relações comportamentais na economia solidária

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5/27/2018 relaescomportamentaisnaeconomiasolidria-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/relacoes-comportamentais-na-economia-solidaria Identificação e Descrição de Relações Comportamentais na Economia Solidária Identification and description of behavior relations in solidary economy       A     r      t       i     g     o 246  Ana Lucia Cortegoso Universidade Federal de São Carlos  Este trabalho contou com o apoio  do s me mb ro s da eq ui pe  IN CO OP /U FS Ca r e co m a  colaboração específica de Kélen  Aniuska Lopes Vieira e Luiz  Aug ust o Pi era nge ll i, com o  auxiliares de pesquis a. PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2007, 27 (2), 246-265

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  • Identificao e Descrio deRelaes Comportamentais na

    Economia Solidria

    Identification and description of behavior relations insolidary economy

    Art

    igo

    246

    Ana Lucia Cortegoso

    UniversidadeFederal de So Carlos

    Este trabalho contou com o apoiodos membros da equipeINCOOP/UFSCar e com acolaborao especfica de KlenAniuska Lopes Vieira e LuizAugusto Pierangelli, comoauxiliares de pesquisa.

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  • Resumo: Que comportamentos, nas relaes organismo-ambiente,fazem parte da economia solidria como organizao para o trabalho erepercusso na sociedade? A partir de observao e registro deinformaes em situaes de trabalho em uma incubadora universitriade empreendimentos solidrios, consulta a documentos de atividadesrealizadas e literatura e entrevistas sobre aspectos da atuao dediferentes tipos de atores nesse campo de atividade humana, foi possvelidentificar e descrever comportamentos organizacionais e individuais.Tais comportamentos so considerados relevantes para prticas culturaiscooperativas, distribuio eqitativa dos benefcios do trabalho e relaomenos predatria do homem com seu ambiente, inclusive social, emtermos de relaes ambiente-organismo. O produto deste estudo, comosistematizao de atividades de uma agncia universitria destinada aincubar empreendimentos solidrios, representa contribuio para acompreenso do papel de diferentes atores sociais no complexofenmeno social que a economia solidria, a partir do conceito decomportamento como proposto pela anlise do comportamento.Palavras-chave: comportamentos em economia solidria,comportamentos organizacionais, prticas culturais no trabalho, economiasolidria.

    Abstract: Which behaviors, in the ambient-organisms relations, areconcerned with solidary economy as a form of organization for workthat reflects on society? Data accessed by interviews, from documentsand permanent register of information in situations of collective workabout aspects of performance from actors in that human activity fieldallowed identifying and describing organizational and individual behaviors.These were considered relevant to cooperative cultural practices,equitable distribution of the benefits of work and a less predatory relationof the human being with his environment, including the social one. Theproduct of this study, as a systematization of activities in an agency thatincubates solidary groups, represents a contribution for betterunderstanding about the role of different social actors in the complexsocial phenomena that is solidary economy, based on the use of conceptsas behavior according to the behavior analysis view.Key words: behaviors in solidary economy, organizational behavior,cultural practices in work, solidary economy.

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  • muitos. A sistematizao e o exame detrabalhos de psiclogos e pesquisadores emPsicologia, particularmente como membros deequipes multiprofissionais e de grupos depesquisa multidisciplinares, no campo daeconomia solidria, constituem umapossibilidade, dentre as vrias que buscamgarantir a concluso do processo de produode conhecimento, ou seja, a produo demudanas de comportamentos compatveiscom esse conhecimento.

    Economia solidria, prticasculturais e metacontingncias

    De acordo com documento da SecretariaNacional de Economia Solidria (SENAES,2004), esse movimento corresponde a umconjunto de atividades econmicas deproduo, distribuio, consumo, poupana ecrdito, organizadas sob a forma de autogesto,isto , pela propriedade coletiva dos meios deproduo de bens ou prestao de servios,pela participao democrtica nas decises dosmembros da organizao ou empreendimentoe pela distribuio eqitativa dos resultadosdo trabalho. Empreendimentos solidrios so,assim, organizaes de trabalho cujascaractersticas bsicas so a propriedadecoletiva ou associada ao capital e o direito liberdade individual (Singer, 2002), nos quaisos trabalhadores so, simultaneamente, donosde seu prprio negcio, sendo as cooperativasas formas mais conhecidas desse tipo deempreendimento (Singer, 2000). Sob aorientao de um conjunto de princpios(adeso livre e voluntria, participaoeconmica eqitativa dos scios, controledemocrtico, pelos scios, na definio daspolticas do empreendimento e nos processosde tomada de deciso, educao, treinamentoe formao para os scios, intercooperao epreocupao com a comunidade), essesempreendimentos tm surgido, no Brasil, apartir da dcada de 1990, como formaalternativa de gerao de trabalho e renda parasegmentos excludos da populao. So,

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    Acesso ao conhecimento da Psicologia comocondio para mudar as relaes do homemcom seu meio

    Um dos grandes desafios atuais da cincia,para que esta possa cumprir seu papel social, transformar conhecimento emcomportamentos humanos significativos, paraque pessoas e instituies lidem com seuambiente de forma a promover umasociedade mais justa e equilibrada, como partedo prprio processo de produzirconhecimento (Botom, 1996).

    Overstreet (1978), h quase trinta anos,afirmava que o conhecimento caractersticodo sculo era o psicolgico, e o avano daPsicologia, como rea do conhecimento, foicertamente imenso nesse perodo que,segundo o autor, trouxe uma nova atitude emrelao natureza e experincia humana.Sob qualquer ponto de vista (quantidade equalidade de publicaes, diversidade detemas e problemas estudados, nmero deinstituies formadoras de profissionais denvel superior, bacharis, licenciados epsiclogos, programas de ps-graduao,frentes de atuao profissional e de demandaspor atuao), possvel apontar progressosimportantes na contribuio oferecida pelaPsicologia para a compreenso dos fenmenospsicolgicos e para o exerccio profissionalnesse campo. O desafio, porm, continuaexistindo, e no de pequena proporo,considerando os problemas que ainda devemser enfrentados em produo deconhecimento e tecnologia em Psicologia,mas, principalmente, pelo baixo grau deacesso da humanidade ao conhecimento jdisponvel sobre as questes que constituemo objeto dessa rea de conhecimento.

    A quantidade e a diversidade deconhecimento j existente, ainda que emgraus diferentes de desenvolvimento econsolidao, no mbito da Psicologia, muitogrande, e torn-lo acessvel uma tarefa para

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    Um dos grandesdesafios atuais dacincia, para queesta possa cumprirseu papel social,

    transformarconhecimento em

    comportamentoshumanos

    significativos, paraque pessoas e

    instituies lidemcom seu

    ambiente, deforma a promover

    uma sociedademais justa e

    equilibrada comoparte do prprio

    processo deproduzir

    conhecimento

    Botom

  • tambm, e talvez fundamentalmente,organizaes dentro das quais so esperadasrelaes humanas muito diversas daquelaspromovidas por uma organizao socialessencialmente competitiva: relaes deigualdade, colaborao e preocupao com obem-estar do ser humano como valoressencial.

