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Informativo 843-STF (24/10/2016) Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Márcio André Lopes Cavalcante Processo não comentado pelo fato de o julgamento não ter sido concluído: RE 593849/MG ÍNDICE DIREITO PENAL LEI DE DROGAS Regime inicial para condenado não reincidente a pena de até 4 anos com circunstâncias judiciais favoráveis. DIREITO PROCESSUAL PENAL BUSCA E APREENSÃO Em regra, a busca em veículo é equiparada à busca pessoal e não precisa de mandado judicial para a sua realização. DIREITO TRIBUTÁRIO ICMS Incide ICMS sobre a tarifa de assinatura básica mensal de telefonia. DIREITO PENAL LEI DE DROGAS Regime inicial para condenado não reincidente a pena de até 4 anos com circunstâncias judiciais favoráveis Se o réu, não reincidente, for condenado, por tráfico de drogas, a pena de até 4 anos, e se as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP forem positivas (favoráveis), o juiz deverá fixar o regime aberto e deverá conceder a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, preenchidos os requisitos do art. 44 do CP. A gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para justificar a fixação do regime mais gravoso. STF. 1ª Turma. HC 129714/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11/10/2016 (Info 843). STF. 1ª Turma. HC 130411/SP, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 12/4/2016 (Info 821). STF. 2ª Turma. HC 133028/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 12/4/2016 (Info 821). Regimes prisionais Existem três regimes penitenciários: FECHADO SEMIABERTO ABERTO Pena cumprida em estabelecimento de segurança máxima ou média. Pena cumprida em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. Pena cumprida em casa de albergado ou estabelecimento adequado.

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Informativo 843-STF (24/10/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Márcio André Lopes Cavalcante Processo não comentado pelo fato de o julgamento não ter sido concluído: RE 593849/MG

ÍNDICE DIREITO PENAL

LEI DE DROGAS Regime inicial para condenado não reincidente a pena de até 4 anos com circunstâncias judiciais favoráveis.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

BUSCA E APREENSÃO Em regra, a busca em veículo é equiparada à busca pessoal e não precisa de mandado judicial para a sua

realização.

DIREITO TRIBUTÁRIO

ICMS Incide ICMS sobre a tarifa de assinatura básica mensal de telefonia.

DIREITO PENAL

LEI DE DROGAS Regime inicial para condenado não reincidente a pena de até 4 anos

com circunstâncias judiciais favoráveis

Se o réu, não reincidente, for condenado, por tráfico de drogas, a pena de até 4 anos, e se as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP forem positivas (favoráveis), o juiz deverá fixar o regime aberto e deverá conceder a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, preenchidos os requisitos do art. 44 do CP.

A gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para justificar a fixação do regime mais gravoso.

STF. 1ª Turma. HC 129714/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11/10/2016 (Info 843).

STF. 1ª Turma. HC 130411/SP, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 12/4/2016 (Info 821).

STF. 2ª Turma. HC 133028/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 12/4/2016 (Info 821).

Regimes prisionais Existem três regimes penitenciários:

FECHADO SEMIABERTO ABERTO

Pena cumprida em estabelecimento de segurança máxima ou média.

Pena cumprida em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar.

Pena cumprida em casa de albergado ou estabelecimento adequado.

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Fixação do regime inicial O juiz, ao prolatar a sentença condenatória, deverá fixar o regime no qual o condenado iniciará o cumprimento da pena privativa de liberdade. A isso se dá o nome de fixação do regime inicial. Os critérios para essa fixação estão previstos no art. 33 do Código Penal. O que o juiz deve observar na fixação do regime inicial? O juiz, quando vai fixar o regime inicial do cumprimento da pena privativa de liberdade, deve observar quatro fatores: 1) o tipo de pena aplicada: se reclusão ou detenção; 2) o quantum da pena definitiva; 3) se o condenado é reincidente ou não; 4) as circunstâncias judiciais (art. 59 do CP). Vamos organizar a aplicação desses quatro fatores:

RECLUSÃO O regime inicial

pode ser:

FECHADO: se a pena é superior a 8 anos.

SEMIABERTO: se a pena foi maior que 4 e menor ou igual a 8 anos.

Se o condenado for reincidente, o regime inicial, para esse quantum de pena, é o fechado.

ABERTO: se a pena foi de até 4 anos. Se o condenado for reincidente, o regime inicial,

para esse quantum de pena, será o semiaberto ou o fechado. O que irá definir isso vão ser as circunstâncias judiciais:

se desfavoráveis, vai para o fechado;

se favoráveis, vai para o semiaberto. Súmula 269-STJ: É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais.

DETENÇÃO O regime inicial

pode ser:

FECHADO: nunca

SEMIABERTO: se a pena foi maior que 4 anos.

ABERTO: se a pena foi de até 4 anos.

Se o condenado for reincidente, o regime inicial é o semiaberto.

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Imagine que o réu foi condenado a 2 anos de reclusão por tráfico de drogas (art. 33, § 4º da LD). O juiz fixou o regime inicial fechado. Vale ressaltar que o condenado era primário e as circunstâncias judiciais favoráveis a ele. Como argumento para fixar o regime fechado, o juiz alegou que o crime de tráfico de drogas é muito grave, sendo extremamente nocivo para a sociedade. Agiu corretamente o magistrado? NÃO. Se o réu, não reincidente, for condenado, por tráfico de drogas, a pena de até 4 anos, e se as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP forem positivas (favoráveis), o juiz deverá fixar o regime aberto e deverá conceder a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, preenchidos os requisitos do art. 44 do CP. A gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para justificar a fixação do regime mais gravoso. STF. 1ª Turma. HC 129714/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11/10/2016 (Info 843). STF. 1ª Turma. HC 130411/SP, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 12/4/2016 (Info 821). STF. 2ª Turma. HC 133028/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 12/4/2016 (Info 821). A situação em tela se amolda ao art. 33, § 2º, "c", do Código Penal, que é aplicável também aos condenados por tráfico de drogas:

Art. 33 (...) § 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

Mas o § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90 afirma que o regime inicial no caso de crimes hediondos e equiparados deverá ser o fechado... O STF decidiu que o § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, ao impor o regime inicial fechado, é inconstitucional. STF. Plenário. HC 111.840/ES, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 27/6/2012 (Info 672). Assim, o regime inicial nas condenações por crimes hediondos ou equiparados (ex: tráfico de drogas) não tem que ser obrigatoriamente o fechado, podendo ser também o regime semiaberto ou aberto, desde que presentes os requisitos do art. 33, § 2º, alíneas “b” e “c”, do Código Penal. Logo, o juiz poderá condenar o réu por crime hediondo ou equiparado e fixar o regime semiaberto ou aberto, desde que cumpridos os requisitos do Código Penal acima explicados. Obs: no caso do exemplo dado, o réu não foi condenado por crime hediondo ou equiparado considerando que o STF entende que o chamado "tráfico privilegiado", previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 não deve ser considerado crime equiparado a hediondo (HC 118533, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 23/06/2016. Info 831).

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

BUSCA E APREENSÃO Em regra, a busca em veículo é equiparada à busca pessoal e

não precisa de mandado judicial para a sua realização

A apreensão de documentos no interior de veículo automotor constitui uma espécie de "busca pessoal" e, portanto, não necessita de autorização judicial quando houver fundada suspeita de que em seu interior estão escondidos elementos necessários à elucidação dos fatos investigados.

