teoria do crime fdunl - parte ii

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1 Ilicitude A ilicitude analisa-se pela técnica negativa da exclusão. Para se saber se se está perante uma ação ilícita ou não há que verificar se ocorre ou não alguma causa da exclusão da ilicitude ou causas de justificação do facto. Se a ilicitude se analisa desta forma, uma das primeiras questões é saber quais são as causas de justificação. Para isso há que ter em conta o art.º 31 CP. Roxin e Figueiredo Dias defendem a teoria do ilícito pessoal: o ilícito num crime é um juízo de ilicitude e por isso o tipo deve ser um tipo de ilícito. Consequentemente, a tipicidade deve ser apenas um elemento positivo do juízo de ilicitude - em princípio aquele facto é ilícito. A Tipicidade é o fundamento positivo da ilicitude. Roxin + Figueiredo Dias = Tipicidade =) Elemento Positivo da Ilicitude Partindo desta doutrina, quando analisávamos se uma ação é típica ou não, no fundo estávamos a averiguar positivamente a ilicitude. O juízo mais importante que se pode fazer em Direito Penal é o juízo da ilicitude. A tipicidade é apenas o fundamento positivo da ilicitude. Quando averiguamos se uma ação é típica ou não, estamos verdadeiramente a fundamentar positivamente o juízo de ilicitude. Ao nível da tipicidade, o conceito de tipo utilizado é o de tipo indiciário. Quando analisamos o ilícito ou o denominado também por tipo de ilícito, aquilo que fazemos é verificar a existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou causa de justificação do facto. Só assim conseguimos afirmar com toda a certeza que um determinado facto é ilícito. Art. 31.º/2 CP As causas de exclusão da ilicitude não são taxativas, mas apenas enumerativas. Existem outras causas de exclusão da ilicitude que não estão referidas no n.º2 do art. 31.º CP. O que o artigo 31.º/1 indicia é que há que averiguar da existência de causas de justificação do facto típico tendo em consideração a globalidade da ordem jurídica. Por exemplo, devemos considerar a ação direta como uma cláusula de exclusão da ilicitude- mas nesta temos de recorrer a uma aplicação de normas de Direito Civil em termos de aplicação da norma penal. Existem causas de exclusão da ilicitude em relação a determinados tipos de crime que constam da Parte Especial CP. Exemplo: Crime de aborto do artigo 140.º. Causas de exclusão da ilicitude supra legais- são aquelas que não estão previstas pela ordem jurídica, mas que são de admitir face aos princípios enformadores das causas de justificação, princípios estes que foram determinados pelo legislador com legitimidade democrática. Legítima defesa- de uma maneira muito remota, nesta causa de justificação do facto típico, a única forma de proteger o nosso bem jurídico será intervir sobre o bem jurídico de aquele que ameaça o bem que o Direito Penal nos tutela.

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Page 1: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

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Ilicitude

A ilicitude analisa-se pela técnica negativa da exclusão. Para se saber se se está perante

uma ação ilícita ou não há que verificar se ocorre ou não alguma causa da exclusão da

ilicitude ou causas de justificação do facto. Se a ilicitude se analisa desta forma, uma das

primeiras questões é saber quais são as causas de justificação. Para isso há que ter em conta

o art.º 31 CP.

Roxin e Figueiredo Dias defendem a teoria do ilícito pessoal: o ilícito num crime é um

juízo de ilicitude e por isso o tipo deve ser um tipo de ilícito. Consequentemente, a

tipicidade deve ser apenas um elemento positivo do juízo de ilicitude - em princípio

aquele facto é ilícito. A Tipicidade é o fundamento positivo da ilicitude.

Roxin + Figueiredo Dias = Tipicidade =) Elemento Positivo da Ilicitude

Partindo desta doutrina, quando analisávamos se uma ação é típica ou não, no fundo

estávamos a averiguar positivamente a ilicitude. O juízo mais importante que se pode fazer

em Direito Penal é o juízo da ilicitude. A tipicidade é apenas o fundamento positivo da

ilicitude. Quando averiguamos se uma ação é típica ou não, estamos verdadeiramente a

fundamentar positivamente o juízo de ilicitude. Ao nível da tipicidade, o conceito de tipo

utilizado é o de tipo indiciário.

Quando analisamos o ilícito ou o denominado também por tipo de ilícito, aquilo que fazemos

é verificar a existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou causa de justificação do facto.

Só assim conseguimos afirmar com toda a certeza que um determinado facto é ilícito.

Art. 31.º/2 CP As causas de exclusão da ilicitude não são taxativas, mas apenas enumerativas.

Existem outras causas de exclusão da ilicitude que não estão referidas no n.º2 do art. 31.º

CP. O que o artigo 31.º/1 indicia é que há que averiguar da existência de causas de

justificação do facto típico tendo em consideração a globalidade da ordem jurídica.

Por exemplo, devemos considerar a ação direta como uma cláusula de exclusão da ilicitude-

mas nesta temos de recorrer a uma aplicação de normas de Direito Civil em termos de

aplicação da norma penal.

Existem causas de exclusão da ilicitude em relação a determinados tipos de crime que

constam da Parte Especial CP. Exemplo: Crime de aborto do artigo 140.º.

Causas de exclusão da ilicitude supra legais- são aquelas que não estão previstas pela

ordem jurídica, mas que são de admitir face aos princípios enformadores das causas

de justificação, princípios estes que foram determinados pelo legislador com legitimidade

democrática.

Legítima defesa- de uma maneira muito remota, nesta causa de justificação do facto típico, a

única forma de proteger o nosso bem jurídico será intervir sobre o bem jurídico de aquele

que ameaça o bem que o Direito Penal nos tutela.

Page 2: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

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Fundamento da causa de exclusão da ilicitude propugnado pela Legítima defesa

Figueiredo Dias: Princípio da ofensa do Direito em relação ao Ilícito

Maria Fernanda Palma: dignidade da pessoa humana

Legítima defesa preventiva:

Pressupostos Objetivos da Legítima defesa: agressão atual e ilícita.

A legítima defesa preventiva será aquela que se realiza quando se está perante uma agressão

ilícita mas não atual, mas eminente.

O exemplo académico comumente dado nas faculdades pelos Professores é o seguinte:

alguém está preso numa cadeira num prédio a olhar para uma determinada janela e vê uma

pessoa atravessar a rua. Sabe que essa pessoa vai entrar no prédio para o matar. Devido à sua

posição, a única alternativa que tem para se defender é o disparo no momento em que o

sujeito atravessa a rua. A partir do momento em que o sujeito conseguisse entrar no prédio,

a pessoa que estava presa na cadeira deixaria com certeza de se poder defender. Disparando

e matando a pessoa que atravessa a rua, atua com uma causa de exclusão da ilicitude, i.e., em

sede de legítima defesa preventiva. Ou seja, apesar de não se ter verificado uma agressão

atual, a única forma que a pessoa tinha de tutelar o seu próprio bem jurídico era

atuando naquele momento. Foi a esta a figura utilizada por Geoge W. Bush para realizar

os ataques no Iraque no ano de 2003. Portanto, a legítima defesa preventiva é uma causa

de justificação ou exclusão supra legal- não está prevista expressamente na nossa lei,

contudo é de admitir face aos princípios que enformam no nosso ordenamento

jurídico-penal.

Princípio da Legalidade e as Causas de Exclusão da Ilicitude

Não há nenhuma afetação do princípio da legalidade, por que este está a ser aplicado

são normas que excluem ou diminuem a responsabilidade jurídico-penal a que o

agente pode ser submetido. O princípio da legalidade tem que ver com a função de

proteção do cidadão contra o arbítrio do Estado. Ora, se esta é a função do princípio e

a finalidade do mesmo, faz todo o sentido dizer que este só se aplica às normas positivas que

fundamentam ou agravam a responsabilidade penal, porque em relação a estas normas pode

já ser feito um uso de certa forma mais arbitrário por parte do Poder Estatal. Em outro

molde, as normas negativas são normas que por si só protegem o cidadão e por isso

não há necessidade de aplicar o princípio da legalidade. É em face deste princípio

que algumas causas de exclusão da ilicitude supra legais são admitidas em Direito

Penal.

O nosso estudo vai recair principalmente sobre as causas de exclusão enumeradas pelo artigo

32.º/1 do CP.

Page 3: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

3

Questões prévias que constituem denominadores comuns em relação a

todas as causas de exclusão da ilicitude

1.ª Questão

Ausência dos Elementos Subjetivos das Causas de Exclusão da Ilicitude

Para determinado comportamento estar justificado e a sua ilicitude ser excluída é ou

não preciso para além do preenchimento dos elementos objetivos exigidos pela lei,

que se verifiquem também elementos subjetivos, i.e., é ou não necessário para se verificar

uma causa de exclusão, o conhecimento da situação justificadora por parte do

agente?

Durante muito tempo, com a Escola Neoclássica e de entre nós com a pessoa de

Cavaleiro Ferreira, defendeu-se que os tipos justificadores integravam apenas elementos

objetivos. Nesta aceção, para se verificar uma causa de justificação bastavam os

elementos objetivos.

Escola Neoclássica + Cavaleiro Ferreira = Causas de Justificação (Elementos Objetivos)

Atualmente, a maior parte da Doutrina entende que as causas de exclusão da ilicitude

integram também elementos subjetivos da ilicitude e exigem o conhecimento da

situação justificadora por parte do agente.

o Principal Razão: Só se consegue a plena justificação do comportamento se

houver o conhecimento da situação por parte do agente defensor, porque

somente esse conhecimento pode fundar a eliminação do desvalor da

ação.

Mas em que consiste precisamente a ilicitude?

Formal: contraditoriedade para com a norma jurídica;

Material: desvaliosidade atribuída a um comportamento porque lesivo do

bem jurídico.

Para haver uma representação por parte do sujeito, temos de conceber o juízo de ilicitude

como um juízo central.

Page 4: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

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Juízo de Ilicitude

O juízo da ilicitude é para grande parte da Doutrina um juízo de desvalor que recai sobre

a conduta adotada pelo agente.

Desvalor da ação: conhecimento ou possibilidade de conhecimento de que

se está a realizar um facto típico e ilícito;

Desvalor do resultado: lesão ou perigo de lesão de bens jurídicos protegidos

pelo tipo.

Juízo de Ilicitude vs. Juízo de Culpa- Distinção quanto ao objeto

Objeto do juízo de Ilicitude: desvalor que recai sobre a conduta

Objeto do juízo de Culpa: o juízo de censura na culpa recai sobre o agente porque

tinha a possibilidade de se motivar pelo Direito e ainda assim optou por não

o fazer

Como se analisa a ilicitude em Direito Penal?

Ocorre uma causa de exclusão da ilicitude- comportamento lícito;

Não ocorre uma causa de exclusão da ilicitude- comportamento ilícito.

Importância dos elementos objetivos e subjetivos das causas de exclusão da

ilicitude

Com a presença dos elementos objetivos das causas de exclusão da ilicitude conseguimos

eliminar ou pelo menos atenuar o desvalor do resultado. Mas só com a presença de

elementos subjetivos da causa de justificação, conseguiremos atenuar o desvalor do ação.

Portanto, se o juízo de ilicitude é composto pelo desvalor da ação e pelo desvalor de

resultado, temos de conseguir compensar ambos os desvalores.

Como é compensado o desvalor de resultado?

A dispara sobre B porque B estava pronto a disparar sobre A. Contudo, foi o A que

disparou sobre B e o resultado morte verificou-se em relação a este último. O

desvalor do resultado é a morte e a lesão do bem jurídico vida. Ora, este

desvalor é considerado como compensado pelo facto de haver uma agressão

atual e ilícita por parte de B, o que acaba por atenuar o desvalor da conduta de A.

Page 5: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

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Copensamos desta maneira o desvalor do resultado. Se A dispara sobre B por

vingança, mas se faz prova que B estava pronto a disparar sobre A e este

última não fazia a ideia não se atenua o desvalor do resultado, uma vez que

não se verifica o elemento subjetivo. Para a maior parte da Doutrina, o A tem que

conhecer da situação para compensar o desvalor da ação- elemento subjetivo.

Suma: Só com a presença do elemento subjetivo da causa de exclusão da ilicitude é

que se consegue atenuar ou compensar o desvalor da atuação de A. Neste caso, em

que A dispara sobre B por vingança mas não sabe que B estava pronto para disparar sobre

ele, não se conseguirá justificar o desvalor da ação. O sujeito atua representando e

atuando com vontade de praticar o ato ilícito.

Figueiredo Dias

“Quem desconhece a situação justificadora, atua com um desvalor de ação

equivalente do lado subjetivo ao de um autor de um facto relativamente ao qual não

se verifica qualquer situação de justificação”.

Causas de Justificação

=

Elementos Objetivos- agressão atual e ilícita

+

Elementos Subjetivos- cognoscibilidade do agente da agressão

Posição do CP: artigo 38.º/4

De acordo com este n.º, se o consentimento não existe e não é do conhecimento do

agente, este vai ser punido com pena aplicável à tentativa.

O que carateriza a tentativa em relação a um crime de resultado?

Na tentativa não há um desvalor do resultado e o agente vai ser punido simplesmente

pelo desvalor da conduta que adotou. O legislador vem-nos dizer que o agente é punido

por tentativa porque o único desvalor que existe é aquele conexo com a conduta do agente.

Ora, quando não há elemento subjetivo, não se pode compensar o desvalor da ação.

Não há elementos subjetivos (cognoscibilidade do agente) - mas há- elementos objetivos

(agressão atual e ilícita): o agente vai ser punido por tentativa porque o desvalor da ação

é objeto de censura jurídico-penal.

Maior parte da Doutrina: Artigo 38.º/4- este n.º aplica-se por analogia a todas as

causas de exclusão da ilicitude e mais uma vez temos de dizer que neste caso a analogia

é permitida porque favorável ao agente. Este n.º4 aplica-se a todas as causas de exclusão

da ilicitude, mas não se não se verificam os elementos subjetivos o agente deve ser punido

a título de tentativa.

Page 6: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

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Professora Conceição Vale Dágua: ainda que não existisse o artigo 38.º/4, podíamos

punir o agente por tentativa segundo uma analogia para com o artigo 23.º.

Caso Prático António vai numa determinada estrada, vê um volume de cartão no chão e passa-lhe por cima. Por debaixo

desse volume estava B, deitado com o objetivo de forçar o condutor a parar e mal ele saísse do carro disparar.

Determine a responsabilidade jurídico criminal de A?

O saber se havia ou não uma ação jurídico penalmente relevante dependia da ponderação da

cognoscibilidade dos elementos subjetivos da própria ilicitude. Podia discutir-se se

havia ou não sinais objetivos de perigo que pudessem levar o agente a ter consciência do

perigo da ação. O próprio conceito de ação e os casos de negligência inconsciente

dependem da existência de um elemento subjetivo.

Para a Professora, a cognoscibilidade individual do agente é o elemento determinante para

aferirmos da existência de uma ação jurídico penalmente relevante.

a) A ação era jurídico penalmente relevante:

a. Haviam sinais objetivos de perigo- a pessoa podia prever que debaixo

daquela caixa de cartão estivesse algo.