    Ainda que seja a cooperativa a forma maisconhecida de empreendimento solidrio, nemtodas as cooperativas fazem parte ou soconsideradas de economia solidria. Atrajetria do cooperativismo no Brasil levouao surgimento de dois tipos de iniciativaseconmicas, alm daquelas indicadas comoatores principais na economia solidria: oprimeiro deles, relativo a empreendimentosque, inseridos no que pode ser chamado degrande cooperativismo, na prtica, pouco sediferenciam das empresas tradicionais emtermos da hierarquizao das relaes notrabalho; o segundo, a cooperativasfraudulentas, nas quais os trabalhadores apenasaparentemente so donos dos meios deproduo e do poder de deciso, e sosubmetidos a uma condio de precariedadetrabalhista, j que, como donos legais dessesempreendimentos, no tm acesso garantidoaos direitos trabalhistas. Por essas razes, daeconomia solidria, fazem parte cooperativasdenominadas populares, como indicao nos da populao que as compe mas tambmdos compromissos que assumem seusmembros com princpios consagrados pelomovimento, podendo a autogesto serconsiderada o principal deles.

    De acordo com os dados apresentados no Atlasda Economia Solidria no Brasil - 2005 (BRASIL,2006), a partir de trabalho de mapeamentoda economia solidria que alcanou 2274Municpios brasileiros (41% do total), 14 954empreendimentos econmicos solidriosforam visitados, e sobre eles foram obtidasinformaes diversas. Alm dessesempreendimentos econmicos solidrios

    (organizaes de finanas solidrias, empresasautogestionrias, cooperativismo popular,redes de empreendimentos, associaes,clubes de troca), fazem parte da economiasolidria, no Brasil, diferentes atores, como:instncias governamentais (em nvel federal,estadual e municipal), entidades de apoio efomento (universidades, ongs, organizaes denatureza religiosa, movimento sindical), ligase unies, instncias de organizao poltica domovimento, como os fruns de economiasolidria (municipais, estaduais e brasileiro),redes (de gestores pblicos, por exemplo), eoutros.

    A implementao da economia solidria, comas caractersticas indicadas, pode ser entendidacomo resultado, a longo prazo, da atuao dediferentes atores sociais, pessoas e instituiesde diferentes tipos. O conceito demetacontingncia (Glenn, 1991, entre outros),como unidade de anlise que descreverelaes funcionais entre prticas culturaisresultantes de contingncias comportamentaisentrelaadas e de seus produtos agregados,permite descrever apropriadamente ofenmeno da economia solidria. Este resultados esforos de um nmero considervel deiniciativas nesse campo, com a perspectiva demudana cultural na direo de relaeseconmicas mais igualitrias e humanas demelhor qualidade, do ponto de vista do bem-estar dos indivduos, do que as predominantes,em que o ser humano , em geral, um meiopara o acmulo de capital.

    A preocupao com a produo de um outrotipo de cultura para o homem, de maiorigualdade social e confiana entre os sereshumanos, no nova na anlise docomportamento, e est presente na obra deF. S. Skinner, fundador dessa abordagem, desdemuito cedo, conforme demonstram trabalhoscomo o de Andery (1990). Para Skinner, oconhecimento produzido no mbito da anlisedo comportamento constitua ferramentaessencial para a construo dessa nova

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    A preocupaocom a produode um outro tipode cultura para ohomem, de maiorigualdade social econfiana entre osseres humanos,no nova naanlise docomportamento,e est presente naobra de F. S.Skinner, fundadordessaabordagem,desde muitocedo, conformedemonstramtrabalhos como ode Andery (1990)

  • sociedade, que o autor chegou a ilustrar emuma novela, Walden Two (Skinner, 1977),quando esse conhecimento era ainda muitomenor do que o que hoje se encontradisponvel. H bastante tempo, o pesquisadorlanou os elementos que permitiriam, maisrecentemente, o desenvolvimento mais plenode condies para o estudo de fenmenossociais complexos e para uma efetivainterferncia em relao a esses fenmenos.A perspectiva de compreenso da economiasolidria como resultado de um conjunto deprticas culturais entrelaadas, cujas relaespodem ser descritas por meio demetacontingncias, requer e facilita melhorexaminar o papel de cada um dos atoresrelevantes para a produo desse resultado.Mais do que uma opo ideolgica relacionada cooperao entre esses atores, a economiasolidria um fenmeno que s poderresultar da ao de muitos atores, pessoas,grupos e organizaes, articuladas na mesmadireo, ainda que as prticas de cada um delesapresentem especificidades e sejam mantidaspor conseqncias imediatas especficas.Identificar e descrever as prticas especficasdos principais atores que contribuem para oresultado final desse fenmeno constitui umacontribuio relevante para a implementaoda economia solidria como alternativa sociale econmica.

    Noo de comportamentocomo ferramenta paradescrever e examinar prticasno mbito da economiasolidria

    A definio de comportamento operanteapresentada por Botom (1981), comoresultado da sistematizao do conhecimentoproduzido no contexto da anlise docomportamento sobre o comportamentohumano, pode constituir referncia para oexame de fenmenos aqui destacados comopartes significativas das relaes das quais,espera-se, resulte a economia solidria, com

    a qual se comprometem diferentes atoressociais. De acordo com esse autor, ocomportamento humano, de naturezaoperante, que representa a unidade mnimade interesse para estudo e interveno, arelao entre um determinado tipo de ao,ou classe de respostas, e os aspectos relevantesdo ambiente. Em outras palavras, os aspectosambientais so funcionalmente relacionadoscom essa classe de respostas, antecedendo-a(classes de estmulos antecedentes), e osaspectos, tambm funcionalmenterelacionados a ela, que resultam (ou devemresultar) desse tipo de ao (classes deestmulos subseqentes ou conseqentes,sendo as expresses subseqentes econseqentes utilizadas como equivalentes,neste trabalho).

    Essa noo de comportamento, emboraaparentemente simples, constitui umacontribuio de valor inestimvel para acompreenso do agir humano e umaferramenta poderosa para lidar com situaesem que esse agir esteja presente ou pareadesejvel. Compreender o comportamentohumano como uma relao implica reconhec-lo como fenmeno essencialmente dinmico,de mltiplas direes, com o homeminterferindo no ambiente tanto quanto esseambiente interfere no agir humano, umconceito que inclui, como parte mesmo doagir humano, decorrncias das aes dohomem em relao a esse ambiente, ou seja,a dimenso tica da relao. Tal mudanaexige, inclusive, alteraes na linguagemutilizada para fazer referncia aos fenmenosque envolvam comportamentos humanos, cujapresena , muitas vezes, obscurecida pelouso de substantivos.

    A contribuio dada pelo conceito decomportamento, ao afirmar a importncia decompreender o agir humano no considerandoapenas o que o organismo faz, mas o contextoem que esse fazer se insere, e a especificaraspectos desse contexto que so fundamentais

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  • como parte dessa relao, traz um referencialpara o exame da atuao de outros atoressociais, ainda que no sejam eles pessoas. Deacordo com Glenn e Mallot (2004),organizaes consistem da interao dinmicaentre o comportamento de seres humanos eseus produtos, e a expressocomportamento organizacional refere-se,tambm, ao comportamento das organizaescomo entidades funcionais. Nessas condies,descries comportamentais, entendidas comoespecificaes de relaes entre aspectos doambiente e da atuao dos organismos, daquiloque ou pode ser esperado de organizaesque desempenham importante papel emrelao implementao da economiasolidria, podem trazer contribuiesrelevantes para a compreenso e para oexerccio desses papis. Verificar a fecundidadedo uso desse referencial ao estabelecerobjetivos para alguns dos atuais atores daeconomia solidria constitui o objetivo desteestudo.

