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196 _____________________________________________________________ Rev. Saberes UNIJIPA, Ji-Paraná, Vol 10 nº 3 Jul/Dez 2018 ISSN 2359-3938 TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL E A INTERAÇÃO FAMILIAR COMO UM FATOR DE RISCO PARA O USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS: ESTUDO DE CASO Simone Muniz de Kaisekamp 1 Michele Thaís Fávero 2 Erica Conceição Barbosa Barbosa 3 Miguel Furtado Menezes 4 RESUMO: Atualmente os casos de dependência química apresentam números alarmantes e tendem a crescer rapidamente, como demonstram um grande número de trabalhos publicados nesse sentido. O aumento de casos de pessoas que tornam-se dependentes de substâncias psicoativas, devido a influência das interações sociais, principalmente familiar estando intrinsecamente interligado com esse aumento. Diante disso, fora utilizado a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) aplicada à dependência química para o tratamento. A partir de tais observações é que este estudo de caso tem por objetivo analisar a eficácia da Terapia Cognitiva Comportamental (TCC) no tratamento da Dependência química (DQ) com uma adolescente internada em uma Comunidade Terapêutica (CT). Esse estudo foi de suma importância, devido aos poucos estudos de caso relacionados a dependência química e o uso da Terapia Cognitiva Comportamental na fase da adolescência. Para tanto, foram utilizados alguns instrumentos de avaliação, como a escala URICA e as escalas de Beck (BAI, BDI,BSI, BHS). Inicialmente as técnicas aplicadas foram a Psicoeducação, a Entrevista Motivacional, Técnicas Comportamentais, Reestruturação Cognitivo Prevenção. Os resultados foram satisfatórios, pois mesmo se tratando de adolescente, que apresentava constante ambivalência para a decisão de mudanças de comportamento do uso de drogas e comportamentos impulsivos, houveram avanços significativos a respeito do quadro de saúde e o uso de drogas. Desta forma, o estudo de caso ora apresentado, proporcionou subsídios para possíveis estudos mais aprofundados, dentro de uma perspectiva de avanços e conquistas quanto a evolução do tratamento assistido. Palavras-chave: Terapia Cognitivo Comportamental. Interação familiar. Dependência química. Adolescência. 1 Pós-Graduada em Terapia Cognitiva Comportamental Tem experiência no setor educacional com enfase em psicologia com crianças e adolescentes, atendimento em Comunidades Terapêutica - atendimento individual e terapia em grupo. 2 Doutora em Ciências Fisiológicas pela UNESP/UFSCar; graduada em Fisioterapia- Docente dos cursos da área de saúde da Faculdade Panamericana de Ji-Paraná UNIJIPA. E-mail: [email protected] 3 Pós-Graduanda em Psico-Oncologia Fase Final na Faculdade Unyleya -Águas Claras, Distrito Federal. 4 Pós-doutor em Ciências Fisiológicas pela UNESP/UFSCar; graduado em Educação Física- Docente dos cursos da área de saúde da Faculdade Panamericana de Ji-Paraná UNIJIPA. E-mail: [email protected].

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Rev. Saberes UNIJIPA, Ji-Paraná, Vol 10 nº 3 Jul/Dez 2018 ISSN 2359-3938

TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL E A INTERAÇÃO FAMILIAR

COMO UM FATOR DE RISCO PARA O USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS:

ESTUDO DE CASO

Simone Muniz de Kaisekamp1

Michele Thaís Fávero2

Erica Conceição Barbosa Barbosa3

Miguel Furtado Menezes4

RESUMO: Atualmente os casos de dependência química apresentam números alarmantes e tendem a

crescer rapidamente, como demonstram um grande número de trabalhos publicados nesse sentido. O

aumento de casos de pessoas que tornam-se dependentes de substâncias psicoativas, devido a

influência das interações sociais, principalmente familiar estando intrinsecamente interligado com esse

aumento. Diante disso, fora utilizado a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) aplicada à

dependência química para o tratamento. A partir de tais observações é que este estudo de caso tem por

objetivo analisar a eficácia da Terapia Cognitiva Comportamental (TCC) no tratamento da

Dependência química (DQ) com uma adolescente internada em uma Comunidade Terapêutica (CT).

Esse estudo foi de suma importância, devido aos poucos estudos de caso relacionados a dependência

química e o uso da Terapia Cognitiva Comportamental na fase da adolescência. Para tanto, foram

utilizados alguns instrumentos de avaliação, como a escala URICA e as escalas de Beck (BAI,

BDI,BSI, BHS). Inicialmente as técnicas aplicadas foram a Psicoeducação, a Entrevista Motivacional,

Técnicas Comportamentais, Reestruturação Cognitivo Prevenção. Os resultados foram satisfatórios,

pois mesmo se tratando de adolescente, que apresentava constante ambivalência para a decisão de

mudanças de comportamento do uso de drogas e comportamentos impulsivos, houveram avanços

significativos a respeito do quadro de saúde e o uso de drogas. Desta forma, o estudo de caso ora

apresentado, proporcionou subsídios para possíveis estudos mais aprofundados, dentro de uma

perspectiva de avanços e conquistas quanto a evolução do tratamento assistido.