Elementos Subjetivos do Tipo: dolo ou negligência?

Há negligência inconsciente ou consciente a questão era discutível.

Sabendo que o Homem estava parado ali de propósito para aí disparar à queima-roupa sobre

o A, podemos considerar como verificáveis os elementos objetivos da ilicitude:

Elementos objetivos das causas de exclusão: a agressão do sujeito B era atual

e ilícita;

Elementos subjetivos: A atua em negligência consciente ao nível do tipo

subjetivo do ilícito

Atuando o sujeito A ao abrigo da negligência consciente, ao contrário daquilo que aconteceria

nos crimes de resultado, basta a presença dos elementos objetivos da causa de

justificação do facto ilícito. Nos crimes negligentes, ao contrário daquilo que acontece

nos crimes dolosos, para atuarmos com uma causa de exclusão da ilicitude, basta que

se verifiquem os elementos objetivos do tipo.

Existência de elementos subjetivos mas ausência ou representação errónea dos

elementos objetivos das causas de justificação do facto- Legítima defesa putativa

Page 7: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

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Consequências jurídicas de ter havido um erro sobre os pressupostos de facto, i.e., sobre os elementos

objetivos de uma causa de justificação? Estas são situações em que se verifica o elemento

subjetivo, mas em que os elementos objetivos se não dão como verificáveis. Se A pensa que

B o vai agredir, mas afinal o B só vai buscar uma carteira ao bolso, há efetivamente

uma representação errónea da realidade.

Sim: verificam-se os elementos subjetivos;

Não: não se averigua a existência de elementos objetivos.

Legítima defesa Putativa

Há nestes casos um erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de justificação.

Imaginemos que A se aproxima de B para o cumprimentar e ao tirar a mão do bolso em punho, o B

pensa que o A o vai atacar. Consequentemente defende-se e agride-o. Há um erro: o sujeito

representa uma agressão por parte de B, mas essa agressão efetivamente não existe. Esta é a

chamada Legitima defesa Putativa.

Teoria do Dolo: Eduardo Correia (Professor da Universidade de Coimbra)

Esta Teoria considera que a consciência do ilícito é elemento do dolo a par do

conhecimento e vontade da realização do facto típico. Ora, no caso de erro sobre os

pressupostos de facto de uma causa de justificação não há consciência do ilícito e por isso

a consequência é a mesma: exclui-se o dolo.

2.ª Questão

Ausência de elementos subjetivos, mas verificação de elementos objetivos

Situação em que o agente pensa que se verifica uma causa de exclusão da ilicitude,

mas na realidade esta não existe

Há um erro sobre os pressupostos de facto sobre a legítima defesa, por exemplo.

Teorias

Teoria do dolo (ou) Teoria da culpa.

Teorias da Culpa

Teoria da Culpa Rigorosa ou Estrita

De acordo com esta teoria, o dolo ocorre sempre que houver conhecimento e

vontade na realização do facto típico pelo agente. Como no caso do erro sobre

Page 8: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

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os pressupostos da causa de exclusão da ilicitude não se poderá excluir o

dolo. As únicas consequências sobre erro em relação aos pressupostos de

facto de uma causa de exclusão da ilicitude só se dá ao nível da culpa e por isso

numa situação de erro exclui-se a Culpa, não o dolo.

Teoria Moderada ou Limitada da Culpa

o Defendida por Maior Parte da Doutrina- designadamente Stratenvert.

Para esta Teoria, nos casos de erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de

exclusão da ilicitude, está-se na presença de um erro sui generis, ou seja, há

efetivamente um erro sobre o facto típico e simultaneamente um erro sobre a

ilicitude. É um erro sobre a factualidade típica e sobre a natureza fáctica- há

uma discrepância de entre aquilo que o agente pensa e aquilo que

verdadeiramente acontece. Nestas situações, o agente geralmente representa a

realidade de uma maneira errónea.

Contudo, tal como no erro na ilicitude, a vontade do agente continua a ser

conforme ao Direito. Este erro sobre a ilicitude vai por nós ser abordado na parte

da Culpa.

No caso em que o A atua e pensa que o está a fazer ao abrigo de uma causa de

exclusão da ilicitude o que acontece é que o agente pensa que estava a atuar em

conformidade com os ditames da nossa ordem jurídica.

Erro sui generis

=

Representação errónea da realidade- discrepância de entre o que o agente

pensa e aquilo que acontece na realidade

+

Atuação desconforme para com as regras e princípios vigentes ao nível do

nosso ordenamento jurídico

Solução: aplicação do regime do erro sobre os pressupostos do facto típico- artigo

16.º/1

Rui Pereira: Qual o regime a ser utilizado neste erro?

Para o Professor Rui Pereira, nas situações de erro sobre os pressupostos de facto sobre as

causas de exclusão da ilicitude, estamos perante uma situação incompatível com a

situação de dolo uma vez que nestas situações o desvalor da ação é tão diminuto que

não é compatível com a figura do dolo. Por isso considera o Professor que o desvalor da

ação que aqui existe é similar ao desvalor da ação nos crimes negligentes, i.e., tal

como nos crimes negligentes, também aqui o que acontece é que o agente representa

mal a realidade. O agente viola o dever de cuidado ao interpretar mal a situação. Por

isso, com base nesta fundamentação, para o Dr.º Rui Pereira, nos casos de erro exclui-se

o dolo e o agente deve ser punido a título de negligência por razões analógicas.

Page 9: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

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Exemplo: Mulher dinamarquesa que veio a Portugal e abortou na 13.ª semana de gravidez.

Fê-lo porque achava que era permitido à luz das regras vigentes no nosso sistema jurídico-

penal. Nesta hipótese, a pessoa está a atuarem erro sobre uma causa de exclusão da

ilicitude.

Figueiredo Dias: Para o Professor, nestes casos, exclui-se o dolo em sede de culpa

porque falta o elemento emocional do dolo, i.e., mas não ao nível do tipo de ilícito

subjetivo. O agente nestas situações para este professor não teve nenhuma vez consciência

da ilicitude do facto. Falta o elemento emocional do dolo e por isso exclui-se o dolo ao

nível da culpa. Segundo Figueiredo Dias, podemos afirmar no caso concreto a

existência do dolo do tipo, mas excluirmos simultaneamente o dolo ao nível da culpa.

Artigo 16.º/2

O preceituado no nº2 do artigo 16.º abrange o erro sobre o estado de coisas que a existir

excluiria a ilicitude do facto ou a culpa do agente. O n.º1 do mesmo preceito diz-nos que o

erro sobre os elementos de facto ou de direito de um tipo de crime exclui o dolo. Qual a

consequência? Exclui-se o dolo e a pessoa pode eventualmente ser punida a título de

negligência- n.º3. Quando o n.º2 diz o “preceituado no número anterior” só se refere à parte em

que se exclui o dolo com estatuição normativa. Se, por exemplo, o sujeito A representa o

B a bater-lhe, podemos afirmar que há um perigo de a agressão ser atual e ilícita por parte do

agente B que lhe permitiria excluir a ilicitude se fosse verdadeira, mas nós sabemos bem que

a agressão não era verdadeira. Nestes casos, o legislador diz que se exclui o dolo. É claro

que o Professor Figueiredo Dias está por detrás deste artigo e pensa na exclusão do

dolo ao nível da culpa.

Posição de Figueiredo Dias- Dolo

O nosso CP só prevê a Teoria da exclusão do dolo nos termos do artigo 16.º CP. O que

importa neste âmbito é o artigo 16.º/2. Segundo este, o agente não é punido a título de

dolo, mas continua a poder ser punido a título de negligência se violou um dever de

cuidado, i.e., se o agente teve a capacidade de representar a realidade. O autor deste artigo

foi Figueiredo Dias e, portanto temos de perceber que, quando CP estatui a exclusão do

dolo, o faz ao nível da culpa e não ao nível da ilicitude.

Posição de Maria Fernanda Palma- Culpa

A professora Maria Fernanda Palma começa por dizer que a tomada de uma posição em

relação ao regime aplicável no caso de erro sobre os pressupostos de facto sobre uma causa

de exclusão da ilicitude não precisamos de aceitar os pressupostos da Teoria do Dolo

ou da Teoria da Culpa.

Para a Professora, o que importa é analisar o sentido substancial deste erro, i.e., saber

se o erro é de natureza factual ou se estamos antes perante um erro de cariz moral.

Erro de natureza factual vs. Erro de cariz moral

Erro Factual: representação errónea da realidade

Erro de cariz moral: representação errónea da ordem jurídica

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Para a Professora Bárbara Sousa Brito, a Professora Maria Fernanda Palma tem razão ao

afirmar que o erro moral deve ter um regime mais severo que o aplicável ao erro

factual. Assim, quando há um erro factual deve exclui-se o dolo e aplicar-se o artigo

16.º/2 CP uma vez que o agente representa corretamente a realidade, mas tem uma

ideia errada da ordem jurídica. Há um erro moral na valoração e portanto, para esta

Professora a única consequência é excluir a culpa se o erro não for censurável. Então

temos de aplicar o artigo 17.º/1 CP. Há, sim, nestes casos, uma verdadeira exclusão da

culpa em vez de haver uma exclusão da ilicitude.

Exemplo: Caso da dinamarquesa que vem a Portugal e pensa que é possível abortar na 16.ª

semana de gravidez.

Mas o que distingue a ilicitude da culpa?

A culpa decorre de uma atitude do agente pelo facto de ele ter consciência do

ilícito e de ter a capacidade de se motivar de uma maneira diferente;

Na ilicitude o juízo de desvalor recai sobre a conduta- ou seja- o juízo incide sobre

o comportamento

Nestes casos, a Professora Maria Fernanda Palma diz-nos que por exemplo o

comportamento da dinamarquesa não deixa de ser ilícito, uma vez que continua a

haver um desvalor da ação e simultaneamente um desvalor do resultado. Fernanda

Palma considera sim que não existe culpa, uma vez que o agente representou uma causa

de justificação que não existe ao nível do nosso ordenamento jurídico. Portanto, aquilo

que Fernanda Palma nos vem dizer é que não é preciso optar de entre a existência ou não de

dolo para que possa haver uma exclusão da culpa, ou seja, contrariamente ao Professor

Figueiredo Dias, não precisamos de saber se o dolo tem elemento emocional, ou se este

elemento emocional faz parte da culpa.

Só interessa saber se há:

o Erro factual- artigo 16.º CP

o Erro moral- artigo 17.º CP

Nota: Na resolução dos casos práticos, e dada a grande amplitude dada ao artigo 16.º pelo

Código Penal, devemos sempre especificar que aplicamos o n.º2.

(n.º1)

Caso do erro sobre o objeto

+

Caso sobre um erro em relação a uma norma neutra

(n.º2)

Erro sobre os pressupostos de uma causa de exclusão da ilicitude ou de uma causa

de exclusão da culpa- conforme a conceção que adotarmos

Page 11: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

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Causas de exclusão da ilicitude Artigo 31.º/3 CP: enumeração não taxativa

Processo:

1. Elementos Objetivos das causas de exclusão

2. Elementos Subjetivos das causas de exclusão

Legítima Defesa

Pressupostos da Legítima defesa:

Elementos Objetivos da Legítima defesa

1- Existência de uma agressão física, atual e ilícita

Há uma agressão quando há um comportamento jurídico penalmente

relevante que é dominado ou dominável pela vontade. Dentro deste

conceito cabem não só as ações em sentido estrito, mas também as próprias

omissões.

Por exemplo, o pai que não salva a criança que se está a afogar dentro de água

pode ser coagido por outrem com uma pistola a empreender essa atuação

devida.

A agressão tem que ser ainda contra pessoas, não podendo considerar-se

como legítima defesa uma atuação defensora de comportamento que não são

jurídico penalmente relevante:

o Comportamentos Animais;

o Cogitações ou Pensamentos;

o Comportamentos Reflexos /Automáticos / Extintivos

Por exemplo, se uma pessoa nos ataca durante um ataque de sonambulismo,

a defesa empreendida da nossa parte não pode ser considerada como um

ataque em legítima defesa.

Agressão física: quanto a este aspeto, é relevante sabermos que uma agressão pode ser

física e acabar por não ser de tal modo violento que coloque em causa a integridade

dos bens jurídicos que são tutelados por uma norma jurídico-penal.

Se houver uma agressão possível e desta puderem resultar danos para um bem

jurídico, a nossa atuação defensiva é considerada como empreendida em sede de

legítima defesa.

Contudo, se estamos perante uma tentativa impossível não atuaremos em legítima

defesa.

Por exemplo, se alguém está a atacar uma pessoa que já está morta, há uma

verdadeira tentativa impossível, pelo que a conduta nunca se poderá

considerara como incluída no rol de atuações em legítima defesa.

Page 12: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

12

Neste âmbito, é importante percebermos que a ação jurídico penalmente relevante não pode

estar justificado- ou seja- não podemos considerar a existência de uma legítima defesa

contra legítima defesa.

A ilicitude da agressão em legítima defesa não quer dizer que a atuação seja necessariamente

dolosa ou culposa, pelo que podemos considerar uma atuação em legítima defesa

contra ações negligentes. Contudo, só há a possibilidade de alguém atuar em legítima

defesa quando as ações empreendidas pelo suposto agressor são ilícitas. Pode ainda

haver uma ação em legítima defesa contra ações desculpáveis. Isto quer dizer que se o

inimputável me ataca eu posso responder empreendendo uma ação que acabe por ser

executada em legítima defesa, o que acabará por excluir a ilicitude do meu comportamento.

Âmbito da Legítima defesa

Ações dolosas;

Ações negligentes;

Ações desculpáveis- quando a ação é empreendida contra nós por um inimputável

com anomalia psíquica ou em função da idade que apresenta.

A agressão é atual quando o perigo de lesão do bem jurídico se verifica no

momento em que o agente defensor atua ou quando a possibilidade de ataque

é eminente.

Doutrina Maioritária: só são atuais aqueles atos de exclusão que são conformes com a

alínea c) do artigo 22.º CP- esta parte acabaremos por estudar quando abordarmos a tentativa.

Conclusão importante: não pode haver legítima defesa contra:

o Uma ação já consumada; ou

o Contra uma agressão futura mas não eminente.

Page 13: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

13

Por exemplo, aquele que vê alguém a vir a sua casa com uma arma e que tem como única

possibilidade de tutela dos seus diretos a atuação naquele momento, acaba por atuar em sede

de legítima defesa, uma vez que o perigo de lesão do bem jurídico é eminente. Estamos

no âmbito da já falada legítima defesa preventiva- esta é uma causa de exclusão da ilicitude

admitida pela Doutrina mas que não se encontra prevista na lei- causa de exclusão da

ilicitude supra legal.

Outros requisitos considerados como pertencentes aos elementos objetivos da legítima defesa:

o Interesse juridicamente relevante do defensor ou de terceiro;

o Não pode haver uma provocação preordenada;

o O meio tem de ser necessário e adequado.