    No conjunto de atuaes que contribuem paraa constituio do resultado de interesse social,ao menos no contexto brasileiro atual,denominado economia solidria, cabe instituio Universidade, como agncia defomento desse campo, desenvolver, de acordocom Cortegoso e Shimbo (2005),especificamente, a produo deconhecimento e tecnologia para odesenvolvimento da economia solidria, tantoem relao ao estudo de cadeias produtivasquanto no que se refere ao cooperativismo e autogesto administrativa dosempreendimentos, assim como garantia deacesso, por parte dos empreendimentos, a taisconhecimentos e tecnologias. Uma dasformas por meio das quais universidadesbrasileiras tm buscado cumprir esse papel pela criao das denominadas incubadorasuniversitrias de cooperativas (ou, maisamplamente, empreendimentos solidrios), apartir de meados da dcada de 1990. Comaes destinadas incubao de cooperativas

    populares, tendo como pblico-alvo osdesempregados historicamente excludos ouaqueles expulsos do mercado formal detrabalho em virtude dos processos tecnolgicos,da privatizao de empresas estatais ou deterceirizao dos servios, com a presena depopulaes mais empobrecidas e pessoas comdeficincias, essas agncias surgiram e seorganizaram buscando favorecer a criao denovas oportunidades de trabalho e renda, pormeio de empreendimentos coletivos,solidrios e autogestionrios. Atualmente,apenas em uma das redes universitriasexistentes (Rede de Incubadoras Tecnolgicasde Cooperativas Populares ITCPs), o nmerode incubadoras desse tipo se aproxima detrinta.

    De acordo com Cortegoso et al. (2005a),um dos desafios enfrentados por essesncleos de ensino, pesquisa e extenso quese dedicam economia solidria desenvolvermtodos de incubao capazes de viabilizarno apenas a existncia de coletivosorganizados para o trabalho mas tambm seufuncionamento como clulas efetivamenteautogestionrias e comprometidas com osprincpios orientadores da economia solidriae a insero dessas clulas em complexasredes de relaes que envolvem outrosempreendimentos solidrios, outros atoressociais da economia solidria, e mesmo nomercado capitalista, pouco amistoso a essaforma de organizao do trabalho e gesto.Neste trabalho, so apresentadas, comoresultado de um processo de sistematizaode conhecimento produzido sobre a atuaode diferentes atores da economia solidria, apartir de atividades de ensino e intervenoprofissional desenvolvidas em uma incubadorauniversitria de empreendimentos solidrios,formulaes de classes de comportamentosque vm se evidenciando como relevantes paraa construo da economia solidria, tal comodefinida anteriormente neste texto. Talsistematizao representa tanto referencial para

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    um dos desafiosenfrentados poresses ncleos deensino, pesquisa eextenso que sededicam economiasolidria desenvolvermtodos deincubaocapazes deviabilizar noapenas aexistncia decoletivosorganizados parao trabalho mastambm seufuncionamentocomo clulasefetivamenteautogestionrias ecomprometidascom os princpiosorientadores daeconomiasolidria e ainsero dessasclulas emcomplexas redesde relaes queenvolvem outrosempreendimentossolidrios, outrosatores sociais daeconomiasolidria, e mesmono mercadocapitalista, poucoamistoso a essaforma deorganizao dotrabalho egesto.

    Cortegoso

  • produo de conhecimento novo, a partir deinvestigaes sobre propriedades das classesde comportamentos e sua relao com osresultados finais pretendidos, quanto condiopara interveno no processo dedesenvolvimento dessa prtica cultural, emrelao qual parece existir interesse socialdos diferentes envolvidos.

    Aspectos metodolgicos paraidentificao e descrio decomportamentos emeconomia solidria

    Fontes de informaes, procedimentos einstrumentos utilizados para coleta e anlisede dados.

    Em relao ao que esperado de umaincubadora universitria de cooperativaspopulares (classes de comportamentos daincubadora), constituram fontes deinformao: documentos norteadores daeconomia solidria, elaborados no perodo dacoleta de dados pela Secretaria Nacional deEconomia Solidria e pelo Frum Brasileiro deEconomia Solidria; documentos descritivos deatividades previstas e desenvolvidas nosprocessos de incubao de grupos atendidospela equipe da incubadora, produzidos nodecorrer desse processo por seus responsveis(relatrios de projetos de incubao, relatriosde estgio de alunos de graduao querealizaram intervenes junto a gruposincubados, atas de reunies da equipe emsituaes, rotineiras ou especficas, paramonitoramento e avaliao de projetos deincubao implementados, anotaes emcadernos de campo sobre atividadesrealizadas, problemas encontrados, resultadosalcanados nesses processos e possibilidadesde atuao alternativa ou complementar);observao direta de situaes de trabalho daequipe da incubadora, como reunies internas(da incubadora, de equipes responsveis porprojetos de incubao especfica) e de

    interao de membros da equipe com osgrupos assessorados, com registro decomportamentos apresentados por essesmembros e suas decorrncias, efetivas oupotenciais, em termos de referenciais daeconomia solidria (autogesto, autonomia,etc), para o processo de incubao. Taisinformaes foram obtidas diretamente pelapesquisadora, tambm participante da equipeda incubadora, e por auxiliares de pesquisa,por um perodo de trs anos. Todas asinformaes obtidas foram sistematizadas emtermos de relaes entre o que era esperadoque a incubadora garantisse ao implementar oprocesso de incubao de empreendimentossolidrios, as condies diante das quais eraesperado o tipo de ao previsto e osresultados, produtos e efeitos dessa ao,como parte do processo de incubao deempreendimentos solidrios. O produto dessasistematizao prossegue como objeto deestudo e discusso da equipe, que realiza,coletivamente, a adequao s descriespropostas, em funo de avanos conceituaise novos dados advindos do processo deinterveno inerente incubao. Tal processose d de forma articulada com a produo deconhecimento e ensino, com a participaode estudantes de graduao, tcnicos de nvelsuperior e alunos de ps-graduao na equipe.Em relao a comportamentos de membrosde empreendimentos solidrios, foramrealizadas, por auxiliares de pesquisa treinadospara essa finalidade, entrevistas com membrosdas equipes de trabalho de uma incubadorauniversitria de cooperativas populares comexperincia no processo de incubao, a partirde uma pergunta geral (o que importanteque as pessoas que fazem parte deempreendimentos solidrios sejam capazes defazer?), e da solicitao de justificativas paraas respostas apresentadas pelos entrevistados.A partir dos relatos verbais gravados em fitacassete e por meio de audio sucessiva dasgravaes, foram identificados e registrados,por esses auxiliares, relatos que se referiam aclasses de comportamentos de indivduos, em

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  • termos de classes de respostas, classes deestmulos antecedentes e classes de estmulossubseqentes; essas informaes foramregistradas com a ajuda de um formulrio quecontinha trs colunas, uma para cada um doscomponentes da relao comportamental. Foramidentificadas, ainda, expresses indicativas dosobjetivos a serem alcanados apenascoletivamente e a partir de comportamentoshumanos diversificados e articulados,denominados classes de comportamentos deempreendimentos solidrios como organismos.Verses preliminares dessas descries foramsucessivamente revistas e adequadas, porauxiliares de pesquisa e pela pesquisadora, demodo a corrigir e completar tais descries emfuno de dados coletados a partir da observaodireta de situaes de trabalho, internas ou juntoa grupos atendidos, alm de registros emcadernos de campo, feitas pela equipe daincubadora. As informaes utilizadas paradescrio da classe geral de comportamentosde consumidores, no mbito da economiasolidria, foram obtidas a partir do exame dosobjetivos propostos por um grupo organizado deconsumidores, produtores e consumidores e doprocesso de definio de objetivos (exame dedocumentos do grupo, tais como pgina web eatas de reunies em que os objetivos foramdefinidos) e da observao direta desse processode definio. Procedeu-se ao registro de relatosverbais dos participantes, no que se refere acondies diante das quais era esperado queocorresse o padro de consumo indicado comodesejvel, a partir de acordo coletivo do grupo edos resultados, produtos e efeitos que precisariamser garantidos ao lidar com as situaes deconsumo.