Exceção: será necessária autorização judicial quando o veículo é destinado à habitação do indivíduo, como no caso de trailers, cabines de caminhão, barcos, entre outros, quando, então, se inserem no conceito jurídico de domicílio.

STF. 2ª Turma. RHC 117767/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 11/10/2016 (Info 843).

Imagine a seguinte situação hipotética: João estava sendo investigado pela polícia e o juiz autorizou a realização de medida de busca e apreensão em sua casa. A polícia cumpriu o mandado e realizou a busca na residência do investigado. Quando voltaram à Delegacia, os policiais verificaram que não havia sido apreendida uma agenda que constantemente era mencionada nas interceptações telefônicas e que ficaria sempre em poder do investigado. O Delegado lembrou que algumas vezes foi mencionado nos diálogos que a agenda estava no carro. Diante disso, voltaram ao local para procurar no interior do veículo de João, que estava estacionado na frente da casa, em via pública. O mandado expedido pelo juiz não mencionava autorização para fazer buscas em veículos. Mesmo assim, os policiais abriram o carro e apreenderam a agenda que estava dentro dele. Posteriormente, João foi denunciado e o referido documento foi prova fundamental para a condenação. A defesa alegou que houve nulidade considerando que, como o carro estava estacionado, trancado e sem condutor, somente poderia ser realizada busca em seu interior com autorização judicial. Primeira pergunta: após ser encerrado o cumprimento do mandado de busca e apreensão, seria possível reabrir a diligência e realizar nova busca na casa do investigado? NÃO. O art. 245, § 7º, do CPP determina que, finda a busca domiciliar, os executores da medida lavrarão auto circunstanciado, assinando-o com duas testemunhas presenciais. Neste momento se considera encerrada a diligência. Após o encerramento da busca domiciliar, as autoridades responsáveis por sua execução não podem, horas depois, reabri-la e realizar novas buscas e apreensões sem nova ordem judicial autorizadora. Assim, se os policiais, após o encerramento da diligência, tivessem retomado as buscas na casa do investigado, tal diligência seria, em tese, ilegal. STJ. 6ª Turma. HC 216.437/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 20/09/2012. Segunda pergunta: a apreensão da agenda no carro do investigado foi ilegal? Houve nulidade? NÃO. Existem duas espécies de busca (art. 240 do CPP): a) a busca domiciliar, que é realizada na casa do investigado ou acusado; b) a busca pessoal, que é efetivada no corpo da pessoa ou em objetos que a ela pertençam. A busca em automóvel é equiparada à busca pessoal e, por isso, prescinde (dispensa) de autorização judicial, nos termos do art. 244 do CPP:

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Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.

Assim, não é necessário mandado judicial para que a polícia realize busca por objetos em interior de veículo de propriedade do investigado se houver fundadas suspeitas de que a pessoa esteja na posse de material que possa constituir corpo de delito. Isso se justifica porque o veículo da pessoa, em regra, não pode ser considerado domicílio. Exceção: será indispensável mandado judicial se o veículo é utilizado pelo investigado para moradia, como é o caso de cabines de caminhão, barcos, trailers etc. Resumindo: A apreensão de documentos no interior de veículo automotor constitui uma espécie de "busca pessoal" e, portanto, não necessita de autorização judicial quando houver fundada suspeita de que em seu interior estão escondidos elementos necessários à elucidação dos fatos investigados. A busca pessoal consiste na inspeção do corpo e das vestes de alguém para apreensão de elementos de convicção ocultados, incluindo-se objetos, bolsas, malas, pastas e veículos (automóveis, motocicletas, embarcações, avião etc.) compreendidos na esfera de custódia da pessoa. Exceção: será necessária autorização judicial quando o veículo é destinado à habitação do indivíduo, como no caso de trailers, cabines de caminhão, barcos, entre outros, quando, então, se inserem no conceito jurídico de domicílio. STF. 2ª Turma. RHC 117767/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 11/10/2016 (Info 843).

DIREITO TRIBUTÁRIO

ICMS Incide ICMS sobre a tarifa de assinatura básica mensal de telefonia

Importante!!!

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incide sobre a tarifa de assinatura básica mensal cobrada pelas prestadoras de serviço de telefonia, independentemente da franquia de minutos concedida ou não ao usuário.

STF. Plenário. RE 912888/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 13/10/2016 (repercussão geral) (Info 843).

Cuidado. Não confundir com o RE 572020/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, julgado em 6/2/2014 (Info 734).

ICMS O ICMS é um imposto estadual previsto no art. 155, II, da CF e na LC 87/96:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II — operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

Fatos geradores Eduardo Sabbag afirma que, resumidamente, o ICMS pode ter os seguintes fatos geradores (Manual de Direito Tributário. 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1061):

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circulação de mercadorias;

prestação de serviços de transporte intermunicipal;

prestação de serviços de transporte interestadual;

prestação de serviços de comunicação. Serviços de comunicação Um dos fatos geradores do ICMS são os serviços de comunicação. Veja o que afirma a LC 87/96 sobre esse fato gerador:

Art. 2º O imposto incide sobre: (...) III — prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;

Desse modo, o ICMS será cobrado da empresa quando há a prestação onerosa de serviços de comunicação. Existem alguns serviços prestados pelas empresas que são acessórios aos serviços de comunicação. Exs.: troca de titularidade de aparelho celular, conta detalhada, troca de aparelho, troca de número, mudança de endereço de cobrança de conta telefônica, troca de área de registro, troca de plano de serviço, bloqueio de DDD e DDI, habilitação e religação etc. ICMS NÃO INCIDE SOBRE OS SERVIÇOS ACESSÓRIOS AOS SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO

Poderá haver cobrança de ICMS quando a empresa de telefonia prestar esses serviços acessórios aos serviços de comunicação? NÃO. Não incide ICMS sobre a prestação de serviços acessórios aos serviços de comunicação. Segundo entendimento consolidado do STJ e do STF, a prestação de serviços conexos ao de comunicação (que são preparatórios, acessórios ou intermediários da comunicação) não se confunde com a prestação da atividade fim — processo de transmissão (emissão ou recepção) de informações de qualquer natureza —, esta sim, passível de incidência do ICMS. Poderá haver cobrança de ICMS quando a empresa de telefonia cobrar um valor para realizar a habilitação do telefone celular para o cliente? NÃO. O serviço de habilitação de celular configura atividade preparatória ao serviço de comunicação e, portanto, não sujeita à incidência do ICMS. Vale ressaltar que a própria Lei Geral de Telecomunicações prevê que o serviço de habilitação de telefonia móvel não é atividade-fim, mas sim atividade-meio para o serviço de comunicação. Desse modo, no ato de habilitação não ocorre qualquer serviço efetivo de telecomunicação, sendo apenas disponibilizado o celular para se permitir a sua utilização pelo usuário. Sendo atividade-meio, a habilitação não pode ser enquadrada como serviço de comunicação previsto no art. 2º, III, da LC 87/1996. O STJ editou um enunciado sobre o tema:

Súmula 350-STJ: O Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) não incide sobre o serviço de habilitação de telefone celular.