1. Têm que existir interesses juridicamente protegidos do agente ou de

terceiros

A legítima defesa pode consistir numa atuação em interesse próprio, ou para proteção da

esfera de uma terceira pessoa. Mas em relação a esta terceira pessoa, só devemos

considerar a legítima defesa nos casos em que a pessoa não disponha de meios de

auto tutela dos direitos que o ordenamento lhe confere na sua esfera jurídica.

Passos que devemos seguir:

a. Devemos identificar qual o bem jurídico suscetível de ser afetado;

b. Seguidamente, há que ver se este bem é disponível ou não- obviamente que a

vida de alguém não está na disponibilidade de outrem. O direito à vida é um

direito inalienável.

Exigência de Proporcionalidade: a atuação defensiva tem que ser proporcional ao

risco criado suscetível de afetar o bem jurídico em causa. Assim, para a Professora

Maria Fernanda Palma, nos casos em que não há proporcionalidade na atuação

defensiva não se pode sequer falar na figura da legítima defesa.

o Há um elemento implícito na legítima defesa que é a proporcionalidade entre o

bem jurídico lesado e o bem jurídico ofendido. Para a Professora Maria

Fernanda Palma este elemento tem que ver com o princípio justificados da legítima

defesa;

o Contrariamente, para o Professor Figueiredo Dias, o elemento específico a

considerar neste âmbito é o elemento emocional.

2. Não pode haver uma provocação preordenada

A provocação preordenada é uma agressão que é dirigida a alguém para obter dessa

pessoa uma reação agressiva. Ora, nestas situações, não se pode evidentemente falar

Page 14: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

14

de legítima defesa, uma vez que a pessoa provoca a outra com intenção de que

essa a agrida, alegando posteriormente uma legítima defesa que depois acaba

por não ocorrer.

O que acontece nestas situações é que o agente se aproveita da fragilidade emocional do

outro. Não se coloca sequer em questão a possibilidade de existir uma legítima defesa para

defender o bem jurídico a ser afetado.

Por exemplo, A provoca B para que o C, em reação agressiva venha a matar B. Ora, o

C está em erro sobre os pressupostos de facto sobre a legítima defesa. Na verdade, neste

caso, não existe uma verdadeira agressão atual e ilícita. Houve uma provocação preordenada

e esse erro em que C se encontra faz com que se exclua o dolo. A acabará por ser punido

como autor mediato do crime- C: erro sobre os pressupostos de facto de exclusão da

ilicitude- exclui-se o dolo e eventualmente o agente pode ser punido a título de negligência.

3. O meio tem que ser necessário e adequado

É preciso:

Que, na situação concreta, tenha sido impossível o recurso à força pública como

forma de tutela dos direitos;

O meio utilizado pelo agente tem de ser eficaz e o menos gravoso de entre

todos aqueles que o agente dispunha ao seu alcance no momento em que

atuou;

O meio utilizado deve ser ainda adequado e o único possível que o agente tinha

naquele momento para evitar a lesão do bem jurídico.~

(eficaz; menos gravoso; adequado; único possível)

Juízo de Prognose Póstuma:

O juízo que deve ser feito é um juízo de prognose póstuma, i.e., perguntamo-nos se o

Homem Médio com os conhecimentos especiais do agente tinha a possibilidade de

prever que aquele fosse o meio menos gravoso entre os disponíveis, sendo este também

eficaz para tutela dos direitos.

Por exemplo: imaginemos alguém que furta maçãs constantemente num pomar. O proprietário

do pomar já fez de tudo para impedir que a pessoa em causa lhe furtasse os frutos que retira

da sua propriedade: já falou com a mãe do rapaz e com a polícia. O proprietário do terreno,

furioso, com mais uma escapadela de maçãs, agarra numa caçadeira e acerta no rapaz. Era

este meio necessário e proporcional? Qual era o bem jurídico que estava a ser afetado? Qual foi o bem jurídico

colocado em causa com a atuação defensiva do proprietário? Podia o Homem da terra ter atuado em legítima

defesa?

Esta situação não consegue ser resolvida através do critério do meio necessário.

Maioria da Doutrina: Exigência de Proporcionalidade

Uma atuação em legítima defesa está sujeita a limites ético-sociais. Daqui resulta que

tem de haver uma proporcionalidade de entre o bem jurídico lesado e o bem jurídico

Page 15: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

15

defendido. Ora, na hipótese supra descrita, não houve qualquer proporcionalidade na

atuação:

Bem jurídico Lesado = Vida / Integridade Física

-/-

Bem Jurídico defendido = Propriedade

(Manifesta Desproporcionalidade)

Figueiredo Dias- abuso de Direito

O Professor Figueiredo Dias recorre à figura do abuso de Direito para dizer que existem

determinadas atuações que estão fora do âmbito do artigo 32.º CP.

Maria Fernanda Palma- dignidade da pessoa humana

Para a Professora Maria Fernanda Palma a posição a ser assumida deve ser outra. Segundo a

Professora, todas as causas de justificação têm princípios ínsitos: no caso da legítima defesa

o que está por detrás é a necessidade de defesa de um direito meu ou de terceiro em

face a um ilícito. Para Maria Fernanda Palma, o princípio da dignidade da pessoa

humana deve ser o critério utilizado para aferir ou não da presença de uma atuação

em legítima defesa. Temos de ver se há ou não uma insuportabilidade da lesão do

bem jurídico.

No caso do furto das Maçãs: a não consideração da legítima defesa era fundamentada

segundo:

Figueiredo Dias- Abuso de Direito;

Maria Fernanda Palma- Insuportabilidade do bem jurídico- desproporcionalidade

e afetação do direito à vida enquanto direito inalienável.

Cavaleiro Ferreira:

Para este autor, em vez da divisão de entre elementos objetivos e subjetivos, temos de

considerar os elementos das causas de justificação como divididos de entre pressupostos e

requisitos. Para Cavaleiro Ferreira:

Pressupostos: as condições sem as quais não se verifica uma causa de justificação,

sendo que estes pressupostos têm que estar reunidos no momento em que o agente

empreende a atuação a priori defensiva:

o Interesses Protegidos

Requisitos: elementos intrínsecos da causa de justificação que caraterizavam o

comportamento do agente e nesse sentido estabelecem limites para a sua atuação.

o Pressuposto e necessidade do meio de tutela

Posição da Professora Bárbara Sousa de Brito:

A Professora defende que a divisão entre elementos objetivos e subjetivos é muito mais

funcional e até facilita a resolução de casos práticos. Na nossa legislação, o CP interessa-

Page 16: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

16

se com a questão do erro- pelo que nos basta preocupar com os elementos subjetivos das

causas de exclusão da ilicitude ou justificação do facto.

Elemento Subjetivos da Legítima Defesa:

Animus defendendi-

A pessoa tem de representar a agressão atual e ilícita e tem de ter vontade de repelir

essa agressão.

Animus defendendi

=

Representação da agressão atual e ilícita

+

Vontade em repelir essa agressão

O elemento subjetivo da legítima defesa tem:

Componente Inteletual;

Componente Volitiva.

A partir do momento em que os momentos intelectual e volitivo estão verificados os

pressupostos subjetivos da legítima defesa estão preenchidos.

Mas pode haver uma motivação negativa do agente: por exemplo, ainda bem que me

tentaste bater porque assim posso agredir-te quantas vezes me apetecer- não há uma

atuação em legítima defesa- mas a prova é difícil de ser feita em processo penal da motivação

negativa do agente.

Direito de Necessidade- artigo 34.º CP

Elementos Objetivos

a) Perigo atual e real

Neste caso, o perigo é acepcionado no sentido de probabilidade de ocorrência de

um dano para o bem jurídico. Também aqui se a pessoa pensa que existe um

perigo, mas este não ocorre, aplicamos o artigo 16.º/2 CP.

b) Ameaça a interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro

c) Facto praticado tem que ser o meio mais adequado para afastar o perigo

O meio tem que ser o necessário, mais eficaz, e capaz de afastar o perigo.

Também tem que ser o menos gravoso de entre os possíveis meios que o agente

tenha ao seu dispor. Ou seja, a atuação do agente tem que ser socialmente

aceitável tendo em consideração as circunstâncias concretas da atuação;

Page 17: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

17

Requisitos adicionais

i. Não existir uma provocação voluntária por parte do agente da

situação de perigo- alínea a), artigo 34.º CP

Doutrina Maioritária: este elemento só se justifica quando a situação de perigo

tenha sido dolosamente criada pelo próprio que se viu envolvido numa

situação de perigo. Além disso, consideram os Doutrineiros que este elemento só

pode ser subsumido a uma análise jurídico penalista nos casos em que o agente atua

em causa própria- não se reconhece a importância deste elemento quando o

agente atua para salvaguardar interesses de terceiro.

Exemplo: Senhor idoso que já fez tudo para comprar um medicamento fulcral para a sua sobrevivência: já

se dirigiu ao Instituto de Segurança Social, à Junta de Freguesia, etc., mas não obteve o dinheiro para comprar

os comprimidos de que tanto precisava. Na sequência, vai a uma farmácia e furta um medicamento. Atua

no âmbito do artigo 34.º CP- Rui Pereira

Qual a diferença de entre o direito de necessidade e a legítima defesa?

(Agressão)

Na legítima defesa a causa do perigo é uma agressão.

No direito de necessidade a causa do perigo não é uma agressão

ii. Tem de haver uma sensível superioridade do interesse a

salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado- alínea b),

artigo 34.º CP

O legislador utiliza a palavra interesse e não bem jurídico, e daqui pode-se retirar que

o que está em causa não é uma comparação de bens jurídicos- como acontece

no caso por exemplo da legítima defesa. O legislador quis chamar à atenção para

outros fatores, designadamente para o reflexo subjetivo do bem jurídico na esfera

jurídica do seu titular. Por exemplo, se o mesmo bem jurídico pode ter um valor

diferente consoante o seu titular, precisamente por causa do peso na esfera do seu

titular, então tem que haver uma ponderação sobre a atuação em sede de direito

de necessidade consoante os circunstancialismos do caso concreto.

Situação exemplificativa: A para evitar perder o seu ordenado parte os óculos a B que são do

mesmo valor do que o seu ordenado. Pressuporemos que B é milionário. Sendo poderoso, o interesse

a salvaguardar não é superior ao interesse de A que pode perder o seu ordenado. O bem jurídico

patrimonial e pecuniário têm o mesmo valor, mas o interesse a salvaguardar

é muito maior em relação à pessoa de A do que em relação ao B que possui

meios económicos suficientes para comprar outros óculos.

Legislador: Interesse juridicamente relevante -/- Bem jurídico Protegido

(outra diferença para com uma situação de legítima defesa)

Page 18: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

18

Estas situações de direito de necessidade também estão relacionadas com a proximidade do

perigo e com o grau de perigo. Por exemplo, uma lesão muito longínqua da vida pode não valer

tanto como uma lesão eminente da integridade física. Exemplo da ambulância.

Contudo, o legislador não diz apenas que o interesse tem que ser superior ao interesse

sacrificado: tem que ser sensivelmente superior. Esta sensibilidade na superioridade apela aos

sentidos a nível social e cultural. O que importa é o sentido geral da comunidade face

ao interesse que subsistia na esfera daquele sujeito que acaba por se sacrificar

(farmácia) - a desproporcionalidade não tem que ser manifesta nem inequívoca.

Por exemplo, se para salvar as flores do cão do vizinho o agente decide matar o cão: há

suficiente superioridade? Não há suficiente superioridade para se considerar que a atuação do agente foi feita

em sede de direito de necessidade. Mas a superioridade sensível já pode ser considerada no caso de as flores

serem o sustento da pessoa, que as usa com forma de obter rendimentos.

iii. Razoabilidade de imposição ao lesado do sacrifício do seu

interesse tendo em atenção a natureza ou o valor do interesse

ameaçado- alínea c), artigo 34.º CP

Situação exemplificativa: Alguém no hospital precisa de um certo tipo de sangue e estão três

pessoas no hospital. Uma delas tem esse tipo de sangue. Posso compulsivamente tirar o sangue

dessa pessoa caso ela não queira para salvar a vida da pessoa necessitada do sangue? Não é razoável

obrigar alguém a dar sangue para salvar a vida de outra pessoa. Estamos perante um

bem jurídico individual que não é de cariz patrimonial- o direito de disposição do corpo

pertence a cada um. Não devem ser outros a decidir o destino da minha atuação em termos

de ponderar doar ou não sangue. Tem que ser razoável o sacrifício imposto ao lesado.

Critério:

(Maria Fernanda Palma)

Dignidade da pessoa humana- - - traços de personalidade de uma pessoa.

Maria Fernanda Palma: devemos perguntar-nos:

Faz sentido retirar o direito sobre a pessoa que acabará por sofrer as

consequências do ato?

Outro exemplo: Podemos obrigar uma pessoa a tirar sangue com intuito de evitarmos uma epidemia?

Será esta imposição razoável? Neste caso nem podemos considerar a existência de um sacrifício

pessoal, porque a própria pessoa que será como que “coagida” a tirar sangue tem interesse

em evitar a epidemia. Também desta última podem surtir danos para a sua esfera jurídica.

Outro Exemplo: Homem gordo está a tapar uma entrada principal de um centro comercial

quando está a ocorrer um incêndio. Pode fazer-se explodir o Homem para as outras pessoas

Page 19: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

19

conseguirem sair? Consideremos que as outras saídas estavam do lado oposto. O interesse a

salvaguardar é superior ao interesse sacrificado- várias vidas -/- Vida Homem gordo +

Várias vidas. O que acontecia é que o Homem Gordo acabaria por morrer em qualquer

situação, sendo que a vida das restantes pessoas podia ser resgatada. Será então razoável impor

ao Homem Gordo a explosão? Não. Para a professora, a única figura que poderíamos subsumir

ao caso sub judice era a do Estado de Necessidade desculpante- Culpa. Nesta hipótese, os

agentes que fariam explodir o Homem Gordo nunca agiriam em sede de direito de

necessidade previsto no artigo 34.º CP.

Homem Gordo:

Grande parte da Doutrina- na situação do Homem Gordo, não se aplica o direito de

necessidade- mas sim uma situação de causa de exclusão supra legal- estado de necessidade

defensivo:

Situações em que não há uma agressão, por isso não pode atuar a legitima defesa- mas o

artigo 34.º também não pode atuar porque não é exigível razoavelmente ao lesado o sacrifício

nem este tem associada uma superior sensibilidade. A Professora Maria Fernanda Palma

concorda.

Portanto, o que temos de verificar é da existência de uma sensível superioridade.

Elemento Subjetivo

É preciso que a pessoa conheça que existe um perigo que acabará por

ameaçar os interesses juridicamente protegidos da pessoa ou de um terceiro-

Cognoscibilidade do perigo

Para grande parte da Doutrina este elemento é composto apenas pelo elemento

intelectual. Para que esta parte intelectual esteja preenchida basta que o agente

represente a situação de perigo onde são afetados interesses do sujeito ou de

terceiro. Ou seja, basta que o agente represente um perigo real e atual que ameasse

interesses jurídico subjetivos do próprio ou de terceiro.