    Resultados e discusso

    Mtodo de incubao ou incubarempreendimentos solidrios?

    A expresso mtodo de incubao,freqentemente utilizada para indicar o quecabe a (ou define) agncias que do apoio

    direto para a formao e a implementao deempreendimentos solidrios, dificultaevidenciar que o fenmeno de interesse,considerando aquilo que pretendido comoproduto social, refere-se ao que essas agncias,por meio da atuao de cada um de seusmembros, articuladamente, devem fazer. Issoenvolve um processo comportamentalcomplexo, descrito inicialmente por uma classeampla e complexa de comportamentosorganizacionais que, de forma articulada, oupelo menos somada a todas as outras quecompem a especificidade social de cada umdos diferentes atores da economia solidria,pode influir na existncia dessa forma deorganizao para o trabalho e nas suascaractersticas, denominada sinteticamenteincubar empreendimentos solidrios.

    Essa no , contudo, uma classe decomportamentos j suficientementeconhecida, ou com caractersticas idnticas emtodos os contextos, mesmo considerandoapenas os j conhecidos, em que a incubaode empreendimentos solidrios se d, aindaque se tratem de atores sociais com muitoem comum, como so as incubadorasuniversitrias no Brasil. Considerando o estgiode conhecimento e de experincia acumuladanesse campo, na verdade, muito tem sido feitopor tentativa e erro, a partir de referenciaisgerais e, freqentemente, genricos, contandocom recursos (humanos, materiais,conceituais, etc) diferenciados.

    A construo de representaes da prticaexistente, bem como daquilo que j possvelprojetar como desejvel em termos de aesindividuais e organizacionais, para alcanaralguns produtos sobre os quais existe um certoconsenso, como, por exemplo, caractersticasessenciais de empreendimentos de economiasolidria tal como sintetizada pela SecretariaNacional de Economia Solidria (SENAES, 2004)e pelo Frum Brasileiro de Economia Solidria(FBES, 2005), em termos de classes decomportamentos, no significa criar modelos

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    estticos ou universais de atuao a serem seguidos, nem mesmo no mbito da agncia especficaem que essa construo se d. Tal representao constitui, ao contrrio, ponto de partida parareflexo e permanente aprimoramento conceitual e instrumental dessa atuao compreendendoque conceitos so ferramentas a serem adequadas realidade para a qual so desenvolvidas e quedevem mudar conforme muda essa realidade, em direes usualmente mais complexas.

    Neste estudo, como resultado de sistematizao de prticas que vm sendo desenvolvidas emuma incubadora universitria a partir do trabalho com diferentes situaes (populaes, atividadesprodutivas, regies, tipos de demandas, parcerias, referenciais tericos, etc), com importantevariabilidade comportamental por parte de seus membros ao responder s condies concretasem que atuam, e de reflexo sobre essas prticas luz de propostas conceituais e polticas nocampo da economia solidria, foram identificadas classes de comportamentos consideradas relevantesno processo de apoio constituio e implementao de empreendimentos solidrios. Partiu-sedo que foi considerado papel dessa agncia no atendimento a esses empreendimentos, expressocomo objetivo a ser alcanado, ou seja, por meio de uma classe de comportamentos. No quadro1, pode ser vista a definio dessa classe, tal como aprovada pela equipe da incubadora na pocada coleta de dados.

    Quadro 1. Definio de classe de comportamentos que constituem objetivo de uma incubadorauniversitria de cooperativas populares.

    Diante de demandas compatveis com critrios em vigor na agncia para incubao deempreendimentos solidrios, e de disponibilidade de recursos considerados necessrios paraisso, esperado da incubadora que ela possa assessorar grupos para a formao deempreendimentos econmicos, por meio da oferta de subsdios e do acompanhamento doprocesso de tomada de deciso e implementao de atividades, com participao dosresponsveis pela incubao em todas as etapas do trabalho, incluindo avaliao de resultados,por meio de relaes dialgicas. A assessoria tem, como objetivo, a promoo da existncia ea consolidao de empreendimentos solidrios de natureza popular, organizados para o trabalhocoletivo e dotados de funcionamento autnomo, com capacidade para identificar suas prpriasnecessidades e providenciar para que estas sejam atendidas. Tais empreendimentos se achaminseridos no mercado e no contexto mais amplo da economia solidria e possuem caractersticasgradualmente mais compatveis com os princpios de economia solidria.

    A descrio da classe de comportamentos apresentada no quadro 1 evidencia no apenas aquilo

    que esperado que a incubadora, atuante que no processo de incubao de empreendimentos

    solidrios, faa, do ponto de vista das respostas desse organismo, mas a relao desse agir (classe

    de respostas) com as condies (classes de estmulos antecedentes) diante das quais esse fazer

    ocorre ou deve ocorrer, ou que sinalizam que esse fazer seja desejvel, necessrio ou oportuno

    (demandas compatveis com os critrios em vigor na agncia para atendimento a grupos) e as que

    so necessrias para isso (recursos disponveis). Ambas podem se alterar no tempo e de uma

    agncia para outra o que provavelmente ocorrer, sendo o conceito de comportamento utilizado

    para representar esse fazer dinmico como a prpria realidade que pretende representar. Da

    descrio, fazem parte, ainda, indicaes sobre os resultados, produtos e efeitos (classes de

    estmulos subseqentes) que devem decorrer das respostas apresentadas pela incubadora.

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  • No quadro 2, extrado de Cortegoso et al. (2005b), podem ser vistas as classes de comportamentosmais especficas que foram identificadas, a partir dos dados obtidos, como desejveis nesse processode assessoramento a grupos em formao. Nesse quadro, as classes aparecem indicadas, deforma sinttica, sem a explicitao de todas as propriedades relevantes dos estmulos antecedentes,das respostas e dos estmulos subseqentes, e representam um mapeamento inicial de condutasda agncia que devem ser consideradas ao lidar com o atendimento a qualquer grupo em relaoao qual surjam demandas que possam vir a ser atendidas pela agncia, em funo de sua missoe objetivos.

