teoria geral do crime e da pena - apontamentos

118
TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 1 Capítulo I – Introdução à Teoria do Crime I - Noção Geral de Crime e Sua Análise Conceito de Crime: o CP vigente não define o que seja crime, ao contrario do que sucedia nos Códigos de 1852 e 1886, que o definam enquanto facto voluntário declarado e punível pela lei penal. Crime, além de fenómeno social, é um facto, um ‘’feito’’ de uma pessoa, um comportamento humano, uma conduta, não havendo dois que sejam iguais. Substancialmente, o crime é um facto voluntário que lesa ou põe em perigo de lesão bens jurídicos protegidos pela ordem jurídica visão insuficiente para a dogmática penal, necessitando de ser completada por uma definição mais analítica. Deste modo, crime enquanto facto típico, ilícito e culposo, punível . O Crime é um comportamento humano voluntário, mas para que tal se possa qualificar como criminoso é necessário que: O facto seja típico O facto seja ilícito O facto seja culpável O facto seja punível. ▲ Os pressupostos das medidas de segurança têm de ser típicos, sendo que o fundamento da sua aplicação reside na perigosidade do agente (≠ pressuposto da punição que é a culpa) – art. 91º e ss. Teoria do Crime: parte da ciência do direito penal que se ocupa de explicar o que é o crime, ou seja o que é o facto humano relevante para o Direito Penal e quais as características que o facto deve ter para poder ser qualificado como crime. Esta explicação visa tornar mais fácil a averiguação da presença do crime em cada facto humano concreto. Elementos do Crime: 1. Facto Humano (sinónimo de acção humana positiva ou omissiva, de conduta e de comportamento): qualquer comportamento humano, comissivo ou omissivo, que se tenha produzido sob o domínio da vontade do seu agente. O facto, enquanto elemento do crime, é sempre um feito da vontade do seu autor, um produto da sua vontade. 2. Tipo enquanto descrição abstracta que a lei faz do facto, expressão da conduta. A Tipicidade enquanto subsunção, na adequação de uma conduta da vida real a um tipo legal de crime. Sendo o tipo um modelo de comportamento proibido, abrange ao descrever a conduta proibida, o sujeito da acção, ou seja o agente do crime, a acção, os seus elementos objectivos e subjectivos, e se for caso, o objecto da acção bem assim como o resultado, com a respectiva relação de causalidade. TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA – PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA

Upload: maria-luisa-lobo

Post on 25-Oct-2015

1.009 views

Category:

Documents


5 download

TRANSCRIPT

Page 1: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 1

Capítulo I – Introdução à Teoria do Crime

I - Noção Geral de Crime e Sua Análise

Conceito de Crime: o CP vigente não define o que seja crime, ao contrario do que

sucedia nos Códigos de 1852 e 1886, que o definam enquanto facto voluntário

declarado e punível pela lei penal.

Crime, além de fenómeno social, é um facto, um ‘’feito’’ de uma pessoa, um

comportamento humano, uma conduta, não havendo dois que sejam iguais.

Substancialmente, o crime é um facto voluntário que lesa ou põe em perigo de lesão

bens jurídicos protegidos pela ordem jurídica visão insuficiente para a dogmática

penal, necessitando de ser completada por uma definição mais analítica. Deste

modo, crime enquanto facto típico, ilícito e culposo, punível.

O Crime é um comportamento humano voluntário, mas para que tal se possa

qualificar como criminoso é necessário que:

O facto seja típico

O facto seja ilícito

O facto seja culpável

O facto seja punível.

▲ Os pressupostos das medidas de segurança têm de ser típicos, sendo que o

fundamento da sua aplicação reside na perigosidade do agente (≠ pressuposto da

punição que é a culpa) – art. 91º e ss.

Teoria do Crime: parte da ciência do direito penal que se ocupa de explicar o que é o

crime, ou seja o que é o facto humano relevante para o Direito Penal e quais as

características que o facto deve ter para poder ser qualificado como crime. Esta

explicação visa tornar mais fácil a averiguação da presença do crime em cada facto

humano concreto.

Elementos do Crime:

1. Facto Humano (sinónimo de acção humana positiva ou omissiva, de conduta e

de comportamento): qualquer comportamento humano, comissivo ou

omissivo, que se tenha produzido sob o domínio da vontade do seu agente. O

facto, enquanto elemento do crime, é sempre um feito da vontade do seu

autor, um produto da sua vontade.

2. Tipo enquanto descrição abstracta que a lei faz do facto, expressão da

conduta. A Tipicidade enquanto subsunção, na adequação de uma conduta

da vida real a um tipo legal de crime. Sendo o tipo um modelo de

comportamento proibido, abrange ao descrever a conduta proibida, o sujeito

da acção, ou seja o agente do crime, a acção, os seus elementos objectivos e

subjectivos, e se for caso, o objecto da acção bem assim como o resultado,

com a respectiva relação de causalidade.

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA – PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA

2012/2013

Page 2: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 2

O tipo legal desdobra-se em vários tipos (tipo de ilícito, tipo de culpa, tipo de

justificação e tipo de desculpa) – da conjugação de todos resulta a norma

penal incriminadora.

3. Ilicitude ou Antijuridicidade: contrariedade entre o facto e o ordenamento

jurídico. A Ilicitude penal é a contrariedade do facto humano ao ordenamento

penal.

4. Culpabilidade ou Censurabilidade: juízo de reprovação jurídica ao agente por

ter perpetrado o facto ilícito. Tem por conteúdo a realizado do facto ilícito,

constituindo um juízo axiológico negativo sobre o agente por ter praticado o

facto ilícito.

5. Punibilidade: consequência lógico-jurídica da prática de um facto típico, ilícito

e culposo. Em regra, todo o facto típico, ilícito e culposo é punível, mas não

necessariamente – a lei, por várias razões, pode exigir algo mais (condição de

punibilidade) para que à prática do crime se siga como consequência uma

sanção, uma pena. Não se verificando a condição de punibilidade, o crime

existe mas não é punível. Pode suceder ainda que embora o facto seja típico,

ilícito e culposo, o legislador entenda que o facto não merece punição (art. 74º

do CP – dispensa de pena).

Estrutura Essencial e Estrutura Acidental do Crime

Elementos Essenciais do Crime: aqueles que a lei considera indispensáveis para

a sua existência.

Elementos Acidentais: aqueles que fundamentam a sua quantidade ou

gravidade.

A Ilicitude e a Culpabilidade são juízos de valor não susceptíveis de graduação, sendo

o facto objectivamente ilícito é mais ou menos grave, como mais ou menos grave é o

facto culpável.

Ilicitude contrariedade à lei: facto é ou não ilícito

Culpabilidade é a censurabilidade: o facto é ou não censurável

Circunstâncias: corresponde às características acidentais, sendo que a maior ou

menos gravidade do facto depende de tais.

Ex: numa ofensa corporal, desde que haja ofenda não justificada o facto é ilícito, mas

a intensidade da ofensa corporal – a gravidade da lesão – pode variar; também na

intensidade da vontade, no dolo (dolo intenção ou dolo eventual); na negligência

(simples ou grosseira), desde que voluntário e não desculpável o facto é censurável,

culpável, mas o grau e censura do comportamento pode também variar em razão

dos motivos e da importância dos deveres (erro sobre a ilicitude censurável – art. 17º/2;

estado de necessidade atenuante – art. 35º/2).

Page 3: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 3

Ilicitude Formal e Material

Ilicitude Formal: um facto humano será ilícito ou antijurídico sempre que se

apresente em oposição à ordem jurídica estabelecendo com esta uma

relação de contraposição. Trata-se da propriedade de certos

comportamentos humanos, seja sob a forma de acção, seja de omissão, de se

oporem, de ser contrários à ordem jurídica.

Ilicitude Material: toma em consideração, tal como a Ilicitude Formal, a lesão

do bem jurídico. é o ponto de referencia na criação dos tipos legais e sua

aplicação aos casos concretos, para graduação da ilicitude do facto e sua

influencia na dosimetria da penal, e para a interpretação teológica dos tipos e

admissibilidade de causas supralegais de justificação com base no princípio da

ponderação de bens. Deste modo. Não basta que o facto humano seja

formalmente submissível ao tipo legal para que se verifique a ilicitude, é

necessário que o facto efectivamente lese ou ponha em perigo de lesão o

bem jurídico que a norma incriminadora quer proteger (ex: encostar a mão na

cara de outrem pode formalmente ser uma ofensa corporal ou uma injúria,

mas pode também ser um gesto de afecto, uma carícia).

A lesão ou o perigo de lesão de um bem jurídico é um elemento do crime, e deste

modo a contrariedade à ordem jurídica implica a lesão ou perigo de lesão do bem

jurídico tutelado pela norma. Um facto humano apenas formalmente conforme ao

tipo legal de crime, mas que não ofenda (lesando ou pondo em perigo) o bem

jurídico tutelado pela norma, não é contrário ao Direito.

Ilicitude em geral, e Ilicitude penal

▲ A Ilicitude com relevância penal não se limita à ilicitude típica (aquela que decorre

da relação do facto com o tipo de crime). Ex: exigência de ilicitude na agressão na

legítima defesa (art. 31º) – a agressão que autoriza a defesa não precisa de ser um

facto ilícito penal, mas deverá no mínimo ser um facto ilícito ilicitude atípica.

A Ilicitude Penal não se restringe ao campo do Direito Penal: um facto ilícito penal

pode ser irrelevante para outros ramos do direito, podendo não ter qualquer

relevância administrativa, fiscal, laboral, etc. mas não pode ser um facto autorizado ou

imposto, quando relevante, por qualquer outro ramo, pois um acto permitido ou

imposto pelo direito civil não pode ser ao mesmo tempo um ilícito penal art. 31º/1

CP:o facto ilícito penal é um facto contrário à ordem jurídica na sua totalidade.

Um facto ilícito civil, administrativo, fiscal, etc. pode não ser um ilícito penal

Um facto ilícito penal não pode ser lícito para qualquer outro ramo do Direito.

Esboço de estrutura da Teoria do Crime:

Feito Humano com Relevância Penal: há factos causados pelo homem que

não são feitos do homem, não são feitos humanos, enquanto não são produto

da sua vontade são meros eventos físicos (ex: factos praticados sob coacção

física irreversível e factos praticados em estado de inconsciência).

Page 4: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 4

Teoria dos Tipos: elementos da lei penal que individualizam de entre os factos

humanos os que são proibidos pelo Direito Penal – quando um facto se ajusta

a algum dos tipos legais estamos perante um facto típico e não há crime sem

que o facto seja típico.

Nem toda a conduta típica é um crime – há condutas típicas que não

são crimes porque a lei as permite ou impõe em certas circunstâncias

(causas de justificação). Quando um facto típico não é justificado, o

facto além de típico é ilícito ou antijurídico, na medida em que é

contrario à ordem jurídica.

Nem toda a conduta típica e antijurídica constitui crime, na medida

em que a lei exige que a conduta com essas características seja

reprovável, ou seja que o autor tenha tido a possibilidade exigível de

actuar de outra maneira característica da reprobabilidade do

injusto ao autor enquanto culpabilidade.

Ao facto humano típico, ilícito e culpável (crime) corresponde

normalmente uma pena criminal, mas em certos casos a lei exige

ainda a ocorrência de um facto exterior ao crime para cominar uma

pena criminal ao seu agente – condição de punibilidade.

▲ O Crime é uma unidade e não uma justaposição de elementos: a decomposição

do crime nos seus elementos faz-se apenas para efeito da sua análise, mas os

elementos são partes do todo.

II – Tipicidade

1. Conceito de Tipicidade: a lei define o crime nos seus elementos constitutivos

essenciais, a definição ou descrição legal de um crime será um tipo legal.

Tipo Legal: modelo do comportamento que é relevante para a lei, compreendendo

um conjunto de características do facto punível. Há tipicidade quando o facto se

ajusta ao tipo, ou seja quando corresponde às características do modelo legal,

abstractamente formulado pelo legislador. Tipo enquanto síntese de todos os

elementos constitutivos do crime – contém o sujeito activo, a conduta proibida (nos

seus elementos exteriores ou objectivos e interiores ou subjectivos), o resultado jurídico

(o bem jurídico, descrevendo dano ou perigo), o objecto material e o sujeito passivo, a

reprovação do sujeito activo ou culpabilidade e a sanção.

Crime, como conduta proibida é um todo, um comportamento integral, abrangendo

os elementos objectivos e subjectivos, elementos relativos à ilicitude e elementos

relativos à culpa.

O facto ilícito tem de ser considerado na perspectiva do ofensor e do ofendido.

Quanto ao agente/ofensor, a acção exterior é só sua quando voluntária,

porque dele depende e por isso poderia ser evitada

Quanto ao paciente/ofendido, o dano ou perigo que suporta é, em regra,

igual, quer tenha sido voluntária ou involuntária a acção que foi sua causa.

Page 5: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 5

Para alguns autores, esta dupla perspectiva dá origem à distinção entre:

Ilicitude Objectiva: contempla-se o comportamento na sua manifestação

exterior enquanto lesiva de bens jurídicos.

Ilicitude Subjectiva: contempla-se na relação do comportamento exterior com

o seu agente, enquanto o facto lhe é atribuído como seu.

▲ O Facto Ilícito há-de ser sempre um feito humano, atribuível sempre ao seu agente,

donde que a ilicitude do acto pressupõe a vontade do agente só os actos

humanos podem ser qualificados como lícitos ou ilícitos. Os factos involuntários tem

relevância para o Direito mas não podem é ser qualificados de factos ilícitos (ex: a

morte natural de uma pessoa tem consequências jurídico penais, nomeadamente a

extinção da responsabilidade penal dessa pessoa, mas não é um facto ilícito.

O Acto Ilícito é necessariamente um Acto Voluntário, contudo pode não ser

censurável (não ser culposo), devido:

Às condições pessoais do agente (incapacidade real ou presumida do agente

para entreter e querer)

Às circunstâncias em que é praticado (inexigibilidade de comportamento

conforme o Direito).

Tipos Objectivos: na formulação das normas penais, a lei descreve modelos de

comportamento que proíbe.

Tipos Subjectivos: na formulação das normas penais, a lei descreve modelos de

imputação dos comportamentos que proíbe ao seu agente.

Na descrição dos comportamentos proibidos, a lei concretiza em tipos delimitados o

ilícito, mas quando o fim prosseguido, não abrangido naquela descrição, mas noutros

tipos, seja de relevância jurídica positiva, o facto não é ilícito, não é antijurídico

necessário distinguir entre os Tipos Incriminadores e os Tipos Justificadores.

Tipos Incriminadores: conjunto de circunstâncias fácticas que directamente se

ligam à fundamentação do ilícito e onde assume primeiro papel a

configuração do bem jurídico protegido e as condições sob as quais o

comportamento que as preenche pode ser considerado ilícito.

Tipos Justificadores/Causas de Justificação: servindo à concretização do

conteúdo do ilícito da conduta, assumem o caracter de limitação negativa

dos tipos incriminadores – formas delimitadoras do conteúdo do ilícito e podem

por isso ser vistos como verdadeiros contratipos funcionalmente

complementares dos tipos incriminadores.

Alguns Autores Franceses consideram-nos como Elementos Negativos do Tipo

Prof. Germano defende que é uma construção possível, mas inconveniente

uma vez que enquanto o tipo subjectivo há-de ser adequado aos elementos

do tipo incriminador, o mesmo já não sucede necessariamente relativamente

Page 6: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 6

aos elementos do tipo permissivo. Verdadeiros Elementos Negativos do Tipo

Incriminador: aqueles cuja ausência na própria descrição da conduta punível

(ex: falta de consentimento no crime de introdução em casa alheia (art. 190º),

ou as intervenções medicas sem consentimento do paciente (art. 156º).

▲ Tipo Incriminador e Tipo Justificador: ambos são complementares de modo que a

ilicitude nos é revelada através de uns e outros o facto só é ilícito se for previsto num

Tipo Incriminador e não for justificado (ex: matar uma pessoa (art. 131º) constitui em

princípio um acto ilícito, mas se a morte for causada em legítima defesa (art. 32º), o

acto de matar já não é ilícito.

Tipo Subjectivo: voluntariedade do facto como seu elemento (elemento do tipo ilícito).

Todo o crime é um facto voluntário e a vontade no facto reveste as modalidades de

dolo (vontade directa ou dirigida à prática do facto) ou negligência (vontade

indirecta, o facto não seria cometido se o agente actuasse com o cuidado devido).

Ex: o facto de matar outra pessoa só integra o tipo do art. 131º se o agente

sabia o que fazia e o quis fazer (dolo – art. 14º) ou só integra o tipo do art. 137º

(homicídio por negligência) se o agente não agir com o cuidado a que esta

obrigado e é capaz.

A Culpabilidade enquanto reprovação ao agente, integra o tipo, o modelo abstracto

de crime (tipo de culpabilidade). O Tipo Legal de Ilícito não pode ser visto

formalmente, tendo de ser analisado substancialmente; o agente do facto é

censurado por ter praticado o facto ilícito pois podendo evitá-lo e ter actuado em

conformidade com o agente, actuou voluntariamente contra o Direito, podendo

obedecer e sendo-lhe exigível que obedecesse ao comando legal. Contudo, se o

agente actuou voluntariamente mas não o fez em circunstâncias que não lhe era

exigível outro comportamento não será censurado pelo Direito.

Ex: o agente que mata outrem sem dolo ou sem negligência não é censurável,

não age voluntariamente e o juízo de censura pressupõe a vontade do facto,

mas o agente pode ter agido voluntariamente mas em circunstâncias em que

lhe não era exigível outro comportamento – estado de necessidade, art. 35º.

Em suma:

Tipo Legal: modelo de comportamento humano proibido e punível penalmente.

Tipo Incriminador ou Tipo de Crime

Tipo Justificador

Tipo de Culpa

Tipo de Desculpa

Da Conjugação de Todos estes tipos TIPO DE CRIME

Modelo de facto humano lesivo ou criador de perigo para bens jurídicos (tipo

incriminador) não permitido por lei (tipo justificador), praticado voluntária e

Page 7: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 7

indesculpavelmente (tipo de culpa) + consequência jurídica do crime (tipo de

punibilidade)

2. Tipicidade e Técnica das Redacções Penais

A Tipicidade das Incriminações esta estreitamente ligada ao princípio da legalidade

do direito penal e da fragmentariedade das normas penais incriminadoras.

Não há crime sem que uma lei descreva o comportamento passível de uma

pena criminal (art. 1º), fazendo-o a lei de modo fragmentário, ou seja não

tutela todos os interesses jurídicos, mas apenas alguns e mesmo os que tutela só

o faz muitas vezes relativamente a certas formas de agressão torna-se

necessária a selecção dos interesses penalmente tutelados (dos bens jurídicos)

e dos comportamentos que os ofendem, sendo essa selecção feita através da

descrição dos factos relevantes em tipos.

É principalmente na descrição dos factos criminosos que são indicados os elementos

constitutivos típicos de cada crime, sendo nesta prespectiva a tipicidade mais questão

da parte especial do que geral do CP.

Todos os crimes são constituídos por elementos comuns: todos têm um sujeito, uma

conduta humana, um resultado jurídico, muitos têm um resultado material.

3. O Bem Jurídico como Elemento do Tipo Legal de Crime

Não há norma penal, proibitiva ou impositiva que não se destine a tutelar bens

jurídicos.

Bem Jurídico enquanto objecto jurídico do crime, o interesse ou bem que a norma

penal incriminadora visa tutelar. O comportamento humano, o facto criminoso, é

sempre um facto que ofende um bem jurídico, lesando-o ou criando perigo na sua

lesão elementos da norma penal é também o bem jurídico que ela tutela.

O Bem Jurídico embora seja elemento da norma penal é também elemento do tipo

legal incriminador: é exterior ao tipo que descreve tão-só o comportamento violador

do bem que a norma tutela. As normas penais não descrevem, em regra, os bens

jurídicos protegidos, mas uma boa técnica legislativa permite ao intérprete identifica-

los mediante a clara descrição do facto, ressaltando do tipo os interesses tutelados,

mas a descrição desses interesses é a maior parte das vezes alheia ao próprio tipo.

Segundo o modelo clássico de ofensa ao bem jurídico, era através da agressão a um

objecto material (corpo humano, coisa móvel, casa de habitação, documento, etc.),

como expressão dos interesses e valores que gravitam em torno das coisas da vida

que se realizava a lesa ou punha em perigo o bem jurídico (vida, integridade física,

liberdade moral e sexual, património, domicilio, fé publica).

A Tipificação legislativa do objecto material, como ponto de referencia da conduta

para a realização do evento, significava ao mesmo tempo o objecto jurídico, uma vez

que a acção se exteriorizava frente a uma pessoa ou coisa que incorporava o

interesse protegido. Contudo, ao admitir-se os crimes de mera conduta o bem jurídico

já não se pode associar exclusivamente ao objecto material/evento. Contudo, não

parece que se deva abandonar o critério da ofensa do bem jurídico como chave

Page 8: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 8

potencial para a interpretação de todos os tipos legais, distinguindo-se entre bem-

objecto ou objecto da acção e bem jurídico tutelado pela norma. O crime não pode

ser analisado apenas formalmente como mera conduta proibida, sendo necessária a

sua analise substancia como ofensa a um bem jurídico.

4. Elementos do Tipo (Incriminador):

Elementos Descritivos: são apreensíveis através de uma actividade sensorial

(matar, ferir, destruir), ou seja os elementos que referem aquelas realidades

materiais que fazem parte do mundo exterior e por isso podem ser conhecidas,

captadas de forma imediata, sem necessidade de uma valoração +

elementos que exigem já uma qualquer actividade valorativa, mas que ainda

é preponderante a dimensão naturalística. Ex: a pessoa (art. 131º), a mulher

grávida (art. 140º), o corpo (art. 143º), o automóvel (art. 208º).

Elementos Normativos: só podem ser representados e pensados sob a lógica

pressuposição de uma norma ou de um valor, sem especificamente jurídicos ou

simplesmente culturais, legais ou supralegais, determinados ou a determinar –

não são sensorialmente percetíveis, mas só podem ser espiritualmente

compreensíveis ou avaliáveis, ou seja necessitam de uma valoração jurídica ou

cultural. Ex: caracter alheio da coisa (art. 204º), documento para efeito do

crime de falsificação de documentos (art. 256º e 255º al. a), as intervenções ou

tratamentos (art. 156º) e as dívidas ainda não vencidas (art. 229º)

Doutrina: muitos consideram impossível: todos os elementos constitutivos de um tipo de

ilícito seriam normativos, enquanto todos concorrem para a expressão do integral juízo

de valor que ele traduz; outros consideram impraticável: nenhum elemento pode ser

considerado como puramente descritivo ou normativo (Roxin: exemplificando com

elementos como a ‘’pessoa’’ ou a ‘’coisa’’, que apesar de serem marcadamente

descritivos impõem uma valoração jurídica, ou ‘’documento’ que tem sempre um

suporte material percetível pelos sentidos, concluindo que não importa tanto a (quase

impossível) distinção entre elementos descritivos e normativos, quanto reconhecer que

a maioria dos elementos do tipo são um misto de elementos normativos e descritivos).

Figueiredo Dias: a distinção fara sentido, tornando-se mesmo indispensável, quando

tenha importância para a resolução do caso concreto e para a correcta

determinação do regime jurídico a aplicar. Ex: em matéria de dolo e erro (art. 13º) a

distinção o continua a ser feita pela generalidade da doutrina!

Terceira espécie que entrelaça elementos descritivos e normativos, que se

determinam através de um juízo cognitivo, que deriva da experiencia e

dos conhecimentos que esta proporciona (perigo – situação em que se

verifica a possibilidade imediata (probabilidade) de ocorrência de um

dano).

Prof. Germano: na descrição do tipo de crime encontra-se frequentemente a inclusão

de elementos subjectivos distintos do dolo e da negligência elementos subjectivos

especiais. Tais referem-se ao tipo objectivo do ilícito, ou seja são elementos essenciais

do tipo de ilícito (intenções, motivações, pulsões afectivas necessárias para

caracterizar a espécie de crime – elementos essenciais da descrição).

Page 9: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 9

O critério destas distinções é relativo, contudo há características predominantemente

descritivas, outras predominantemente normativas e outras mistas.

Qualquer dos elementos objectivos que integram o tipo incriminador exigem

adequação do elemento subjectivo do tipo, ou seja todos têm de ser conhecidos do

agente, no tipo doloso, ou haver possibilidade de os conhecer, no tipo negligente. Se

a conduta não for dolosa ou negligente, conforme a exigência do tipo incriminador,

fica excluído a tipicidade da conduta.

5. Tipos Abertos, Tipos Fechados, Tipos Causais e Tipos Modais

Critérios – delimitação dos tipos incriminadores

Tipos Fechados: descrição completa do modelo de comportamento proibido,

sem deixar ao intérprete, para verificação da ilicitude, outra tarefa, alem da

constatação da correspondência entre o facto e o tipo legal (incriminador,

permissivo, de culpa). Ex: art. 131º.

Tipos Abertos: descrição incompleta do modelo de comportamento proibido,

transferindo-se para o intérprete o encargo de completar o tipo, dentro dos

limites e das indicações nele próprio contidas.

Tipo Causal: o facto penalmente relevante pode ser todo aquele que produza a lesão

ou perigo de lesão do bem jurídico tutelado e isso sucede quano o bem jurídico é

tutelado em toda a sua extensão e contra qualquer forma de lesão ou perigo de

lesão. Apenas importa o facto ou comportamento capaz de produzir o perigo de

lesão do bem jurídico. Ex: matar – art. 131º; ofender – art. 143º; destruir – art. 212º.

Tipo Modal: a lei só tutela certas formas de comportamento, só incrimina a lesão ou

perigo de lesão do bem jurídico quando essa lesão se verifique de certo modo. Ex:

quem ameaçar outra pessoa de forma adequada a provocar-lhe medo ou prejudicar

a sua liberdade – art. 153º; quem por meio de violência ou ameaça – art. 154º; quem

por mio de violência, ameaça ou astúcia, raptar – art. 160º; quem com intenção de

obter para si para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre

factos – art. 217º.

6. Função do Tipo Legal de Crime

Funções do Tipo:

Função de Garantia/Tipo de Garantia: o direito penal atribui ao tipo uma

função peculiar, em virtude do princípio da legalidade. Não há, porem, um

tipo de garantia: a garantia resulta da função do tipo em face do princípio da

reserva legal, pois ele contém a descrição do comportamento incriminado a

que facto deve necessariamente ajustar-se.

≠ Tipo de Erro: conjunto de elementos que se torna necessário ao agente conhecer

para que possa afirmar-se o dolo do tipo, dolo do facto ou ‘’dolo natural’’. Este tipo

não se confunde nem com o tipo de ilícito nem com o tipo de garantia: dele fazem

parte os pressupostos de uma certa causa de justificação, bem como proibições cujo

conhecimento seja razoavelmente indispensável para que o agente tome

Page 10: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 10

conhecimento da ilicitude do facto no sentido de que a sua não representação ou a

sua representação incorreta pelo agente exclui o dolo ou a punição a esse título.

≠ Tipo de Ilícito: figura sistemática de que a doutrina penal se serve para exprimir um

sentido de ilicitude, individualizando uma espécie de delito e cumprimento, deste

modo, a função de dar a conhecer ao destinatário que tal espécie do

comportamento é proibida pelo ordenamento jurídico. Sem prejuízo do

relacionamento entre a tipicidade e a ilicitude o primado caber à categoria de

ilicitude, constituindo a tipicidade apenas a mostração, concretização ou

individualização de um sentido de ilicitude em uma espécie do delito.

Função de Fundamentação da Ilicitude do Facto: o tipo de ilícito (descrição do

modelo de comportamento objectivamente proibido), representa uma

valoração jurídica do comportamento, do facto tipificado, mas não implica

necessariamente a ilicitude desse mesmo comportamento, servindo apenas de

indício da ilicitude. O tipo representa uma avaliação para as situações normais,

significa, que, salvo circunstancias especiais que o justificam, o acto tipificado

é ilícito, é valorado negativamente pela ordem jurídica porque lesa ou põe em

perigo um bem jurídico digno de tutela penal.

De modo análogo no tipo de culpa: o preenchimento dos elementos do tipo ilícito,

objectivos e subjectivos, é em regra suficiente para a incriminação, desde que se

verifique os pressupostos da culpabilidade, uma vez que o tipo de ilícito não é neutro,

tem implícito um juízo de censura pela desobediência do imperativo legal, mas

podem ocorrem circunstancias especiais, desculpantes que não obstante a ilicitude

do facto excluem a censurabilidade do agente.

▲ o tipo de ilícito por si só não exprime um juízo de valor jurídico integral do facto – a

conduta típica, mas justificada, não é menos conforme ao Direito do que a conduta

atípica. A tipicidade do facto exprime uma primeira ponderação da relevância do

facto: é um facto penalmente relevante, mas não tem significado jurídico autonomo

nem gera por si só consequências jurídicas directas nem implica a reprovação da

conduta tipicidade. A ilicitude ou não da conduta tipificada exige exige a

contemplação do facto no seu todo, incluindo não apenas a descrição típica da

conduta proibida, mas também e juntamente a permissão que resulta do tipo de

justificação. So da conjugação de todos os elementos se concluirá se o facto é ou

não um ilícito.

A tipicidade tem ainda como efeitos o de incrementar o dever de assegurar-se

acerca da concorrência dos pressupostos das causas de justificação, o que pode

fazer que o erro vencível sobre os pressupostos das causas de justificação tenha um

âmbito maior – uma maior exigibilidade – do que o erro de tipo em sentido clássico.

Deste modo, assim considerada a tipicidade da conduta e as causas de justificação,

como partes do ilícito típico, o erro sobre os pressupostos das causas de justificação

há-de ter o mesmo tratamento que o erro sobre os elementos do tipo incriminador (art.

16º/2).

Só ao facto típico e ilícito faz sentido o juízo de culpabilidade, necessário para

estarmos perante um crime (facto típico, ilícito e culposo).

Page 11: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 11

7. Desvalor da Acção e Desvalor do Resultado

Desvalor da Acção: conjunto de elementos subjectivos que conformam o tipo de ilícito

(subjectivo) e o tipo de culpa, nomeadamente a finalidade delituosa, a atitude

interna do agente que ao facto preside e a parte do comportamento que exprime

faticamente este conjunto de elementos. Revela-se de forma exemplar na tentativa

de crime.

O seu relevo foi enfatizado pelo finalismo: se a finalidade de actuar constitui o

elemento essencial da acçao, então ela tem de ser ao mesmo título momento

integrante do tipo e do ilícito, justamente nesta acepção começou a falar-se

de um ilícito pessoal.

Desvalor do Resultado: criação de um estado judicialmente desaprovado, e assim o

conjunto de elementos objectivos do tipo ilícito (eventualmente também do tipo de

culpa) que perfeccionam a figura do delito. Revela-se no crime consumado.

Muitos tentaram uma construção de toda a dogmática do tipo a partir do

desvalor da acção. Contudo, esta concepção dogmática ficou prejudicada

desde o momento em que foi descoberta a relevância essencial, em muitos

casos, de elementos subjectivos para a caracterização do ilícito. E seria

definitivamente condenada por todos quando aceitam que em caso algum o

ilícito se pode caracterizar exclusivamente através do tipo objectivo, antes se

lhe acrescenta sempre o respectivo tipo subjectivo. Seja embora a protecçao

subsidiaria de bens jurídicos a função primaria da intervenção penal, daqui

não pode efetcivamente deduzir-se que o ilícito se caracteriza apenas ou

essencialmente pelo desvalor do resultado. Fosse assim e dificilmente se

justificaria a punibilidade da tentativa.

Tao pouco esta destinada ao êxito a tentativa de prespectivar toda a

construção dogmática do facto punível a partir simplesmente do desvalor da

acção, negando ao desvalor do resultado significado constitutivo e autónomo

para o ilícito. Tal seria fruto, do ponto de vista nomológica, da essência

imperativa da norma e da ideia consequente de que o objecto da proibição

só podem ser acções, não resultados. Na grande maioria dos casos, não pode

ver-se nos elementos objectivos do crime, nomeadamente de resultado,

momentos estranhos à valoração da ilicitude e a partir dai irrelevantes para o

respectivo tipo de ilícito e reduzidos, no máximo, à categoria de meras

condições objectivas de punibilidade. Fosse assim e retirar-se-ia a conclusão de

que a tentativa deveria ser punida como a consumação, e não o é, sendo

antes punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente

atenuada. Por outro lado, a negligencia deveria ser punida logo na base da

verificação de um comportamento contrario ao dever de cuidado, e não o é,

sendo em regra apenas quando sobrevem o resultado.

Figueiredo Dias: a constituição de um tipo de ilícito exige por regra tanto um desvalor

de acção como um desvalor de resultado, sem prejuízo de casos haver em que o

desvalor de resultado de uma certa forma predomina sobre o desvalor da acção

(maxime, nos crimes de negligência), ou em que inversamente o desvalor da acção

predomina sobre o desvalor de resultado (maxime, nos casos de tentativa).

Page 12: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 12

▲ Resultado: afectação da situação de tranquilidade do bem jurídico protegido e

não (‘’crimes de resultado’’) enquanto modificação do substracto do bem jurídico,

temporal e especialmente cindida da acção.

III – Classificação dos Crimes em Razão da sua Estrutura Típica

1. Crimes Gerais ou Comuns & Crimes Especiais ou Próprios

Crimes Gerais ou Comuns: o agente é indeterminado, podendo ser qualquer um. Ex:

art. 131º. 140º, 143º e 153º utiliza-se o pronome ‘’Quem’’ para designar que qualquer

pessoa pode ser agente do crime.

Crimes Especiais ou Próprios: o círculo dos agentes possíveis fica reduzido àquelas

pessoas especialmente designadas no tipo. Quem não possuir característica prevista

no tipo só pode ser co-autor ou cúmplice, exigindo-se sempre que haja um agente

com a característica exigida por lei. Ex: art. 370º (advogado) e art. 372º (funcionário)

características do agente.

▲ A designação crime especial é utilizada para designar os crimes previstos em

legislação de caracter especial (art. 8º) por oposição aos crimes comuns e para

designar os crimes qualificados ou privilegiados, estes em atenção à relação de

especialidade existente entre a norma que prevê crime base (comum ou geral) e a

norma que prevê o crime qualificado ou privilegiado quando existe este risco utiliza-

se a expressão ‘’crime próprio’’.

2. Crimes Comissivos & Crimes Omissivos

Crimes Comissivos: a conduta do agente consiste numa acção em sentido estrito, ou

seja numa actividade positiva; proíbe-se fazer algo (art. 153º, 163º, 180º).

Crimes Omissivos: o núcleo do tipo é a inactividade do agente; proíbe-se não fazer

algo, em contrariedade com o dever jurídico de fazer (art. 200º, 245º, 250º).

Crimes Omissivos Próprios: crimes de mera actividade ou melhor, de mera

inactividade (art. 200º)

Crimes Omissivos Impróprios/Comissivos por Omissão: crimes de resultado (art.

