resumos teoria do crime fdunl

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1 Resumos Teoria do Crime I. Evolução histórica da teoria geral do crime Teoria da Infração A Teoria Geral do crime surge pela primeira vez nos Tratados de Direito Penal do Século XVI através de TIRAQUEAU. Nesses tratados já se definia o crime através da distinção dos seus elementos e o crime era: um facto, ilícito e punível, praticado com dolo ou negligência. Sentido, método e estrutura da conceptualização de facto punível Todo o Direito Penal é Direito de facto, não direito penal do agente. Toda a regulação jurídico- penal liga a punibilidade a tipos de factos singulares e à sua natureza, não a tipos de agentes e às circunstâncias da sua personalidade. Por outro lado, as sanções aplicadas ao agente constituem consequências daqueles factos singulares e neles se fundamentam, não sendo formas de reação contra uma personalidade ou tipo de personalidade. Neste seguimento, pode desde logo ser dito que a construção dogmática do conceito de crime é afinal, em última análise, a construção do facto punível. Análise dogmática do conceito jurídico-penal de FACTO Só o FACTO constitui o fundamento e o limite dogmático do conceito geral de crime. A tentativa de apreensão dogmática deste conceito jurídico-penal de FACTO constitui uma das mais ingentes tarefas a que até hoje se dedicou a dogmática jurídica. Essa tentativa ocorreu, quase sempre, durante os dois últimos séculos, na base de um procedimento metódico categorial- classificatório, através do qual se toma como base um conceito geral- no caso o conceito de ação- suscetível, pela sua larga extensão e pela sua reduzida compreensão, de servir de pedra angular de todas as predicações ulteriores. O que não significa desagregar ou quebrar em pedaços diversos e autónomos o conceito de crime, mas alcançar uma sua compreensão unitária através da consideração sucessiva dos seus elementos constitutivos- compreensão lógico-sistemática- que permite que uma realidade unitária seja contemplada a partir de pontos de vista diversos. Elementos do Conceito de CRIME: 1. Ação; 2. Típica (Tipicidade); 3. Ilícita (Ilicitude); 4. Punível (Punibilidade) Sobre a Evolução Histórica da Doutrina Geral do Facto Punível Períodos: 1. Conceção CLÁSSICA- Notória influência naturalista e juspositivista;

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Resumos

Teoria do Crime

I. Evolução histórica da teoria geral do crime

Teoria da Infração

A Teoria Geral do crime surge pela primeira vez nos Tratados de Direito Penal do Século XVI através de TIRAQUEAU. Nesses tratados já se definia o crime através da distinção dos seus elementos e o crime era: um facto, ilícito e punível, praticado com dolo ou negligência.

Sentido, método e estrutura da conceptualização de facto punível

Todo o Direito Penal é Direito de facto, não direito penal do agente. Toda a regulação jurídico-penal liga a punibilidade a tipos de factos singulares e à sua natureza, não a tipos de agentes e às circunstâncias da sua personalidade. Por outro lado, as sanções aplicadas ao agente constituem consequências daqueles factos singulares e neles se fundamentam, não sendo formas de reação contra uma personalidade ou tipo de personalidade. Neste seguimento, pode desde logo ser dito que a construção dogmática do conceito de crime é afinal, em última análise, a construção do facto punível.

Análise dogmática do conceito jurídico-penal de FACTO

Só o FACTO constitui o fundamento e o limite dogmático do conceito geral de crime. A tentativa de apreensão dogmática deste conceito jurídico-penal de FACTO constitui uma das mais ingentes tarefas a que até hoje se dedicou a dogmática jurídica. Essa tentativa ocorreu, quase sempre, durante os dois últimos séculos, na base de um procedimento metódico categorial-classificatório, através do qual se toma como base um conceito geral- no caso o conceito de ação- suscetível, pela sua larga extensão e pela sua reduzida compreensão, de servir de pedra angular de todas as predicações ulteriores. O que não significa desagregar ou quebrar em pedaços diversos e autónomos o conceito de crime, mas alcançar uma sua compreensão unitária através da consideração sucessiva dos seus elementos constitutivos- compreensão lógico-sistemática- que permite que uma realidade unitária seja contemplada a partir de pontos de vista diversos.

Elementos do Conceito de CRIME:

1. Ação; 2. Típica (Tipicidade); 3. Ilícita (Ilicitude); 4. Punível (Punibilidade)

Sobre a Evolução Histórica da Doutrina Geral do Facto Punível

Períodos: 1. Conceção CLÁSSICA- Notória influência naturalista e juspositivista;

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2. Conceção NEOCLÁSSICA- os fundamentos conseguem-se encontrar no normativismo jurídico da filosofia de raiz Neokantiana;

3. Conceção FINALISTA- Orientada por uma conceção ôntica ou regional-ontológica do Direito, ligada

a uma fenomenologia e a uma filosofia material dos valores. Cada uma das conceções pretendeu, mais do que substituir, superar as anteriores. Como exatamente JESCHECK sublinha: “nenhuma das teorias conseguiu afastar completamente as outras, continuando ainda hoje vivos, uns junto aos outros, pensamentos procedentes dos três sistemas.

CONCEPÇÃO CLÁSSICA- Positivista Naturalista

A conceção chamada clássica do Facto Punível assenta numa visão do jurídico decisivamente influenciada- numa perspetiva jurídico-criminal- pela então denominada Escola Moderna e, de forma geral, pelo Naturalismo Positivista que caraterizou o monismo científico próprio de todo o pensamento da segunda metade do séc. XIX. De acordo com esta conceção, o sistema de facto punível haveria de ser constituído por realidades mensuráveis e empiricamente comprováveis, pertencessem elas: à facticidade (objetiva) do mundo exterior ou antes a processos psíquicos internos (subjetivos). Esta conceção ainda está hoje muito viva na Doutrina Francesa Dominante. Ficava então próxima uma bipartição do conceito de crime que agrupasse os seus elementos constitutivos na:

Vertente objetiva- ação típica e ilícita

Esta vertente via na ação o movimento corporal determinante de uma modificação do mundo exterior, ligada casualmente à vontade do agente. Ação esta que se tornaria em ação típica sempre que fosse lógico-formalmente subsumível num tipo legal de crime, i.e., numa descrição puramente externo-objetiva da realização da ação, completamente estranha a valores e sentidos. A ação típica, por seu turno, tornar-se-ia em ilícita se no caso não pudesse ser colocada nenhuma cláusula de exclusão da ilicitude- legítima defesa, estado de necessidade, obediência devida, etc- que, a título excecional, tornasse a ação típica em ação lícita, aceite ou permitida pelo Direito. Assim se determinariam em definitivo a constraditoriedade da ação ao ordenamento jurídico. E com isto ficaria perfeita a vertente objetiva do Facto.

Vertente subjetiva- ação culposa Quanto à vertente subjetiva do facto, ela concentrar-se-ia na categoria da culpa. A ação típica e ilícita tornar-se-ia ainda culposa sempre que fosse possível comprovar a existência, entre o agente e o seu facto objetivo uma ligação psicológica- daí esta doutrina ter ficado conhecida pela sua conceção psicológica de crime conexa com a ação culposa. Esta vertente é suscetível de legitimar a imputação do facto ao agente a título de dolo- conhecimento e vontade da realização do facto- ou mesmo a título de negligência- deficiente tensão de vontade impeditiva de prever corretamente a realização do Facto.

a) Elemento Objetivo: Tipicidade e Ilicitude

b) Elemento Subjetivo: Culpa (Dolo+Negligência)

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Formulação Clássica de VON LISZT

Desenvolvida pela pessoa de VON LISZT em finais do Sec. XIX e inícios do Século XX. Este é um autor filosoficamente positivista. Entende que a realidade é dada na experiência e que por isso, o crime é uma realidade no mundo da experiência. Os seus elementos serão parte dessa realidade e deverá fazer-se uma distinção material desses elementos. Este autor considerava quatro elementos:

1- Ação- elemento objetivo

A Escola adota um conceito naturalístico de ação segundo o qual a ação traduz-se num movimento corporal que leva a uma transformação do mundo exterior, estando o movimento e a transformação ligados por um nexo de causalidade. Mas para haver crime não basta a prova da ação. Tem que se provar ainda a ilicitude do facto.

2- Ilicitude- elemento objetivo

Quando há ilicitude, existe uma contrariedade da conduta para com a norma jurídica, sendo esta apenas constituída pelos elementos objetivos do crime. Por exemplo: no crime de Homicídio- art. 131º CP - fariam parte dos elementos do crime: o agente, a ação de matar, o resultado morte e o nexo de causalidade de entre a ação de matar e o resultado morte.

3- Culpa- elemento subjetivo

Já os elementos subjetivos do crime, como o dolo e a negligência faziam parte da culpa na Escola Clássica, i.e., todos os processos anímicos e espirituais que se desenrolavam no interior do agente ao praticar o crime, pertenciam à culpa. O dolo fazia parte da culpa e consistia na vontade de realizar o facto e a Negligência consistia na deficiente detenção da vontade que não permitia ver a realização do facto.

4- Punibilidade- elementos adicionais objetivos

A Punibilidade correspondia ao conjunto de elementos adicionais geralmente objetivos que permitiam distinguir crime de outros atos ilícitos e culposos. Em 1906 com a sua Biografia denominada Teoria da Infração surge a pessoa de BELING, importante autor da Escola Clássica que faz uma alteração profunda na Teoria Geral do Crime ao introduzir a Tipicidade. Em termos Gerais, BELING diz que para haver crime é também necessária a tipicidade, i.e., que haja uma conformidade do facto praticado para com a previsão da norma incriminadora. Ou seja, tem que haver uma correspondência do facto praticado com o tipo legal previsto.

Apreciação Crítica O conceito de ação, ao exigir um movimento corpóreo e, de todo o modo, uma modificação

do mundo exterior, restringia de forma inadmissível a base de toda a construção, o que conduzia a afirmações tão estranhas à realização da vida como a de que a ação, no crime de injúria, consistiria na emissão de ondas sonoras dirigidas ao aparelho auditivo do receptor; ou ainda que, na omissão, o que relevaria como ação seria uma ação precedente;

Reduzir a tipicidade a uma operação lógico-formal da subsunção, esquecendo as unidades

de sentido social que vivem nos tipos está errado o que, levaria, por exemplo, a igualar o acto do cirurgião que salva a vida do paciente com o do faquista que, em vendetta, esventra a vítima;

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Para além disso, reduzir o juízo de ilicitude à ausência de uma causa de justificação do facto típico constituiria uma compreensão paupérrima e, em definitivo, inexata do que vai implicado no juízo de contraditoriedade à ordem júridica;

Finalmente, também a concepção psicológica de culpa esqueceria que também o inimputável que

- por definição, incapaz de culpa- pode agir com dolo ou negligência. Na negligência, pelo menos na inconsciente, onde não há previsão do resultado, não existe qualquer relação psicológica comprovável de entre o facto e o agente, mas antes uma ausência dessa relação- por exemplo, o faroleiro que se deixa adormecer e não dá o sinal devido; e ainda que, independentemente da verificação do dolo ou da negligência, circunstâncias adicionais existem para excluir a culpa nomeadamente, certas situações de falta de consciência do ilícito ou da inexigibilidade de outro comportamento.

Não eram, então, mais defensáveis os fundamentos ideológicos e filosóficos sobre que assentava a concepção clássica. As suas insuficiências não podiam mais ser escondidas: 1. não participa do monismo metodológico e ideológico das realidade e envolve-se com realidades que excedem a experiência psicofísica e se não inscrevem de modo exclusivo no mundo do ser; por outro lado, o pensamento jurídico não se deixa comandar por uma metodologia de cariz positivista nem se esgota em operações de oura lógica formal.

Conceitos de Tipicidade:

a) Tipo Indiciário (TYPUS) - o tipo indiciário abrange apenas as circunstâncias envolvidas na norma incriminadora e por isso, quando o facto corresponde às circunstâncias descritas apenas na previsão legal, pode afirmar-se que aquele facto é típico;

b) Conceito essencial ou definitivo (TATBESTAND) - este conceito de tipo essencial ou definitivo abrange o conjunto de elementos constitutivos do crime, ou seja, abrange todas as circunstâncias de que depende a consequência final. Por isso mesmo não tem que ver só com as circunstâncias descritas na norma incriminadora, mas também as das normas da parte especial e mesmo as das normas processuais. Por exemplo, o tipo do art. 131º, além da ação de matar, abrange o facto de a ação não ter sido praticada em legítima defesa, logo não se exclui a ilicitude do facto. O Tipo incriminador abrange até os pressupostos processuais de aplicação da Pena. Os Pressupostos Processuais Penais fazem também parte do tipo porque são circunstâncias necessárias da aplicação da pena.