    Quadro 2. Classes de comportamentos organizacionais indicados como relevantes no processode incubao de empreendimentos solidrios no contexto em que os dados foram coletados(extrado de Cortegoso et al., 2005b).

    processar demanda apresentada por diferentes atores sociais para a incubao deempreendimentos solidrios; identificar populao em potencial para a formao de empreendimento solidrio; caracterizar, de forma o mais completa possvel, diferentes envolvidos no processo deincubao; apresentar economia solidria como possibilidade de organizao para gerao de trabalhoe renda, para populao ou grupo em potencial, a fim de formar empreendimentos solidrios; apoiar a organizao inicial do grupo para a tomada de deciso sobre formao (ou no) deempreendimento solidrio; elaborar proposta de trabalho com participantes do grupo a ser incubado; promover a formao dos membros do grupo para a economia solidria, de forma contnuae permanente, de todas as maneiras possveis; promover escolha de atividade econmica pelo grupo; promover condies para capacitao tcnica em relao ao servio ou produo ofertadopelo empreendimento, de forma permanente; promover formao contnua e permanente dos membros para a autogesto administrativa,em todas as oportunidades e de todas as maneiras possveis; promover a elaborao de normas de funcionamento do empreendimento (estatuto eregimento interno) de maneira participativa; assessorar grupo para a legalizao do empreendimento; assessorar grupo para a implantao do empreendimento; assessorar grupo para a implantao de sistema de monitoramento por meio de indicadores; assessorar grupo para a implementao do empreendimento, de forma episdica e espordica; assessorar grupo para a participao em redes de cooperao e em iniciativas do movimentode economia solidria.

    A construo de representaes correspondentes ao que ou entendido que deva ser aatuao de qualquer organismo, seja ele um indivduo ou uma organizao, implica identificar aspropriedades (variveis ou dimenses de variveis) das classes de estmulo antecedentesefetivamente relevantes para o organismo que se comporta e das classes de estmulos subseqentesou conseqentes a serem necessariamente produzidas por essas respostas, como condio paraque a relao comportamental seja aquela de interesse, e das classes de respostas a serem

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  • apresentadas pelo organismo, para que esses resultados, produtos ou efeitos sejam efetivamentegerados. Na elaborao dessa representao do processo de incubao de empreendimentossolidrios, correspondente ao que a equipe da incubadora envolvida neste trabalho considerou,em um determinado momento de sua existncia, apropriado aos seus objetivos, cada uma dasclasses de comportamentos apresentadas no quadro 2 foi descrita em seus componentes.

    Quadro 3. Descrio da classe de comportamentos destinados a apoiar a organizao inicial dogrupo para tomada de decises a respeito de formao de empreendimento solidrio e suascaractersticas gerais.

    Apoiar a organizao inicial do grupo para tomada de decises arespeito de formao de empreendimento solidrio e suascaractersticas gerais

    Em que situaes ocorre ou deveria ocorrer?Grau insuficiente de organizao autnoma do grupo e de capacidade para tomar decises coletivase democrticas sobre a constituio ou no do empreendimento; grupo informado quanto atemas do cooperativismo, objetivos da INCOOP, bem como sua forma de trabalho e condies,e alternativas para gerao de trabalho e renda existentes; interesse do grupo em contar comapoio para tomada de decises sobre a constituio ou no de empreendimento solidrio.

    O que a incubadora leva ou deveria levar em considerao?Nvel de organizao do grupo, caractersticas socioculturais do grupo, caractersticas individuaisdos membros, conhecimento disponvel sobre moderao de grupos autogestionrios, condiesconcretas para reunio do grupo.

    Como a incubadora atua ou deveria atuar para apoiar a organizao inicial do grupo paratomada de deciso sobre formao de empreendimento solidrio?A incubadora pode, atuando como facilitadora do processo de tomada de decises sobre aconstituio de um empreendimento solidrio e de suas caractersticas gerais, garantir espaofsico adequado para que o grupo se rena, convidar ou garantir o convite de todos os que,tendo sido identificados como populao potencial, se manifestem como interessados na possvelorganizao de empreendimento solidrio; propor procedimentos para discusso das questesenvolvidas com as decises, oferecer informaes necessrias para a tomada de decises oufavorecer a sua disponibilidade para o grupo, apresentar modelos de conduta para anlise eprocessamento de problemas e conflitos no processo de discusso e para argumentao, moderarreunies e debates, oferecer conseqncias para condutas dos indivduos que devem tomar asdecises de interesse, favorecer a participao de todos e a tomada de decises, por meio deprocessos democrticos e de compreenso da viabilidade. No entanto, essa atuao deve se dar,como em todos os momentos de atuao junto ao grupo, de modo a promover a autonomia dogrupo, como, por exemplo, incluindo pessoas do grupo na proposio e implementao dasprovidncias, e explicitando, em todas as oportunidades e de todas as formas possveis, as razespara fazer cada uma das atividades propostas e a funo de cada providncia ou procedimentosugerido.

    O que esperado, como resultado dessa ao da incubadora?Que sejam tomadas decises sobre formao ou no de empreendimento solidrio e formapreferencial de organizao, de forma democrtica, com participao de todos, e de modo maisharmonioso e compatvel com as informaes disponveis sobre as questes em relao s quaisas decises so tomadas, e com autonomia crescente do grupo na conduo desses processos dedeciso.

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  • No quadro 3, pode ser vista a descrio deuma dessas classes de comportamentos. Nessequadro, as duas perguntas, destacadas emnegrito, so condies diante das quais foramexplicitadas (ou conferidas, em situaescoletivas de conferncia de verses elaboradaspela pesquisadora) as classes de estmulosantecedentes (sinalizadoras da necessidade,oportunidade ou convenincia deapresentao das classes de respostas sobexame primeira pergunta e das condiescom as quais a incubadora dever entrar emcontato ou levar em considerao paraapresentar a classe de respostas considerada segunda pergunta). As respostas evidenciamas especificidades desses estmulos, que soconsideradas relevantes para a relaocomportamental. Da mesma forma, a terceirapergunta se refere a caractersticas relevantesda prpria classe de respostas sob exame,definidas em funo tanto de resultadosanteriores da atuao da incubadora nesse tipode situao quanto de conhecimentodisponvel indicativo desse tipo decaracterstica da classe de respostas ou, como usualmente denominado, o como fazer.Considerando ser a atividade de incubao deempreendimentos solidrios uma atividadehumana recente, para lidar com uma realidadehistrica e social particular e, provavelmente,to transitria quanto a necessidade que agerou, identificar e descrever esse processo,em termos de classes de comportamentos,corresponde a reconhecer que os resultadospretendidos em relao aos empreendimentosautogestionrios s podem ser construdos pelofazer humano, individual e coletivo. Faz-lojustifica-se, entre outras coisas, pelo potencialque esse tipo de anlise comportamentaloferece para a percepo de quem secomporta ou deve se comportar - paraproduzir os resultados pretendidos, sobre adeterminao probabilstica dos fenmenos,os comportamentos entre eles e a relevnciade variveis componentes de estmulosambientais e do agir humano, mesmo quesutis, para as caractersticas finais que esses

    fenmenos apresentam ou deixam deapresentar.

    Em dois estudos diferentes, Cortegoso eBotom (2001 e 2002) examinarampropriedades de comportamentos de agenteseducativos (supervisores de estudo erecreacionista), em termos das propriedadesde diferentes comportamentos (por exemplo,latncia, freqncia, durao da resposta deolhar para a criana ou dar instrues) bemcomo das condies em que se apresentavamesses comportamentos, para os resultados quegeravam ou poderiam gerar em termos deaprendizagens dos educandos. Com base eminformaes sobre esse tipo de propriedadedas classes de comportamentos identificadas,foi possvel tanto compreender quanto lidar,do ponto de vista administrativo e pedaggico,com situaes de ensino, de forma a aumentara probabilidade de ocorrncia deaprendizagem eficaz por parte de usurios daagncia educacional em que os estudos foramrealizados.