10º - quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto

abrange não só a acção adequada a produzi-lo como a omissão adequada a

evitá-lo, exemplo: morte de criança cometida por meio de omissão de

assistência alimentar por quem podia e tinha o dever de prestá-la).

3. Crimes Formais & Crimes Materiais; Crimes de Mera Actividade & Crimes de

Resultado

Crimes de Mera Actividade ou Formais: o tipo de ilícito realiza-se integralmente através

da mera execução de um determinado comportamento.

Objecto Jurídico ou Forma do Crime: o bem jurídico tutelado crimes em que

a ofensa do bem jurídico não tem objecto material sobre que incida a acção.

Ex: art. 180º, 190º e 200º.

Page 13: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 13

↳ Crimes de Resultado Cortado: crimes que destinam a produzir um resultado, o tipo

menciona o comportamento e o resultado que a acção prossegue e a incriminação

que pretende evitar, mas em que este resultado é irrelevante para a consumação do

crime, há crime quer o resultado se produza ou não. Ex: art. 153º, 373º, art. 103º RGIT.

Crimes de Resultado ou Materiais: exige-se para preenchimento do tipo além do

comportamento um evento material, ou seja, uma alteração externa espácio-

temporal distinta da conduta.

Objecto Material da Acção: a pessoa ou coisa sobre que recai a acção

crimes em que a ofensa do bem jurídico só se realiza mediante a ofensa pela

acção de um objecto material. Ex: art. 131º e art. 212º.

Crimes Causais Puros: aqueles em que o crime é tipicamente definido

em função do resultado lesivo, constituindo a acção todo o

comportamento adequado a causar o resultado proibido, seja qual for

o modo de perpetração da produção do evento.

Crimes Modais: a acção é condicionada, ou seja só certos tipos de

comportamentos lesivos do bem jurídico são proibidos.

4. Crimes de Dano & Crimes de Perigo

Crimes de Dano: lesão efectiva do bem jurídico protegido (art. 131º).

Crimes de Perigo: são simples potencialidade de lesão do bem jurídico protegido,

realizável ou não, em concreto (art. 291º e 291º).

Crimes de Perigo Concreto: a realização do tipo exige a verificação, caso a

caso, do perigo real (art. 291º)

Crimes de Perigo Abstracto: dispensa-se a constatação, caso a caso, do perigo

real, por se tratar de perigo presumido de lesão (art. 292º).

Crimes de Perigo Abstracto-Concreto: crimes de aptidão, ou seja, só

relevam tipicamente as condutas aptas a desencadear o pergo

proibido no caso da espécie. Deste modo, a demonstração de que

no caso concreto a conduta é insusceptível de causar perigo

determina o não preenchimento do tipo.

Crimes de Perigo Comum (≠ Crimes de Perigo Singular): perigo causado pela conduta

ameaçar danos não controláveis (difusos), com potência expansiva, podendo atingir

vários bens jurídicos (a vida, a integridade física das pessoas ou bens patrimoniais

alheios de valor elevado) e várias vítimas (art. 272º).

Page 14: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 14

5. Crimes Qualificados pelo Resultado

Crimes Qualificados pelo Resultado: crimes materiais que possuem, como especial

característica a conjunção de uma acção, em que o crime se esgota, a que pode

acrescer um evento material que agrava (qualifica) o primeiro. Nestes crimes, para se

evitar uma pura responsabilidade objectiva, exige-se pelo menos negligência no

resultado, o que significa ser indispensável, no mínimo, a previsibilidade desse

resultado. Sem essa previsibilidade ocorre o caso fortuito, interrompendo-se o vínculo

existente entre a acção e o resultado naturalístico mais grave, hipótese em que o

agente só pode responder pelo facto antecedente art. 18º. Ex: art. 147º, 152º/2,

177º/4, 285º e 294/3.

▲ O agente não quer o resultado, mas o resultado ocorre por causa da conduta do

agente e é-lhe imputado pelo menos a título de negligência. Ex: o agente quer

apenas ofender corporalmente, mas como consequência do murro, a vítima tropeçou

e caiu, vindo a morrer em consequência da queda:

O resultado morte só é imputável ao agente se pelo menos fosse previsível que

tal poderia suceder e o agente não atuou com o cuidado devido para evitar a

morte.

Se o agente quis desde logo a morte, responderá pelo crime de homicídio e

não pode ofensa corporal agravada pelo resultado.

6. Crimes Simples, Crimes Complexos & Crimes Pluriofensivos

Crimes Simples: identifica-se com um só tipo legal. Ex: ofensa corporal

Crimes Complexos: representa a fusão de mais de um tipo. Ex: roubo

(fusão da ofensa corporal ou a ameaça a outra pessoa (art. 143º e ss e

153º e ss) e a subtração de coisa alheia (art. 203º e ss). Normalmente,

são crimes pluriofensivos:

Crimes Pluriofensivos: crimes que lesam ou exporem a perigo de lesão

mais do que um bem jurídico tutelado. Ex: roubo (simultaneamente,

atinge-se o património (subtração de coisa) e a liberdade individual

(meio de contragimento).

↳ Nem todos os crimes pluriofensvos são crimes complexos: pode haver

tipos simples que tutelem simultaneamente interesses plúrimos e o

correspondente crime ofenda ou ponha em perigo vários interesses. Ex:

crime de emissão de cheque sem provisão: simultaneamente ofende o

património do tomador do cheque e o interesse público na

credibilidade do cheque e da sua circulação; ou o crime de

branqueamento (art. 368º-A): o bem jurídico imediatamente protegido

é a realização da justiça, mas simultaneamente protege-se a economia

sadia e a transparência na economia.

Page 15: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 15

7. Crimes Instantâneos, Crimes Permanentes, Crimes Instantâneos de Efeitos

Permanentes & Crimes Habituais, Crimes Unissubsistentes e Crimes

Plurissubsistentes

Crimes Instantâneos: a consumação ocorre em um momento certo. Ex:

homicídio e furto.

Consumação: efeito da conduta típica do agente.

Tipo Legal: construído de modo que a conduta (ação ou omissão)

se realize numa unidade de tempo.

A permanência não é elemento do crime, embora a sua

consumação possa prolongar-se no tempo. Ex: crime de usurpação

de funções (art. 358º).

↳ Doutrina: distingue entre crime necessariamente permanente e

crime eventualmente permanente (crime tipicamente instantâneo

em que a sua consumação de prolonga no tempo).

Crimes Permanentes: a consumação é constituída por uma situação

duradoura, que se arrasta no tempo e que só termina com a prática

de novo facto que restitua a situação anterior à prática do crime. Ex:

sequestro (art. 158º) e Associação Criminosa (art. 299º).

Consumação: prolonga-se no tempo e só cessa mediante um ato

de sentido contrário, ou seja, que ponha termo a uma situação

antijurídica que se arrasta no tempo e restitua o bem jurídico

ofendido à situação anterior ao início da execução.

Tipo Legal: a conduta típica perdura no tempo, e deste modo a

ofensa ao bem jurídico tutelado também.

A continuidade do estado danoso ou perigoso é essencial à

configuração típica de um crime como permanente.

Nota: importância da distinção entre Crime Instantâneo e Crime Permanente

Direito Penal: aplicação da Lei Penal no Tempo & determinação do início do

prazo de prescrição do procedimento criminal

Processo Penal: detenção em flagrante delito.

Crimes Instantâneos de Efeitos Permanentes: o resultado do crime é

duradouro, mas a duração ou permanência do resultado não

depende do agente. Ex: homicídio, furto e dano.

Page 16: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 16

▲ art. 119º/2: ‘’crime permanentes’’ – crimes necessariamente permanentes; não:

crimes instantâneos de efeitos permanentes nem aos crimes eventualmente

permanentes.

Crimes Habituais: a estrutura típica do crime exige uma multiplicidade

de atos, de modo a revelarem uma certa habituação por parte do

agente, sem que, porém, nenhum deles constitua o crime habitual. O

Crime Habitual é constituído pela reiteração desses atos, pela

persistência na atuação criminosa, reiteração essa que revela uma

tendência ou hábito de vontade. Ex: aborto habitual (art. 141º/2), maus

tratos (art. 152º), exercício ilegal da profissão (art. 358º/1). A

Habitualidade normalmente assenta numa circunstância agravante do

crime (art. 141º/2), mas pode ser circunstância constitutiva essencial

(crime de exercício ilegal da profissão: antigamente exigia-se o

exercício da profissão o que implicava a reiteração de atos; hoje basta

a prática de um ato próprio da profissão).

Crimes Unissubsistentes: a estrutura típica do crime realiza-se com um

só ato. Ex: difamação verbal (art. 180º); homicídio (um só ato – tiro

moral)

Crimes Plurissubsistentes: a estrutura típica do crime realiza-se com

vários atos. Ex: burla (não se consuma com o simples emprego da

fraude – exige-se que o agente obtenha vantagem ilícita em prejuízo

alheio por um ato do burlado (art. 217º); homicídio (vários atos – várias

facadas).

8. Crimes Qualificados & Crimes Privilegiados

O legislador, na formulação dos tipos legais, parte da espécie mais simples, sendo

que se do tipo se extrair alguma espécie de elemento o crime é descaracterizado.

Do tipo mais simples formam-se novos tipos, consoante o acréscimo de novos

elementos ou circunstâncias que exprimem uma agravação ou atenuação do

conteúdo do ilícito ou da culpabilidade do crime-base.

Crimes Qualificados: o tipo derivado constitui modalidade agravada.

Ex: crime de homicídio qualificado (art. 132º).

Crimes Privilegiados: o tipo derivado constitui modalidade atenuada.

Ex: crime de homicídio privilegiado (art. 131º - 133º; relação de

especialidade entre normas).

9. Crimes Dolosos, Crimes Negligentes & Crimes Preterintencionais

Crimes Dolosos: no dolo o agente representa o facto e quer ou aceita

realizá-lo.

Page 17: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 17

Crimes Negligentes: na negligência o agente representa o facto, mas

atua sem se conformar com a sua realização ou nem sequer o

representa, mas podendo e devendo representá-lo. Ex: homicídio por

negligência (art. 137º), ofensa à integridade física por negligência (art.

148º), Insolvência Negligente (art. 228º)

Regra: só é punível o facto praticado com dolo, salvo nos casos especialmente

previstos na lei é que é punível o facto praticado com negligência.

Crimes Preterintencionais: conjugação de um crime doloso com um

resultado mais grave não doloso. O agente quer praticar um

determinado crime (dolo), mas como consequência do seu facto

querido pratica um outro que não queria (o agente queria ofender

corporalmente mas causa a morte).

Evento não querido: imputado ao agente a título de

negligência, contudo teria de ser previsto ou previsível como

consequência do perigo causado pelo facto doloso – o CP não

prevê este tipo de crimes.

10. Crimes Progressivos, Crimes de Acção Múltipla ou de Conteúdo Variado,

Crimes Exauridos, Crimes de Tendência ou Intenção & Crimes de

Empreendimento ou de Atentado

Crimes Progressivos: ocorre quando o agente pretende produzir o

resultado mais grave e pratica, por meio de atos sucessivos, crescentes

violações ao bem jurídico protegido. Ex: o agente quer matar, mas

começa por leves ofensa corporais que vai aumentado sucessivamente

de intensidade até causar a morte unidade de conduta,

plurissubsistente & unidade de desígnio.

Progressão Criminosa: pluralidade de desígnios e de condutas. Questão

da subsunção de um crime pelo outro – o agente cometeu um crime,

cometendo outro ou outros sucessivamente, mas de modo que o crime

posterior incide na linha de atuação do fim que o agente se propôs

desde o início. Ex: ofende corporalmente e de seguida decide matar.

Em princípio (não parece ser necessário que entre os crimes sucessivos

se verifique um nexo de continuação, de insistência na prossecução do

fim a que o agente se propôs), os vários crimes são absorvidos pelo

crime final.

Crimes de Acção Múltipla ou de Conteúdo Variado: o tipo faz

referência a várias modalidades da ação. Mesmo que sejam

praticados as várias formas de ação, elas são consideradas fases de um

mesmo crime. Ex: crime de falsificação de recenseamento eleitoral (art.

336º), crime de coação eleitor (art. 341º) e crime de passagem de

moeda falsa (art. 265º).

Page 18: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 18

Crimes Exauridos (art. 119º/4): depois de consumado atinge as suas

últimas consequências danosas. Exaurir é esgotar; para o crime se

exaurir é necessário que tenha causado todas as consequências

danosas visadas pelo agente e que com a incriminação se quis

proteger.

Exaurimento ou Consumação Material enquanto realização do

resultado em função d qual se antecipou a tutela penal. Ex:

incitamento ou ajuda ao suicídio (art. 135º) e exposição ou abandono

de que resulte ofensa à integridade física grave ou morte (art.138º).

Crimes e Tendência, Crimes de Dolo Específico ou Intenção: crime que

condiciona a sua existência a uma específica intenção do agente.

Caracteriza-se pela exigência de uma motivação específica. Sem essa

motivação especial, que faz parte do tipo objetivo, não há tipo. Ex:

crime de burla (art. 217º) – (1) fraude ou engano do agente; (2) é

necessário que essa atuação fraudulenta tenha por motivo da vontade

do agente obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo.

Crimes de Empreendimento ou de Atentado: crimes em que se verifica

uma equiparação típica entre tentativa e consumação. A tentativa de

cometimento do facto é equiparada à consumação. Ex: crime de

Traição à Pátria (art. 308º al. a)); crime de alteração violenta ao Estado

de Direito (art. 325º) e crime de atentado contra o Presidente da

República (art. 327º).

Capítulo II – A Estrutura Geral do Facto Ilícito. Os Seus Elementos e Circunstâncias

Essenciais

I – Preliminares

1. O Tipo Legal de Crime e os Seus Elementos Constitutivos

Tipo Legal de Crime: definição ou descrição de um crime, ou seja modelo do

comportamento que é relevante para a lei, compreendendo conjunto de

características objetivas e subjetivas do facto punível.

2. Elementos Constitutivos (Elementos Essenciais) e Elementos Acidentais do

Crime. Condições de Punibilidade

2.1 Elementos Acidentais e Circunstâncias Essenciais

Elementos: características do feito produzido pelo agente, são o produto da vontade

do agente.

Circunstâncias: situações não criadas pela vontade do agente, mas que precedem,

acompanham ou seguem o facto (tempo, lugar, qualidade da vítima situação de

necessidade).

Embora a doutrina tenha vindo a abandonar a distinção clássica entre elementos e

circunstâncias essenciais do facto, a distinção ainda é válida, mas os efeitos jurídicos

Page 19: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 19

são limitados: quando a lei na descrição do tipo inclui alguma circunstância

considera-a como uma característica essencial do facto, de tal modo que sem ela

não há crime porque o tipo não se realiza.

Circunstâncias Acidentais (art. 71º/2): particularidades do facto, que distinguem os

factos concretos uns dos outros, podem ser relevantes ou não, mas quando relevantes

são-no apenas em sede de gravidade, tornam o facto mais ou menos grave, mas o

facto constitui crime quer essas circunstancias se verifiquem ou não. Deste modo, as

circunstâncias acidentais não fazem parte do tipo de ilícito, embora sejam

pressupostas, nomeadamente para efeito de graduação da pena entre os limites da

penalidade elementos acidentais do crime, mas não elementos essenciais

constitutivos do tipo legal.

2.2 Circunstâncias Essenciais que concorrem no ato e circunstâncias que

concorrem no agente no ofendido

Valoração objetiva do facto: núcleo essencial da própria ação/omissão +

circunstâncias que nele concorrem.

Há factos que só são típicos se com ele ou nele concorrem certas circunstâncias,

sendo tais essenciais para a existência do facto ilícito. Ex: crime de instigação pública

a um crime (art. 297º), a reunião pública é uma circunstancia essencial do crime.

2.3 Circunstâncias e causas de justificação e de exclusão do dolo

(circunstâncias justificativas e de exclusão do dolo) e circunstancias

exculpativas

As circunstâncias essenciais podem ser sine qua non da existência do crime.

Embora hajam factos que só são considerados criminosos em razão da ocorrência de

determinada circunstância – circunstâncias essenciais – a verdade é que um

determinado facto típico pode não constituir facto ilícito se se verificarem certas

circunstâncias – causas de justificação.

Ex:

Matar uma pessoa constitui, em regra, um crime e constitui facto típico por

corresponder ao tipo de homicídio. Mas nem sempre matar uma pessoa,

mesmo voluntariamente, constitui um facto ilícito, admitindo a lei em certas

circunstancias, por exemplo para o agente se defender de uma agressão, que

não é ilícito matar o agressor. A agressão que dá origem à legítima defesa

constitui uma circunstancia, na medida em que não é produzida pelo agente

do facto gerador da morte, e é uma circunstancia negativa, na medida em

que não obstante a tipicidade do comportamento que causa a morte em

razão daquela agressão a lei não valora negativamente o facto causador da

morte do agressor, permitindo-o pelo que o facto embora típico não é ilícito.

O facto ilícito tem de ser doloso ou negligente, mas já certas circunstancias

que excluem o dolo – o erro sobre os elementos objetivos do tipo (art. 16º).

Page 20: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 20

Para que exista crime o facto tem de ser culpável, censurável, mas pode

suceder que o facto, não obstante reunir todos os elementos objetivos e

subjetivos do tipo incriminador, seja praticado em circunstâncias que a lei

desculpa (tipo de desculpa) o agente pela sua prática (art. 35º)

circunstancias exculpativas.

2.4 Condições de punibilidade e causas pessoas de exclusão da pena

Condições de Punibilidade: elementos que a lei requer para a punibilidade da

conduta, sendo absolutamente independentes da ilicitude da conduta ou da culpa

do agente. Acontecimentos exteriores ao tipo de ilícito, futuros ou concomitantes ao

facto, mas incertos. Elementos suplementares do tipo legal, mas não se incluem no

mesmo, caracterizando-se precisamente pela circunstância de serem exteriores.

São determinadas por razões de política criminal, entendendo o legislador que sem

elas não se justifica a punibilidade do facto típico, ou pela ausência de dano efetivo

ou insignificante ao interesse tutelado ou por outra razão de oportunidade. Ex: art. 5º -

exige-se para aplicação da lei penal portuguesa a factos praticados no estrangeiro

que o agente seja encontrado em Portugal; art. 227º e 228º - reconhecimento judicial

da insolvência.

A punibilidade é elemento do crime, não havendo crime que não seja um facto

punível. A aplicação da pena ao crime é que pode ser condicionada à verificação

de determinadas condições – condições de punibilidade.

As condições de punibilidade são alheias à culpabilidade, devendo entender-se que

a condição é integrante do tipo, que é elemento do crime e não condição de

punibilidade.

Condições de Procedibilidade: natureza processual, sendo a condição para que se

instaure ou prossiga um processo e nessa medida condicional a punibilidade mas de

modo indireto (não há punição sem processo). Ex: queixa, nos crimes semipúblicos e

particulares ≠ Condição de Punibilidade: condicionam diretamente a punibilidade do

próprio facto, dado que se não ocorrerem o facto não pode ser punido.

Causas Pessoais de Exclusão de Pena: circunstâncias legalmente reguladas, que de

antemão conduzem à impunidade do agente e que devem ter-se constituído no

momento em que o facto é cometido. Respeitam à pessoa do agente e só a ele

aproveitam. Ex: art. 24º - desistência na tentativa; art. 367º/5 – favorecimento pessoal

praticado por cônjuge, adotantes e adotados e parentes da pessoa em beneficio da

qual se atuou.

II – O Sujeito Ativo

1. O Sujeito Ativo do Crime

1.1. O Autor Singular

Sujeito Ativo do Crime (Agente; Autor): aquele que realiza a conduta típica (o facto

típico). Sem autor não há facto (todo o crime é um facto de uma pessoa).

Page 21: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 21

Antigamente: sujeito ativo tinha de ser uma pessoa humana (afastava-se os animais e

as pessoas coletivas).

Autor Singular: previsto em cada norma incriminadora, é aquele que realiza por si só o

crime.

Quando o crime é praticado por vários agentes, a exigência da pluralidade de

agentes resulta:

Do tipo legal incriminador (crimes de participação necessária)

Da extensão a que procedem as normas sobre a comparticipação e a

participação criminosa (art. 26º e 27º), cujo conteúdo se completa com

referencia aos tipos incriminadores de cada crime em especial.

Crimes Monossubjetivos: crimes que podem ser praticados por uma só pessoa.

A Técnica Legislativa do CP define no tipo incriminador apenas o autor singular do

crime e mediante normas da parte geral estende a incriminação à realização

eventual do crime por várias pessoas.

As normas do art. 26º e 27º são normas de Tipificação Indireta estendem a

incriminação do crime previsto como monossubjetivo no tipo incriminador aos casos

em que o facto concreto é cometido com a participação de diversos agentes.

Crimes de Participação Necessária: casos em que a lei exige a participação de várias

pessoas no crime.

1.2. Crimes Comuns e Crimes Próprios

Crimes Gerais ou Comuns: o agente é indeterminado, podendo ser qualquer um.

↳ O Código Penal Português utiliza geralmente na descrição dos tipos o pronome

indefinido ‘’Quem’’ para designar que qualquer pessoa pode ser agente do crime. Ex:

homicídio (art. 131º), aborto (art. 140º) e ofensa à integridade física simples (art. 143º).

Crimes Especiais ou Próprios: o círculo de sujeitos possíveis fica reduzido aquelas

pessoas especialmente designadas no tipo. Quem não possuir a característica prevista

no tipo só pode ser co-autor, instigador ou cúmplice, exigindo-se sempre que haja um

agente com a característica exigida por lei. Ex: advogado (art. 370º) e funcionário (art.

372º).

A ação Típica pode ser praticada por um comparticipante. Ex: crime de

corrupção para ato ilícito (art. 373º) – a solicitação ou aceitação da vantagem

pode ser feita por interposta pessoa.

Crimes de Mão-Própria: crimes que só podem ser executados por ação direta, pessoal,

do agente referido no tipo legal. Ex: abandono de funções (art. 385º) – este crime tem

de ser efetivamente executado pelo funcionário que abandona as funções; crime de

bigamia (art. 247º/1) – só pode ser cometido efetivamente por pessoa casada que

contrai um novo casamento.

Page 22: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 22

Prof. Figueiredo Dias: crimes que tipicamente exigem a execução corporal do

crime pela própria pessoa do agente.

Prof. Teresa Beleza: crimes cuja definição legal torna impensáveis em qualquer

forma de autoria que não seja direta, imediata, material, dado que a ação

descrita só é susceptível de ser praticada por ‘’mão própria’’.

As qualidades ou características pessoas do agente podem constituir apenas

circunstância modificativa do crime, determinando a alteração da gravidade da

pena aplicável. Ex: Homicídio Qualificado (art. 132º/2 al. a) – quanto à qualidade de o

agente ser ascendente, descendente, adotado ou adotante da vítima. Se o agente

não tiver as características referidas, o crime é possível configurando um homicídio

simples (art. 131º)

1.3. Pluralidade de Sujeitos: Concurso Necessário e Eventual

Um Crime pode ser praticado por uma pluralidade de pessoas:

A ação criminosa pode ser executada por duas pessoas, em conjunto;

A ação criminosa pode ser realizada através de terceiro que desconhece o

plano criminoso, atuando como instrumento ou longa manus do agente.

A ação criminosa pode ser praticada com a participação secundária de

outras pessoas que incitam ou aconselham, ou mediante o auxílio de outros

que proporcionam os meios ou ensinam a utilizá-los, ou mesmo prometem

posterior refúgio ou acolhimentos.

Concurso Eventual de Agentes: o crime pode ser praticado por uma só pessoa, mas é

efetivamente praticado com a colaboração, concurso, de várias. Ex:

Crimes de Participação Necessária: crimes que só podem ser perpetrados com o

concurso de várias pessoas. O tipo legal exige a pluralidade de agente para a prática

do crime – concurso necessário de agentes:

Conduta Unilateral: a ação de todos os agentes converge num único fim. Ex:

crimes de associação criminosa (art. 299º)

Conduta Bilateral/Encontro: os agentes apresentam-se em oposição uns aos

outros, ou em recíproca agressão. Ex: crime de comparticipação em rixa (art.

151º).

2. As Imunidades

Não Vigora o Princípio do Princeps Legibus Solutus, ou seja a lei é igual para todos e

não existem privilégios pessoais que limitem a aplicabilidade da lei penal. Contudo, há

pessoas que por virtude das suas funções na orgânica do Estado ou em razão de

regras de Direito Internacional gozam de Imunidades.

Imunidades: privilégios por força dos quais as pessoas a quem são atribuídos não ficam

sujeitas à jurisdição do Estado ou não lhes são aplicáveis as sanções previstas nas leis

penais.

Qual a sua natureza?

Page 23: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 23

Natureza Substantiva: gozam de uma isenção quanto à

inaplicabilidade das penas previstas nas leis penais para os fatos por

eles praticados e aos quais, segundo os princípios gerais, seria aplicável

a lei penal portuguesa, o que poderia qualificar-se como causa de não

punibilidade.

Natureza Adjetiva: gozam do privilégio de se não submeterem à

jurisdição portuguesa.

Prof. Germano: a natureza substantiva ou processual das imunidades só

pode determinar-se em razão de cada imunidade concreta, em

função dos termos da lei que a atribui.

Tipos de Imunidades:

Absolutas: eximem de responsabilidade ou isentam de submissão à

jurisdição por qualquer crime. Reservadas aos Chefes de Estado

Estrangeiros – imunidades de Direito Público Internacional.

Relativas/Funcionais: resultam do exercício de determinadas funções e

só se aplicam a determinados factos decorrentes do exercício dessas

funções. Podem ser de:

Direito Público Interno: as que gozam os deputados à

Assembleia da República (art. 160º/1 da CRP) e as dos juízes

(art. 218º/2 CRP)

Direito Público Internacional: as que gozam os diplomatas e os

agentes internacionais equiparados aos agentes diplomáticos.

▲ O fundamento das imunidades, internas e internacionais, é sempre de natureza

política, interna ou internacional.

3. A Responsabilidade Penal das Pessoas Coletivas

Antigamente: o CP não previa a responsabilidade das pessoas coletivas, mas a sua

responsabilidade era admitida em legislação especial (DL referente aos crimes contra

a economia e saúde pública e pelo RGIT).

Atualmente, o CP foi alterado com a Lei nº59/2007, de 4 de Setembro que:

Alterou o art. 11º consagra a admissão da responsabilidade da pessoa

coletiva e regras de imputação

Aditou os art. 90-A a 90-M: penas aplicáveis às pessoas coletivas.

Page 24: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 24

Pessoas Coletivas e Entidades Equiparadas: podem ser sujeitos ativos do crime, mas

uma vez que não agem por si mesmas, mas através de pessoas físicas, a sua

qualificação como sujeitos ativos do crime depende sempre da atuação e terceiros

que com elas têm uma relação especial.

O art. 11º do CP consagra a responsabilidade das pessoas coletivas e em que termos

tal sucede. O nº4 do art. 11º refere ainda o que se entende por posição de liderança,

ou seja verifica-se quando exige um domínio na pessoa coletiva – directores.

O ordenamento jurídico português não admite a responsabilidade das pessoas

coletivas como agentes do crime para todos os crimes, mas só para os crimes

expressamente previstos na lei: a sua intervenção pode verificar-se como participantes

na comparticipação criminosa em qualquer das suas modalidades, ou seja como

autores ou como cúmplices, mas em geral a responsabilidade da pessoa coletiva não

resulta de comparticipação criminosa, sendo uma responsabilidade que acresce à do

agente, pessoa singular, que atua como seu órgão ou representante.

Teoria da Representação: a atuação do órgão ou representante em nada se distingue

da dos agentes, pessoas singulares, e só porque estes atuam funcionalmente, em

nome e no interesse da pessoa coletiva, é que está é também responsável pelo crime.

Dificuldade da Responsabilização Penal das Pessoas Coletivas: determinação do

agente pessoa singular que seja o agente do crime (sujeito ativo), na medida que é

em razão da qualidade desse sujeito e das suas funções na estrutura do ente coletivo

que o crime é imputado à pessoa coletiva.

Responsabilidade Cumulativa: imputação do facto à pessoa coletiva, ou seja a

responsabilidade pelo mesmo facto dos agentes pessoas singulares e da pessoa

coletiva. Ex: a empresa só responde quando se apura a responsabilidade de uma(s)

pessoa(s) singular(es) (directores) Teoria da Culpa na Organização.

III – Elementos Objectivos Constitutivos do Facto Ilícito

1. Conceito de Facto Ilícito

1.1 Conceito de Facto: Ação e Omissão

Crime facto jurídico todo o evento relevante para o Direito.

Facto Jurídico:

Puros Factos Jurídicos: independentes do conhecer, do querer e do agir

humano. Ex: nascimento, morte natural, decurso do tempo.

Factos Voluntários/Atos Jurídicos: condutas voluntárias, modos de atuação

humana dirigida pela vontade, que tanto podem consistir numa ação ou

numa omissão.

Factos Lícitos: praticados em conformidade com o Direito.

Factos Ilícitos: contrariam o Direito:

Page 25: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 25

Penais: violação de uma norma de Direito Penal crime!

Extrapenais: violação de uma norma de qualquer outro ramo do

Direito.

O Crime é um facto voluntário, um facto dominado ou dominável pela vontade (é

sempre uma ação humana, um comportamento humano). Este comportamento

humano tanto pode consistir:

Num comportamento positivo – ação em sentido restrito, o fazer. Com a ação

viola-se uma proibição (faz-se o que a lei proíbe).

Numa omissão de um comportamento devido – o não fazer o que é devido.

Com a omissão viola-se uma norma preceptiva, uma norma que impõe um

comportamento ativo (não se faz o que a lei impõe que seja feito). Omissão

enquanto abstenção da actividade devida, ou seja, da actividade que o

agente devia e podia realizar para evitar a ofensa de um bem jurídico.

Crimes Omissivos Puros

Crimes Comissivos por Omissão

Não existe facto relevante para o direito penal, como elemento de qualquer crime,

quando o agente atua sem consciência e vontade, contudo estes factos pode ser

relevantes para aplicação de medidas de segurança criminais.

Não existe facto:

Casos de coação física irreversível: o que é obrigado mediante força física

irreversível de outrem a premir o gatilho não atua voluntariamente.

Caso de atuação em completa inconsciência: sonambulismo ou hipnose

Atos reflexos que consistem numa reação motora (muscular) ou secretória

(glandular), que responde automaticamente a uma excitação sensitiva – tosse,

espirro, rubor.

Teoria Clássica da Imputação distinguia entre:

Imputação Física se a teoria do facto típico (ação ou omissão) se situasse a

este nível, seria um facto qualquer manifestação externa da actividade

corporal de um ser humano, consciente ou inconsciente, voluntária ou forçada

conceito impraticável há que renuncia desde o indício a encontrar o

elemento diferencial da ação relativamente aos meros acontecimentos físicos.

Imputação Moral só esta é imputação à pessoa, subjetiva, e só ela pode

estar na base da atribuição da responsabilidade o conceito de facto típico

deve estar vinculado à tradicional imputação moral, ainda que, para evitar o

equivoco associado a este último termo, convenha denomina-la de imputação

pessoal.

Page 26: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 26

Elemento do Facto Ilícito é a consciência e vontade – sem estas, que possibilitem o

domínio do facto, não pode construir-se um direito penal de culpabilidade. Estas irar-

se-ão manifestar no próprio ato pelo que verdadeiramente são elementos do facto,

ou seja sem tais não há facto ilícito, imputável ao agente.

O Ato Involuntário não é facto constitutivo de qualquer crime, mas a voluntariedade

não se confunde com a projeção da vontade sobre o resultado:

Na Teoria do Facto, a vontade é o suporte psíquico do ato, sem o que não há

facto integrante do tipo sem esta não há facto!

A Vontade como projeção sobre o resultado é objeto de um juízo de valor,

respeita à culpabilidade sem esta não há culpa!

Nota: se tanto a ação como a culpabilidade fazem referência pessoal de um

acontecimento a um sujeito, só parece possível uma distinção em dois casos:

Ou se quer aludir a diferentes níveis ou aspetos na imputação subjetiva

Sendo idêntica a imputação, aplica-se a diferentes acontecimentos.

Quando a doutrina distingue ação e culpabilidade alude-se à primeira alternativa o

mesmo facto a que se atribui o caracter de ação antijurídica é posteriormente

examinado na perspetiva da culpabilidade.

1.2 Pressupostos ou Circunstâncias Essenciais do Facto Ilícito

Pressupostos do Facto Ilícito/Condições Prévias: circunstancias que concorrem no

facto e são preexistentes ou concomitantes com a conduta (ação ou omissão) e sem

as quais o facto não constitui facto tipicamente ilícito. São circunstancias relativas:

Ao sujeito ativo ou ao sujeito passivo do crime (qualidade do funcionário)

Ao sujeito passivo (idade da vítima nos crimes sexuais)

Ao objeto da ação (qualidade de coisa alheia no furto)

Ao objeto da omissão (situação de perigo que impõe ao agente o dever de

prestar socorro)

Ao lugar (casa destinada a habitação).

Estas circunstâncias/elementos do tipo não fazem parte da conduta entendida como

comportamento humano, e por isso não podem ser objeto da volição do sujeito ativo,

mas só do seu conhecimento.

Cabe bem a designação de pressupostos da ação ou omissão às situações de facto

de que emerge o dever de agir nos crimes de omissão pura o dever de agir emerge

de uma situação anterior (situação típica) que será perigosa para os bens jurídicos se

o destinatário do comando legal não agir para obstar ao perigo. Ex: art. 200º - no

crime de omissão de socorro, a situação típica de que emerge o dever de prestar

socorro é o estado de perigo em que se encontra a pessoa necessitada de ajuda.

Page 27: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 27

2. Características do Facto Ilícito

2.1. Características Comuns

Crime facto voluntário, facto dominado ou dominável pela vontade (sempre uma

ação humana, um comportamento humano) comportamento humano:

comportamento positivo (ação) ou omissão de um comportamento devido (faz-se oq

eu a lei proíbe).

Normalmente, as incriminações são normas proibitivas, e deste modo os crimes

Comissivos.

Ação: suporte do tipo legal, é sempre um comportamento humano, constituído por

um agir ou por um omitir, dominado ou dominável pela vontade e dirigida para a

lesão ou para a exposição de lesão de um bem jurídico

Conceito de Ação em sentido amplo de conduta (ação em sentido restrito e omissão)

teorias:

Teoria Causal da Ação (mais antiga): considera a ação humana um processo

mecânico, regido pelas leis da causalidade. Esta orientação deu como

resultado o sistema clássico de Liszt-Beling-Radbruch, responsável pela divisão

da ação humana em dois segmentos distintos:

O querer interno do agente

O processo causal visível, isto é, a conduta corporal do agente e o seu

efeito ou resultado. Situava-se no injusto o encadeamento causal

externo e na culpabilidade todos os elementos subjetivos, ou seja os

elementos internos do agente.

O sistema começou a desmoronar-se com a descoberta dos elementos

subjetivos do tipo, nos denominados crimes de intenção (crime de burla –

art. 217º).