BELING foi responsável pela criação do conceito de Tipo na Escola Clássica. Mas quando LISZT acolhe o conceito de tipo proveniente de BELING coloca-o como ultimo elemento do crime. Contudo, nas últimas edições do seu tratado, a tipicidade surge como segundo elemento da qualificação do facto como crime. O crime passa a ser: um facto; típico, ilícito, culposo e punível. Vai buscar o conceito de tipo essencial (indiciário) porque este abrange tudo o que é necessário para que uma pena possa ser aplicada. O conceito de tipo continua a ser essencial atualmente e por isso é este conceito que temos que utilizar na resolução de casos práticos- uma ação é típica quando é indiciária.

Tipo em Sentido Concreto e Tipo em Sentido Abstracto

Consoante o ponto de referência, temos o tipo:

Em sentido Concreto- quando o ponto de referência é o facto concreto, se se está a averiguar

se no caso estão presentes as circunstâncias de que depende a pena, estamos a pensar no tipo em concreto- que pode ser indiciário - quando abrange as circunstâncias em específico; ou essencial- quando abrange todas as circunstâncias.

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Em sentido Abstrato- mas se o ponto de referência é a previsão da norma, está-se a pensar no tipo em sentido abstrato e mais uma vez este pode ser indiciário ou essencial se abrange as circunstâncias em específico ou todas as circunstâncias.

(Método Subsuntivo) Para se averiguar se dadas circunstâncias previstas na lei estão ou não presentes num caso concreto, temos o método Subsuntivo. A técnica da Subsunção consiste numa operação lógica pela qual o facto concreto se determina como um caso suscetível de ser integrado em certa norma. Quando se diz que um caso concreto configura um crime, podemos afirmar que a situação fáctica se subsume na norma, sendo que a subsunção tem aqui um sentido final. Ou seja, tem que existir uma interpretação da lei previamente ao acto de subsumir.

Há quem critique este Método Subsuntivo da aplicação do Direito porque implica uma dissociação analítica dos termos: facto e norma. Para os críticos este esquema implica uma dissociação analítica objetiva do facto e da norma, o que não se pretende em Direito Penal.

Estes críticos também alegam que o caso não é dado, não há um facto objetivo, o que há é uma construção normativa do facto.

A contracrítica que a professora faz a estes autores tem que ver com o facto de não proporem qualquer solução para o método Subsuntivo que tem vindo a ser seguido. Além disso este método também vê o caso penal como um caso em construção. Isto significa que se passa do facto objetivo para a norma e da norma para o caso concreto e portanto não há um caso dado. Em suma, a subsunção deve ser o método por nós adotado na resolução dos casos práticos.

Outros Conceitos de Tipo

Muitas vezes, só pelo conceito conseguimos perceber que há mais do que dois conceitos de tipo suscetíveis de integram a “Ciência da Teoria do Crime”.

TIPO DE GARANTIA

Conceito de tipo relevante do ponto de vista constitucional. Abrange todos os elementos que fundamentam positivamente a punibilidade e não abrange os elementos negativos- apenas se tem em conta os elementos que constituem positivamente o crime. A punibilidade é definida apenas positivamente. O tipo em sentido abstrato e o tipo em sentido concreto têm um ponto de referência no caso, ou seja, as circunstâncias do caso concreto. Há uma verificação se no caso concreto estão reunidos todos os elementos do tipo. Se olharmos para a norma simplesmente, estamos a pensar no tipo de garantia- que pode corresponde ao tipo concreto ou abstracto. Pode conjugar-se tudo:

tipo concreto (caso) + abstrato (norma) = tipo de Garantia. O princípio da legalidade existe em Direito Penal como forma de controlo do legislador ordinário e como forma de proteção do cidadão contra o ius puniendi do Estado. Ora, nas causas de exclusão da ilicitude já excluímos a responsabilidade, pelo que não necessita de estar abrangido pelo tipo de garantia. Só em relação aos elementos positivos da garantia é que se aplica o princípio da legalidade, com os seus corolários. O que não faz parte do tipo garantia já não está abrangido pelo princípio da legalidade.

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TIPO DE ILÍCITO

Como o próprio nome indica, o tipo de ilícito abrange, além dos elementos que fundamentam o juízo de ilicitude (e aí será apenas o tipo indiciário); abrange também os elementos que excluem a ilicitude- aqui será o tipo essencial do ilícito.

TIPO DE CULPA

Também temos aqui: o tipo indiciário de culpa- elementos que fundamentam a culpa; e o tipo essencial - elementos negativos e positivos que fundamentam ou excluem a culpa.

TIPO OBJETO DO DOLO

Abrange os elementos do tipo objeto da vontade do agente. O dolo, como sabemos, consiste na representação da realização do pratico típico e na vontade de realização do facto. O dolo tem por objeto os elementos objetivos do tipo. Para haver dolo tem que existir uma representação dos elementos objetivos do tipo. Por vezes, há erro que pode ter as suas consequências.

CONCEPÇÃO NEOCLÁSSICA- Normativista O chamado sistema neoclássico funda-se essencialmente na filosofia de valores de origem neokantiana, tal como ela foi desenvolvida nas primeiras décadas do século XX, pela chamada Escola do Sudoeste Alemão ou Escola de Baden. Ela pretende retirar o direito do mundo naturalista do “ser”, para, com a “ciência do espírito”, o situar numa zona intermediária entre aquele mundo e o do puro “dever-ser”, mais rigorosamente, num campo referencial, no mundo das referências da realidade aos valores, do ser ao dever-ser e, logo por aí, no mundo da axiologia e dos sentidos. Há, por isso, no que toca ao sistema do crime, que preencher os conceitos com estas referências, nomeadamente passando a caraterizar o facto ilícito como “danosidade social” e a culpa como “censurabilidade” do agente por ter agido como agiu, quando poderia ter agido de forma diferente. O conceito neoclássico de crime dominante em 1930 era defendido por vários autores, de entre os quais podemos destacar MEZGER. A Escola, do ponto de vista da filosofia, é NEOKANTIANA. Esta Escola entende, ao contrário dos positivistas, para quem a realidade era o mundo natural, que existia: o mundo do espirito; o mundo da cultura; e o mundo dos valores. Para esta escola o direito pertence ao mundo da cultura e ao mundo dos valores. Dessa forma, os neoclássicos vêm defender que a ilicitude e a culpa são (des)valores. Os próprios conceitos de ação e omissão são, para esta escola, valorativos, não apenas realidades do mundo natural. Assim, de acordo com esta escola, o próprio conceito de ação é um conceito social. E de acordo com o conceito social, ação seria um comportamento humano /voluntário/ e socialmente relevante. Este conceito é o conceito final da Escola Neoclássica porque teve uma evolução: 1 º Comportamento humano 2 º Voluntário O tipo, com esta Escola, deixa de estar ao lado da ilicitude para se limitar à missão formal de conter os elementos próprios. Por isso, o tipo transformou-se numa forma de ilícito que reúne os elementos característicos e que fundamentam positivamente a ilicitude. A ilicitude surge então como um desvalor, mas que para além de ser composta por elementos objetivos, passou a comportar, por vezes, elementos subjetivos. Isto significa que se começa a perceber que a ilicitude não é só objetiva, mas que a afirmação de factos ilícitos depende da análise de factos

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subjetivos: Por exemplo, no crime de furto, nos termos do art. 230º, a punição do agente dependerá da ilegítima intenção de apropriação.

(Ilicitude Material E Ilicitude Formal) Esta é uma grande transformação na Escola- passam-se a incluir elementos subjetivos no ilícito. Ainda quanto à ilicitude, na escola neoclássica, distingue-se:

Ilicitude formal- contrariedade à norma jurídica; Ilicitude Material- danosidade social.

Acentua-se na escola neoclássica a ilicitude material- começa a existir uma graduação da ilicitude consoante a lesão dos bens jurídicos. Interessa saber o quão reprovável é aquela conduta. Já cabem no conceito de ilícitos alguns elementos subjetivos.

Ação

Não pode dizer-se que esta concepção se tenha traduzido em um “novo” conceito de ação relativamente ao sustentado pela concepção clássica. A ação continuou a ser concebida, no essencial, como um comportamento humano causalmente determinante de uma modificação do mundo exterior ligada à vontade do agente. Por isso os finalistas puderam qualificar globalmente as concepções da ação proveniente das orientações clássica e neoclássica como concepções causais de ação.

Tipicidade

Em matéria de Tipicidade, esta passou a ser considerada como indispensável uma percepção da mesma não apenas como uma descrição formal-externa de comportamentos, mas materialmente como uma unidade de sentido socialmente danoso, como comportamento lesivo de bens juridicamente protegidos; para a qual relevavam não só elementos objetivos, mas, em muitos casos, necessariamente, igualmente elementos subjetivos.

Ilícito

Também o ilícito se apresentava em diversas hipóteses como um conglumerado de elementos objetivos e subjetivos, indispensável para a partir dele se concluir pela contraditoriedade material do facto à ordem jurídica. Exemplo paradigmático desta situação tem que ver com o crime de furto~ art. 203º/1- onde o tipo incriminador não é toda a subtração de coisa móvel alheia, mas só aquela que ocorrer “com ilegítima intenção de apropriação”.

Culpa

Teoria Normativa da Culpa- FRANK

Quando à CULPA- Teoria Normativa da Culpa- esta deixa de ser meramente subjetiva- FRANK desenvolve uma teoria baseada no estado de necessidade desculpante - cláusula de exclusão da culpa em sentido estrito. De acordo com FRANK, o essencial na culpa já não são os elementos subjetivos, mas o juízo de censura que só existiria se fosse exigível um comportamento contrario ao adotado. Traduzida esta concepção neoclássica num juízo de censura- a chamada concepção normativa de culpa- ela enriquecia-se e diversificava-se nos seus elementos constitutivos- nem todos, de resto, tendo de assumir natureza subjetiva, acabava por englobar maioritariamente elementos de cariz objetivo- o que era de certa forma contraproducente

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Elementos Objetivos ---) A Imputabilidade, como capacidade do agente de avaliar a ilicitude do facto e de se determinar por essa avaliação; ---) O dolo ou a negligência como formas ou graus de culpa; ---) A exigibilidade de um comportamento adequado ao direito. Portanto, em situações como as de estado de necessidade ou de erro desculpante, acaba por não ser exigível ao agente a adoção de outro tipo de comportamento e por isso aquele comportamento não é considerado como culposo. A culpa passa, portanto, a ser um juízo normativo- como a professora disse- de censura. Além disso, para além desse juízo de censura, tinha que existir uma motivação negativa do agente no sentido de este não ter tido a atitude interior exigível. Mas apesar desta evolução do conceito de culpa, continua a existir como forma de culpa o dolo e a negligência.

Apreciação Crítica Muitas das aquisições da concepção neoclássica do crime persistem hoje como irrenunciáveis, enquanto de outras se não pode dizer terem de todo desaparecido da discussão atual. É certo que os fundamentos ideológicos e filosóficos devem considerar-se em larga medida ultrapassados: sobretudo na parte em que a essência do Direito se não considera mais compatível com a profunda cisão entre o mundo do ser e o mundo do dever-ser que as correntes neokantianas ainda supunham. Mas também estava ultrapassada a ideia em que se reconhece que uma tal cisão de entre o mundo do ser para com o mundo dever-ser, pensada até ao fim, se torna suscetível de reeditar muitas das teses do naturalismo positivista que com ela se tinha procurado ultrapassar. É no que respeita diretamente à construção do sistema do facto punível que, a partir da erupção da “nova imagem do sistema jurídico-penal” enunciada por WELZEL em inúmeros estudos, as críticas mais se fizeram ouvir e deram pasto a uma controvérsia que ainda hoje “se não calou todo”. A crítica dirigiu-se mais sobretudo ao conceito de adotado de tipo Mecânico-Causalista da Ação que se esquece não ser neste âmbito que reside a essência do atuar humano. De tal modo que praticamente todos os erros na construção posterior do sistema teriam ali a sua origem radical: O Ilícito continuaria, apesar de nele se terem introduzido já elementos subjetivos, a constituir uma entidade fundamentalmente objetiva, que esqueceria ou minimizaria a sua carga ético-pessoal e não poderia servir por isso para corretamente caraterizar a contrariedade da ação à ordem jurídica;

Por seu turno, a culpa, apesar de se dizer concebida como um juízo de censura, continuava ainda a constituir um conglomerado heterogéneo do objeto, submetendo ao mesmo denominador caraterísticas que, como a imputabilidade e a exigibilidade, são na verdade elementos de um puro juízo, e caraterísticas que, como o dolo e a negligência, são elementos do substrato que deve ser valorado como censurável, o que ainda não acontecia.