Palavras-chave: Terapia Cognitivo Comportamental. Interação familiar. Dependência química.

Adolescência.

1 Pós-Graduada em Terapia Cognitiva Comportamental Tem experiência no setor educacional com enfase em

psicologia com crianças e adolescentes, atendimento em Comunidades Terapêutica - atendimento individual e

terapia em grupo. 2 Doutora em Ciências Fisiológicas pela UNESP/UFSCar; graduada em Fisioterapia- Docente dos cursos da área

de saúde da Faculdade Panamericana de Ji-Paraná – UNIJIPA. E-mail: [email protected] 3 Pós-Graduanda em Psico-Oncologia Fase Final na Faculdade Unyleya -Águas Claras, Distrito Federal.

4 Pós-doutor em Ciências Fisiológicas pela UNESP/UFSCar; graduado em Educação Física- Docente dos cursos

da área de saúde da Faculdade Panamericana de Ji-Paraná – UNIJIPA. E-mail:

[email protected].

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1 INTRODUÇÃO

O uso de substâncias lícitas e ilícitas vem se tornando um problema grave para a

saúde pública na sociedade em geral, uma vez que este fenômeno vem preocupando a

sociedade há algum tempo e tem atingido todas as classes sociais, escolaridade e faixa etária.

Para Paz e Colossi (2013), são muitas as consequências causadas na vida do sujeito e de sua

família, além de prejuízos físicos, neuropsicológicos e psiquiátricos.

Muitos são os fatores que podem motivar as pessoas a fazerem uso de drogas, como:

a busca de prazer, efeito ansiolítico, devido a sensação de relaxamento, tensão, medos, aliviar

as dores físicas, outro elemento importante que contribui, é a interação social, como

demonstrado no trabalho de BARDIN, FIGLIE E LARANJEIRA, 2004.

Em um estudo realizado por Tavares; Béria e Lima (2004), identificaram que o uso de

álcool e drogas está associado a interação familiar, onde os filhos muitas vezes são criados

somente com um dos pais, quando eles têm baixa percepção de apoio dos pais ou até mesmo

quando a família já faz uso de algumas substâncias lícita e ilícita, podendo estimular e/ou

potencializar o uso recreativo e a dependência dessas substâncias.

Atualmente, diversas abordagens na psicologia que buscam compreender os

fenômenos e causas envolvidas com a DQ, dentre essas abordagens, uma que tem apresentado

bons resultados é a Terapia Cognitiva Comportamental (TCC).

Este estudo de caso tem por objetivo analisar a eficácia da Terapia Cognitiva

Comportamental (TCC) no tratamento da Dependência química (DQ) com uma adolescente

internada em uma Comunidade Terapêutica (CT).

Esse estudo fora de suma importância, devido aos poucos estudos relacionados a

dependência química e o uso da Terapia Cognitiva Comportamental na fase da adolescência.

2 MATERIAL E METODOS

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, pois estuda a relação complexa do sujeito e o seu

ambiente de interação, segundo Guinther (2006).

Para a realização desta pesquisa foi utilizado como método de investigação o estudo

de caso, que no contexto deste trabalho se trata de um caso único. Para Yin (2015, p.17) se

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caracteriza como “uma investigação empírica que verifica um fenômeno contemporâneo (o

caso) em profundidade e em seu contexto de mundo real”.

Ressalta-se que a metodologia escolhida também se caracteriza como uma importante

ferramenta para a otimização e reflexão dos atendimentos realizados, uma vez que ao atender

para descrever um caso, o pesquisador está colocando seus argumentos a respeito da

intervenção e planejamento que deverá ser feito.

A respeito do caso investigado, foram realizadas 22 sessões de atendimento em

Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) com uma adolescente com o diagnóstico de

transtorno por uso de substâncias psicoativas. Os atendimentos ocorreram em uma sala de

psicologia da Comunidade Terapêutica (CT) localizada no interior do Estado de Rondônia

que tem mais de 13 anos de funcionamento.

Após uma escuta avaliativa das queixas para elaboração do histórico de vida e

familiar. Utilizou-se de instrumentos como os inventários de Beck (BAI, BDI, BSI, BHS)5∗ e

também a Escala avaliativa de motivação (URICA)6∗7∗, na sequência passou para as seguintes

técnicas e estratégias: Motivação para mudança, Psicoeducação, Terapia cognitivo

comportamental, reestruturação cognitivas e prevenção de recaída.

À paciente fora assegurada o sigilo e convidada a assinar um termo de consentimento livre e

esclarecido (TCLE), assim também como a Comunidade Terapêutica.

3 DESENVOLVIMENTO

3.1 História pregressa da paciente

O estudo de caso descrito neste trabalho se refere a uma adolescente de 15 anos, que

cursou até o 7º ano do Ensino Fundamental (incompleto), solteira, que será chamada por

Samanta, para resguardar seu nome verdadeiro. Samanta fora encaminhada pelo Juizado da

Infância e da Juventude para a Comunidade Terapêutica para o tratamento de dependência

5 O Inventário de Beck (1996), tem por objetivo avaliar a nível de ansiedade (BAI), nível de depressão (BDI),

verificar a desesperaça (BHS) e a escala de ideação suicida (BSI). 6 A Escala Urica é uma escala que foi adaptada no Brasil para avaliar o estágio motivacional em que o paciente

se encontra para o tratamento

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por uso de substâncias psicoativas. O plano de tratamento da CT é de nove meses, podendo

ser estendido para mais três meses caso a equipe técnica avaliar a necessidade. Na CT a

paciente é acompanhada por uma equipe multiprofissional, como psicólogo, psiquiatra,

enfermeiros e demais profissionais. A paciente passou por psicoterapia individual e em

grupo por quatro meses consecutivos, sendo as sessões semanais.

