terra livre 52
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Boletim do CAESTRANSCRIPT
TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL
BOLETIM Nº 52 DEZEMBRO DE 2012
Adorei o são martinho
Apelo para uma alternativa à incineração
Animais selvagens em circos
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Não sei se é muito antiga, entre nós, a
comemoração do Dia de São Martinho e
desconheço como era festejada a data nos
primeiros tempos em que a tradição chegou
aos Açores. Mas, desde que me lembro
todas as festividades estão associadas a
convívios onde é obrigatório o consumo de
castanhas e de vinho.
Nos últimos anos, ao contrário do que
afirmam alguns especialistas, algumas
tradições têm caído em desuso e
desaparecido, outras têm sido substituídas
por outras importadas de outras paragens,
mais ou menos longínquas, e têm sido
introduzidas algumas manifestações que
para uns são bárbaras, para outros são
divertidas, para uns poucos um bom
negócio e para alguns políticos sem
escrúpulos a cenoura que fará com que mais
votos caiem nas urnas na altura certa.
Cansado de lutar por ideais, desiludido com
as pessoas que preferem calar todas as
injustiças, decidi seguir o conselho de
pessoa amiga que me disse: “Teófilo, com a
idade que já tens, não penses mais nas
desgraças do mundo, não te consumas com
problemas que não são os teus, aproveita o
máximo os dias que ainda te restam, limita-
te a observar as lindas paisagens da nossa
terra, a admirar um lindo nascer do Sol.
Diverte-te o mais que puderes”.
Ainda não totalmente convencido, decidi
começar a minha “boa” vida por uma festa
de São Martinho. Havendo muitas optei
pela que foi mais divulgada e que começava
com uma vacada que se realizou, na
Avenida do Mar, em Santa Cruz, da cidade
da Lagoa.
Como tenho a “mania” de preparar tudo
com antecedência e com algum pormenor,
decidi tentar saber o que era uma vacada.
Para tal consultei um livro sobre o assunto
de um conhecido especialista na matéria e
alguma legislação e cheguei à conclusão
que a lei define “vacada em cerrado” como
sendo a “manifestação de caráter popular
caraterizada pela corrida, em cerrado, de
machos ou fémeas da raça brava”.
Como na leitura do texto me surgiu a
dúvida acerca da palavra cerrado, fui à
internet e numa página da responsabilidade
do Instituto Açoriano de Cultura encontrei a
seguinte definição: “Porção de terreno
geralmente destinada ao pasto, delimitada
por muros baixos de alvenaria de pedra seca
ADOREI O SÃO MARTINHO
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(alguns cerrados destinavam-se
originalmente à cultura de cereais) ”. Com a
vacada de S. Martinho fiquei a saber que
cerrado também pode ser local onde se
plantam lapas e se cultivam caranguejos.
Para não cometer qualquer ilegalidade, fui
consultar a lei e cheguei à conclusão de que
touradas e vacadas estariam proibidas
depois do dia 15 de Outubro e fiquei sem
saber o que fazer.
Falei com algumas pessoas da Lagoa que
me disseram que se a Câmara Municipal
autorizou era porque estava tudo dentro da
lei. Segundo elas a lei só se aplicava aos
touros. As mães, os filhos ou as filhas
daqueles podiam servir para divertimento,
segundo os detratores da alta cultura
tauromáquica, ou divertirem-se a brincar
com os humanos, segundo alguns políticos
e politicas micaelenses especialistas na
matéria, durante todo o ano.
Com medo da lotação se esgotar, decidi ir
para o local logo pela manhã e ali pude
observar todos os preparativos.
Desde a chegada de viaturas que me
garantiram que não eram da Câmara
Municipal da Lagoa, embora me parecesse
o contrário, até à chegada das vacas que
vieram expressamente da Terceira e que
antes de aproveitarem para irem às Portas
do Mar ou ao Parque Atlântico depois da
vacada, se ainda se encontrassem bem-
dispostas após a festa, estiveram dentro das
espaçosas gaiolas, muito bem alimentadas e
com água à disposição.
Mas, o melhor foi mesmo quando o
espetáculo começou. De entre a assistência,
esmagadoramente masculina, pude ver, ao
longe, a conviver com a população alguns
autarcas que são exímios defensores do
bem-estar animal.
Delirei com a primeira vaca que, cansada de
estar com ar condicionado na gaiola,
lembrou-se, de poupar um rapaz que devia
ter a cabeça um pouco dura e foi marrar
contra uma parede mais mole, julgava ela.
Como resultado do embate, mesmo depois
de ter partido um corno e de ter ficado a
sangrar, a vaca mostrava sinais de
felicidade e de contentamento por estar a
divertir-se. Parecia a vaca da Graciosa que
sorriu para o nosso Presidente Cavaco
Silva.