CONCEPÇÃO FINALISTA- Ôntico-Fenomenológica Após a tragédia da II Guerra Mundial ficou claro que o normativismo das orientações jurídicas de raiz neokantiana não oferecia garantia bastante de justiça dos conteúdos das normas validamente editadas, mesmo que estas obedecessem ao formalismo democraticamente imposto. É então que se assiste à substituição definitiva do Estado de Direito Formal pelo Estado de Direito Material. Ficava por isso próxima a tentativa de limitar toda a normatividade, numa via fenomenológica e “ontológica”, pois leis estruturais determinadas do “ser”- pela natureza das coisas- as quais, uma vez

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estabelecidas, serviriam de fundamento vinculante às ciências do Homem e, por isso, também, ao Direito. O principal representante da Escola Finalista é WELZEL. Esta escola corresponde, dentro da Filosofia, à escola fenomenológica. De acordo com esta Escola, é possível determinar as essências no sentido de “formas de ser”- estas formas de ser são determinadas pelo método ontológico. De acordo com este pensamento, os valores não são mais do que essências, não são mais do que formas de ser, e por isso existem na zona da realidade e não resultam de atos de valoração, como defendia a escola neokantiana. A Hans Welzel (1904-1977) pertence o mérito de ter transposto para o Direito Penal, com uma clareza inigualável e uma lógica sem desfalecimento, todo este património ideológico sobre o Jurídico e o seu método. Decisivo seria determinar o “ser”, a “natureza da coisa” que se escondia sob o conceito fundamental de toda a construção do crime- conceito de ação: conceito pré-jurídico, como agora se compreende, que teria de ser ontologicamente determinado e que, uma vez aceite pelo legislador, não poderia por ele ser reconformado, antes teria de ser aceite não só em si mesmo, como em todas as suas implicações. Dele resultaria pois o inteiro sistema do facto e do crime.

Essência da Ação Humana

Para Welzel, a verdadeira essência da atuação humana foi encontrada na verificação de que o Homem dirige finalisticamente os processos causais naturais em direção a fins mentalmente antecipados, escolhendo para o efeito os meios correspondentes:

Toda a ação humana é assim uma supradeterminação final de um processo causal.

Eia a “natureza ontológica” da ação, a partir da qual todo o sistema do facto punível haveria de ser construído. Welzel determinou os caminhos de toda a dogmática penal durante as décadas que se seguiram ao fim da II Guerra Mundial. Por mais cerrada crítica que possa merecer a Escola Finalista, a verdade é que ela conduziu a aquisições científicas às quais ainda hoje se não deve renunciar. Os finalistas defendem desde logo que a ação em Direito Penal é uma essência. O Direito Penal existe independentemente do próprio Direito: tem uma estrutura própria. O conceito adotado pela Escola Finalista era o conceito final da ação que a define como: supradeterminação final de um processo causal. Dito de outra forma, a ação traduz-se no processo causal conduzido pela vontade para determinado fim. Se repararmos, este conceito provoca uma alteração fulcral no crime porque o dolo (elemento subjetivo) passa a fazer parte do tipo incriminador. Faz para já parte do conceito de ação e devido a esse facto passam também a ser essenciais para o tipo. É por isso que se afirma atualmente na Doutrina que a estamos perante um pensamento Pós Finalista.

Consequências Derivadas da Conceção de Ação

1. Dolo- este dolo no parecer tanto da teoria clássica, como da neoclássica, constituía um elemento integrante da culpa. Contudo, esta acepção foi alterada, sendo que o dolo com a concepção finalista passou a conformar um elemento essencial da tipicidade. Não seria bastante dizer, como afirmava a teoria neoclássica, que o tipo pode em certos casos conter elementos subjetivos, ao lado do seu núcleo essencial constituído por elementos objetivos. Preciso seria afirmar que o tipo é sempre constituído:

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Vertente Objetiva- referente aos elementos descritivos do agente, da conduta e do seu circunstancialismo; Vertente Subjetiva- referente ao dolo e eventualmente à própria negligência.

Só da conjugação destas duas vertentes pode resultar, de acordo com esta concepção finalista, o juízo de contraditoriedade da ação à ordem jurídica: é dizer, o juízo de ilicitude- não causal, mas pessoal. Desta forma se substitui, às anteriores concepções causais-objetivas, uma concepção pessoal-final do ilícito. Só também assim se atingiria uma verdadeira concepção normativa de culpa, como havia sido intenção não lograda na opinião do suposto “finalismo” da orientação neoclássica. A visão neoclassicista tem um erro que reside em continuar a juntar na categoria da culpa a valoração- o juízo de culpa, de censura- com o objecto da valoração- o dolo e a negligência. Extraindo este objecto da valoração da culpa e situando-o no tipo do facto ilícito, estava cumprida a condição necessária para reduzir a culpa àquilo que verdadeiramente ela deveria de ser: Um Puro Juízo de desvalor- um autêntico juízo de censura. Juízo de censura do qual participariam os elementos da imputabilidade, da consciência (ao menos potencial) do ilícito e da exigibilidade de outro comportamento. Portanto, apesar de estes autores defenderem o conceito final de ação, continuam a considerar o dolo e negligencia como elementos do tipo e não como formas de culpa. Para afirmar que há uma ação temos de considerar o que o agente quis e pensou. Logo para se aferir da existência de uma ação, temos de ter em consideração obviamente os elementos subjetivos. De qualquer forma, o relevante é que como a ação passa a ser uma subdeterminação do processo causal, para se poder afirmar que uma determinada ação preenche o tipo, temos de considerar o que o agente pensou em relação ao tipo. Por isso, os elementos subjetivos que eram tratados na culpa passam a ser relevantes também ao nível da tipicidade. Para a maior parte da doutrina, quando se analisa a tipicidade, devemos começar pelos elementos subjetivos e depois passamos para os elementos objetivos- é assim que temos de resolver os casos. A ação tem que ser típica: a tipicidade surge como valoração autónoma da ilicitude. E esta é uma valoração autónoma e indiciaria da ilicitude. Por conseguinte, a ilicitude é uma valoração sobre o comportamento na sua vertente objetiva e subjetiva que compreende o desvalor da ação e o desvalor de resultado.

Dois aspetos: Vontade ilícita- desvalor da ação; Lesão do bem jurídico- desvalor do resultado.

A CULPA A culpa na Escola Finalista é no essencial um juízo de censura por o agente não ter agido de outra maneira. O juízo de censura acaba por resultar do facto de o agente poder ter agido de outra forma, o que acabou por não fazer. A culpa coincide, neste âmbito, com as cláusulas de exclusão da culpa em sentido amplo. Para vermos se um facto é culposo ou não temos de averiguar se estão ou não reunidas as cláusulas de exclusão da culpa. A maior parte dos autores atuais são pós finalistas, no sentido de finalistas com variações, porque consideram que o dolo e a negligência são elementos do tipo. Como refere Figueiredo Duas, não se pode dizer que um facto preencha materialmente um tipo de crime no seu aspeto substancial enquanto unidade de sentido social juridicamente desvaliosa sem que haja dolo ou negligência.

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Doutrina Teleológico-Funcional de cariz Pós- Finalista

Dentro dos pós finalistas há uma doutrina que se pode denominar de teológico-funcional ou racional final do direito penal, cujos defensores estão de acordo em afastar o ponto de partida dos finalistas, i.e., querem que se deixe de partir das realidades ontológicas previas ao direito penal. Para os defensores desta conceção, o sistema do direito penal só pode guiar-se pelas finalidades do Direito Penal. Um autor representativo desta doutrina é sem duvida JAKOBS e entre nós, a professora diria que é difícil situar os autores portugueses numa determinada escola.

Apreciação Crítica

Ação Do ponto de vista normativo, esta visão finalista é insuscetível de nos oferecer uma base unitária a todo o atuar humano que releva para o Direito Penal. A supradeterminação causal é em fim de contas tão estranha a sentidos e a valores como o conceito causal de ação que a concepção finalista pretendeu definitivamente ultrapassar.

Ilícito Pessoal As aquisições da doutrina finalista, no que respeita à concepção de ilícito finalista, apresentam-se hoje cheias de valor e mesmo reforçadas por toda a discussão científico-dogmática posterior que suscitaram. A não ser nos casos do dolo e de negligência, o facto não poderia dizer-se contrário à ordem jurídica e por conseguinte ilícito. Nem sequer se poderia dizer que preenchia materialmente um tipo de crime no seu aspeto substancial, enquanto unidade de sentido social juridicamente desvaliosa, da mesma forma que isso se não pode dizer de um facto natural- como acontece no caso de uma seca, inundação ou terramoto- ou de um facto animal, ou até mesmo de um qualquer processo humano imprevisível ou incontrolável. Todo o ilícito é por conseguinte um ilícito pessoal e dele fazem parte o dolo, como representação e vontade de realização de um facto, e a negligência, como violação do cuidado objetivamente imposto.

Culpa No que respeita à Culpa, a doutrina finalista diferentemente da campo a amplo e fundado criticismo. A afirmação de que a culpa é mero juízo de (des)valo, expurgada de todo o objeto de valoração reduzida à pura valoração do objeto, não é compatível com a função político-criminal que o princípio da culpa deve exercer no sistema. Uma tal função fica reduzida a muito pouco se a culpa se traduzir, como com razão foi criticado Welzel, num “puro juízo existente na cabeça do juiz” e a sua materialidade for imputada a outras categorias do sistema. Se o princípio da culpa é um princípio político-criminal e dogmático verdadeiramente essencial do sistema penal, e se as sanções penais para o mesmo tipo de crime são distinguidas primordialmente em função do dolo e da negligência- então o dolo e a negligência têm de ter significado como graus, formas ou tipos de culpa, em todo o caso como matéria de culpa. E esta verificação implica, só por si, uma profunda revisão de todo o sistema finalista.

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II.

O conceito de ação jurídico-penalmente relevante. Ação e

omissão

Fundamentos de uma construção teleológico-funcional e racional do conceito de facto punível

Figueiredo Dias – A posição aqui contida vem antes a participar de um sistema emergente, comandado pela convicção de que a construção do conceito de facto punível deve apresentar-se como teleológico-funcional e racional, possuindo a partir daqui os seus próprios postulados e determinando os seus específicos desenvolvimentos.

Comandado pela convicção de que aquele sistema e os seus conceitos integrantes são formados por valorações fundadas em proposições político-criminais imanentes ao quadro axiológico e às finalidades jurídico-constitucionais. Este sistema emergente arranca da conceção avançada por Roxin em 1970 a propósito das relações entre a política criminal e o sistema do facto punível.

Discussão à roda do conceito de ação e as formas básicas de aparecimento do crime

As funções atribuíveis ao conceito de ação dentro de um sistema categorial-classificatório. Continua a subscrever-se a ideia tradicional do conceito de ação como base autónoma e unitária de construção do sistema, capaz de suportar as posteriores predicações da tipicidade, da ilicitude (antijuricidade), da culpa e da punibilidade, sem todavia as pré-determinar. Para ser assim, porém, deve ser exigido deste conceito “geral” de ação que cumpra uma pluralidade de funções: na sistematização de inigualada clareza, uma função de classificação, uma função de definição e ligação e uma função de delimitação.

Funções do Conceito de Ação

Para a maior parte da Doutrina, o primeiro elemento do crime é a ação. Se não há uma ação jurídico-penalmente relevante, não importa avançar na análise de determinado comportamento. Como já sabemos, surgiram ao longo do tempo quatro grandes conceitos de ação:

³ Causal ou naturalístico- conceito da escola clássica; ³ Conceito Social de Ação- que começou por ser adotado pela escola neoclássica e

atualmente é adotado por alguns autores (Maria Fernanda Palma) ³ Conceito Final de Ação (Escola Finalista) ³ Conceito Pessoal de Ação- adotado por parte da Doutrina que começou com Roxin

Mas, antes de entrarmos na análise cada um destes conceitos de uma forma pormenorizada, há que referir que a maior parte da Doutrina atribui quatro funções ao conceito de ação:

Classificatória – conceito de ação deve abarcar todas as formas do comportamento humano que possam ser relevantes para o direito penal. Para cumprir esta função, o conceito tem de ser um tal que assuma carácter- o significado lógico- de conceito superior, abrangendo todas as formas possíveis de aparecimento do comportamento punível (tanto a forma ativa, como a omissiva, a forma dolosa e a negligente) e representando o elemento comum de todas elas;

Delimitadora – determinar os comportamentos que à partida já se sabe que não podem ser

considerados crime. Conceito de ação deve permitir excluir todos os comportamento irrelevantes para o direito penal e para a dogmática do conceito de facto punível (acontecimentos naturais ou comportamentos animais, meras cogitações ou pensamentos, ações automáticas, etc.);

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Definição – suporte aos restantes elementos do crime (ação típica, ilícita, culposa, punível). Conceito de ação tem de ter um conteúdo material suficientemente amplo para servir de suporte aos restantes elementos do crime.;

Elemento de ligação aos restantes elementos do crime – conceito de ação tem de ser neutral

em relação ao restantes elementos do crime, ou seja, possuir em si o mínimo de substância ou de materialidade indispensáveis a suportar essas predicações posteriores sem, todavia, as predeterminar, isto é, sem antecipar o significado material específico que anima cada uma delas.