Os pais biológicos de Samanta também apresentam problemas com uso de

substâncias psicoativas. Sua mãe ao constatar a gravidez tentou o aborto por várias vezes,

mas Samanta nasceu aparentemente sem nenhuma sequela orgânica ou mental, como a mãe

não tinha suporte e nem queria o nascimento de Samanta aos três meses de idade ela passou

a morar com uma mulher conhecida da sua mãe. Depois de algum tempo a mãe biológica fez

um documento de guarda compartilhada.

Samanta passou a chamar de mãe a cuidadora e a considerar essa sua família. Até os

12 anos Samanta cresceu em um ambiente sem drogas. No entanto na adolescência passou a

ter contato mais próximo com a mãe biológica que continuava sendo dependente química.

Oferecendo e apresentando para Samanta as substâncias psicoativas. Iniciando assim seu uso

compulsivo por drogas.

3.2 Interação social e o uso de substâncias psicoativas na adolescência

A interação social familiar é considerada por alguns autores (Medeiros, Katruccy

Tenório et al, 2003; Marcon et al, 2015), como um fator de proteção no início do uso de

substâncias psicoativas por adolescentes. Assim sendo, a família é responsável por transmitir

valores morais e éticos. No entanto, alguns estudos vêm trazendo que a família também pode

ser considerada um fator de risco para o início do uso de drogas por adolescentes, pois

adolescentes que tenha alguém da família que faz uso ou é dependente químico tem a

possibilidade de ter seu primeiro contato com drogas lícitas e ilícitas como veremos em

alguns estudos a seguir.

Estudos estão sendo realizado para descobrir como a interação familiar pode levar

adolescentes ao uso de substâncias psicoativas. Os autores Marcon, Sene e Oliveira (2015),

realizaram uma pesquisa no CAPS AD da cidade Cuiabá MT, onde encontraram resultados

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significativos com relação a interação familiar e adolescentes que estavam em tratamento,

comprovando que 70,3% dos adolescentes tinham alguém da família que fazia uso de drogas.

Tavares e Cols (2004) encontraram em seu estudo que adolescentes de pais separados

estão propensos a se envolver com algum tipo de droga lícita e ilícita com 50% de chance se

comparado com adolescentes que os pais vivem juntos, outro dado importante de se ressaltar

nesta pesquisa fora que 95% dos sujeitos que tinham alguém da família que fazia uso de

álcool e drogas se tornaram usuários de drogas.

Figlie e cols (2004), observaram que a presença de um dependente químico na família,

aumenta a chance de 41%. Também puderam encontraram um resultado significativo quando

o pai era dependente químico de álcool chegando à 67%. Essas pesquisas apresenta uma

preocupação com relação a interação familiar de filhos de dependentes químicos.

3.3 Comunidade terapêutica

As comunidades terapêuticas (CT) existem desde 1979, e tem como objetivo ajudar

pessoas que tem problemas provenientes da dependência química, pois a mesma possui um

ambiente onde o paciente está livre das drogas e também onde o paciente passa ser o principal

protagonista de sua cura. As CTs ajudam o indivíduo a ter limites precisos e funções bem

delimitadas, regras claras e afetos controlados, através de horários e responsabilidades, assim

definem Pozas (1996) apud Sabino e Cazenave.

Monte Serrat (2002) apresenta dados estatísticos mundiais de pessoas que se

recuperam da dependência química em comunidades terapêuticas que variam entre 30% e

35%. Esses resultados ainda são muito baixos, se comparado com a demanda da procura por

esse tipo de tratamento.

Em um estudo feito por Scaduto, Barbieri e Santos (2014) em uma CT para avaliação

de possíveis mudanças ocorridas no funcionamento psicológico de pessoas usuárias de

drogas. Os resultados desse estudo demonstraram que os pacientes apresentaram melhoras

positivas quando comparado as fases pós e Pré-CT, com relação a socialização e a redução de

sofrimentos psíquicos.

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3.4 Terapia cognitiva comportamental (TCC) aplicada à dependência química

A Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) tem apresentado bons resultados no

tratamento da Dependência Química (DQ), pois a mesma pode ser aplicada em psicoterapia

individual, psicoterapia de grupo, terapia familiar e, também em ambientes cognitivamente

orientados (unidades hospitalares, escolas terapêuticas, hospitais-dia e comunidades

terapêuticas). (KNAPP ET AL, 2004; WILLIAMS E PECHANSKY, 2006; WILLIAMS E

PECHANSKY, 2007; CIRIBELLI et al. 2008).