Adeus livros, adeus teatro, adeus cinema,
adeus bandas de música, adeus palestras e
conferências, a partir de agora só quero
vacadas, bezerradas e touradas, de
preferência pagas com dinheiros públicos.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 14 de Novembro de
2012)
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Exmo. Senhor Presidente do Governo
dos Açores
c/c Senhor Secretário Regional dos
Recursos Naturais
Antes de mais os nossos sinceros votos
de felicidades no desempenho do
importante cargo de Presidente do
Governo Regional dos Açores.
Esta carta é um apelo feito por cidadãos
responsáveis preocupados com esta
terra e sobretudo com o seu futuro.
Sr. Presidente, precisamos da sua
prestimosa ajuda para impedir a
instalação de uma central de queima de
lixos, vulgo incineradora, que a
AMISM pretende fazer em S. Miguel.
Este investimento é um grave erro para
a Região. E por quatro ordens de razões,
que acreditamos vai entender
facilmente.
Primeira: A incineração de lixos não é
uma solução segura, ao contrário do que
possa ter chegado ao seu conhecimento.
Quem diz que é totalmente segura são
os fornecedores alemães, franceses ou
suecos que querem vender o
equipamento para a incineradora. No
processo de queima de lixos há um
veneno terrível que vai para a
atmosfera: as dioxinas. Este veneno
depois cai sobre as pastagens e entra
facilmente na cadeia alimentar com
todas as consequências nefastas para a
saúde humana, que se fazem sentir anos
depois. Aliás, Senhor Presidente, o
governo anterior teve muitas dúvidas
quando em 2008 se opôs a este projecto
e até o chumbou. Há mesmo
convenções internacionais que
recomendam que a incineração seja
eliminada progressivamente. Há aqui
APELO PARA UMA ALTERNATIVA À INCINERAÇÃO
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uma questão de saúde pública que
importa acautelar.
Segunda: A Região tem feito um
esforço enorme na sua promoção
externa como um destino
ambientalmente puro, sustentável, de
natureza viva, o último paraíso da
Europa, e isto não se compadece com a
solução de queima de lixos, que é uma
solução para outras regiões já
ambientalmente degradadas. Nunca para
estas belas ilhas dos Açores. Aliás a
incineração de lixos está na base da
pirâmide da ordem preferencial de
enquadramento legislativo, depois da
Redução, Reciclagem, Reutilização,
Valorização Energética e Aterro.
Terceira: As nossas escolas fizeram um
esforço louvável e frutífero na educação
ambiental das nossas crianças e jovens
com base na fórmula dos 3 R,s
(Reduzir, Reutilizar e Reciclar), e agora
violentamos a sensibilização e o
conhecimento adquiridos com a solução
absurda de queima de resíduos. É uma
desilusão para as crianças, os jovens, os
docentes e até para a própria sociedade.
É como que um convite à produção de
lixos, sem preocupações porque depois
queima-se. Esta poderá ser um forte
revés na sua reciclagem. Além de que a
Região, com este projecto que a
AMISM pretende concretizar, não vai
cumprir a directiva comunitária que
exige a reciclagem de, no mínimo, 50%
dos lixos, até 2020.
Quarta: Sr. Presidente, trata-se de um
investimento avultado de 90 milhões,
com uma componente importada muito
elevada, para simplesmente queimar
lixos e poluir a atmosfera. São milhões
que vão directamente para o exterior
sem qualquer efeito na Região, num
investimento de capital intensivo, para
gáudio de fornecedores internacionais.
Há alternativas à incineração que não
foram tidas em conta,
significativamente mais baratas, bem
mais amigas do ambiente e até criadoras
de mais emprego. Está demonstrado que
projectos de reciclagem de lixos criam
10 vezes mais emprego do que as
soluções de aterro ou de incineração.
Senhor Presidente, solicitamos a sua
intervenção no sentido de impedir que
este absurdo investimento que, apesar
dos apoios comunitários vai ter de ser
pago por todos nós.
Senhor Presidente, a solução para uma
adequada gestão dos resíduos sólidos
está na redução da sua produção, na
reutilização e na reciclagem. Há já
muitos exemplos, por este mundo, de
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soluções baseadas no tratamento
mecânico e biológico dos lixos,
ambientalmente mais puras e
sustentáveis, e utilizadoras de muito
mais mão-de-obra, muito mais
adequadas à realidade em que vivemos.