    A descrio de comportamentos, em termosde relaes comportamentais, torna claros osobjetivos a serem atingidos, tanto para aavaliao da atuao da agncia em relao aesses objetivos quanto para orientar a aofutura dos indivduos cujos comportamentoscompem a agncia, no por meio daprescrio de respostas automticas oupadronizadas, mas pela construo de relaespotencialmente relevantes e pela utilizaotanto do conhecimento quanto da criatividadeexistentes.

    A construo coletiva desse tipo dereferencial, como no caso da incubadora a quese referem as classes de comportamentosindicadas no quadro 2, apresenta ainda avantagem de gerar acordos mnimos para aatuao harmnica de grupos de pessoas que,com histrias de vida diferentes, podemapresentar, e freqentemente apresentam,maneiras diferentes de compreender fatos e

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  • acontecimentos, como o caso de equipesconstitudas de professores, tcnicos eestudantes de graduao e ps-graduao comdiferentes formaes e origens. O nvel deespecificidade envolvido com a descrio derelaes comportamentais como a ilustradafavorece, nesse sentido, um debate efetivo,que muito freqentemente, conformeargumenta Botom (1994), escamoteadopelo uso de termos e expresses gerais, queoferecem uma falsa impresso deconcordncia, somente identificada a partir dosresultados j instalados de aes no apenasdiferentes, mas divergentes e desencontradas. um debate que, de modo coerente com oque prope a economia solidria, devepermitir a participao igualitria de todos osenvolvidos e a comunicao de boa qualidadecomo condio para a melhoria das relaesentre as pessoas, e destas com seu meio.

    O que esperar de outrosatores de economia solidriapara alcanar os objetivosdessa forma de organizaopara o trabalho?

    Tanto quanto o exame da prtica de agnciasque assumem o papel de incubarempreendimentos solidrios, e particularmentepara aquelas que consideram comocentralidade de sua ao o processo educativo(no mnimo para a autogesto, para a atividadeprodutiva e para a economia solidria, tal comoindicado em Cortegoso et al., 2005a), soessenciais a identificao e a descrio doscomportamentos de outros indivduos eorganizaes que contribuem para a existncia(ou no) de caractersticas (desejveis ou no)da economia solidria, os prpriosempreendimentos econmicos (nascidos ouconsolidados a partir de assessoramentoexterno ou no) e os indivduos que fazemparte desses empreendimentos, bem comoaqueles que so responsveis pela atuao deagncias como as incubadoras.

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    Acerca daquilo que ou pode ser esperadode empreendimentos econmicos solidrios,atores principais da economia solidria, foramidentificadas, por meio deste estudo, classesgerais e especficas de comportamentos, tantode empreendimentos solidrios (comoentidades funcionais) quanto de membrosdesses empreendimentos, potencialmenterelevantes para os resultados pretendidos nombito da economia solidria. No quadro 4,podem ser vistas as classes gerais decomportamentos propostas, nessa versopreliminar, bem como algumas das classesespecficas de comportamentos identificadaspara empreendimentos solidrios, expressasde forma sinttica, ou seja, principalmente pormeio da indicao da classe de respostas, semespecificao das condies antecedentes,subseqentes e das propriedades das classesde respostas relevantes para as relaespretendidas.

    So evidenciadas, no quadro 4, as classes decomportamentos gerais que podem serconsideradas relevantes na trajetria dequalquer organizao, no apenas dosempreendimentos solidrios, servindo essasclasses como indicao da importncia dadedicao dos participantes doempreendimento a algumas atividadesfundamentais e complexas, para que ocorrauma adequada deciso sobre a conveninciae a possibilidade de que o empreendimentovenha a existir (propor), que sejam definidassuas finalidades e caractersticas essenciais(planejar), que este inicie suas atividades(implantar), seja gerido (implementar) e queseja inserido no contexto mais amplo daeconomia solidria, de forma consciente eproposital. A especificidade dessas classes decomportamentos, para o contexto daeconomia solidria, contudo, dada peladescrio das relaes propostas, tal comoilustrada no quadro 5, em relao a duas dasclasses apresentadas no quadro 4, uma maisgeral, e outra, mais especfica.

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  • Quadro 4. Classes de comportamentos, gerais e especficas, propostas como relevantes paraempreendimentos solidrios no mbito da economia solidria.

    Propor a constituio de um empreendimento solidrio que seja vivel, relevante ecompatvel com princpios da economia solidria: identificar necessidades e demandas porservios ou produtos, caracterizar ofertas de servios ou produtos disponveis em relao snecessidades e demandas identificadas, propor trabalho ou produto a ser feito ou oferecidopelo empreendimento solidrio, analisar a viabilidade do empreendimento solidrio, etc.

    Planejar empreendimento solidrio em termos de sua finalidade e caractersticas gerais:identificar os documentos necessrios para constituir empreendimentos solidrios, definir opapel do empreendimento solidrio na sociedade, definir os objetivos do empreendimento,obter informaes sobre os aspectos burocrticos para constituir um empreendimento solidrio,etc.

    Implantar empreendimento solidrio de modo a aumentar sua probabilidade de sucesso:inaugurar empreendimento solidrio, encaminhar documentos s instncias responsveis;

    Implementar empreendimento solidrio de forma compatvel com os princpos daeconomia solidria, no seu funcionamento rotineiro;

    Garantir a insero do empreendimento no contexto mais amplo da economia solidria.

    No quadro 5 podem ser vistas as descries correspondentes a uma classe geral de comportamentosde um empreendimento solidrio em formao, que est relacionada deciso pela proposio(ou no) de um empreendimento solidrio em funo da existncia e do tipo de necessidadesocial, indicativa de possibilidade de atuao ou desenvolvimento de uma determinada atividadeprodutiva. Alm dessas, so apresentadas as descries dos recursos disponveis (mesmo que noestejam imediatamente acessveis) e de uma das classes especficas que fazem parte da maisgeral, relativa verificao da existncia de outros empreendimentos solidrios que atuam emrelao mesma necessidade social, de modo a garantir o princpio cooperativista da intercooperao(Rech, 2000). Dessa forma, no devem existir empreendimentos solidrios concorrendo em ummesmo segmento de mercado, e um novo empreendimento, caso venha a existir, deve fortalecera economia solidria por meio de redes de cooperao, principalmente dentro da mesma cadeiaprodutiva.

    Da mesma forma que em relao aos empreendimentos solidrios, foi possvel identificarcomportamentos humanos que, com base na experincia acumulada a partir do acompanhamentode grupos para a formao de empreendimentos solidrios, bem como da literatura em economiasolidria e em Psicologia, parecem fundamentais como parte do repertrio de indivduos inseridosnesse tipo de empreendimento e na economia solidria. Constituem, tal como os outros tipos decomportamentos evidenciados neste texto (de incubadoras e de empreendimentos solidrios), edentre muitos outros que esto ou necessitam estar articulados para a gerao da economiasolidria, como resultado de longo prazo de comportamentos mantidos por conseqncias prprias(contingncias de reforo), parte da metacontingncia de interesse.

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    Quadro 5 - Descrio de classes de comportamentos indicadas como relevantes paraempreendimentos solidrios.

    Propor a constituio de um empreendimento solidrio

    Diante de... identificao de necessidades sociais sem atendimento satisfatrio; caractersticas do atendimento disponvel em relao s necessidades sociais identificadas; possibilidades identificadas de atendimento necessidades sociais; potencial humano disponvel para atender tais necessidades, por meio de empreendimentocoletivo de trabalho; recursos disponveis para atendimento s necessidades identificadas a que o grupo tem oupode conseguir acesso; exigncias legais para constituir empreendimentos solidrios; possibilidades de atendimento de exigncias legais.

