTA, conforme apresentado no ANEXO A. Este roteiro foi adaptado

    do Roteiro de Entrevista para Inscrio e Triagem de Adolescentes e Adultos

    utilizado na triagem de pacientes da Clnica de Psicologia da Unaerp e no Centro

    de Psicologia Aplicada (CPA) da FFCLRP-USP. A entrevista permitiu recolher

    dados descritivos, na linguagem do prprio sujeito da pesquisa, que orientaram

    desenvolvimento de uma idia sobre como o indivduo vivenciou as diversas

    37

  • etapas do seu desenvolvimento pessoal (Bogdam e Biklen, 1994), elementos

    essenciais para o propsito deste estudo.

    Buscando o controle do nvel cognitivo dos participantes do estudo,

    considerando a necessidade de eliminar possvel influncia de processo de

    deteriorao mental freqente em drogaditos, foi realizada a AVALIAO

    INTELECTUAL dos voluntrios. Para tanto, como j referido e caracterizado na

    descrio da amostra, foi utilizado o Teste de Inteligncia No Verbal - INV-

    forma C, de Weil e Nick (1971), com os respectivos padres normativos

    constantes em seu manual.

    Foi realizada, a seguir, uma breve AVALIAO

    NEUROPSICOMOTORA atravs do Teste das Figuras Complexas de Rey (1959

    / 1999), com intuito de se analisar caractersticas psicomotoras e do

    funcionamento da memria em usurios de drogas, elementos pouco pesquisados

    at o momento nesta populao. Estes aspectos podero contribuir na

    compreenso da inter-relao destas variveis com a afetividade.

    Para AVALIAO AFETIVA recorreu-se ao Psicodiagnstico de

    Rorschach (1921), segundo a escola francesa (Anzieu, 1981), instrumento

    amplamente reconhecido internacionalmente, e que permitiu uma anlise

    sistematizada das caractersticas funcionais da personalidade.

    38

  • PROCEDIMENTO:

    Primeiramente o projeto foi encaminhado para apreciao do Comit

    de tica em Pesquisa da FFCLRP- USP. Aps a aprovao do Comit (ANEXO

    D), iniciou-se o contato com as instituies (ANEXO B) para conseguir os

    voluntrios e a seleo dos indivduos, respeitando-se os critrios previamente

    definidos e referidos, para, ento, realizar as avaliaes psicolgicas. Os

    indivduos foram avaliados na prpria instituio onde estavam internados para

    tratamento, no consultrio particular do pesquisador ou nas salas de atendimento

    do Centro de Psicologia Aplicada- FFCLRP-USP, portanto, em locais apropriados

    para as avaliaes psicolgicas, em sesses individuais. Sinteticamente, foram

    respeitados os seguintes passos com cada voluntrio desta pesquisa: 1-

    esclarecimentos e contrato da pesquisa; 2- consentimento / autorizao (ANEXO

    C); 3- aplicao das Tcnicas de Avaliao Psicolgica, conforme o esquema:

    Primeira Sesso: - entrevista

    - avaliao intelectual (Teste INV-Forma C)

    - avaliao neuropsicomotora (Teste da Figuras Complexas de

    Rey)

    Segunda Sesso: - avaliao afetiva - Mtodo de Rorschach (conforme

    padro da escola francesa; Anzieu, 1981)

    39

  • Foram necessrias, para cada indivduo, trs sesses para se completar

    a avaliao psicolgica, tendo cada uma delas durao mdia de 60 minutos. Ao

    final do processo psicodiagnstico, os voluntrios recebiam agradecimento formal

    e oportunidade de uma entrevista devolutiva, o que de fato no foi solicitado por

    nenhum participante.

    Cada instrumento de avaliao psicolgica utilizado foi analisado de

    acordo com sua padronizao tcnica, procurando-se, depois da classificao

    individual de cada produo, uma anlise global dos resultados a partir dos

    subgrupos de indivduos avaliados.