O Plenário do STF também se manifestou no mesmo sentido: O ICMS é um imposto estadual que tem como um dos fatos geradores a prestação onerosa de serviços de comunicação. Existem alguns serviços prestados pelas empresas que são preparatórios aos serviços de comunicação, tais como habilitação, instalação, disponibilidade, assinatura (inicial), cadastro de usuário e equipamento, dentre outros.

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Tais serviços preparatórios configuram atividades-meio ou serviços suplementares. O ICMS incide, tão somente, na atividade final, que é o serviço de telecomunicação propriamente dito, e não sobre o ato de habilitação do telefone celular, que se afigura como atividade meramente intermediária. STF. Plenário. RE 572020/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, julgado em 6/2/2014 (Info 734). ICMS INCIDE SOBRE A TARIFA DE ASSINATURA BÁSICA MENSAL COBRADA PELAS EMPRESAS DE TELEFONIA

Tarifa de assinatura básica mensal A depender do plano contratado, as empresas de telefonia cobram um valor do usuário todos os meses mesmo que ele não utilize os serviços. Este valor é chamado de tarifa de assinatura básica. Este valor é exigido sob o argumento de que as operadoras precisam manter um enorme sistema de redes e equipamentos para conferir ao usuário do serviço de telefonia a possibilidade de originar e receber chamadas. Dessa forma, esta tarifa tem por objetivo remunerar o custo da manutenção dessa rede de equipamentos. Tarifa de assinatura básica mensal com franquia de minutos Na maioria das vezes, essa tarifa de assinatura básica mensal dá direito ao usuário de utilizar alguns minutos para ligação. Ex: o usuário paga R$ 50,00 de tarifa básica (valor mínimo) e tem direito a 100 minutos de fixo para fixo. Neste caso, diz-se que a tarifa básica dá direito à "franquia de minutos". Aqui, nunca houve dúvidas, incide ICMS. Tarifa de assinatura básica mensal sem franquia de minutos Outras vezes, no entanto, existem alguns planos alternativos homologados pela ANATEL no qual a tarifa de assinatura não dá direito de o usuário utilizar minutos de ligação. A pessoa é obrigada a pagar mesmo que não faça nenhuma ligação e, se fizer qualquer uma, terá que pagar a mais por isso. Ex: o usuário paga R$ 30,00 de tarifa básica e se fizer qualquer ligação, terá que pagar um valor a mais. As operadoras de telefonia argumentavam que, no segundo caso, ou seja, quando a tarifa mensal básica não dá direito à franquia de minutos, elas não deveriam pagar ICMS sobre este valor porque, na verdade, esta tarifa mensal básica não representa serviço de comunicação. As empresas sustentavam que a tarifa de assinatura básica mensal, neste caso, consiste apenas em uma atividade-meio para a prestação do serviço de telefonia, e não no próprio serviço, sendo, portanto, imune à tributação. Imagine que a conta do cliente é a seguinte:

R$ 30,00 - assinatura básica mensal (sem direito à franquia de minutos).

R$ 40,00 - tarifa pelas ligações efetuadas.

Total: R$ 70,00 No exemplo acima, segundo a tese das empresas de telefonia, elas deveriam pagar o ICMS apenas sobre os R$ 40,00 e o valor recebido a título de assinatura básica mensal não seria tributado. Esta tese das operadoras foi aceita pelo STF? NÃO. Segundo decidiu o STF:

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incide sobre a tarifa de assinatura básica mensal cobrada pelas prestadoras de serviço de telefonia, independentemente da franquia de minutos concedida ou não ao usuário. STF. Plenário. RE 912888/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 13/10/2016 (repercussão geral) (Info 843). Tarifa de assinatura básica mensal é o preço pago pelo serviço Segundo o Min. Teori Zavascki, a assinatura básica mensal é o preço pago como contraprestação para um

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serviço. Qual serviço? O oferecimento de condições para que haja a comunicação entre os usuários e terceiros. Assim, mesmo que a tarifa mensal básica não pague a ligação em si, ela remunera o oferecimento das condições para que haja a comunicação. Desse modo, a tarifa de assinatura básica mensal é a contraprestação paga pelo usuário pelo serviço de comunicação propriamente dito prestado pelas concessionárias de telefonia e consistente no fornecimento, em caráter continuado, das condições materiais para que ocorra a comunicação entre o usuário e terceiro, o que atrai a incidência do ICMS. Em outras palavras, a tarifa de assinatura básica é o preço do serviço de comunicação telefônica e, como tal, integra a base de cálculo do ICMS. Independentemente da franquia de minutos concedida ou não ao usuário O fato de a assinatura básica mensal dar ou não direito de o usuário utilizar alguns minutos de ligação (chamado de "franquia de minutos") não interessa para fins de ICMS. Incide o ICMS sobre a prestação dos serviços de comunicação, que consiste na "atividade de alguém, em caráter negocial, fornecer a terceiros condições materiais para que a comunicação entre eles ocorra" (CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS, 11ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 169). Assim, presta esse serviço aquele que fornece a terceiros, mediante pagamento, os meios indispensáveis à transmissão de mensagens. Meios, aqui, tem o sentido de aparato físico e lógico necessário ao resultado comunicação. Logo, presta o serviço de comunicação quem fornece os meios para que a comunicação ocorra. A empresa de telefonia fornece os meios para que a comunicação ocorra e, como contraprestação por isso, cobra a assinatura básica mensal (mesmo sem conceder minutos de franquia). ANATEL e as próprias empresas decidiriam a BC do ICMS Se fosse acolhida a tese das empresas, isso significaria dar a elas e à ANATEL (por meio dos planos que autoriza) o poder de definir a base de cálculo do ICMS-comunicação, permitindo que elas afastassem a cobrança do referido imposto utilizando-se do artifício de classificar a quantia como assinatura básica mensal. Dessa forma, o próprio contribuinte, por ato individual de vontade, poderia definir como bem entendesse a base de cálculo do tributo devido, o que seria inadmissível. Empresas de telefonia, em outra oportunidade, já defenderam que a tarifa de assinatura básica mensal remunera um serviço Vale ressaltar ainda que, há alguns anos, os órgãos de defesa do consumidor tentaram obter na Justiça a declaração de que a cobrança da tarifa de assinatura básica seria ilegal, considerando que o cliente estaria pagando mesmo sem usar o serviço. Na época, as empresas de telefonia defenderam justamente que a cobrança da tarifa mensal remunerava um serviço por elas prestado, qual seja, o fornecimento da conexão do usuário com a rede de comunicações. Desse modo, as operadoras sustentaram naquele momento: "como nós oferecemos este serviço mensalmente, é devido que o usuário pague por ele". O STJ decidiu que a cobrança da tarifa básica é legítima justamente por concluir que ela é a remuneração (contraprestação) do serviço de telefonia. Foi editado, inclusive, um enunciado sobre o tema:

Súmula 356-STJ: É legítima a cobrança da tarifa básica pelo uso dos serviços de telefonia fixa.

Dessa forma, para o Min. Teori Zavascki, as empresas entram em contradição ao afirmar, em um primeiro momento, que a tarifa remunera serviço, e, em outro, o contrário. Segundo o Ministro, “não se pode querer o melhor de dois mundos: considerar legítima a cobrança porque é serviço, e considerar que não incide ICMS porque não é serviço. É uma contradição insuperável”.