Ficam por isso para análise os conceitos de ação que ainda hoje continuam a ter curso na doutrina e entre os quais se destaca, para além do conceito final, o conceito social de ação.

Tanto o “finalismo” como o “objetivismo social” – desde que normativizados, no sentido de referidos a sentidos e valores – constituem concepções aceitáveis sobre esta essência do atuar humano nos contextos pessoal e social e têm uma palavra de relevo a dizer na doutrina do facto punível.

Deve-se esperar de qualquer uma destas orientações um contributo decisivo para a obtenção de uma síntese de fatores ônticos e axiológicos, de uma correspondência entre ser e dever ser que permita novas e frutuosas aquisições hermenêuticas na doutrina do crime.

Problema que persiste: saber se, de qualquer destas maneiras, se logra a obtenção de um conceito que sirva simultaneamente a pluralidade de funções que ele deve cumprir como suporte de todo o sistema do facto punível.

Posições Doutrinárias: A professora diria que só o conceito de ação amplo pode excluir

aquilo que não é relevante para o Direito Penal. Contudo, para grande parte da Doutrina, a análise do caso concreto deve começar pelo conceito der ação.

Contudo, Figueiredo Dias afirma o contrario. Para este autor, não se deve começar pelo conceito de ação, mas sim de ação típica: só se deve falar em ação típica porque só essa interessa ao Direito Penal. Dias diz que, em ultima análise, o que importa é saber se houve a ação típica de matar, furtar, etc, dependendo do tipo de crime sub judice. Além disso, o autor vem levantar uma critica dizendo que o elemento da ação não pode ser algo pré jurídico. Para Figueiredo Dias, não há um conceito geral de ação previamente dado ao tipo. (Posição da Professora BÁRBARA SOUSA DE BRITO) A professora não concorda com Figueiredo Dias. Diz:

a) “Mesmo o professor Figueiredo Dias, que defende o começo por ação típica, vai começar o conceito de ação para excluir os elementos que não são relevantes para o Direito Penal”. Por exemplo, A num ataque de sonambulismo dá um soco ao B. Neste caso, Figueiredo iria buscar o conceito de ação para afirmar que este comportamento não é relevante para o Direito Penal. Beneficia da função de exclusão dos comportamentos que não são relevantes para o Direito Penal. Logo, se afasta o conceito de ação como conceito inicial, não deixa de o utilizar dentro da tipicidade;

b) “Ao contrário de Figueiredo, acho que o conceito de ação pode ter uma compreensão pré jurídica”.

Parte da Doutrina considera que é possível existir um conceito de ação ao qual possam ser reconduzidos outros elementos do tipo.

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Art. 10º CP Comissão por acção e por omissão

“1 - Quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo como a omissão da acção adequada a evitá-lo, salvo se outra for a intenção da lei. 2 - A comissão de um resultado por omissão só é punível quando sobre o omitente recair um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar esse resultado. 3 - No caso previsto no número anterior, a pena pode ser especialmente atenuada.”

É necessário haver uma ação à qual se possa reportar os restantes elementos do crime. No fundo a professora quer dizer-nos que a questão da existência da ação é autónoma em relação a questão de saber se a ação é típica ou não. Mas tal como Figueiredo Dias, também a professora considera que a aplicação do Direito Penal é uma aplicação que se coloca em relação ao conceito de ação típica, mas primeiro temos de partir de um conceito de ação, porque este serve de base às restantes valorações. Os elementos subjetivos do tipo ajudam então a determinar se existe ou não uma ação. Estamos a perceber a Doutrina dominante

Conceitos de Ação

Conceito Causal de Ação; Conceito Final de Ação; Conceito Social de Ação; Conceito Negativo de Ação; Conceito Pessoal de Ação.

Conceito Causal de ação

De acordo com o conceito causal, temos uma ação quando houver um movimento corporal que leva a uma transformação do mundo exterior, estando esse movimento e essa transformação ligados por um nexo de causalidade. Fala-se em conceito causal não só porque atende-se à vontade como causa do comportamento físico- não interessa o conteúdo da vontade aqui- mas também se fala em conceito causal porque se dá relevância à relação causal entre o comportamento e a consequência no mundo exterior. CRÍTICAS: Este conceito foi sujeito a várias críticas:

A) A principal critica a este conceito é a de que não inclui a omissão- não existe vontade em sentido naturalístico. O que caraterizada a omissão é precisamente o facto de não haver vontade em sentido naturalístico.

BELING responde a esta critica alegando que na omissão haveria a vontade de reter os músculos. Como afirmara ROXIN: “este argumento não procede porque na omissão não existe vontade de reter os músculos”. Na omissão negligente então não haverá de certeza essa vontade;

Conceito final de ação

O conceito final surgiu com a Escola Finalista. Para esta a ação consistia num processo causal conduzido pela vontade para determinado fim. E, numa ação, haveria três momentos:

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1.Definição dos objetivos- há uma antecipação mental do fim; 2.Eleição dos meios necessários à prossecução do fim; 3.Põe em andamento os processos causais com vista à prossecução do fim

Críticas a este conceito: Este conceito não abrange a totalidade dos comportamentos relevantes para o Direito Penal. Na omissão não há o colocar em andamento de um processo causal com vista à prossecução do fim e não se incluem as ações negligentes e inconscientes- que se caraterizam por não haver uma representação mental da realização do facto típico. As insuficiências da Conceção finalista para cumprir as funções que a qualquer conceito geral de ação são assinaladas patentearam-se claramente no preciso momento em que WELZEL levou a cabo a mais séria tentativa de lhe oferecer um estatuto definitivo, através do esclarecimento das relações entre finalidade e dolo. Face a estas críticas, a Escola Finalista e os seus autores vêm numa segunda fase, dizer que quando se fala em finalidade, não estavam a pensar em ação intencional, mas sim numa ação conduzida ou conduzível por parte do agente. Não era no sentido intencional, era uma ação conduzida ou condutível pelo agente. No fundo o que tem que existir é a possibilidade de um comportamento alternativo. Logo, os autores dizem: bem quando falávamos de acção intencional era no sentido de ser uma ação que é controlada ou controlável pela vontade do agente. É por isso que muitas vezes temos que ver se havia ou não possibilidade de haver um comportamento alternativo. O que interessa neste âmbito é o elemento subjetivo.

Ø Há comportamento alternativo possível- há ação; Ø Não havia comportamento alternativo- não há ação punível- caso do sonâmbulo Há aqui 2 possibilidades em abstrato:

1. A primeira reside em manter a identificação entre finalidade e dolo. Neste caso porém o conceito de ação perde a sua função de ligação, na medida em que se opera a sua pré-tipicidade, por isso que dolo só pode referir-se ao tipo ou constitui mesmo um seu elemento e o tipo e normativamente conformado, contém em si os elementos que dão à supradeterminação final um sentido que torna “esclarecida” e “socialmente relevante”;

2. A segunda possibilidade está a operar a cisão entre a finalidade e dolo, bastando então, para que de

ação final se possa falar, que o agente “tenha querido alguma coisa”, que tenha supra determinado finalisticamente um qualquer processo causal, sem que releve para as posteriores valorações sistemáticas o conteúdo da vontade.

Mesmo com as correções referidas, não se pode em definitivo dizer que um tal conceito de ação cumpra a sua função de delimitação e abarque a totalidade das formas básicas de aparecimento do facto punível. Pois se não há dúvida que um tal conceito abrange os crimes dolosos de ação (para os quais de resto foi pensado), já terá e deixar-se-á de fora os crimes de omissão e não possui em último termo conteúdo material bastante para que um parte dos crimes negligentes – pelo menos no que toca ao evento ou resultado – possa ser conexionado com ele. A conclusão é pois a de que, por uma ou outra forma, o conceito final de ação não pode arvorar-se em conceito geral de ação.

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Conceito social de ação: SCHIMIDT, JESCHECK E Fernanda Palma

Este conceito social de ação é atualmente defendido por uma grande parte da Doutrina. Para este segmento doutrinário: a ação é o comportamento humano, voluntario e socialmente relevante. Por comportamento devemos entender toda a resposta do Homem a uma exigência situacional reconhecida ou reconhecível mediante a realização de uma possibilidade de ação que o agente dispõe em razão da sua liberdade. Dito de outra forma, o comportamento humano é uma tomada de posição frente às possibilidades de agir que se oferecem ao agente. Essa tomada de posição tem que ser controlada ou controlável pela vontade. Se reparamos neste conceito de comportamento humano, pode-se retirar que:

O comportamento tem de ser praticado pelo Homem- pessoa singular não coletiva. Mas a tomada

de posição tem que ser feita frente a uma situação- pode traduzir-se numa ação ou omissão. O comportamento humano também tem que ser voluntario no sentido de ser controlado ou controlável por uma vontade.

Por ultimo, o comportamento tem de ser socialmente relevante, i.e., tem que ter um efeito no exterior e tem de afetar a relação do individuo com a sociedade. Este conceito também sujeito a varias criticas Estes são os requisitos para a consideração de uma conduta como uma acção. O que se passa com o conceito final ocorre igualmente, a menos em parte, com o conceito social de ação. Mas assim, como ao conceito final de ação se deve opor que deixa de fora da ação negligente um dos mais relevantes elementos das posteriores determinações da tipicidade e da ilicitude (o evento), também o conceito social de ação que aspire, como deve, a uma autonomia pré-jurídica deixará de fora da omissão o elemento que verdadeiramente a “constitui”- o ilícito – típico do crime omissivo: a ação positiva omitida e juridicamente imposta, devida ou esperada.

Criticas De entre as várias críticas que lhe são apontadas, é de realçar o facto de não ser totalmente neutral e por isso este conceito não pode servir de base aos restantes elementos do crime. Parte da Doutrina diz que este conceito não é suficientemente neutral porque o socialmente relevante deriva muitas vezes da relevância jurídica. Por exemplo, não pagar os impostos num determinado prazo só é relevante porque juridicamente lhe foi dada relevância. Quando se fala em neutralidade do conceito, basta que o conceito possa servir de base às restantes valorações. É o que acontece com o conceito social. O ser socialmente relevante não coincide sempre com o ser tipicamente relevante. Exemplo Mulher e sobrinho que querem matar para receber a herança Mulher que compra todos os dias cogumelos na esperança de um dos cogumelos ser venenoso e dessa forma matar o marido. Passados 3 anos compra os tão desejados cogumelos venenosos. Pode ou não ser responsabilizada jurídico criminalmente? O sobrinho que compra um bilhete de avião na pior companhia aérea do mundo na esperança que o tio morra no desastre e possa receber a herança pode ser responsabilizado jurídico criminalmente? A resposta a estas questões prende-se com o conceito social. De acordo com este comprar bilhetes ou cogumelos ou um bilhete não é socialmente relevante, logo os agentes não podem ser punidos. Há quem resolve estes casos com recurso ao conceito de ação. Contudo, para preencher o tipo tem que existir um aumento ou uma diminuição do risco permitido. Mas qual é a relevância da intenção da mulher e do sobrinho neste caso? O Direito Penal é de Facto não de intenções.

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O Direito Penal só se pode basear em factos e ações. A intenção por si não basta- e estas intenções para uns não são socialmente relevantes, e para outros não passam mais do que riscos permitidos. Só há tipicidade quando alguém cria um risco não primitivo. O comportamento não pode ser somente voluntário, tem que ser socialmente relevante. Se o sobrinho souber da existência da bomba, o risco já não é permitido, mas já é socialmente relevante. A conduta do sobrinho, no caso da pergunta, não é considerada pelo Direito como proibida. Só se podem punir condutas contrarias à lei. Como veremos, temos de recorrer muitas vezes ao conceito de ação para fazermos uma análise do crime, sem precisarmos do tipo. A análise do tipo pode ser suficiente, mas a ação em muitos casos permite excluir comportamentos que desde logo poderiam ser típicos. Em suma: Terá o conceito social de ação perdido a sua neutralidade e o seu carácter prévio e autónomo perante a doutrina da tipicidade e não terá cumprido, numa palavra, a sua função de ligação.