Quando falta o elemento subjetivo? Aplica-se o artigo 38.º/4 CP. Este artigo é aplicável porque

se mantém o desvalor da ação. A figura que em Direito Penal pune o desvalor da ação

é a tentativa.

A maior parte da doutrina entende que o artigo 38.º/4 CP aplica-se sempre que faltar um

elemento subjetivo de uma causa de justificação, não só ao nível do consentimento do

ofendido. Conceição Vale Dágua considera que ainda que não houvesse esta analogia,

poderia aplicar-se a pena da tentativa.

Page 20: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

20

Conflito de deveres- artigo 36.º CP

Princípio da Ponderação

Considera-se que o princípio enformador desta causa de exclusão é o princípio da

ponderação de interesses de acordo com o qual o preservar o interesse mais alto ou igual

à custa de um mais baixo ou igual conforma o exercício de uma causa de justificação.

Portanto, a ideia é a de que quando se cumpre um dever tem-se em vista a proteção de

interesses. Estruturalmente, o conflito de deveres tem uma natureza idêntica ao conflito de

interesses, mas o que importa é a hierarquia entre os interesses e os deveres

conflituantes.

Conflito de deveres -/- Conflito de interesses

A grande diferença é a de que no conflito de deveres, contrariamente àquilo que acontece no

conflito de interesses, o agente não é livre de interferir no conflito uma vez que tem de

cumprir pelo menos um dos deveres. No conflito de interesses a intervenção do agente é

livre.

Elementos Objetivos

a. Conflito no cumprimento de deveres jurídicos ou de ordens legítimas

Isto significa que naquela situação concorrem dois ou mais deveres e nenhum

deles pode ser cumprido sem violação do outro.

Exemplo: Imaginemos que estão dois doentes em perigo idêntico de morrer e ambos precisam de ser ligados

a uma máquina. Médico tem de escolher obrigatoriamente e nesse sentido deixará o outro morrer. Neste

caso, o comportamento que se traduz na morte do outro está justificado face ao conflito de

deveres. Mas a professora acrescenta que para grande parte da doutrina o conflito de

deveres tem de ser de natureza idêntica.

Natureza Idêntica: Dever de agir =/ v. Dever de omitir

Nestas situações o dever de omitir prevalece sobre o dever de agir:

O não cumprimento do dever de omitir implica matar por ação- desligar a

máquina;

O não cumprimento do dever de agir implica matar por omissão- ligar a

máquina.

Elementos Objetivos

Cumprimento de deveres ou de ordens legítimas

O dever tem de ser de valor igual ou superior àquele que

não se cumpre

Page 21: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

21

Se alguém está ligada a uma máquina, e chega uma pessoa que precisa de ser ligada para

sobreviver, aqui o conflito não é de entre dois deveres de agir. Há um conflito de entre o

dever de omitir- desligar a máquina- e o dever de agir- ligar a pessoa que chegou à máquina.

Dever de Omitir: matar por ação- não desliga a máquina

Dever de agir: matar por omissão- não liga a máquina.

O importante é perceber que, por norma, quando estamos perante um conflito

de entre dever de agir ou omitir, prevalece e deve-se cumprir o dever de omitir.

Face à nossa ordem jurídica é mais desvalioso matar por ação ou por omissão?

É mais desvalioso matar por ação. Basta termos em conta o artigo 10.º/3 do CP. Este

diz que a cominação de um resultado por omissão pode implicar uma atenuação da pena.

Quer a ação ou a omissão são formas de comportamento humano, mas o realizar de

um crime por ação ou por omissão podem ser valorados de forma diferente- artigo

10.º /3 CP.

Se o médico cumpre o dever de agir – ligar uma pessoa à máquina- e não cumpre o dever de omitir- desligar

a máquina da pessoa que já estava morta, por exemplo, não existe um verdadeiro conflito de deveres.

b. Tem que se cumprir um dever de valor igual ou superior àquele que se não

cumpre

O dever sacrificado tem de ser de valor igual ou inferior àquele que é

salvaguardado. Muitas vezes, uma das formas de sabermos qual é o interesse

superior a salvaguardar tem que ver com a consideração de que a pessoa que atua

ao abrigo do conflito de deveres, não pode ser alvo de uma atuação em

legítima defesa. O médico, ao optar por uma das pessoas, não pode ser alvo de uma atuação em

legítima defesa por parte de outrem, porque o médico atua sob uma causa de exclusão

da ilicitude.

Elemento Subjetivo

Traduz-se num elemento de caráter intelectual- conhecimento da situação de conflito e

para além deste conhecimento tem que haver um conhecimento do valor relativo dos

deveres ou ordens legítimas de autoridade a satisfazer.

Page 22: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

22

Portanto:

Falta o elemento objetivo- artigo 16.º CP;

Falta o elemento subjetivo- artigo 38.º/4 CP.

Consentimento do ofendido- artigo 38.º CP

A análise desta figura é feita como causa de exclusão do tipo.

O consentimento do ofendido pode surgir como:

Elemento Positivo do Tipo /Elemento Negativo do Tipo

o Elemento positivo do Tipo

o Situações em que se não houver consentimento o tipo não está

preenchido. A existência do consentimento leva ao preenchimento do

tipo.

O exemplo que se costuma dar é: Homicídio a pedido da vítima- ajuda à

morte ativa-que está previsto no artigo 134.ºCP. O consentimento ou

pedido é um elemento positivo do tipo- punimos alguém por homicídio a

pedido se houve um consentimento ou pedido por parte da vítima.

o Elemento Negativo do tipo

o Quando a sua existência leva ao não preenchimento do tipo. Tal ocorre

naquelas situações em que o bem jurídico em causa só tem valor quando

associado à sua livre disposição pelo titular.

Polémica na Doutrina

Crime de introdução em casa alheia- artigo 190.º CP. Ora, este crime só está

consumado se a pessoa entrar em casa alheia sem autorização. Se há

consentimento não faz sentido dizer que a pessoa preenche o tipo. Neste caso, o

consentimento surge como elemento negativo do tipo- há uma causa de exclusão

da tipicidade.

Posições

a) Há quem considere que os bens jurídicos protegidos pelas normas

incriminadoras não são os bens jurídicos entendidos objetivamente, mas sim a

livre disposição do bem jurídico.

Conceição Vale Dágua toma esta posição e defende que o que a norma jurídica

protege é a livre disposição do bem, não o bem jurídico em si. Por isso, se a

pessoa livremente dispõe do bem a ação nem sequer chega a ser típica e o

consentimento surge como elemento negativo do tipo. Se a pessoa consente nem

sequer há um comportamento típica- causa de exclusão da tipicidade

Mas se o consentimento é presumido, a professora Conceição considera

Page 23: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

23

b) Outra parte da doutrina continua a distinguir de entre bens jurídicos que só têm

valor quando associados à sua livre disposição- consentimento causa de exclusão

da tipicidade- mas há bens jurídicos que têm valor objetivamente-

independentemente da posição do seu titular face a esse bem.

Figueiredo Dias- para este professor, nos casos em que a auto determinação do

bem constitui o único objeto de proteção da norma, o consentimento surge

como causa de exclusão da tipicidade. Já nos outros casos, surge como causa

de exclusão da ilicitude.

Exemplos:

Na generalidade dos atos sexuais, se houver um consentimento praticado

de entre dois adultos, esses atos são praticados em pleno acordo e isso é

suficiente para dizermos que a tipicidade nem sequer existe. O facto de

existir mútuo acordo faz com que nem sequer se possa falar em

tipicidade;

Se A consente que B lhe de um murro ou que destrua um objeto seu, vai dar prevalência à

autodeterminação da pessoa, mas fá-lo em face a um bem que pretende proteger- integridade

física ou livre disposição do bem jurídico propriedade.

Se há um acordo entre duas pessoas, o bem jurídico só faz sentido se as pessoas por

mútuo acordo puderem dispor dele.

Na violência doméstica, não há um consentimento porque a pessoa não

tem autodeterminação. Não há consentimento porque a pessoa não

consente nos atos de violência- não há uma livre disposição dos bens-

o bem é indisponível. A mera dependência enquanto elemento caraterístico

da violência doméstica exclui automaticamente o consentimento.

No caso de uma pessoa embriagada que tem relações sexuais, não há a

possibilidade de se dizer que há consentimento, porque a pessoa naquele

momento não tem a livre disposição do bem jurídica integridade física.

Princípio enformador do consentimento:

Para parte da Doutrina, nomeadamente Figueiredo Dias, é o princípio da

ponderação mais uma vez de entre os interesses em conflito que releva. Nesta caso,

o consentimento significa que terá mais valor a liberdade de disposição do bem

do que o próprio interesse na preservação do bem jurídico.

Page 24: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

24

Livre disposição do bem

Outra conceção- Eduardo Correia + Metzer: há casos de consentimento em que

há o abandono do interesse, uma renúncia à proteção penal por parte do

titular do bem jurídico.

Abandono do interesse ou renúncia à proteção penal

É esta discussão que está na base da legalização da Eutanásia em vários países.

Elementos Objetivos:

Existência de interesses ou bens jurídicos livremente disponíveis:

A idade ser superior a 16 anos;

Tem que ainda se provar cumulativamente o discernimento necessário de quem

consente;

Não ofensa aos bons costumes pelo facto consentido. Para averiguar se há ou

não ofensa aos bons costumes- artigo 149.º CP- critérios como

Motivação do agente e

da vítima;

Fins do agente e da

ofensa;

Meios empregues;

Amplitude da ofensa

Se alguém consente a outra que lhe corte o braço, isto é desconforme aos bons costumes.

O consentimento tem que ser expresso e tem de traduzir uma vontade séria,

livre e esclarecida;

Elemento Subjetivo- artigo 38.º/4

Conhecimento do consentimento- se não há conhecimento a pessoa é punida por

tentativa e não se exclui a ilicitude.

Caso Prático

António, carteirista, procura as horas de ponta no metro para ganhar a vida. Durante uma viagem, nota

que o bolso de um passageiro Bernardo, se encontra particularmente volumoso. Ato contínuo introduz-lhe a

mão no bolso e com o objetivo de o assaltar. Bernardo, sentindo uma mão no bolso, e julgando que era a de

Carlos, que se encontrava mesmo atrás de si, desfere-lhe um violento soco.

Vendo que Bernardo se preparava para o agredir de novo, Carlos procura antecipar-se-lhe mas como este se

baixa acaba por agredir Daniel, que no aperto do metro, se encontrava muito próximo daquele.

Determine a responsabilidade jurídico criminal dos intervenientes.

Page 25: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

25

1.ª Conduta Relevante- Ilegítima intenção de apropriação de António

Em primeiro lugar devemos verificar se estão preenchidos os elementos objetivos do tipo

do crime de furto- artigo 203.º CP. Em primeiro lugar, é de dizer que não conseguimos

saber se o agente consegue ou não retirar a carteira: a resposta a esta questão tem que

ver com a consideração de estarmos perante o preenchimento do tipo de furto na forma

consumada ou na forma tentada.

Havendo resultado, temos de ver se há uma imputação objetiva do resultado à conduta

do agente. Ora, no caso concreto, havia uma imputação objetiva do resultado à conduta do

agente no caso de considerarmos que estavam reunidos todos os elementos objetivos do

tipo.

Mas o crime de furto é um crime de resultado cortado. Para o tipo estar preenchido, tem

ainda de se verificar um elemento subjetivo especial: “ilegítima intenção de

apropriação”. Também António preenche este elemento. Carteirista de profissão, a sua

intenção não era se não a de furtar a apropriar-se ilegitimamente da carteira de Bernardo.

2.ª Conduta Relevante- Bernardo desfere um soco na cara de Carlos, julgando ser este

último o responsável pela mão que estava no seu bolso

1- Estamos perante uma ação jurídico penalmente relevante: a ação foi controlada e

controlável pela vontade do agente;

2- Tipo de ilícito em causa: ofensa à integridade física (artigo 143.º CP)

3- Atua ou não a legítima defesa enquanto causa de exclusão da ilicitude?

a. Há uma agressão atual e ilícita. Bernardo representa uma agressão de Carlos,

mas sabemos que a agressão ao bem jurídico patrimonial em causa não

provém da esfera jurídica de Carlos, mas sim de António.

b. Erro sobre os elementos objetivos de uma causa de exclusão da

ilicitude- aplica-se o artigo 16.º/2 e exclui-se o dolo na parte final do

n.º1.

i. Ainda que considerássemos o erro sobre os elementos objetivos da

causa de exclusão da ilicitude- podíamos afirmar que o soco não

era o meio necessário para impedir o furto. Mas esta questão é

discutível, uma vez que depende dos circunstancialismos do caso

concreto.

Técnica negativa da exclusão: erro sobre os pressupostos de facto sobre uma causa de

exclusão da ilicitude.

c. Elemento Subjetivo: é necessário que o agente represente a agressão

atual e ilícita e, para além disso, o mesmo tem de ter a vontade de repelir

essa agressão. Creio que no caso concreto, a pessoa de Bernardo representa

uma situação de perigo, considera que está a agir em sede de uma causa de

exclusão da ilicitude e procura repelir essa mesma agressão.

Page 26: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

26

O agente pode ainda ser punido a título de negligência quando reunidos os pressupostos

dessa punição.

Juízo de ilicitude:

Desvalor da ação- tem que ver com o facto de o agente ter representado e

querido a realização do facto típico;

Desvalor do resultado- tem que ver com a lesão do bem jurídico de cariz pessoal

integridade física.

Temos de compensar o desvalor da ação e o desvalor do resultado nestas causas de exclusão

da ilicitude.

Em regra, nas causas de exclusão da ilicitude o desvalor da ação é diminuto e tem de

compensar o desvalor do resultado. Ora, o que carateriza o dolo é o desvalor da ação

e por isso o agente só vai ser eventualmente punido a título de negligência.

Figueiredo Dias: Figueiredo Dias vai justificar a exclusão do dolo de outra forma,

considerando que não está presente nestes casos o elemento emocional do dolo. Portanto,

o agente não representou ilicitude nenhuma e a exclusão deve ser feita ao nível da

ilicitude.

Crítica da Professora Bárbara Sousa Brito: Para a Professora, o elemento emocional que

Figueiredo Dias inclui no dolo tem que ver com a culpa- logo não temos de o

individualizar o mesmo.

3.ª Conduta Relevante: Carolos apercebe-se e, Bernardo em vez de acertar em Carlos

atinge a pessoa de Daniel

a) Estamos perante uma ação jurídico-penalmente relevante;

b) Tipo de crime em causa: ofensa à integridade física- artigo 143.º CP

Tipicidade:

1- Há um erro na execução (aberractio ictus) - na verdade o Bernardo não pretendia

atingir a pessoa de Daniel, mas sim Carlos- Execução defeituosa;

2- Punição:

Em princípio o agente é punido por tentativa do crime que visou realizar e

por negligência do crime que realizou de forma consumada. Neste âmbito,

tínhamos de ver se estavam reunidos todos os pressupostos da tentativa e do

crime consumado na forma negligente.