Segundo, Bardin, Figlie e Laranjeira (2004, p.191), a terapia cognitiva e o abuso de

substâncias psicoativas foram desenvolvidos ao longo de muitos anos. Após várias

observações e discussões com pacientes dependentes químicos formulou-se um Modelo

Cognitivo do Desenvolvimento do Abuso de Substância que teve como embasamento o

trabalho de Leise e Franz. Esse Modelo se apresenta de seguinte maneira.

O estímulo eliciador são sugestões ou gatilhos que ativam no sujeito crenças e/ou

pensamentos automáticos relacionados as drogas, levando ao desejo de usar (fissura) a

substância psicoativa. Neste momento se ativou dois tipos de crenças relacionadas a drogas,

são elas: Antecipatória e de alívio. A crença antecipatória tem a ver com previsões de

gratificações, de aumento de eficácia e de exaltação da sociabilidade seguido do uso da

substância. Conforme esse sujeito vai se tornando dependente, começa a desenvolver a crença

de alívio que envolve o uso para afastar ou diminuir estados emocionais ou físicos

desagradáveis.

Ativada a crença, iniciam-se os pensamentos automáticos facilitadores que justifica o

motivo de porque se deve usar a droga. O craving ou fissura começa a se manifestar como

sensações físicas. A crença facilitadora está relacionada às cognições distorcidas que o sujeito

faz com relação a droga, nesse instante ele começa a planejar as maneiras as estratégias e

instrumentos para conseguir a droga. Logo vem o uso continuado ou recaída. Com esse

modelo se consegue perceber o ciclo do vício, e começa a se pensar nas maneiras em como

quebrar/interromper o ciclo.

A Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) irá trabalhar na modificação das

situações e interpretação do indivíduo em relação as situações e estímulos, ajudando-o a

questionar os pensamentos automáticos e crenças disfuncionais com relação ao seu uso de

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drogas, treinar o paciente a ser seu próprio terapeuta. Habilitá-lo a desenvolver novos estilos

de vida sem drogas. (KNAPP, 2004 p.282).

Nas pesquisas feitas com relação as técnicas mais utilizadas da terapia cognitiva

comportamental para tratamento de pessoas dependentes químicos pode se encontrar:

identificação de pensamentos automáticos (PA), avaliação e questionamento de Pensamentos

Automáticos (PA), registro diário de pensamentos automáticos disfuncionais (RPD),

identificação de crenças, avaliação e modificação de crenças, seta descendente, solução de

problemas, exame das vantagens e desvantagens, distração, agendamento e monitoração,

exposição gradual e dificuldade crescente, experimentos comportamentais, cartões de

enfrentamento, relaxamento, exercício físico, dramatização, treinamento de assertividade e

prevenção de recaída. (KNAPP, 2004; BARDIN, FIGLIE E LARANJEIRA, 2004; SILVA E

SERRA,2004; RANGÉ E MARLATT,2008).

Pode se perceber que a Terapia Cognitiva Comportamental no tratamento da

dependência química irá ajudar o sujeito em todos os âmbitos biopsicossocial.

3.5 Motivação para mudança

A palavra motivação tem o significado de “mover se”, trata se de uma tentativa de

compreender o que nos movimenta ou porque fazemos o que fazemos, ou seja, é o que faz a

pessoa se mover em direção ao seu objetivo (BORDIN, FIGLIE; LARANJEIRA (2004).

Prochasca e Diclemente (1983, apud CASTRO; PASSOS, 2005), descrevem o modelo

transteórico de motivação em estágios de mudança comportamental onde o indivíduo transita

de maneira linear para a mudança. Os autores apresentam ainda os estágios: Pré-

contemplação, contemplação, preparação, ação e manutenção. A recaída não é um estágio,

mas é vista como algo natural no processo de mudança.

No estágio de Pré-contemplação, o paciente não apresenta disposição e nem considera

a mudança, já que não acredita que seu comportamento seja problemático. Neste estágio

geralmente o paciente procura os serviços de acolhimento devido, se sentirem pressionado por

sua família, parceiro, pelo empregador ou por seu médico. Já na contemplação o paciente

reconhece que tem alguns problemas com relação ao seu uso de drogas, nesse momento o

profissional ajudará o paciente avaliar os custo e benefícios para sua mudança. No estágio de

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Preparação a pessoa apresenta comportamentos de que está pronta para mudar e

compromissada com suas mudanças, momento onde se deve fazer planos de curto e a longo

prazo. Na ação o paciente começa a colocar em prática seus projetos para alcançar uma

mudança. No estágio da manutenção o paciente que teve sucesso na sua tentativa de mudar

continuará pensando e fazendo coisas para manter esse seu comportamento. Nesse momento

pode ser que o paciente tenha uma recaída, mas isso não impede que o mesmo continue as

suas mudanças em relação ao vício. (BORDIN, FIGLIE E LARANJEIRA, 2004, p. 215-

222).

A motivação para mudança é um dos principais fatores que ajudam o paciente a se

manter firme no propósito de mudança.

3.6 Resultados e discussão

As sessões foram estruturadas de modo que todos os protocolos para um bom

atendimento dentro da TCC fossem contemplados, assim como sugere Beck (1997). A

estrutura pode ser visualizada na Tabela 1, a seguir.

