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TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL BOLETIM Nº 48 AGOSTO DE 2012 Barbaridades de ontem e de hoje A Tauromaquia mata Carta ao diretor regional da cultura A defesa dos animais há 120 anos

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Boletim pea criação de um coletivo de ecologia social

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TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL

BOLETIM Nº 48 AGOSTO DE 2012

Barbaridades de ontem e de hoje

A Tauromaquia mata

Carta ao diretor regional da cultura

A defesa dos animais há 120 anos

Lagoa (eutrofizada) das Furnas, Agosto de 2011

2

Alice Moderno

No seu livro “Alice Moderno, a mulher

e a obra”, editado em 1987, a professora

doutora Maria da Conceição Vilhena

escrevia que a missão da Sociedade

Barbaridades de Ontem e de Hoje

3

Micaelense Protetora dos Animais,

fundada em 1911, mas que só terá

entrado em funcionamento em pleno,

em 1914, quando Alice Moderno

assumiu a presidência da sua direção, já

não era “tão pungentemente

imprescindível, como o era há algumas

dezenas de anos” e acrescentava que

“com a substituição do animal pela

máquina, o homem não só tem menor

oportunidade de manifestar os seus

instintos de crueldade, como é de crer

que esteja mais civilizado, mais

humano, mais atento à voz do

sentimento”.

Hoje, gostaríamos de ser tão otimistas

como foi há 25 anos a professora

Conceição Vilhena, mas, infelizmente, a

realidade não nos permite corroborar as

suas afirmações. Com efeito, se

praticamente não há problemas de maus

tratos com os animais de tiro é porque,

tal como ela escreveu, as máquinas,

tratores, camiões e jipes, substituíram as

carroças de tração animal. Quanto aos

restantes animais, a situação, se não está

pior, está muito parecida com a descrita

em vários jornais micaelenses da

primeira quinzena do século passado,

por cidadãos, como Alice Moderno, o

poeta Oliveira San Bento, ou o

farmacêutico e jornalista, Francisco

Maria Supico.

Comparemos situações: duas de 1915, e

três, muito recentes, em pelo século

XXI.

Em 1915, o senhor Luís Maria Xavier

Jr. denunciou n’ “A Folha”, nº 631, o

facto de um “animal feroz encarnado

em homem” ter assassinado um cão em

Vila Franca e “agora outro de igual jaez

esfaqueia um animal de raça asinina”.

No mesmo texto, o seu autor escreveu:

quem assassina um animal que o ajuda a

ganhar a vida, esfaqueando-o, tem a

coragem mais que suficiente para fazer

o mesmo a uma pessoa. Devem-se

fechar os olhos a estas crueldades?

Nunca!”

Muito recentemente, na ilha de São

Miguel, um cão foi espancado com uma

barra de ferro até à morte. Na mesma

ilha, numa das freguesias rurais do

concelho de Ponta Delgada, há uma

pessoa que tem cães que passam fome e

sede e alguns deles acabam, mesmo, por

enrolar-se em correntes e têm morrido

enforcados. A mesma pessoa, também,

trata muito mal os cavalos que possui.

Há alguns dias, foi, também

denunciado, através da internet, que

alguém não identificado, matou a tiro,

na ilha de São Jorge, uma cadela que

estava a alimentar os seus filhos.

Que razões se podem apontar para a

defesa dos animais?

4

Zola (1840-1902) dizia: “porque os

animais fazem também parte da

comunidade a que pertenço e a que

pertencem todos os meus semelhantes!”

Referindo-se aos pássaros, em 1909, o

jornal Província do Algarve, citado por

Alice Moderno, n’A Folha, escrevia:

“Nada mais cruel do que a caça aos

ninhos pelos rapazes. Tolerar

semelhante ato é perverter o coração da

criança, enquanto ensinando-a a amar os

passarinhos [podiam ser quaisquer

outros animais] predispomos o coração

dela para o bem, e para o amor de todas

as criaturas que nos são úteis”.