    A entrevista foi utilizada como estratgia para a coleta de dados sobre

    a histria de vida. Procurou-se elaborar categorias analticas deste processo e

    avaliar a freqncia de contedos comuns dentre os indivduos avaliados no G1 e

    no G2, considerando-se as variveis:

    - motivos de busca de ajuda;

    - causas da drogadio;

    - incio e desenvolvimento da drogadio;

    - implicaes do uso de drogas;

    - situaes intensificadoras da drogadio;

    - fatos marcantes do desenvolvimento infantil;

    - consideraes gerais sobre sade;

    - consideraes gerais sobre alimentao e nutrio;

    - consideraes gerais sobre o sono;

    - adaptao e relacionamentos na escola;

    40

  • - consideraes sobre o trabalho;

    - consideraes sobre socializao;

    - relacionamento com os pais;

    - relacionamento com irmos;

    - ambiente familiar;

    - antecedentes patolgicos na famlia.

    Para a avaliao neuropsicomotora, realizada pelo Teste das Figuras

    Complexas de Rey (1959 / 1999) foram utilizados os referenciais normativos

    elaborados por Oliveira e col. (1999). Buscou-se caracterizar o desempenho dos

    usurios de cocana e do crack em atividades psicomotoras e de memria.

    O Psicodiagnstico de Rorschach foi avaliado segundo a escola

    francesa (Anzieu, 1981), utilizando-se referncias normativas de adultos

    elaboradas por Pasian (2000). Algumas variveis desta tcnica foram enfocadas

    neste estudo para a anlise do funcionamento e da estrutura da personalidade:

    avaliao da capacidade cognitiva/ intelectual: R ; T/R ; TA; STA;

    F% e F+% . Atravs destas variveis, pode-se obter informaes sobre a

    condio intelectual dos indivduos em aspectos como a criatividade, produo

    ideativa e associativa, o vnculo com o real, ou seja, sua forma e sua disciplina

    lgica.

    41

  • avaliao afetiva / controle da afetividade: frmulas vivenciais; F%; K :

    k; FC: CF + C ; FE: EF + E. A anlise destas variveis ofereceu indcios

    sobre a capacidade do indivduo orientar-se na vida e adaptar-se realidade

    externa, ou seja, sua forma de equilibrar razo e afeto.

    adaptao social afetiva: H%, FC; TRI, K e Ban. A anlise destas

    variveis forneceu dados sobre o processo de maturao, a orientao emocional,

    a adaptabilidade social e o interesse pelos outros.

    Anlise simblica da Prancha IV do Rorschach: anlise do contedo

    latente privilegiado nesta prancha no intuito de investigar mais profundamente a

    relao com a figura paterna

    Posteriormente anlise individual dos resultados, buscou-se

    visualizar seu conjunto global na tentativa de caracterizar o fenmeno em estudo,

    comparando dados obtidos com G1 e com G2.

    42

  • ASPECTOS TICOS

    Nesta pesquisa foram seguidos os princpios ticos inerentes a

    qualquer investigao cientfica. O projeto foi inicialmente avaliado pelo Comit

    de tica em Pesquisa da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro

    Preto - USP (ANEXO D). Aps sua aprovao, iniciou-se a coleta de dados em

    instituies de tratamento de usurios de drogas da cidade de Ribeiro Preto e

    regio, selecionadas preliminarmente pela viabilidade de acesso. Foram

    esclarecidos os objetivos e procedimentos da pesquisa para que, de posse dessas

    informaes, autorizassem ou no a realizao do trabalho na Instituio, a ser

    efetivado diretamente com os indivduos a ela associados.

    Todos os indivduos que voluntariamente se prontificaram a participar

    da pesquisa, foram informados sobre os objetivos e procedimentos do trabalho e

    assinaram o Termo de Consentimento livre e esclarecido (ANEXO C).