Page 27: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

27

Não há tentativas negligentes, logo o agente não pode ser punido pelo crime de ofensa

à integridade física na forma tentada. Numa tentativa, basta verificar-se o elemento

objetivo.

Caso Prático

K cozinheira da veterinária T tem um encontro marcado num hospital com P, seu amigo e paciente do hospital.

A fim de se apresentar melhor K usa a sombrinha pertencente a T que se encontrava num congresso. No

caminho para o ponto de encontro ao atravessar um bosque deserto K é atacada por uma raposa raivosa. Para

se proteger, mata a raposa com a sombrinha que fica quebrada.

Enquanto isto P também se encontrava às voltas com a má sorte. A fim de evitar a morte de S, ferido

gravemente e chegado recentemente ao hospital, A, médico pedido do hospital, retira por meio de violência

sangue a P, necessário para a transfusão e P opõe-se a isso tenazmente. Apesar de se indicar a P que de outra

forma S estaria perdido e que um outro dador do seu raro grupo sanguíneo o nãos e encontrava no hospital o

robusto P desfere um soco no rosto de A partindo-lhe os lábios, enquanto este continuava a retirar-lhe sangue.

Como deve julgar a conduta dos participantes em relação à sua ilicitude e ou licitude?

1.º Conduta Jurídico Penalmente relevante- Subtração da Sombrinha

A hipótese do caso prático é omissa em relação a uma eventual autorização para a

subtração da sombrinha, mas será de supor a inexistência da mesma.

O uso da sombrinha prendeu-se com o encontro que K iria ter com D: em virtude do ataque,

o mesmo objeto foi utilizado para atacar o animal.

Crime que está em causa: Crime de Furto- artigo 203.º CP.

Está preenchido o tipo do crime de furto? Não- o tipo incriminador do crime de furto exige ao

nível do tipo subjetivo, para além do representar e quere subtrair, exige um elemento

subjetivo especial que tem que ver com a ilegítima intenção de apropriação. Ora, no

caso sub judice, a pessoa K só queira fazer um uso da sombrinha para estar mais bonita para

o encontro.

2.º Conduta Jurídico Penalmente Relevante: Após ter sido atacada por uma raposa,

K mata o animal com a sombrinha

Crime em causa: crime de dano do artigo 200.º CP:

Page 28: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

28

Bem jurídico afetado: sombrinha- no caso concreto não está em causa um possível dano

que existisse em relação à raposa. A mesma não é propriedade de ninguém, pelo menos

segundo as informações que nos são descritas na hipótese.

Ilicitude

Em relação á sombrinha, o tipo incriminador do crime de dano está preenchido.

Verificam-se quer os elementos objetivos quer os elementos subjetivos.

Elementos Objetivos:

Agente: K

Ação típica: danificar coisa alheia

Objeto de ação: raposa;

Bem jurídico: sombrinha- bem jurídico de cariz patrimonial;

O crime de dano é um crime formal ou de mera atividade que não exige um evento

espácio- temporalmente separado da ação que culmine num determinado resultado

que se ligue à ação por um nexo de causalidade- logo não tem que haver uma

imputação objetiva do facto ao agente para que se considerem preenchidos

os elementos objetivos.

Elementos Subjetivos:

O agente K atua com dolo necessário- artigo 15.º/alínea b) CP. Sabe que para se

poder defender da raposa precisa de estragar a sombrinha.

Estavam então preenchidos todos os elementos da ilicitude. Verifica-se alguma causa de

exclusão da ilicitude. Qual era a causa de exclusão da ilicitude que podia estar em causa?

Legítima defesa- Não se pode colocar a questão da legítima defesa porque esta causa de

justificação da ilicitude de uma ato pressupõe que a agressão seja um facto voluntário.

Ora, aquilo que distingue a legítima defesa do direito de necessidade é precisamente a causa

do perigo.

Portanto, no caso da sombrinha, nunca se poderiam aplicar os pressupostos da legítima

defesa, uma vez que o ataque foi empreendido por um animal. Analisar-se-á então se se

poderia aplicar ao caso o direito de necessidade- artigo 34.º CP.

Pressupostos do Direito de necessidade:

Elementos Objetivos

Perigo real e atual;

O Meio usado pelo agente tem que ser o mais adequado e o único aceitável

numa perspetiva social;

Existiu uma manifesta superioridade do bem jurídico protegido para com o

bem jurídico afetado, i.e.,- mas é de notar que a lei só exige sensível superioridade

o Vida de uma pessoa vs. Dano de uma sombrinha.

Não havia nenhuma razoabilidade na imposição ao lesado do sacrifício do

seu interesse tem em atenção a natureza ou o valor do interesse ameaçado.

Elementos Subjetivos

Page 29: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

29

K representa o perigo e tem vontade em afastar o mesmo.

Suma: A ilicitude estava afastada em relação ao crime de dano, uma vez que se aplicou uma

causa de justificação da ilicitude que era o Direito de Necessidade.

3.ª Conduta Jurídico Penalmente Relevante: entretanto o médio, a fim de evitar a

morte de S, retira sangue a P coercivamente.

Crimes que podem estar em causa: tendo sido o sangue retirado por meio de violência, pode

estar em causa quer o crime de ofensa à integridade física nos termos do artigo 143.º CP,

quer o crime de coação, em conformidade com o artigo 154.º do mesmo diploma uma vez

que também em relação a este tipo se verificou uma privação da liberdade da vítima.

De notar primeiramente que estamos perante uma ação jurídico penalmente

relevante porque controlado pela vontade. Depois, também era fácil de aferirmos

da existência de todos os elementos que justificam a ilicitude do facto.

Causas de Justificação da Ilicitude: Pode ou não aplicar-se neste âmbito uma causa de exclusão da

ilicitude? estamos perante uma situação de Estado de Necessidade ou de Conflito de deveres? Vamos punir

o médico pelo crime de ofensa à integridade física ou pelo crime de coação?

Não pode ser colocada em causa a possibilidade de estarmos perante uma situação de

legítima defesa alheia porque enão não há sequer agressão, i.e., o sujeito P não está a

agredir o médico- não há um desvalor da sua conduta.

Direito de Necessidade: Face a um perigo atual, o médico força outrem a dar-lhe sangue.

Há um perigo real e atual que ameaça interesses juridicamente protegidos.

O meio é adequado porque o sangue é raro- por outro lado, se considerarmos a liberdade

e autodeterminação a questão poderia ser efetivamente discutível. A integridade física não

é um bem com mais valor do que o bem jurídico vida da pessoa que precisava de ser

salva.

Concordo com a Carolina Ferreira, que diz que há que distinguirmos as situações em

que o meio é necessário, das outras onde a atuação não é a mais adequada. No direito

de necessidade, a discussão que se tinha de fazer era a da admissibilidade da doação coerciva

de sangue- era exigível ao lesado o sacrifício? Sem o consentimento, há quem diga que não é

razoável tirar sangue a uma pessoa. Mas, por outro lado, neste caso, a Professora Bárbara

Sousa de Brito segue a posição da professora Maria Fernanda Palma que nos diz que em

situações como esta a dignidade da pessoa humana não é verdadeiramente colocada

em causa. Para Maria Fernanda Palma, estava em causa o direito de necessidade- causa

de justificação do facto. Logo, P não se poderia defender, porque a legítima defesa

pressuponha uma agressão atual e ilícita.

Faz sentido retirar à pessoa o seu direito de defesa?

Page 30: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

30

Para uma parte da Doutrina, não sendo razoável ao P retirar o direito de defesa- não se

aplica a alínea c) do artigo 34.º. Mas ao avaliarmos a culpa, já não se pode fazer um

juízo de censura- aplica-se o estado de necessidade desculpante face a um perigo que

ameaça a vida de terceiro, não sendo necessário e exigível ao médico a adoção de um

outro comportamento.

Page 31: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

31

Culpa

Técnica Negativa de Exclusão da Culpa

O que importa é, depois de se ter chegado à conclusão de que estamos perante um facto

ilícito e jurídico penalmente relevante, averiguar se ocorre ou não uma causa de exclusão

da culpa em sentido amplo.

Causas de Exclusão da Culpa

a) Inimputabilidade

a. Idade- artigo 19.º CP;

b. Anomalia Psíquica- artigo 20.º CP.

b) Erro não censurável sobre a ilicitude- artigo 17.º/1 CP.

c) Causas de exclusão da culpa em sentido estrito ou causas de desculpa

O estado de necessidade desculpante- artigo 35.º CP;

O excesso de defesa por medo, susto ou perturbação não censuráveis-

artigo 33.º CP;

Obediência indevida desculpante- artigo 37.º CP

Outras causas de exclusão da culpa são ainda aprofundadas ao nível da Parte Especial do CP.

Esta forma de analisar a culpa é a mais fácil e correta de aplicar. Mas, há uma parte da

Doutrina que analisa a culpa de forma diferente.

Diferente análise da culpa

1. Verifica se estão ou não presentes os chamados elementos da culpa- como a

imputabilidade, i.e., a capacidade de culpa e a consciência da ilicitude do facto;

2. Só depois averigua se se verifica ou não uma causa de exclusão da culpa em

sentido estrito.

Vantagem: chama-nos à atenção para os elementos da culpa.

Desvantagem: no fundo esta maneira de análise da culpa não é muito diferente.

Causas de Exclusão da culpa em sentido amplo

Inimputabilidade

Quando o sujeito não é capaz de culpa.

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1- Em razão da idade- isto é o que se passa com os menores de 16 anos face ao

artigo 19.º CP. Só se pode ser responsabilizado criminalmente se no momento

da prática do facto tivermos 16 anos:

a) Há um regime especial para jovens entre os 16 anos e os 21 anos que está

previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro;

b) Lei Tutelar Educativa- aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro;

c) Lei de Proteção das Crianças e Jovens em perigo- Lei n.º 147/49, de 1 de

Setembro

2- Mas também se pode ser inimputável em razão de anomalia psíquica- artigo

20.º CP.

Requisitos da Inimputabilidade por anomalia psíquica

1.º Requisito

O agente tem de sofrer de uma anomalia psíquica no sentido de todo e qualquer

transtorno ocorrido ao nível psíquico. Cabem aqui não só as psicoses, exógenas e

endógenas.

Exógena- ingerência de uma droga.

Endógena- esquizofrenia

Oligofrenia- fraqueza intelectual congénita ou não, como é o caso da denominada

idiotia em que o individuo não atinge o desenvolvimento mental de uma criança

de 6 anos;

Imbecelidade- próprio de quem não atinge o desenvolvimento próprio do início da

puberdade.

Perturbações de personalidade ou desvios ou anomalias do comportamento

social sem fundamento orgânico- corporal conhecido, como é o caso por exemplo das

psicopatias e das neuroses. De notar que aquilo que carateriza um psicopata é o facto

de ele não pensar o que faz.

2.º Requisito

É preciso que o agente perca, no momento da prática do facto, a capacidade para

valorar o facto, e ou, a capacidade volitiva de se motivar pelo Direito.

Por exemplo, caso em que só se perde a vontade de valorar: na embriaguez, ou em outros tipos

de intoxicação, a pessoa perda a capacidade de valorar o facto no momento da sua prática.

Page 33: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

33

Mas muitas vezes, ainda que tendo a capacidade de se valorar, não se consegue

motivar, como acontece no caso dos assassinos em série- podem valorar, mas não se

motivam pela sua valoração.

Anomalia psíquica provocado e sem intenção

Ainda quanto à anomalia psíquica, importa distinguir duas situações:

1- Há que distinguir aqueles casos em que a anomalia é provocada pelo agente, sem

qualquer intenção. Nestes casos, o agente será considerado inimputável em

relação ao crime que cometeu.

Isto é o resultado do artigo 20.º/1 + da interpretação do artigo 20.º/4/à contrario.

Consequência: agente é inimputável e não é punido pelo crime que visou cometer, mas

pode ser punido pelo crime previsto no artigo 295.º CP que tem como epígrafe crime de

embriaguez e intoxicação.

Mas há que distinguir estes casos dos outros:

2- Em que o agente provoca a situação de anomalia, mas com intenção de

praticar o facto, i.e., com dolo direto ou dolo necessário em relação ao facto- o

legislador diz nestes casos que não se exclui a inimputabilidade e fala-se em ação

livre na causa porque o momento relevante é aquele que levou a que o agente

se tornasse inimputável para praticar o facto.

Exemplo: A bebe para bater no seu inimigo na discoteca. Neste caso pode-se falar da figura da ação livre

na causa

As distinções resultam do artigo 20.º/4 do CP.

“Intenção de praticar o facto”- o agente tem que se colocar na ação sob a

forma de dolo direto ou dolo necessário. Por isso, os casos de dolo eventual

não são incluídos nestas situações.

Quando há dolo eventual ou negligência- aplicamos o artigo 295.º

CP.

Quando há um facto típico, ilícito, mas não culposo, só se pode

aplicar eventualmente uma medida de segurança.

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Erro não censurável da ilicitude do facto

(Artigo 17.º CP)

Erro não censurável ou erro moral – artigo 17.º CP -/- Erro sobre a ilicitude- artigo

16.º/1

O erro do artigo 17.º/1 é um erro sobre proibições cujo conhecimento é dispensável à

tomada da consciência da ilicitude do facto. O erro sobre proibições que recaem sobre

comportamentos axiologicamente neutros do artigo 16.º/1 são diferentes- são proibições

cujo conhecimento é indispensável para a tomada de consciência da ilicitude do ato.

O erro do artigo 16.º é um erro de natureza intelectual, que tem que ver com o

conhecimento e não com a ideia que a pessoa tem ou não sobre as valorações da

ordem jurídica.

A pessoa está em erro sobre a ordem jurídica- Artigo 17.º- o seu erro choca com

valores da ordem jurídica, mas neste âmbito fala-se em erro moral, porque não é

preciso a pessoa conhecer a norma jurídica para ter dúvidas quanto à ilicitude

do seu ato.

No artigo 16.º CP a pessoa está em erro, mas exige-se neste âmbito o

conhecimento da proibição para que ela se aperceba da ilicitude do seu facto.

Artigo 17.º- Culpa- não se exigia o conhecimento para que o agente tenha consciência

da ilicitude do seu facto- nesse caso, quando o erro não é censurável, exclui-se a culpa e

no caso da Dinamarquesa a mesma atua com dolo porque ela representa e quer realizar

dolosamente a conduta do aborto- a Dinamarquesa age sem consciência da ilicitude do seu

facto, mas o erro é censurável.

Erro moral- a ideia que o agente tem da ordem jurídica confronta valorações

que a ordem jurídica defende.

Artigo 16.º- Tipo- o agente não conhece da proibição que tem de conhecer para que

possa ser punido pela ilicitude do facto por si praticado.

Representação errada que releva para a falta de conhecimento por parte da

pessoa

Quando é que o erro é capaz de excluir a culpa por falta de consciência da ilicitude?