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Estratégias Procedimentos e Técnicas

Diagnóstico e avaliação psicopatológica Após a realização de duas sessões,

utilizando os instrumentos de avaliação de

sintomas de Beck chegou-se ao

diagnóstico de ansiedade e depressão.

Também foi utilizado a escala URICA

para verificar o estágio de motivação para

mudança de comportamento com relação

as substâncias psicoativas.

Psicoeducação Foi realizado uma sessão para os

esclarecimentos dos efeitos causados por

uso de substâncias psicoativas na

adolescência.

Entrevista Motivacional Quatro sessões para se trabalhar a

motivação para o não uso de drogas.

Técnicas comportamentais/ativação

comportamental

Uma sessão para ensinar a paciente como

controlar a ansiedade e raiva.

Reestruturação cognitiva Durante sete sessões se trabalhou

identificação das crenças, pensamentos

automáticos negativos por meio de

registro de pensamentos e exame das

evidências, técnica de seta-descendente e

do RPD, diálogo socrático. Exame de

evidências de crenças, resolução de

problemas. Pensamentos disfuncionais em

relação a drogas.

Prevenção de recaídas Durante seis sessões se realizou o trabalho

de prevenção como identificação dos

fatores de risco de recaída/fatores de

enfrentamento. Cartões de enfrentamento.

Role-play. Revisão e reavaliação das

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técnicas que pareceram ser mais eficazes.

Tabela 1. Estrutura das sessões

3.7 Diagnóstico e avaliação psicopatológica

Nesta etapa, se utilizou da escala URICA, a qual tem por objetivo avaliar o estágio de

motivação para mudança do indivíduo, sendo que a paciente já havia, demonstrado em sua

fala oscilações para mudanças com relação ao comportamento de parar de usar substâncias

psicoativas. A mesma apresentou escore mais altos no estágio de pré-contemplação.

Conforme afirmam Andretta e Oliveira (2008), nesse estágio o sujeito irá demonstra não ter

consciência suficiente de que apresenta problemas com relação as drogas, embora outras

pessoas do seu convívio possam estar cientes disso.

Através da utilização dos instrumentos de avaliação dos sintomas de ansiedade (BAI),

depressão (BDI), desesperança (BHS) e ideação suicida (BSI) de Beck, pode se verificar que

a paciente apresentava ansiedade e depressão graves, para desesperança, moderado e para

ideação suicida o escore foi zero (0), demonstrando a necessidade de um trabalho direcionado

para ansiedade e depressão. Também nas entrevistas iniciais a paciente trouxe numerosos

pensamentos e crença disfuncionais, como as que seguem: “Tudo que eu pegar vou destruir”,

“eu não terei sucesso na vida” e “tudo que acontecer de errado eu sempre serei a culpada

mesmo não tendo feito nada”, “eu sou incapaz de conseguir ficar sem usar drogas quando sair

da comunidade terapêutica”, “realmente eu sou um fracasso”.

As intervenções realizadas com a paciente no início foram para ajudá-la a entender o

quanto o uso de drogas lhe causava prejuízo à saúde, pois a paciente não acreditava estar

fazendo mal a si mesma.

3.8 Psicoeducação

Segundo Farina cols (2013, p.177), educar o paciente sobre seu transtorno: é

importante para que o terapeuta forneça informações ao paciente de seu transtorno, de modo

que o paciente possa começar a atribuir alguns de seus problemas ao transtorno, através dessa

psicoeducação. ”

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Para aplicação dessa técnica, pode utilizar muitas maneiras de psicoeducar o paciente

que poderá ser através de uma explicação verbal sobre seu problema, e também com ajuda de

revistas, livros, sites, panfletos entre tantos outros. A psicoeducação aumentará a motivação

para a mudança de comportamento, pois estimula o paciente a participar ativamente na sua

recuperação, (KANPP, 2004. COLOM; VIETA, 2004).

Nesse momento se realizou a Psicoeducação através de vídeos e panfletos que

mostravam o prejuízo físico, psicológico e social que o uso de substâncias psicoativas pode

causar na vida de um ser humano. A Psicoeducação foi importante, pois Samanta acreditava

que o uso de drogas só oferecia prejuízos para as pessoas mais velhas ou para quem usava

bastante, além de achar que por não ter problemas mais aparentes, ela estaria imune a ter

sequelas.

Pôde se verificar que Samanta ainda encontrava resistência em mudar o

comportamento, alegando (sic) “meus pais biológicos são usuários e mesmo assim se

encontram vivos”, mas durante a sessão as vezes apresentava realmente vontade de parar de

usar drogas, porém acreditava ser muito difícil, pois não conseguiria dizer não se alguém lhe

oferecer, demonstrando assim dificuldade de habilidade social.

3.9 Entrevista motivacional / modelo transteórico

Como a paciente se encontrava no estágio de Pré-contemplação, fora trabalhado as

possíveis dificuldades e problemas que era causado pelo uso de substâncias psicoativas

através da “balança decisória” (ver Tabela 2). Conhecida como balança das vantagens e

desvantagens de se usar drogas. A partir dessa análise a paciente começou a conscientizar-se

das desvantagens de usar drogas. No entanto em outras sessões, em alguns momentos tentava

buscar estratégias para continuar seu uso esporadicamente. Encontrava-se em conflito interno

(quero/ não quero) uma ambivalência, o que era bom, pois seria melhor do que a negação do

problema. (BORDIN, FIGLIE E LARANJEIRA, 2004).

