terra livre 38
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Boletim de homenagem a Veríssimo BorgesTRANSCRIPT
TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL
BOLETIM Nº 38 (ESPECIAL) 8 DE OUTUBRO DE 2011
HOMENAGEM
A
VERÍSSIMO BORGES
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Hoje, dia 8 de Outubro, faz três anos que
Veríssimo de Freitas Borges nos deixou.
Com o seu desaparecimento, o movimento de
defesa do ambiente, nos Açores, ficou mais
pobre e a Quercus de São Miguel, que
sempre foi mais ele do que um colectivo,
nunca mais se recompôs.
Embora nem sempre estivesse de acordo com
as soluções que apresentava para a resolução
dos problemas ambientais e embora, sendo
sócio da Quercus, nunca tivesse participado
na actividade do seu Núcleo de São Miguel,
posso revelar que os dedos de uma mão
seriam suficientes para contar o número de
iniciativas que tomou sem que antes me tenha
dado conhecimento ou ouvido a minha
opinião.
De entre as batalhas em que estivemos
juntos, destaco a oposição à criação de uma
Federação de Associações de Defesa do
Ambiente dos Açores, que segundo ele era
soprada pelo Governo Regional e que, do
meu ponto de vista, foi sempre bem acolhida
por alguém que pretendia dar passos maiores
do que as pernas ou que não tendo trabalho
efectivo junto das populações se queria
projectar à custa do esforço e dedicação dos
outros.
Outra das batalhas em que estivemos lado a
lado, foi a luta contra a incineração de
resíduos sólidos que agora está mais difícil e
diria quase perdida, para desgraça de todos
nós, pois o Governo Regional dos Açores
mudou de posição. Se não imperar o bom
senso, em nome do desenvolvimento
sustentável, serão queimados, sem deixar
fumaça, 100 milhões de euros (se não houver
derrapagens) e a qualidade do ambiente e a
saúde de muitos micaelenses.
Se na altura eram poucos os que davam a
cara contra o projecto da AMISM, agora
parece que ainda são menos, não porque
estejam a favor do projecto, mas porque as
pressões são cada vez maiores e muitas
pessoas, com medo de represálias ou porque
se estão a preparar para entrar na vida
política activa, mantêm-se silenciosas ou
renegam o que antes afirmaram. Os casos
mais flagrantes são os dos silêncios das
associações de defesa do ambiente, como a
Azórica, a Gê-Questa e os Montanheiros, e
ridículo é o caso do presidente de uma delas
que desconhece alternativas ou o do Núcleo
da Quercus de São Miguel que, tendo a
oportunidade de falar sobre o assunto, através
da RTP- Açores, se recusou a fazê-lo.
Em Memória de Veríssimo Borges
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A defesa das lagoas foi também uma causa
que nos uniu, quer no SOS-LAGOAS, onde
estivemos juntos, quer, depois, através dos
Amigos dos Açores e da Quercus. Com o
“trabalho” que alguns conseguiram ou com a
“transferência” de outros para funções
governativas, o SOS foi-se esvaziando e o
Veríssimo ficou quase só com um núcleo da
Quercus onde alguns tinham um pé dentro e
o outro muito próximo da secretaria da tutela.
Enquanto eu era (e ainda sou) alérgico a
reuniões, pois a maioria delas são
improdutivas e só servem para legitimar
decisões já tomadas anteriormente, evitava
presença na comunicação social, e recusava-
me a contactar pessoalmente os decisores
políticos e os dirigentes partidários, o
Veríssimo era precisamente o contrário.
Aproveitava todas as oportunidades para
fazer passar a sua mensagem e, muitas vezes,
tanto insistia que conseguia o pretendido.
No âmbito do mestrado de Educação
Ambiental, que ambos frequentámos,
participei numa equipa em que, para além de
Cláudia Tavares e de Helena Primo, também
fazia parte o Veríssimo e que tinha como
objectivo implementar um projecto intitulado
“Educar para a Energia”.
Devido ao seu estado de saúde, o seu
contributo já não foi significativo, tendo
ficado por concretizar a criação de uma
rubrica intitulada “Um minuto verde pelos
Açores” para a qual ele já havia adaptado
alguns textos do programa da Quercus
Nacional e elaborado outros. O objectivo era
a sua transmissão por algumas rádios da ilha
de São Miguel.
Se houve algumas pessoas que, quer por
opção quer por outras razões da sua vida
pessoal, não puderam ou não quiseram
concluir o mestrado, tendo ficado apenas com
a especialização, o Veríssimo, que havia
escolhido fazer uma tese sobre o Núcleo de
São Miguel da Quercus, não o terminou pois
a doença e a morte não o permitiram.
Capa do jornal Açoriano Oriental, 5 de Junho de 1994
Em sua memória tanto eu como a Cláudia
Tavares a ele dedicámos a nossa dissertação.
Quem vai concretizar o seu sonho e estudar a
actividade do Núcleo de São Miguel da
Quercus desde a sua fundação, em 1994, até
Outubro de 2008?
Teófilo Braga
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.