Erro:

Direto sobre a ilicitude:

Erro sobre proibições que transportam consigo uma carga valorativa. Dito de

outra forma, é um erro que recai sobre proibições cujo conhecimento é

Page 35: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

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dispensável à tomada de consciência da ilicitude do facto, e por isso considera-

se que estamos perante um erro moral- o agente representa erroneamente a

ordem jurídica. O que ele representa choca com valorações da ordem jurídica-

artigo 17.º/1 CP.

Consequência:

O erro direto sobre a ilicitude só exclui a culpa se for não censurável.

Censurabilidade do comportamento

Como se sabe se o comportamento é ou não censurável face ao artigo 17.º/1?

Critérios

---Critério da evitabilidade

O que importa saber é se o Homem Médio, no sentido de cidadão cumpridor do

Direito, com as particulares caraterísticas do agente, poderia ter evitado o erro.

Se sim- erro censurável

Se era inevitável- não era censurável.

Professora acrescenta um critério ou pergunta: devemos ainda perguntarmo-nos se o

agente faz tudo o que estava ao seu alcance para evitar o erro? Se sim – o erro não é

censurável. Se a Dinamarquesa consulta o advogado, considerasse que ele fez de tudo para evitar o erro.

Então o erro não é censurável porque a Dinamarquesa fez de tudo o que estava ao seu alcance para saber se

o facto era ou não permitido ao nível do Ordenamento Jurídico.

---Retitude da consciência errónea: Figueiredo Dias

Critério Figueiredo Dias para aferir a censurabilidade do erro:

De acordo com este critério, o que tem que se averiguar é se o agente, ao atuar,

se pautou ou não por motivos que são permitidos pela ordem jurídica. Só que

Figueiredo Dias se esqueceu de outros que a ordem jurídica também considera

preponderantes.

Por exemplo: para Figueiredo Dias, o Sueco que vem a Portugal, mata B em estado de sofrimento,

porque este, sendo seu amigo, lhe pediu para o matar. Como no pais dele, o Homicídio a pedido é permitido,

e como esta ação praticada pelo Sueco foi pautada e motivada pela autonomia e defesa da dignidade da pessoa

humana, para Figueiredo Dias, este erro não é censurável. Para este autor, o que interessa

só é se o agente ao atuar se pautou ou não por valores também defendidos e aceites

pela ordem jurídica- regras e princípios. Para a maior parte da Doutrina, o Sueco

acabaria por ser punido porque o erro é evitável. Isto tem que ver com a ideia que o

Professor Figueiredo Dias tem sobre a culpa.

Juízo de ilicitude e de culpa

Ilicitude: juízo sobre a motivação que o agente tinha;

Page 36: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

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Culpa: juízo sobre o agente;

O Professor Figueiredo Dias fez uma tese de Doutoramento sobre a culpa- tem uma visão

particular não adotada por grande parte da Doutrina.

Juízo de Censura na Culpa

Para Maior parte da Doutrina, na culpa, o juízo de censura que se faz ao agente, resulta

do facto de ele, tendo capacidade de culpa e consciência do seu ato, ter a

possibilidade de se motivar pelo Direito e não o fazer.

Para a maior parte da Doutrina, devemos encarar a conduta culposa através do uso

do critério do Homem Médio, colocado na especial posição do agente.

Para Figueiredo Dias, a culpa deve ser perspetivada de uma maneira diferente: a culpa tem

que ver com a avaliação da atitude interna do agente na prática do ato. Ou seja, se se

considera ou não a atitude do agente como juridicamente censurável. Por isso,

Figueiredo Dias, quando diz que há culpa, fá-lo porque, o agente pela prática do facto, revela

uma atitude interna juridicamente desaprovada e pela qual o agente terá de responder

perante as exigências do dever ser socio comunitário.

O critério decisivo da culpa não é real e psicológico - mas é normativo, i.e., de caráter

pessoal e objetivo. Na culpa, o que importa para Figueiredo Dias é saber se o agente

tem ou não de responder pelas qualidades pessoais e correspetiva atitude

manifestada pelo facto. O agente terá de responder quando as qualidades são

juridicamente desaprovadas. Como Figueiredo Dias tem dificuldade em aceitar a liberdade

que a pessoa tem ou não de se motivar pelo Direito, até porque ele liga esta liberdade à

possibilidade de atura, devemos ver a culpa nesta perspetiva. Não se vê com bons olhos a

liberdade que a pessoa tem para se motivar pelo Direito. Se a conduta é desvaliosa aos

olhos do Direito- então é culposa. Apesar de termos que tomar uma decisão sobre se a

sua conduta é culposa ou não no caso concreto- continuamos a olhar para a desvaliosidade

da conduta somente na perspetiva da desvaliosidade que a ordem jurídica atribui ao

agente.

Erro Indireto sobre a ilicitude:

O erro indireto afere-se quando há erro sobre a existência de uma causa de

justificação ou sobre os limites de uma dada causa de justificação.

Page 37: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

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Erro Direto- erro sobre proibições

Erro Indireto- pensamento de uma causa de justificação que não existe.

O erro indireto é também um erro moral- o agente tem também uma ideia errada sobre

a ordem jurídica. Caso este erro seja também não censurável, exclui-se a culpa. Mesmo

quando é censurável, apesar de não excluir a culpa, pode implicar a atenuação da pena face

ao artigo 17.º/2 do CP. Isto é aquilo que a professora acrescenta.

Censurável- não exclui a culpa- mas atenua a medida da pena- artigo 17.º/2 do CP.

Não podemos confundir este erro das causas de exclusão da ilicitude com o erro sobre os

pressupostos de facto de uma causa de exclusão da ilicitude. Este último cabe no artigo

16.º/2- erro intelectual- discrepância de entre aquilo que o agente representa e aquilo

que ocorre na realidade. O erro sobre os pressupostos de facto da ilicitude implica a

exclusão do dolo- artigo 16.º/2. No artigo 17.º/2 a pessoa está em erro moral- pensa que

existe uma causa de justificação que não há na realidade. Pensa que o seu

comportamento é correto quando na realidade não o é.

Causas de exclusão da culpa em sentido estrito- causas da exculpação

Denominador comum: em todas elas está por detrás a ideia de inexibilidade, i.e., está

presente a ideia de que não é razoável exigir do agente a adoção de outro

comportamento. Portanto, estas são todas situações em que o Homem Médio

cumpridor do Direito na posição do agente, pode retirar-se-lhe que não era razoável

exigir dele outro comportamento ou pelo menos não lhe era exigível outro tipo de

comportamento.

Para esta ideia da inexigibilidade, há quem defenda que nestas causas de exclusão da

culpa em sentido estrito- como é o caso de Armin Kaufmman- apesar de a culpa

subsistir, esta subsiste em grau diminuto. Por isso em vez de se falar em causas de exclusão

da culpa em sentido estrito, deve falar-se de uma causa de desculpa pela inexigibilidade.

A inimputabilidade e o erro não censurável são as únicas causas de exclusão da culpa em

sentido amplo. As outras são causas de desculpa/causas de exclusão da culpa em sentido

estrito..

Roxin: considera que a inexigibilidade não é uma causa de exclusão da culpa, mas sim

uma forma a ter em conta para a responsabilidade porque Roxin diz que nas causas de

desculpa há culpa, mas por razões preventivas- desnecessidade de punição- o agente

não deve ser chamado à responsabilidade.

Figueiredo Dias- caso de inexigibilidade são casos que tem que ver com o juízo de

censura- situações em que face às circunstâncias e atitude pessoal do agente devem

ser isentas de um juízo de censura. Para este Professor, nas situações de causa de exclusão

Page 38: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

38

da culpa em sentido estrito, a generalidade dos Homens fieis ao Direito teria atuado

provavelmente daquela maneira e por isso as qualidades pessoais reveladas no facto

não são juridicamente censuráveis.

Tipos

Estado de necessidade desculpante

(artigo 35.º CP)

Requisito:

Tem que existir um perigo atual que se refira a um conjunto limitado de bens

jurídicos elementares de um agente ou de terceiro.

1- Bens jurídicos- como vida, integridade física, honra e liberdade.

Se por exemplo estiver em causa o património ou outros bens jurídicos não referidos no

artigo 35.º/1- há culpa

2- Não seja razoável exigir do agente., segundo as circunstâncias do caso, outro

comportamento- juízo ex ante

Isto implica um juízo ex ante e a colocação do Homem Médio na posição do agente

e perguntamo-nos se era ou não razoável exigir do agente a adoção de um outro

comportamento.

Esta exigência de outro comportamento, quando não é razoável, implica que também

haja uma adequação do meio e a sua necessidade. Também se exige, para haver

desculpa, que o perigo não tenha sido intencionalmente criado pelo agente para

mais tarde alegar a desculpa.

o Prova de que o meio é necessário e adequado;

o Prova de que o perigo não foi criado intencionalmente pelo agente para mais

tarde alegar a desculpa da conduta que por si próprio foi adotada.

3- O agente tem, com o seu facto, de ter prosseguido a finalidade de salvação do bem

jurídico ameaçado.

Isto significa que está aqui presente- elemento subjetivo. Também no estado de

necessidade desculpante tem que haver um elemento subjetivo.

Subsidiariedade para com uma não consideração do Direito de Necessidade:

Esta causa de exclusão da culpa atua subsidiariamente em relação aos casos onde

não aplicamos o Direito de Necessidade.

Page 39: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

39

Exemplo: Caso do Homem Gordo- aplicamos o Estado de Necessidade desculpante-

não é razoável exigir dos agentes a adoção de outro comportamento porque a

atuação dos agentes não poderia ser outra. Mas esta figura do Estado de Necessidade

Desculpante só é aplicável nos casos em que não é admitida a existência de outra figura

supra legal

Excesso de defesa em caso de medo, susto ou perturbação não censuráveis

(Artigo 33.º/2 CP)

Aplicação: Esta causa de exclusão da culpa só funciona nos chamados estados emocionais

asténicos que são estados que resultam de uma tensão emocional inconsciente-como

é o caso do medo, susto ou perturbação.

Não Aplicação: Esta figura não se aplica no caso de estarmos perante os chamados

estados emocionais esténicos que são aqueles estado que já não resultam da tensão

emocional e consciente e que comportam em si uma energia em excesso- caso da

cólera, ódio ou vingança.

Esta divisão que existe de entre estados asténicos e esténicos é feita pela generalidade

da doutrina penalista. Não se funda na ciência porque normalmente na ciência a

distinção faz-se de outra forma:

Nos estados asténicos temos o medo para a psicologia

cognitiva;

Nos estados esténicos temos por exemplo o pânico;

A diferença é a de que no medo a pessoa reage, enquanto numa situação de pânico a

pessoa ou foge ou não responde. Com base nesta divisão, o que acontece é que na

situação de medo- excesso de defesa aplica-se, contrariamente à situação de pânico

não se aplica a defesa- porque não há sequer reação.

Fórmula:

Homem Médio- era ou não exigível outro estado emocional que não aquele-

colocamos o Homem Médio na posição especial do agente.

Os Estados emocionais têm que provocar excesso para que não atue a figura do

excesso de defesa. Há dois tipos de excesso:

1- Intensivo- este é aquele que ocorre quando há utilização de meios superiores

aos necessários para a defesa. Aqui:

a. O meio não é considerado como necessário;

b. Não há proporcionalidade de entre a defesa e a ofensa ao bem

jurídico.

2- Extensivo- quando alguém se defende de uma agressão que deixou de ser

atual, por exemplo, por medo ou susto, e nesse caso ou vamos aplicar a figura

da ação direta que é uma causa de exclusão da ilicitude face ao Direito Civil e que

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também é aplicável em direito penal- ordenamento jurídico na sua totalidade- ou

aplica-se o excesso de defesa por analogia.

O artigo 33.º CP só prevê as situações de excesso intensivo.

No caso de a pessoa atuar perante uma agressão que ainda não é atual, podemos

eventualmente aplicar a figura da legítima defesa preventiva que é uma causa de

exclusão da culpa supra legal, ou então, aplicamos subsidiariamente por analogia, a

figura do excesso por susto, medo ou perturbação. A analogia é aqui permitida porque,

mais uma vez, é favorável ao agente.

Obediência indevida desculpante

(artigo 37.º CP)

Esta causa de exclusão da culpa ocorre quando alguém, cumpre uma ordem, sem saber

que ela conduz à prática de um crime e quando tal não era evidente. Portanto, o que

acontece nestas situações é que a pessoa está em erro sobre a ilicitude do seu facto, mas

para além disto, este erro é causado por uma ordem especial ou de serviço oficial- por

isso o legislador estabelece um regime especial. Não interessa se era censurável, mas sim

se era ou não fácil de se evitar.

Por exemplo, se um funcionário falsifica um documento sem saber que o estava a fazer, cumprindo uma

ordem do seu superior hierárquico, atua esta causa de exclusão da culpa em sentido estrito.

Erro- quando a pessoa está em erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de

exclusão da culpa- i.e.- erro sobre a ordem de alguém que tem poder para emitir

ordens ou comandos ao seu inferior hierárquico. Estes casos de erro sobre os

pressupostos de facto de exclusão da culpa são os do artigo 16.º/2- mas o regime aplicável

neste número tem que ver com os pressupostos de causa de exclusão da ilicitude. Aplica-se

o artigo 16.º/2 e exclui-se o dolo também a estas causas de exclusão da culpa- não por

analogia porque a professora diz que lá está claramente a posição do Figueiredo

Dias- considerasse que o dolo tem o elemento emocional.

Para a Professora Bárbara Sousa de Brito, neste caso não se devia excluir o dolo. Se a

professora não representa o perigo atual e concreto- se a pessoa da tábua não representa e se

vem a provar que a Tábua aguentava com duas pessoas- A empurra B porque se pensa que a tábua só

aguenta com um e mais tarde se vem a provar que a tábua só aguentava com os dois.- para a Professora,

não lhe era exigível no caso concreto a atuação de outra maneira- devia haver uma

exclusão da culpa e não do dolo.

Nestas situações em que a pessoa está em erro sobre os pressupostos de facto de exclusão

da culpa, o ser o perigo atual ou potencial, mas o agente não saber, ao nível da análise do

caso, continua a não ser exigível a adoção de outro tipo de comportamento- não se

altera nada ao nível da análise da culpa.

Ás vezes temos soluções no CP onde se percebe claramente que há uma adoção da posição

de Figueiredo Dias em relação à culpa. Muitas vezes, para a Professora Bárbara Sousa de

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41

Brito, o que interessa é determinar se lhe era exigível o determinar-se ou não pelo

Direito. Esta avaliação deve ser feita de acordo com a culpa ou eventualmente pela sua

diminuição. Mas face ao nosso CP devemos excluir o dolo e punir o agente

eventualmente a título de negligência.

Se houver erro sobe uma existência ou limites de uma causa de exclusão

da culpa, esse erro é irrelevante porque o único erro relevante é o erro

sobre a ilicitude. Se a pessoa está em erro sobre uma causa de exclusão

da culpa, não está em erro sobre a ilicitude.

O artigo 17.º só se aplica quando há um erro direto ou indireto - este não se aplica

quando a pessoa pensa que há uma causa de exclusão da culpa que não existe.