Informativo 843-STF (24/10/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 9

A tarifa de assinatura básica mensal constitui contraprestação contínua e não é serviço preparatório

Serviços preparatórios à comunicação: NÃO incide ICMS (RE 572020/DF - Súmula 350 STJ)

Tarifa de assinatura básica mensal: incide ICMS (RE 912888/SP)

Configuram atividades-meio ou serviços suplementares (acessórios). Ex: habilitação, instalação, disponibilidade, cadastro de usuário e equipamento.

Trata-se de contraprestação mensal devida pelo usuário de forma contínua e durante todo o contrato como forma de pagamento do próprio serviço de telefonia.

O valor pago por esses serviços é eventual, remunerando um serviço episódico.

Esta tarifa não retribui um serviço episódico e eventual.

Serviço de assinatura inicial se enquadra aqui. Esta tarifa de assinatura básica mensal é diferente do pagamento pela assinatura inicial.

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) (Juiz TJ/RN 2013 CESPE) A comprovação da reincidência, embora possa ensejar o aumento do quantum

da pena aplicada, não exerce influência na fixação do regime inicial para o seu cumprimento. ( ) 2) (Juiz TJPB 2015 CESPE) O condenado a pena superior a oito anos pode começar a cumpri-la em regime

fechado, desde que o juiz fundamente as razões que ensejam regime inicial diferenciado. ( ) 3) (Juiz TJRS 2016 FAUGRS) Segundo a atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o crime de

tráfico de drogas não admite a aplicação da substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, devendo a sanção imposta, independentemente do tempo de reclusão fixado na sentença, ser cumprida em regime inicial fechado, tendo em vista a hediondez do crime. ( )

4) (Promotor MP/AM 2016) Segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, o crime de tráfico de drogas, conforme o caso concreto, enseja a possibilidade de fixação de regime inicial diferente do fechado, devendo o magistrado atentar à regra do artigo 33 do Código Penal. ( )

5) A apreensão de documentos no interior de veículo automotor constitui uma espécie de "busca pessoal" e, portanto, não necessita de autorização judicial quando houver fundada suspeita de que em seu interior estão escondidos elementos necessários à elucidação dos fatos investigados. ( )

6) (Juiz TJ/MG 2012) O STF tem considerado incidente sobre determinadas matérias a cláusula da “reserva constitucional de jurisdição”, como no caso de busca domiciliar e de interceptação telefônica. ( )

7) O Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) incide sobre o serviço de habilitação de telefone celular. ( )

8) O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incide sobre a tarifa de assinatura básica mensal cobrada pelas prestadoras de serviço de telefonia, independentemente da franquia de minutos concedida ou não ao usuário. ( )

9) (Juiz TJ/SP 2015) Não vulnera o Código de Defesa do Consumidor a cobrança de tarifa básica de assinatura mensal pelo uso dos serviços de telefonia fixa. ( )

10) (Juiz TJ/PR 2012) É legítima a cobrança de tarifa básica pelo uso dos serviços de telefonia fixa. ( )

Gabarito

1. E 2. E 3. E 4. C 5. C 6. C 7. E 8. C 9. C 10. C

Informativo 843-STF (24/10/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 10

OUTRAS INFORMAÇÕES

R E P E R C U S S Ã O G E R A L DJe de 10 a 14 de outubro de 2016

REPERCUSSÃO GERAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO 940.769-RS RELATOR: MIN. EDSON FACHIN

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRELIMINAR. RECONHECIMENTO. REAFIRMAÇÃO DE MÉRITO. NÃO OCORRÊNCIA.

IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA - ISSQN. SOCIEDADE DE PROFISSIONAIS. ADVOGADOS. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA DE

MUNICÍPIO. REGIME DE TRIBUTAÇÃO FIXA. NATUREZA DO SERVIÇO. REMUNERAÇÃO DO LABOR. DECRETO-LEI 405-1968. LEI COMPLEMENTAR

7/1973 DO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE. CONFLITO FEDERATIVO.

1. A questão constitucional controvertida ostenta repercussão geral no que se refere à competência tributária de município para

estabelecer impeditivos à submissão de sociedades profissionais de advogados ao regime de tributação fixa ou per capita em bases anuais prevista

no art. 9º, §§1º e 3º do Decreto-Lei 406/1968, por sua vez recepcionado pela ordem constitucional vigente com status de lei complementar

nacional.

2. Preliminar de repercussão geral em recurso extraordinário reconhecida.

Decisão Publicada: 1

C L I P P I N G D O D JE 10 a 14 de outubro de 2016

AG. REG. NO ARE N. 931.662-AL RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ADEQUAÇÃO. O recurso extraordinário é cabível contra decisão de única ou última instância que haja

implicado o julgamento da causa – artigo 102, inciso III, da Constituição Federal.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Descabe a fixação de honorários recursais, preconizados no artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil de

2015, quando tratar-se de extraordinário formalizado no curso de processo cujo rito os exclua.

AG. REG. NO ARE N. 951.839-SP RELATOR: MIN. ROBERTO BARROSO

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. INCRA. LEGITIMIDADE PARA

PROPOSITURA DE AÇÃO REIVINDICATÓRIA. COMPROVAÇÃO DE PROPRIEDADE RURAL DA UNIÃO. ART. 543 DO CPC. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE

QUESTÃO CONSTITUCIONAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279/STF.

1. Quanto à sistemática de interposição simultânea de recursos especial e extraordinário, a jurisprudência é no sentido de que (i) o art.

543, §1º CPC/1973, que impõe que o RE seja julgado após o Resp, só se aplica quando ambos recursos forem admitidos, o que não ocorreu nesse

caso, e (ii) é desnecessário aguardar o prévio julgamento do Resp quando o RE não reunir condições de admissibilidade. (AI 780.879 AgR, Rel. Min.

Ricardo Lewandowski).

2. O Supremo Tribunal Federal, por ausência de questão constitucional, rejeitou preliminar de repercussão geral relativa à controvérsia

sobre suposta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal (Tema 660 - ARE 748.371-RG, Rel. Min. Gilmar

Mendes).

3. A resolução da controvérsia demandaria a análise das normas infraconstitucionais pertinentes e o reexame dos fatos e provas

constantes dos autos, o que é vedado em recurso extraordinário. Incidência da Súmula 279/STF. Precedentes.

4. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, fica majorado em 25% o valor da verba honorária fixada anteriormente, observados os

limites legais do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/2015.

5. Agravo interno a que se nega provimento.

EMB. DECL. NO AG. REG. NO ARE N. 934.055-RJ RELATORA: MIN. ROSA WEBER

E M E N T A: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONCESSIONÁRIA

DE TRANSPORTE METROVIÁRIO. ASSALTO ÀS BILHETERIAS. MORTE DE MENOR. CONSEQUÊNCIA DO DESENROLAR DA AÇÃO CRIMINOSA.

NEGLIGÊNCIA. NEXO DE CAUSALIDADE E DANOS COMPROVADOS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE NÃO MERECE TRÂNSITO. REELABORAÇÃO DA

MOLDURA FÁTICA. PROCEDIMENTO VEDADO NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. OMISSÃO. CONTRADIÇÃO. INOCORRÊNCIA. CARÁTER INFRINGENTE.