Vantagens de se usar drogas Desvantagens de se usar drogas

Fico mais calma A memória começa a esquecer algumas

coisas

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Não me importo com que as pessoas

falam de mim quando uso droga

Brigas recorrentes com minha família

Vou a festa Começo a mentir e a roubar

Esqueço os meus problemas É humilhada e desprezada pela família e

sociedade

Fico feliz, corajosa, eleva minha

autoestima

As pessoas não confiam mais em mim,

perdi o respeito

Me ajuda a ser popular Ver minha mãe adotiva triste

Deixei de estudar

Não conclui o curso de balconista de

farmácia que é oferecido gratuito para

quem tem notas boas na escola

Não posso conseguir serviço, pois ninguém

dá emprego a um “drogado”

Posso ser morta a qualquer momento

Estou acabando com minha saúde

Tabela 2. Balança Decisória.

Para ajudar Samanta a pensar em mais motivos para continuar sem o uso de drogas e a

pensar em maneiras de enfrentamento de situações de risco, se utilizou do jogo terapêutico

desenvolvido por Williams e cols (2007), o “jogo da escolha”. Durante o jogo a paciente

apresentava comportamentos adequados diante das situações proposta pelo jogo.

Depois de quatro sessões trabalhando a motivação para o tratamento, iniciou-se o uso

das técnicas da Terapia Cognitiva Comportamental (TCC).

3.10 Técnicas comportamentais/ativação comportamental

A respeito dessas técnicas, foi trabalhado com a paciente Samanta o manejo da

ansiedade e raiva. Para o manejo da ansiedade se utilizou das técnicas de respiração

diafragmática e relaxamento muscular progressivo. No manejo da raiva se explicou para a

paciente que é normal essa emoção, que esse sentimento vem acompanhado das sensações

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físicas e emocionais que antecedem a expressão da raiva. Não é a situação em si que gera o

sentimento de raiva mais sim as interpretações distorcidas. (KLEINHANS, 2010. CABALLO,

1996).

3.11 Reestruturação cognitiva

Depois de algumas sessões pode se identificar a crença central e os pensamentos

disfuncionais que a paciente apresentava sobre si, o outro e sobre o mundo. Então se iniciou a

reestruturação cognitiva, com o uso das técnicas; registro de pensamentos disfuncionais

(RPD), seta-descendente, questionamento socrático, exame de evidências de crença, resolução

de problemas. (BECK,1997).

Ao se explicar para Samanta como é que funciona os pensamentos automáticos e

como os pensamentos ativavam sua crença central de ser “sem valor”, e como ela de maneira

inconsciente se comportava e se relacionava com pessoas que confirmavam que ela não tinha

valor. A crença central de não tem valor começou a ser construída quando Samanta era

criança pela sua mãe biológica ao verbalizar que a filha não deveria ter nascido, que era uma

menina que não sabia fazer nada certo, que nunca seria alguém na vida. A mãe também

culpava Samanta de tudo o que estava dando de errado em sua vida.

Diante da crença central de desvalor iniciou-se o questionamento Socrático:

T: Samanta quais foram os atos que você fez que não deram certo, pois você acredita

não saber fazer nada certo, que nunca será alguém na vida?

P: Bom, acho que ter me envolvido com drogas.

T: E você acredita que se quisesse mudar teu comportamento de usar drogas

conseguiria?

P: acho que sim, mas é bem difícil mudar.

T: Você já parou para pensar no pior que poderia acontecer com você se continuar

fazendo o uso de drogas em sua vida?

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P: Bom, acho que vou cada vez mais me destruir e confirmar para mim mesma que

nunca serei alguém na vida.

T: E se você parasse de usar droga o que de melhor poderia acontecer na sua vida?

P: Eu poderia voltar a estudar, ser uma pessoa normal, respeitada por minha mãe

adotiva, pois ela sempre quer o meu melhor, sempre faz o possível e o impossível por mim.

Para facilitar a visualização da crença central e dos pensamentos automáticos

disfuncionais (PADs) fora construído na sessão uma tabela para explicitar a Samanta quais

eram os pensamentos que ela tinha sobre si, e como ela passou a pensar quando começou a

questionar seus PADs.

Antes da identificação da crença Depois que começamos a trabalhar sua

crença

Não aguento desaforo das pessoas, não

tenho paciência.

Estou aprendendo a controlar minha raiva

quando as pessoas me desaforam

Eu nunca serei alguém na vida Eu posso provar para mim e para as outras

pessoas que sou capaz

Não consigo dizer não as drogas quando

oferecem

Eu sou capaz de ficar no CERNA e

terminar meu tratamento e aprender a

dizer não.

Sou incapaz de obedecer minha mãe Estou aprendendo a ser uma pessoa

melhor, e ouvir os conselhos da minha

mãe

Tabela 3. Antes e depois da identificação da crença central

Para a paciente ter uma melhor compreensão de sua história e de seu comportamento

de usar drogas e perceber como a mesma se deixa ser levada por sua crença central de

desvalor. Se construiu um diagrama de conceitualização cognitiva, demonstrada na Tabela 4.