Artigo 17.º- Causa de exclusão da ilicitude

Artigo 16.º/2

=

Erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de exclusão da culpa

+

Erro sobre os pressupostos de facto das causas de exclusão da ilicitude.

Artigo 16.º/2:

o Professora Bárbara- exclusão da culpa

o Professor Figueiredo Dias- exclui-se o dolo e eventualmente o agente é punido

a título de negligência.

Casos Prático

António, em gozo de férias autoriza Bento a pernoitar em sua casa. Carlota, vizinha de

António que não tendo conhecimento da autorização e vendo Bento a tentar abrir a porta

de António, e pretendendo ser útil a António, fere o pretenso intruso com um martelo. Quid

Juris?

Comportamento de B

B não pode ser responsabilizado jurídico criminalmente- houve um consentimento

do lesado.

Exclui-se a tipicidade-porque o agente não pratica sequer o facto típico. O

consentimento não é uma causa de exclusão da ilicitude. O bem jurídico reserva à

intimidade da vida privada só tem valor quando associado à livre disposição do

particular. Neste caso, o consentimento atua como causa de exclusão da tipicidade.

Conceição Vale Dágua: todos os bens jurídicos só têm valor quando associados à livre

disposição. Para esta professora, o consentimento funciona como uma causa de

exclusão da tipicidade. Só funciona como causa de exclusão da ilicitude quando

estamos no âmbito do consentimento presumido.

Page 42: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

42

O B, ao entrar na casa do A, não comete nenhuma agressão típica, porque o consentimento

surge como elemento negativo do tipo. A propriedade privada só tem valor se associada

à sua livre disposição.

Vamos punir a vozinha ou não vamos punir a vizinha? Existe responsabilidade jurídico criminal da

vizinha?

Ação jurídico penalmente relevante

a- Tipo- artigo 143.ºCP- ofensa à integridade física

Causas de exclusão da ilicitude:

Legítima defesa ou Direito de Necessidade?

O que distingue o direito de necessidade da legítima defesa:

Na legítima defesa tem que haver uma ação humana que se constitui

como a causa do perigo. O que carateriza a figura da legítima defesa

alheia é o haver uma agressão atual e ilícita.

No Direito de Necessidade, a causa do perigo não é o comportamento

humano. No direito de Necessidade tem que existir um perigo real e atual

que ameace determinados bens jurídicos, em conformidade com o artigo

34.º CP.

Nesta hipótese podia-se discutir a proporcionalidade do meio necessário?

Meio Necessário

O meio necessário tem que ser o meio mais seguro que no momento concreto consegue

repelir a agressão, sendo também o menos gravoso de entre aqueles que o agente tem

disponíveis.

a) Consideração do Meio como Inadequado

Se o meio empregue não era o necessário- não podemos aplicar a figura da

legítima defesa que exige que o meio utilizado para evitar a afetação do bem jurídico

seja o meio necessário.

Exclusão da Legítima Defesa- o meio empregue não era o necessário e o mais

adequado.

Excesso de defesa- artigo 33.º CP

Há ou não uma causa de exclusão da culpa?

Excesso de defesa em caso de medo, susto ou perturbação não censuráveis?

Page 43: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

43

O excesso de defesa pode servir como causa de exclusão da culpa devido a medo, susto

ou perturbação não censuráveis. Uma senhora que hipoteticamente é idosa tinha medo

de pessoas que se fossem intrometer na casa do vizinho. O excesso de defesa não

exclui a ilicitude- não se aplica o artigo 16/2.º CP.

b) Consideração do meio como adequado

Erro sobre as circunstâncias- exclusão do dolo por via do artigo 16.º/2 CP.

Tínhamos de acrescentar que apesar de o meio ser necessário, há uma discrepância de

entre aquilo que a pessoa representa e aquilo que se passa na realidade. A senhora

representa uma agressão atual e ilícita, mas na verdade esta agressão atual e ilícita não

existe porque nem sequer é atual e típica para a maior parte da Doutrina.

o Artigo 16.º/2 – exclui-se o dolo- mas a pessoa pode ser punida título de

negligência se se verificarem os pressupostos de punição da senhora a esse

título.

Não há uma agressão ilícita- a agressão não é ilícita porque em primeiro lugar nem

sequer é típica e por isso não se verificam sequer os pressupostos da legítima defesa.

Mas a análise dos pressupostos do erro só teria relevância se chegássemos à conclusão de

que o meio empregue era o meio necessário porque o erro só faz sentido quando se verificam

os elementos objetivos da legítima defesa.

Artigo 16.º/2- o preceituado no n.º anterior- estatuição do n.º anterior - exclusão do dolo-

erro sobre o estado de coisas que a existir excluía a ilicitude.

Se na análise da hipótese disséssemos que a pessoa não atua em legítima defesa porque

o meio não era necessário- não era o menos gravoso de entre os disponíveis- podia chamar

a polícia, não podíamos sequer dar relevância quanto ao erro em que a Senhora estava.

A exclusão da ilicitude só pode existir quando o meio é necessário. Na situação de

excesso de defesa, o único artigo que podemos eventualmente aplicar era o artigo 33.º CP

que diz que no caso de haver excesso por causa de medo, susto ou perturbação não

censurável, exclui-se a culpa.

Conclusão:

Artigo 16.º/2- nunca se aplica se não se puder aplicar uma causa de exclusão da

ilicitude de acordo com o pensamento do sujeito ou agente.

Page 44: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

44

Caso Prático

Havia já à algum tempo que Carlos não gostava de Duarte. Porém, quando ficou a saber que

este começara a namorar coma sua irmã Elsa ficou furioso. Contava Carlos o seu drama a

Filipe, um amigo, quando este lhe disse que conhecia um tipo, o Gustavo, que já limpou o

cebo a uns quantos e anda com dificuldades económicas. Por algum dinheiro ele faz o que

tu quiseres. Carlos, pediu então a Filipe que em seu nome contactasse Gustavo e lhe

oferecesse 500,00€ para dar uma sova a Duarte. Gustavo aceitou prontamente a proposta

que o Filipe lhe fez. Mais tarde, nessa noite, esperou por Duarte à porta de uma discoteca e

vendo sair uma pessoa, de aspeto físico semelhante ao de Duarte, mas que era Hugo, agrediu-

o violentamente. Hugo, foi transportado para o Hospital, onde acabou por falecer por não

ter sido possível realizar imediatamente uma transfusão de sangue uma vez que aquele

Hospital não disponha em stock sangue do seu tipo, que era efetivamente um tipo de sangue

muito raro. Determine a responsabilidade jurídico criminal dos intervenientes.

1- Comparticipação criminosa

Numa situação de comparticipação criminosa devemos começar sempre primeiro pelo

autor material ou Imediato.

Quem era na hipótese o autor material ou imediato? Gustavo.

Gustavo agride a pessoa de Hugo pensando que o estava a fazer em relação a Duarte.

Estamos perante uma situação em que de acordo com a Teoria do Crime estamos perante

uma situação de erro sobre o objeto.

Erro sobre o objeto: Gustavo pensa que o Homem que estava a sair da discoteca era Duarte.

Contudo, o erro não é relevante porque há identidade típica do objeto.

Elementos Subjetivos do Tipo: Gustavo agride violentamente Hugo

Que dolo é que o agente teve ao atuar? Dolo de homicídio ou dolo de ofensa à integridade física?

Sabemos de acordo com as informações que nos são descritas na hipótese que o agente em

causa está habituado a praticar atos conducentes à morte de outrem. O homem no caso

normalmente mata. Em princípio podíamos afirmar que existia dolo eventual de

morte.

a) Temos dados na hipótese para retirar que o agente representa a morte e

conformasse com ela. O tipo que estava em causa era sem dúvida o tipo de

Homicídio e só nesse caso tínhamos o problema: havendo dolo de morte- tínhamos

o problema da imputação objetiva;

b) Vai ao Hospital e acaba por falecer porque não foi possível realizar uma transfusão

de sangue. Houve uma interrupção do processo causal.

Page 45: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

45

Crime de Homicídio

Elementos Objetivos do Tipo

Imputação objetiva- interposição de um risco novo- Teoria do Risco

Não há uma imputação objetiva do resultado morte à conduta de Gustavo. Há uma

interposição de um risco novo.

Sub Hipótese que tínhamos de abrir: tínhamos de saber se o facto de não haver sangue se

deveu ao facto de Homem responsável pelo stock ter sido negligente. Se chegarmos à

conclusão de que houve negligência do Hospital em relação aos Stocks- há uma

interposição de um risco proibido e este é que se interpõe no resultado. Mas se não

houvesse a violação de um dever de cuidado por parte do Hospital não havia uma

interrupção do processo causal e o agente seria imputado objetivamente quanto ao

crime de Homicídio- havia uma imputação objetiva do resultado à conduta do agente.

Suma:

Interrupção do processo causal- quando se cria um novo risco e esse novo risco vier a

concretizar-se no resultado

+

Dolo objetivo de Gustavo

=

Gustavo vai ser punido só pela tentativa de crime de Homicídio- a tentativa só existe

ou quando não há uma imputação objetiva do resultado à conduta do agente ou quando o

resultado não se verifica.

A conclusão a que chegamos é a de que não há uma interrupção do processo causal- o

agente é punido pelo crime de Homicídio porque o resultado é objetivamente imputável à

conduta do agente.

Teoria da Adequação: quando o agente consegue prever o resultado segundo aquele

processo causal- havendo um novo risco, provavelmente Gustavo não conseguir prever

aquele resultado segundo aquele processo causal. Mas como os Hospitais em Portugal são

velhos, é previsível que as pessoas morram segundo aquele processo causal.

Responsabilidade do Carlos e do Filipe

Instigação em Cadeia

Neste caso há uma pessoa que pede a outra que contacte o autor material. Para haver

instigação, tem que haver alguém a determinar outrem à prática do crime. O nosso

Código diz no artigo 26.º CP que é punível como autor quem determinar outra pessoa à

prática do facto. O nosso legislador quer punir como instigador quem determinar outrem à

prática do facto. Na nossa hipótese, quem contacta com o autor material é Filipe. Podemos

considerar o Carlos como instigador porque quem contactou o rapaz que bate foi

Filipe?

Divergência na Doutrina: podemos responsabilizar C

Page 46: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

46

Conceição Vale Dágua: existe uma instrumentalização do Filipe para a prossecução dos

fins. Nesse sentido, consideraríamos Carlos como autor mediato e Filipe como

cúmplice: “Aliciamento por ajuste”- neste caso a pessoa continua a ter o domínio do

facto porque domina a decisão do Homem da Frente até ao último minuto. Autor

mediato é aquele que tem até ao último momento o poder de parar a ação.

Quando há instigação em cadeia:

A) Só pode ser punido como instigador quem entra em contacto direto com o

autor material- era isto que defendia Eduardo Correia;

B) Mas, a maior parte da Doutrina Atual entende que o legislador apenas diz quem

determinar outra pessoa à pratica do facto- não o diz se é direta ou

indiretamente.

O importante é partir do executor material e perguntar o que é que foi determinante para o

executor realizar o facto? O que foi determinante foram os 500,00€ e por isso mesmo

faz todo o sentido considerar punir como instigador o que oferece os 500,00€. Filipe

podia ser punido a título de cumplicidade- mas só se o papel que desempenhou na ação foi

o de mero núncio. Por outro lado, se considerássemos que o contributo de Filipe foi

essencial- o mesmo seria punido a título de autor material- seria considerado como co-

autor.

Instigador- determina outrem a praticar o facto

Co-autor- participa na realização do facto

Cúmplice- fornece a arma mas não participa

Excesso:

Depois de analisado o problema da instigação em cadeia, tínhamos de dizer que houve um

excesso por parte de Gustavo porque o Carlos só lhe pede, ainda que indiretamente,

para pregar um susto ou uma sova.

Qual a relevância do excesso em relação ao autor material?

1- O Gustavo não bateu no Duarte, mas sim na pessoa de Hugo.

Há erro sobre o objeto apesar de não ter qualquer relevância para o autor material. Para

maior parte da Doutrina, havendo erro sobre o objeto do Homem da Frente, esse erro

equivale a uma aberractio ictus para o Homem de Trás. Em princípio este Homem de

trás vai ser punido em concurso pela tentativa do crime de ofensa à integridade física

de Duarte e pelo crime que o Homem da Frente realizou de forma negligente se se

provar que Carlos conseguia prever que o Homem da frente ia errar. Isto era difícil de

se provar porque Carlos podia saber que Duarte era distraído ou que a fotografia não era

bem visível.

Tínhamos de saber qual a relevância do erro sobre o objeto para o Homem de

Trás.

Page 47: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

47

Excesso do Homem Da Frente: se houver excesso, para maior parte da Doutrina, o

Homem de Trás apenas pode ser punido como autor negligente se for previsível- se

soubesse que o Homem era violento por natureza., por exemplo.

Page 48: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

48

Punibilidade

Por norma um facto típico, ilícito e culposo é também punível mas pode acontecer que no

caso em concreto não se verifique a condição de punibilidade em sentido amplo e só

nestes casos é que importa analisar a punibilidade individualmente.

Fundamento da Punibilidade A ideia que está por detrás da punibilidade é a ideia de dignidade penal, ou seja, em função

fundamentalmente de ideias preventivas, o facto concreto fica aquém do limiar mínimo

da dignidade penal:

“Apesar da realização do tipo de ilícito e do tipo de culpa, a imagem global do facto

é uma tal que em função de exigências preventivas o facto concreto fica aquém do

limiar mínimo da dignidade penal” – Figueiredo Dias.

Quais as condições de punibilidade em sentido amplo?

Dentro das condições de punibilidade em sentido amplo, temos:

Condições Objetivas de Punibilidade

Em primeiro lugar, as condições objetivas de punibilidade, isto é, em

determinados tipos de crime têm de se verificar certas circunstâncias extrínsecas

ao facto típico e ilícito para que o facto possa ser punível e por isso não estão

abrangidas pelo dolo.

Na tentativa, por exemplo, surge como condição objetiva de punibilidade: a pena aplicável

ao crime consumado ser superior a três anos. Esta condição não tem nada que ver com

a ilicitude, tipicidade ou culpa do agente – é sim uma condição extrínseca que tem de

se verificar para que o facto possa ser punível.

Outro exemplo encontra-se no artigo 295º CP que diz respeito ao crime de embriaguez ou

intoxicação. Para que o tipo esteja preenchido é necessário que haja pelo menos

negligência, e que o agente se coloque no estado de inimputabilidade. Não é um crime

de resultado, basta esta atividade para o tipo ficar preenchido, o que se passa é que o

legislador exige para a sua punibilidade que o agente pratique um facto ilícito típico

– é apenas uma condição objetiva da punibilidade que tem de se verificar para que se

diga que é um facto digno de pena de prisão.

Causas de Exclusão da Pena ou Causas Pessoais de isenção da pena

Há ainda as denominadas causas de exclusão da pena ou causas pessoais de

isenção da pena que são condições que ocorrem após a prática do facto típico

ilícito e culposo e que podem condicionar a sua punibilidade.