1. Inexistente descompasso lógico entre os fundamentos adotados e a conclusão do julgado, a afastar a tese veiculada nos embargos

declaratórios de que contraditório o decisum.

2. Não se prestam os embargos de declaração, não obstante sua vocação democrática e a finalidade precípua de aperfeiçoamento da

prestação jurisdicional, para o reexame das questões de fato e de direito já apreciadas no acórdão embargado.

Informativo 843-STF (24/10/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 11

3. Ausente contradição e omissão, justificadoras da oposição de embargos declaratórios, nos termos do art. 1022 do CPC, a evidenciar o

caráter meramente infringente da insurgência.

4. Embargos de declaração rejeitados.

Acórdãos Publicados: 149

TRANSCRIÇÕES

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais

aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham

despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Sistema Penitenciário - “Estado de Coisas Inconstitucional - Súmula Vinculante Nº 56 (Transcrições)

Rcl 25.119-MC/DF*

RELATOR: Ministro Celso de Mello

EMENTA: RECLAMAÇÃO. NATUREZA JURÍDICA. CRIAÇÃO PRETORIANA (RTJ 112/504). FUNÇÃO PROCESSUAL.

DESTINAÇÃO CONSTITUCIONAL (RTJ 149/354-355 – RTJ 187/150-152, V.G.). DOUTRINA. ATO DO CORREGEDOR GERAL

DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO SUPOSTAMENTE TRANSGRESSOR DA SÚMULA VINCULANTE Nº 56/STF. POSSILIDADE DE ACESSO, EM TAL SITUAÇÃO, À VIA RECLAMATÓRIA (CF, ART. 103-A, § 3º). PRETENDIDA

RESTAURAÇÃO DA EFICÁCIA DA PORTARIA Nº 022/2016 DOS JUIZES DE DIREITO DO DEECRIM – 9ª RAJ (SÃO JOSÉ DOS CAMPOS). ATO COLEGIADO DOS MAGISTRADOS DE PRIMEIRA INSTÂNCIA QUE, ALÉM DE COMPATÍVEL COM O TEOR

DA SÚMULA VINCULANTE Nº 56 E APTO A DAR-LHE INTEGRAL APLICABILIDADE, OBJETIVA IMPEDIR A PRÁTICA

ANOMÔLA, ARBITRÁRIA E ILEGAL DO EXCESSO DE EXECUÇÃO (LEP, ART. 185), NEUTRALIZADO, DESSE MODO, OS

EFEITOS NOCIVOS E PERVERSOS QUE CULMINAM POR FRUSTAR, INJUSTAMENTE, DIREITOS PÚBLICOS SUBJETIVOS

DOS SENTENCIADOS RECONHECIDOS PELO ORDENAMENTO POSITIVO E ASSEGURADOS EM DECISÃO JUDICIAL.

PRECEDENTES. O SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO COMO EXPRESSÃO VISÍVEL (E LAMENTÁVEL) DE UM “ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL” (ADPF 347-MC/DF). A REVOGAÇÃO DA PORTARIA Nº 022/2016, PELO ATO DE QUE ORA SE RECLAMA,

CULMINA POR DESATENDER O COMANDO IMPOSITIVO EMERGENTE DA SÚMULA VINCULANTE Nº 56. CONFIGURAÇÃO,

NA ESPÉCIE, DOS REQUISITOS INERENTES À TUTELA PROVISÓRIA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

DECISÃO: Trata-se de reclamação, com pedido de medida liminar, na qual se alega que o ato ora questionado – emanado da Corregedoria-Geral de Justiça do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – teria desrespeitado o enunciado constante da Súmula Vinculante nº 56/STF, que

possui o seguinte teor:

“A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se

observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS.” (grifei)

Aduz, em síntese, a parte reclamante, para justificar a alegada transgressão ao enunciado sumular vinculante em referência, as seguintes

considerações:

“Visando emprestar rápida concretude à aplicação da Súmula Vinculante nº 56 deste E. STF, a Exma. Juíza Coordenadora do 9º

Departamento de Execuções Criminais do TJSP, com sede em São José dos Campos, que cumula também a 1ª Vara de Execuções Penais de

Taubaté, Dra. Sueli Zeraik Armani de Oliveira editou a Portaria de nº 22/2016, também assinadas por outros Juízes integrantes do 9º DEECRIM.

Em linhas gerais, a Portaria lançou mão da escorreita aplicação dos limites da Súmula Vinculante nº 56, bem como do RE

641.320/RS, para a abertura de vagas no regime semiaberto, nas unidades prisionais sujeitas à Coordenação regional de presídios do 9º Deecrim.

….........................................................................................................................................................................................

Consensualmente chegou-se à melhor decisão, que se amolda ao contexto prisional da região: aplicação do contido no item 4, i, iii, do RE 641.320, para colocação em prisão domiciliar de presos do regime semiaberto, pela geração de vagas aos sentenciados que

aguardavam a transferência para o regime intermediário, ainda em regime fechado.

Isto é, para geração de vagas no regime semiaberto – cuja transferência já atingia o absurdo lapso de 120 a 150 dias de demora – a alguns presos do semiaberto foi concedida a prisão domiciliar, mediante condições específicas, atreladas ao cumprimento de pena

alternativa.

Não se tratou de deferimento de progressão de regime ou outro benefício da execução penal; portanto, não há que se falar em requisitos legais previstos no art. 112 da LEP ou violação ao princípio do juiz natural.

A medida cautelar foi emergencial, emitida tão somente com a intenção de adequar o número de vagas das unidades prisionais da

região ao número de sentenciados encarcerados no regime fechado, mesmo já tendo obtido o direito de progredir ao regime semiaberto, em obediência estrita à súmula vinculante nº 56.

Foram fixados critérios objetivos para a concessão da prisão domiciliar, medida estritamente cautelar, inserida no poder geral de

cautela, na exata proporção da necessidade de geração de vagas para aqueles que aguardavam o ingresso numa unidade prisional adequada ao regime fixado, sepultando o excesso em execução, que vigorava na região, bem como em todo o estado de São Paulo.

O déficit de vagas em unidades prisionais paulistas clama pela intervenção do Poder Judiciário, visando restabelecer a dignidade do

apenado e a legalidade do correto cumprimento da pena fixada. Com a Portaria, 96 (noventa e seis) detentos que aguardavam transferência ao regime semiaberto por longo período conseguiram a

efetivação de seu direito legal. Para tanto, outros 96 (noventa e seis) presos do regime semiaberto, que preenchiam rigorosos critérios

estabelecidos na própria Portaria – sendo eles: situação processual definida, boa conduta carcerária, lapso para progressão de regime ou livramento condicional e gozo de três saídas temporárias consecutivas sem intercorrências negativas – foram postos em prisão albergue

domiciliar PROVISÓRIA.

….........................................................................................................................................................................................