Teoria da Ação como Negação de Valores: o mundo do direito é o mundo dos

valores que se contrapõe ao mundo objetivo das ciências naturais. Contesta-se

a teoria do crime que parte de conceitos naturalistas porque o que interessa

ao mundo do direito é o sentido normativo, é o valor de certa conduta

humana.

Teoria Finalista da Ação (Hans Welzel): parte de um conceito ontológico de

ação humana, segundo o qual o direito determina por si mesmo quais os

elementos da realidade que quer valorar, mas não os pode modificar. Para

compreender o conteúdo das definições legais e das valorações jurídicas é

necessário, embora partindo do tipo legal, descer à esfera ontológica,

previamente dada. Para os finalistas a ação é exercício de atividade dirigida a

um fim, não um acontecimento puramente causal. A vontade que dirige o

acontecimento causal é a espinha dorsal da ação finalista, o fator de direção

que comanda o acontecimento causal exterior. Nessa direção objetiva do

acontecimento causal, a vontade finalista estende-se a todas as

Page 28: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 28

consequências que devem ser atingidas para o agente conseguir o seu

objetivo, ou seja:

Aquilo que deve ser alcançado

Os meios que emprega para isso

As consequências secundarias, que necessariamente estão vinculadas

ao meios empregados.

Não faz sentido partir da ação, ou como mero movimento corpóreo ou como

mera negação de valores, mas pelo contrario deve atender-se que do próprio

conceito de ação faz parte a sua finalidade.

Consequência: considera-se o dolo como um elemento da própria ação, da

ilicitude, e não como um elemento da culpa.

2.2. Ação e Omissão

Dentro do conceito amplo de ação (conduta, comportamento) distingue-se:

Ação em sentido restrito: ação positiva/ facere comportamento humano

externo, um agere no mundo físico, um movimento corporal, dominado pela

vontade, objetivamente dirigido para a lesão de um bem jurídico. É sempre um

acontecimento de ordem moral, produto da vontade humana, sobre o qual se

molda o conceito de ação típica, antijurídica e culpável (de crime)

Omissão: ação negativa/ non facere comportamento que consiste na

abstenção da atividade devida, ou seja da atividade que o agente devia e

podia realizar. É uma conduta negativa relevante para o direito penal, porque

atinge um bem jurídico tutelado. A verdadeira essência da omissão reside no

facto de ao não se ter agido, da forma que a lei impõe para proteger o bem

jurídico, não se evitar a lesão do mesmo. A omissão assenta numa conduta

negativa, surgindo porque o agente não realizou determinada ação que lhe

era imposta pelo direito e com essa abstenção de agir ou lesa o bem jurídico

ou põe-no em perigo. Refere-se sempre a um dever jurídico de agir, um dever

que impõe a um determinado sujeito a realização de uma ação positiva

específica.

Crimes Omissivos Puros/Crimes Omissivos Próprios: simples abstenção

de agir, são crimes de mera conduta, sendo que a omissão da conduta

devida lesa ou poe em perigo o bem jurídico que a norma tutela. Ex:

art. 200º- omissão de auxilio; art. 245º - omissão de denúncia.

Crimes Comissivos por Omissão/Crimes de Omissão Imprópria ou

Impura: abstenção de agir, considerando a lei que esta omissão, não

sendo causa da produção do evento material que a lei quer evitar

deve ser-lhe equiparada porque o agente, devendo e podendo, não

impediu a sua realização, e deste modo o resultado é lhe imputado

o não impedimento do resultado é equiparado por lei à produção

desse resultado.

Page 29: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 29

2.3. Crimes Comissivos por Omissão/ Crimes de Omissão Imprópria ou Impura

2.3.1. A estrutura essencial da omissão impura

A omissão é causa do evento previsto na descrição típica do crime cometido, não

porque seja o ato omissivo que provoca o evento, mas porque o agente não pratica o

ato que deve praticar para evitar que esse evento se produza Omissão Causa

Hipotética do Evento (omissão do agente equiparada à causa do evento porque se o

agente tivesse atuado como devendo o evento não se teria produzido)

Art. 10º/1: a omissão tem de ser adequada a evitar o resultado necessário formular

um juízo hipotético ou de prognose (não se trata de uma relação de causalidade

verdadeira e própria, mas sim de um seu equivalente normativo para fins de

imputação jurídica do evento ao omitente).

A atribuição a alguém da qualificação de sujeito ativo de um crime, na medida em

que a sua conduta omissiva não evitou a produção de um resultado depende:

Não só de um nexo causal entre o non facere e o evento

Mas também de um quid pluris, consistente no dever jurídico do agente de

evitar o evento típico.

Interpretação do art. 10º/1: alarga a incriminação dos crimes Comissivos de resultado

previstos nos tipos incriminadores aos comportamentos omissivos. Trata-se de uma

norma acessória extensiva às normas incriminadoras de crimes Comissivos por ação,

equiparando normativamente a ação dos crimes Comissivos por ação à omissão.

O legislador poderia criar preceitos autónomos, que imporiam certas condutas

com vista a evitar a produção de certos eventos, mas tal conduziria a um

dualismo de incriminações e à multiplicação de artigos de lei deste modo,

Tipicidade Indireta.

Limite da equiparação do art. 10º/1: a questão foi discutida na Comissão Revisora a

propósito do atual art. 10º/3, entendo o autor do projeto que a equiparação não

devia ser total.

‘’salvo se outra for a intenção da lei’’: os crimes Comissivos por ação podem ser

definidos exclusivamente pela aptidão da ação para a produção do evento (tipo

causal), mas a ação pode ter de revestir uma determinada forma (tipo modal). No

caso do tipo modal, nem todas as ações causais são típicas, mas apenas as que

revestem determinada forma.

Em suma: quando o crime Comissivo por ação for um crime modal parece que não

pode atribuir-se à lei a intenção de incriminar o crime comissivo por omissão.

Se nem todas as ações causais constituem ação típica, é inadmissível que a

omissão possa equivaler a certas formas de ação e ter mais calor para o direito

que outras formas de ação causal que não são incriminadas.

A equiparação só tem lugar nos casos de crimes causais puros.

Page 30: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 30

2.3.2. O dever jurídico de agir para evitar o resultado típico: crimes próprios

e posição de proteção ou de controlo

2.3.2.1. O Problema Geral

No projeto do Código, existia a consagração expressa da Teoria Formal Tríplice,

inspirada na doutrina alemã, no art. 10º/2: a fonte do dever jurídico de agir seria a lei,

o contrato e a ingerência (criação de situação de perigo).

Interpretação do art. 10º/2: refere-se a um dever jurídico que recaia sobre o omitente e

que pessoalmente o obrigue a evitar esse resultado, parecendo afastar como fonte

desse dever a situação criada pelo próprio omitente, que o constituía, pessoalmente,

garante da não produção do resultado.

Na Comissão Revisora, o Prof. Eduardo Correia esclarecia que a referida

situação havia de ser não só adequada a produzir o resultado como

adequada a constituir o omitente em garante pela não produção de

resultado.

Quando é que se verifica o dever de garante? Quer na redação originária, quer na

atual, do art. 10º/2, apenas se refere ao dever jurídico que recaia sobre o omitente,

mas omite-se a fonte desse dever.

Que a fonte do dever de agir para evitar o resultado pode ser diretamente a lei (um

preceito legal) ou um contrato ou ato jurídico não parece suscitar dúvidas, embora se

suscitem quanto aos termos e alcance da imposição do dever.

Situação de perigo criada pelo omitente, situação esta adequada a produzir o

resultado e adequada também a constituir o omitente no dever jurídico de agir para

evitar o resultado quais são estas situações?

O legislador, no art. 10º/2 omitiu: (1) a referencia à situação criada pelo próprio

omitente, que o constituía pessoalmente garante da não produção do

resultado; (2) qualquer fonte do respetivo dever de agir porque? A

expressão era tao lata que englobaria quase todas as demais e ainda outras

que se não deveriam considerar fontes do dever de garantia do omitente

da alteração da redação do projeto para o texto do Código não resulta a

necessária interpretação de que o legislador quis apenas consagrar como

fonte do dever de agir as denominadas fontes formais (lei e contrato), não

existindo nenhuma norma jurídica explicita que estabeleça genericamente o

dever de agir para impedir o resultado quando este tenha sido criado por uma

ação precedente do agente e é geralmente aceite a existência desse dever.

Qual a fonte jurídica do dever jurídico que pessoalmente obrigue o omitente a evitar o

resultado?

Teoria Formal (inicial): considerava que o dever de garante tinha por fonte a lei, o

contrato ou a ingerência.

Não abarca todas as situações necessárias (limitado alcance dos deveres

legais confrontados com os amplíssimos deveres no âmbito das relações

familiares; o negocio jurídico e os problemas que suscita nos casos de nulidade

Page 31: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 31

e falta de validade do mesmo), e encontrava serias dificuldades para fundar o

dever de atuar precedente (ingerência).

Teoria das Funções (Kaufmann): determinação dos deveres de garante por critérios

materiais.

Deveres de garante que consistem em uma função protetora de um bem

jurídico concreto: vinculação familiar e comunidade de vida, comunidade de

perigo e assunção voluntária.

Deveres de garante que corresponde ao garante uma função de vigilância de

uma fonte de perigo: criação de um perigo prévio, vigilância de fontes de

perigo, responsabilidade pela atuação de terceiros.

Esta Teoria exige que a omissão tenha um conteúdo de ilicitude correspondente à

realização ativa do tipo comissivo.

Prof. Germano Marques da Silva: o fundamento material da responsabilidade nos

crimes comissivos por omissão reside na necessidade de assegurar a determinados

bens jurídicos uma tutela reforçada perante a incapacidade dos respetivos titulares de

protege-los adequadamente: daqui a atribuição só a alguns sujeitos do especial

dever de garantir a integridade desses bens.

O Princípio da Equivalência entre a Omissão não impeditiva e a Ação Causal

pressupõe não um simples dever de agir, mas uma posição de garante do bem

jurídico protegido.

Posição de Garante: vínculo especial de tutela entre um sujeito garante de um bem

jurídico determinado pela incapacidade que tem o seu titular de o proteger

autonomamente. A função especifica da posição de garante destina-se a reequilibrar

a situação de inferioridade de determinados sujeitos, através da instauração de uma

relação de dependência com o fim de proteção.

Justifica-se que os crimes comissivos por omissão sejam sempre próprios: o

dever de agir recai apenas sobre alguns sujeitos (os garantes) de um tipo

omissivo puro, como o art. 100º, perpetrável por qualquer pessoa, não pode

derivar um dever de garantia relevante para efeitos do art. 10º/2.

Tipos de Posição de Garante:

Posição de Proteção: tem por finalidade preservar determinados bens jurídicos

de todos os perigos que possam ameaçá-los, qualquer que seja a causa do

perigo. Ex: os pais têm o dever de proteger os filhos menores de todos os

perigos que os ameaçam.

Posição de Controlo/Vigilância: tem por fim neutralizar determinadas causas

de perigo, de modo a garantir a integridade de todos os bens jurídicos que

possam ser ameaçados. Ex: o proprietário de edifício a ameaçar ruina tem o

dever de impedir eventos danosos a cargo de qualquer pessoa que possa

encontrar-se nas proximidades do edifício.

Page 32: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 32

As Posição de Garante podem ser:

Originárias: recaem sobre pessoas determinadas, em razão das suas funções

especificas ou de especiais relações com a fonte do perigo ou com as pessoas

que podem sofrer o dano;

Derivadas: passam do titular originário para um terceiro mediante um ato de

transferência negocial (contrato com baby sitter)

Prof. Teresa Beleza: o problema da delimitação do dever de agir para evitar o

resultado nos crimes comissivos por omissão é um problema não resolvido de forma

eficaz, na medida em que a própria definição do que seja esse dever jurídico de agir

é extremamente difícil e delicada em certas situações. Contudo, vai se gerando

consenso de que a lei impõe a certas pessoas, em razão de especiais qualidades,

funções ou relações, determinados deveres de garante e que esses deveres resultam

de uma relação fática de proximidade entre o omitente e determinados bens jurídicos

que ele tem o dever pessoal de proteger, ou entre o omitente e determinadas fontes

de perigo por cujo controlo é pessoalmente responsável.

Em suma, o dever jurídico há de resultar imediata ou mediatamente da lei, não

podendo fundar-se em puro dever moral Princípio da Legalidade. A omissão

relevante, equiparável à ação, é não cumprir o dever jurídico de agir.

2.3.2.2 Deveres de Garantia derivados da ingerência (atuação

precedente perigosa)

O fundamento do dever de garante parece assentar nos limites ao uso da liberdade:

porque somos livros é nos exigido que sejamos cuidadosos no uso dessa liberdade e

que garantamos que o seu uso seja inócuo relativamente a terceiros. Não se trata de

exigir a abstenção de toda a ação perigosa, mas que em razão da perigosidade de

certos comportamentos se atue cuidadosamente e que eventualmente se pratiquem

novos atos aptos a evitar que a perigosidade dos iniciais cause a efetiva lesão dos

bens jurídicos.

Prof. Figueiredo Dias: não assume a posição de garante aquele que com o seu facto

precedente se contem dentro dos limites do risco permitido, ou seja o resultado típico

tem de considerar-se objetivamente imputável, segundo as regras gerais, ao

incumprimento do dever de garante.

Quem se defende em legítima defesa terá o dever de garante de fazer o possível para

evitar a morte do agressor? Não há dever de garante da não produção do resultado

porque o agente defensor não atuou no pleno exercício da sua liberdade, mas é

compelido pela necessidade de defesa própria ou alheia.

Haverá dever de garante em caso de atuação justificada por estado de necessidade?

A doutrina encontra-se dividida:

uma parte (Prof. Figueiredo Dias) considera que o dever de garante existe

porque o agente em estado de necessidade interveio no âmbito de liberdade

Page 33: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 33

de uma pessoa a quem não cabe qualquer responsabilidade pelo estado de

necessidade;

outra parte entende que não há dever de garante porque o agente em

estado de necessidade não atua no exercício normal da sua liberdade.

Prof. Germano: em ambos os casos (legitima defesa e estado de necessidade) o

agente atua dentro dos limites do risco permitido, ou seja, dentro dos limites

consentidos pela lei, não podendo ser responsabilizado pela consequências do seu

facto.

Grupos de Casos em que ocorre o Dever de Garante em razão do procedente de

atuar perigoso (Ingerência):

Medidas de Prevenção (segurança) no exercício de atividades empresariais

perigosas: o princípio do dever de garante assenta na ideia de que quem

desenvolve uma atividade geradora de riscos deve tomar todas as

providências necessárias para neutralizar ou reduzir os riscos ate um mínimo

socialmente permitidos os riscos extraordinários exigem medidas de cautela

extraordinárias.

A Liberdade de Organização das Atividades Empresariais tem como

contrapartida o dever da empresa de tomar as cautelas devidas para que da

sua organização empresarial não resultem riscos para terceiros, para além do

risco permitido. Alem da responsabilidade da empresa, nos casos em que a lei

a admite, também os gestores, enquanto legalmente responsáveis pela

administração e funcionamento da empresa respondem pessoalmente.

Este dever de garante abrange naturalmente atividades dos trabalhadores e

demais colaboradores da empresa, não só enquanto potenciais vítimas, mas

também pelos perigos por eles próprios criados no exercício das suas funções.

A empresa e os gestores garantes do funcionamento da empresa nos limites

do risco permitido, e isso abrange naturalmente a atividade dos subordinados.

Ex: se um trabalhador não tem a formação adequada para o posto de

trabalho que exerce, essa formação deve ser-lhe ministrada pela empresa.

Deveres de Informação nas Transações Económicas: o vendedor de quaisquer

objetos com vícios ocultos geradores de perigos ou por si mesmo perigosos

deve informar o comprador do perigo em que incorre, tomando as

providências adequadas para evitar a realização do dano e informando o

comprador dos perigos em que incorre.

Responsabilidade pelo Domínio de um Espaço Fechado: quem tenha um

domínio de um espaço fechado e o disponibilize ou permita que nele sejam

praticadas atividades perigosas responde pelos riscos que poderia evitar

impedindo essa atividades ou limitando-as ao risco permitido.

Page 34: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 34

Dever de Auxílio ou Salvamento, derivados da criação de perigos já

concretizados ou em vias de concretização: existe dever de garante quando a

ação prévia é antijurídica, e também quando a ação prévia, embora

permitida importa riscos elevados.

E quando se trata de ação prévia lícita e sem consciência de eventuais riscos

que essa ação pode causar, as que posteriormente se vem a descobrir que é

geradora de perigos antes desconhecidos? Quando o agente descobre os

perigos que antes eram por si desconhecidos, tem o dever de providenciar

para os conter não é pacífico!

2.3.3. As Posições de Garante e o Princípio da Legalidade

O Dever de Agir é um dever jurídico e não um dever moral maior cuidado na

interpretação das normas que sejam fonte dos respetivos deveres de agir para evitar o

resultado danoso, equiparando a omissão à ação.

Prof. Cavaleiro Ferreira: a tipicidade da omissão ‘’não cumpre o seu dever objetivo de

descrever os limites da incriminação, impõe essa tarefa à jurisdição, na apreciação do

caso concreto.

É sempre necessário encontrar o fundamento legal, a norma que impõe o dever de

agir para evitar o resultado, sem o que não pode considerar-se omissão juridicamente

relevante.

3. Objeto da Ação e Evento Jurídico e Material do Crime

3.1. Objeto da Ação Humana. A Lesão ou Perigo de Lesão do Bem Jurídico

Evento Jurídico do Crime: todo o crime lesa ou põe em perigo de lesão bens jurídicos.

Resultado Naturalístico distinto da ação e por ela causado: lesão da pessoa ou da

coisa sobre que incide a atividade física do agente do facto, ou seja do objeto

material da ação, ou a criação de perigo concreto de lesão para pessoas ou coisas.

Ex:

No homicídio o bem jurídico lesado pelo crime é a vida humana e o seu objeto

é a pessoa sobre a qual recai a ação de matar que o causa o resultado que

constitui o evento material morte dessa pessoa.

No crime de condução perigosa de veículo rodoviário, o bem jurídico

protegido é a vida humana, a integridade física e o património; o resultado é a

situação de perigo concreto para as pessoas ou coisas criadas pela conduta

do agente.

Se todos os crimes têm evento jurídico, nem todos têm resultado e evento material e

objeto material.

Crimes Formais ou Crimes de Mera Atividade: crimes sem resultado.

Crimes de Resultado: crimes com resultado

Page 35: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 35

Crimes de Resultado Material/Crimes Materiais: crimes em que o resultado se

materializa na lesão de uma pessoa ou cosa.

Lesão: sinónimo de dano, e alteração ou perturbação do interesse tutelado, pela

norma. Em certos crimes a lesão do bem jurídico tutelado pela norma penal só é

penalmente relevante em virtude de certas características subjetivas do

comportamento do agente (art. 217 º - crime de burla, não importa apenas o prejuízo

do enganado ou de terceiro mas também e de modo essencial o engano não se

tutela simplesmente o dano patrimonial, mas também a confiança que o artificio

fraudulento do burlão lesa).

Perigo: nos crimes de perigo, consiste numa situação que faz aparecer como possível

a realização de um dano contrário a interesses juridicamente protegidos

possibilidade de produção de um dano. Nos crimes de perigo, os bens jurídicos são

tutelados por antecipação, através da salvaguarda das suas condições de

subsistência.

3.2. O Evento Material. O Evento Material e os Crimes Comissivos

Na estrutura de muitos crimes exige-se um evento material/resultado material da ação

humana sem tal o crime não se consome.

Tal resultado ou evento material integra a descrição da conduta típica, constituindo o

resultado, o efeito da ação, descrita frequentemente de forma sintética pelo verbo

quem matar outra pessoa; quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa.

Crimes Causais Puros: Crimes cuja ação é descrita pelo verbo.

Crimes Modais: crimes em que a ação causadora do evento tem de revestir certas

características, sendo excluídos, não típicos, os factos que não revistam essas

características, ainda quando idóneos a produzir o evento típico.

Crimes Omissivos Próprios não têm evento Material a conduta omissiva consiste

numa pura omissão ≠ Crimes Omissivos Impróprios a conduta consiste precisamente

no não impedimento do evento que o destinatário da norma (o garante) tinha o

dever de impedir; o evento (cuja produção não foi impedida) faz parte da estrutura.

4. Nexo de Causalidade

4.1. Noção de Nexo de Causalidade

Nos crimes materiais ou de resultado/evento material é necessário que o evento seja

causado pela conduta do agente.

Embora o resultado seja exterior à conduta, para que possa considerar-se que um

determinado evento faça parte do crime, é necessário que seja a conduta do agente

que cause o resultado, que provoque a produção do evento.

Teorias Relação de Causalidade:

Teoria da Equivalência dos Antecedentes/Condições/Teoria da Condtio Sine

Qua Non (Conceito Naturalístico): tudo o que concorre para o resultado é

Page 36: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 36

causa dele, e assim todas as condições seriam equivalentes para o efeito e a

cada uma se podia imputar o resultado. Causa é qualquer antecedente sem o

qual o resultado não se teria produzido.

Todos os antecedentes do resultado são considerados do mesmo valor e causa

do resultado. Consequências:

O Resultado é atribuído ao facto humano como sua causa sempre que

se não tivesse produzido sem esse facto. Não é necessário que o facto

tenha sido a causa necessária, suficiente por si só para produzir o

resultado.

O resultado é atribuído ao facto humano como sua causa ainda que se

não tivesse produzido sem o concurso simultâneo ou sucessivo de outros

atos humanos. Ex: ato posterior negligente de médico que faz com que

um ferimento que não era mortal venha a produzir a morte.

Não existe relação de causalidade entre o facto e o evento quando a

não realização desse facto não tivesse modificado em nada a

produção do resultado. Assim quando o resultado, ao qual se dirigia o

facto, for provocado por uma nova serie de causas independentes,

interrompe-se o nexo de causalidade com aquele facto.

Teoria muito criticada devido aos seus exageros: ao pai deveriam ser imputadas todas

as condutas do filho, porque sem aquele, este e portanto as suas condutas não teriam

sido produzidas.

Teoria da Causalidade Adequada (conceito jurídico): a causa é o

antecedente adequado para produzir o resultado. A causa não é considerada

apenas em relação ao evento em concreto, mas abstratamente em relação a

acontecimento do género daquele a que se refere o juízo de causalidade. O

antecedente é causa quando tenha produzido o resultado e quando se

apresenta geralmente adequado a produzir aquele resultado, ou seja quando

aquela causa produz normalmente aquele resultado.

Avaliação da adequação da causa para produzir o resultado regras da

experiencia comum aplicadas às circunstancias concretas da situação. O

resultado há-de ser previsível e de verificação normal, segundo as regras da

experiencia comum e as regras ou circunstancias que o agente efetivamente

conhecia.

Ac. STJ. 94 acolheu no seu art. 10º/2 a Teoria da Causalidade Adequada: apenas

comete o crime do art. 142º o arguido que dá um empurrão no ofendido, apesar de

este vir a falecer em consequência de enfarte do miocárdio, desde que não se

provou que ele tinha conhecimento dessa doença cardíaca e que tivesse utilizado

esse empurrão para fazer surgir tal enfarte.

Conceito Jurídico de Causalidade é um Conceito da Relação Jurídico-Social

que conduz a conteúdos ontológicos e normativos não sendo idêntico nem

aos conceitos causais das ciências naturais nem aos filosóficos.

Page 37: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 37

Problema: várias situações e que esta teoria se mostra insatisfatória há

comportamentos que comportam riscos consideráveis para bens jurídicos e são

legalmente permitidos (ex: circulação rodoviária (sempre que há um acidente

podia dizer-se que o condutor vai responder penalmente não é correcto),

intervenções médicas necessárias mas arriscadas). Embora a ação se revele

adequada à produção daquele resultado não pode ser proibida.

Teoria da Causalidade Adequada COMPLETADA/CORRIGIDA pela Teoria da

Conexão do Risco.

Teoria da Conexão do Risco: o resultado só deve ser imputado à ação quando

esta tenha criado (aumentado, incrementado) um risco proibido para o bem

jurídico protegido pelo tipo de ilícito e esse risco aumentado ou acrescido se

tenha materializado no resultado típico quando não se verifique uma dessas

condições, a imputação deve ser exluida.

Determinação do Risco Não Permitido

Art. 10º/1: a ação e a omissão hão-de-ser adequadas a produzir ou evitar o

resultado compreendido no tipo legal.

Problema da causalidade coloca-se nos crimes de resultado ou comissivos

em muitos casos a solução não oferece dificuldades, sendo que a doutrina

normalmente indica grupos de casos nos quais a solução é mais difícil.

Causalidade Acidental: O CP de 1886 dispunha no art. 360º e no art.

361º ao efeito necessário da ofensa, e no art. 362º à circunstância

acidental que não era consequência do facto. Consequências: a

ofensa devia ser mortal (por sua natureza e segundo a experiencia

comum); a causa a que se seguia outra causa que era daquele efeito

necessário era ainda causa adequada da morta (ex: infeção causada

pelos ferimentos). A causalidade era excluída quando a morte se

seguiu porque interferiu no processo causal uma causa acidental que o

agente não provocou nem pôs ao seu serviço.

Interrupção da Causalidade: ocorre sempre que à causa adequada

posta pelo agente se sobrepõe uma outra causa igualmente

adequada para produzir o evento, mas que não provem do mesmo

agente, quer diretamente, quer como consequência da causa inicial.

A causa que produziu o resultado é inteiramente independente da

posta pelo agente. Ex: tentativa de homicídio mediante

envenenamento, mas em que a morte vem a ser causada por um tiro

disparado por outra pessoa morte causada pelo segundo agressor.

Concorrência de Causas: todas as causas concorrem em conjunto

para a produção do resultado. Como o nexo causal é elemento do

facto, a concorrência de causas é concorrência de factos na

produção do mesmo resultado. A relevância jurídica das diferentes

Page 38: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 38

causas equivale a comparticipação de vários agentes do crime. Ex: se

duas ou mais pessoas agridem outra e esta vem a morrer em resultado

do conjunto das agressões sofridas, todos os agressores são agentes do

facto em comparticipação os atos de cada um são causa da

morte.

Em suma, segundo, a Teoria da Causalidade Adequada:

Contudo, uma vez que a Teoria da Causalidade Adequada apresenta algumas falhas

e necessita de ser completada com a Teoria da Conexão do Risco, para haver nexo

de Causalidade é necessário ainda saber se:

Page 39: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 39

4.2. A Causalidade na Omissão

A Causalidade na Omissão não é uma causalidade verdadeira e própria, mas antes

um seu equivalente normativo para os fins de imputação jurídica do evento ao

omitente: a lei equipara o não impedimento do evento à produção desse mesmo

evento.

Para que o nexo de causalidade se encontre verificado na omissão é necessária a

verificação de dois requisitos:

Prognose Póstuma: a omissão é causa do evento sempre que, segundo as

regras da experiência comum aplicadas às circunstâncias concretas da

situação, e o ato devido tivesse sido praticado o evento não se teria realizado.

Juízo Hipotético: considera-se que se a ação devida que foi omitida se tivesse

verificado o evento não se teria produzido.

4.3. O Caso Fortuito e a Força Maior (exclusão do nexo de causalidade)

Caso Fortuito: ocorrência de um evento como consequência da conduta de um

sujeito, mas de modo fortuito, ou seja como consequência de um processo causal

absolutamente anómalo, que não seria consequência normal, adequada, da causa

posta pelo agente.

Caso de Força Maior: evento que se produz sem qualquer voluntariedade do agente,

ou seja, o agente não só não quer, como não o pode evitar.

4.4. A questão da ‘’causalidade virtual’’

Causalidade Hipotética ou Causalidade Virtual: o agente produziu o resultado numa

hipótese em que, se não tivesse atuado, o resultado surgiria em tempo e sob

condições tipicamente semelhantes por força de uma ação de terceiro ou de um

acontecimento natural. Ex: ainda que A não tivesse feito explodir o avião X para matar

o passageiro B, o aparelho ter-se-ia igualmente despenhado por falta de combustível

e todos os passageiros acabariam igualmente por morrer; ou C é morto dentro de um

avião que no momento seguinte cai ao descolar por erro de atuação do piloto

causador da morte de todos os passageiros.

No Direito Penal, defende-se a irrelevância da causa virtual. Contudo, pode

perguntar-se se tem algum sentido atribuir ao direito penal a persistência na sua

função de tutela de um bem jurídico que já está definitivamente condenado a

perder-se. A verdade é que mesmo à luz de uma função de tutela subsidiária de bens

jurídicos, independentemente de qualquer valoração ética, continua a ter sentido

não abandonar o bem jurídico à agressão do agente só porque ele já não pode, em

definitivo, sem salvo.

Page 40: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 40

5. Excurso sobre a Imputação Objetiva

5.1. Problema

Princípio do Risco: pressupõe a realização de um perigo não permitido, criado pelo

autor da conduta dentro do âmbito de proteção do tipo objetivo.

Níveis de Imputação Objetiva:

A Criação de um Risco Jurídico Penalmente Relevante (não permitido)

A função da norma penal primária é a proteção de bens jurídicos. Toda a conduta

típica há-de criar um perigo – como mínimo – para o bem jurídico. Toda a vida de

relação supõe a assunção de riscos, os quais são admitidos pela sociedade e

permitidos pelo sistema jurídico. A intervenção penal só começa a partir do momento

que se excede o risco permitido. Este princípio é consequência da ponderação entre

os bens e as liberdades individuais, segundo a medida do princípio da

proporcionalidade (art. 18º da CRP). A determinação do risco permitido faz-se para

cada caso concreto, mas existem dois tipos de fatores cuja ponderação dá lugar a

controvérsias:

A utilidade social da conduta

A proximidade da lesão e a importância do bem jurídico posto em

perigo

Quando o resultado for produzido por uma conduta no âmbito do risco permitido não

se imputa ao sujeito porque falta o desvalor da ação. Relevam especialmente:

A conduta que diminui o risco: a ação do agente visa a diminuição do

risco, embora possa eventualmente criar outro. Ex: X afasta Y para que

não seja atingido por um tiro mortal, mas em lugar de evitar totalmente

o disparo, Y é atingido no ombro.

A não elevação do risco: a ação do agente não aumenta o risco para o

bem jurídico. Ex: o sobrinho que convence o tio milionário a fazer uma

viagem de avião na esperança que o avião caia, o que efetivamente

vem a acontecer não há sequer conduta típica.

A Concretização do Risco no Resultado Típico

Para que o resultado seja imputável à conduta é necessário: (1) relação de

causalidade; (2) relação de risco (como consequência do risco criado pela conduta

se produza o resultado) – se não existir essa relação de risco não se pode imputar o

resultado, ainda que nalguns casos possa existir responsabilidade por tentativa. O juízo

sobre a concretização do risco realiza-se ex post e o resultado não pode imputar-se à

conduta:

Se for consequência da realização de outro risco distinto do criado pela

conduta do autor (o resultado é consequência de causas anómalas ou

desvios do curso causal)

Page 41: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 41

Se não existir aumento do risco de produção do resultado, ou seja, o

resultado produzir-se-ia independentemente da conduta do autor que,

não obstante era adequada a produzi-lo também. Ex: X deixa aberta a

torneira de gás na esperança que a sua esposa morra asfixiada, mas

sem que X o soubesse, uma outra fuga permitiu a saída de todo o gás a

maior velocidade, provocando a morte da esposa.

O Fim da Proteção do Próprio Tipo Penal Infringido

Para que se possa imputar o resultado à conduta é ainda necessário que o perigo que

se concretizou no resultado seja um daqueles que corresponde ao fim de proteção do

tipo penal infringido. Caso contrário deve ter-se por excluída a imputação objetiva.

Se o evento ocorre não em razão da violação da norma que proibia determinada

conduta mas por outra causa, não há imputação objetiva do resultado à conduta

o agente violou a norma mas não foi a violação da proibição da conduta que se

concretizou no resultado.

6. A Estrutura Complexa do Facto Ilícito

6.1. A Pluralidade de Factos

Factos Sucessivos: resultam da insistência da execução dum crime, por sucessivas

ações dirigidas à produção do evento. A pluralidade de ações repetidas de

execução não dá origem a vários crimes. Ex: o agente que querendo matar outrem

lhe administra em dias sucessivos doses letais de veneno e só à terceira ou posterior

insistência consegue causar a morte planeada, não comete várias tentativas de

homicídio e um homicídio, mas sim só um homicídio.

Factos Reiterados: aqueles que, realizando um só crime, cada um dos factos realiza

parcialmente, e não totalmente, a execução e a produção de um evento parcial do

crime. Ex: o agente que querendo matar outrem lhe administra em dias sucessivos

doses letais de veneno, e após a quinta administração consegue causar a morte

planeada cada uma das doses de veneno administrada não era por si letal, mas no

conjunto são adequadas a causar a morte.

Crime Continuado (art. 30º/2): realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários

tipos de crime, mas a lei unifica essa pluralidade de realização dos tipos criminais em

atenção à unidade do bem jurídico protegido, à forma de execução homogénea e à

diminuição da culpa. Tratando-se de um só crime, ao agente é aplicável uma só pena

por esse facto ou crime continuado (art. 79º).

A Unidade do Evento Jurídico pode determinar a Unidade do Facto, a Pluralidade de

Eventos Jurídicos Emergentes de uma só ação pode determinar a pluralidade de

crimes. Ex: se com um só tiro o agente matar duas pessoas, comete dois crimes

unidade de ação com uma pluralidade de eventos jurídicos e materiais.

Page 42: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 42

6.2. Os Crimes Agravados pelo Evento

Crime Agravado pelo Resultado: quando a lei não considera determinado evento

material como elemento essencial do tipo, pelo que o rime fica consumado

independentemente da verificação desse evento, mas a ocorrência do evento

material é considerada pela lei para agravação dos limites da pena aplicável.

Crime consume-se com a mera atividade e o evento material agrave a pena.

Ex: Recusa de Médico – Agravação pelo Resultado (art. 284º e 285º)

Crime só se consume com a realização de certo evento material, mas a

verificação de outro evento material agrave a pena. Ex: roubo – violência

depois da subtração – dano – dano qualificado – dano qualificado (art. 210º a

214º).

Nos termos do art. 18º, se a pena aplicável a um facto for agravada em função da

produção de um resultado, a agravação é sempre condicionada pela possibilidade

de imputação desse resultado ao agente pelo menos a título de negligência.

O Resultado que é considerado pela lei para agravar a pena aplicável ao facto tem

de: (1) ter sido consequência desse facto; (2) ser imputável à vontade do agente, pelo

menos a título de negligência.

A Vontade do agente pode ter sido diretamente dirigida à produção do resultado ou

não, mas tem de ser sempre imputável à sua vontade. Quando o evento faz parte do

facto para a sua consumação, no plano subjetivo tem de ser também conhecido e

querido, quando se trate de crime doloso, ou previsto e previsível quando resulte de

comportamento negligente. Se o evento, fazendo embora parte do tipo como

elemento agravante da pena aplicável, não é necessário para a consumação do

crime, ainda que o facto seja doloso, a agravação ocorrerá mesmo que o evento não

tenha também sido querido pelo agente, bastando que pudesse ter sido previsto

como possível consequência daquele facto (evento imputado ao agente a título de

negligência).