    Resultados, produtos ou efeitos esperados...proposta de constituio de empreendimento solidrio, compatvel com exigncias legais,necessidades sociais identificadas, recursos humanos e materiais acessveis e com princpios daeconomia solidria, particularmente o de intercooperao.

    Verificar a existncia de outros empreendimentos solidrios queestejam atendendo s necessidades sociais identificadas comopossibilidades de atuao do empreendimento.

    Diante de... necessidades sociais identificadas como possveis frentes em relao s quais podem serofertados servios ou produtos; possibilidades identificadas de oferta de servios / produtos; fontes de informaes sobre empreendimentos que realizam ou podem realizar atividadesem relao necessidades sociais identificadas na rea de atuao do potencial novoempreendimento; recursos disponveis para consultar as fontes de informaes sobre outros empreendimentosque podem estar atuando em relao necessidade identificada.

    Resultados, produtos ou efeitos esperados...identificada existncia ou no de empreendimentos solidrios que ofeream os mesmos produtos/ servios que os identificados como possveis de serem oferecidos pelo empreendimento emformao.

    No quadro 6, podem ser vistas as classes gerais de comportamentos propostas para membros deempreendimentos solidrios e algumas das classes mais especficas que as compem, consideradasobjetivos relevantes por pessoas que assessoram empreendimentos solidrios para esse trabalhoeducacional.

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    Quadro 6 - Classes de comportamentos gerais e especficas de indivduos participantes deempreendimentos solidrios, propostas como relevantes em funo das caractersticas da economiasolidria.

    No mbito profissional...Planejar desenvolvimento do trabalho previsto: conciliar atividades de trabalho e particulares,cumprir compromissos assumidos com o empreendimento; avaliar trabalho em andamento:propor critrios para avaliar o trabalho que est sendo realizado, identificar aspectos positivose negativos em relao a trabalho que est sendo realizado; promover mudanas necessriasno trabalho: identificar mudanas a serem feitas; tomar decises individualmente; investirna prpria formao nos vrios nveis necessrios; engajar-se em atividades de aquisio denovos conhecimentos; capacitar-se para usar equipamentos e recursos necessrios para otrabalho.

    No mbito administrativo...Participar da administrao do empreendimento: manter-se atualizado sobre o funcionamentodo empreendimento, participar de eleies para cargos e funes no empreendimento, participarde situaes de tomada de deciso no empreendimento; lidar com as dificuldades que osistema capitalista mais amplo impe ao empreendimento.

    Quanto comunicao...Promover comunicao entre cooperante: produzir veculos de comunicao entre cooperantes(murais, jornais, etc.); estimular o cooperante a expressar para outros a sua idia/opinio;identificar maneiras adequadas de estimular o cooperante a expressar sua idia/opinio;comunicar-se com outros cooperados: comunicar-se com outro cooperante da forma maisdireta possvel, expressar-se adequadamente; identificar caractersticas do interlocutor, adequaros comportamentos s caractersticas do interlocutor;

    Quanto motivao para o trabalho...Promover motivao para o trabalho: motivar a si mesmo e aos outros para trabalhar noempreendimento, enfrentar situaes de frustrao, identificar causas de erros e fracassos,identificar alternativas;

    Quanto ao trabalho em equipe...Trabalhar de modo a considerar as necessidades da coletividade; contribuir para o trabalho emequipe; tomar decises em conjunto; criar oportunidades e condies para que todos os membrosdo grupo participem dos diversos processos; conviver com as diferenas (religiosas, raciais,socioculturais, etc. ) entre os participantes.

    Foram identificados, assim, comportamentos de indivduos, na esfera administrativa dosempreendimentos, relativos s atividades profissionais a serem desenvolvidas no mbito doempreendimento, bem como habilidades gerais e especficas de comunicao, de trabalho emequipe e de motivao para o trabalho. Esses comportamentos esto, no quadro 6, apenasindicados por meio de expresses que enfatizam a classe de respostas em questo, e, eventualmente,os aspectos das condies antecedentes ou subseqentes que se destaquem na relao, estandoduas dessas classes descritas, de forma mais completa, no quadro 7.

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  • Quadro 7 - Descries de classes de comportamentos de membros de empreendimentos solidrios,indicadas como desejveis em funo de caractersticas da economia solidria.

    Diante de... Oportunidades de atuao no mbito do empreendimento solidrio; Expectativas da coletividade; Expectativas individuais; Condies disponveis para revisar expectativas, como compreenso e compartilhamentodos ideais cooperativistas, satisfao com o grupo, etc; Objetivos a serem atendidos com a reviso.

    Rever expectativas individuais em funo das expectativas coletivas

    Com os seguintes resultados, efeitos ou produtos... clareza quanto possibilidade de satisfao das expectativas individuais dentro das possibilidadescriadas pelas expectativas da coletividade; reavaliao do grau de satisfao individual com o empreendimento como fonte de trabalhoe renda e como convivncia social.

    Diante de... Necessidade de comunicao entre membros do empreendimento; Caractersticas dos membros do empreendimento (escolaridade, temperamentos,disponibilidade, etc.); Objetivos a serem atingidos com a comunicao; Recursos (materiais, humanos e financeiros) disponveis.

    Promover comunicao entre membros do empreendimento

    Resultados, produtos ou efeitos esperados... comunicao feita com rapidez, eficincia e economia entre todos os membros doempreendimento; acesso de todos os membros do empreendimento s informaes de interesse; aumento da probabilidade de entendimento entre os membros do empreendimento.

    No caso das classes de comportamentos de empreendimentos solidrios e de indivduos quefazem parte desses empreendimentos, e de forma coerente com princpios de economia solidria,como autogesto e participao democrtica, esse processo de identificao e descrio de relaescomportamentais que representem, da melhor forma possvel, aquilo que constitui acordo coletivosobre o que relevante, como parte dos fazeres que constituem os elos articulados dametacontingncia, cujo resultado a economia solidria, dever envolver no apenas aquelesque respondem pelo processo de assessoria a empreendimentos solidrios, mas tambm, e talvezprincipalmente, os participantes desses empreendimentos. Esses so os protagonistas centraisdesse processo e os principais beneficiados, ao menos de imediato, pelo avano da economiasolidria como forma alternativa de organizao para o trabalho. Da mesma forma, tambm a

    Identificao e Descrio de Relaes Comportamentais na Economia Solidria

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  • participao desses indivduos na construo de referenciais para a atuao de agncias e agentes defomento a esses empreendimentos (como no caso de incubadoras universitrias) altamente desejvel,de modo que sejam ampliadas a compreenso e a influncia mtua de todos os atores sociais quepodem contribuir para que os resultados de longo prazo sejam alcanados com a maior brevidadepossvel.Tais resultados visam no s obteno de uma economia solidria forte, consolidada, comnovas prticas de organizao para o trabalho, mas tambm a outras prticas de relaes entre pessoas,e destas com seu ambiente, diferentes daquelas produzidas pelo modo capitalista de organizaosocial, que so implementadas. No entanto, a explicitao de concepes daqueles que estotrabalhando, a partir de uma incubadora universitria de cooperativas populares, para o fomento dessesempreendimentos, constitui, no mnimo, ponto de partida relevante para a socializao dessasconcepes, conferncia e ajuste de conceitos no mbito da coletividade que, conjuntamente, devergarantir os resultados finais esperados e a derivao de propostas prticas de ao.