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CONSTRUÇÃO DA CONCEITUALIZAÇÃO COGNITIVA

Nome da Paciente: Samanta Data: 23/06/2016

Diagnóstico: CID-10 F19 dependente de substâncias psicoativas

Dados relevantes da infância:

Os pais biológico de Samanta são dependentes químicos, sua mãe ao constatar

a gravidez tentou o aborto por várias vezes. Samanta nasceu aparentemente sem

nenhuma lesão física e cerebral. Aos três meses de idades, Samanta passou a morar

com uma desconhecida. Segundo narra a adolescente sua mãe passava até um mês

sem visitá-la. Ao completar um ano de idade, passou a guarda compartilhada da

menor para esta pessoa, tornando-se as duas responsáveis pela educação da mesma.

Crenças Centrais:

Sobre si: Eu não deveria nem ter nascido. Sou um fracasso. Sou feia e ansiosa. Sobre

os outros: As pessoas não são de confiança e podem me abandonar. Sobre as Drogas:

acredito que a vida não tem sentido sem usar drogas, pois a melhor maneira de

conseguir um bom entrosamento social e ficar relaxada e também é o melhor remédio

para minha ansiedade e timidez. Quando eu uso drogas consigo esquecer meus

problemas.

Suposições Condicionais/crenças/regras:

Se eu sou um fracasso na vida, então o melhor que eu faço é ser igual minha mãe

biológica. Se não sei me relacionar de maneira adequada com as pessoas, então o

melhor que eu faço é usar drogas para me sentir mais alegre. Se meus pais biológicos

fazem uso de drogas e não morreram ainda, então não tem problema eu usar também.

Estratégia (s) Compensatória (s)

Usar drogas.

Situação 1 Situação 2 Situação 3

Tentativas de aborto e

abandono da mãe

biológica

Se relacionar com outras

pessoas/fazer novas

amizades.

Relacionamento com a

mãe adotiva

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Pensamentos automáticos

Minha mãe não me não me

ama. Não tenho valor na

vida dela. Preciso usar

drogas para esquecer os

problemas

Pensamentos automáticos

Eu não sei conversar

direito.

Pensamentos automáticos

Sei que ela me ama, mas

não consigo confiar nela,

pois ela também pode me

abandonar.

Significado do P.A

Sem droga eu não sou

nada.

Sem droga a vida não tem

sentido

Significado do P.A

Com a droga pelo menos

eu me sinto corajosa.

Pelo menos com os amigos

que usam drogas não

preciso me preocupar com

meu jeito de falar

Significado do P.A

Antes que ela me abandone

também é melhor eu sair de

casa e morar na rua, pelo

menos na rua ninguém me

perturba com relação ao

meu vício.

Emoção

Angústia, ansiedade

Emoção

Raiva, tristeza,

preocupação

Emoção

Medo, raiva, ansiedade

Comportamento

Usar drogas

Comportamento

Usar drogas

Comportamento

Continuar a usar drogas.

Tabela 4. Construção da Conceitualização Cognitiva

Nas últimas sessões a paciente já conseguia se questionar quando percebia que sua

crença de desvalor estava sendo ativada e controlar os pensamentos automáticos. Pode ser

percebido que Samanta começava a ter consciência de que depois que sair da comunidade

terapêutica ela será responsável por suas decisões e para cada decisão existirá consequências

cabendo a mesma escolher o que será melhor.

3.12 Prevenção de recaídas

A prevenção de Recaídas representa uma permanência e modificação importante de

procedimentos de autocontrole, segundo CABALLO (1996). A seguir apresentaremos as

técnicas utilizadas para a prevenção de recaída na dependência química. A utilização da

técnica para identificação dos fatores de riscos e fatores de enfrentamento, ajudou a paciente a

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pensar em como evitar algumas situações geradoras de riscos. “Os cartões de enfrentamento”

contribuirão para que a paciente mantenha o comportamento de não uso de drogas sentindo-se

encorajada quando se perceber em uma situação ameaçadora. (BORDIN, FIGLIE;

LARANJEIRA, 2004).

T: Samanta, quais são os fatores de risco que te levariam a ter uma recaída?

P: Amizades, festa nos finais de semanas com minha família, ouvir músicas que me

faz lembrar do passado.

T: Quais são as Estratégias para você enfrentar essas situações de risco?

P: Em relação aos amigos: evitar o reencontro de amigos que são usuárias de drogas e

os boqueiros. Festa no final de semana com a família: conversar com minha família para

evitarem fumar e beber em minha frente, posso também sair de perto quando alguém estiver

bebendo e fumando. Tenho que controlar meus pensamentos e comportamentos me

lembrando das consequências que terei se voltar a usar drogas. Ouvir músicas que não me

faça lembrar do meu passado, evitar ir em festas que tocam músicas que elicia a vontade de

usar drogas, posso me lembrar das técnicas aprendidas com o terapeuta.