    43

  • IV. RESULTADOS

    Considerando-se a pluralidade de informaes obtidas, optou-se por

    sistematizar os dados a partir de suas respectivas tcnicas de origem, focalizando

    as marcas centrais de cada grupo estudado. Desta forma, inicialmente ser feita a

    anlise dos resultados advindos da entrevista semi-estruturada, a partir dos tpicos

    previamente selecionados das histrias de vida.

    IV. 1. ANLISE DAS ENTREVISTAS

    Para cada uma das variveis destacadas do desenvolvimento pessoal,

    procurou-se agrupar os ndices (no mutuamente exclusivos) numa tabela

    especfica, acompanhada por uma anlise descritiva sinttica dos fatores

    pregnantes nos grupos em relao a estes temas. Estes elementos sero

    apresentados a seguir. Os resultados individuais encontram-se sistematizados

    tambm, de forma mais minuciosa, em relatos pessoais no ANEXO E, retratando

    44

  • detalhadamente os dados do Grupo 1, vista a normalidade de desenvolvimento

    encontrada no Grupo 2.

    IV. 1. 1 GRUPO 1

    Item 1. DESENVOLVIMENTO DA DROGADIO (G1)

    TPICO 1 MOTIVOS PARA A BUSCA DE TRATAMENTO

    Esquematicamente, os fatores motivacionais referidos pelos usurios

    de drogas (G1) como decisivos para sua deciso de procurar ajuda profissional

    podem ser visualizados na seguinte Tabela 4.

    Tabela 4. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DOS MOTIVOS DE BUSCA DE TRATAMENTO REFERIDOS PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS, N1=10)

    CASO

    Motivos para tratamento G

    11

    G12

    G13

    G14

    G15

    G16

    G17

    G18

    G19

    G11

    0

    Tot

    al

    Busca contato com a espiritualidade, aproximao de Deus X X X 3

    Angstia: Sentimento de desespero, de no saber o que fazer, perda do controle da vida

    X X X X X X X 7

    Necessidade de mudar de vida X X 2 Problema familiar e afetivo X X 2 Busca de auto conhecimento X 1 Sofrimento X 1

    45

  • Os usurios de droga enfatizaram que, apesar de terem tido alguma

    indicao e incentivo em buscar um programa de recuperao, a deciso de buscar

    ajuda foi um movimento prprio por uma convico de que no poderiam mais

    continuar suas vidas do mesmo modo, necessitando procurar auxlio externo. A partir

    das entrevistas, pode-se depreender que os drogaditos referiram como razo para a

    mudana de vida o sentimento de angstia. Relataram sentirem-se em seus limites

    pessoais, no fundo do poo, desesperados, sem saber o que fazer por si mesmos e,

    portanto, precisando do outro. Ainda dentre os motivos que desencadearam a atitude

    de buscar auxlio externo apontaram a necessidade de se aproximar de Deus, pela

    crena de que a f poder remediar a drogadio ou pela convico que alguns

    usurios recados adquiriram de que o programa espiritual :

    a nica soluo". Em suas palavras:

    S a prtica espiritual pode dar conta do vazio, da insatisfao... Se

    eu no tiver Deus, no consigo me equilibrar e fazer as minhas

    coisas(23 anos, 1o grau).

    Outro motivo contundente para buscar o tratamento foi o

    reconhecimento da incapacidade de administrar a prpria vida e o desespero em

    se ver em uma situao de completo desamparo. Exemplo dessa vivncia pode ser

    o seguinte relato:

    46

  • "Vejo que perdi o controle fiquei apreensivo porque eu iria morrer... Ou a

    droga me mata ou algum me mata por causa do roubo" (18 anos, 2o grau

    incompleto).

    A ausncia de sentido na vida tambm apareceu nos relatos desses

    indivduos, desdobrando-se em duas condutas, uma remetendo indignao e

    busca de auto-conhecimento, e outra postura derrotista e de auto desvalorizao.