Em suma: o art. 18º pretende afastar a agravação da pena aplicável quando o

evento que ocorre como efeito do facto (1) não foi nem querido nem previsto como

consequência possível; ou (2) não era sequer previsível a sua ocorrência.

IV – Elementos Subjetivos Constituintes do Facto Ilícito

1. Elementos Subjetivos como Integrantes do Facto Ilícito

Sendo o Crime um feito do homem, um produto da sua vontade, a vontade relevante

para o Direito Penal é o dolo e a negligência.

Art. 13º:

Regra: só o facto directamente querido pelo agente, produto da sua vontade

dirigida à sua prática constitui crime – dolo

O facto, objectivamente típico mas que não foi directamente querido, desde

que produto da falta de cuidado do agente, fruto de uma vontade indirecta

Page 43: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 43

que não cuidou de proceder com o cuidado necessário para evitar um

determinado evento, só é punível nos termos da lei – negligência. Sempre que

a lei nada diga sobre a punição do facto, quando praticado por negligência

apenas é punível se for doloso – para os factos serem punidos por negligência

é necessário que a lei o diga expressamente (art. 13º, 137º, 148º, 152-B/2, 228º).

VONTADE PODER MORAL DAS PESSOAS (‘’fazer ou não fazer’’) POSSIBILIDADE DE

ESCOLHA LIBERDADE OU DETERMINAÇÃO (pelos nossos instintos).

Nota: colocar dolo e negligência nos pressupostos da Ilicitude conduz a um maior rigor

dos pressupostos da Legitima Defesa (art. 32º)

Diz-se frequentemente: o facto é involuntário, no sentido de não ter sido directamente

querido para que o facto seja elemento constitutivo de um crime tem de ser sempre

atribuível à vontade do seu agente, ainda que de forma indirecta (leia-se falta de

cuidado, negligência).

As manifestações exteriores do corpo que o agente não só não quer como não pode

evitar não são atribuíveis à sua vontade factos/eventos involuntários.

Coacção física irreversível: aquele que é obrigado mediante força física

irreversível de outrem a premir o gatilho não atua voluntariamente.

Atuação em Completa Inconsciência: casos de sonambulismo ou hipnose.

Atos reflexos: reação motora (muscular) ou secretória (glandular), que

responde automaticamente a uma excitação sensitiva. Ex: tosse, espirro, rubor.

A Vontade do Agente é um elemento essencial do crime – sem dolo ou negligência

não existe um facto típico criminoso.

Regra: os crimes são geralmente dolosos (os negligentes só são puníveis nos casos

expressamente previstos na lei).

▲ o facto pode ser produto de uma vontade imatura ou perturbada, de uma vontade

doente e essa imaturidade ou anomalia podem excluir a punibilidade do facto não

por falta de vontade, mas por falta de censurabilidade dessa vontade (falta de

culpa).

2. A Voluntariedade do Facto como Elemento Constitutivo da Culpa

A Vontade do Facto (dolo ou negligência) são elementos do crime, e sem eles não há

facto relevante para o Direito Penal.

O Grau de Intensidade do Dolo e da Negligência são essenciais na graduação da

culpa do agente, sucedendo tal igualmente com a gravidade objetiva da lesão ou

do perigo de lesão do bem jurídico porque o juízo de culpa é um juízo sobre o facto

com todos os seus elementos.

Tradicionalmente, remetia-se a análise do dolo e da negligência para o plano da

culpabilidade admitia-se que o facto não doloso ou não negligente pudesse já ser

considerado facto ilícito penal.

Page 44: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 44

Atualmente, entende-se que o dolo e a negligência são elementos do tipo (elementos

subjetivos).

3. Elementos Subjetivos Especiais do Tipo de Ilícito

Na descrição do tipo legal, para alem da exigência do dolo ou da negligência pode

exigir-se outros elementos de natureza subjetiva (intenções, motivos, pulsões afetivas..):

Crime de Furto (art. 203º)

Elemento objetivo/Objeto do Tipo: subtração de coisa móvel alheia

Elemento Subjetivo: subtração feita com a ilegítima intenção de

apropriação para si ou para outrem.

↳ Crime de furto realiza-se plenamente com a subtração de coisa

móvel alheia com a intenção de apropriação, independentemente

dessa apropriação se verificar ou não.

Crime de Burla (art. 217º)

Elemento Objetivo/Objeto do Tipo: o agente, por meio de erro ou

engano sobre factos que astuciosamente provocou, determine outrem

à pratica de factos que lhe causem prejuízo.

Elemento Subjetivo: o agente tenha a intenção de obter para si ou para

terceiro enriquecimento ilegítimo basta a intenção, não é necessário

que o enriquecimento se verifique efetivamente.

Crime de Rapto (art. 161º)

Elemento Objetivo/Objeto do Tipo: rapto por meio de violência,

ameaça ou astúcia

Elemento Subjetivo: intenção de realizar algum dos fins referidos no art.

161º, ainda que não sejam realizados.

Nota: art. 132º - Homicídio qualificado se a morte for provocada em circunstancias

que revelem especial censurabilidade ou perversidade, a pena aplicável é mais grave

os motivos mencionados, em especial, na al. e) e f), são elementos subjetivos do

tipo, respeitam antes à culpa e não à ilicitude.

4. O Dolo do Tipo

4.1. Conceito Legal de Dolo do Tipo

Dolo (art. 14º): conduta do agente para a realização de um facto típico que

representou e quis.

Elemento Intelectual ou Cognoscitivo/Conhecimento e Consciência:

representação ou visão antecipada do facto que preenche um tipo de crime.

Representação dos elementos objetivos do tipo: conhecimento do

facto que preenche o tipo de crime (art. 14º)

Page 45: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 45

Objeto da Representação: o facto típico com todos os seus

elementos objetivos: a ação ou omissão, o evento ou resultado

e o nexo causal (nos crimes matérias), o objeto material e as

circunstâncias essenciais do facto.

Consciência da sua ilicitude: conhecimento da ilicitude do facto (art.

16º - se faltar, o dolo é excluído)

Elemento Volitivo/Vontade: a resolução, seguida de um esforço de querer

dirigido à realização do facto representado. Não é apenas a vontade

psicológica dirigida aos elementos objetivos do facto, mas a vontade dirigida

ao facto típico ilícito.

Nota: o elemento intelectual ou cognoscitivo e o elemento volitivo encontram-se

intimamente ligados, uma vez que ninguém pode querer algo sem disso ter a

perceção prévia. Ex: se o agente não representou a morte do ofendido como

consequência da sua conduta e da sua adaptação a esse resultado do meio usado,

não existe dolo (em qualquer das suas formas).

4.2. Espécies de Dolo

Dolo Direto ou Intenção (art. 14º/1): o fim subjetivo do agente é o próprio facto

tipicamente ilícito. O facto representando é o facto querido e o agente atua com

vontade de realizar esse mesmo facto. Ex: o agente quer matar uma pessoa.

Representa uma pessoa e age (executando o meio adequado) com o fim de a

matar. O agente conhecia o que estava a fazer e quis fazê-lo, ou seja representou

intelectualmente que com uma determinada ação causaria a morte a uma pessoa e

atuou com vontade de o fazer.

Dolo Necessário (art. 14º/2): o facto tipicamente ilícito não constitui o fim que o agente

se propõe, mas é consequência necessária da realização do fim (lícito ou ilícito) que

se propõe. O agente para realização do fim que se propõe, que pode ser um facto

lícito ou ilícito, representa como consequência necessária da sua conduta a

perpetração de um facto tipicamente ilícito, mas essa representação não o impede

de agir. O Fim Subjetivo do Agente não coincide com o Fim Objetivo da Ação, mas

esta é meio necessário para a realização daquele, e por isso, querendo o agente o fim

que se propõe, quer também o facto típico, pois sem a realização deste não realiza

aquele. Ex: o agente quer matar a tiro um animal de caça (lícita ou ilicitamente).

Percebe que para matar o animal vai necessariamente atingir e causar a morte a uma

pessoa que se encontra perto do animal. Age mesmo assim, embora o seu fim primeiro

fosse matar o animal e não a pessoa, mas não obstante ter a consciência de que

mataria também a pessoa dispara pelo que ao querer a morte do animal quer

também da pessoa.

Dolo Eventual (art. 14º/3): o agente prevê o facto como consequência possível da sua

conduta e mesmo assim age, assumindo o risco, conformando-se com a sua

realização. A vontade não se dirige propriamente ao resultado, nem como fim nem

como meio necessário, mas apenas ao ato inicial, licito ou ilícito, e o resultado não é

representando como certo, mas só como possível. É um ato de vontade uma vez que

Page 46: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 46

o agente representa como possível o facto típico e age apesar dessa representação.

Existe o enfraquecimento dos elementos estruturais do dolo, mas ainda há dolo: (1)

existe a representação do facto típico; (2) há vontade do facto. Ex: o caçador que

querendo matar uma peça de caça apercebe-se que disparando sobre o animal

poderá atingir e matar uma pessoa que se encontra perto do animal. Se o agente se

conforma com a morte dessa pessoa, ou seja, se considerar provável a morte dessa

pessoa e mesmo assim dispara há dolo eventual. Se o agente não obstante a

representação do risco, convence-se que não vai atingir a pessoa e só por isso dispara

há negligência consciente.

Dolo Alternativo: o agente prevê e quer um ou outro dos resultados possíveis da sua

ação, mas o facto é sempre previsto e querido, seja ele qual for. Ex: o agente atira

para ferir ou matar e pode querer indistintamente ferir ou matar, mas pode querer

essencialmente ferir, prevendo, que da sua ação ou omissão possa resultar a morte e

mesmo assim atuar conformando-se com esse resultado. O agente admite ambas as

possibilidades e quer qualquer delas, devendo por isso o seu dolo ser afirmado

relativamente ao tipo objetivo efetivamente realizado. Deste modo, podendo

reconduzir-se a qualquer das outras espécies de dolo, o dolo alternativo não costuma

ser autonomizado.

4.3. O Dolo e o Momento da Execução do Crime; o Dolo Antecedente

Nos crimes à distância, o resultado pode ocorrer num momento em que a vontade do

agente esteja inerte ou já não se verifique existe dolo desde que se verifiquem os

seus requisitos durante a atividade de execução. É necessário que o evento seja o

resultado previsto para a conduta querida no momento da sua execução.

Pode suceder que o agente com intenção de praticar determinado crime realize um

facto capaz de produzir o resultado, e logo depois, na crença de que o produziu

pratique um novo facto que é causa efetiva do resultado. Ex: o agente que dispara

sobre a vítima e acreditando que ela já esta morte atira-a a um rio, vindo a vitima a

falecer por afogamento o agente responde por homicídio doloso (não é necessário

que o dolo persista durante toda a execução do facto, bastando que a conduta que

desencadeia o processo causal seja dolosa).

Actiones Liberae in Causa: no momento da execução o agente não tem consciência

e vontade do facto, mas essa vontade existe em momento antecedente ao estado

de inimputabilidade.

4.4. Dolo Genérico e Dolo Específico

Dolo Genérico: o dolo tem como conteúdo a representação e vontade do facto

ilícito, não incluindo em geral a exigência de um determinado fim subjetivo para alem

da realização do próprio facto ilícito. Ex: nos crimes de injúrias, em abuso e liberdade

de imprensa, basta o simples dolo genérico, em qualquer das suas modalidades, pelo

que comete esse crime o jornalista que reproduz a imputação de um facto ofensivo

da honra de alguém sabendo que o não podia nem devia fazer sem se ter rodeado

das cautelas necessárias.

Dolo Específico: relativamente a certos crimes, aos elementos essenciais e gral do dolo

acresça a exigência de um determinado fim subjetivo do agente. Ex:

Page 47: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 47

Art. 132º al. g): ter em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro

crime, facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime.

Art. 217º: intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo.

Dolo de Tipo Dolo específico

Respeita aos elementos objetivos do tipo

(conhecimento e vontade de os realizar

Não é propriamente dolo com um fim

que acresce ao dolo genérico, mas

elemento subjetivo específico de

determinados crimes que exigem para

alem da consciência e vontade da

pratica dos elementos objetivos do crime

ainda uma determinada intenção ou

propósito do agente.

A Doutrina fala normalmente em Crimes de Intenção ou de Resultado Cortado, para

designar os casos de Dolo Específico: a exigência subjetiva refere-se a um resultado

que não faz parte do tipo, que esta fora dele e por isso a realização desse resultado

não é necessária para a consumação do crime. A intenção, a exigência do fim

subjetivo, é elemento subjetivo do tipo legal, mas o fim prosseguido não faz parte do

tipo e por isso basta a intenção para que o crime fique consumado.

4.5. Dolo de Perigo

Costuma distinguir-se entre dolo de dano e dolo de perigo, mas tal é pouco relevante

– distinção respeita aos crimes de resultado.

Dolo de Dano: o agente quer e age para produzir um resultado de dano

Dolo de Perigo: o agente representa, quer e age para produzir um resultado de perigo,

ou seja o agente quer que o resultado da ação seja o perigo que o possibilita e não

um dano.

Prof. Germano Marques da Silva: o dolo de perigo não é uma diferente espécie de

dolo do tipo, mas sim uma qualquer das suas espécies cujo objeto (conhecimento e

vontade) na parte referente ao evento material é uma situação de perigo.

↳ Dolo de Perigo enquanto vontade de criar tão-somente o evento material e perigo.

Tal não se aplica aos crimes de perigo abstrato, pois nestes crimes o perigo é

simplesmente presumido pelo legislador basta que o agente represente e queira a

conduta tipificada, sendo que tal há-de ser querida, independentemente do agente tr

ou não consciência do perigo que ela representa, bastando que queira a conduta e

tenha consciência que ela é proibida.

Na estrutura dos crimes de perigo comum, a lei distingue o dolo de ação do dolo da

situação de perigo.

↳ Dolo de Perigo: referida ao evento situação de perigo, é necessário que a ação seja

também dolosa, mas a ação pode ser dolosa e não querido o evento de perigo

não há dolo de perigo, pois a consciência e a vontade do agente não abrange o

resultado consistente na situação de perigo. Ex: art. 272.

Page 48: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 48

4.6. Intensidade do Dolo

Interpretação do art. 71º/2 al. b) ‘’intensidade do dolo para efeito da determinação

da pena concreta’’: o dolo é definido nos seus elementos essenciais, mas a sua

concretização supõe a ponderação de outros elementos da vontade real, consoante

se verifiquem em concreto.

O dolo pode ser mais ou menos intenso, sendo que a maior ou menos intensidade

constitui circunstância acidental do dolo e por isso também do crime.

Regra: dolo eventual menos intenso do que o dolo direto ou necessário.

A intensidade do dolo refere-se, em regra, ao elemento volitivo.

5. O Erro sobre a Factualidade Típica

5.1. Conceitos e Distinções

Erro: falsa representação da realidade (=) ignorância: ausência total de

representação.

Art. 16º Art. 17º

Erro sobre os elementos do facto ou erro

de tipo ou erro sobre as circunstâncias do

facto erro sobre o facto típico ou erro

de tipo

Erro sobre a ilicitude erro sobre a

punibilidade

Erro de Representação, de perceção ou Erro Intelectual: falsa perceção ou

representação da realidade

Erro de Execução: o agente representa um facto e por mau uso nos meios de

execução pratica facto diverso (abrratio ictus), ou seja o agente, por inabilidade,

pratica um facto que não quer praticar, não tendo representado o que praticou, mas

tendo representando o que não praticou.

Erro Relevante: tem efeitos jurídicos

Erro Irrelevante: não tem efeitos jurídicos

Erro Essencial: incide sobre elementos essenciais do facto – tem sempre relevância

Erro Acidental: incide sobre elementos meramente acidentais – também pode ter

relevância para efeitos de graduação da responsabilidade.

5.2. Erro sobre o Facto Típico (Erro sobre o Tipo)

5.2.1. Esquema de análise. A relevância indiciária do tipo.

Os Tipos de crimes relativamente aos quais se coloca a questão da relevância do erro

são os tipos dolosos são eles que indicam quais os elementos que o agente deve

representar (conhecer ou ter consciência) para que haja dolo.

Page 49: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 49

Objeto do Erro Elemento do Tipo (deve ser representado pelo agente para que

possa haver dolo).

Interpretação do art. 16: é necessário para que haja dolo – (1) o conhecimento dos

elementos objetivos do facto típico; (2) conhecimento da proibição de praticar

aqueles factos, ou seja, é necessário a consciência de que o facto, em princípio, é

ilícito.

5.2.2. Erro sobre o facto típico: erro ignorância e erro suposição

A errada representação/desconhecimento sobre um elemento do tipo tem como

consequência a não existência de dolo. Se o erro for devido a negligencia, haverá

crime negligente se o crime estiver previsto na lei como crime negligente (art. 16º/1,

1ªparte e nº3). Ex:

Homicídio (art. 131º)

Objeto da Ação do Crime: pessoa humana (outrem)

Agente dispara sobre uma pessoa pensando que é um animal irracional

– não há dolo porque há erro sobre um elemento do tipo (art. 16º/1,

1ªparte)

Erro devido a negligência, ou seja o agente não representou como

devia, por falta de cuidado devido, que se tratava de um homem e

não de um animal irracional homicídio negligente (art. 137º - art.

16º/3).

Erro sobre a Identidade da Pessoa: Agente representa uma pessoa, como

sendo A e afinal é B, o erro incide sobre um elemento atípico, pois o elemento

essencial é que o objeto da ação seja uma pessoa, sendo indiferente se é A ou

B, salvo se a identidade da pessoa forem qualidades tipicamente relevantes.

Erro sobre a Identidade do Objeto: Se o agente quer furtar uma coisa alheia e

representa a coisa A, quando afinal é a coisa B, o erro é atípico, porque o que

o agente tinha que representar para haver dolo era simplesmente que o objeto

da ação era uma coisa móvel alheia.

Circunstâncias agravantes qualificativas têm de ser conhecidas para que o

tipo qualificativo seja imputado ao agente como crime doloso: sendo

desconhecidas (erro-ignorância) o agente é responsável a título de dolo

apenas pelo crime simples correspondente, se existir.

Circunstâncias essenciais atenuantes: se o agente pretende furtar uma coisa

que integrar o crime simples e furta uma coisa de valor diminuto deve ser

punível pelo crime efetivamente cometido.

Erro Suposição: o agente supõe que existe um elemento do tipo, que na verdade não

existe. Ex: A quer matar B, que supõe estar escondido atras de uma moita e para tanto

dispara um tiro que seria idóneo a causar a morte de B se ele la se encontrasse

tentativa impossível. Mas pode também incidir sobre um elemento negativo do tipo –

ex: introdução na habitação de outra pessoa sem consentimento dela (art. 190º): o

Page 50: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 50

agente não quer cometer o crime e erradamente supõe que tem o consentimento do

dono da habitação (erro relevante, afasta o dolo).

Erro Suposição

O agente supõe a existência de todos os

elementos do tipo de crime que quer

cometer, mas esses elementos não

existem aplicam-se as regras da

tentativa

Quando se trata de supor a existência de

elementos negativos, o agente não quer

cometer o crime e pratica o ato na

convicção de que pratica o facto ilícito –

erro relevante, afasta o dolo.

E se o agente supor a existência de circunstâncias essenciais constitutivas, agravantes

ou atenuantes modificativas?

Se o agente supõe que se verifiquem as circunstâncias constitutivas do tipo de

crime e elas não existem, age em erro sobre elementos essenciais e o risco fica

excluído.

Se o erro suposição incide sobre uma circunstância qualificativa que

efetivamente não existe, o seu erro afasta o dolo e o agente vai ser punido

pelo crime simples.

Se o agente supõe uma circunstância modificativa atenuante que não existe,

o seu dolo não abrange o crime simples.

5.2.3. Erro sobre os elementos do tipo de ilícito (art. 16º) e erro sobre a

ilicitude (art. 17º)

Erro do art. 16º - Dolo de Tipo Erro do art. 17º - Dolo de Culpa

Erro de Conhecimento da Ilicitude – em

virtude do erro o agente não sabe que o

facto é ilícito.

O agente tem de conhecer e querer

todos os elementos do crime, quando

não conhece exclui-se o dolo!

No caso de erro sobre proibições cujo

conhecimento é indispensável para que

o agente possa tomar consciência da

ilicitude (art. 16º/1, 2ªparte) estamos face

a um erro de conhecimento, equiparável

ao erro sobre os elementos de facto e de

direito do tipo de crime.

Elementos de facto e de direito do tipo

de crime (art. 16º/1, 1ªparte) – erro de

conhecimento ou sobre os próprios

elementos ou sobre a ilicitude do facto.

Em suma, este erro afasta a ilicitude do

facto.

Erro sobre o dever jurídico de cumprir o

imperativo legal, um erro de consciência

ético-jurídica.

Vício da consciência ético do agente.

Em suma, este erro afasta a culpa do

facto, se a falta de consciência for

desculpável.

O agente conhece o desvalor do facto,

tem conhecimento da sua ilicitude.

Erro na Avaliação: pensa que o facto é

lícito, mas o facto é ilícito. Se não houve

erro o agente responde pelo facto ilícito

praticado.

Page 51: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 51

Interpretação do art. 16º/1, 1ªparte: factos constitutivos dos crimes naturais ou mala in

se, ou seja, aos factos cuja ilicitude se exige que seja conhecida de todos os cidadãos

normalmente socializados.

Interpretação do art. 16º/1, 2ªparte: factos constitutivos dos crimes cuja ilicitude não se

pode presumir conhecida de todos os cidadãos, nem se tem de exigir que o seja –

crimes artificiais ou mala prohibita, ou axiologicamente neutros.

Interpretação do art. 17º: erro de consciência sobre o dever ético-jurídico de respeitar i

Direito. Pressupõe o dolo ou negligência, pressupõe o facto ilícito como todos os seus

elementos objetivos e subjetivos. O erro não incide sobre a ilicitude, no sentido de

exigir que o agente saiba que o facto é proibido, exige que tenha a consciência do

seu dever de respeitar a proibição ou a imposição resultante da ordem jurídica.

5.2.4. Erro sobre as leis (ignorância das leis)

Erro sobre a proibição e a ilicitude ≠ erro sobre a lei, ou seja

ignorância da lei ≠ ignorância da ilicitude ou da proibição

A ignorância ou erro sobre a lei não se relaciona com a falta de consciência da

ilicitude.

O erro sobre a lei cabe no art. 16º e é excludente de dolo. Enquanto que no art. 16º o

agente deve ter a ciência, o conhecimento do facto, no art. 17º o agente deve ter a

consciência sobre a contrariedade do facto às leis, podendo ser necessário em certas

circunstâncias, que ele tenha também conhecimento da própria lei que proíbe, e

neste cas o desconhecimento da lei afasta desde logo o dolo, ressalvando-se a

negligencia.

5.2.5. Erro sobre os pressupostos e requisitos de uma causa de justificação

ou de exclusão da culpa (art. 16º/2)

Interpretação do art. 16º/2: erro de ciência, ou seja o agente configura uma situação

factual, ‘’um estado de coisas’’, que na realidade não existe ou não existe coo é

percebido, representado, supostamente pelo agente.

O erro sobre pressupostos de causa de justificação ou de exculpação é equiparado

ao erro sobre os elementos do facto típico: o agente representa o facto e uma

circunstância de modo que o facto a ser praticado naquela circunstancia não seria

ilícito ou seria desculpável erro-suposição: o agente supõe a existência de um

estado de coisas que, a existir, excluiria a ilicitude do facto ou a culpa do agente. Ou

seja, o agente não quer cometer o crime, nem representa cometê-lo, porque supõe a

existência de uma situação de facto que justifica o seu ato ou o desculpa.

Nota: nem em todas as causas de exculpação pode ter lugar o erro (não há erro sobre

o erro nem erro sobre estados psicológicos), mas há causas de exculpação que são

definida mediante um condicionamento objetivo (pressupostos) de que a lei infere

uma realidade psicológica: motivo, finalidade ou emoção. Embora seja possível

admitir a eventualidade do erro sobre os pressupostos ou elementos objetivos

condicionantes dos elementos subjetivos, na sua essência o erro sobre os pressupostos

Page 52: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 52

das causas de exculpação da culpa é um erro sobre a existência do justo motivo ou

determinante de justa perturbação emocional.

Erro sobre os requisitos de uma causa de justificação: o erro sobre a existência legal e

os limites legas de uma causa de justificação constitui erro sobre a ilicitude do facto: o

agente conhece as circunstancias de facto em que atua, mas pensa que há uma lei

que lhe permite atuar desse modo.

Dr. António Veloso: aplica-se o art. 16º/2 tanto para a suposição de

pressupostos como para a de requisitos.

Prof. Germano Marques da Silva: o erro sobre os requisitos é o erro sobre a lei,

sobre os limites que a lei impõe para o facto seja justificado, verificados que

sejam os pressupostos. Pode também configurar-se uma situação de erro e

facto sobre os requisitos: o agente mede corretamente a natureza e a

intensidade da agressão mas calcula mal o ato necessário para a afastar,

usando de meio excessivo erro equiparado ao erro sobre os pressupostos.

Erro sobre a previsão legal de uma causa de justificação ou de exculpação: deve

aplicar-se diretamente ou por analogia o regime do art. 17º a persuasão pessoal da

existência de uma lei permissiva do facto e o agente atua sem consciência da

ilicitude, convencido que atua licitamente (erro indireto sobre a ilicitude).

5.2.6. Casos particulares de erro sobre normas e aberratio ictus.

Erro sobre a execução (aberratio ictus): o agente, por inabilidade, pratica um facto

que não quer praticar, não tendo representando o que praticou.

Doutrina geral sobre o erro de representação relativamente ao facto

efetivamente cometido em eventual concurso com o crime que o agente

representou e quis cometer.

Relativamente ao crime que o agente representou e quis cometer – tentativa;

crime que praticou e não representou – negligência.

6. Negligência

Crimes meramente negligentes (art. 13º): são apenas os que estão especialmente

previstos na lei.

O núcleo essencial do crime negligente é a uma ação humana voluntária.

No crime doloso pune-se a ação ou omissão dirigida objetivamente ao fim

ilícito (o agente representou e quis o facto típico ilícito).

No crime negligente pune-se a ação ou omissão mal dirigida, por falta de

cuidado do agente, para um fim objetivo lícito ou ilícito, mas o ilícito é

realizado, ainda quando previsto como possível, não querido pelo agente.

À semelhança do dolo, a negligência assenta na possibilidade de evitar o facto típico

enquanto esse facto é previsto ou previsível pelo agente, ou seja na possibilidade do

sujeito representar o facto lícito e de se abster da conduta que o realiza.

Page 53: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 53

A Imputação a título de negligência fundamenta-se na violação voluntaria de regras

de cautela impostas pela experiencia ou por normas legais ou regulamentares

destinadas precisamente a prevenir a violação de bens jurídicos (diligencia objetiva).

A negligência em si mesma consiste na falta de concentração das energias morais

tendente a evitar que se pratiquem atos ilícitos, mas ela não representa uma atitude

puramente negativa: a distração ou a tibieza de vontade são tao positivas como a

atenção e a concentração do espirito.

6.1. Conceito Legal de Negligência

Conduta Negligente: ação ou omissão voluntária que realiza um facto típico não

querido pelo agente, mas que foi por ele previsto ou era previsível e que podia ser

evitado se o agente atuasse com o devido cuidado, com a devida diligência. Ou

seja, trata-se de uma atitude subjetiva, real e positiva, consistente na falta de

concentração das energias morais tendente a evitar que se pratiquem atos ilícitos.

Por omissão voluntaria do cuidado devido, o agente não representou ou representa

imperfeitamente que a ação que realiza voluntariamente constitui um tipo de ilícito.

Na conduta negligente, a previsão e a vontade não se encontram presentes em todo

o processo volitivo:

Conduta inicial é voluntária: há uma representação imperfeita ou falta de

representação por falta de cuidado do agente.

A realização do facto ilícito, ainda quando previsto, não é querida pelo

agente.

A Negligência (art. 15º) tem como seu núcleo a omissão à necessária diligencia no

desrespeito ao dever de cuidado objetivo. Tem como elementos positivos:

Conduta humana voluntaria por ação ou omissão:

Violação de um dever de cuidado ou diligência;

Previsão ou previsibilidade do facto ilícito;

Imputação objetiva nos crimes de resultado;

Realização involuntária do facto típico

6.2. Espécies de crimes negligentes: crimes de mera atividade e de

resultado, por ação e omissão

Regra: os tipos negligentes são caracterizados por crimes de ação e de resultado, em

que só o resultado típico não é querido pelo agente.

Omissão: consiste em não faz o que é devido fazer. Este não fazer pode ser devido a

falta de diligência, a falta de cuidado; o agente deixa de fazer o que deve por

descuido, quebrando o dever positivo por negligência. Pode ser:

Por mero esquecimento (coeficiente psíquico consistente no afrouxamento da

atenção por falta de cuidado, na falta de concentração das energias morais

para evitar que o agente não preveja que pode esquecer-se e as

consequências do seu esquecimento)

Por ter adormecido e outras situações análogas.

Page 54: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 54

Também pode haver tipos negligentes de mera atividade ou de resultado. Ex: art. 292º

6.3. Violação do dever de cuidado: a diligência objetiva, o risco tolerado e o

princípio da confiança

6.3.1. Diligência Objetiva

Diligência Objetiva/Dever Objetivo de Cuidado: comportamento adequado a evitar

que a conduta seja típica, quer porque constitui perigo para os bens jurídicos

protegidos pelo tipo quer porque lhes provoca dano.

Conteúdo pode coincidir com o comando das normas legais ou

regulamentares, destinadas previamente a prevenir a ofensa aos bens jurídicos.

Ex: o médico deve atuar nas suas intervenções e tratamentos médicos de

acordo com as leges (art. 150º).

Quando não existam normas legais ou regulamentares específicas, o conteúdo

do dever objetivo de cuidado só pode ser determinado por meio da

comparação do facto concreto com o comportamento que teria adotado, se

estivesse no lugar do agente, um homem comum inteligente e prudente.

↳ E se o agente tiver capacidade superior ou inferior à media, deve ser a

capacidade do agente que deve ser tida em conta ou a capacidade do

homem médio?

Prof. Germano Marques da Silva e Prof. Figueiredo Dias: critério individualizados

quando o agente possua capacidades superiores à do homem médio, uma

vez que parece ser inadmissível que não seja imputado o facto típico ao

agente que em razão das suas capacidades especiais pode prever e só por

falta de cuidado não prevê.

No âmbito da culpa, na situação de o agente concreto ter uma capacidade

de previsão inferior à do homem médio trata-se de uma incapacidade pessoal

para cumprir o dever ou quando possua capacidades superiores não as possa

exercer na situação concreta.

O devido cuidado requerido no tipo de ilícito negligente deve estabelecer-se segundo

Critério objetivo: homem médio inteligente e prudente

Outro critério particular em face da situação concreta e das condições do

agente: em atenção à capacidade concreta do agente pode ser-lhe exigido

um cuidado mais exigente. Ex: ao condutor inexperiente é razoável exigir-se

mais cuidado do que ao condutor experiente.

Código Penal de 1886 distinguia varias modalidades de atuação negligente:

Imperícia e falta de destreza: inaptidão técnica, ausência de conhecimentos

ou de capacidade de execução para a pratica de um ato ou omissão de

providência que se fazia necessária.

Page 55: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 55

Inconsideração (sinonimo de imprudência): assentava no agir ou no omitir sem

as cautelas necessárias.

Negligência: falta de atenção, uma espécie de preguiça em virtude da qual o

agente deixa de prever o resultado que podia e dever ser previsto. A lei

vigente não distingue estas modalidades de negligencia, pois a distinção entre

elas é mais aparente do que real.

Inobservância regulamentar: o código não refere tal, uma vez que nem

sempre o evento consequente à inobservância de algum regulamento é

consequência daquela violação. Assim, se não obstante o cumprimento da

norma regulamentar o facto viesse ainda a ocorrer, pois a sua causa não foi a

violação do regulamento mas outra qualquer, o facto não pode ser imputado

a agente a titulo de negligencia em razão da violação da norma

regulamentar.

Em suma: há um mínimo de diligência devida que é determinada pela atuação

exigível a um homem comum inteligente e prudente, mas que é acrescida pela

diligencia que é razoável exigir do agente concreto em razão dos seus conhecimentos

ou qualidades especiais para obstar à ofensa do bem jurídico.

6.3.2. O Risco Permitido e o Princípio da Confiança

Risco Permitido: Nem todas as ações perigosas para os bens jurídicos são proibidas,

nem toda essas ações constituem o objeto ou conteúdo do dever objetivo de

cuidado há muitas ações perigosas que são permitidas por lei, não obstante o risco

que representam para os bens jurídicos.

Quando a conduta é permitida não pode ser desvalorizada, não pode constituir um

facto ilícito falta o desvalor do crime (a ilicitude do comportamento). Existe como

que um conflito entre a exigência de proteção dos bens jurídicos e a exigência da

liberdade de certas condutas, porque socialmente adequadas, aceitando o direito

que a liberdade dessas condutas deva prevalecer, verificadas certas cautelas para

minimizar os riscos. São consentidas as condutas que são toleradas pela sociedade

porque fazem parte da normalidade da vida. Ex: a circulação rodoviária causa

anualmente muitas mortes, constituindo em si mesma um perigo para os bens jurídicos,

mas nem por isso é proibida, sendo permitida desde que observadas as regras

estabelecidas pelas normas da circulação rodoviária, o que não impede que ocorram

muitos acidentes.

Princípio da Confiança: cada qual cuida do seu cuidado e confia que os outros

também agirão com cuidado. Não é necessário cuidado do cuidado alheio. Em

certas circunstancias, o dever de cuidado impõe que se cuide da falta de cuidado

alheio (ex: circulação rodoviária perto das escolas, em dias festivos). Só pode invocar

este princípio quem age com a diligencia devida, pois só é razoável contar com o

cuidado alheio quem cuidado do próprio cuidado. Ex: numa equipa médica, o chefe

de equipa tem conhecimento de que um membro da sua equipa está a passar por

uma crise psicológica que lhe diminui a atenção. O chefe tem um especial dever de

cuidado, não bastando confiar na competência profissional daquele outro membro.

Page 56: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 56

6.4. A Imputação Objetiva

A conduta deve: (1) ser violadora de um dever de cuidado; (2) existir uma relação de

determinação entre a violação do dever de cuidado e a realização do facto ilícito.

Nos crimes negligentes de resultado não basta que o resultado seja causado pela

conduta do agente, mas que tenha sido causado em razão da violação do dever de

cuidado. Ex: quem conduz numa estrada em excesso de velocidade viola um dever

de cuidado, mas não haverá homicídio negligente se atropela o suicida que dez

metros antes se atira à frente do veículo, porque ainda que o condutor não tivesse

excedido a velocidade prudente não teria conseguido travar nem esquivar-se do

suicida.