Conceito Negativo de Ação Em tempos relativamente recentes têm pretendido alguns autores, partindo aliás dos mais diversos supostos básicos, alcançar um conceito geral negativo de ação: “a ação do direito penal é o não evitar o resultado que de outra forma seria suscetível de ser evitado pelo agente”. Pensando desta forma ter logrado uma base sobre a qual se pode construir uma doutrina geral do facto, do ativo como do omissivo, do doloso como do negligente. Parece claro todavia que sob qualquer uma das múltiplas formulações que o aludido pensamento pode assumir, a caracterização só abrange os chamados “crimes de resultado”, não os de “mera atividade” ou “mera omissão”, não cumprindo assim a função de classificação.

Conceito pessoal de Ação

O seu principal defensor era ROXIN, embora este conceito tenha sido previamente adotado no ano de 1966 por ARTHUR KAUFMANN. Segundo este conceito, há ação em Direito Penal quando houver uma exteriorização da personalidade do agente. Personalidade é neste âmbito entendida como a unidade de corpo e de espírito. Em data recente veio Roxin ensaiar uma nova tentativa de construção de um conceito geral de ação, capaz de realizar a totalidade das funções sistemáticas que dele se esperam. Um tal conceito – pessoal- de ação residirá em ver esta como “expressão da personalidade”, em abarcar nela “tudo aquilo que pode ser imputado a um homem como centro de ação anímico-espiritual”. Este conceito de ação cumpriria integralmente as funções de classificação, de ligação e de delimitação que dele se esperam. É claro que o que importa é o que ROXIN tem que ver com a exteriorização da vontade que surge mais uma vez como uma conduta sujeita ao controlo do “eu” que provem da autodeterminação do sujeito. ROXIN acrescenta que quando refere ação, para alem de ela se traduzir na exteriorização da personalidade (realidade ontológica), traduz-se também numa valoração social e por isso não deixa de atribuir a este conceito uma certa importância social. Em termos de ação este é um conceito ôntico e social. Muitos e relevantes pontos merecem consideração: é pelo menos duvidoso que um tal conceito de ação logre libertar-se completamente de algumas das críticas que ao conceito social de ação foram apontadas. Isto essencialmente porque o comportamento só pode muitas vezes constituir-se como “expressão da personalidade” na base de uma sua prévia valoração como juridicamente relevante, também aqui se antecipando, nesta parte, a sua tipicidade e perdendo o conceito, nesta precisa medida, a sua função de ligação. A esta objeção acresce que a caracterização da ação como expressão da personalidade, por mais correta que em si mesma possa considerar-se não remete para qualquer sistema pré-jurídico e não

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tem por isso aptidão para se constituir em termos próximos de todo o sistema jurídico do facto punível. Por outro lado, não parece seguro que o conceito pessoal de ação – como qualquer conceito geral de ação- possa cumprir capazmente a sua função de delimitação. E isto porque não é o conceito apriorístico de ação que cumpre a função de delimitação, antes são os resultados da delimitação que se julgam corretos, as mais das vezes obtidos em função das exigências normativas dos tipos, que depois vão ser atribuídos ao conceito, ao seu conteúdo e aos seus limites. Uma das criticas que se faz também ao conceito de ROXIN é que esta noção de ação poderia sugerir que só há ação se esta for culposa, o que já não é aceitável tendo em consideração a evolução sofrida pela Teoria do Crime. Há quem entenda a culpa como um desvalor da personalidade. A contracrítica que se pode fazer é que uma coisa é a exteriorização da personalidade, outra e considerar essa exteriorização como um desvalor. JACOBS Para este autor, ação surge como evitabilidade de uma diferença de resultado. Portanto, todo o comportamento que for evitável é uma ação jurídico penalmente relevante e o comportamento será evitável se for conhecido; ou cognoscível pelo agente e o se o agente tiver a possibilidade de influir no acontecimento.

CONCLUSÕES: Necessidade de a teoria da ação ceder a primazia à teoria da realização típica do ilícito Não significa que se tenha de renunciar ao pensamento categorial-classificatório na construção do conceito de facto punível: mas significa que deve renunciar-se a colocar como elemento básico do sistema um conceito geral de ação, com as suas específicas funções de classificação, de definição e de ligação; aquela construção deve antes ocupar-se da compreensão das concretas ações e omissões, das ações e omissões dolosas e negligente que se apresentem como jurídico-penalmente relevantes e, por conseguinte, tal como são dadas nos tipos de ilícito. A doutrina da ação deve, na construção do conceito de facto punível, ceder a primazia à doutrina da ação típica ou da realização do tipo de ilícito, passando a cabaré ao conceito de ação apenas “a função de integrar, no âmbito da teoria do tipo, o meio adequado de prospecção da espécie de atuação”, ou passando a caber-lhe apenas uma certa (e restrita) função de delimitação. Ainda esta função derivará do conjunto das formas admitidas de realização típica e constitui, nesta medida, uma função já normativamente conformada. Até porque só assim se estará a corresponder à teleológica própria do conceito de ação dentro de um sistema funcional e racional. Daqui resulta que a própria função de delimitação não deve ser desempenhada por um conceito geral de ação, antes deve sê-lo por vários conceitos de ação tipicamente conformados. O conceito de ação não é algo de previamente dado ao tipo, mas apenas um elemento, a par de outros, integrante do cerne dos tipos de ilícito. A partir daqui é inevitável assinala ao conceito o desempenho de um papel secundário no sistema teleológico, essencialmente correspondente à função de delimitação ou função “negativa” de excluir da tipicidade comportamentos jurídico-penalmente irrelevantes; enquanto a primazia há-de ser conferida, sem hesitação, ao conceito de realização típica do ilícito e à função por ele desempenhada na construção teleológica do facto punível.

Distinção das formas básicas, tipicamente cunhadas, do facto punível Uma conceção como a que acaba de defender-se dá razão bastante a que se renuncie à unidade tradicional de construção do conceito do facto punível e se substitua por uma construção que, em rigor, deveria ser quadripartida. A análise do conjunto dos tipos de ilícito constantes de um ordenamento jurídico-penal conduz, na verdade, à conclusão de que existem diferenças teleológico-

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funcionais entre 4 formas de aparecimento do crime e que convidam a uma sua consideração dogmática autónoma: os crimes dolosos de ação, os crimes negligente de ação, os crimes dolosos de omissão e os crimes negligentes de omissão.

DENOMINADOR COMUM aos conceitos: Para haver ação em Direito Penal, temos sempre de

ter um comportamento controlado ou controlável pela vontade- em todos os conceitos exige-se que haja a possibilidade de uma ação alternativa. Estão todos de acordo nessa posição. Sempre que há a possibilidade de ação alternativa, controlada ou controlável pela vontade, temos uma ação jurídico penalmente relevante. QUANDO UMA AÇÃO É CONTROLADA OU CONTROLÁVEL PELA VONTADE? A sugestão que a professora faz é que para decidir a professora faz é a de que para decidir se havia ou não a possibilidade de uma atuação alternativa, devemos de recorrer ao direito interdisciplinar- a outras ciências. Temos de ter nomeadamente em conta o que a neurociência diz sobre o comportamento. Para o Direito Penal poder determinar se há ou não uma ação controlada ou controlável pelo sujeito, tem que se ter em conta o que as outras ciências já sabem acerca disso- o Direito Penal não inventa a realidade- debruça-se sobre a realidade e portanto tem que ter em conta o que as outras ciências dizem, sobre a realidade em que o Direito Penal se debruça que é o comportamento Humano.

Experiência de LIBET Comprovada por várias experiências, esta foi feita tendo em conta pessoas que estavam a olhar para um relógio que tinha um ponteiro. As pessoas tinham que descrever onde estava o ponteiro quando decidiam levantar o pulso. O que LIBET descobriu em vários anos de experiencia é que os chamados Rediness Potencial- atividade elétrica que ocorre no cérebro quando decidimos atuar- ocorrem 350 milésimos de segundo antes de a pessoa ter consciência de que decidiu atuar. A consequência desta descoberta tem que ver com o facto de sempre que decidimos atuar acabamos por fazê-lo inconscientemente e só depois é que tomamos a consciência da ação. Mas a decisão é livre? A decisão é inconsciente, mas há uma altura em que a pessoa tem o poder de vetar a decisão que tomou. O que LIBET diz é: eu tendo a defender que há livre-arbitrio, porque há uma altura em que a pessoa toma a consciência da decisão e pode vetar, mas isto pressupõe que a própria possibilidade de vetar não seja inconsciente, não parta do inconsciente- ainda não há provas disto, mas tudo indica que tudo isto não passe de um processo inconsciente prévio. Como diz Damásio: a consciência depois da decisão- que ocorre sempre, mesmo nas ações pré planeadas ET NOW- é a de que aprendemos de acordo com os nossos erros e vamos decidindo de acordo com as consequências que retiramos das nossas próprias ações. Devemos perceber como iremos atuar posteriormente- e essa e a função da cognoscibilidade- aprendemos. LIBET estuda apenas ações dolosas onde a pessoas decidem, tomam consciência das decisões e vetam ou não essas decisões. Ao direito penal interessa aquelas ações em que a pessoa não tem conhecimento da decisão de realizar o facto típico, porque podem ser punidas as ações negligentes inconscientes- aquelas em que a pessoa não representa o facto típico, mas tem a possibilidade de o representar. Pelo facto de poder representar o facto típico, essa pessoa pode ser responsabilizada jurídico criminalmente.

Exemplo Condutor que conduz a uma velocidade normal junto a uma zona com crianças Alguém vai numa estrada ao pé de uma escola a 80 km/h. Vê o sinal e ouve crianças a falar, mas continua e atropela a criança que acaba por falecer.. Neste momento em que a pessoa vê o sinal e não reduz a velocidade, não prevê o atropelar, mas tinha a possibilidade de prever (negligência inconsciente). Como vamos resolver isto? A ideia da professora é a de que nestas situações, dando

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o Direito Penal relevância às situações em que a pessoa tem a possibilidade de prever e controlar os factos, há que dar relevância não apenas as ações controladas, mas controláveis. A pessoa tinha a possibilidade efetiva de controlar a sua conduta. De notar que a possibilidade tem que ser efetiva.

A pergunta passa agora a ser, quando é que a pessoa tem a possibilidade de controlar e de prever a sua conduta e os efeitos nefastos que dela podem resultar? Mais uma vez temos de recorrer à ciência e neurociência ciência e neurociência. A possibilidade de prever e de controlar existe sempre que a pessoa tiver consciência de aquilo que chamamos por sinais objetivos de perigo. Se não há sinais efetivos de perigo a pessoa não vai ser punida. Se a pessoa estava numa área residencial e se se vem a provar que demorou 350 milésimos de segundo a travar, não há sequer tempo para que a pessoa tenha consciência da criança- a pessoa não pode ser responsabilizada. Sabemos que, em Direito Penal, a culpa tem grande relevância na suscetibilidade de punição do agente pela sua conduta: “Não há pena sem culpa nem a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa”. A parte “não há pena sem culpa” demonstra uma ligação subjetiva do sujeito ao facto.. Este princípio baseia-se na dignidade da pessoa humana. A pessoa só pode ser responsabilizada quando tinha a possibilidade de controlar o comportamento. Em Direito Penal não há responsabilidade objetiva, contrariamente àquilo que acontece no Direito Civil. A possibilidade de conhecer a ação que vai praticar e a ação típica depois vão determinar a suscetibilidade da punição do sujeito. Se a pessoa da hipótese abranda e faz de tudo o que está ao alcance para evitar o atropelamento nunca pode ser responsabilizada- nem sequer teve tempo para ter consciência de nada que lhe pudesse fazer pensado na possibilidade de controlar o resultado. Havendo sinais objetivos, pode também não ter tido consciência ou tempo suficiente para discernir sobre as consequências que do seu comportamento poderiam advir- caso em que deixarão de ser responsabilizados. Nestas situações, não existe uma cognoscibilidade do perigo. Portanto, não basta existirem sinais objetivos de perigo, é preciso que a pessoa tenha consciência desses sinais porque a consciência permite-nos chegar á parte do cérebro onde há o planeamento. Se não consciência, nunca pode ser responsabilizado. Explicação de Afonso Ferreira: A pessoa tem dois processos de raciocínio

Processo central- perceção dos sinais objetivos de perigo; Processo instrumental- perceção da situação em que se poderá encontrar

A possibilidade da consciência do perigo concreto da ação é instrumental, mas importante para a responsabilização do agente. Exemplo ENGISH – Uma pessoa coloca o filho em água a ferver porque pensava que havia cura para o “mal”- 1930- pode ser responsabilizada em sede de homicídio por negligência? Não pode porque não consegue fazer uma relação causal de entre a sua ação e o resultado.