    Ilustrativos desses motivos foram as seguintes falas:

    "Por descontrole emocional, busquei parar de usar e me

    conhecer e saber de onde eu tirei tanta parania. Por que

    assim?" (32 anos, 3o grau incompleto)

    "Pedi ajuda porque perdi o controle total da minha vida...

    Tinha medo, desespero! No imaginava chegar a esse ponto de

    perdio, no tomava banho, no escovava os dentes... Eu no

    tinha mais personalidade" (19 anos, 1o grau).

    Vivncias de carncia afetiva e de abandono tambm foram referidas como

    determinantes de busca de ajuda externa, como se depreende do relato:

    " Sou muito carente e estava num estado de sair a p pra rua e usando

    droga sem razo" (21 anos, 2o grau)

    47

  • TPICO 2- CAUSAS DA DROGADIO

    Esquematicamente, os fatores associados as causas de drogadio

    referidos pelos indivduos do Grupo 1, podem ser observados na Tabela 5.

    .

    Tabela 5. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DAS CAUSAS DA DROGADIO REFERIDAS PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS, N1=10)

    CASO

    Causas da drogadio G11

    G12

    G13

    G14

    G15

    G16

    G17

    G18

    G19

    G11

    0

    Tot

    al

    Situaes Traumticas: falecimento de familiares; mudana brusca e repentina na estabilidade da famlia, gerando sentimentos de impotncia perante a realidade

    X X X X 4

    Influncia do meio (do grupo social- pares, colegas do bairro) X X X X X X 6

    Curiosidade X X 2 Desejo de perturbar a mente X 1 Baixa auto-estima X X 2 Causas associadas diretamente problemas com a figura paterna, como: Falta de entendimento com o pai. Pai violento; Ausncia da figura paterna e Mgoa do pai.

    X X X X 4

    Testar os limites X 1 Impetuosidade X 1 Sentimento de vazio e medo X 1 Contexto familiar hostil e violento X 1 Insegurana X 1

    Em relao s causas da drogadio, os entrevistados relataram, em

    sua maioria, que iniciaram o uso de drogas atravs do envolvimento que tinham

    48

  • com colegas que j usavam algum tipo de droga, ou seja, a partir do meio social.

    Salientam que, de alguma forma, se sentiam mais vulnerveis em sucumbir ao

    vcio e que seu estado de fragilidade emocional ocasionado principalmente por

    fortes questes traumticas no mbito familiar, facilitaram um rpido ingresso e

    dependncia do uso de drogas.

    Os drogaditos salientaram que um forte aspecto gerador do vcio seria

    um problema de carter, referindo incapacidade em lidar com o nervosismo,

    inveja, raiva, desencadeando o desejo de se drogar. Pode-se depreender, de seus

    relatos, uma auto-percepo de que eventos estressores internos ou externos, ao

    perturbarem completamente a condio existencial momentnea, levariam a

    sentimentos de impotncia perante a realidade, funcionando como

    desencadeadores da drogadio. Para a maioria desses entrevistados o vcio na

    droga funcionaria como tentativa para negar ou apagar traumas. Exemplos

    dessas vivncias foram os seguintes relatos:

    "Acho que comeou com os 18 anos por que teve muita mudana na

    minha vida: minha irm morreu, teve que vender a casa; ficou sem

    dinheiro, crtica das pessoas. Acho que foi isso, muito problema em

    casa; a impotncia; parei de estudar, a pensei: vou acabar com tudo"

    (21 anos, 2o grau)

    "Detectei dois pontos fortes para meu problema: o falecimento do

    meu pai, eu tinha oito ou nove anos, foi um acidente e eu quis proteger

    49

  • meu irmo, ele que bateu o carro. E eu usava droga para evitar a falta

    do meu pai. O outro que sempre joguei bola profissionalmente. Eu

    era bom. Tinha futuro. A sofri um acidente no ano decisivo da minha

    carreira (1992), fiquei parado um ano e a meu pai morreu. (32 anos,

    3o grau incompleto).