Nos crimes negligentes para haver imputação objetiva do facto ao agente, é

necessário que esse facto seja o pretendido pela norma penal como objeto de tutela,

ou seja, se o facto é o que se pretende evitar com a exigência do dever de diligência.

Ex: se o guarda da passagem de nível deixa negligentemente de baixar a cancela e

um suicida se atira debaixo do comboio, não há facto típico porque a norma de

diligencia, baixar a cancela, visa impedir que pessoas que queriam viver não sejam

atropelas pelo comboio, e não impedir atos suicidas.

6.5. A Diligência subjetiva: previsão, previsibilidade e não aceitação do facto

típico

6.5.1. Previsão e Previsibilidade

Estrutura da Negligência:

Elemento Cognoscitivo/Consciência: o seu objeto é a ação ou omissão

perigosa que consubstancia a violação do dever de cuidado e bem assim a

violação desse dever de cuidado. O agente deve prever ou poder prever que

à violação do dever de cuidado se siga como consequência a realização do

facto ilícito.

Elemento Volitivo: o querer do agente não se dirige diretamente ao facto ilícito,

mas é uma voluntariedade indireta, consistente na omissão do dever. O

agente não quer realizar o facto ilícito, ainda quando o tenha previsto como

possível consequência da sua conduta imprudente.

Elemento essencial, previsibilidade: é preciso que o agente tenha podido

prever, no momento em que age, que a sua ação ou omissão pode ofender

bens jurídicos tutelados pelos tipos penais. A previsibilidade do facto típico

condiciona o dever objetivo de cuidado, pois quem não pode prever não tem

a seu cargo o dever de cuidado e não pode violá-lo. Trata-se da

previsibilidade do facto criminoso!

Prever: conhecer antecipadamente a probabilidade de suceder certo facto futuro,

por se saber qual o caminho que os acontecimentos tomarão. É preciso que o agente

tenha previsto ou podido prever uma série encadeada de acontecimentos desde que

afrouxou a sua diligência ate ao momento em que praticou um facto criminoso.

Page 57: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 57

Objeto da previsibilidade na negligência (=previsão do dolo): o agente tem de prever

ou poder prever todos os elementos essenciais objetivos do facto e ainda a sua

significação como elementos objetivos da ilicitude.

6.5.2. A Vontade na Negligência

Na negligência, o querer do agente não se dirige diretamente ao facto ilícito, é uma

voluntariedade indireta, consistente na omissão do dever de cuidado o agente não

quer realizar o facto ilícito, ainda que o tenha previsto como consequência da sua

conduta.

Interpretação do art. 15º al. a): o agente toma consciência que com a sua conduta

pode realizar um tipo de crime, mas acredita, convence-se que isso não acontecerá.

Representou que da sua conduta resultaria provavelmente a prática do crime, mas

levianamente, negligentemente, acreditou que não ocorresse e só por isso agiu.

6.6. Espécies e Graus de Negligência. Concorrência de Negligências

6.6.1. Espécies de Negligência: negligência consciente e inconsciente

Negligência Consciente (art. 15º al. a): negligência com previsão do resultado como

possível, embora esse facto não seja querido pelo agente. O agente representa a

possibilidade do facto ilícito como consequência da sua conduta imprudente, mas

age convencido que esse facto não ocorreria como consequência da sua conduta.

Negligência Consciente Dolo Eventual

O facto não é querido, visto que o

agente espera não o produzir.

O facto é querido, pois o agente assume

o risco de produzi-lo.

Negligência Inconsciente (art. 15º al. b): negligência sem previsão da realização do

facto típico apesar de este ser previsível na circunstancia concreta. Não existe sequer

representação do facto ilícito, embora o mesmo pudesse ser previsto pelo agente se

ele tivesse agido com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado.

Ex: Uma pessoa atira um objeto pela janela do seu apartamento atingindo outra

pessoa que passava na rua

Se o agente não previu que naquela altura passava alguém pela rua, que

podia ser atingido negligência inconsciente

Se o agente previu que naquele momento passavam pessoas na rua, mas

confiou que o objeto não atingiria ninguém negligência consciente.

6.6.2. Intensidade ou Graus de Negligência: negligência grave, leve,

levíssima e grosseira

Negligência Grosseira: negligência temerária, omissão das precauções ou cautelas

mais elementares. Ex: art. 137º/2 e art. 351º

Intensidade da Negligência graduada em função do quantum de inobservância do

dever objetivo de cuidado, da previsão ou previsibilidade e em função da segurança

ou simples probabilidade de evitar o facto ilícito se o agente tivesse agido como devia

e lhe era possível.

Page 58: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 58

Regra: em relação ao tipo legal, não há distinção quantitativa da negligência a

pena aplicável é a mesma, sendo depois considerada para efeito da determinação

da medida da pena (art. 71º/2 al. a) e b), tendo em consideração o facto concreto.

Exceção: tipos legais em que é tomada em conta a intensidade da negligência para

a qualificação do crime (ex: art. 137º/2), ou como elemento constitutivo do tipo de

crime (art. 351º).

6.7. Concorrência de Negligências

Concorrência de atos negligentes: cada agente responde pelas suas condutas, sejam

dolosas ou negligentes. Ex: dois automobilistas chocam num cruzamento, produzindo

ferimentos em ambos e prova-se que ambos agiram negligentemente concorrência

de factos negligentes (art. 148º) os dois respondem pelo crime de ofensa à

integridade física por negligência.

≠ Compensação de Culpas (Direito Civil).

7. Concurso de Dolo e Negligência

7.1. Crimes em que concorrem dolo e negligência e dolo ou negligência e

caso fortuito.

Há crimes que não são exclusivamente dolosos nem exclusivamente negligentes:

podem ser um misto de ambos. Para alguns destes casos existe o art. 18º (crimes

agravados pelo evento) e os crimes de perigo comum (combina-se o dolo com a

negligência). Contudo, não se tratando de nenhum destes casos surgem situações

complexas que devem ser resolvidas segundo os princípios gerais. Ex: num crime de

furto, se o agente queria furtar 500€ (art. 203º) e vem a furtar 5 000€, responde pelo

crime do art. 203º pois o excesso é meramente culposo e o furto não é punível a título

de negligência.

7.2. Crime Preterintencional

Crime Preterintencional (CP/86): o agente que pratica crime distinto do que havia

projetado cometer, ou seja, o agente projetava perpetrar um crime e acabava por

cometer outro, e desde que o crime projetado e o crime cometido fossem da mesma

natureza, seria punido a título de dolo pelo crime efetivamente cometido, desde que

houvesse negligência quanto ao excesso. Ex: se A furtasse uma carteira supondo estar

lá 5€, quando estavam 250€, praticaria um crime preterintencional, mas a diferença

seria irrelevante porque a diferença entre o crime projetado e o crime realizado era

meramente quantitativa. Se o crime cometido não fosse da mesma natureza, ou seja

fosse qualitativamente diverso crime aberrante (o agente seria punido por tentativa

relativamente ao crime projetado e por negligência do crime efetivamente

cometido).

O CP/95 não tem qualquer norma que regule o crime preterintencional pelo que são

de aplicar os princípios gerais, contudo existem disposições que contemplam situações

de preterintencionalidade – ofensa à integridade física qualificada (art. 145º).

Interpretação do art. 145º/2: se o agente quiser dolosamente praticar um facto menos

grave e vier a praticar negligentemente um facto mais grave, a lei, em lugar de

Page 59: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 59

determinar a sua punição em função do crime projetado ou do crime efetivamente

realizado, estabelece uma nova punição.

↳ Por força do art. 18º, o excesso relativamente ao crime projetado só será punível

quando seja resultado de uma conduta negligente.

8. Crime Aberrante (Aberratio Ictus)

Crime Aberrante: crime cometido quando o agente ao cometer o crime que projetou

vem a cometer outro por erro na execução, atingindo objeto diferente daquele que

pretendia atingir.

CP/86: doutrina e jurisprudência entendiam que o agente seria punível por

tentativa relativamente ao crime projetado e por crime consumado negligente

pelo crime efetivamente praticado.

CP atual: embora não tenha norma geral que preveja tal situação a solução

parece ser a mesma.

Erro Aberratio Ictus

Consciência do facto, salvo se o agente

não representa o facto que efetivamente

comete.

No erro de perceção ou representação

esta presente no contexo da ação um só

objeto e é sobre ele que o erro incide.

Estão sempre presentes e expostos ao

perigo dois ou mais objetos, e por isso têm

de ser consideradas simultaneamente as

perspetivas de lesão e de perigo de lesão

em que todos se encontram.

Jurisprudência do STA: aberratio ictus equipara-se ao erro de perceção, pelo menos

quando haja coincidência típica entre o tipo de ilícito projetado e o consumado.

↳ Prof. Germano Marques da Cruz não concorda:

Uma coisa é a ação ser dirigida à pratica de um determinado tipo de ilícito e

haja erro sobre circunstâncias acidentais que concorram no objeto ou na

vítima, que são irrelevantes para o efeito de qualificação. Ex: se o agente

pretende matar A e o confunde com B responde por homicídio doloso, porque

a identidade da pessoa é uma circunstancia acidental e o agente tem de

representar os elementos essenciais (uma pessoa, art. 131º).

Outra coisa é o agente dirigir a ação contra um determinado objeto ou vítima

e atingir outros. Ex: o agente querendo matar uma determinada pessoa e

disparando sobre ela, vem a atingir por erro de execução um terceiro que

estava inteiramente fora do campo da sua representação.

Tentativa relativamente ao crime projetado (representado e querido)

Homicídio por negligência, se a houver, relativamente ao facto que não

foi representado nem querido.

9. Os Crimes Qualificados pelo Evento

Page 60: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 60

Crimes Agravados pelo Evento: a lei considera um determinado evento como não

fazendo parte da estrutura essencial do crime, mas que, ocorrendo, agrava os limites

da pena aplicável.

Art. 18º: se a pena aplicável a um facto for agravada em função da produção

e um resultado, a agravação é sempre condicionada pela possibilidade de

imputação desse resultado ao agente pelo menos a título de negligência.

O resultado (evento material) que é considerado pela lei para agravar a pena

aplicável ao facto tem de (1) ter sido causado pelo facto doloso do agente;

(2) imputável à vontade do agente, pelo menos a título de negligência.

Na estrutura do crime:

O evento pode fazer parte do facto para a sua consumação: no plano

subjetivo tem de ser também conhecido querido, quando se trate de crime

doloso, ou previsto ou previsível, quando resulta de comportamento

negligente.

O evento, fazendo parte do tipo como elemento agravante da pena

aplicável, não é necessário para a consumação do crime: ainda que o facto

seja doloso, a agravação ocorrerá mesmo que o evento não tivesse sido

querido pelo agente, bastando que pudesse ter sido previsto como possível

consequência daquele facto (sendo agora o evento imputado ao agente a

título de negligência)

Interpretação do art. 18º: pretende afastar a agravação da pena aplicável

independentemente do dolo ou negligência do agente, quando o evento que ocorre

como efeito do facto não foi nem querido nem previsto como consequência possível,

nem era sequer previsível a sua ocorrência. Se assim não fosse, verificar-se-ia uma

responsabilização simplesmente objetiva, ou seja sem que a conduta fosse atribuída à

vontade direta ou indireta do agente.

10. Os Crimes de Perigo Comum

Crimes de Perigos: crimes que ficam consumados com a simples produção de um

perigo de lesão de um bem jurídico, podendo ser:

Crimes de Perigos Abstrato ou Presumido: perigo que pode ser tão-só

presumido por lei;

Crimes de Perigo Concreto: ser exigida a sua efetiva verificação no caso

concreto, como elemento próprio do crime.

Crimes de Perigo Comum: são constituídos por ação ou omissão, que é causa de um

perigo concreto, mas também por um evento que constitui ele mesmo uma situação

de perigo concreto. A conduta típica pode ser dolosa ou negligente, e a situação de

perigo por ela causada pode também ser dolosa ou simplesmente negligente.

Page 61: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 61

Dolo de Perigo: consciência e vontade de causar simplesmente uma situação de

perigo. O agente prevê e quer simplesmente causar uma situação de perigo e não de

dano para o bem jurídico

Dolo de Dano: intenção de criar o dano, na forma tentada ou consumada, mas não o

crime de perigo.

Em suma:

Dolo na Ação + Dolo de Perigo no Evento (Situação de Perigo) Crime de

Perigo Doloso quanto à Ação e quanto ao Evento.

Dolo na Ação + Negligência no Evento Conjugação de Dolo e Negligência

no mesmo Crime, punido menos severamente.

Conduta Negligente + Evento (Situação de Perigo) Negligente Crime punido

ainda menos gravemente.

Alguns crimes de perigo comum podem ser agravados pelo evento (morte, ou ofensa

à integridade física grave de outra pessoa) o evento tem de ser imputado ao

agente a título de negligência (se o resultado fosse querido estaríamos perante um

crime de dano e não um crime de perigo agravado pelo evento).

V – Causas de Justificação

Causas de Exclusão da Ilicitude/Causas de Justificação: o agente que cometa um

facto previsto num tipo incriminador (facto típico) não pratica facto ilícito sempre que

o facto típico esteja enquadrado numa causa de justificação.

Art. 31º/2 – Principais tipos justificadores: (1) legítima defesa; (2) exercício de um

direito; (3) cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da

autoridade; (4) consentimento do titular do interesse jurídico lesado.

Causas de justificação não estão sujeitas a um numerus clausus: no art. 31º/2

cabem causas de justificação legais não nomeadas: (1) ação direta (art. 336º

do CC); (2) direito de correção (a lei civil atual permite aos pais tomar atitudes

de correção do filho menor nas suas faltas, desde que tais atitudes seja

exercidas com moderação e norteadas pelo interesse do menor; não é

criminalmente punível nos termos do art. 31º/1 e 2 al. b) CP/86 a conduta do

pai que, depois de uma discussão com uma filha em que esta se refugiu no seu

quarto, lhe veio a dar um encontrão e uma bofetada); (3) direito de

informação

1. As Relações entre os Tipos Incriminadores e os Tipos que prevêem causas de

Justificação. Tipicidade e Causa de Justificação. Ilicitude e Causa de

Justificação

1.1. As Relações entre os Tipos Incriminadores e Tipos que prevêem causas

de justificação

Page 62: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 62

Tipo de Justificação: o agente que comete um facto previsto num tipo legal

incriminador (tipo de ilícito) não pratica um facto ilícito sempre que o facto típico é

praticado em circunstância prevista numa norma permissiva, ou seja num tipo que

prevê uma causa de justificação.

A norma que prevê a circunstância justificativa concede ao agente uma autorização

para atuar, não obstante a tipicidade penal do seu comportamento, porque:

O interesse prosseguido pelo tipo permissivo é considerado superior ao

interesse tutelado pelo tipo incriminador

O interesse tutelado pelo tipo incriminador deixa de ser relevante, de merecer

tutela penal nas circunstâncias prescritas pela norma justificadora.

A qualificação do facto típico como lícito ou ilícito ocorre na sequência de um duplo

confronto dos seus elementos:

Facto típico ilícito: aquele que é previsto por uma norma incriminadora e não é

simultaneamente previsto por uma norma permissiva;

Facto típico lícito: aquele que não obstante previsto por uma norma

incriminadora é também previsto por uma norma permissiva.

1.2. Tipicidade e Causa de Justificação

A tipicidade é um indício necessário da ilicitude do facto, mas não é suficiente para a

sua qualificação como ilícito, podendo ocorrer uma circunstância justificativa que

afasta a qualificação de ilicitude que a tipicidade simplesmente indiciava.

O Tipo Incriminador e o Tipo Justificador complementam-se: o facto justificado não

deixa de ser um facto típico, o que não é, é um facto ilícito.

O Facto Justificado é um facto valorizado positivamente pelo Direito, caracterizando-

se a causa de justificação pela permissão ou imposição de praticar o facto típico,

desde que ocorram os pressupostos e sejam respeitados os requisitos da causa

justificativa, pela renúncia à proteção jurídico-penal do interesse tutelado pelo tipo

incriminador, enquanto que o facto atípico é simplesmente um facto irrelevante para

o Direito Penal.

1.3. Ilicitude e Causas de Justificação

A Ilicitude designa a contrariedade do facto à ordem jurídica. A norma penal

incriminadora traduz, na sua previsão, um juízo objetivo de valor de modelo de

comportamento humano, donde que todo o comportamento nela descrito, seja, em

regra, negativo, para o direito, ainda que ocorrendo certas circunstancias possa não o

ser, uma vez que o facto há-de ser valorado em todas as circunstâncias por lei

consideradas relevantes.

Ou seja, o tipo de ilícito exprime só um primeiro juízo de valor negativo sobre o facto,

juízo que cede perante certas circunstâncias tornando-se quando praticado nessas

circunstâncias um valor positivo ou pelo menos não valioso para o direito penal e é o

que sucede quando com o comportamento típico concorre uma circunstância

justificativa.

Page 63: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 63

2. Princípios Gerais das Causas de Justificação. As Causas de Justificação

Supralegais. A Adequação Social e o Risco Permitido. O Erro sobre os

pressupostos e o Excesso nas Causas de Justificação

2.1. Princípios Gerais das Causas de Justificação

Fundamento comum a todas as causas de justificação colisão de interesses (o

interesse tutelado pela norma incriminadora e o tutelado pela norma que estabelece

a causa de justificação).

Não é suficientemente explicativo de todas as situações de conflito e de

justificação (ex: consentimento do titular do interesse protegido pela norma

incriminadora (art. 38º), em que não se verifica qualquer conflito real de

interesses).

2.2. As Causas de Justificação Supralegais e a Aplicação analógica de

causas de justificação

As causas de justificação não se esgotam nas tipificadas na lei penal.

Causas de Justificação Supralegais: causas de justificação que não expressamente

regulamentadas na lei, mas que resultam dos princípios gerais que enformam a ordem

jurídica.

Admite-se por analogia a extensão de causas de justificação previstas nas lei a outras,

para criar causas de justificação não previstas na lei.

Nota: as autorizações legais, inscritas principalmente na lei processual penal e que

justificam a pratica pelos agentes da autoridade de intromissões arbitrárias nos direitos

fundamentais dos cidadãos, que constituem acções criminalmente típicas não podem

ser aplicadas analogicamente, uma vez que a intervenção dos direitos fundamentais

esta também submetida ao princípio da reserva de lei.

2.3. A Adequação Social e o Risco Permitido

Adequação Social e o Risco Permitido: comportamentos que formalmente abrangidos

pelo tipo incriminador não lesam materialmente o bem jurídico tutelado ou embora ao

lesem ou ponham em perigo fazem por modo socialmente admissível ou pela sua

insignificância, pelo seu contexto ou porque representam um risco normal da vida ou

de certa actividade.

O facto socialmente adequado está excluído do tipo porque se realiza dentro do

âmbito da normalidade social. Ex: canelada no futebol ofensa à integridade física,

dolosa ou culposa (art. 143º ou 148º), mas se o agente agiu dentro do que é

normalmente aceite e tolerado em disputas dessa natureza não há que se falar em

tipicidade material comportamentos materialmente atípicos

Page 64: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 64

2.4. Exigência do conhecimento das causas de justificação pelo agente do

facto justificado

Doutrina Clássica: causas de justificação têm caracter puramente objectivo, ou seja a

sua incidência resulta da mera prevalência do interesse que a circunstancia

justificativa tutela.

Doutrina Finalista: a conduta deve revestir-se de requisitos objectivos e subjectivos

porque em toda a conduta há um fim subjectivo o que implica o conhecimento dos

pressupostos da causa de justificação.

Doutrina Portuguesa Dominante: necessidade do conhecimento do pressuposto da

causa de justificação como requisito da sua validade.

Quem desconhece a situação objectiva que conduz à justificação atua com

um desvalor da acção em tudo equivalente, do lado subjectivo, ao autor de

um facto típico relativamente ao qual se não verifica qualquer situação de

justificação.

Faltando o conhecimento da situação objectiva de justificação, falta um

requisito de justificação e por isso entende-se que a justificação não atua,

sendo o facto praticado um facto ilícito.

2.5. Excesso nas Causas de Justificação

Excesso nas Causas de Justificação: quando, ocorrendo os pressupostos da

justificação, o agente ultrapassa os limites da conduta permitida. O facto excessivo

não é facto justificado.

Doloso: o agente representa e quer uma conduta que vai para além do

permitido, é mais intensa do que o permitido pela lei.

Negligente: o agente, por falta do cuidado devido, vai para além do que era

necessário e permitido.

Simplesmente Causal: o agente quer realizar o que a lei lhe permite (justifica),

mas por facto independente da sua vontade, caso fortuito ou de força maior,

a conduta vai além do permitido.

3. Interpretação do art. 31º/1

Princípio da Unidade da Ordem Jurídica: dentro da ordem jurídica, ou seja entre os

seus diversos ramos, não podem existir contradições. Deste modo, um facto não pode

ser ilícito penal e ao mesmo tempo ser um facto permitido pelo direito civil ou

administrativo, mas pode ser um facto ilícito civil ou administrativo e ser irrelevante

para o Direito Penal (o facto é ilícito, mas não tem relevância penal).

Tudo o que constitua um interesse jurídico em determinado sector do sistema

jurídico não pode perder tal qualidade noutro sector do mesmo.

Page 65: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 65

A partir de ilícitos específicos direccionados coincidentes, não cabem soluções

divergentes entre os diversos sectores jurídicos implicados no que respeita à

definitiva consideração como lícita ou não de uma mesma conduta: o que é

lícito para um ramo não pode ser ilícito para outro.

4. Concurso entre Causas de Justificação

As Causas de Justificação são independentes entre si, pelo que na hipótese de

concurso todas são potencialmente aplicáveis ao facto em que concorrem, mas tal

potenciamento não significa que sejam efectivamente todas aplicáveis.

Se o facto típico não é ilícito em virtude da concorrência de uma causa de

justificação não faz sentido aplicar-se qualquer outra basta que seja

aplicada uma.

Concurso entre Causa de Justificação Genérica e Específica (relação de

especialidade entre as respectivas normas): considera-se que a norma especial

derroga a norma geral, sendo aplicável a norma que prevê a causa de

justificação especial.

Havendo duas normas que concorrem efectivamente sobre o mesmo facto,

verificando-se os pressupostos de ambas, aplicam-se cumulativamente ambas.

Caso não conduzam aos mesmo resultado, aplica-se a mais benéfica para o

agente.

5. Concorrência de normas que prevêem causas de justificação em diversos

ramos do direito

Prof. Cavaleiro de Ferreira: o regime do CC é aplicável à legítima defesa quando o

acto de defesa não constitua um facto criminoso, sendo aplicável o regime do CP na

delimitação do ilícito penal ainda que para a definição do ilícito civil quando se

verifique conexão da responsabilidade penal e civil.

Prof. Germano Marques da Silva: o Princípio da Unidade da Ordem Jurídica não

implica que as causas de justificação tenham necessariamente a mesma extensão em

todos os ramos de direito, tanto que se trata de ilícitos de diferente natureza e por isso

o legislador pode ser mais ou menos exigente conforme o ramo de que se trate.

Quando a questão a resolver se coloque exclusivamente no domínio de um

determinado ramo de direito não penal há-de recorrer-se às normas específicas desse

ramo, mas se se tratar de questão de domínio penal vale o art. 31º.

Não parece que o facto seja justificado para o direito penal mas permaneça

ilícito para o direito civil: o princípio da unidade da ordem jurídica parece

impor que uma actuação justificada pelo direito penal não pode ser depois

considerada ilícita por qualquer outro ramo de direito, sob pena de perante a

ilicitude (desses outros ramos de direito) se poder desencadear uma reacção

defensiva.

Page 66: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 66

Em suma, ainda que se entenda que justificado facto para o direito penal ele

será igualmente justificado no plano civil, não impedindo tal a

responsabilidade civil objectiva ou por facto casual.

6. O Exercício de um Direito

6.1. Direito e exercício do direito. Conceito e fundamentação da

justificação

Exercício de um direito e crime são antíteses: onde há crime não há direito subjectivo,

onde existe exercício de direito não é possível a prática de crime.

Direitos são poderes abstractos definidos por lei, modelos de comportamento

permitidos ao titular, mas o exercício do direito é uma situação concreta, o

comportamento ou facto que realiza o direito o facto que consubstancia o

exercício do direito é justificado, lícito, enquanto se contenha dentro dos limites que o

demarcam.

O fundamento da causa de justificação está na valoração positiva feita pela ordem

jurídica a respeito dos comportamentos que consubstanciem o exercício de um

direito, ainda quando esse exercício possa por em perigo ou lesar efectivamente bens

jurídicos penalmente tutelados – nas situações de conflito deve prevalecer o direito

reconhecido, sob pena de o Direito entrar em conflito consigo mesmo.

Interpretação do art. 31º/2 al. b): exercício do direito abrange todas as situações em

que a ordem jurídica atribui à pessoa uma faculdade de agir no interesse próprio ou

de terceiro, seja um direito subjectivo, um direito potestativo, um poder/dever ou outra

qualquer faculdade de agir.

6.2. Limites do Direito e Limites ao Exercício do Direito

Cada direito tem os limites da sua própria definição, ou seja os limites decorrentes das

faculdades e outras situações jurídicas cujo conjunto integra o conteúdo do direito,

desenhado pela lei ou pelo negócio jurídico.

Devido à impossibilidade de especificar os actos que formam o conteúdo do direito, a

lei sentiu necessidade de estabelecer instruções quanto ao exercício do direito, ou

seja directrizes sobre o modo como pode agir o respectivo titular:

Visam orientar os respectivos titulares na determinação dos actos que lhes é

lícito praticar

Constituem válvulas de segurança contra a aplicação rígida e cega dos

esquemas abstractos da lei

Limitações Específicas do Exercício do Direito: directrizes que respeitam a certas

espécies de direitos a seu lado existem instruções genéricas, aplicáveis ao exercício

de todo e qualquer direito e que representam também limitações ao exercício do

direito (ex: abuso do direito (art. 334º CC). As limitações podem ser:

Intrínsecas: decorrem da própria definição do direito

Page 67: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 67

Extrínsecas: decorrem de imposições de caracter genérico ou resultam de

colisão de direitos

6.3. O Abuso Do Direito (art. 334º CC)

Abuso do Direito: excesso dos limites genérico de um direito (boa fé, bons costumes e

o fim social ou económico desse direito).

Pressupõe a existência do direito, embora o titular exceda-se no exercício dos poderes

que o integram. Existe uma utilização do poder contido na estrutura do direito para a

prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em

que ele deve ser exercido.

No art. 334º do CC, existem três conceitos que fornecem o critério de determinação

da legitimidade ou ilegitimidade do exercício do direito:

Concepções ético jurídicas dominantes na colectividade para determinar os

limites impostos à boa fé aos bons costumes:

Boa Fé: o exercício de um direito é ilegítimo quando o agente não agir

de boa fé, ou seja quando o titular do direito mais do que prosseguir um

interesse seu, vise prejudicar outra pessoa.

Bons costumes: o exercício de um direito é ilegítimo quando o agente

não se conformar com as regras de convivência que, num dado

ambiente e em certo momento, são comumente admitidas.

Juízos de valor positivamente consagrados na lei para determinar os limites

impostos ao fim social ou económico do direito cada direito possui uma

função instrumental, que justifica a uma atribuição ao titular e define o seu

exercício; o titular do direito deve exercê-lo nos limites do seu fim económico e

social, sendo que ultrapassadas essas fronteiras o exercício será abusivo, não

sendo o facto conforme o direito.

6.4. Colisão de Direitos (art. 334º CC)

Se os direitos em conflito forem direitos iguais ou da mesma espécie devem os titulares

ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito; se

os direitos em conflito forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deve

considerar-se superior Limitação Externa (coexistência de direitos de outrem).

Problema: quando se trate de direitos da mesma espécie, o titular de um direito tem

de ceder parte dos seus poderes para que o direito em colisão possa também produzir

o seu efeito a medida da cedência pode causar dúvidas.

Page 68: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 68

6.5. As denominadas limitações ético-sociais

Nomeadamente a propósito do direito de defesa, a doutrina discute a possibilidade

da limitação dos direitos, especificamente quando constituam causas de justificação

dos comportamentos típico-penais, pelas denominadas limitações ético-sociais.

Prof. Germano Marques da Silva: trata-se de limitações jurídicas, fundamentadas em

razoes éticas, sendo expressão de tal o instituto do abuso de direito (abrangido pela

clausula geral do art. 29º/2 da DUDH).

Quando o art. 29º/2 da DUDH refere ‘’justas exigências da moral, da ordem pública e

do bem estar’’, tal significa, segundo o Prof. Jorge Miranda

‘’justas exigências’’: apelo a um conceito de justiça ou a uma ponderação

ética avaliadora dos preceitos de direito positivo que, em nome da moral, da

ordem pública e do bem estar envolvam limites dos direitos.

Ideia de proporcionalidade nas suas três vertentes – só são admissíveis os limites

que sejam necessários, adequados e proporcionais em face dos princípios

constantes da declaração

A ‘’moral’’ tem de ser apercebida enquanto moral social e moral pública, não

se identifica com uma moral religiosa.

7. Legítima Defesa (art. 32º)

Direito de tutela do direito próprio ou de direito de terceiro direito de autotutela e

por isso sujeito aos limites de todo o direito (limites gerais) e do direito de defesa em

particular (limites específicos)

Natureza da Legítima Defesa:

Teoria Subjectivista: a justificação da legitima defesa residiria na ausência de

perigosidade do agente cuja actuação se deveria à coacção psíquica

oriunda da perturbação de animo em que se encontra o agredido.

Teoria Objectivista/ Doutrina Moderna: a legítima defesa é completamente

compatível com o estado de plena lucidez mental do agredido e justifica-se

antes objectivamente, ou pela colisão de bens jurídicos, devendo prevalecer o

mais valioso, que em regra é o agredido ou pelo próprio fim do direito, que é a

protecção dos bens ou interesses que coloca sob tutela.

Teoria Dualista (Prof. Germano Marques da Silva): a legítima defesa serve a

protecção de bens jurídicos individuais e a defesa da ordem jurídica. A sua

função primordial não é a defesa da ordem jurídica, mas a protecção

individual (só através desta protecção se defende a ordem jurídica,

protegendo os direitos de cada um é que se protegem os direitos de todos e a

própria ordem jurídica).

Page 69: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 69

Legítima Defesa na CRP: art. 21º - direito fundamental individual expressamente

reconhecido pela CRP, impossibilidade de recurso à autoridade pública como

requisito da sua legitimidade.

Legítima Defesa na Convenção Europeia dos Direitos do Homem: art. 2º/2 al. a) – a

vida só pode ser sacrificada em legítima defesa quando esse sacrifício for

absolutamente necessário ‘’para assegurar a defesa de qualquer pessoa contra uma

violência ilegal’’, excluindo-se a morte do agressor para defesa dos bens patrimoniais.

7.1. Agressão e Defesa

Pressupostos da Legítima Defesa (o que faz nascer o direito de defesa)

Agressão: acto ofensivo de interesses juridicamente tutelados, que constituem

tanto objecto contra o qual se dirige a agressão como o objecto da defesa

para sua salvaguarda poe em perigo ou lesa efectivamente um interesse

juridicamente tutelado.

Acção:

Omissão (desde que o agente da omissão tenha o dever de agir. Ex: a

mãe que recusa alimentar o filho (omissão impura)

Bem Jurídico (qualquer natureza) do próprio defendente

Bem Jurídico (qualquer natureza) de terceiro

↳ Prof. Germano Marques da Silva: parece defensável que se trate de

um interesse que possa ser referido a um sujeito determinado como seu

titular, sendo de excluir os interesses colectivos ou difusos que não

possam caracterizar-se em bens de pessoas concretas.

Actual: estar iminente, ou seja, que ameace executar-se imediatamente, que

está prestes a executar-se, em vias de ocorrer, ou já em execução, mas ainda

não acabada. Não é necessário que já se tenham iniciado a execução da

agressão, mas não é legítima a defesa preventiva, ou seja, aquela que tem

lugar ainda antes da agressão iminente porque neste caso a ameaça pode ser

evitada pelo recurso à autoridade pública. Critério para determinar a

iminência da agressão: impossibilidade de reagir de outro modo para impedir

a agressão ou a sua continuação, ou seja a falta de alternativa à reacção

defensiva. Deve considerar-se actual a agressão enquanto o perigo para o

bem agredido perdura (crimes permanentes) e enquanto a ofensa não se

consolida definitivamente (enquanto não ocorre a pacificação da posse)

Ilícita: o acto tem de ser voluntário, ou seja é necessário que seja atribuível à

vontade humana, sendo de excluir os factos praticados em estado de

completa inconsciência (sonambulismo ou hipnose) e ainda actos reflexos

(pode ocorrer estado de necessidade, mas não legitima defesa). O acto tem

de ser contrario à ordem jurídica.

Nota: há agressões não injustas e contra essas não é possível reagir em defesa legítima

aquele que age conforme o direito não comete facto ilícito. Não há lugar a

Page 70: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 70

legitima defesa contra actos de legitima defesa ou praticados no exercício do direito

de necessidade.

Não existe legitima defesa reciproca: sendo pressuposto do direito de defesa a

existência de uma agressão ilícita não é admissível a defesa reciproca porquanto a

agressão não pode ser ao mesmo tempo justa e injusta: ilícita para caracterizar a

legitima defesa de um, e licita para autorizar a justificativa de outro.

7.2. Necessidade dos meios utilizados para afastar a agressão

Requisitos da Legitima Defesa:

A defesa para ser legítima tem de ser necessária: o facto para repelir a

agressão tem se consistir no meio necessário.

A necessidade só se verificara se o facto idóneo para afastar a agressão for o menos

prejudicial entre os meios de defesa possíveis na situação concreta. A necessidade do

meio afere-se em razão dos danos causados e será o meio necessário se entre os

igualmente eficazes for o que causar dano menor.

Sendo possível o recurso à autoridade pública não há necessidade de defesa privada,

pois a defesa dos direitos pertence primacialmente à autoridade pública.

Fuga como meio adequado para a defesa, caso em que, podendo o agredido fugir

não poderia utilizar meios mais gravosos, que não seriam necessários?

Tradicionalmente: excluiria a necessidade da defesa a fuga comoda, fácil

para o agredido. A fuga só seria exigível se não fosse desonrosa, porque o

Direito não pode promover a covardia. Em suma, a fuga seria exigível quando

se não apresentasse como meio desonroso e seria o caso da fuga perante

agressão de inimputáveis, de agressões meramente negligentes, de agressões

por parte de familiares e em situações análogas.

Muitos autores consideram-se que a fuga só é de exigir em casos

verdadeiramente excepcionais: agressão por parte de inimputáveis ou quando

uma fuga fácil permite obter no imediato a ajuda eficaz da força publica.

7.3. Necessidade de Defesa

Necessidade de Defesa: o exercício do direito é ilegítimo quando o titular exceda

manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social

e económico desse direito. O exercício do direito de defesa não é legitimo quanto

abusivo.