A doutora Núria Querol i Viñas,

membro da Associação Americana de

Criminologia e especialista em

crueldade com animais e da Associação

Americana de Psicologia, divisão de

Estudos Humano-Animais, ouvida no

Parlamento da Catalunha durante o

processo que culminou com o fim das

touradas de praça, naquela região

autónoma de Espanha, depois de

recordar que John Locke (1632-1704)

afirmou que “o habituar-se a atormentar

e matar animais, endurecerá as mentes

dos homens e que aqueles que sentem

prazer no sofrimento e na destruição de

criaturas inferiores não estão aptos a

serem compassivos ou benevolentes”,

referiu-se a vários estudos que

“desaconselham que menores sejam

testemunhas de maus tratos aos animais

por parte de adultos ou adolescentes em

festas populares”.

Outro estudo, referido pela doutora

Núria Querol i Viñas relaciona os maus

tratos animais com a violência

doméstica. Segundo ela, um estudo

realizado sobre violência doméstica, nos

Estados Unidos, constata que “cerca de

80% das mulheres maltratadas que

estavam num local de acolhimento

explicou que o seu agressor havia

maltratado/morto um animal de

companhia para as chantagear”.

Para terminar, queria recordar que se há

cerca de um século os jornais

denunciavam que os agentes da

autoridade fechavam os olhos a muitas

das barbaridades que viam, hoje, por

razões várias, as denúncias caiem em

saco roto ou não têm o seguimento que

deviam ter.

Teófilo Braga

5

No passado dia 11 de Julho, foi morto

pela indústria tauromáquica um homem,

em São Bento, na ilha Terceira.

Esta vítima é mais uma a acrescentar ao

rol dos mortos e feridos, com maior ou

menor gravidade, causados pelas

touradas à corda, ditas inofensivas para

os animais e criadoras de riqueza.

A propósito de mortes, também, se

divulga que, recentemente, numa

tourada à corda realizada na ilha

Terceira, a vítima foi o touro.

Sendo lamentável e evitável o ocorrido,

é inaceitável o modo como é desprezada

a vida humana. Com efeito, apesar do

triste desfecho, a tourada de São Bento

prosseguiu como se nada tivesse

acontecido.

A maioria das pessoas que assiste a uma

tourada foi deseducada desde a infância

e à indústria das touradas o que lhe

interessa é apenas o dinheiro que ganha

com o aluguer dos touros.

Aliás, achamos que não estaremos

muito longe da verdade, se afirmarmos

que a morte de pessoas por alguns

touros é considerada publicidade bem-

vinda por alguns ganadeiros. Só assim

se percebe a publicitação das mortes nas

suas páginas na internet.

Felizmente nem todas as anunciadas

mortes são verdadeiras, como é o caso

de uma pessoa que o ganadeiro afirmou

que um dos seus touros havia matado,

mas que investigações efetuadas

levaram à conclusão de que a referida

pessoa, apesar de ter sido gravemente

ferida, está viva.

27 de Julho de 2012

Mariano Soares

A Tauromaquia Mata

6

Exmo. Sr. Diretor Regional da Cultura,

Atendendo às numerosas informações

existentes de que crianças de menos de

6 anos assistem frequentemente a

espetáculos tauromáquicos na Praça de

Touros da Ilha Terceira.

Atendendo a que no âmbito das recentes

festas Sanjoaninas de 2012, realizadas

em Angra do Heroísmo, foram

publicadas numerosas imagens onde é

notória a presença de crianças menores

de 6 anos nas três corridas de touros

realizadas nos dias 24, 25 e 26 de Junho

na Praça de Touros da Ilha Terceira.

Atendendo a que também no âmbito das

referidas festas Sanjoaninas de 2012 foi

realizada no dia 27 de Junho uma

“bezerrada” anunciada como

“Espetáculo para crianças e idosos” na

mesma Praça de Touros da Ilha

Terceira, onde foi evidente a presença

de crianças menores de 6 anos, sendo

ainda este espetáculo de características

semelhantes àquelas de qualquer

espetáculo tauromáquico habitual, com

animais a serem sujeitos a práticas

violentas e derramamento de sangue.

Atendendo a que dessa mesma

“bezerrada” do dia 27 de Junho existem

imagens de crianças a participar

ativamente no espetáculo,

aparentemente na qualidade de

“toureiros” amadores ou profissionais, e

em contacto direto com os touros.