    Tambm referiram a baixa auto-estima como fator causador da

    drogadio, como se depreende dos relatos:

    "Acho que o motivo pra eu usar cocana a baixa auto estima, a

    droga me fazia esquecer as coisas e me sentir bem. Eu era gordo e

    tinha muito complexo. A eu comecei a cheirar coca e perdia de trs a

    quatro quilos por final de semana e foi dos 15 aos 19 anos s na

    cocana. Eu me sentia bem e ainda emagrecia" (24 anos, 3o grau

    incompleto).

    Quando a auto-estima foi referida como geradora da drogadio,

    apareceu acompanhada por fatores como curiosidade e influncia dos amigos,

    colaborando no ingresso e na manuteno do vcio. Referiram que, ao se sentirem

    mal consigo mesmos, iam ao encontro de amigos buscando receber ajuda e

    melhorar aquela condio. Houve ainda um nico relato relacionando como causa

    da drogadio a vontade de perturbar a mente, buscando outros estados de

    50

  • conscincia. Vale salientar que este relato partiu de um indivduo de nvel scio-

    econmico elevado e com escolaridade superior.

    Outro fator evidenciado na grande maioria dos relatos dos

    entrevistados, ainda relativo s causas da drogadio, foi a vivncia de problemas

    no relacionamento familiar, principalmente associados figura paterna, como

    nestas passagens:

    "O fator decisivo para eu entrar nesse mundo foi a falta de

    entendimento com meu pai. O ambiente familiar era muito tenso por

    causa das brigas com o pai, principalmente depois da adolescncia.

    Meu pai tinha excesso de tentar incutir idias boas, tinha excesso

    de culto a sade, de patriotismo; era absurdo o que fazia de

    esporte" (30 anos, 3o grau incompleto)

    " Acho que comecei para desafiar meu pai" (23 anos, 2o grau)

    "O meu pai nunca esteve do meu lado. Apesar dele estar prximo, eu

    queria ter um pai ativo, tenho carncia dele. Ele mentia pra mim

    sobre droga e eu descobri e eu j cheguei a usar maconha junto com

    ele" (25 anos, 3o grau incompleto)

    "Eu comecei usando bebida para esquecer a revolta que eu tinha de

    ver meu pai batendo na minha me... Meu irmo roubava a me e

    51

  • punha a culpa em mim. A me me apoiava, mas o pai me batia at que

    eu fugi dizendo: j que vocs esto me acusando sem eu ter feito nada,

    ento agora eu vou comear a fazer" (19 anos, 1ograu)

    " Guardo muita mgoa do meu pai. Esse problema ocorreu comigo

    desde quando eu carrego essa mgoa do pai, h 8 anos." (19 anos, 1o

    grau)

    TPICO 3 INCIO E DESENVOLVIMENTO DO USO DAS DROGAS

    Focalizando-se a anlise dos dados das entrevistas no processo de

    iniciao e desenvolvimento do uso de drogas, as histrias evidenciaram-se

    semelhantes entre si. Os entrevistados presentemente estudados comearam sua

    drogadio fumando maconha ou inalantes, associados ao uso de lcool.

    Referiram agir dessa forma por influncia de amigos que j eram usurios de

    drogas e, depois, foram buscando intensidades e drogas cada vez mais potentes e

    prejudiciais, chegando cocana e depois ao crack. Iniciaram o uso de drogas na

    adolescncia, na faixa etria de 12 a 18 anos, apontando, para esta etapa de

    desenvolvimento, vulnerabilidade especial para este fenmeno.

    52

  • TPICO 4 IMPLICAES DO USO DE DROGAS

    Esquematicamente, as implicaes associadas drogadio, referidas

    pel