Page 49: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

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Por exemplo, desistência voluntária: na tentativa, se houver desistência voluntária

o facto deixa de ser punível porque do ponto de vista de prevenção geral e

especial o facto deixa de necessitar/exigir punição.

Âmbito de aplicação da Punibilidade Não podem fazer parte desta categoria circunstâncias que tenham que ver com o tipo

de ilícito e tipo de culpa mas também não fazem parte deste tipo de punibilidade as

situações que não têm que ver com o conceito de crime mas com a pena, ou seja,

com as consequências do crime.

Exemplo: Instituto da despensa de pena – artigo 75º CP. Não tem que ver com a

punibilidade, mas sim com a política autónoma da consequência jurídica do crime.

Outro exemplo: Condição de procedibilidade da ação penal – necessárias para que o

processo penal realize e se determine a responsabilidade jurídico-criminal do agente.

Por exemplo, há crimes em que tem de haver queixa, tem que ver com matéria que regula a estatuição do

crime.

Facto Punível

Quando se afirma que um facto é punível significa apenas que estão verificados no crime

todos os pressupostos necessários para que a punição se possa desencadear. O

próprio regime jurídico da pena pode dizer que não se aplica. Às vezes diz-se que a

categoria da punibilidade tem que ver com perfeição do tipo, ou seja, a própria

disciplina da consequência jurídica do crime pode dizer que afinal já não se vai aplicar pena.

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Tentativa

Este instituto, tal como a comparticipação, surge como uma forma especial de surgimento

do crime porque nos tipos de crime da parte especial do CP descrevem-se situações de

autoria singular, direta em que o crime se apresenta na forma consumada. A professora

considera que tanto a tentativa como a comparticipação têm que ver com o tipo de

ilícito.

Ter um crime na forma consumada ou ter um crime de tentativa é igual em relação à análise

(tipicidade, ilicitude, etc.). O que a tentativa tem em termos de especificidades são os

seus elementos objetivos. Os artigos 22º e 23º CP são considerados normas extensivas

da tipicidade uma vez que vão permitir punir nas situações de tentativa - se estes artigos

não existissem não haveria essa possibilidade.

Como é que se constrói o tipo da tentativa?

Tem de se conjugar o artigo 22º com a norma da parte especial incriminadora.

Artigo 22º + Norma da Parte Especial Incriminadora

Elemento Subjetivo da Tentativa

Para haver tentativa é necessário que haja dolo uma vez que não é possível haver tentativa

negligente e tal resulta do artigo 22º do CP.

A maior parte da doutrina defende que o dolo poderá revestir uma das três formas:

Dolo direto;

Dolo necessário;

Dolo eventual.

O único professor que defende que não se pode considerar haver tentativa numa das formas

de dolo é Faria da Costa que acredita que no dolo eventual o agente não decidiu

realizar o crime. A Professora Bárbara Sousa Brito não concorda com Faria da Costa

uma vez que a pessoa representa a possibilidade de realização do facto típico e

conforma-se, havendo um comportamento criminoso.

Para além do dolo, nos crimes dolosos em que para além do dolo se exige elemento

subjetivo especial- crime de furto- para que o tipo subjetivo esteja verificado é

necessário a presença desse elemento subjetivo especial.

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Exemplo: Crime de Furto (artigo 203º CP) -Terá de haver intenção de apropriação para

que a tentativa do crime seja punível.

Elemento/Tipo Objetivo da Tentativa

Traduz-se na prática de atos de execução e, por isso, a grande questão que se coloca é:

Quando é que a prática de um ato deixa de se considerar apenas um ato preparatório e passa a ser considerado

um ato de execução?

O artigo fundamental para saber quando é que há atos de execução é o artigo 22º/2 CP:

Alínea a) – Atos que preenchem um elemento constitutivo de um tipo de crime:

São atos de execução aqueles que caem sob alçada de um tipo de ilícito e são

abrangidos pelas palavras da norma incriminadora. Estes atos de execução só

podem acontecer nos crimes de forma vinculada, isto é, crimes que só podem

ser praticados por determinada forma.

Exemplo: Homicídio por Envenenamento – só pode ser praticado daquela forma;

Furto com introdução em casa alheia - ato de execução abrangido pela norma

incriminadora.

Esta alínea consagra uma teoria construída por Liszt – Teoria Formal Objetiva:

Teoria que surgiu para determinar quando é que existiam atos de execução.

Alínea b) – Atos idóneos a produzir um resultado típico:

São atos de execução todos os atos idóneos a produzir um resultado típico. São

atos de execução, todos os atos adequados a produzir o resultado típico e que

portanto põem em perigo substancial o bem jurídico.

Quando se dispara sobre alguém está-se a praticar um ato de execução, ou seja, está-

se a praticar um ato idóneo a realizar o facto típico. Corresponde à teoria material

objetiva que foi defendida nomeadamente por Frank;

Alínea c) – Estabelece o limite mínimo de quando um ato deixa de ser operatório

e passa a ser considerado um ato de execução:

o São atos de execução aqueles que segundo a experiência comum e salvo

circunstâncias imprevisíveis, são de natureza a fazer esperar que se

lhes sigam os atos das alíneas a) e b). No entanto, a maior parte da

doutrina entende que para além disso, têm também de ser atos que segundo

o plano concreto do agente são de natureza a fazer esperar que

imediatamente a seguir se lhes sigam atos das alíneas a) ou b) porque

só neste caso é que se pode dizer que há um perigo concreto de lesão

de bem jurídico. E esta necessidade de haver a criação de um perigo

concreto de lesão de bem jurídico, é para maior parte da doutrina, o

fundamento de punibilidade da tentativa.

Page 52: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

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Exemplo: A tira a pistola do bolso, mas ainda a vai pôr num muro para que consiga atirar melhor sobre

a pessoa. Esta é uma situação em que segundo o plano concreto do agente não é de esperar que imediatamente

a seguir se lhe siga um dos atos previstos nas alíneas a) e b).

Terá de se estabelecer uma relação direta ou indireta com a esfera da vítima.

Para Roxin terá de haver um ato com estreita relação temporal com a lesão efetiva do

bem jurídico e uma relação direta ou indireta com a esfera da vítima, porque só no caso

de se verificarem cumulativamente estas situações é que haverá a criação de um perigo

concreto para o bem jurídico.

Para grande parte da doutrina justifica-se haver tentativa quando há perigo para o

bem jurídico, no entanto, só haverá verdadeiramente perigo se for previsível

segundo a experiência comum e no plano concreto.

O critério consagrado na alínea c), interpretado pela doutrina, é um critério final

objetivo que serve para ver se há uma estreita relação temporal com a lesão do

bem jurídico e com a esfera da vítima, tal como afirma Roxin.

Parte da doutrina considera que o que mais importa para se punir a tentativa é o desvalor

da ação, tendo mais facilidade em defender a punibilidade da tentativa impossível- esta

é a posição da professora Bárbara Sousa Brito. Por outro lado, outra parte da doutrina dá

mais importância à criação de perigo para os bens jurídicos.

Condições para a responsabilidade jurídico criminal do agente em

virtude de tentativa Para haver responsabilidade jurídico-criminal da tentativa tem de se verificar se a conduta é

típica, ilícita, culposa e punível.

Page 53: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

53

Punibilidade da tentativa

No que respeita às primeiras três, não há nenhuma especificidade mas no que toca à

punibilidade já as há:

Tem de ser aplicada uma pena superior a três anos, salvo disposição em contrário

– artigo 23º/1 CP;

Há ainda uma segunda condição de punibilidade da tentativa embora apenas seja

aplicável às tentativas impossíveis: não clareza para as pessoas:

De que o meio era inidóneo a produzir o resultado;

Ou

Que o objeto do crime era inexistente.

Quando há uma tentativa impossível?

Mas vejamos, em primeiro lugar, o que são tentativas impossíveis: há uma tentativa

impossível quando apesar de estarem presentes os elementos objetivos e subjetivos

do tipo da tentativa não poderá haver a produção do resultado típico por um de dois

motivos:

o Porque o meio usado não é idóneo a produzir o resultado, ou;

o Porque o objeto típico do crime não existe.

Exemplo: Alguém que dispara sobre uma pessoa já morta.

Atenção: Não confundir tentativa impossível com crime impossível. No crime

impossível a pessoa pensa que determinado facto é crime quando na realidade não o é. Na

tentativa impossível há um elemento subjetivo da tentativa mas não pode é haver

produção do resultado típico.

Exemplo de crime impossível:

A pensa que o adultério é crime e ao praticar adultério pensa que esta a cometer um crime.

Exemplo de tentativa impossível:

A pensa que está grávida pensando que está na 15ª semana de gestação. Toma um produto abortivo, mas

na realidade não está grávida.

No caso de tentativa impossível, tal como foi referido anteriormente, também é condição

objetiva de punibilidade a não clareza para as pessoas de que o meio era inidóneo a

produzir o resultado ou que o objeto do crime era inexistente. Se for evidente que o

meio não era idóneo a produzir o resultado ou que o objeto era inexistente não haverá

tentativa impossível.

Teoria da Impressão

Recorre-se normalmente ao critério ou teoria da impressão. De acordo com este critério, se

para um observador médio era previsível que o meio não era inidóneo ou que o objeto

não existia, então é porque é clara a constatação desses factos (que o objeto não existe

ou que o meio não serve) – artigo 23º/3 CP.

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54

O fundamento da punibilidade da tentativa impossível é a aparência de colocação em

perigo do bem jurídico e a dignidade penal está relacionada com a necessidade de

intervenção.

Ainda a propósito da punibilidade da tentativa, importa referir uma causa pessoal de

isenção da pena na tentativa:

Desistência Voluntária

Circunstância que ocorre após a prática do facto e que impede a sua punibilidade e

aproveita apenas à pessoa que desistiu, daí ser pessoal – prevista nos artigos 24º e 25º

CP.

Podem distinguir-se três formas – 24º CP:

o Desistência após a consumação formal mas antes da consumação

material: “Não obstante a consumação, impedir a verificação do resultado compreendido

no tipo de crime” (24º/1 CP). São os crimes de perigo concreto dado que

nestes tipos de perigo concreto pode haver consumação formal sem

haver consumação material.

Exemplo: Basta que se prove que a mulher criou perigo para a vida da criança, não sendo necessário que

a criança morra.

o Desistência na tentativa acabada: “Impedir a consumação do crime” (24º/1

CP). Fala-se em tentativa acabada quando já houve a prática de todos os atos

de execução a cargo do agente, ao tempo do último ato de execução o agente

considera possível a verificação da consumação. A desistência consiste no

impedimento da consumação do crime por parte do agente mesmo

após ter praticado todos os atos de execução a seu cargo. Terá de se dar

a chamada desistência ativa porque se terá de fazer algo para impedir a

consumação do crime.

Exemplo: O A já pôs a bomba e o cronómetro a contar, se quiser impedir que a bomba expluda terá de

a desligar.

o Desistência na tentativa inacabada: “desistir de prosseguir na execução do crime”

(24º/1 CP). O agente ainda não praticou todos os atos de execução a

seu cargo. Na tentativa inacabada, para haver desistência basta que o

agente não pratique os atos de execução que ainda faltam para a

consumação do crime e, portanto, no fundo, fala-se em desistência

passiva porque ele interrompe/omite os atos que ainda faltam.

Exemplo: Alguém aponta uma pistola mas falta-lhe premir o gatilho para

que haja execução do crime.

Ter-se-á de ter em conta a representação do agente sobre o estado alcançado.

Qualquer das desistências, para terem de relevância, terão de ser voluntárias e estas

consideram-se voluntárias quando o agente podia prosseguir com a prática do crime de

forma bem sucedida e mesmo assim decide não prosseguir com a execução do crime.

Page 55: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

55

No entanto, se a desistência se dá porque o agente pensa que já não consegue realizar

o crime, não se poderá chamar de desistência voluntária. A desistência será involuntária

quando o agente impede o resultado em virtude do receio, receio esse fundado numa

modificação das circunstâncias exteriores.

Exemplo: Se o agente desiste porque vê o polícia já não se poderá considerar desistência voluntária.

O que fundamenta a desistência são razões político-criminais, o que é decisivo é que a

desistência possa ser vista como obra pessoal do agente, que este tenha tomado nas suas

próprias mãos a reversibilidade do processo lesivo do bem jurídico, não importando

os motivos.

Ainda a propósito da desistência, há outra causa de isenção da pena que se encontra

referida no artigo 24º/2 CP e que só se pode aplicar quando a consumação

material do crime é impedida por facto independente da conduta do agente

mas o agente se esforçou seriamente para impedir a consumação formal e/ou

material do crime. Quando se fala aqui esforçou-se seriamente implica que hajam

atos que criaram na perspetiva do agente uma oportunidade de salvação do

bem e “sérios” no sentido de levar a cabo tudo aquilo que ele pensa que tem de

fazer para evitar a consumação.

Exemplo: Crime de exposição ou abandono (138º CP): a mãe abandona a criança na floresta,

passados cinco minutos aparece um polícia que impede a consumação material do crime.

Todavia a mãe arrepende-se da sua decisão e passados 190 minutos volta ao local para tentar salvar a

criança. A mãe esforçou-se seriamente para impedir a consumação – 24º/2 CP.

Possibilidade de, no caso de haver um esforço sério, se dar a isenção da punibilidade

mesmo que não tenha sido por sua intervenção ou que não tenha havido consumação

material do crime uma vez que se dá uma interrupção do processo.

Atenção: Não se deve confundir isenção da pena (ao nível da punibilidade) com isenção da

culpa (tratando-se de uma causa de exclusão da culpa).

Deu-se uma grande discussão por parte da doutrina, nos últimos anos, em relação à

punibilidade - para se saber se se devia deixar de punir o agente:

Para Figueiredo Dias o fundamento que está por detrás da impunidade da

desistência voluntária resulta da conjugação de vários pontos de vista que nos dão

a ideia do porquê que na desistência faz sentido excluir a pena;

O professor Roxin criou uma figura nova que misturava a culpa com fins de

prevenção mas, embora a professora o entenda, este foi criticado por isso: não se

deve confundir a categoria da culpa com os fins das penas. A culpa deve apenas

preocupar-se com a relação do agente com o direito. Roxin chamou a atenção para a

importância da dignidade penal do comportamento – necessidade de punir

aquele tipo de comportamento.

Page 56: Teoria do Crime FDUNL - Parte II

56

Desistência em caso de comparticipação

(artigo 25º CP)

A desistência voluntária é causa pessoal de isenção da pena o que significa que só

aproveita ao próprio que desiste mas na comparticipação pode não ser punido:

Aquele que impede a consumação do crime formal ou material: “não é punível a

tentativa daquele que voluntariamente impedir a consumação ou a verificação do resultado” (25º

CP);

Aquele que se esforçar seriamente para impedir a consumação do crime

mesmo que, ainda assim o crime se consume porque os outros

comparticipantes prosseguiram na consumação: “não é punível a tentativa (…)

daquele que se esforçar seriamente por impedir uma ou outra, ainda que os outros comparticipantes

prossigam na execução do crime ou o consumam.”