Categorias dogmáticas: Dignidade Punitiva e Carência de Pena Resta ainda apresentarmos cada uma das categorias em que, no nosso entendimento do sistema teleológico-funcional, deve decompor-se o conceito de facto punível. As categorias da dignidade punitiva e da carência de pena não podem por isso deixar de refletir-se em larga medida no sistema do facto punível, sendo elas que nos confortam na conceção de que aquele sistema é formado pelo tipo de ilícito e pelo tipo de culpa como pressupostos categoriais sistemáticos mínimos enquanto

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expressões e dignidade penal tipicizada: o primeiro como concretização central do conceito material de crime, o segundo como censurabilidade do agente referida ao ilícito tipicizado. Acresce que em certos casos a categoria da punibilidade como somatório daquelas condições onde de novo se exprime, mas agora de modo específico e autónomo, a “dignidade punitiva” do facto como um todo.

Ação Jurídico- Penalmente Relevante

Ação Jurídico- Penalmente relevante é: “Todo o comportamento humano dominado ou dominável pela vontade.” O que temos de perceber é que quanto ao conceito de ação há um certo consenso na doutrina de que o que é essencial para haver uma ação jurídico penalmente relevante é a possibilidade de controlo dessa ação por parte do agente que atuou. Dito de outra forma, tinha de haver a possibilidade da adoção de uma conduta alternativa por parte do agente. A ideia que temos de apreender é a de que, na ótica da professora, saber se há uma ação controlada ou controlável pela vontade do agente, implica ter em conta o que as outras ciências- ciências que se debruçam sobre o estudo do comportamento humano- dizem sobre o crime em sentido formal- filosofia, biologia, neurociência, etc. Isto é defendido pela Professora porque o Direito Penal não pode ignorar o que as outras ciências dizem sobre os seus conceitos. Através deste conceito, já se está a excluir a responsabilidade jurídico-penal de comportamentos que provêm não de pessoas mas de animais. Ter-se-á depois de verificar o seguinte: se está em presença de um comportamento humano dominado pela vontade, tem-se de ver se esse comportamento humano preenche ou não um tipo legal de crime- a forma como esse preenchimento é feito será objeto de estudo numa fase posterior.

Abertura Limitada do Direito Penal às outras ciências- “Direito Penal Autopoiético limitado”

Se o Direito Penal quer ter eficácia e evitar a prática de crimes, precisa de se apoiar em dados ontológicos firmes, i.e., em conhecimentos obtidos por outras ciências. Mas também temos de acrescentar que isto não significa substituir as afirmações de valor próprias do Direito Penal por afirmações de facto próprias de outras ciências. Isto significa apenas apoiar as valorações do Direito em dados ontológicos firmes.

Porque é que temos de considerar a neurociência? Em que é que releva a experiência de LIBET?

A neurociência tem alcançado os resultados mais importantes e mais influentes nas outras ciências cognitivas acerca do comportamento. Foi por isto que a professora na última parte da aula esteve a descrever-nos a experiência de LIBET. Esta diz-nos quando é que o agente tem ou não o controlo sobre a ação.

Quando LIBET se propõe a responder à pergunta se a decisão coloca ou não em causa o livre arbítrio este autor afirma que não é possível dar uma resposta certa, mas que tudo tende para que haja livre arbítrio. A ideia central na Doutrina Penal a propósito do conceito de ação tem que ver com o facto de haver um comportamento humano controlado ou controlável pela vontade do agente que atuou

Qual o passo que em Direito Penal temos de dar? Em que medida a Teoria de LIBET é insuficiente?

Page 22: Resumos Teoria do Crime FDUNL

22

LIBET só estudou as denominadas ações dolosas, i.e., aquelas ações em que a pessoa representa o que quer praticar e demonstra intencionalidade na realização dessa ação. Contudo, em Direito Penal, não só ações dolosas/voluntárias são puníveis.

Em Direito Penal, é possível punir o agente quando a pessoa não representa a ação que realiza, mas tinha a possibilidade de representar a mesma. O Direito Penal pode, então, atuar quando apesar de a pessoa não ter representado o facto típico, tinha a possibilidade efetiva de o representar. Estas são situações de negligência inconsciente, ou seja, aquelas em que a pessoa não tem consciência da ação- só tem possibilidade de controlo. A pessoa não representa a realização do facto típico, mas tinha a possibilidade de representar. Neste âmbito a possibilidade de representação do facto típico está dependente da existência de sinais objetivos que induzissem à ocorrência do facto.

É claro que tem que existir uma lesão de bem jurídico para o Direito Penal atuar, mas neste âmbito releva termos em consideração que uma pessoa pode ser punida por ter tido a possibilidade de representar o facto típico, apesar de não o ter feito. O Direito Penal permite punir ações não voluntárias em que a pessoa não representa, mas tem a possibilidade de representar.

A pergunta passa a ser: quando é que há uma possibilidade de controlar uma ação?

O Direito Penal basta-se com a ideia de existir uma possibilidade de controlo, esta é a fronteira que delimita aquilo que é ou não é relevante para o Direito Penal. Controlar é representar uma ação- a pessoa tem a possibilidade de representar a realização do facto típico no momento em que toma a decisão de praticar um ato que se ligará ao ilícito por um nexo de causalidade.

Há possibilidade de controlo quando a pessoa tem consciência de algo que lhe permite prever

a realização do facto típico naquele caso em concreto:

Tem de se ter consciência de sinais de perigo objetivo;

Tem de se ter consciência de sinais que permitam ao agente prever a eventualidade de

praticar aquela ação típica em concreto.

Exemplo Pai que se esquece da criança na parte de trás do carro É frequente que os pais se esqueçam das crianças na parte de trás do carro e a criança acaba por

morrer. Nestas situações, excecionalmente, a mãe pediu ao pai para levar a criança ao infantário. Às

sete da tarde, a mãe liga para saber da criança e o pai recorda-se eu se esqueceu do filho no carro.

Será que a ação do pai deve ser punida?

A resposta a esta questão depende de saber se há ou não uma ação juridicamente relevante. Já

sabemos que para haver uma ação juridicamente relevante é necessário que haja possibilidade de

representar o facto típico. Porém, neste caso, quando o pai coloca a criança no carro, ele não

representa o facto típico. Nunca lhe passou pela cabeça que ele se fosse esquecer da criança e, por

isso, para a professora estes casos não devem ser punidos. O pai só representa a presença da

criança no carro, mas, a partir do momento em que a criança adormece, o pai deixou de ter

consciência da presença da criança.

Obviamente que um pai que se lembrasse da criança no carro faria os possíveis para a salvar e fazer

aquilo que a mãe excecionalmente lhe havia pedido.

E se o pai, em situações de stress, tende a esquecer-se de coisas importantes que tem para fazer?

Nesse caso, o pai já tinha tido oportunidade de experienciar que em situações de stress tem

tendência a esquecer-se de tarefas importantes e, por conseguinte, tinha a possibilidade de

representar o facto lícito. O “modo automático” já não serve aqui como entrave à sua punição.

Page 23: Resumos Teoria do Crime FDUNL

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Exemplo Motorista de um camião TIR que adormece ao volante Caso diferente seria aquele em que um motorista adormece ao volante e, decorridos cinco minutos,

atropela uma pessoa. Podia este profissional de condução ser responsabilizado jurídico-

criminalmente?

Neste caso, quando está a ficar com sono, o motorista tem a possibilidade de representar o facto

típico que poderá resultar da sua conduta e, mesmo assim, não faz nada para evitar a ocorrência

desse facto. O motorista quando começa a ter sono, ganha consciência de algo que lhe permite

antecipar o facto lícito.

Exemplo

Condutor que atropela uma criança que aparece de repente no meio da estrada.

A está a conduzir a velocidade normal, longe de uma escola, e de repente apareceu uma criança no

meio da estrada. Neste caso, será que há uma ação juridicamente relevante?

Não, porque não há possibilidade de representar o facto típico. Coisa diferente seria se A passa num

sítio perto de uma escola com vários avisos de perigo sobre a possibilidade de aparecerem crianças

na estrada – aqui já existem elementos objetivos de perigo que permitam antecipar a possibilidade

de ocorrer um facto típico que lesione o bem jurídico.

Estes casos colocam em confronto dois princípios do direito penal.

Fim das Penas- Prevenção Geral Positiva: Por um lado, sabemos que o direito penal tem

como principal fim evitar a ocorrência de crimes;

Princípio da Culpa: o princípio da culpa diz-nos que só se pode responsabilizar penalmente

alguém quando a ação tenha ocorrido dentro da sua esfera de autonomia, havendo

possibilidade de controlar ação.

Os crimes de Omissão

Distinção de entre ação e omissão

A delimitação de entre ação e omissão, i.e., de entre comportamentos ativos e omissivos não levanta,

em regra, segundo uma compreensão natural das coisas, dificuldades de maior. Por exemplo, é

seguramente ativo o comportamento segundo o qual a mãe mata o bebé administrando-lhe no leito

um veneno letal; será omissivo o caso de esta mão deixar o filho morrer por não o ter alimentado

como devia.

Discutidos na Doutrina e discutíveis são os crimes de resultado. Estas são ambivalente, porque aos

mesmos pode ser-lhe atribuída uma dupla relevância ou um duplo significado, em que, á partida,

tanto pode ser relevante a ação como a omissão. Neste âmbito, a omissão deve ser considerado

como um comportamento imposto e fulcral para o afastamento do resultado típico e proteção do bem

jurídico tutelado pela norma incriminadora.

Page 24: Resumos Teoria do Crime FDUNL

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Omissões Quando exigimos uma ação jurídico penalmente relevante como primeiro elemento da análise do

crime estamos a falar do conceito de ação em sentido amplo. O conceito de ação em sentido amplo

abarca:

Ação stricto sensu- atividades que resultam do comportamento humano do agente;

Omissão- inatividade

A propósito da omissão, temos de discutir algumas questões.

O tipo tanto pode ser realizado através da prática de uma ação proibida, como através da omissão

de um comportamento juridicamente exigido. A omissão é, pois, ao lado da ação, uma das formas

específicas de realização típica.

Faz a omissão parte do género comportamento humano?

1º Doutrina- Doutrina diferenciada da negação

Esta é a Doutrina seguida pela professora. Para WELZEL, a omissão só faz sentido dentro do género

comum à ação em sentido amplo. A omissão deve, então, ser incluída no conceito amplo de ação

que corresponde ao comportamento humano controlado ou controlável pela vontade. Por essa

mesma razão a omissão, tal como a ação, é uma realidade que existe no mundo exterior. Dito numa

outra linguagem: a omissão, tal como a ação, é uma resposta controlada ou controlável pelo agente

a uma situação.

Desta posição decorre que quando o agente não tem capacidade de agir não poderá haver sequer

omissão. Só há omissão quando temos uma conduta do agente controlada ou controlável pela

vontade do agente.

Posição da Professora: “não ser isto é (ação) diferente de ser não isto (omissão)”

A omissão é esta última negação na proposição acima enunciada. A omissão corresponde á conduta

precisamente contrária á ação stricto sensu.

Exemplo

O sujeito A não salva o sujeito B

Esta frase é um facto verdadeiro: quer nas situações em que o sujeito A não tenha tido a oportunidade

de salvar o sujeito B; mas também é verdadeira nas situações em que A não se encontra na

possibilidade de salvar B.

O que a Professora quer que retenhamos tem que ver com o facto de a omissão, neste caso, ter que

ser um comportamento humano- no caso sub judice, o comportamento humano omitido traduzia-se

no facto de o sujeito A não salvar o sujeito B.

Para este segmento da Doutrina: “a omissão é uma realidade dentro do género comum

comportamento humano”, a omissão é uma inatividade dentro do comportamento humano. Chama-

se a isto doutrina diferenciada da negação. Para esta, quer a ação, quer a omissão são respostas

do Homem para com uma determinada ação ou acontecimento, tendo o agente de ter tido a

possibilidade de controlar ou controlado a sua conduta. Se a ação não foi controlada nem controlável,

então o comportamento não é jurídico-penalmente relevante.