Page 71: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 71

7.4. Animus Defendendi e a Falta de Provocação da Agressão

Doutrina e jurisprudência exigem frequentemente, para além da necessidade do

meio, os requisitos da:

não provocação da agressão por parte daquele que defende: CP/86 exigia

que a agressão não fosse motivada por provocação, ofensa ou qualquer

crime atual praticado pelo que defende (defesa inculpada)

A agressão provocada não deixa de ser agressão ilícita, salvo se a provocação

consistir numa agressão, e sendo assim em princípio não impede o direito de

defesa, nomeadamente quando se trate de defender interesses de terceiros,

mas também do próprio provocador. Se a provocação não constitui a

agressão, a defesa é legítima.

Provocação pré-ordenada: provocação que é feita com o intuito de suscitar

uma reação ofensiva por parte do provocado para que o agente provocador

possa por sua vez reagir a coberto de defesa, para se defender da agressão

do provocado defesa é ilícita, uma vez que a situação extrema apenas na

aparência era de legítima defesa, não passando na realidade de um ardil por

ele próprio preparado, verificando-se um abuso do exercício do direito de

defesa.

Animus de defesa: a lei refere-se apenas ao ato de defesa como meio

necessário para repelir a agressão, não exigindo que o agente tenha o

propósito exclusivo de repelir a agressão.

Conselheiro Maia Gonçalves: a lei exige o animus defendendi

substituição da expressão ‘’como meio necessário à defesa contra a

agressão’’ (projeto) para ‘’como meio necessário para repelir a

agressão (CP).

Prof. Germano Marques da Silva: não concorda com a exigência de tal

requisito Conselheiro Osório, na Comissão Revisora, propôs que em

vez de ‘’meio necessário à defesa’’ se dissesse ‘’meio necessário de

defesa’’ visava atenuar a exigência do elemento subjetivo.

Ou seja, ‘’meio necessário para repelir a agressão’’

Não significa necessariamente para defender-se, com a

intenção de se defender a si ou a outrem

Interpretação em sentido objetivo, independentemente do

animus do agente que repele a agressão o agente tem de

conhecer que esta perante uma agressão atual ilícita e reagir

para afastar a agressão, mas a motivação do agente

defendente pode ser outra que a não de se defender (ex:

vingança).

Page 72: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 72

7.5. Proporcionalidade entre a agressão e a defesa e a defesa recíproca

Prof. Germano Marques da Silva: requisito da proporcionalidade entre a agressão e a

defesa não consagrado pela lei penal como requisito intrínseco do direito de defesa.

Embora não se encontre consagrada a proporcionalidade enquanto requisito da

legítima defesa (ao contrário do que sucede na legítima defesa no CC, ou no direito

de necessidade no CP), tal não impede que em certas situações seja de exigir uma

certa proporcionalidade entre a agressão e a defesa, sob pena de se verificar um

abuso de direito.

Agressão de inimputável ou seja clara a falta de culpa do agressor

Para a defesa seja necessário sacrificar bens necessariamente superiores aos

que seriam sacrificados pela ofensa, sobretudo quando se trate de prejuízos

reparáveis.

Art. 2º/2 al. a) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem: só admite a

morte de uma pessoa quando esse sacrifício for absolutamente necessário

‘’para assegurar a defesa de qualquer pessoa contra uma violência ilegal’’,

exclui a morte do agressor para a defesa de bens patrimoniais.

7.6. A Exigência de Conhecimento da Situação Objetiva de Justificação

Muitos autores defendem o conhecimento da situação de legítima defesa, ou seja, o

conhecimento da situação de agressão que legítima a defesa.

O agente que pratica um facto que objetivamente é um ato que afasta uma

agressão iminente ou em execução sem ter consciência dessa agressão e com a

intenção de por em perigo ou lesar bens jurídicos pratica ou não um ato

objetivamente desvalioso?

Prof. Germano Marques da Silva: a legítima defesa é um direito e a legitimidade do

seu exercício exige que o agente realize o fim social do direito. Se o agente não tem

consciência de que esta perante uma situação de defesa, o seu ato não prossegue

fim algum. Deste modo, se o agente que sem saber se antecipa à agressão atual da

vítima, não age em legítima defesa.

7.7. Excesso de Legítima Defesa

Se o meio empregador não for o necessário a defesa é excessiva e por isso não é

legítima: o facto praticado sem observância do requisito da necessidade constitui

crime, uma vez que ainda que seja destinado a afastar uma agressão atual e ilícita

não respeita os limites do direito de defesa indo para além do que a lei permite ato

ilícito.

A defesa excessiva é ato de defesa, mas a defesa não é legítima.

A previsão autónoma do facto ilícito praticado em excesso de legítima defesa tem

simplesmente que ver com as circunstâncias em que esse facto ilícito é praticado e

que determinam um especial regime de punição.

Page 73: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 73

Se o defendente se excede na defesa esta a ir alem do seu direito, a desrespeitar os

limites do direito de defesa, e deste modo o ato praticado, se constituir facto típico, é

ilícito.

Tipos de Excesso:

Excesso Intensivo (art. 33º): o excesso de defesa caracteriza-se pelo uso de

meios desnecessários para repelir a agressão (mais graves, mais intensos, do

que o que seria necessário) e só o facto praticado como meio necessário é

justificado, lícito (art. 32º).

Excesso Extensivo: factos praticados quando já não há agressão. O

defendente como que estende a sua atividade para além do momento em

que a agressão ocorrera, mas já não esta a defender-se, a afastar uma

agressão que já não existe.

Interpretação do art. 33º/2: a regra geral é a de que o facto de o crime ser cometido

em excesso, seja negligente ou doloso, pode beneficiar de uma atenuante de

natureza especial com os efeitos previstos no art. 73º. Se o excesso resultar de

perturbação, medo ou susto não censuráveis o agente não será punido, pois onde

falta a censurabilidade do comportamento carece o fundamento para a punição. A

não censurabilidade refere-se a perturbação, medo ou susto e por isso a lei diz que

não são censuráveis

7.8. A defesa putativa. Defesa putativa e excesso de legítima defesa

Defesa Putativa: situação em que os pressupostos da legítima defesa não se verificam,

mas que, por erro, são considerados pelo agente como se existissem na realidade

pura situação de erro de facto (aplicação do art. 16º/2 e 3).

Excesso de Legítima Defesa: embora o excesso possa ser devido a erro de facto (sobre

a intensidade da agressão, da necessidade do meio de defesa, da própria execução

da defesa) tratando-se de erro fica desde logo excluído o dolo e pode também ser

excluída a negligência se o erro não for devido a falta de cuidado.

7.9. Legítima Defesa e Direito de Resistência

Direito de Resistência (art. 21º CRP): defesa contra atuações de autoridade; direito

individual, de defesa de direitos, especificamente de Dtos, liberdades e garantias.

Resistência Passiva: não cumprimento da lei ou na não execução do ato

opressivo; quaisquer atos do poder (leis (Auto exequíveis), atos administrativos

ou atos de outras categorias atos de qualquer função do Estado podem

infringir direitos, liberdades e garantias)

Negativa: não fazer o que é imposto

Page 74: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 74

Positiva: fazer o que é vedado

Resistência defensiva: repelir pela força, ripostando à violência com a

legítima defesa; resposta à agressão com legítima defesa.

Resistência agressiva: sob a forma de rebelião ou sedição, tendente à

revogação das leis injustas, à anulação dos atos opressivos e à própria

mudança de governo

Art. 21º da CRP consagra a resistência individual passiva e defensiva não só em

relação aos poderes públicos como nas relações entre particulares, permitindo a

todos repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à

autoridade pública.

Direito de resistência constitui uma causa de justificação.

Pressupostos do Direito de Resistência:

Ato injusto do poder ou dos particulares que ofenda os direitos, liberdades e

garantias e direitos análogos

Ato de resistência traduz-se na desobediência, mas ainda a oposição à

execução da ordem.

Requisito do Direito de Resistência:

Impossibilidade de recurso à autoridade pública

7.10. O Direito de Defesa Jurídico-Civil (art. 337º CC)

É mais restrita a defesa civil na medida em que exige o requisito da proporcionalidade

entre a agressão e a defesa do que a defesa penal.

No exercício da defesa ao abrigo da causa de justificação penal, o ato de defesa se

for desproporcional à agressão, não é defensável que o ato de defesa lícito para o

direito penal se transforme em ato de agressão ilícito para o direito civil, permitindo

agora a defesa do agredido.

CP revogou o art. 337º CC na parte em que exige que o prejuízo causado pelo ato de

defesa não seja manifestamente superior ao que pode resultar da agressão.

8. O Direito de Necessidade

8.1. Conceito, Natureza e Fundamento

para tutela de um direito em perigo de sofrer dano torna-se necessário sacrificar outro

direito de pessoa que não interveio voluntariamente na criação desse perigo

Princípio da Ponderação de Interesses (qual dos direitos deve prevalecer?)

8.2. Distinção entre Pressupostos e Requisitos

Page 75: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 75

Pressupostos do Direito de Necessidade:

Situação de perigo atual que ameace interesses juridicamente protegidos do

agente ou de terceiro

Perigo: situação ou estádio a partir do qual é provável a produção de

um resultado negativo ou a situação factual que implica a

probabilidade de um dano. Características essenciais:

Probabilidade (possibilidade) de produção de um evento

danoso. Não há perigo quando a produção do evento é certa,

ou seja inevitável, nem quando o evento provável não for

danoso.

Algo real, objetivamente existente, uma probabilidade de dano

– potencialidade de um fenómeno de ser causa de dano, ou

seja modificação de um estado verificado no mundo exterior

com a potencialidade de produzir a perda ou a diminuição de

um bem, o sacrifício ou a restrição de um interesse.

Atual: perigo deve ser iminente ou já em produção de dano e o facto

justificado pelo direito de necessidade é destinado a evitar que o dano

se produza ou se agrave de tal modo que para afastar o perigo ou

suspender a produção de dano o agente não pode aguardar qualquer

delonga.

Causa do perigo pode provir: (1) atividade humana, desde que não

consista numa agressão ilícita do titular do interesse sacrificado pelo ato

necessitado pois neste caso seria o pressuposto da legítima defesa; (2)

acontecimentos naturais. O perigo pode ser causado pelo titular do

interesse sacrificado desde que o ato causador da situação de perigo

não constitua um ato voluntario de agressão.

Requisitos do Direito de Necessidade:

Adequação do meio

Facto adequado: facto necessário para afastar o perigo. O meio só é

necessário se for idóneo para afastar o perigo. Um meio inidóneo não é

um meio adequado, tal como também não é adequado o meio

idóneo que seja mais gravoso que outro igualmente idóneo, nem o

meio que consista na lesão do interesse de terceiro quando seja

possível afastar o perigo sem esse sacrifício, utilizando qualquer outro

meio lícito.

Não ter sido a situação de perigo voluntariamente criada pelo agente

Page 76: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 76

‘’situação de perigo voluntariamente criada pelo agente’’ (=)

intencionalmente, criada premeditadamente pelo agente com o fim

de livrar-se dela à custa da lesão de bens jurídicos alheios

Código Civil – art. 339 Código Penal – art. 34º

Não exige que o perigo não seja criado

voluntariamente pelo agente, mas se o

perigo for provocado pelo agente e por

sua culpa exclusiva, o agente é obrigado

a indemnizar o lesado pelo prejuízo

sofrido

Quando a situação de perigo ameace

interesse alheio o facto praticado para

afastar o perigo será ilícito mesmo que o

agente tenha sido causa voluntária da

situação de perigo

CP sempre aplicável para exclusão da ilicitude penal, sendo aplicado o C ara efeito

da compensação dos prejuízos sofridos por aquele que viu os seus bens sacrificados

em razão da atuação culposa do criador da situação de perigo

Sensível superioridade do interesse a salvaguardar relativamente ao interesse

sacrificado

Teoria da Ponderação de Interesses: superioridade do interesse a

salvaguardar no seu confronto com o interesse sacrificado.

Critério: exclusão de bens pessoais para defesa de bens patrimoniais,

desde que não seja uma leve ofensa a um bem pessoa para defesa de

bens patrimoniais de valor elevado.

Atenção: situações de existência de um dever por parte do agente de

arrostar o perigo. Ex: um bombeiro tem o dever de expor a sua vida

durante um incêndio enquanto no exercício das suas funções, mas não

tem o dever se sofrer resultados danosos certas pessoas têm de

suportar perigos acrescidos em nome da função ou do cargo que

desempenham, ou de utilizar apenas certos meios (‘’meios

adequados’’) para salvaguarda de interesses próprios

Razoabilidade da imposição ao lesado do sacrifício do seu interesse

É necessário que ao lesado seja exigível sacrificar o seu interesse ou os

seus direitos. Na comissão revisora do CP chegou a propor-se a

limitação do direito de necessidade só ao sacrifício de bens

patrimoniais e à exclusão do sacrifício de vida de outrem e o sacrifício

grave da integridade física.

A referencia à exclusão do sacrifício da vida não é necessária pois

resulta do próprio principio da ponderação dos interesses, não existindo

qualquer bem superior à vida humana, nem há vida humana de valor

superior a outra vida humana.

Page 77: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 77

Tem de ser ético-juridicamente exigível que o terceiro tolere o sacrifício

do seu bem jurídico limite: núcleo irredutível da dignidade e

autonomia individual.

8.3. Objeto do Direito de Necessidade

Bens jurídicos postos em perigo e que podem ser salvaguardados pelo direito de

necessidade são bens ou interesses do agente ou de terceiro. Quaisquer interesses

podem ser tutelados por este direito.

8.4. Conhecimento da Situação de Perigo

No Direito de Necessidade é necessário que o agente tenha conhecimento da

situação de perigo que gera a possibilidade de intervir no exercício do direito de

necessidade e que o seu ato tenha por fim imediato a salvaguarda do interesse

ameaçado.

8.5. Excesso de Direito de Necessidade

À semelhança do que sucede na Legítima Defesa, no exercício do direito de

necessidade o agente pode exceder-se, não respeitando os limites do direito.

O excesso é sempre facto ilícito e pode ser doloso, culposo ou causal. Caso resulte de

medo, perturbação ou susto não censuráveis o agente não é púnico porque se deve

considerar desculpável – art. 33º/2.

9. Exercício Coercivo de um Direito. Ação Directa

Ação Direta (sem consagração autónoma no CP mas cabe art. 31º/2 al. b; prevista no

art. 336º do CC): uso da força para realizar ou assegurar o próprio direito; exercício

coercivo de um direito. Justiça privada ativa: o agente procura remover uma situação

de facto atual ou antecipa-se a garantir ou satisfazer uma pretensão que

espontaneamente não seria razoável.

Ação Direta Legítima Defesa e Direito de Necessidade

Ativa – visa remover uma situação de

perigo já consumada ou antecipa-se a

garantir ou satisfazer a realização de um

direito.

Natureza defensiva – visam evitar que

uma agressão se torne efetiva ou prossiga

Recurso à força, uso da violência ou das vias de facto

9.1. Objeto, Pressupostos e Requisitos da Ação Direta

Pressuposto da Ação Direta:

Situação de perigo de inutilização prática de um direito próprio

Page 78: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 78

Requisitos da Ação Direta

Indispensabilidade: impossibilidade de recurso em tempo útil aos meios

coercivos normais para evitar a inutilização prática do direito, ou seja a perda

do direito ou que o seu exercício se torne muito difícil.

Proporcionalidade

9.2. Meios Lícitos de Ação Direta e Limites

Nos termos do art. 336º/2 do CC, estão consagrados alguns meios de que pode servir-

se o agente para evitar o prejuízo: apropriação, destruição ou deterioração de uma

coisa e eliminação da resistência irregularmente oposta ao exercício do direito.

As Vias de Facto em que a ação direta se pode concretizar podem consistir em

violências contra as coisas ou contra as pessoas.

Limites:

Ação direta não sacrifique interesses superiores aos que visa realizar ou

assegurar.

Sendo o fim da ação direta o de evitar a inutilização pratica do direito, o meio

empregado deve ser apenas o necessário para esse fim.

Alguns autores entendem que a ação direta deve considerar-se excluída quando

consista numa atuação especialmente tipificada como crime o Prof. Germano

Marques da Silva não concorda: a ação direta é uma causa de justificação de

caracter genérico, e por isso quando se verifiquem os seus pressupostos é aplicável,

quer o facto constitua um injusto típico ou não.

10. Cumprimento de um Dever

Dever e crime, comportamento devido e comportamento criminoso são antíteses:

onde existe cumprimento de dever legal não é possível a pratica de crime.

Fundamento da causa de justificação do cumprimento de um dever decorre do

Princípio da Não Contradição: se a ilicitude traduz a ideia de oposição entre um

comportamento (facto) e a norma jurídica, não se pode atribuir a essa mesma ilicitude

ao comportamento que se realize de acordo com a norma, por imposição do Direito.

10.1. Limites do Cumprimento do Dever

Só pode invocar-se o cumprimento de um dever quando o agente respeitou os limites

do dever legal; quando vai além desses limites já esta em excesso.

Existe uma obediência rigorosa às condições objetivas a que o dever esta

subordinado, ou seja a justificação do facto pelo cumprimento de um dever só se

verifica se os agentes tiverem procedido com a diligência devida ou o facto seja um

resultado meramente causal.

Page 79: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 79

10.2. Fonte Imediata do Dever

Dever Imposto por Lei: dever que emana diretamente de uma norma jurídica e não

apenas imposto por lei em sentido formal.

Contudo, as causas de justificação não estão submetidas ao principio da estrita

legalidade penal pelo que o dever, como também o direito, pode emanar da ordem

jurídica do seu todo, de qualquer sector da ordem jurídica. Ex: polícia que procede a

uma detenção em flagrante delito; testemunha que no cumprimento do dever refere-

se a factos ofensivos à honra de outrem nestes casos, não há o crime de sequestro

nem de difamação.

A ordem é uma manifestação de vontade que tem por conteúdo essencial a

imposição de determinado comportamento, positivo ou negativo, por força de um

poder jurídico que autoriza a dar o comando e obriga o destinatário a cumpri-lo, sob a

ameaça de sanção. Pressuposto da existência da ordem é a existência de uma

relação de subordinação, de direito público, podendo ser:

Genérica: Indivíduos – Estado

Específica/Hierárquica: Funcionários Públicos

Autoridades (de onde provem a ordem): entidades que têm o poder jurídico de impor

determinados comportamentos sob a cominação de sanções jurídicas a quem

desobedecer às suas imposições.

Pressupostos de Legitimidade da Ordem:

Formais

Competência para dar a ordem

Forma ou Formalidades que a ordem deve revestir ou que a devem

acompanhar

Substanciais

Legalidade Intrínseca da Ordem

Aquele a quem a ordem é dirigida tem o poder de sindicar a legitimidade da mesma?

O destinatário da ordem tem o poder e o dever de sindicar a legitimidade da ordem

quando ela conduza à prática de um crime. Se a ordem não é legítima o seu

cumprimento não constitui causa de justificação – art. 271º/3 da CRP.

10.3. Obediência Hierárquica

Dever de Obediência Hierárquica: forma do dever de obediência a ordem legítima da

autoridade, caracterizada pela existência de um vínculo de subordinação

hierárquica.

O cumprimento da ordem do superior há-de representar sempre a pratica de facto

típico, sem o que nem sequer se colocaria a questão de causa de justificação do

direito penal, sendo necessário que a ordem seja formal e legítima

Page 80: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 80

Prof. Taipa de Carvalho:

Ordem Formalmente Ilegítima: a esta ordem nunca é devida obediência

hierárquica. Se o inferior executa a ordem comete um ilícito.

Ordem Formalmente Legítima mas materialmente ilícita: é necessário distinguir

se o subordinado tem ou não a possibilidade de sindicar a ordem

Tendo a possibilidade de sindicar a ordem, se o inferior hierárquico

cumprir a ordem, comete um ilícito criminal.

Não tendo a possibilidade de sindicar a ordem, ou seja num caso em

que o inferior hierárquico não pode deixar de cumprir a ordem, o seu

facto não é ilícito, estando justificado, so havendo responsabilidade

criminal do superior, que utiliza o inferior como mero instrumento.

↳ Prof. Germano Marques da Silva: a execução da ordem

materialmente ilícita, ainda que objetivamente insindicável, constitui

sempre um ato ilícito do funcionário que a executa, embora

desculpável.

▲ não há ordem do direito privado que deva ser obedecida quando conduza à

pratica de crime, não impedindo tal que o subordinado de direito privado atue em

erro sobre a existência do dever, podendo ser excluída a culpa.

11. Conflito de Deveres

▲ a justificação pelo conflito dos deveres só justifica o não cumprimento de um dos

deveres em conflito: se o agente estiver sujeito a dois deveres de ação e não for

possível cumprir ambos, cumprirá um deles, o de valor superior, sendo justificado o

incumprimento do outro.

Quando perante o mesmo sujeito recair um dever de ação e outro de omissão (ex: A

para salvar a vida de B, tenha de causar a morte de C) a solução já não assenta no

âmbito do conflito de deveres mas no âmbito do direito de necessidade.

11.1. Pressupostos e Requisitos

A regulamentação do conflito de deveres pretende regular a justificação do fact

típico resultante do incumprimento de um dever de agir o sacrifício de um dos

interesses alheios em conflito é consequência da impossibilidade de cumprimento

simultâneo dos deveres em conflito, existindo a necessidade de prevalência ao

cumprimento de um deles.

Critério para hierarquização dos bens jurídicos: art. 36º/1 hierarquização dos bens

jurídicos que são tutelados mediante o direito ou o dever.

Art. 36º/2: o dever de obediência hierárquica não é nunca superior ao dever de não

cometer um crime.

Page 81: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 81

12. Consentimento do Ofendido

Nem todos os casos de consentimento do ofendido constituem circunstâncias

justificativas, podendo ter relevância de duas formas:

Como elemento do crime (art. 140º/2, ex): crimes estruturados na base do

consentimento ou do dissentimento pelo que a falta faz com que a própria

tipicidade não exista.

Como causa de justificação: quando constitua uma circunstância exterior ao

tipo legal e a ordem jurídica considere que a renúncia pelo titular do bem

protegido à sua proteção merece relevância em termos de afastar a tutela

contra a própria vontade do titular do bem renúncia do titular do direito

tutelado a essa mesma tutela (desde que se trate de um direito disponível)

Ao consentimento expresso e efetivo é equiparado o consentimento presumido (art.

39º/1).

Interpretação do art. 38º:

Interesses disponíveis e indisponíveis: para que o consentimento exclua a

ilicitude é necessário que o interesse atingido pelo facto típico seja disponível

pelo seu titular.

Os interesses são pessoas ou patrimoniais, sendo estes últimos disponíveis. Contudo

também há bens jurídicos pessoas disponíveis (art. 149º), sendo indiscutível contudo

que o direito à vida é um bem indisponível.

Bons Costumes, como limite da responsabilidade dos interesses

Regras de convivência que, num dado ambiente e em certo momento, são

comumente admitidas.

Eficácia do consentimento

O consentimento para além de ser legal, tem de ser consciente (resultar de uma

vontade esclarecedora, devidamente ponderado e concreto, tendo efetivamente

em vista situações concretas). Via de regra será prestado de forma expressa.

Nos termos do art. 38º/3, é necessário que se junte ao limite inferior da capacidade

natural para eficácia do consentimento a idade de 14 anos a exigência de o

ofendido possuir discernimento necessário para avaliar o sentido e alcance do facto

consentido no momento em que o presta.

12.1. Punição do Crime Consentido, quando o agente não conheça o

consentimento

Prof. Germano Marques da Silva: o art. 38º/4 não se refere:

A um caso de crime impossível: para quem considere que o conhecimento da

situação justificante – o consentimento – é elemento da causa de justificação.

Simplesmente há o crime consumado, pois não se verifica um dos requisitos

necessários do direito de agir agindo o agente fora do direito, ilicitamente.

Page 82: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 82

A um caso de tentativa: contudo, a sua punibilidade justifica-se pelo facto de

ser chocante deixar-se o agente, nestas hipóteses, sem qualquer punição.

12.2. O art. 38º/4 e as causas de justificação

A punição do agente que desconhece a existência do consentimento do ofendido é

justificada por alguns autores pelo desvalor da conduta, não obstante a justificação

objetiva do evento.

Prof. Eduardo Correia: o consentimento não tem de ser conhecido pelo agente,

ficando sempre excluída, por via dele, a ilicitude do facto que se consuma.

Alguns autores aceitam que a natureza da causa de justificação ‘’consentimento do

ofendido’’ não é das demais causas de justificação, pois no consentimento o que se

verifica é a falta de bem jurídico tutelável e não o conflito de bens jurídicos que esta

na base das demais causas de justificação. O consentimento não concede direitos ao

agente em razão do seu próprio interesse ou de interesses superiores da comunidade,

sendo que a exclusão da ilicitude fica-se a dever simplesmente à renuncia da vítima à

tutela do seu interesse, faltando o bem jurídico tutelável e consequentemente o

consentimento seria uma causa de exclusão da tipicidade da conduta e não uma

causa de exclusão da ilicitude.

12.3. Atividade Desportiva Violenta

Prof. Germano Marques da Silva: as lesões desportivas não constituem nem

autorização normativa para lesionar o adversário nem consentimento deste para

suportar a ofensa. Constituem ação socialmente adequada, traduzindo o

reconhecimento social da indiferença penal da conduta, considerada como própria

da atividade desportiva ou risco permitido.

Não se trata de lesões compreendidas na atuação desportiva em

conformidade com as regras do jogo as quais são lícitas (Boxe), mas de lesões

causadas pela atuação do desportista em violação das regras do jogo, desde

que em conexão adequada com o decorrer do jogo.

Estão excluídas da adequação ou risco permitidos aquelas lesões que embora

imputáveis à violação das regras do jogo pela sua chocante violência, rudeza

e indiferença pela saúde e pela vida dos outros, se mostrem de todo em todo

incompatíveis com o sentido e os valores do desporto.

CAPÍTULO III – A CULPA

I – Conceito, Fundamento e Delimitação da Culpa

Remete-se o seu estudo para o Manual.

Page 83: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 83

II – Imputabilidade e Imputação

1. Imputabilidade e Imputação

Imputabilidade (art. 20º): capacidade do agente, no momento da perpetração do

facto, de avaliar a ilicitude do facto ou de se determinar de harmonia com essa

avaliação, ou seja, a capacidade, no momento da prática do facto ilícito, de discernir

o mal do crime ou de se determinar no sentido de não o cometer.

Imputabilidade Imputação

Capacidade ou pressuposto da

imputação

Atribuição do facto concreto ao seu

agente

2. Imputabilidade e Imputação das Pessoas Coletivas

Em princípio, as pessoas coletivas seriam inimputáveis na medida em que não tem

capacidade de discernimento nem de autodeterminação.

No CP/86, não se admitia a responsabilidade penal das pessoas coletivas, mas com a

evolução dos tempos houve a necessidade de as responsabilizar - art. 11º.

A Culpa das Pessoas Coletivas é construída normativamente por análoga com as

pessoas singulares: a pessoa jurídica é uma realidade unitária que atua por intermédio

dos seus órgãos.

3. Causas de Inimputabilidade

Inimputabilidade em razão da idade (art. 19º)

Não existe controvérsia em relação ao facto de os infantes e os jovens serem

inimputáveis uma vez que não tem o necessário discernimento, a verdade é que os

limites da menoridade têm sido sucessivamente elevados até serem fixados em

16anos. Tal deve-se em grande parte à tendência para a criação de um DP especial

de menores.

O discernimento alcança-se paulatinamente não sendo conforme com a realidade

afirmar a sua obtenção instantânea aos 16anos são razoes de segurança jurídica e

de humanidade que levam o legislador a presumir que os menores de 16anos não têm

o necessário discernimento

Inimputabilidade em razão de anomalia psíquica

Anomalia psíquica, engloba diversas formas de enfermidade mental, cuja

classificação e denominação não são rígidas. Não basta a verificação da anomalia

psíquica para estabelecer a inimputabilidade, é ainda necessário que tal conduza o

agente a não ter consciência do caracter criminoso do facto ilícito.

Nos termos do art. 20º/1, a determinação da inimputabilidade relaciona-se com a

existência de dois pressupostos:

Page 84: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 84

Um biológico (anomalia psíquica)

Um psicológico (incapacidade para avaliar a ilicitude do facto ou de se

determinar de harmonia com essa avaliação).

Em suma, para o reconhecimento da inimputabilidade é necessário:

Verificação de anomalia psíquica

Incapacidade do agente para avaliar a ilicitude do facto ou de se

determinar de acordo com essa avaliação, no momento da sua pratica.

Avaliar a ilicitude do facto: ter capacidade de avaliação do

significado valorativo do facto.

Capacidade de autodeterminação: embora o agente tenha

consciência do caracter criminoso do facto não possui domínio da

vontade para determinar o seu comportamento de acordo com essa

avaliação (ex: pessoa dependente de droga).

4. Imputabilidade diminuída (art. 20º/2)

Imputabilidade Diminuída: a anomalia psíquica em razão do seu grau, pode conduzir

a uma redução da capacidade de compreensão ou de autodeterminação do

agente.

Redução da capacidade de compreensão do injusto acarreta

necessariamente a redução da capacidade de autodeterminação.

Redução da capacidade de autodeterminação.

O art. 20º/2 só abrange os casos em que a imputabilidade diminuída é proveniente de

anomalia psíquica grave, cujos efeitos o agente não domina sem que por isso possa

ser censurado, ou seja aqueles em que este agente será particularmente perigo.

Ou o juiz considera o agente imputável, sendo a imputabilidade diminuída

tomada em consideração na determinação da medida da pena, e

eventualmente nas condições da sua execução;

Ou o juiz considera o agente inimputável, aplicando-lhe uma medida de

segurança conforme o disposto no art. 91º

Em suma: nos casos em que a personalidade é tao modo anómala que a

capacidade para avaliar a ilicitude e se determinar que ela esta muito diminuída,

embora haja um juízo de censura, este substitui-se por um juízo de perigosidade que

vai conduzir a aplicação de uma medida de segurança.

5. Privação Voluntária da Imputabilidade (actio libera in causa)

Imputabilidade da Livre Causa (art. 20º/4): embora o agente não esteja no pleno gozo

das suas faculdades de compreensão e de autodeterminação, no momento do facto,

essa situação transitória de anomalia psíquica e de incapacidade para avaliar a

ilicitude do ato de se determinar em função dessa avaliação seria resulta de um

Page 85: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 85

anterior ato livre de vontade e porque a causa da causa é também causa do que foi

causado o agente será responsável pelo que foi causado por livremente ter posto a

primeira causa. Ex: casos de embriaguez e a intoxicação por meio de drogas.

O princípio do art. 20º/4 abrange apenas hipóteses de provação intencional e pré-

ordenada da capacidade, ou seja a provação intencional da anomalia psíquica com

o propósito de praticar o crime neste caso, o agente transformou-se em instrumento

de si mesmo para a pratica de um crime que planeou.

O agente pode privar-se voluntariamente de avaliação e autodeterminação sem o

propósito pré-ordenado de praticar um crime que projetou, mas vir nesse estado a

praticar um qualquer crime crime de embriaguez e intoxicação (art. 295º).

Interpretação do art. 295º: a voluntariedade (pelo menos por negligência) refere-se ao

colocar-se em estado de incapacidade de avaliação e de autodeterminação e não

ao ingerir ou ao consumir bebida alcoólica ou de substância tóxica condição

objetiva de punibilidade (a vontade do agente não se dirige à pratica desse facto).

Crime de Perigo Abstrato, estando a sua punição dependente da ocorrência

da condição de punibilidade.

A ingestão ou consumo de bebidas alcoólicas não leva necessariamente a um

estado de inconsciência apto a anular a capacidade de compreensão e de

autodeterminação, mas pode determinar a diminuição da pena a aplicar (art.

72º), verificando-se a diminuição da capacidade do agente e nessa medida

da culpa, visto que está é suportada por aquele.

III – Causas de Exclusão da Culpa (Desculpas)

1. Considerações Preliminares

Culpa: juízo de reprovação ao agente por ter sido voluntariamente desobedecido ao

comando legal, por ter consciente e livremente perpetrado o ilícito

Causas de Exclusão da Culpa/Causas de Escusa/Causas de Exculpação: causas que

suprimem ou influenciam a vontade no seu exercício, produzindo o involuntário ou

determinam a maior ou menos desculpabilidade da vontade.

2. Princípios Gerais das Causas de Exculpação

Causas relevantes para a exclusão do juízo da culpa podem agrupar-se em três

grupos:

Causas que afastam a censurabilidade porque negam, desde o início, a

existência de um agente culpável

Causas de Inimputabilidade: como excluem a culpa do agente, são

nesse género, como que causas de exculpação.

Page 86: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 86

Causas que afastam a culpabilidade porque afastam um dos elementos da

própria culpabilidade

Todas as demais causas incompatíveis com o juízo de censura porque

(1) perturbam a consciência do dever; ou (2) perturbam a própria

vontade

Causas de desculpa que não obstante a existência de um agente culpável e a

presença de todos os elementos da culpabilidade afastam o juízo de censura

(culpa) por indulgência do legislador, razoes humanitárias que fazem com que

o agente renuncie à reprovação do agente.

Causas previstas na lei em que por razoes de indulgência, a

consideração da situação excecional e a não exigibilidade de outro

comportamento naquela situação extraordinária, levam o legislador a

desculpar o agente.

3. Causas de Exculpação no CP (art. 33º/2, 35º, 37º e 367º)

Coação Moral

Coação: estado de quem está coato, ou seja que é coagido, constrangido, forçado.

Coação física: o coagido fisicamente, quando absolutamente coagido,

não realiza uma ação ou omissão própria, é simples instrumento da

violência física de outrem. O evento provocado pela coação não

pode ser definido como uma conduta voluntária do coagido relevante

para o DP, embora o seja o agente que exerce a coação e por isso

responderá por ela como autor mediato.

Coação moral: o coagido moralmente tem a possibilidade de escolha,

embora essa possibilidade esteja restringida pela ameaça, mas é ainda

ele que age por escolha sua.

Quando absoluta exclui a culpa do coagido, por não lhe ser

exigida, nas circunstancias conduta diversa da que realizou:

exclui-se a imputação porque não é exigível ao agente que

perante aquela circunstancia se determinar de acordo com a

avaliação da ilicitude que faz o autor é o coator, uma vez

que o coagido atua sem culpa.

Caso Fortuito e Caso de Força Maior: ambos pressupõem um facto, ou pelo menos um

evento com toda a aparência do facto típico penal, mas a sua punibilidade está

afastada porque:

No caso de força maior, o agente não tem possibilidade de evitar o

evento danoso, ainda que previsível ou mesmo previsto não há

relativamente ao causador direto do evento uma verdadeira conduta, ele é

um puro instrumento de forças estranhas da natureza e inexistindo uma

conduta, um ato do agente, falta um elemento imprescindível do crime.

Page 87: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 87

No caso fortuito, embora o resultado seja evitável, falta ao agente a

previsibilidade do resultado o facto é objetivamente imputado ao agente, é

uma ação ou conduta humana, mas é uma conduta que vem a produzir

efeitos imprevisíveis e por isso não pode ser-lhe imputado nem sequer a título

de negligência.