    Nesse sentido, um outro tipo de ator social, em relao ao qual foram identificadas classes decomportamentos desejveis, o consumidor de produtos e servios que, por meio de suas escolhas,pode atuar como favorecedor ou desfavorecedor da existncia, das caractersticas e da viabilidade daeconomia solidria. No quadro 8, pode ser vista uma descrio do comportamento consumir, a partirde dados coletados em situaes de trabalho coletivo de um grupo que articula consumidores, produtorese distribuidores em favor de um consumo tico, responsvel e solidrio no processo de definio deseus objetivos.

    Quadro 8. Descrio do comportamento consumir, proposto a partir dos objetivos formulados por umgrupo organizado, para a promoo de consumo tico, responsvel e solidrio.

    Diante de... necessidades efetivas de consumo; diferentes tipos de produtos disponveis para consumo em relao ao potencial de geraode resduos; produtos gerados com diferentes graus de aproveitamento de resduos no processo deproduo e de respeito ao homem; caractersticas dos produtores ou prestadores de servios, quanto condio social, tipo deorganizao para o trabalho e benefcios para os indivduos envolvidos; recursos disponveis para a obteno dos produtos; conhecimento existente sobre as possibilidades de aproveitamento de resduos e de reduona produo de resduos.

    Prover necessidades prprias, familiares ou de grupos

    Resultados, produtos ou efeitos esperados... necessidades de consumo satisfeitas; benefcios para segmentos excludos, preferencialmente os organizados para gerao derenda; menor gasto possvel de recursos prprios e ambientais; ausncia de resduos ou mnimo de resduos gerados pelo consumo; resduos inevitveis produzidos com maior potencial de aproveitamento; uso mximo de produtos gerados a partir do aproveitamento de outros.

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  • A descrio da classe geral do comportamentode consumidores que aparece no quadro 8coloca em evidncia um conjunto de aspectosa que esses indivduos necessitam estar atentos,que vo desde a existncia de necessidadesefetivas at critrios para a escolha de bens eservios que se referem qualidade dosprocessos produtivos, em relao ao ambientes pessoas que deles participam, destinaode resduos oriundos do consumo desses bense servios por esse consumidor e aoconhecimento disponvel sobre todos essesaspectos. So indicados, ainda, os fatores doambiente que, decorrentes da ao de consumire como efeitos de longo prazo dessa ao,caracterizam esse consumo como tico,responsvel e solidrio, podendo ser esperadoque tais resultados, produtos e efeitos venhama influir na probabilidade de manuteno dessecomportamento no futuro, de modo, inclusive,a superar o valor das conseqncias imediatasdo consumir. Deve-se considerar,especialmente, com muita freqncia, que taisconseqncias imediatas apenas possam mantercomportamentos que so, a longo prazo, danosospara a prpria vida, o que muito evidentecomo resultado de padres de consumoestimulados pela sociedade de naturezacapitalista.

    A descrio de comportamentos humanos ouorganizacionais como relaes entre o que fazum organismo e o ambiente em que a aoocorre corresponde a uma estratgia, entreoutras possveis, para a operacionalizao deprincpios que constituem referencial para todosos indivduos e organizaes que secomprometem com a economia solidria. Essaestratgia apresenta, como benefciosimportantes, a possibilidade de construocoletiva, a objetividade que torna possvel avaliaros impactos efetivamente alcanados com aapresentao dessas classes decomportamentos para os resultados pretendidose, talvez fundamentalmente, avaliar a crescentevisibilidade sobre o papel do fazer humano,individual e coletivo, para a produo dasmudanas necessrias destinadas construode uma sociedade mais justa e equilibrada, ecompreender que essa sociedade que se deseja

    mudar, por no atender s necessidades, mesmobsicas, de grande parte da humanidade ,tambm ela, resultado de condutas humanasde muitas geraes, mantidas por nossa prpriaconduta ao decidir que conhecimento produzire a quem torn-lo acessvel.

    As descries de classes de comportamentosde alguns dos tipos de atores da economiasolidria aqui apresentadas tm representadoavano considervel na compreenso do papelde cada um desses atores, ao menos no mbitode uma equipe de trabalho que atua em umaincubadora universitria de empreendimentossolidrios. O processo de construo dessasdescries, baseado na obteno deinformaes, tornadas disponveis em diferentestipos de situaes que fazem parte da rotina dogrupo e outras eventualmente coletadas emsituaes especiais, na sua sistematizao e noexame, pelo grupo, dos produtos dessassistematizaes, tem permitido tornar pblicasconcepes e perspectivas diversas, por vezescontraditrias, em outras, complementares, emrelao ao trabalho coletivo. Tem possibilitado,ainda, um crescente reconhecimento de que aeconomia solidria e ser um produto daquiloque indivduos e organizaes forem capazesde produzir, por meio de sua interao com ocontexto mais prximo e mais abrangente. Aidentificao e a descrio de classes decomportamentos prprias dos diferentes atoresque participam de um fenmeno social como aeconomia solidria, tendo como referencial anoo de comportamento como relaodinmica do que um organismo faz com ocontexto e com os produtos que gera ou soesperados de suas aes, tm se mostrado umaferramenta relevante para a compreenso e oavano desse processo, particularmente pelanatureza dinmica dessa representao.Evidentemente, a compreenso e o avanodesse campo no dependem apenas desse tipode conhecimento, e sua complexidade erelevncia justificam esforos mltiplos, demuitas reas de conhecimento e pesquisadores,de muitos campos de atuao profissional e deprofissionais, e, de forma coerente com aeconomia solidria, de muitos pontos de vistaprticos e tericos.

    Identificao e Descrio de Relaes Comportamentais na Economia Solidria

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    A descrio decomportamentos

    humanos ouorganizacionaiscomo relaes

    entre o que faz umorganismo e o

    ambiente em quea ao ocorrecorresponde a

    uma estratgia,entre outras

    possveis, para aoperacionalizao

    de princpios queconstituem

    referencial paratodos os indivduos

    e organizaesque se

    comprometemcom a economia

    solidria.

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    Cooperativismo, Economa Solidaria y Procesos Asociativos,Montevido, Uruguai, 2005.

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    Cooperativismo, Economa Solidaria y Procesos Asociativos,Montevido, Uruguai, 2005a.

    CORTEGOSO, A. L.; SHIMBO, I.; ZANIN, M.; FONTES, D. A.; MASCIO,C. C.; CHERFEM, C. O. Variveis que Influem no Processo deIncubao de Empreendimentos Solidrios: um Exame de trsExperincias com Base no Mtodo de Incubao da INCOOP/UFSCar. Trabalho apresentado na 2

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    Ana Lucia Cortegoso Universidade Federal de So Carlos, Departamento de

    Psicologia/ Incubadora Regional de Cooperativas Populares Rua Antonio Fiorentino, 58 Jardim Ricetti So Carlos SP CEP 13570-020

    E-mail: [email protected].: (16) 3368-1529; celular: 9174-1593; UFSCar: 3351-8361

    Recebido 06/03/06 Reformulado 26/06/06 Aprovado 26/07/06

    Ana Lucia Cortegoso

    Referncias

    265PSICOLOGIA CINCIA EPROFISSO, 2007, 27 (2), 246-265