Informativo 843-STF (24/10/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 12

A decisão da E. Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça de São Paulo restaurou a ordem de ilegalidade até então vigente,

relegando ao limbo a enorme massa carcerária, que volta a sucumbir e vivenciar suas agruras.” (grifei)

Sendo esse o contexto, passo a examinar a admissibilidade, na espécie, da presente reclamação. E, ao fazê-lo, entendo essencial estabelecer

algumas premissas que reputo indissociáveis da análise do pleito deduzido nesta sede processual. Sabemos todos que a reclamação, qualquer que seja a natureza que se lhe atribua – ação (PONTES DE MIRANDA, “Comentários ao

Código de Processo Civil”, tomo V/384, Forense), recurso ou sucedâneo recursal (MOACYR AMARAL SANTOS, RTJ 56/546-548; ALCIDES

DE MENDONÇA LIMA, “O Poder Judiciário e a Nova Constituição”, p. 80, 1989, Aide), remédio incomum (OROSIMBO NONATO, “apud” Cordeiro de Mello, “O Processo no Supremo Tribunal Federal”, vol. 1/280), incidente processual (MONIZ DE ARAGÃO, “A Correição

Parcial”, p. 110, 1969), medida de direito processual constitucional (JOSÉ FREDERICO MARQUES, “Manual de Direito Processual Civil”,

vol. 3º, 2ª parte, p. 199, item n. 653, 9ª ed., 1987, Saraiva) ou medida processual de caráter excepcional (RTJ 112/518-522, Rel. Min. DJACI FALCÃO) –, configura instrumento de extração constitucional, não obstante a origem pretoriana de sua criação (RTJ 112/504), destinado a

viabilizar, na concretização de sua dupla função de ordem político-jurídica, a preservação da competência do Supremo Tribunal Federal, de um

lado, e a garantia da autoridade de suas decisões, de outro (CF, art. 102, I, “l”), consoante tem enfatizado a jurisprudência desta Corte Suprema (RTJ 134/1033, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Vê-se, portanto, que uma das funções processuais da reclamação consiste em garantir a autoridade das decisões proferidas pelo Supremo

Tribunal Federal ou a observância do conteúdo de enunciados sumulares vinculantes editados por esta Corte Suprema (CPC/15, art. 988, III).

Esse instrumento formal de tutela, “que nasceu de uma construção pretoriana” (RTJ 112/504), busca, em essência, fazer prevalecer, no

plano da hierarquia judiciária, o efetivo respeito aos pronunciamentos jurisdicionais emanados desta Suprema Corte (RTJ 149/354-355, Rel. Min.

CELSO DE MELLO):

“Reclamação e preservação da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal. O eventual descumprimento, por juízes ou Tribunais, de decisões emanadas do Supremo Tribunal Federal, especialmente quando

proferidas com efeito vinculante (CF, art. 102, § 2º), ainda que em sede de medida cautelar, torna legítima a utilização do instrumento

constitucional da reclamação, cuja específica função processual – além de impedir a usurpação da competência da Corte Suprema – também

consiste em fazer prevalecer e em resguardar a integridade e a eficácia subordinante dos comandos que emergem de seus atos decisórios.

Precedentes. Doutrina.”

(RTJ 179/995-996, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

A destinação constitucional da via reclamatória, portanto – segundo acentua, em autorizado magistério, JOSÉ FREDERICO MARQUES (“Instituições de Direito Processual Civil”, vol. IV/393, 2ª ed., Forense) –, além de vincular esse meio processual à preservação da competência

global do Supremo Tribunal Federal, prende-se ao objetivo específico de salvaguardar a extensão e os efeitos dos julgados desta Suprema Corte.

Esse saudoso e eminente jurista, ao justificar a necessidade da reclamação – enquanto meio processual vocacionado à imediata

restauração do “imperium” inerente à decisão desrespeitada –, assinala, em tom de grave advertência, a própria razão de ser desse especial

instrumento de defesa da autoridade decisória dos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal (“Manual de Direito Processual Civil”, vol.

3/199-200, item n. 653, 9ª ed., 1987, Saraiva):

“O Supremo Tribunal, sob pena de se comprometerem as elevadas funções que a Constituição lhe conferiu, não pode ter seus

julgados desobedecidos (por meios diretos ou oblíquos), ou vulnerada sua competência. Trata-se (…) de medida de Direito Processual

Constitucional, porquanto tem como ‘causa finalis’ assegurar os poderes e prerrogativas que ao Supremo Tribunal foram dados pela Constituição da República.” (grifei)

Mostra-se irrecusável concluir, desse modo, que o descumprimento de decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal autoriza a

utilização da via reclamatória, vocacionada, em sua específica função processual, a resguardar e a fazer prevalecer, no que concerne à Suprema

Corte, a integridade, a autoridade e a eficácia dos comandos que emergem de seus atos decisórios, na linha do magistério jurisprudencial consagrado por este Tribunal (RTJ 187/150-152, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) ou, como sucede na espécie, das determinações que resultam

do caráter impositivo (“binding effect”) que qualifica os enunciados sumulares vinculantes a que alude o art. 103-A, § 3º, da Constituição da

República (Rcl 8.770-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Para que se legitime, no entanto, o acesso à via reclamatória, impõe-se a demonstração da efetiva configuração de desrespeito a julgamento

emanado do Supremo Tribunal Federal ou, como no caso, de transgressão ao teor de súmula vinculante editada por esta Corte Suprema.

Tenho para mim que a deliberação ora questionada parece transgredir a autoridade da Súmula Vinculante nº 56 que esta Suprema Corte editou com o objetivo de fazer cessar a anômala situação a que se veem submetidos, injustamente, sentenciados que, não obstante favorecidos por

ordem judicial de progressão, são mantidos, mesmo assim, em regime prisional mais gravoso.

A Portaria nº 022/2016, editada pelos Meritíssimos Juízes do Departamento Estadual das Execuções Criminais de São José dos Campos (9ª

Região Administrativa Judiciária), tendo presente a necessidade de evitar-se a ocorrência, de todo inaceitável, de excesso de execução (anomalia

expressamente vedada pelo art. 185 da LEP), cuja origem reside na incapacidade do Poder Público de cumprir o ordenamento positivo em tema de

execução da pena, adotou medidas tendentes a superar os graves obstáculos gerados pela omissão do Estado em fazer cumprir os deveres jurídicos que lhe foram impostos, nesse específico domínio, pela legislação da República, notadamente pela Lei nº 7.210/84.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que veio a consolidar-se no enunciado inscrito na Súmula Vinculante nº 56, constituiu justa

reação do Poder Judiciário a esse verdadeiro “estado de coisas inconstitucional” em que vergonhosamente se transformou o sistema penitenciário brasileiro.

Daí a sucessão de decisões proferidas por esta Corte Suprema (RTJ 127/926, Rel. Min. FRANCISCO REZEK – RTJ 129/1153, Rel. Min.