Page 25: Resumos Teoria do Crime FDUNL

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2º Doutrina-Doutrina subjetiva da Negação

Esta Doutrina é defendida pela pessoa de FIGUEIREDO DIAS. Este segmento encara a omissão

como a negação da ação e como tal a omissão não existe na realidade, ou seja, não existe como

realidade no mundo exterior: é um juízo; um produto. Quem defende esta parte da doutrina, opta por

uma corrente que se denomina de TEORIA LÓGICA ou NORMATIVA DA AÇÃO.

Isto significa que, para estes autores. a omissão é um juízo efetuado por quem julga a ação e

relaciona a conduta praticada com a conduta esperada. Ou seja, que o juízo da valoração da omissão

como jurídico penalmente relevante deve ser feita pelo juiz- não pode ser feita teoricamente. Mas,

para além desta comparação de entre a conduta praticada e esperada, há que determinar por força

de quê se exige a ação esperada. Para a teoria normativa, é a norma que exige a ação esperada.

Perspetiva de Figueiredo Dias- Divergente com a Perspetiva da Professora

A “ação” e a “omissão”, para Figueiredo Dias são estruturalmente diferentes, pelo que, nos crimes

por omissão, o agente não levou a cabo a ação esperada ou imposta. Por essa mesma razão, numa

perspetiva realista- naturalista, ontológica, fenomenológico e empírica- não pode falar-se,

relativamente aos crimes por omissão, nem de causalidade, nem de dolo, nem de decisão de praticar

o ilícito, nem ainda de outras entidades conceituais que constituem a base de trabalho da doutrina

do facto doloso.

Princípio da Inversão

Desenvolvido por ARMIN KAUFMANN, este princípio é central e foi fulcral na construção de toda a

dogmática da omissão: comportando-se a omissão como “A e não-A”. A construção dogmática do

crime por omissão tem necessariamente de partir da falta ou ausência de ação, de causalidade, de

dolo, da decisão de cometer o ilícito, etc.

Para Figueiredo Dias, a distinção de entre ação e omissão não deve assentar naquilo que chama de

diversidade ôntica estrutural. Para este autor, a diferenciação deverá ser comandada por valores

político-criminais, ganhando, deste modo, uma maior consistência normativa que passa, por

conseguinte, a ficar tipicamente condicionada. Neste plano, é perfeitamente possível encontrar um

largo denominador comum entre o relevo jurídico-penal da ação e omissão. Obviamente que é de

recordar que falamos de ação num sentido mais restrito.

Exemplo

Mãe decide dar a morte ao seu filho deixando completamente de o alimentar:

Nesta situação, pode perfeitamente falar-se da criação de um risco que se concretiza no resultado.

A mão representa perfeitamente o risco e não só, demonstra também vontade da realização do

Homicídio, tomando a decisão de violar o bem jurídico vida do seu filho. No entanto- perante a

proposição político-criminal de equiparação em certos termos da omissão à ação- a construção da

omissão não se reporta, do ponto de vista jurídico-penal à inatividade da mãe. Trata-se, segundo

Figueiredo Dias, de uma ação juridicamente esperada e devida, ou seja, era expetável a alimentação

do filho por parte da sua progenitora.

É a referência normativa que constitui a omissão como uma entidade jurídico-penalmente relevante.

Esta normatização do conceito de omissão também obrigou à reconfurmação de muitos dos

conceitos fundamentais da doutrina geral do facto punível.

Page 26: Resumos Teoria do Crime FDUNL

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Críticas a esta parte da Doutrina:

o O juízo é feito pelo julgador. Contudo, em Direito Penal as valorações que vêm a seguir da

relevância jurídico-penal (tipicidade, a ilicitude e culpa) não podem recair sobre juízos, mas sim

sobre comportamentos;

o A professora e outros autores criticam a doutrina subjetiva da negação- substituindo-a pela

chamada doutrina diferenciada da negação- isto quer dizer: para Figueiredo Dias a omissão é

sempre um resultado da tal ação esperada. Há omissão quando a pessoa não adota a conduta

que era esperada. Para ele, a omissão é um juízo ou raciocínio feito do julgador que determina

a existência de uma omissão somente segundo aquela que era uma ação esperável- apoia-se o

juízo da ação necessária em comportamentos esperados. Para a professora, a omissão é algo

que existe na realidade, no mundo exterior. A omissão não é um juízo, mas uma realidade

existencial determinante para a consideração de um comportamento como jurídico penalmente

relevante.

Exemplo

Filho que se estava a afogar com o pai a assistir

Para Figueiredo Dias, neste caso há uma ação por omissão pura e simplesmente quando o

pai não vai salvar o filho. Ou seja, há uma omissão porque o pai não foi salvar o filho qualquer

era expetável que o tivesse feito- esta é a doutrina subjetiva da negação. Há um

desfasamento de entre o comportamento real e o comportamento expetável do progenitor-

era esperado que o pai se atirasse ao mar para salvar o filho;

Para a Professora, neste caso há uma ação por omissão porque o progenitor não salvou o

filho- doutrina diferenciada da negação;

Isto vai facilita-nos a vida porque há determinadas omissões que estão ligadas causalmente ao

resultado. Por isso, para quem defende na doutrina que a omissão constitui uma das formas de

comportamento humano, tem que considerar a ação como causal. Para quem, como Figueiredo Dias,

defende a omissão como um juízo, então não pode aferir da causalidade de entre a ação e o

resultado que dela poderia resultar.

3º Doutrina- Conceção funcionalista

A professora Maria Fernanda Palma é claramente funcionalista. Também JAKOBS o é. Para estes

autores, sendo o Direito Penal uma Ciência Jurídica do Facto, haverá necessariamente uma

vinculação deste ramo para com o Facto e consequentemente para haverá uma ligação com as

estruturas comportamentais identificáveis comunicacionalmente. Portanto, para esta doutrina, a

definição do comportamento humano não e naturalística/ontológica. Centra-se na significação social

dos comportamentos e por isso a conclusão é de que para esta parte da doutrina a ação e omissão

são equiparadas enquanto espécies de ação social.

Diferença:

A diferença é a de que esta parte da doutrina não baseia o conceito da ação em dados ontológicos,

basta-se com a relevância social do comportamento. Tendo em consideração o conceito social

chegaríamos, segundo esta à conclusão de que ação e omissão são elementos jurídico penais

equiparáveis e que se afeririam da mesma maneira.

Para a professora, devemos também ter em cnosideração do conceito social da ação, mas tendo

também em consideração o conceito ontológico de ação- devemos recorrer às ciências cognitivas

Page 27: Resumos Teoria do Crime FDUNL

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externas ao Direito Para sabermos quando um comportamento é controlado ou controlável pela

vontade.

Crítica da Professora

Para a professora, o conceito social de ação é demasiado impreciso e volátil.

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Figueiredo Dias trata a omissão como uma forma especial de surgimento do crime, sendo que esta parte vem

no fim do manual. Isto é uma consequência do faco de este autor ver a omissão como um juízo e não como

um comportamento humano dominado ou dominável pela vontade. Faria sentido que ele estudasse a omissão

no lado da ação, ou pelo menos na ação típica, porque ele acha que se deve considerar e começar pelo

conceito de ação típica e não pelo conceito de ação. Na estrutura do manual existem consequências da

natureza da ação que demonstram claramente, pelo menos à partida, a posição que este autor toma em termos

desta temática do conceito de ação.

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Exemplo

Automobilista que atropela o Ciclista

Se o automobilista ultrapassa um ciclista não guardando a devida distância e o atropela sem

intenção- ele produz o acidente por ação ao embater no ciclista com o automóvel? Ou, numa outra

perspetiva, o crime é cometido por omissão, no sentido de o condutor não ter guardado a distância

regulamentar de segurança prevista?

(Solução DIOGO MORGADO)

O automobilista ultrapassa o ciclista, mas não guarda a distância de segurança devida- este

seu comportamento é jurídico-penalmente relevante- o comportamento irregular foi

controlado pelo agente;

Ao representar o seu comportamento transgressões, podemos considerar que haviam sinais

objetivos que o podem levar à punição;

Mas o agente não age com intenção. Em Direito Penal o automobilista não podia ser

condenado por ter embatido no ciclista- em relação ao facto, este não é precedido de culpa-

mas sim por ter transgredido uma norma de segurança;

Ofensa à integridade física por omissão- subsistia na esfera jurídica do condutor o dever de

respeitar as normas de segurança. Havendo um nexo de causalidade entre a transgressão e

o atropelamento, então o automobilista poderia ser responsabilizado jurídico-penalmente pelo

crime de ofensa à integridade física por omissão.

Exemplo

Automobilista que atropela o peão (falta resolver- SARA VARGES)

Se, numa situação rodoviária inesperada, atinge o peão por não ter interrompido cedo a travagem,

como um crime por ação- porque embate com o automóvel no peão- ou por omissão- uma vez que

não travou mais cedo, porque não continuou ou acentuou a travagem?

(Solução SARA VARGES)

Exemplo

Médico que acelera a morte a um moribundo (falta resolver- NELSON DOURADO)

Se o médico da unidade de reanimação interrompe o funcionamento da máquina de respiração

assistida à qual está ligado o moribundo e lhe apressa deste modo a morte, o seu comportamento

será analisado por ação- por ter desentubado o paciente ou acionar o interruptor- ou por omissão-

na perspetiva de ter deixado de prestar os cuidados de saúde a que estava obrigado?

Page 28: Resumos Teoria do Crime FDUNL

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(Solução NÉLSON DOURADO)

Outra questão que se levanta a propósito da omissão é a de saber:

Quando é que deve haver equiparação da ação à omissão ao nível do tipo?

Mais uma vez temos diferentes posições da doutrina:

1. Uma parte da doutrina entende que quando o tipo proíbe a produção de um resultado

interessa e são relevantes não só as ações que o produzem, mas também as omissões que

levam à sua ocorrência. Por isso, para este lado da Doutrina, as normas da Parte Especial

contém tipos comuns á Ação e à Omissão;

2. Para outros, como Figueiredo Dias, a equiparação de entre ação e a omissão deverá ser

político criminal- i.e., o fundamento da equiparação deve ser de cariz político criminal e só

deve ocorrer quando face a um certo tipo de ilícito se chegue à conclusão que o desvalor da

omissão corresponde ao desvalor da ação.

Como veremos, essa equiparação de desvalor ocorrerá quando o agente tiver um especial dever

de agir. Só assim não será se for outra a intenção da lei.

Independentemente de saber se a omissão está ou não no comportamento humano temos de ver se

impendia na esfera jurídica do agente que atuou o dever especial de agir ou não agir desta ou

daquela determinada maneira.

Critério: Ilicitude Típica e Imputação Objetiva

Também conhecido como critério da causalidade, este foi formulado por STRATENWERTH. Este

autor defende que devemos ter em consideração a forma de criação de perigo da conduta em

relação aos bens jurídicos tutelados pela norma incriminadora:

o Ação - Ao agente deve ser imputada uma ação sempre que ele cria ou aumenta o perigo

de lesão dos bens jurídicos que vem a concretizar-se no resultado;

o Omissão- Haverá um crime por omissão sempre que o agente não diminui o perigo de

lesão dos bens jurídicos.

Portanto, para este autor, na ação há uma intervenção modificadora da situação,

contrariamente àquilo que acontece na omissão.

Para FIGUEIREDO DIAS, não há nenhuma razão, se seguido este critério, para se ir substituindo

progressivamente a dogmático dos delitos de dano de omissão pela dos delitos de perigo de ação.

Crítica: Imprecisão do conceito de ação-) a dúvida neste critério é mais uma vez a da sua imprecisão-

quando é que se pode dizer que há uma intervenção modificadora?

Critério: Censurabilidade jurídico-penal

Este critério, tomado como fronteira única de delimitação, pode tornar-se presa da crítica de que

pretende ainda lograr a distinção num plano natural ou ôntico-fenomenológico, de todo o modelo pré-

jurídico e estranho a qualquer valoração político-criminal e normativa. Por isso outros autores,

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assumindo uma clara postura valorativa do sentido social do comportamento, acham que a distinção

de entre ação e omissão deve centrar-se no ponto de conexão da censurabilidade jurídico-penal

que pode ser encontrada num comportamento ativo ou antes num comportamento omissivo.

Para FIGUEIREDO DIAS devemos optar pelo ponto de conexão da censurabilidade, na medida em

que este acentua, segundo este, a natureza valorativa e normativa da solução que tem que ser

encontrada para com o caso concreto.

Critério: Introdução Positiva de Energia

Segundo a Doutrina Germânica mais difundida, a distinção de entre ação e omissão dependerá, nas

situações de fronteira- como acontece nos exemplos acima explanados- dependerá de no caso

concreto se conseguir fazer prova da ação ou omissão, tendo que, em ambas as situações de haver

por parte do agente causalmente uma introdução positiva de energia determinante para a

produção do resultado típico.