Considerando que a idade mínima para

assistir aos espetáculos tauromáquicos é

de 6 anos nos termos da alínea b) do n.º

1 do artigo 4.º do DL n.º 386/82, de 21

de Setembro, na alteração que lhe foi

conferida pelo DL n.º 116/83, de 24

Fevereiro. E sendo que nos termos da

alínea a) do artigo 3.º do mesmo

diploma, os menores de 3 anos não

podem assistir a quaisquer

divertimentos ou espetáculos públicos.

Carta ao Diretor Regional da Cultura

7

Considerando que a violação de tal

norma é punível como contraordenação

nos termos do artigo 27.º (sendo a

responsabilidade imputada ao promotor

do espetáculo), com coima de € 50,00 a

€ 125,00 por cada menor, sendo que no

caso de reincidências os valores são

elevados ao dobro, e 2.ª e ulteriores

reincidências ao triplo (cfr artigo 29.º).

Considerando a deliberação da

Comissão Nacional de Proteção das

Crianças e Jovens em Risco, adotada na

sua reunião de 14 de Julho de 2009, em

relação ao n.º 3 do artigo

139.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho,

sobre atividades permitidas ou

proibidas, deliberação que considera

que os animais utilizáveis em

espetáculos tauromáquicos,

independentemente do seu peso,

apresentam características de

ferocidade/agressividade,

inerentes à natureza do espetáculo, que

podem colocar em perigo crianças ou

jovens.

Solicitamos que V. Exa. e a sua Direção

Regional tomem as devidas medidas

para apurar as responsabilidades de

todos os factos relatados, punir os

culpados e impedir que a legalidade

volte a ser posta em causa no futuro.

Agradeceremos igualmente

comunicação sobre os passos dados por

V. Exa. neste sentido.

Atentamente,

Movimento Cívico Abolicionista da

Tauromaquia nos Açores

8

Maus Tratos aos Animais

O Exmo. Sr. Governador Civil deste

distrito, por intermédio do sr.

Administrador do concelho, fez publicar

um edital suscitando a observância dos

artigos 182 e 183 do código

administrativo, relativo aos maus

tratamentos que a todo o momento

vemos dar aos animais domésticos.

De entre todos tem sido este…vez, que

mais tem tratado deste assunto, pedindo

às autoridades as precisas medidas para

coibir os repugnantes abusos que temos

visto praticar, e cumpre-nos, em

primeiro lugar, lavrar aqui o nosso

reconhecimento pela consideração em

que foram tomados esses pedidos.

Por mais uma vez louvamos o

procedimento da digna autoridade que

temos à testa deste distrito, que em

todos os seus atos tem mostrado uma

firme energia e sentimos que não tenha

à sua disposição um corpo de polícia

bem organizado e disciplinado, porque

muito mais teríamos a esperar da sua

boa vontade.

Ao digno intendente de pecuária deste

distrito, o nosso amigo sr. José Pedro

Jesus Carreiro, cabem, no cumprimento

dos artigos acima referidos, atribuições

de juiz, sem as quais não se podem

punir os transgressores.

Não nos resta a menor dúvida acerca da

imparcialidade deste cavalheiro; mas

receamos que por falta de polícia não se

possa cumprir as salutares disposições

da lei.

…muito, sem dúvida, o que se tem feito

em benefício da civilização, são grandes

as ideias de justiça que animam as

autoridades, mas, repetimos, sem um

corpo de polícia, todos os seus esforços

serão aniquilados.

Quando em tempo se falhou na criação

duma sociedade protetora dos animais,

alguns cavalheiros dos mais

conceituados nesta terra, aceitaram com

verdadeiro entusiasmo tal ideia, todavia

esmoreceram todos por faltar o primeiro

elemento – a polícia.

Cremos, que em seguida ao

estabelecimento deste corpo, reviverá o

projeto da existência da sociedade e que

em breve a veremos constituída e

auxiliando a polícia na sua cruzada

civilizadora.

(Diário de Anúncios, nº 2239, 1 de

Agosto de 1892)

A Defesa dos Animais há 120 anos