Resumo: As alternativas à utilização de
combustíveis fósseis têm-se baseado no
custo de oportunidade da sua eventual
utilização de desperdícios resultantes de
má gestão de recursos.
Assim se tenta justificar ser melhor
incinerar resíduos do que mandá-los
para aterro, utilizar biocombustíveis do
que disponibiliza-los para incêndios
florestais ou compostagem, fazer dos
resíduos combustíveis líquidos do que
recicla-los ou reutiliza-los.
Mas nenhuma destas alternativas é
melhor do que soluções mais nobres,
como a reciclagem de resíduos e “Make
food …not fuel”.
Especialmente em ilhas pequenas,
contrariamente ao geralmente assumido,
não só é mais fácil atingir níveis elevados
de independência energética como
conquistar sustentabilidade para uma boa
gestão de resíduos sólidos, com
desperdícios minimizados.
Também na vertente dos veículos
eléctricos fica minimizada a sua actual
dependência de raio de acção, pois quase
nunca excede os 30, 50 ou 100 km/dia.
Neste enquadramento é fácil prever, com
as actuais tecnologias, uma grande
percentagem dos transportes rodoviários
eléctricos virem a ser viáveis nas curtas
distâncias de casa-emprego da maior
parte da população açoriana, utilizando as
baterias carregadas durante as horas do
sono (nas horas anteriormente de vazio),
assim contribuindo para uma melhor
eficácia da penetração de energias
alternativas.
Assim, com o PEGRA, ficarão os Açores
com 60% dos seus resíduos
transformados em composto agrícola e 80
% dos restantes aproveitados em
processos de reciclagem.
Não à Incineração de Resíduos
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Acaba assim a dependência de soluções
para as quais não temos resíduos
suficientes e o fim dos resíduos deitados
fora sem proveito das suas
potencialidades.
Neste contexto, tecnologias duvidosas em
mercados maiores, onde se torna possível
a sustentação transitória de tecnologias de
valorização energética de resíduos ou de
biomassa, não se podem aplicar nos
Açores a não ser em casos marginais e
em concorrência com outros destinos ou
soluções.
Conclusões:
A implementação do PEGRA e uma
nova política energética a caminho da
independência dos Açores de
combustíveis líquidos, garante a nossa
sustentabilidade, boas práticas e
erradica soluções sustentadas de
incineração ou refinação local de
resíduos.
Propostas:
- O arranque imediato do
PEGRA, desde já nas pequenas ilhas e a
começar pelo tratamento adequado da
parcela orgânica dos RSU;
- Caminhar no sentido da
independência energética de
combustíveis líquidos, acompanhando
uma maior penetração das energias
alternativas e contribuindo para uma
significativa atenuação dos desvios entre
consumo eléctrico em “ponta” e em
“vazio”;
- Não embarcar em propostas de
grandes investimentos em tecnologias
desadaptadas da nossa realidade, mesmo
que viáveis em contexto continental, tais
como a gaseificação de resíduos para
produção de combustíveis líquidos.
Veríssimo Borges
Ponta Delgada, 8 de Dezembro de 2007
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Hoje, dia 8 de outubro, gostaria de recordar
Veríssimo de Freitas Borges, por toda a sua
entrega pessoal às questões ambientais e pelo
legado que nos deixou em termos de ideais e,
inclusive, como exemplo de força de
vontade. Na verdade, pouco tempo depois de
conhecer o Veríssimo, fui obrigada a
despedir-me dele, pois conheci-o já nos seus
últimos meses de vida. Mas como um dia
disse Fernando Pessoa: O valor das coisas
não está no tempo que elas duram, mas na
intensidade com que acontecem. Por isso
existem momentos inesquecíveis, coisas
inexplicáveis e pessoas incomparáveis.
O destino ou o acaso fizeram-me cruzar com
o Veríssimo, quando ambos ingressamos no
mestrado em Educação Ambiental. A
vontade de contribuir para um mundo melhor
e o gosto pela aventura do saber foram
aspetos que nos uniram e me fizeram
conhecer um grande guerreiro. Penso que
todos nós (ou pelo menos para aqueles a
quem a defesa do ambiente realmente
importa) sentimos pesar pela sua partida e
lamento que muitas das suas batalhas tenham
sido em vão, como é o caso da incineração
dos resíduos sólidos.
Uma das qualidades que mais admirava no
meu colega Veríssimo era a sua coragem em
defender os seus ideais, lutando contra
governos, associações… sem medo algum de
sofrer represálias ou de simplesmente ser
banido por uma sociedade cada vez mais
globalista e capitalista. Outro aspeto que
recordarei sempre com muito carinho é a
força de vontade deste homem, que lutou
contra a doença que o assomou. E mesmo nos
seus últimos momentos, em que a sua
fragilidade era iminente, nunca lhe faltou um
sorriso e uma anedota que simplesmente nos
fazia descomprimir de toda a pressão de ver
alguém partindo lentamente.
Lembrarei sempre com carinho as longas
discussões e debates nas nossas aulas, que em
muito me enriqueceram, quer a nível pessoal,
quer a nível profissional.