O mundo evoluído avança já para um
novo paradigma nos lixos. Em vez da
mera gestão de lixos faz-se uma gestão
de recursos. E surge um novo e
interessante conceito: Zero Waste
(ZW). O ZW não significa a
inexistência de lixos. De acordo com a
ZW International Alliance , ZW é uma
meta de natureza ética, económica, de
eficiência e naturalmente visionária,
com vista a promover alteração de
estilos de vida e práticas das
comunidades no sentido de ciclos
naturais sustentáveis, onde todos os
materiais descartáveis são considerados
recursos para outros usarem. O ZW
significa conservar e recuperar recursos
e não simplesmente enterrá-los ou
queimá-los.
A cidade de S. Francisco, na Califórnia,
conseguiu já desviar 77% dos seus lixos
dos aterros através da reciclagem, e
pretende até 2020 atingir os 100%. S.
Diego desvia já 68%, Los Angeles 65%
e Chicago 45%. Dalas, a cidade do
petróleo, pretende até 2040 reciclar 90%
dos resíduos sólidos. E as comunidades
ZW não param de aumentar: Seatle e S.
António nos Estados Unidos, Toronto e
Halifax no Canadá, Buenos Aires na
Argentina, Camberra na Austrália. Na
Nova Zelândia 50% das cidades têm o
ZW como objectivo e até o próprio país.
Dezenas de pequenas cidades italianas e
britânicas também aderiam ao ZW. As
comunidades urbanas estão a arrepiar
caminho e a deixar as soluções de
aterros e de queima de lixos para
abraçarem novas soluções baseadas no
Reduzir, Reutilizar e Reciclar.
É-nos impensável assistir passivamente
à concretização deste projecto da
AMISM nestas belas ilhas dos Açores.
Temos de ser diferentes até na gestão
dos lixos e não copiar exemplos de
soluções esgotadas.
Precisamos da sua ajuda, Senhor
Presidente, para a preservação desta
bela terra onde nascemos e queremos
viver.
Ponta Delgada, 15 de Novembro de
2012
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A todas as pessoas singulares ou
coletivas, solicita-se o envio do correio
eletrónico, abaixo dirigido à diretora
regional da educação do Governo
Regional dos Açores.
Muito obrigado
Enviar para: ~
Cc: [email protected], cantinhoani
[email protected], acoresmelho
Exmos Senhores,,
Através da comunicação social
tomamos conhecimento de um anúncio
onde se mencionava a exibição de um
circo “dentro do ginásio de uma escola”
na freguesia dos Ginetes, na ilha de São
Miguel (Açores).
Confirmando o que o senso comum nos
induz, na recente Declaração de
Cambridge sobre a consciência,
assinada por uma plêiade dos mais
competentes cientistas, afirma-se que
muitas espécies animais, incluindo os
mamíferos e as aves, além de serem
seres sencientes, são seres conscientes,
muito à semelhança dos seres humanos.
A utilização de animais em espetáculos
circenses é cada vez mais condenada
pelas sociedades contemporâneas. A
utilização de animais para
entretenimento já não faz qualquer
sentido nos tempos que correm. Existem
muitas razões para esta tomada de
posição, nomeadamente, as condições
inadequadas de cativeiro a que os
animais são submetidos, o uso de
violência nos treinos e condicionamento
dos animais, a privação de liberdade e
ANIMAIS SELVAGENS EM CIRCOS
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de contacto com membros da sua
espécie, entre outras.
Uma outra razão que conduz a este
repúdio prende-se com o facto dos
supostos objetivos educacionais,
resultantes da exibição de animais em
atividades circenses, junto das crianças
e jovens, falharem por completo.
Quando as crianças e jovens observam
os animais a “atuarem” num circo não
são levados a refletir sobre a
importância da proteção das espécies
selvagens em liberdade. Muito pelo
contrário.
Os animais utilizados nos circos são
submetidos a restrições físicas e sociais
graves, na medida em que estão
privados de viver no seu meio ambiente
natural e de interação com outros
animais da mesma espécie. Estes
animais são coagidos a ter
comportamentos muito distintos dos que
habitualmente têm no seu meio
ambiente natural, pelo que, nos circos
com animais, as crianças e jovens
assimilam e interiorizam que é normal e
socialmente aceite privar os animais da
sua liberdade apenas para o nosso
divertimento.
Os animais não escolheram ser artistas
de circo e não é desta forma que
queremos que as nossas crianças e
jovens os vejam.
Tendo tomado conhecimento que o
Circo Família Cardinali exibe animais
selvagens em escolas, e por todas as
razões acima descritas, vimos, por este
meio, manifestar a nossa desaprovação
na utilização de animais em atividades
circenses e, particularmente, na sua
exibição em estabelecimentos escolares
cuja população-alvo preferencial são
crianças e jovens.
Cumprimentos
(Nome)