Durante algumas sessões fora feito encenações (role-play) com a paciente, onde a

mesma se encontrava em uma situação em que alguém lhe oferecia droga. Ela deveria pensar

em estratégias para sair dessa situação. No entanto observou-se que a paciente encontrava

muita dificuldade mesmo em se tratando de uma encenação. Diante dessa constatação iniciou-

se um treino de habilidade social, apresentando a ela as diferenças entre agressivo, passivo e

assertivo, e o direito de se dizer “não” quando os seus direitos forem violados (KNAPP,

2004).

Na prevenção de recaída a paciente começou a pensar em possíveis atividades que a

mesma poderia fazer para encontrar prazeres sem a droga, tais como ir ao cinema, sorveteria,

exercícios físicos, ir à igreja, conversa com amigos que não seja usuários e ouvir músicas.

Também se fez uso da técnica de se imaginar como estaria depois de quatro meses e um ano.

T: Como você se imagina depois quatro meses?

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P: Recuperada dos vícios, transformada espiritualmente e fisicamente, mudar meus

comportamentos, aprender a perdoar a confiar nas pessoas e controlar minha raiva.

T: Como você se imagina depois de um ano sem drogas?

P: Estudando no CEEJA, trabalhando, fazendo cursinho de estética e quando terminar

o ensino médio fazer uma faculdade de biologia.

T: Como se sente, quando pensa na possibilidade de ter um futuro sem o uso de

drogas?

P: Estou me sentindo mais confiante, me ajudou a pensar em como posso ser alguém

de valor, se posso sonhar então posso realizar.

Nas revisões e reavaliação das técnicas aprendidas por Samanta pode-se observar que

a paciente possui um novo repertório que poderá ser utilizado diante das situações de risco e

fissura, porém nas últimas sessões a paciente ainda continuava apresentando uma

ambivalência quanto ao uso de drogas.

Neste caso, o ambiente familiar para onde a adolescente terá que voltar quando

concluir o tratamento, se configura como um fator de risco, devido a facilidade de se obter

drogas. Em estudo feito por Marlbergier et al. (2012), o consumo de drogas ilícitas entre

adolescentes que têm dificuldades no relacionamento familiar aumenta 3 vezes mais e de 3 a

5 vezes mais a chance quando tem algum membro da família que faz uso de maconha ou

cocaína.

A recaída faz parte do processo de recuperação, pois o sujeito passa a entender que

terá que fazer mudanças no seu comportamento, cognições e afetividade. Bardin, Figlie e

Laranjeira (2004) descreve o modelo de Prochaska e DiClemente mesmo o sujeito tendo uma

recaída não significa que voltará no estágio inicial, pois esse processo de mudança acontece

de forma espiral.

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3.13 Considerações

Foram necessárias 22 sessões para esse processo, por mais que se trabalhou a

motivação para mudança e seus pensamentos disfuncionais para o uso de substâncias

psicoativas, a paciente continuou apresentando oscilação em relação ao seu comportamento

de uso de drogas. Acredita-se que esse comportamento está relacionado ao fato da mesma ter

sido internada na comunidade por interferência judicial e não por vontade própria. No

entanto, foi possível constatar melhoras no comportamento de Samanta durante o período em

que se encontrava na Comunidade Terapêutica (CT), tais como: melhor controle da raiva,

ansiedade e dos pensamentos disfuncionais.

A prevenção de recaída dentro da TCC ajuda o paciente ter consciência do problema

e se tornar responsável por suas escolhas, o que torna eficaz essa abordagem. Porém, o fato

dela estar inserida numa Comunidade Terapêutica (CT) distante das situações de risco

impediu que a mesma pudesse testar sua aprendizagem e estratégias de enfrentamento. O que

não invalida as intervenções terapêuticas realizadas pelo psicólogo.

Como foi trazido no referencial teórico estudos que mostram que filhos de pais

usuários ou dependentes químicos tem uma grande chance de se tornar dependentes, o caso de

Samanta não fora diferente, a mesma apresentava diversas dificuldades de relacionamento

com a família biológica. O que contribuiu para que a paciente não se apresenta um

comportamento adequado com relação à para de usar drogas.

Ressalta-se ainda, como fator de risco e influência no resultado a falta de um trabalho

terapêutico realizado com a família (mãe adotiva, irmãos e padrasto) a fim de 214repara-los

para dar suporte a Samanta no seu restabelecimento. Somando se a isso o que a torna mais

vulnerável é o fato de ser uma adolescente sem renda própria e com tantos prejuízos sociais e

baixa escolaridade.

4 CONCLUSÃO

Conclui-se que a abordagem da TCC aplicada a pacientes que fazem usos de

substâncias psicoativas apresenta resultados positivos no que se refere a tomada de

consciência das crenças e motivação subjacente a esse comportamento por parte do paciente,

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promovendo o autoconhecimento para que o mesmo desenvolva estratégias pessoais e

singular de enfrentamento do problema.

A Terapia Cognitiva Comportamental aplicada na dependência química para sujeitos

que se encontram em tratamento em comunidades terapêuticas em abstinência e no estágio

motivacional de manutenção e ação será de grande ajuda, pois ajudará o paciente concretizar a

mudança e a pensar nas maneiras de se continuar com o comportamento de não uso de drogas.

Esta foi uma experiência muito rica e importante por trazer a possibilidade de

atuação do profissional psicólogo em uma Comunidade Terapêutica com a abordagem

Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) para a recuperação de dependência química.

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