O Veríssimo será sempre para mim um
exemplo a seguir, um nome que nunca será
desconhecido e a quem toda a vida irei
associar ao nome Quercus, pois ele foi o
responsável pelos anos em que esta se
manteve viva e ativa na política ambiental
açoriana. Do mesmo modo, Teófilo Braga
será sempre o “amigo dos Açores”, apesar de
já não pertencer à direção desta associação. A
ambos devo muito daquilo que hoje sei e
daquilo que hoje sou.
Aqui fica o meu Obrigada ao Veríssimo por
todo o apoio que me deu e principalmente
pela pessoa que foi. O mundo ficou mais
pobre com a sua partida.
Cláudia Tavares
O Meu Obrigada…
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Todos aceitam que nas ilhas se pretende
turismo de qualidade, sustentado na
qualidade ambiental sustentável (duradoira).
Assim, enquanto diversificação da economia
e enquanto contributo para um
desenvolvimento sustentável, em que o sector
turístico tem uma participação relevante, este
tem de suportar financeira e socialmente a
minimização dos bens consumidos (incluindo
paisagem) de forma a mantê-los como
renováveis e duradoiros.
Especialmente em ilhas, onde os níveis
críticos da “pegada ecológica” do turismo se
maximiza, é importante pugnar por atingir os
objectivos financeiros, com o mínimo de
turistas, isto é, por um rendimento per capita
do turismo superior a 100 euros/dia.
Ora isto nada tem a ver com receitas de
alojamento que desceram de 40 €/quarto/dia,
em 2004 para 30 €/quarto/dia em 2005 e
2006.
Esta tendência para a massificação, que se
traduz na construção de unidades hoteleiras
caras, que de seguida entram em regime de
austeridade, i.e., perca de qualidade e
competitividade, revelam um sector que
nasceu invertido face aos objectivos
proclamados, e que persiste neste rumo de
mentira assumida, do pior negócio
imaginável.
Neste sector o negócio está na construção
subsidiada e na exploração condicionada à
mediocridade. Está na utilização transitória
do nosso património natural em rápida
delapidação público/privada, dum património
ainda rico, mas em regime de sustentação
transitória e consumista, tal como floresta
virgem a ser consumida por alguns países,
para suportar o seu “desenvolvimento”.
Capado Correio dos Açores de 21 de Agosto de 1997
Para além do baixo padrão de receitas per
capita verificadas no actual modelo de
crescimento, no campo social verifica-se um
contributo transitório efémero e sem
qualidade, na criação de postos de trabalho,
com salários médios encostados ao salário
mínimo e abaixo do salário médio.
Os factores básicos de um sector turístico sustentável em ilhas
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Neste sector, um crescimento demasiado
rápido, por relação à elasticidade da procura,
torna a viabilidade das empresas hoteleiras
cada vez de maior risco e menos atractivas,
podendo por este via inviabilizar a
sustentabilidade futura.
Mais do que isto, o arranque de uma política
de promoção pelo preço, dês-sintonizada das
nossas anteriores potencialidades é
dificilmente corrigível, representando o peso
de uma âncora que nos arrasta para o fundo
da inviabilidade.
Neste campo o atraso do sector, ainda
incipiente, revela ainda alguma
potencialidade de correcção futura, apesar do
elevado custo dos erros anteriores.
Desde logo, surge a oportunidade da crise
dos transportes aéreos, resultante do mercado
do carbono.
Assim, na sequência do predomínio dos voos
“low cost” dos últimos anos, quando o preço
do combustível e respectivo imposto do
carbono se tornarem determinantes,
aparentemente o actual destino Açores morre,
por demasiado caro para os actuais visitantes,
assim como as economias do “low cost”
(austeridade nas refeições, espaço/passageiro,
economias salariais) se marginalizam face ao
brutal incremento do tarifário = combustível /
km.
Neste contexto, para os europeus, os voos
“Long Distance” (América, Ásia e África)
ficarão mais inacessíveis do que os “Short
Distance” como o Açoriano face às elites
suficientemente ricas, do mercado emissor
europeu e norte-americano.
Assim, à semelhança de voltar a ser marginal
servir a bordo, sandwish, bife do lombo ou
lagosta, o preço da viagem voltará a criar um
certo tipo de turismo de qualidade que “paga
o que lhe pedem, mas exige a qualidade
aferida daquilo que paga”.
Surgirá então uma nova oportunidade para os
4 estrelas recuperarem uma perdida
certificação de qualidade, concorrendo com 5
estrelas que não fazem descontos, e
contribuindo a partir de então, para a
sustentabilidade social (empregos
qualificados), económica e AMBIENTAL do
arquipélago.
Desde logo surgem como riscos eminentes,
as apostas concentradas em Campos de Golfe
mal localizados, Casinos sem qualidade
sustentável (ovos podres na omeleta da nossa
oferta), empreendimentos turísticos que mais
não são do que especulação imobiliária e pior
que tudo, empreendimentos turísticos cuja
falência potencial representa uma enorme
menos valia regional.
Assim, no sector turístico, urge parar para
pensar!
Ponta Delgada, 29 de Janeiro de 2008
Veríssimo F. S. Borges