CARLOS MADEIRA – RTJ 133/793, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RTJ 167/185-186, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – HC 76.930/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – HC 87.985/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RHC 65.127/SP, Rel. Min. CARLOS MADEIRA, v.g.) no

sentido de neutralizar os efeitos perversos e lesivos que afetam os direitos públicos subjetivos de que são titulares os sentenciados, como se vê, p.

ex., de antigo julgado deste Tribunal:

“’HABEAS CORPUS’ – SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE ASSEGURA, AO RÉU, O DIREITO AO REGIME PENAL SEMI-

ABERTO – IMPOSSIBILIDADE MATERIAL, POR PARTE DE ÓRGÃO COMPETENTE DA ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA DO

ESTADO, DE VIABILIZAR A EXECUÇÃO DESSA MEDIDA – DETERMINAÇÃO, PELO MAGISTRADO LOCAL, DE RECOLHIMENTO DO

CONDENADO A QUALQUER ESTABELECIMENTO PRISIONAL DO ESTADO, MESMO ÀQUELE DE SEGURANÇA MÁXIMA, ATÉ QUE O PODER PÚBLICO VIABILIZE, MATERIALMENTE, O INGRESSO DO SENTENCIADO NO REGIME PENAL SEMI-ABERTO

(COLÔNIA PENAL AGRÍCOLA E/OU INDUSTRIAL) – INADMISSIBILIDADE – AFRONTA A DIREITO SUBJETIVO DO

SENTENCIADO – HIPÓTESE CONFIGURADORA DE EXCESSO DE EXECUÇÃO – PEDIDO DEFERIDO. – O inadimplemento, por parte do Estado, das obrigações que lhe foram impostas pela Lei de Execução Penal não pode repercutir, de modo

negativo, na esfera jurídica do sentenciado, frustrando-lhe, injustamente, o exercício de direitos subjetivos a ele assegurados pelo

ordenamento positivo ou reconhecidos em sentença emanada de órgão judiciário competente, sob pena de configurar-se, se e quando ocorrente tal situação, excesso de execução (LEP, art. 185).

Informativo 843-STF (24/10/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 13

Não se revela aceitável que o exercício, pelo sentenciado, de direitos subjetivos – como o de iniciar, desde logo, porque assim ordenado na

sentença, o cumprimento da pena em regime menos gravoso – venha a ser impossibilitado por notórias deficiências estruturais do sistema

penitenciário ou por crônica incapacidade do Estado de viabilizar, materialmente, as determinações constantes da Lei de Execução Penal. – Consequente inadmissibilidade de o condenado ter de aguardar, em regime fechado, a superveniência de vagas em colônia penal agrícola

e/ou industrial, embora a ele já reconhecido o direito de cumprir a pena em regime semiaberto.

– ‘Habeas corpus’ concedido, para efeito de assegurar, ao sentenciado, o direito de permanecer em liberdade, até que o Poder Público torne

efetivas, material e operacionalmente, as determinações (de que é o único destinatário) constantes da Lei de Execução Penal.”

(HC 93.596/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

A “ratio” subjacente a essa orientação – que também traduz a posição dominante na jurisprudência dos Tribunais em geral (RT 609/325 –

RT 613/319 – RT 645/285 – RT 672/312 – RT 679/332 – RT 728/552 – RT 759/627, v.g.) – encontra apoio no próprio magistério da doutrina (RENÉ ARIEL DOTTI, “Curso de Direito Penal – Parte Geral”, p. 568, 2ª ed., 2004, Forense), cumprindo referir, a propósito de tal matéria, a

lição de SIDNEI AGOSTINHO BENETI (“Execução Penal”, p. 57/58, 1996, Saraiva):

“O Estado, ente jurídico, não pode agir fora da legalidade, pena de incidir em ‘contradictio in terminis’ que o desnaturaria em mero

Estado de forca, despojado das características de Estado de Direito. ‘A derradeira garantia inerente ao devido processo penal, objeto deste estudo, é a da legalidade da execução penal. Faz-se ela, com efeito, e como antes também acenado, indispensável e inarredável complemento

de todas as outras, reintegráveis no processo de execução da sentença penal condenatória’.

Se já não se pode fugir da legalidade no âmbito cível, em que há direitos disponíveis, com muito mais razão não se pode no âmbito da execução penal, que lida com a suspensão temporária de direitos de que o condenado não poderia renunciar em favor do Estado ou da vítima.

Ainda: o Estado, guardião do Direito, não pode, por exigência lógico-jurídica, ser autor de infrações ao direito de ninguém, pena de

caracterizar-se o arbítrio. Daí a consequência de o título executivo penal ter de executar-se na exata medida da restrição ao direito do condenado estabelecida

pela sentença, a qual, por sua vez, não pode impor ao condenado pena mais grave do que a prescrita para a infração penal – ainda que a

possa aplicar menos grave, como ocorre no caso de condenação após anulação de anterior sentença. A execução jamais poderá realizar-se além da literalidade do título executório penal, pena de configurar-se excesso de execução.” (grifei)

Não constitui demasia assinalar, neste ponto, que a decisão proferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF

347-MC/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, constitui verdadeiro e terrível libelo contra o sistema penitenciário brasileiro, cuja situação de crônico

desaparelhamento culmina por viabilizar a imposição de inaceitáveis condições degradantes aos sentenciados, traduzindo, em sua indisfarçável realidade concreta, hipótese de múltiplas ofensas constitucionais, em clara atestação da inércia, do descuido, da indiferença e da irresponsabilidade

do Poder Público em nosso País.

Há, efetivamente, no Brasil, um claro e indisfarçável “estado de coisas inconstitucional” resultante da omissão do Poder Público em

implementar medidas eficazes de ordem estrutural que neutralizem a situação de absurda patologia constitucional gerada, incompreensivelmente,

pela inércia do Estado que descumpre a Constituição Federal, que ofende a Lei de Execução Penal e que fere o sentimento de decência dos

cidadãos desta República, tal como se proclamou no julgamento plenário da ADPF 347-MC/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO:

“(...) SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL – SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA – CONDIÇÕES DESUMANAS DE CUSTÓDIA – VIOLAÇÃO MASSIVA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS – FALHAS ESTRUTURAIS – ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL

– CONFIGURAÇÃO. Presente quadro de violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de políticas públicas e cuja modificação depende de medidas abrangentes de natureza normativa, administrativa e orçamentária,

deve o sistema penitenciário nacional ser caraterizado como ‘estado de coisas inconstitucional’.” (grifei)

O quadro de distorções revelado pelo clamoroso estado de anomalia de nosso sistema penitenciário desfigura, compromete e subverte, de

modo grave, a própria função de que se acha impregnada a execução da pena, que se destina – segundo determinação da Lei de Execução Penal – “a proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (art. 1º).

O sentenciado, ao ingressar no sistema prisional, sofre punição que a própria Constituição da República proíbe e repudia, pois a omissão

estatal na adoção de providências que viabilizem a justa execução da pena cria situações anômalas e lesivas à integridade de direitos fundamentais do condenado, culminando por subtrair ao apenado o direito – de que não pode ser despojado – ao tratamento digno.

Daí a advertência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em um de seus “Informes sobre os direitos humanos das pessoas

privadas de liberdade nas Américas” (2011), no sentido de que sempre que o sistema penitenciário de um País não merecer a atenção necessária e os recursos essenciais a serem providos pelo Estado, a função para a qual esse mesmo sistema está vocacionado distorcer-se-á e, em vez de os

espaços prisionais proporcionarem proteção e segurança, eles se converterão em escolas de delinquência, propiciando e estimulando

comportamentos antissociais que dão origem à reincidência e, desse modo, afastam-se, paradoxalmente, do seu objetivo de reabilitação.