Caso de Força Maior Coação Física Irreversível

Força da natureza, um acontecimento

não provocado pelo agente imediato

Ação humana, o agente mediato, o

autor da coação, é um ser humano

Não é um caso de exclusão da

culpabilidade do agente, mas de

exclusão da própria ação

Caso de exclusão da ação, mas agora

do agente que age coagido sendo um

ação do autor da coação, que por isso,

responderá por ela.

Coação Moral Caso Fortuito

O agente avalia a ilicitude, mas não é

capaz de se determinar de acordo com

essa avaliação.

O resultado era previsível, mas o agente

não podia razoavelmente atuar de outro

modo.

Não era previsível o resultado do

comportamento.

O ato é do agente, é ele que causa o

evento, mas o resultado era imprevisível

nas circunstâncias concreto as e por isso

afasta-se o dolo e a culpa do agente

Estado de Necessidade Desculpante

Exclui a culpa porque em razão de uma situação de perigo para bens jurídicos do

próprio agente ou de terceiro, a liberdade de opção do agente fica muito

comprimida em razão daquele perigo não lhe sendo razoavelmente exigido que o

agente se motive pela norma princípio da exigibilidade como componente da

culpa

Direito de Necessidade Estado de Necessidade Desculpante

Base: situação de perigo para os bens jurídicos do agente ou de terceiro

Ponderação de valores, do valor do bem

ameaçado e do valor do bem

sacrificado pelo exercício do direito de

necessidade, só se admitindo o sacrifício

de bens jurídicos alheios para

salvaguarda de bens jurídicos

sensivelmente superiores

Admite-se que o bem protegido seja de

valor igual ou menor ao valor do bem

jurídico sacrificado pelo comportamento

do agente, não se tratando de

ponderação dos bens em confronto. A lei

considera que embora a conduta do

agente seja ilícita, não lhes é

razoavelmente exigível outro

comportamento em face das

circunstâncias concretas, não merece

censura.

Pressupostos do Estado de Necessidade Desculpante

Page 88: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 88

Situação de perigo para bens jurídicos do agente ou de terceiro

(=pressuposto do direito de necessidade)

Se os bens ameaçados são de valor sensivelmente superior aos

dos bens sacrificados pela conduta do agente, e desde que se

verifiquem os restantes pressupostos e requisitos do direito de

necessidade, o facto é lícito.

Se os bens sacrificados pela conduta do agente do forem de

valor igual ou superior ao dos bens ameaçados, o facto é

sempre ilícito, mas o agente pode ser desculpado, por não lhe

ser concretamente exigível, naquelas circunstâncias, outro

comportamento, se se verificarem os pressupostos que a lei faz

depender essa desculpa.

Deste modo, os pressupostos do estado de necessidade desculpante são:

Situação de perigo atual não removível de outro modo

Perigo não pode ser removível de outro modo: a ação praticada há-de ser adequada

e necessária para afastar o perigo.

Facto adequado: quando é idóneo para remover o perigo e é o meio apto menos

gravoso disponível pelo agente do facto (meio necessário)

Ameaça da vida, integridade física, honra ou liberdade do agente ou

de terceiros

Bem vida tem de tratar-se da vida da pessoa já nascida ou pode tratar-se da vida

intrauterina? Prof. Figueiredo Dias e o Prof. Germano Marques da Silva entendem que

também engloba este último caso.

Inexigibilidade de outra conduta

É necessário que não seja razoável exigir ao agente, segundo as circunstancias do

caso concreto, comportamento diferente o que seria exigível do homem normal, do

homem médio, colocado nas mesmas circunstâncias.

Que o agente atue com o fim de salvação do bem ameaçado

(finalidade da ação, elemento subjetivo)

Prof. Figueiredo Dias e Prof. Germano Marques da Silva: é necessário que o agente

prossiga a finalidade de salvação do bem jurídico ameaçado. Não será necessário

que o agente atue por motivos nobres ou que a sua finalidade ultima seja a salvação

do bem jurídico em perigo, mas torna-se indispensável que ele pratique a ação para

determinar com ela a preservação do bem jurídico ameaçado.

A razão ultima da desculpa é a não exigibilidade de outra conduta em razão dos

bens ameaçados e que o agente se propõe proteger com o seu ato ilícito.

Page 89: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 89

Estado de Necessidade como circunstância atenuante (art. 35º/2): se o perigo

ameaçar interesses juridicamente diferentes dos mencionados no nº1, a pena pode

ser especialmente atenuada ou excecionalmente o agente dispensado de pena.

Estado de Necessidade desculpante e coação moral: o medo resultante da coação

moral, não tem relevância autónoma, o que releva é a situação de perigo nos termos

do direito de necessidade.

4. O Erro Sobre a Ilicitude (art. 17º)

Erro sobre a ilicitude: consciência pelo agente do facto do significado jurídico do seu

comportamento

Art. 16º/1, 2ªparte: erro sobre proibições respeita ao simples erro de

conhecimento da proibição.

Art. 17º: erro respeita ao dever de cumprir o imperativo normativo para

não ser criminalmente responsabilizado pela sua conduta, ou seja

consciência do dever jurídico.

Art. 16º Art. 17º

Art. 16º/1, 2ªparte: erro sobre proibições

cujo conhecimento é indispensável para

que o agente possa tomar consciência

da ilicitude erro de conhecimento

(equiparável ao erro sobre os elementos

de facto e de direito do tipo de crime).

Factos constitutivos dos crimes cuja

ilicitude não pode presumir conhecida de

todos os cidadãos nem se tem de exigir

que o seja.

Art. 16º/1, 1ªparte: factos constitutivos dos

crimes tradicionalmente designados por

crimes naturais ou seja aos factos cuja

ilicitude se exige que seja conhecida de

todos os cidadãos normalmente

socializados

Erro sobre o dever jurídico de cumprir u

imperativo legal, um erro de

circunstância ético-jurídica.

Vício da consciência ética do agente

Ignorância ou erro sobre a lei penal em

que assenta a consciência ou a

convicção errónea da licitude excluirá a

culpabilidade se for devida a erro

desculpável/não censurável – art. 17º/1;

erro indesculpável – art. 17º/2.

Censurabilidade do Erro sobre a Ilicitude: o agente esta convencido, embora

erroneamente, que o seu facto é o que a lei impõe e por isso pratica. A

censurabilidade da falta de consciência da ilicitude assenta na atitude pessoa de

contradição ou indiferença pelo direito – o agente não interioriza o dever, sendo-lhe

indiferente a existência de proibição.

Critérios do art. 17º:

Olhar à pessoa do agente (ver se cumpre a lei normalmente)

Sem juízo de censurabilidade

Se a questão não for controvertida o ato não é censurável

Se a questão for controvertida, existia por parte do agente um dever de

se informar, pelo que neste caso o ato é censurável

Page 90: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 90

Pena aplicável na falta de consciência do ilícito não censurável (art. 17º/2):

Se a falta da consciência for devida a erro não censurável o agente é punido

com a pena aplicável ao crime doloso respetivo, a qual poderá ser

especialmente atenuada

E quando o crime for negligente? Qualquer erro sobre a ilicitude é

jurídico-penalmente irrelevante do ponto de vista da culpa negligente

(falta a representação da factualidade típica e consequentemente da

ilicitude típica não se pode colocar o problema da consciência da

ilicitude).

Sendo o erro não censurável, fica excluída a culpa

Erro sobre a previsão legal ou sobre os requisitos de uma causa de justificação ou de

exculpação: suposição da existência de uma norma que preveja uma causa de

justificação/exculpação não esta expressamente prevista na lei aplica-se o regime

do art. 17º, existe um erro indireto sobre a ilicitude (o agente conhece as

circunstâncias de facto em que atua, mas pensa que há uma lei que lhe permite atuar

desse modo).

▲ erro sobre a punibilidade é o único erro relevante sobre normas.

5. Obediência indevida desculpante (art. 37º)

Causa de exculpação do funcionário que cumpre uma ordem do superior hierárquico

sem conhecer que ela conduz à prática de um crime, não sendo isso evidente no

quadro das circunstâncias por ele representadas. A própria culpa é excluída quando

a ordem do superior hierárquico não é manifestamente ilegal, ou seja no quadro das

circunstancias representadas pelo agente, não for evidente a ilegalidade da ordem

do superior hierárquico há para o subordinado a presunção de licitude e dever de

obediência à ordem e consequentemente da licitude dos atos que pratica e, salvo se

for evidente o contrario o erro exclui a culpa.

Responsabilidade do superior hierárquico que dá ordem que conduz à pratica do

crime: excluída a culpa do funcionário, existe a responsabilidade do superior que deu

a ordem. O facto praticado pelo funcionário é ilícito e por isso o autor da ordem ilegal

é responsável pelos atos ilícitos cuja pratica ordenou autoria mediata do superior

hierárquico.

Obediência hierárquica de direito privado: se o agente do facto atua convencido da

obrigatoriedade da ordem que recebeu do seu superior hierárquico de direito

privado, vera a culpa excluída ou não, consoante o erro seja ou não desculpável.

6. Excesso de Legítima Defesa não punível

Nos termos do art. 33º/2:

O excesso, doloso ou negligente, poderá ser desculpável, quando

resultar de perturbação, medo ou susto não censuráveis estados

asténicos

Page 91: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 91

Se o excesso deriva de ódio ou da excitação da pessoa agredida, é

censurável respondendo o agente a titulo de dolo ou culpa estados

esténicos

▲ a perturbação, medo ou susto não suprimem a vontade culpável, poderão

contudo tomar forma patológica, como pânico, que pode excluir a imputabilidade

(art. 20º), sendo abrangido pelo conceito de anomalia psíquica a impunidade

resulta da falta de imputabilidade e não de uma causa de exculpação.

7. Outras Causas de Exculpação

Art. 151º/2; 154º/3 e 200º/3 impunidade (não exculpação) casos de exclusão da

própria tipicidade!

Capítulo IV – Estrutura Acidental do Crime

1. Circunstâncias. Classificação

Circunstâncias

Intrínsecas: acidentes dos elementos essenciais (efeitos: aumentam ou

diminuem a gravidade do crime cometido – circunstâncias agravantes ou

atenuantes)

Circunstâncias Relativas ao Facto: referem-se ao facto ilícito, enquanto

revelam maior ou menor gravidade do facto

Circunstâncias inerentes ao agente: referem-se à culpa do agente.

Extrínsecas: extrínsecas ao facto e ao agente.

Modificativa: a existência daquela circunstância modifica em abstrato a

própria gravidade do tipo de crime crime qualificado ou privilegiado.

↳ as circunstâncias modificativas não implicam necessariamente a alteração

do tipo, constituindo elementos essenciais dos tipos qualificados ou

privilegiados; podem simplesmente alterar a medida legal da pena aplicável,

sendo então aplicáveis a todos os crimes em que se verifiquem

circunstância modificativa de caracter geral de reincidência (art. 75º).

Comuns: circunstâncias que influindo na gravidade do crime não determinam

alteração da pena aplicável, mas apenas determinam a graduação dentro

dos limites da pena abstratamente aplicável.

2. Circunstâncias Comuns e Elementos do Crime

A circunstancia comum não faz parte da estrutura essencial do crime; se o elemento

já é considerado por lei como essencial para a existência do crime não pode depois

ser considerado para determinar a sua gravidade em concreto, tomando o legislador

logo em conta esse elemento para a determinação da pena aplicável aquele tipo de

crime: se o mesmo elemento fosse considerado como circunstancia comum para

Page 92: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 92

efeito da graduação da pena concreta a aplicar ao agente haveria uma dupla

valoração do mesmo resultado.

3. Valor das Circunstâncias Comuns e Circunstâncias Modificativas.

O valor da circunstâncias e o seu efeito sobre a pena aplicável ao agente do crime

depende da apreciação global dessa circunstancia e das demais circunstâncias

concorrentes no mesmo facto criminoso – art. 71º/2.

4. Posição da Teoria da Circunstâncias no Sistema Penal

Teoria da Estrutura Acidental do Crime: concretização do tipo legal do crime; refere-se

ás características do crime efetivamente praticado e que não constituem os

elementos essenciais, mas permitem determinar no caso concreto se o facto é mais ou

menos grave, mais ou menos censurável, o que vai ser importante na determinação

da medida concreta da pena.

Teoria da Estrutura Essencial do Crime: fornece um modelo de determinado tipo de

crime, indicando os elementos que têm de verificar-se para que possa haver crime.

Capítulo V – Formas de Crime

I – O Iter Criminis

1. Conceito de Inter Criminis

Iter Criminis: conduta do agente, em parte mental e em parte física, que vai desde a

decisão de cometer o crime até à sua consumação.

Inicia-se no foro interno com a decisão de cometer o crime – cogitatio

Preparação com a qual o agente obtem os meios e predispõe modos e

ocasião para praticar o crime– conatus remotus

Execução –conatus proximus, que consiste na pratica dos atos que, quando

todos realizados são suficientes para provocar o resultado – meta optata

Nem em todos os casos o comportamento criminoso compreende todas as referidas

fases do iter criminis, ate porque há crimes que se podem consumar com a própria

ação, sem resultado material (crimes formais ou de mera atividade) e pode resultar de

súbita deliberação, não havendo lugar à pratica de atos preparatórios, e nos crimes

cometidos por negligencia nem sequer se verifica a decisão de cometer o crime.

Além da consumação do crime ainda pode distinguir-se o seu exaurimento.

Exaurimento: para o crime se extrair, é preciso que tenha causado todas as

consequências danosas visadas pelo agente. Ex: no falso testemunho (produção dos

efeitos ou consequências materiais do crime pretendidas pelo agente), a intenção de

realização é elemento constitutivo do crime, embora a sua efetivação não constitua

já elemento essencial da incriminação.

Há quem considere que o crime exaurido é o crime unissubsistente, ou seja

aquele cuja consumação se realiza com um só ato de execução, não

admitindo a tentativa.

Page 93: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 93

Outros entendem que o crime exaurido é reservado para os crimes que visam a

proteção de um determinado bem jurídico que o agente pretende ofender,

mas em que a realização desse resultado não é elemento essencial para a

consumação, antecipando a lei a tutela do bem jurídico.

Há quem domine o crime exaurido de crimes de resultado cortado, uma vez

que visam a proteção de um bem jurídico que só será plenamente ofendido

com a produção de um determinado resultado, a lei antecipa a proteção e

considera o crime consumado independentemente da proteção do resultado

(o resultado não é elemento do crime) – art. 119º/4.

2. Atos Preparatórios

Atos preparatórios são atos externos (físicos) que preparam ou facilitam a execução,

mas não são ainda atos de execução.

Ponto de Vista Subjetivo: são denominados pelo fim de facilitar ou preparar a

perpetração do crime, a que se dirige a intenção, ou seja pressupõem já o propósito

de preparar o crime consumado.

Distinção entre atos preparatórios e atos de execução faz-se através de um critério

objetivo: os atos de execução hão-de contar, eles próprios, um momento de ilicitude,

pois ainda que não produzam a lesão do bem jurídico tutelado pela norma

incriminadora do crime consumado produzem já uma situação de perigo para esse

bem.

Só excecionalmente existe a punição dos atos preparatórios, contudo estes podem

em si mesmo constituir crimes, independentemente do fim de facilitar ou preparar a

execução de outro crime puníveis. Ex: A furta uma arma para matar B comete o

crime de furto, independentemente do uso que venha a dar à arma.

Nos art. 271º, 275º e 344º, os atos preparatórios so serão puníveis quando preparam a

execução de atos de execução dos crimes neles indicados e por isso que seja

elemento essencial destes tipos legais a finalidade desses atos.

3. Atos de Execução (art. 22º/2)

Materialmente constitui um ato de execução o que ataca o bem jurídico tutelado,

formalmente al ato integra a ação típica prevista na lei.

Os que preenchem um elemento constitutivo de um tipo de crime (al. a))

Respeita sobretudo aos crimes de execução vinculada. A subsunção de uma to à

descrição constante do tipo legal revela a atividade do ato de execução. Ex: na burla

relativa a seguros, quando o agente agrava sensivelmente o resultado causando por

acidente cujo risco estava seguro.

Os que forem idóneos a produzir o resultado típico (al. b))

Atos que oferecem perigo para o bem jurídico idóneos a produzir o resultado. A

idoneidade do ato para a produção do resultado típico refere-se à inserção no

conjunto dos atos planeados que deviam produzir o crime consumado. A definição de

Page 94: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 94

cada ato de execução pressupõe a sua inserção na totalidade do plano de

execução que o agente se propõe realizar.

Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis,

forem e natureza a fazer esperar que se lhes sigam atos de espécies anteriores

(al. c))

Apela-se à experiencia comum reveladora de que a pratica de certos atos com muita

probabilidade se seguirão outros e estes sim serão aptos a produzir o resultado ou

integrarão o elemento constitutivo do tipo. Ex: A deixa uma bomba relógio em casa

de B, mas é preso antes de a ter ativado. Em si mesma, a bomba desarmada, não é

idónea a causar a produção do resultado.

O Prof. Figueiredo Dias propõe dois critérios para verificar-se se esta al. se encontra

verificada: (1) conexão temporal; (2) inserção na esfera (imediações) de proteção da

vitima.

4. A Consumação e o Exaurimento do Crime

Crime consumado: crime perfeito, realiza-se em plena formalidade com o tipo legal

incriminador conceito formal: realização plena do tipo legal; termina o iter criminis.

Crime Exaurido/Consumação Material (esgotado plenamente): o agente vem a

alcançar o fim pretendido, alem da consumação do crime. Ex: rapto (se o agente

realiza qualquer das finalidades indicadas no art. 161º/1); crimes que exigem um fim

especial do agente, como elemento do crime, mas cuja realização vai para além da

consumação.

II – Tentativa

1. Conceito de Tentativa. O Crime de Atentado (art. 22º/1)

Tentativa: realização incompleta do comportamento típico e um determinado tipo de

crime previsto na lei. A incriminação da tentativa representa a extensão da

punibilidade às realizações incompletas do tipo de crime que o agente se propunha

realizar.

Crime de Atentado/Crime de Empreendimento: é crime perfeito, crime consumado.

Há no entanto uma certa identidade estrutural entre a tentativa e o atentado,

existindo nestes crimes a consumação do crime logo com a execução de

determinados atos praticados em ordem a certo fim que não se realiza. São crimes de

perigo abstrato e consumados. Ex: art. 288º, 290º e 327º.

2. Elementos Essenciais da Tentativa

Facto ilícito: decisão de cometer o crime

Atos de execução do crime: objeto da decisão voluntária; dirigem-se à pratica

do crime que o agente decidiu cometer (elementos especiais subjetivos) e

esses atos tem de ser dolosos.

Page 95: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 95

Pode-se dizer que a tentativa é um crime imperfeito relativamente ao crime

consumado projetado, mas do ponto de vista estrutural é um crime perfeito porque

apresenta todos os elementos da estrutura essencial do crime geral.

Existe a fusão de dois tipos de normas: a da parte especial que incrimina determinado

facto e a do art. 22º que estende a punição ao comportamento que o agente

efetivamente comete e que não realiza totalmente a conduta do tipo incriminador da

parte especial.

Elementos Objetivos do Facto Ilícito

O crime que o agente decide cometer pode não se completar porque:

Não se praticaram todos os atos de execução (tentativa em sentido stricto

ou tentativa inacabada)

Praticaram-se todos os atos de execução que deviam produzir o resultado

mas este não se produz (tentativa acabada ou crime frustrado)

Para que haja tentativa (in)acabada é necessário que tenham sido praticados atos

de execução de um determinado tipo de crime que o agente decidiu cometer sem

que o crime se chegue a consumar.

Tentativa Crime Consumado

Plano da Tipicidade

Realização parcial do tipo legal do crime

consumado – é sempre um crime de

intenção (intenção de realizar o crime

consumado)

Realização plena do tipo legal

Plano da Lesão do Bem Jurídico

Poe em perigo o bem jurídico tutelado

pela norma que prevê o crime

consumado

Lesa o bem jurídico

Crimes de perigo concreto

Não coloca tao em perigo o bem

jurídico, uma vez que os atos de

execução realizados não têm como

efeito a produção do evento de perigo

que só a realização completa do tipo do

crime de perigo produziria.

Poe mais intensamente em perigo o bem

jurídico

Dolo na Tentativa

O Dolo é o mesmo exigido para o crime consumado: a representação e a vontade na

tentativa vão além do facto realizado, têm por objeto o crime consumado.

O Dolo exigido na tentativa não é um dolo de tentativa, ou seja não tem por objeto os

factos cometidos, mas sim, todos os elementos do tipo do crime consumado.

Page 96: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 96

Alguns autores defendem a incompatibilidade do dolo eventual com a tentativa, mas

o Prof. Germano Marques da Silva discorda: o dolo eventual é suficiente para a

consumação do crime e também suficiente para a tentativa correspondente.

Não há tentativa nos crimes negligentes: a tentativa é sempre dolosa e exige a

decisão de cometer o crime consumado como elemento subjetivo do tipo de ilicitude.

O Elemento Psicológico (Elemento Subjetivo do Tipo)

Elemento Psicológico: pratica de atos de execução de um crime que o agente

decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se ‘’decidiu cometer’’ não

significa que essa decisão seja elemento da culpa, mas sim elemento subjetivo da

ilicitude.

3. A Estrutura da Tentativa – Aplicações

Tradicionalmente entende-se que não há tentativa nos crimes omissivos puros, mas

pode haver nos crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão.

Nos crimes omissivos puros o agente está em tempo de executar a ação

decida enquanto não se ultrapassar o prazo para o cumprimento, mas parece

nada impedir que antes do termo do prazo o agente se coloque

voluntariamente numa situação de impossibilidade de cumprir e precisamente

com a intenção de não cumprir. Tem-se objetado que a lei exige

expressamente a pratica de atos de execução de um crime e na omissão pura

não há atos de execução Prof. Germano Marques da Cruz não concorda: a

omissão pode caber na al. a) ou na al. c) do art. 22º/2 e os atos destinados a

colocar o agente na impossibilidade de praticar o ato na al. c).

Nos crimes omissivos impuros, a tentativa inicia-se no momento em que surge o

dever de atuar, ou seja, no momento em que surge o perigo para o bem

jurídico protegido.

Alguns autores entendem que não pode haver tentativa nos crimes de perigo, mas o

Prof. Germano Marques da Silva discorda: não existe qualquer especialidade

relativamente este tipo de crimes no que à tentativa respeita, sobretudo nos casos de

perigo concreto.

Tentativa nos crimes de mera atividade (formais): é possível enquanto não se esgotar a

atividade que consuma o tipo legal (tentativa inacabada).

Tentativa na autoria mediata: só ocorre a tentativa quando o agente imediato pratica

atos de execução, salvo se os atos de instrumentalização do autor mediato forem já

por si sós atos de execução.

Tentativa na co-autoria: divergência na doutrina sobre o inicio da tentativa na co-

autoria relativamente a cada um dos co-autores:

Segundo uns, a tentativa inicia-se relativamente a todos quando um dos co-

autores pratica o primeiro ato de execução;

Page 97: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 97

Segundo outros, a tentativa inicia-se só quando um pratique ele próprio o

primeiro ato de execução.

Prof. Germano Marques da Silva: em virtude do art. 26º, deve entender-se que

a tentativa só se inicia relativamente a cada um dos co-autores quando

tenha tomado parte na execução.

Tentativa na Instigação: inicia-se quando o instigado pratica o primeiro ato de

execução do crime; antes do inicio da execução não há sequer instigação (punível).

4. A Desistência e o Arrependimento Ativo (art. 24º/1)

Desistência: se o agente ainda não tinha feito tudo o que era objetivamente

necessário para a consumação (tentativa inacabada); o agente não prossegue na

execução e por isso a execução do crimes que o agente tinha decidido cometer fica

incompleta.

Voluntária: quando o agente poda prosseguir na execução do crime sem ser

impedido de o consumar, mas não quer. Decorre do comportamento exclusivo

do agente que iniciara já a execução do crime. Se o agente desiste porque foi

ou vai ser impedido de prosseguir, em virtude de um obstáculo intransponível

ou por ato de terceiro, a desistência não é voluntaria

Arrependimento: se o agente já havia concluído os atos de execução, mas impede a

consumação ou a verificação do resultado não compreendido no tipo de crime. Só é

possível na tentativa acabada e no crime consumado, salvo nos crimes em

comparticipação criminosa.

Basta que o agente ativamente impeça, por si ou por terceiro, que a

consumação ou o resultado (não compreendido no tipo de crime) se

produzam.

Há que distinguir se a ação do agente impede a consumação do crime ou o

resultado não compreendido no tipo de crime, embora os efeitos sejam os

mesmos.

A tentativa acabada e o crime consumado não são puníveis quando o

arrependimento for eficaz, ou seja quando o agente impedir a consumação

ou a produção do resultado não compreendido no tipo de crime. Se a

consumação ou o resultado sobrevêm o arrependimento não produz efeito

como excludente da responsabilidade.

Nos termos do art. 24º/2, em qualquer caso é necessário que a consumação ou o

resultado não se produzam, mas se se não produzir e o agente, ainda que não tenha

ele próprio contribuído para a sua não produção, se tiver esforçado seriamente para

evitá-lo, a lei equipara esse esforço serio ao ato de impedimento da consumação ou

do resultado.

Art. 24º/1, in fine (‘’resultado não compreendido no tipo de crime’’): a desistência na

tentativa quando consiste no impedimento voluntario da verificação do resultado não

Page 98: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 98

compreendido no tipo de crime refere-se ao impedimento, no caso de incriminação

de estádios progressivo de agressão ao mesmo bem jurídico, da condução de grau

mais grave dessa agressão. Não obstante a consumação do crime que constitui grau

inferior de agressão ao bem jurídico a que se dirige a tutela penal, o impedimento da

realização do grau ulterior exclui a punibilidade da tentativa.

O resultado não compreendido no tipo de crime respeita ao resultado em função do

qual se antecipou a tutela penal.

▲ a desistência e o arrependimento ativo têm como efeito a impunidade da tentativa

inacabada e do crime consumado, mas não os crimes consumados durante a

tentativa.

A desistência e o arrependimento ativo na tentativa constituem causas pessoas de

exclusão da pena em consideração da falta de dignidade penal da tentativa ou não

necessidade da pena.

Em suma (síntese aulas práticas):

Art. 24º: desistência em sentido stricto & arrependimento ativo

Existe desistência (sentido amplo) quando existe a revogação do dolo.

Desistência: a revogação do dolo ocorre durante a execução (art. 24º/1, 1ªp)

Arrependimento ativo: a revogação do dolo ocorre:

Depois da execução, mas antes da consumação (art. 24º/1, 2ªp)

Depois da consumação, mas antes do exaurimento (art. 24º/1, 3ªp)

↳ Exaurimento: consumação material lesa do bem jurídico; quando

se consegue evitar a lesão do bem jurídico aplica-se este regime.

5. Desistência em Caso de Comparticipação

Nos termos do art. 25º, estamos face a um caso de arrependimento pois não basta

que um dos comparticipantes não prossiga na execução, tornando-se necessário que

pela sua ação impeça a consumação ou o exaurimento ou que se esforce seriamente

por impedir uma ou outra, ainda que o não consiga porque os outros

comparticipantes prosseguem na execução do crime ou o consumem.

O regime da desistência em caso de comparticipação não é igual ao da desistência

no caso de autor singular:

O comparticipante que desiste não tem de impedir realmente a consumação

do facto, ao contrario do que se exige para o autor singular;

O comparticipante tem de ter um comportamento de rutura com a situação

de comparticipação criminosa em que esteve envolvido que se traduz num

‘’esforço serio’’ no sentido de impedir a execução do crime ou a produção do

resultado não compreendido no tipo de crime.

Page 99: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 99

Deste modo, mesmo havendo comparticipação se todos os comparticipantes

desistem voluntariamente de prosseguir na execução ou todos, pela ação conjunta,

impedem a consumação ou, não obstante a consumação, impedem a verificação

do resultado aplica-se a regra geral sobre a desistência e o arrependimento.

Aplicação do art. 25º: em caso de comparticipação, algum dos comparticipantes

prossegue ou quer prosseguir na execução do crime, e por isso, a consumação do

crime, vem a ocorrer ou a produção do resultado não compreendido no tipo vem a

verificar-se por ação de algum ou alguns dos comparticipantes; só o ato dos que

impedem a consumação ou a verificação do resultado ou dos que se esforçam

seriamente por impedir uma ou outra não é punível.

6. A Tentativa Inidónea e o Crime Impossível

Tentativa Inidónea ou Impossível/Crime Impossível: comportamento inapto à

consumação do crime, quer em razão dos meios empregados quer por falta do

objeto essencial. Para haver tentativa é necessário que sejam praticados atos de

execução de um crime e os atos de execução ou preenchem um elemento

constitutivo de um tipo de crime ou são idóneos a produzir o resultado típico ou são de

natureza a fazer esperar que se lhes sigam atos das espécies anteriores.

Tentativa Inidónea: quando os atos praticados pelo agente não são atos de

execução.

Tentativa Impossível: quando falta o objeto

Interpretação do Art. 23º/3:

Inaptidão do Meio Empregado

Sinónimo de inidoneidade e de inadequação do meio, sendo a tentativa

impossível/inidónea/inadequada.

Meio Inidóneo: falta a potencialidade causal para produzir o resultado típico; o ato

praticado não é ato de execução do crime.

A lei exige que o meio empregador não seja manifestamente inidóneo ou

inadequado: o meio é inidóneo ou carece o objeto e deste modo a tentativa é

inidónea ou o crime impossível, mas se não forem manifestas a inidoneidade do meio

ou a carência do objeto o agente será punido nos termos do art. 23º/3.

Nota: ‘’manifestamente inidóneo’’ de modo manifesto, evidente, não para o

agente mas para terceiros, para a generalidade das pessoas, pois o agente tem de

estar convencido da existência do objeto e da idoneidade do meio sem o que não se

lhe poderá imputar a intenção de cometer o crime.

Inidoneidade:

Absoluta: meio absolutamente inidóneo aquele que por essência ou

natureza nunca é capaz de produzir o resultado exclui a tentativa

configurando a tentativa inidónea ou impossível.

Page 100: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 100

Relativa: se o meio normalmente eficaz deixou de operar pelas

circunstâncias em que foi empregado.

Inexistência do objeto essencial à consumação do crime

Inexistência do objeto essencial à consumação do crime exclui:

A tentativa

Crime consumado

Há inexistência do objeto quando este não existe ou nas circunstancias em que se

encontra, torna impossível a consumação.

Absoluta: objeto absolutamente inexistente exclui a tentativa, do

mesmo modo que exclui o crime consumado.

Relativa: quando existindo e podendo ser atingido, ocasionalmente o

objeto não se encontra onde poderia ser atacado ou quando um elemento

acidental do objeto impede a lesão.

Nos termos do art. 23º/3, condiciona-se a não punibilidade da tentativa impossível a

que a inidoneidade do meio empregado ou a inexistência do objeto sejam

manifestas. Se aparentemente se verifica um perigo objetivo, muitos entendem que se

justifica a punição, pela intranquilidade que o ato cria. Trata-se de um perigo objetivo,

aparente, que pode causar alarme e intranquilidade social, estando apto a

fundamentar a punição do agente.

▲ tentativa inidónea não é tentativa título de incriminação autónomo, um crime sui

generis, que equipara o mal da impressão perturbante causado no publico a ofensas

ao bem jurídico, elevando aquele mal a bem jurídico tutelado por aquela norma.

7. Crime Putativo

Tentativa Impossível Crime Putativo

Falta a inidoneidade dos meios ou o

objeto essencial à consumação do

crime, estando o agente convencido que

eles existem, ou seja que há objeto e que

os meios são idóneos

O agente julga que o facto que pratica é

crime, quando tal não esta previsto na lei

como tal e não estando previsto na lei

não pode evidentemente ser punível o

facto.

8. Punibilidade da Tentativa e dos Atos de Execução

A punibilidade da tentativa exige uma certa gravidade do crime consumado

correspondente – art. 23º/3 (a tentativa só é punível se ao crime consumado respetivo

corresponder uma pena superior a 3anos de prisão).

A pena aplicável à tentativa é a pena aplicável ao crime consumado, especialmente

atenuada a pena da tentativa é determinada em função da pena que seria

aplicável ao crime consumado, mas especialmente atenuada.

Page 101: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 101

Nos crimes em que há condição objetiva de punibilidade, pode existir tentativa, mas

não há punibilidade dessa tentativa quando não ocorrer a condição.

A impunidade da tentativa não se estende ao atos de execução que sejam

autonomamente puníveis.

9. Fundamento da Punição da Tentativa

O fundamento político-criminal da punibilidade da tentativa reside na necessidade de

prevenir a colocação em perigo dos bens jurídicos penalmente tutelados.

Doutrina Subjetivista: pretendem fundamentar a pratica da tentativa na

vontade criminosa do agente, vontade orientada para a pratica de um crime,

sendo que os atos efetivamente praticados são apenas a revelação exterior

dessa vontade criminosa, mas esses atos são relegados para um segundo

plano.

Doutrina Objetivista: vêm a essência da punibilidade da tentativa no risco ou

perigo efetivamente sofrido pelo bem jurídico, perigo que, naturalmente, é

qualitativamente menor do que no caso de consumação.

Prof. Germano Marques da Silva: as duas teorias são extremas, sendo necessário

conjugá-las.

10. Valoração Político-Criminal da Tentativa Inidónea e do Crime Impossível

Tentativa Idónea Tentativa Inidónea

Exige um inicio de execução

objetivamente valorável como

tendencialmente orientado ao resultado

Não se exige o princípio da execução

coerente com o resultado pretendido,

mas tão-so o propósito do autor que

obviamente não pode alcançar, seja

pelo inidoneidade do meio, seja pela

inexistência do objeto.

Partindo do princípio de que em todo o facto punível concorre ou deve cocorrer o

desvalor da ação e o desvalor do resultado, na tentativa idónea há-de haver também

necessariamente desvalor da ação e desvalor do resultado, embora o desvalor do

resultado não seja o resultado do crime consumado.

Para que possa falar-se em desvalor da ação na tentativa inidónea é necessário que

o agente tenha decidido violar um bem jurídico tutelado através de uma ação que

não seja absolutamente alheia ao tipo.

Tanto a tentativa absolutamente inidónea como o crime impossível constituem casos

de falta de desvalor do resultado total desconexão com a ação típica e por isso

essas ações são irrelevantes para o DP.

11. A Desistência e o Arrependimento na Parte Especial do CP

HÁ desistências que têm como efeito a impunidade (art. 271º) e desistências que têm

por efeito apenas a atenuação especial da pena (art. 286º, 345º e 206º).

Page 102: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 102

Capítulo VI – Os Agentes do Crime e da Vítima

I – Introdução

Crimes Monossubjectivos Crimes de Participação

Necessária/Plurissubjectivos

Participação de vários agentes é

eventual, facultativa (crimes de

participação facultativa), sendo previstos

na lei como crimes praticados por uma só

pessoa, mas que eventualmente podem

ser praticados em comparticipação

É essencial a participação de varias

pessoas; não podem ser praticados por

qualquer pessoa

Nos crimes Monossubjectivos, o autor singular é aquele que esta definido na norma

incriminadora de cada espécie de crime e comparticipantes os demais agentes que

participam no crime,

Comparticipação: facto em que vários agentes colaboram; é como que um facto

complexo, constituído por uma pluralidade de ações ou factos individuais.