Os sentenciados que cumprem condenações penais a eles impostas continuam à margem do sistema jurídico, pois ainda subsiste, quanto a

eles, a grave constatação, feita por HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, de que as condições intoleráveis e degradantes em que vivem os internos

nos estabelecimentos prisionais constituem a pungente e dramática revelação de que “os presos não têm direitos” em razão do estado de crônico e irresponsável abandono, por parte do Poder Público, do seu dever de prover condições minimamente adequadas ao efetivo e pleno cumprimento

dos preceitos fundamentais consagrados em nossa Constituição e cujo desrespeito dá origem a uma situação de permanente e inadmissível

violação aos direitos humanos. Já tive o ensejo de destacar, quando do julgamento do RE 592.581/RS, a situação precária e caótica do sistema penitenciário brasileiro,

cuja prática, ao longo de décadas, vem subvertendo as funções primárias da pena, constituindo, por isso mesmo, expressão lamentável e

vergonhosa da inércia, da indiferença e do descaso do Poder Executivo, cuja omissão tem absurdamente propiciado graves ofensas perpetradas contra o direito fundamental, que se reconhece ao sentenciado, de não sofrer, na execução da pena, tratamento cruel e degradante, lesivo à sua

incolumidade moral e física e, notadamente, à sua essencial dignidade pessoal.

A questão penitenciária, em nosso País, já há muitos anos, transcendendo a esfera meramente regional, tornou-se um problema de dimensão eminentemente nacional, tal a magnitude que nesse campo assumiu o crônico (e lesivo) inadimplemento das obrigações estatais, de que

tem derivado, como efeito perverso, o inaceitável desprezo, pelo Poder Público, das normas que compõem a própria Lei de Execução Penal.

Não hesito em dizer, por isso mesmo, a partir de minha própria experiência como Juiz desta Suprema Corte e, também, como antigo

representante do Ministério Público paulista, tendo presente a situação dramática e cruel constatada no modelo penitenciário nacional, que se vive,

no Brasil, em matéria de execução penal, um mundo de ficção que revela um assustador universo de cotidianas irrealidades em conflito e em

completo divórcio com as declarações formais de direitos que – embora contempladas no texto de nossa Constituição e, também, em convenções

internacionais e resoluções das Nações Unidas – são, no entanto, descumpridas pelo Poder Executivo, a quem incumbe viabilizar a implementação

do que prescreve e determina, entre outros importantes documentos legislativos, a Lei de Execução Penal.

O fato preocupante é que o Estado, agindo com absoluta indiferença em relação à gravidade da questão penitenciária, tem permitido, em razão de sua própria inércia, que se transgrida o direito básico do sentenciado de receber tratamento penitenciário justo e adequado, vale dizer,

Informativo 843-STF (24/10/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 14

tratamento que não implique exposição do condenado a meios cruéis ou moralmente degradantes, fazendo-se respeitar, desse modo, um dos mais

expressivos fundamentos que dão suporte ao Estado democrático de direito: a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III).

O Poder Executivo, a quem compete construir estabelecimentos penitenciários, viabilizar a existência de colônias penais (agrícolas e

industriais) e de casas do albergado, além de propiciar a formação de patronatos públicos e de prover os recursos necessários ao fiel e integral

cumprimento da própria Lei de Execução Penal, forjando condições que permitam a consecução dos fins precípuos da pena, em ordem a

possibilitar “a harmônica integração social do condenado e do internado” (LEP, art. 1º, “in fine”), não tem adotado as medidas essenciais ao

adimplemento de suas obrigações legais, muito embora a Lei de Execução Penal preveja, em seu art. 203, mecanismos destinados a compelir as

unidades federadas a projetarem a adaptação e a construção de estabelecimentos e serviços penais previstos em referido diploma legislativo, inclusive

fornecendo os equipamentos necessários ao seu regular funcionamento. Não foi por outra razão que o Plenário desta Corte Suprema, em outro precedente de igual importância (RE 592.581/RS, Rel. Min.

RICARDO LEWANDOWSKI), formulou tese segundo a qual se revela lícito ao Poder Judiciário “(...) impor à Administração Pública obrigação

de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º,

XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes”

(grifei). O exame do conteúdo da Portaria nº 022/2016 dos Senhores Magistrados do DEECRIM da 9ª RAJ (São José dos Campos) parece-me

ajustar-se, com absoluta fidelidade, aos precedentes que motivaram a formulação da Súmula Vinculante nº 56, obstando o surgimento de situações

anômalas que, imputáveis ao Poder Público, lamentavelmente têm frustrado os direitos subjetivos dos sentenciados. De outro lado, vislumbro em referido ato colegiado uma importante consequência de ordem prática consistente em evitar sucessivas

impetrações de “habeas corpus” ou ajuizamento, perante esta Suprema Corte, do remédio constitucional da reclamação, por alegado

descumprimento da eficácia impositiva da Súmula Vinculante nº 56. A situação que venho de destacar parece refletir, “mutatis mutandis”, aquela que culminou na solução jurisdicional que o Supremo Tribunal

Federal, em sede de “habeas corpus”, estabeleceu a propósito da renovação automática do benefício de saídas temporárias programadas (HC

128.763/RJ, Rel. Min. GILMAR MENDES – HC 129.713/RJ, Rel. Min. ROSA WEBER – HC 130.502/RJ, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – HC

131.279/RJ, Rel. Min. EDSON FACHIN – HC 131.782/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Vale acentuar que essa diretriz jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal reflete-se, por igual, na orientação hoje prevalecente no E.

Superior Tribunal de Justiça por efeito de julgamento firmado por sua colenda Terceira Seção (REsp 1.544.036/RJ, Rel. Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ).

Sendo assim, e em face das razões expostas, defiro o pedido de medida cautelar para, suspendendo a eficácia da deliberação administrativa

do eminente Senhor Desembargador Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo proferida em 31/08/2016 (2016/00131757), restabelecer, para fins de sua imediata execução, até final julgamento da presente reclamação, a aplicabilidade da Portaria nº 022/2016 editada pelos MMs.

Juízes de Direito do DEECRIM da 9ª RAJ (São José dos Campos).

Comunique-se, transmitindo-se cópia da presente decisão ao Excelentíssimo Senhor Desembargador Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, aos Senhores Juízes de Direito do DEECRIM da 9ª RAJ (São José dos Campos), à Presidência da Seção Criminal do E. Tribunal de

Justiça do Estado de São Paulo, ao Senhor Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo, aos ilustres Defensores Públicos do Estado de São

Paulo que subscrevem a presente reclamação e ao Senhor Secretário de Estado da Administração Penitenciária paulista. Publique-se.

Brasília, 03 de outubro de 2016 (22h20).

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

*decisão publicada no DJe em 6.10.2016

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS 10 a 14 de outubro de 2016

Medida Provisória nº 748, de 11.10.2016 - Altera a Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Publicado no DOU, Seção 1, Edição nº 197, p. 1, em 13.10.2016.

Medida Provisória nº 749, de 13.10.2016 - Dispõe sobre a prestação de auxílio financeiro, pela União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, relativo ao exercício de 2016, com o objetivo de fomentar as exportações do País. Publicado no DOU, Seção 1, Edição Extra nº 197, p. 1, em 13.10.2016.

OUTRAS INFORMAÇÕES 10 a 14 de outubro de 2016

Decreto nº 8.876, de 13.10.2016 - Altera o Decreto nº 1, de 11 de janeiro de 1991, que regulamenta o pagamento da compensação financeira instituída pela Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Publicado no DOU, Seção 1, Edição nº 198, p. 1, em 14.10.2016.