Participação: facto ou ação individual de cada agente, de cada comparticipante,

que se insere no facto ou na ação coletiva; facto individual, o modo como cada

comparticipante participa na obra comum.

▲ CP nunca se refere a participação, mas apenas a comparticipação e

comparticipante. Parte importante da doutrina reserva o termo participante para

designar a responsabilidade acessória (cúmplices, instigadores), distinguindo-se os

participantes dos autores e co-autores.

II – A Comparticipação Criminosa

1. A Comparticipação Criminosa

Comparticipação Criminosa: intervenção de uma pluralidade de agentes na pratica

do mesmo crime.

Necessária: crimes de participação necessária ou Plurissubjectivos

Eventual: crimes Monossubjectivos (a que será analisada!)

A atividade de todos os agentes deve dirigir-se objetivamente à realização de um

facto previsto como crime.

Princípio da Imputação Objetiva Recíproca: a cada um dos comparticipantes é

imputada a totalidade do facto típico, independentemente da concreta atividade

que cada um dos participantes haja realizado. Os atos realizados por cada um dos

comparticipantes em conformidade com o plano previsto são imputados a todos os

demais, sem prejuízo do princípio da culpabilidade.

Ilicitude da Comparticipação: o facto é ilícito quando o seu fim objetivo se dirige à

produção da lesão ou do perigo de lesão do bem jurídico tutelado pela norma.

Page 103: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 103

Considera-se a comunicabilidade da ilicitude material a todos os agentes, como a

mesma comunicabilidade se estende às circunstâncias relativas ao facto ilícito.

Culpa na Comparticipação (art. 29º): confluência das ações de todos os participantes

na realização do mesmo facto, independentemente da identidade negligenciada

culpa de todos os comparticipantes. A participação de cada agente inserida na

comparticipação de todos os agente é que é criminosa, e não a comparticipação.

2. Excurso sobre a comparticipação nos crimes negligentes

Nos crimes negligentes de ação pode haver comparticipação, com exceção dos

casos de instigador ou de cúmplice:

Autoria Mediata (negligente): o autor pratica o facto através de terceiro, que

age sem culpa, como mero instrumento do autor. É este atuar por intermedio

de terceiro que pode também ser negligente. O autor que pratica um

determinado facto por intermédio do agente instrumento e, porque não age

com cuidado que era devido e de que era capaz acaba por perpetrar um

facto ilícito.

Ex: o administrador ordena a um trabalhador que proceda a uma

determinada mistura de ingredientes para produzir um determinado género

alimentício, mas erra na determinação das quantidades na formula do

produto. O trabalhador não tem consciência do erro da formula nem com

toda a diligencia seria capaz de descobrir o erro. O administrador responde

eventualmente verificando-se os elementos do tipo do crime como autor

mediato por negligência.

Co-Autoria (negligente): duas pessoas podem acordar na pratica de

determinado facto, mas porque ambos não tomaram o cuidado

objetivamente devido para evitarem a realização de um facto típico,

podendo faze-lo, ambos responderão como coautores do crime efetivamente

cometido em resultado da atuação concertada de ambos.

Ex: (mesma hipótese que a anterior para com uma leve nuance): na

elaboração na formula participaram por acordo o representante da empresa

e o trabalhador, ambos violando o dever objetivo de cuidado e preenchendo

os demais elementos do tipo incriminador – respondem ambos como co-

autores por negligencia.

Co-autorias paralelas: cada um dos agentes, ainda que concorrendo para a

lesão do mesmo bem jurídico, lesão que só ocorre em razão da concorrência

dos comportamentos, não obstante autónomos, preenchendo, assim, cada

um o tipo do comportamento negligente.

Problema da imputação objetiva do evento, quando o crime é definido em

função do evento os agentes cada um violando o seu dever objetivo de

cuidado, são a concausa da ocorrência do evento que caracteriza o crime.

Page 104: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 104

Autoria Paralela: realização do mesmo facto ilícito, concorrendo as condutas

dos diversos agentes para a realização do facto, independentemente da

identidade de condutas; as condutas conjugam-se para a realização do facto

ilícito. No conjunto os diversos agentes violaram o comportamento devido,

podendo fazê-lo, sendo que da conjugação das condutas resultou a

realização do facto.

Ex: ocorre um acidente de trabalho em que o administrador ou representante

da empresa elaborou um plano de segurança insuficiente. Um trabalhador,

atuando também com falta de cuidado acaba por realizar com a sua

conduta um facto típico, causando a morte de um outro trabalhador. A morte

deste trabalhador pode ser imputada quer ao agente que elaborou o plano e

segurança defeituoso, quer ao trabalhador que imediatamente provocou a

morte do companheiro, se se puder imputar as deficiências do plano o evento

realizado, ou seja, se se verificar que se o plano tivesse sido elaborado como

devia o evento não teria acontecido.

3. Desistência na Comparticipação (art. 25º)

Nos termos do art. 25º, não se esta face a um caso de tentativa inacabada, mas sim

de arrependimento ativo.

Se o ato criminoso é obra de todos os comparticipantes, independentemente da

parte que cada um realiza objetivamente, a desistência de um deles, sem a

desistência dos demais, evitando a prossecução e a consumação do crime, não

aproveita ao desistente, porque o crime em que toma parte prossegue.

Só o arrependimento ativo merece o premio de impunidade, porque só este acarreta

o resultado que justifica a impunidade da tentativa na desistência voluntária.

O art. 25º omite qualquer referencia à desistência de prosseguir na execução do

crime, pressupondo que o crime prossegue por obra dos demais participantes

simples desistência de um dos comparticipantes é irrelevante. Apenas importa que

impeça a consumação do crime ou que se esforce seriamente para o impedir.

4. Comparticipação nos Crimes Próprios

Crimes Próprios: aqueles em que é elemento essencial do tipo de ilícito a qualidade ou

a relação pessoal do agente.

O facto objetivamente ilícito é obra comum dos agentes e, desde que se verifique a

qualificação de qualquer dos comparticipantes, será imputado a todos. Basta que

seja intraneus qualquer dos agentes para que todos sejam puníveis (desde que

tenham consciência disso).

Regra: comunicabilidade aos comparticipantes das qualidades ou das relações

pessoas de um dos comparticipantes de que depende a ilicitude ou o grau de ilicitude

do facto.

Page 105: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 105

Exceção (‘’exceto se outra for a intenção da norma incriminadora’’, art. 28º/1 in fine):

crimes de mão própria - crimes que só podem ser praticados pela própria pessoa. O

Prof. Eduardo Correia não concorda, admitindo que estes crimes não impedem a

comparticipação.

Nos termos do art. 28º/2, sempre que, por efeito da transmissibilidade das

circunstâncias (qualidades ou relações pessoais do agente), resultar para algum dos

comparticipantes a aplicação de pena mais grave, pode esta, consideradas as

circunstâncias do aso, ser substituída por aquela que teria lugar se tal regra não

interviesse (art. 28º/1).

5. As Qualidades e as Relações Especiais (art. 12º)

O art. 12º visa estabelecer a responsabilidade daqueles que agem em representação

de outrem, sejam ou não exigidas determinadas condições do tipo incriminador para

o agente do crime, desde que elas se verifiquem na pessoa do representado.

Al. a): crimes próprios (o respetivo tipo de crime exige elementos essenciais)

a exigência de determinados elementos pessoais no agente corresponde às

qualidades ou relações pessoais referidas no art. 28º. A lei visa, não obstante os

elementos pessoais que são essenciais ao crime não se verificarem no

representante, que este seja responsável penalmente pelos seus atos. Aplica-se

mesmo aos casos em que não exista comparticipação.

Al. b): considera o agente do crime que o pratica no interesse do

representado, embora a norma incriminadora exija que o facto seja praticado

no seu próprio interesse. Existe a equiparação do fim subjetivo exigido pela

incriminação (interesse pessoal do agente) a um fim subjetivo que seja o

interesse do representando.

Nº2: o titulo da representação, valido ou invalido, é bastante para

fundamentar a extensão da punibilidade que o art. 12º estabelece.

III – Participação na Comparticipação: Autoria e Cumplicidade

Autores Cúmplices

Art. 26º os que realizam a ação típica,

direta ou indiretamente, isto é,

pessoalmente ou através de terceiros

(dão-lhe causa)

Art. 27º aqueles que não realizando a

ação típica nem lhe dando causa

ajudam os autores a praticá-la.

▲ se durante a execução do plano a que todos aderiram, algum ou alguns dos

comparticipantes praticar facto ilícito que não fora acordado entre todos, não

estando esse facto sequer ligado à execução ou não sendo necessário ou adequado

à obtenção do resultado pretendido a responsabilidade pelo ato é so de quem o

cometeu (≠ se o ato era necessário e adequado à obtenção do resultado pretendido

todos respondem)

Page 106: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 106

1. A Autoria

1.1. Teorias para a determinação do conceito de autor

A doutrina aponta dois caminhos para a determinação do conceito de autor:

Conceito Unitário de Autor: é autor qualquer pessoa que coopere de algum

modo no facto, sem se proceder a qualquer distinção sobre a natureza da

contribuição de cada um dos intervenientes, comparticipantes.

Teoria Unitária do Autor: são autores todos os intervenientes que

contribuam de algum modo para a pratica do crime,

independentemente da importância da sua colaboração

fundamento na Teoria da Equivalência das Condições, considerando

que o crime é uma obra de todos os que nele comparticipam pelo que

todos devem ser punidos por igual.

Teorias Diferenciadas: Distinguem-se várias formas de intervenção segundo a

importância e o grau de intervenção das contribuições dadas pelos diversos

comparticipantes. Diferencia-se o autor dos demais participantes atribuindo ao

autor a figura central do ato.

Teorias Subjetiva: considera-se que é autor o agente que atue com

animus auctoris e participante o que com age com o animus socii. Tem

como fundamento a teoria da equivalência das condições,

entendendo não ser possível distinguir os diferentes participantes no

plano objetivo mas apenas no plano subjetivo.

Subteoria do Dolo: a distinção entre autores e participantes

reside em que o autor não reconhece outra vontade superior à

sua, enquanto que o participante deixa ao critério do autor se o

facto vai ou não consumar-se.

Teoria do Interesse: enquanto o autor persegue um interesse

próprio (quer o facto como seu), o participante realiza um

interesse do autor. Critica: violação do principio da legalidade,

pois os tipos penais incriminadores descrevem o comportamento

do autor objetivamente não podendo ser ultrapassados ou

corrigidos pelo animus do agente interveniente.

Teoria Objetiva: considera como autor o agente que executa

pessoalmente, total ou parcialmente, o facto típico, sendo

participantes os que não tomam parte da execução material do crime,

embora contribuam para a perpetração do facto típico.

Page 107: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 107

Teoria do Domínio do Facto: o autor é a figura central, manifestando-se

tal centralidade pelo domínio da própria ação típica. A autoria

pressupõe uma relação de pertença:

1ª executor material individual

2º autor mediato, a quem se pode imputar o facto por ser o

agente que lhe dá causa, dominando a vontade do executor

3º casos de co-autoria, existindo o domínio funcional, um

domínio condicionado ao agir dos outros mas em que cada um

depende do outro para a realização do plano global.

1.2. Autoria no CP (art. 26º)

Art. 26º, 1ªparte (‘’quem executa facto por si mesmo’’) autor singular, o agente atua

sozinha, pelo que só se fala em autoria (o facto é todo da responsabilidade do

agente).

2. Autores Materiais

Autores materiais: aqueles que executam, realizam, no todo ou em parte, o facto

típico; aqueles que executam e os que participam na execução do crime.

Co-Autor Material: cada um dos executantes quando o facto é realizado por mais do

que uma pessoa.

Modalidades de Autor Material

‘’quem executa o facto por si mesmo’’: autor singular ou comparticipante

(quando os outros comparticipantes sejam autores morais ou cúmplices).

‘’toma parte direta na execução, por acordo ou juntamente com outro ou

outros’’ (co-autor material): esta cooperação na execução do crime pode

resultar de acordo ou não, mas é necessário que os comparticipantes tenham

consciência que cooperam em ação comum.

Se faltar a consciência de cooperação na ação comum e cada um

age por si, não há comparticipação, mas autoria colateral/co-autoria

paralela.

Na autoria colateral ou paralela não há consciência de cada um dos

agentes de cooperarem na ação comum.

3. Autores Morais

Autor Moral: quem causa a realização de um crime utilizando ou fazendo atuar

outrem por si

Instigadores (Prof. Teresa Beleza considera que são participantes): quem

dolosamente determinar outra pessoa à prática do facto, desde que não haja

execução ou começo de execução. Ou seja, o agente determina outra

Page 108: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 108

pessoa à pratica fo facto, o que acontece quando alguém consegue criar em

outra pessoa a decisão firme de querer praticar o crime.

Autores mediatos: quem executa o facto por intermédio de outem.

4. Cumplicidade (art. 27º)

Cumplicidade: forma de participação secundária na comparticipação criminosa,

secundaria, num duplo sentido:

Dependência da execução do crime ou começo de execução

Menor gravidade objetiva, na medida em que não é determinante na pratica

do crime (crime seria sempre realizado, embora eventualmente em modo,

tempo, lugar, circunstâncias diferentes).

Quando se diz que a cumplicidade não é determinante na prática do crime significa

que ela traduz-se num mero auxilio, não sendo determinante da vontade dos autores

nem participa na execução do crime, mas é sempre auxilio à pratica do crime e nessa

medida contribui para a pratica do crime, é uma concausa do crime.

Cumplicidade Material: auxilio material prestado por qualquer forma à pratica por

outrem de um facto doloso o cúmplice material presta auxilio que, embora útil, na

preparação ou facilitação do crime, é dispensável no sentido de o executor, na sua

falta, posto que com mais dificuldade, poderia ainda levar a cabo a empresa

criminosa.

Cumplicidade Moral: auxilio moral, equivalente ao conselho ou instigação de outrem

que não constitua autoria moral, ou seja que não determine à pratica do facto

fortalecimento da determinação do executor, que já estava formulada, ou o incentivo

ao empreendimento resolvido dando ao autor material conselhos úteis para levar a

cabo a execução.

Aulas Práticas; Comparticipação

Comparticipação: pluralidade de agentes a praticar o facto

Prof. Germano Marques da Silva: não é a tese maioritária

Prof. Figueiredo Dias: tese intermédia

Prof. Teresa Beleza: tese maioritária

Efeitos da Comparticipação

Imputação Objectiva reciproca: todos são responsáveis pelo todo (se assim

não fosse, nenhum respondia pelo crime existindo apenas tentativa). Ex: A dá

uma dose de veneno a B, e C dá outra dose de veneno a B. As duas doses

juntas matam B, mas cada uma isoladamente não.

Regime Especial em termos de arrependimento activo (‘’esforço sério’’ em

evitar o resultado). Só se aplicar o art. 25º quando o autor é o participante;

havendo só um autor aplica-se o art. 24º e não o art. 25º.

Page 109: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 109

Regime do art. 28º

Comparticipantes (art. 26º e 27º) quem é o autor? A doutrina diverge desde sempre,

uma vez que o legislador no art. 26 adopta uma postura neutra ‘’Autoria’’

Autor Imediato: quem pratica os actos de execução

Instrumento/Executor/Autor Mediado

Pedir a inimputável

Instrumento está em erro (art. 16º): autor cria/mantém o erro

O agente é coagido fisicamente (não há vontade) ou moralmente (vontade

não é formada livremente causa de exculpação)

Erro do art. 17º (instrumento não é punido ou sendo-o é a título de negligência)

Organização de poder: pessoas da base tinha dolo

↳ havia a ideia de que não podia haver instigação em cadeia: tal levava a

que as pessoas do tipo nunca fossem punidos, sendo-o só os

instigadores/instigados. Ao considerarmos as pessoas numa base fungível

podemos ir subindo na cadeia de poder.

Co-Autor: têm de saber que estão a trabalhar juntos (conspiração bilateral de

cooperação)

Instigador: cria o dolo de instigação, só respondendo se praticar actos de execução;

basta o dolo para a instigação estar perfeita.

Cúmplice: actuação secundária, aconteceria mesmo sem a sua participação

participante, não é autor.

Prof. Germano Marques da Silva: Teoria da Causalidade quem tem uma actuação

essencial para a pratica do acto é o autor e não o cúmplice

Deste modo, segundo o Prof. a Comparticipação desdobra-se no seguinte esquema:

Autores (causa essencial)

Materiais

Autor Imediato

Co-Autor

Morais

Autor Mediato

Instigador

Participante Secundário (facilitam)

Cúmplice

Problema da Teoria da Causalidade: insuficiente. Ex: A quer matar B, e para tal dirige-

se a uma farmácia, diz ao farmacêutico todos os planos de assassinato que pretende

executar em B, e pede-lhe o veneno. Mais tarde, B vem a morrer.

Page 110: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 110

Numa grande cidade, o farmacêutico seria cúmplice (A poderia dirigir-se a

qualquer outra farmácia, visto que numa cidade grande existem imensas)

Numa pequena cidade, sendo aquele o único farmacêutico, tal seria autor,

uma vez que existe o domínio do facto (dependentemente da venda ou não

estava condicionada a vida de B).

O problema assenta no facto em que tanto numa grande ou numa pequena cidade,

a vontade do farmacêutico será sempre igual.

Prof. Teresa Beleza: a comparticipação assenta no seguinte esquema:

Autores (domínio do facto)

Autor Imediato: domínio da acção

Autor Mediato: domínio da vontade

Co-Autor: domínio funcional (divisão de funções)

Participantes (acessoriedade)

Instigador (não tem dolo no facto e tem vontade própria)

Cúmplice

O Prof. Figueiredo Dias diverge desta teoria, apenas no facto de considerar o

Instigador como Autor, considerando que tal têm o domínio da decisão de praticar o

facto.

A Acessoriedade depende de certa quantidade e qualidade do facto pelo autor,

necessitando sempre de um acto de execução pelo autor. Existem algumas Teorias

acerca da Acessoriedade

Teoria Mínima: facto típico

Teoria Limitada: facto típico ilícito

Teoria Rigorosa: facto típico ilícito e culposo

Teoria Hiper: facto típico ilícito culposo e punível

O art. 29º do CP consagra a Teoria da Acessoriedade Mínima e Limitada: a lei apenas

fala em actos de execução que são típicos.

Art. 28º Código Penal

O art. 28º - comparticipação em crimes especiais (em ambos delimita-se o âmbito

subjectivo do crime – apenas pessoas indicadas na norma, pessoas com certas

qualidades)

Próprios: sempre que existe a incriminação daquela conduta para aquelas

pessoas, mas aquela conduta não é incriminada para a generalidade das

pessoas. Ex: peculato (só por funcionários públicos)

Impróprios: qualquer pessoa que pratique aquela conduta pratica um crime.

Tipo geral ou comum, dirigido à generalidade das pessoas, que prevê aquela

conduta como crime. Depois há uma determinada norma que o prevê em

relação da qualidade do agente. Ex: matar o pai – art. 132º (qualidade

especial – agente ser filho da vítima). Circunstância essencial é a qualidade

Page 111: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 111

das pessoas. Existe uma relação de especialidade. Existe uma norma geral (art.

131º) e uma norma especial (art. 132º).

Art. 28º/1: a qualidade do participante intraneus comunica ao participante extraneus

I – Co-autor intraneus + co-autor extraneus (art. 28º/1, 1ºparte) – alarga a noção de

sujeito. O extraneus só é punido se souber que o seu co-autor tem essa qualidade

(fundamento: art. 16º/1, 1ªparte – dolo de tipo)

II – Participante (instigador ou cúmplice) intraneus + autor extraneus (art. 28º/1, 1ª

parte): qualidade do participante comunica-se ao autor.

III – Participante intraneus + autor extraneus + participante extraneus (art. 28º/1, 1ªparte)

IV – autor mediato extraneus + instrumento intraneus (art. 28º/1, 1ªparte) – Duvida: há

comparticipação?

Se se entende que há comparticipação sempre que há uma pluralidade de

agentes a praticar o facto comunica-se a qualidade

Visão restrita: pressupondo a consciência bilateral de comparticipação – o

instrumento não tem consciência que esta a cooperar com o autor mediato –

questiona-se se existiria mesmo um caso de comparticipação.

V – Participante extraneus + autor intraneus

Prof. Germano Marques da Silva: art. 28º/1, 1ºparte – visão da causalidade

essencial

Visão da teoria do domínio do facto (acórdãos)

Art. 26º - autor

Art. 27º - cúmplice

Art. 28º/1: regra – comunicabilidade. Excepção: normalmente nos crimes de mão

própria (crime que pressupõe a utilização do próprio corpo do agente. Ex: infanticídio

só pela mãe (alteração hormonal pós parto); bigamia.

Pode haver um instigador ou um cúmplice nos crimes de mão própria? Não pode a

avo dizer à mãe da criança ‘’mata’’? Sim, mas não pode é haver co-autoria

Crimes de mão própria – pode haver participação.

Art. 28º/1: tipicidade indirecta.

Art. 28º/2: não trata de tipicidade, mas sim de punibilidade crimes especiais

impróprios (nunca aos próprios).

Caso de autoria num crime especial próprio, mas se não existisse a regra do

28º/1 como se resolvia o caso há luz da teoria do facto? Seria punido como

mero participante/cúmplice (art. 27º). Pena do cúmplice = pena do autor

atenuada.

Page 112: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 112

‘’pena mais grave’’ – confere-se ao juiz a possibilidade de aplicar uma pena menor,

mas terá sempre de punir (casos em que o juiz tem de decidir entre uma pena maior

devido à comunicabilidade e do outro lado esta não punir)

Prof. Teresa Beleza: art. 28º/2 também se aplica aos crimes próprios, mas o que esta

em causa é saber se é punível como autor ou cúmplice.

Nota: devido à complexidade da matéria da comparticipação, remete-se o seu

estudo para o Manual do Prof. Figueiredo Dias e para a Prof. Teresa Beleza.

Capítulo VII – Concurso de Crimes e Crime Continuado

I – Concurso de Crimes

1. Preliminar

Concurso de Agentes: várias pessoas praticam um crime.

Concurso de Crimes: uma só pessoa comete dois ou mais crimes.

2. Concurso de Crimes. Conceito

Concurso de Crimes (art. 30º)

Homogéneo: vários crimes – crimes que correspondem ao mesmo tipo legal,

violação plúrima do mesmo tipo de crime.

Heterogéneo: vários crimes - crimes que correspondem a diferentes tipos legais,

violação plúrima de vários tipos de crime

Concurso de Crimes ≠ Concurso (aparente) de normas: unidade do facto e a

pluralidade de normas potencialmente aplicáveis, mas o facto constitui um só crime.

Concurso de Crimes ≠ Concurso de Penas (art. 77º a 79º): quando em razão da pratica

de vários crimes pelo agente ou de um só crime continuado, as referidas disposições

legais estabelecem que lhe será aplicável uma só pena principal e as regras para a

formação dessa pena.

3. Concurso de Crimes Real e Concurso Ideal; Concurso Homogéneo e Concurso

Heterogéneo

Concurso Real: o agente comete mais de um crime mediante duas ou mais ações. Ex:

hoje furta e amanha mata uma pessoa (dois crimes)

Concurso Ideal/Formal: com a mesma conduta, em sentido amplo, o agente produz

mais do que um evento. Ex: com um só tito mata duas pessoas; com um só tiro destrói

uma montra e mata ou gere uma pessoa.

Concurso pode ser:

Homogéneo: os crimes cometidos são idênticos, da mesma espécie – a mesma

espécie de crime é perpetrado duas ou mais vezes pela conduta do agente.

Page 113: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 113

Heterogéneo: os crimes cometidos são de espécie diferente – duas ou mais

espécies de crime são efetivamente cometidos.

4. Vontade nos Crimes em Concurso

A Vontade deve abranger todos e cada um dos crimes em concurso e cada um só

será subjetivamente imputável ao agente se for doloso ou culposo e na forma em que

o for.

5. Concurso de Crimes e Reincidência. Regra Geral da Punição do Concurso e da

Reincidência

Reincidência: repetição de crimes dolos. Nos termos do art. 75º/1, é punido como

reincidente quem cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva a

6mses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena

efetiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias

do caso concreto, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações

anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

Concurso (art. 77º): pratica de vários crimes antes de transitar em julgado a

condenação por qualquer deles. Ou seja, ate ao transito em julgado da condenação

por qualquer crime, se o agente praticou vários crimes antes, há acumulação, mas

não há acumulação relativamente a crimes cometidos e julgados com transito em

julgado e crimes cometidos posteriormente. Na hipótese de crimes cometidos

posteriormente a outros julgados com trânsito há ou pode haver, se se verificarem os

respetivos pressupostos, reincidência.

Ex: X cometeu 3 crimes:

Crime A – 1994

Crime B – 1995

Crime C – 1997

Em 1996 – julgado e condenado com transito em julgado pelo crime B. EM 1998 –

julgado pelos crimes A e C crime C, concurso ou reincidência?

Crime C – o agente é condenado como reincidente, se se verificarem os

respetivos pressuposto.

Crime A - terão de se aplicar as regras da punição do concurso com o crime B,

independentemente da data que é julgado.

Regra quanto à punição da pluralidade de crimes: cúmulo jurídico (art. 77º/2, 3, 4).

Art. 76º/1: reincidência constitui uma circunstância modificativa geral que tem como

efeito o agravamento do limite mínimo da pena aplicável ao crime.

▲ se a reincidência pressupõe o caso julgado anterior e por isso com ele, em regra,

não há que formular o cumulo jurídico de penas em razão do concurso de crimes. Pelo

contrario, em relação ao crime(s) cometidos anteriormente à condenação mas ainda

não julgados, como é o caso do crime A com o crime B, dado que o crime A foi

perpetrado antes de julgado o Crime B O concurso verifica-se entre os Crimes A e B.

Em relação ao Crime C haverá ou não reincidência, conforme ocorram ou não os

Page 114: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 114

respetivos pressupostos, com o crime B julgado com transito antes da pratica do Crime

C.

II – Crime Continuado

1. Características Gerais do Crime Continuado

O conceito de crime continuado provoca grandes divergências na doutrina, mas

existem características inegáveis:

Pluralidade de ações que constituem o corpus de uma pluralidade de crimes,

tantos quantas ações, mas a lei unifica e trata como um crime só.

2. Crime continuado, crime permanente, tendência criminosa, crime habitual,

crime complexo e concurso de crimes

Crime Permanente: quando a consumação se protrai no tempo, dependente da

vontade do sujeito ativo o pôr-lhe termo com um ato de sentido contrario para que o

crime não prossiga. Ex: sequestro, rapto, tomada de reféns.

Crime Continuado: repetição de atos, mas que entre cada um medeia um interregno

temporal.

Alimenta utilizava uma imagem gráfica muito expressiva:

Crime instantâneo é comparado com um ponto (.)

Crime continuado exige para a realização uma linha de pontos (…)

Crime permanente exige uma linha ininterrupta (-----)

Delinquência por Tendência: mantém-se autónomos os crimes praticados e a sua

reiteração apenas tem como efeito que a pena a aplicar em último lugar seja uma

pena relativamente indeterminada.

Crime Habitual: exige uma multiplicidade de atos, de modo a revelarem uma certa

habituação por parte do agente, sem que, porem, nenhum deles constitua o crime

habitual, pois este é constituído precisamente pela reiteração desses atos, pela

persistência na atuação criminosa, reiteração que revela uma tendência ou habito de

vontade. Ex: aborto habitual nuns casos pode éter como efeito a agravação da

pena aplicável, e noutros é elemento constitutivo do próprio crime.

Nos Crimes Complexos e Crimes Continuados, a unidade do crime pode ser criada

diretamente pela própria lei.

Crimes Complexos: fusão de mais de um tipo. Ex: roubo (ofensa corporal ou a ameaça

contra a pessoa e a subtração de cisa alheia). São em geral crimes pluriofensivos por

lesarem ou exporem a perigo de lesão mais de um bem jurídico tutelado. Ex. roubo

(ao mesmo tempo que se atinge o património (subtração de coisa alheia) também se

atinge a liberdade individual (constrangimento).

Page 115: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 115

Crime Complexo Crime Continuado

As distintas ações ou partes

componentes da ação que se integram

no tipo são constitutivas cada uma

delas de um tipo de crime de espécie

diferente que dá origem a um novo tipo

de crime

diversas ações são homogéneas e

representam a ofensa de um mesmo

tipo de crime ou de vários tipos de crime

que fundamentalmente protegem o

mesmo bem jurídico, mas não dão

origem a um novo tipo autónomo de

crime, são apenas tratadas em conjunto

para efeito de punição.

As ações devem ser simultâneas ou

pelo menos contemporâneas

Em regra, há um interregno temporal

entre as sucessivas ações.

Crime Continuado distingue-se do concurso real de crimes porque:

Unidade do bem jurídico protegido

Execução por forma essencialmente homogénea

Diminuição considerável da culpa em razão de uma mesma situação

exterior.

3. Natureza jurídica do crime continuado

Teorias acerca da natureza do crime continuado:

Teoria da Unidade Natural ou Real: não obstante a pluralidade de factos e de

violações jurídicas, o crime continuado constitui um ato criminoso único. Todos

os factos ainda que praticados em momentos distintos e obedecendo a

resolução criminosas diversas constituem uma só conduta típica.

Teoria da Ficção Jurídica: existência da unidade, mas considera que tal não é

substancial, mas provem da vontade do legislador

Teoria da realidade jurídica ou mista: nega a unidade ou pluralidade de

violação do bem jurídico, vendo antes um terceiro crime; o crime continuado

não seria nem um crime único nem um concurso de crimes, mas um conceito

sui genrir.

Crime de Execução Sucessiva: um só crime, que resulta da insistência na sua

execução, por sucessivas ações dirigidas à produção do evento.

Crime de Execução Reiterada: um só crime, mas em que as diversas condutas que o

integram realizam parcialmente, e não totalmente a execução e a produção de

evento parcial do crime.

Quer no crime de execução sucessiva quer no crime de execução reiterada existe

unidade da resolução criminosa, ao contrario que acontece no crime continuado e

no concurso real de crimes em ambos há varias resoluções.

Page 116: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 116

4. Crime Continuado no CP (art. 30º/2)

Art. 30º/2:

Na base do crime continuado existe um concurso de crimes: realização plúrima

do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime , unificados pela lei por

efeitos putativos, em atenção à identidade do bem jurídico protegido, à

homogeneidade da execução e à diminuição considerável da culpa no caso

concreto.

No crime continuado existem tantas resoluções criminosas quanto as condutas

que o integram, de tal modo que cada conduta parcelar constitui

materialmente um crime autónomo, apenas unificado para efeitos punitivos e

de sorte que a não verificação de um dos pressupostos que determinam a

unificação se verificara uma pluralidade de crimes em concurso real.

4.1. Elementos Constitutivos do Crime Continuado

Realização Plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime

Pluralidade de condutas típicas, de ações ou omissões típicas, que não fora o regime

especial do crime continuado seriam tratadas nos quadros das pluralidades das

infrações, ou seja cada uma constituiria um facto típico.

As condutas podem ser tipicamente diversas, ou seja corresponder a diversos tipos

incriminadores.

Identidade do Bem Jurídico Protegido

Bem jurídico protegido pelo tipo ou tipos plurimamente realizados deve ser

fundamentalmente o mesmo: quando forem diversos os tipos incriminadores

preenchidos com as varias condutas do agente todos hão-de proteger

essencialmente o mesmo interesse.

▲ art. 30º/3

Homogeneidade da Execução

Prof. Eduardo Correia: é impossível fixar com rigor onde começa e acaba tal

homogeneidade, sendo diferente de caso para caso. Não será preciso determiná-lo

com tanto rigor, sendo a sua determinação praticamente indiferente, quando as

diversas atividades preencherem o mesmo tipo de delito. Contudo, deverá tentar-se

fixá-la com maior precisão quando forem realizados vários tipos criminais referidos ao

mesmo bem jurídico fundamental.

Diminuição considerável da culpa no caso concreto

Prof. Eduardo Correia: pressuposto da continuação criminosa será a existência e uma

relação que de fora e de maneira considerável, facilitou a repetição da atividade

criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira

diferente.

Page 117: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 117

Fundamento do art. 30º/2 reside essencialmente na diminuição da culpa do agente

em virtude da facilidade criada por determinadas circunstancias exteriores para a

pratica de novos atos da mesma natureza.

Ter-se criado, através da primeira atividade criminosa, uma certa relação, um

acordo entre os sujeitos.

Circunstância de voltar a verificar-se uma oportunidade favorável à pratica do

crime, que já foi aprovada ou que arrastou o agente para a primeira conduta

criminosa. Ex: quando descobriu uma porta falsa que dá acesso a uma casa e

que se aproveitou varias vezes para furtar objetos la depositados.

Circunstancias de perduração do meio apto para realizar um crime, que se

criou ou adquiriu com vista a executar a primeira conduta criminosa. Ex:

moedeiro falso que, tendo adquirido ou construído a aparelhagem destinada

a fabricar notas, se vê sempre solicitado a utiliza-la.

Circunstância do agente, depois de executar a resolução que tomara, verifica

que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da sua atividade

criminosa. Ex: ladrão que entra num quarto e furta uma joia e verificando

depois que la se encontra dinheiro apropria-se dele.

▲ art. 71º do CP brasileiro, ao definir crime continuado, refere-se à pratica de dois ou

mais crimes da mesma espécie devendo os subsequentes ser havidos como

continuação do primeiro.

Prof. Germano Marques da Silva: embora este elemento não conste do CP português,

é um elemento essencial, resultando de se exigir tantas resoluções criminosas quantos

os tipos preenchidos (o que afasta o crime unitário), e que o agente tenha agido num

único contexto ou em situações que se repetem ao longo de uma relação que se

prolonga no tempo.

5. Punição do Crime Continuado

Nos termos do art. 79º, o crime continuado é punido com a pena aplicável ao crime

mais grave que integra a continuação criminosa aos vários crimes que integram o

crime continuado é aplicável em conjunto uma única pena e essa é a que seria

aplicável a só um deles se todos fossem puníveis com a mesma pena ou ao mais

grave, segundo as penas aplicáveis diferentes.

Ou seja:

O Tribunal terá de determinar qual a pena aplicável a cada uma das condutas

unificadas na continuação criminosa e determinar depois a pena concreta

dentro dos limites da pena aplicável.

na determinação concreta da pena a aplicar ao agente do crime

continuado, o tribunal terá de ponderar as varias circunstancias do crime (art.

71º) e entre elas as circunstâncias do crime continuado ser integrado por

repetidas violações do mesmo bem jurídico, o que naturalmente agravará o

grau de ilicitude.

Page 118: Teoria Geral Do Crime e Da Pena - Apontamentos

TEORIA GERAL DO CRIME E DA PENA FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Page 118

Nota: se depois de uma condenação transitada em julgado, for conhecida

uma conduta mais grave que integre a continuação, a pena que lhe for

aplicável substituiu a anterior.