ENGISCH- este autor alemão dizia que na ação há um dispêndio de energia, sendo que, ao

contrário, ou seja, na omissão não havia qualquer carga positiva de energia.

Crítica: ENGISCH é criticado porque não capta a essência do crime omissivo, sendo que há crimes

por omissão onde se verifica efetivamente um dispêndio de energia.

Critério: Princípio da Subsidiariedade

Assinalam outros autores ainda que a distinção de entre ação e omissão, pelo menos nos casos

irremediavelmente duvidosos, deve ser levada tendo em consideração o princípio da

subsidiariedade, segundo o qual uma omissão só deve ter-se por relevante quando de todo o

comportamento não poder ser perspetivado como uma ação.

Para FIGUEIREDO DIAS, este princípio pode porventura ser exato e aplicável a certos títulos da

matéria de Teoria do Crime, mas não parece ser suscetível de ser erigido como princípio geral de

distinção de entre ação e omissão.

A professora diz que ao lermos os livros vamos perceber que são várias os critérios que nos são

propostos no âmbito da distinção de entre ação e a omissão. Mas o melhor é o proposto por ROXIN

transporte por Figueiredo Dias no seu manual.

Denominador Comum- ROXIN- Melhor Teoria- a ser usada em exame com a professora

BÁRBARA SOUSA DE BRITO

Como vimos, quer a ação quer a omissão são comportamentos humanos.

Por vezes temos de ter em conta o ilícito típico para determinar se ao nível do tipo de ilícito aquilo

que é relevante para o tipo- dentro dos comportamentos em causa- qual é efetivamente aquele que

esta na base da proibição por parte do legislador. Segundo ROXIN o importante é aferir se na

situação a pessoa poderia ter evitado o aumento ou criou seguramente um aumento do risco para o

bem jurídico tutelado normativamente. Se o relevante é o facto de a pessoa não ter diminuído o risco-

já estamos perante uma omissão.

Page 30: Resumos Teoria do Crime FDUNL

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ROXIN propôs submeter a um denominador comum a distinção em causa, considerando para o efeito

a “omissão através da ação”. Por razões instantes de natureza normativa, o princípio da

subsidiariedade foi substituído neste denominador de Roxin. A substituição materializou-se num

contraditório, passando a “punir-se uma ação como omissão”. Para Roxin é perfeitamente possível

submeter uma ação a um tipo omissivo quando tal é imposto por razões normativas. A ação (sentido

amplo) permanece ação (sentido restrito), mas a ação em sentido amplo pode também ser punida

dentro do tipo omissivo. Não se trata, com isto, de um abrir portas à fórmula do ponto principal de

conexão com a censurabilidade do comportamento adotado pelo agente ou até mesmo não se trata

de uma defesa da delimitação da ação e omissão segundo o sentido social. Trata-se antes de

constelações rigorosamente identificadas que por razões determinadas devem ser tratadas segundo

as regras da omissão.

Essas constelações seriam – como dito por OVERBECK:

1- A “comparticipação ativa em delito omissivo”.

Exemplo

Comparticipação no crime de omissão de auxílio

O sujeito A aconselha o sujeito B a deixar de prestar o auxílio necessário nos termos do art. 200 CP.

Ora, nesta hipótese, o sujeito A poderia ser condenado por comparticipação com o sujeito B no crime

de omissão de auxílio por omissão- não prestou o aconselhamento que naquele momento era

esperado e juridicamente exigível.

2- Omisso Libera in causa

Exemplo

Nadador Salvador Embriagado

O nadador salvador embriaga-se propositadamente até à inconsciência no propósito de tornar

impossível o socorre exigido e conveniente numa situação de necessidade a que venha a ser

chamado. É punido ainda que o motivo da embriaguez fosse o de ter acabado com a namorada.

(Situações 1 e 2- Explicação Teórica Simples)

As duas primeiras constelações não parecem suscitar quaisquer problemas no que respeita à sua

consideração como casos de omissão: em qualquer uma das situações o agente não diminui o perigo

que, afetava um bem jurídico, independentemente de no plano ontológico-fenomenológico, o seu

comportamento incluir ou não a realização de atos de “introdução positiva de energia”.

3- Tentativa Interrompida de cumprimento de uma imposição legal

Exemplo

Pai de uma criança em risco de se afogar

Se o pai avista o seu filho numa situação de perigo de afogamento e vai buscar um bote para salvá-

la, mas ao chegar à praia com o bote interrompe os seus esforços, podendo tê-los continuado, e a

criança vem a falecer- o pai pode ser condenado pelo crime de omissão de auxílio ou mesmo de

Homicídio por omissão- situação cuja resolução compreenderemos numa fase posterior da matéria.

(Situação 3- Explicação Teórica)

Restam, contudo, os casos mais complexos de análise. São estes a interrupção de um processo de

salvação em curso de um bem jurídico que está visivelmente a ser ameaçado. Neste caso,

Page 31: Resumos Teoria do Crime FDUNL

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ROXIN vai contra aquilo que SAMSON proferiu. O primeiro autor afirma que se o processo do

salvador ainda não atingiu a esfera da vítima, o caso deverá certamente ser tratado no campo da

omissão, não da ação. Além do mais, não existem, no caso sub judice, razões político criminais e

teleológicas a justificarem que a situação jurídico-penal de quem interrompe a conduta, contra o

dever, para considerarmos a existência de um processo causal pior para o salvador (punição por

ação). Em vez disso, devemos optar por uma punição em virtude da pausa no processo de

salvamento- haverá, então, uma punição por omissão.

4- Interrupção Técnica de um tratamento

Exemplo

Médico mau que para a máquina durante o processo de reanimação propositadamente

Quando o médico desliga a máquina de respiração assistida com intuito de acelerar a morte do

moribundo- há uma intencionalidade- o médico pode eventualmente ser punido pela omissão dos

deveres que subsistiam na sua esfera jurídica enquanto profissional de saúde.

(Situação 4- Explicação Teórica)

Na hipótese especial de interrupção do processo de reanimação, parece seguro que o

comportamento do médico é omissivo- porque a continuação do processo de reanimação era

possível. Não podia, no entanto, diminuir o perigo de vida que havia na esfera jurídica do moribundo.

No entanto se fosse um terceiro a desligar a máquina já estaríamos perante um Homicídio doloso,

uma vez que nessa hipótese o caso teria de ser perspetivado a partir de um dever de tratamento que

pessoalmente obrigasse o agente, acabando este último por violá-lo.

Para FIGUEIREDO DIAS, autonomizar-se uma categoria de omissão por ação é coisa que pode

suscitar dúvidas, tendo em consideração a multiplicidade de razões político-criminais, teleológicas e

normativas por que deve fazer-se prevalecer o tratamento jurídico-penal como omissão, antes como

ação.

Equiparação da Ação à Omissão nos Crimes Impróprios ou Impuros de Omissão

Fundamento de ARMIN KAUFMANN

O fundamento desta equiparação não pode ter como base o plano normativo: por um lado seria

contraditório que a mesma norma tivesse simultaneamente uma proibição de ação e um mandato de

ação. Por outro lado, são diferentes os círculos de agentes possíveis num e noutro caso- quer em

relação à ação, quer quanto à omissão.

Por isso mesmo, é que em relação à omissão a responsabilidade só cabe àqueles agentes que

se encontrem juridicamente vinculados pelo dever de agir ou dever de ação. Como defende

TERESA QUINTELA DE BRITO: também “os deveres (de agir) e as consequentes posições de

garante fazem parte da mais vera essência do tipo ilícito omissivo, que sem elas não pode sequer

ser pensado”; e é justamente isto que nos permitirá compreender bem o art. 10º/2 CP.

O Fundamento deve, na opinião do Professor FIGUEIREDO DIAS, ser o seguinte:

o Através de uma autónoma valoração da ilicitude, que existe em relação a um certo tipo de

ilícito, podemos chegar à conclusão de que o “desvalor da omissão corresponde ao mesmo

Page 32: Resumos Teoria do Crime FDUNL

32

desvalor da ação”. Esse será o caso quando, e apenas sobre o agente recaia o dever de

evitar ativa ou positivamente a realização típica, que obstaria à concretização do resultado

típico não desejável. Neste decurso, falamos do denominado dever de garante ou também

conhecido por dever de garantia. Por outras palavras, digamos que o fundamento da

equiparação não se encontra quando se considera unicamente o art. 10º/1 CP, mas somente

quando haja uma conjugação deste nº 1 com o nº2 do mesmo preceito do Código Penal.

Perigo de Lesão de Bens Jurídicos como critério de distinção

O que importa é a forma como os bens jurídicos são colocados em perigo: Ora enquanto na ação o

agente cria ou aumenta o perigo de lesão dos bens jurídicos, na omissão o agente diminui ou afasta

esse mesmo perigo. O facto de o agente intensificar o perigo significa que o perigo já existe e não

há uma diminuição deste pela não atuação do agente. A não diminuição deve-se, desta maneira, a

uma omissão. O perigo intensifica-se, logo existe uma ação criminosa por omissão.

Exemplo

Médica trata de uma pessoa esfaqueada e em perigo de vida.

Contudo, não lhe dá uma injeção para a salvar. Evidentemente que existia um risco para a vida do

paciente. Já havia um perigo para o bem jurídica vida (bem jurídico pessoal), mas a médica, ao não

dar a injeção, opta por não diminuir o risco do bem jurídico que estava já em perigo. Á partida, o

agente em causa pode ser condenado pelo crime de Homicídio por Negligência ou, no caso deste

ultimo não poder ser subsumido por não estarem reunidos os pressupostos, ser-lhe-á pelo menos

aplicada a pena prevista para o crime de omissão de auxílio.

Conclusão: Nas omissões juridicamente relevantes, o agente não afasta o perigo que já existia para

o bem jurídico.

Dúvida do Francisco Amaral:

Pode a omissão criar um perigo que não é concebível? Por exemplo, caso o paciente da hipótese

acima enunciada estar estável, não há perigo qualquer a intensificar-se. Só é condenável a situação

em que abstratamente e concretamente não há perigo para o bem jurídico, e, pela omissão esse

mesmo bem jurídico passa a ser colocado em causa. Neste caso a omissão já é juridicamente

relevante. Também pode haver já perigo para o bem jurídico e, pela conduta omissa, este perigo

intensificar-se ou haver mesmo uma lesão do bem pelo facto de o agente ter omitido a conduta que

lhe era exigida.

Para a Professora, devemos defender que a ação e a omissão são respostas que o Homem pode

dar.

O que importa determinar é:

1- Ação Jurídico Penalmente Relevante: existe ou não existe uma ação jurídico-penalmente

relevante? se existe ou não uma ação jurídico penalmente relevante?

2- Tipo de Ilícito e Perigo para os Bens Jurídicos: aqueles comportamentos que efetivamente

colocam em perigo o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora, ou seja:

o O que é que o agente fez?

Ou

o O que agente não fez?

Relevância do Tipo Incriminador: é o tipo que nos vai ajudar a verificar se o que releva para o caso

concreto foi a ação ou a omissão.

Page 33: Resumos Teoria do Crime FDUNL

33

Exemplo

Filha que cuida da mãe doente

Estando a mãe num especial estado de especial vulnerabilidade e precisando esta de medicamentos,

se a filha omite esta conduta devida, a ação não adquire relevância jurídico-penal suficiente para a

punição se a mão não sofrer quaisquer tipos de danos que tenham que ver com a saúde ou vida: ao

não dar o medicamento a filha não diminui com certeza o risco de a sua progenitora vir a ter

problemas de saúde. Mas também não agrava esse risco- a filha não diminui o risco e com isso não

lesa a mãe -logo não pode haver uma condenação por omissão.

A distinção de entre ação e omissão é extremamente relevante no que concerne à resolução de

casos práticos. Em alguns tipos de perigo, tem que existir uma valoração da nossa parte. Há casos

em que é realmente muito difícil decidir se há ou não uma ação ou uma omissão ao nível do tipo.

Esta distinção tem relevância prática.

Exemplo

Pai que deixa o filho no carro e se esquece de o ir levar ao infantário. Neste exemplo:

1º- A professora considera que não há ação

2º- Se não há ação- não pode haver condenação por ação ou omissão

Mas há quem considera estarmos perante uma ação. Se considerarmos haver ação o que é relevante

não era o facto de ter deixado o filho morrer, mas sim o facto de o progenitor não ter levado o seu

filho ao infantário. O progenitor em causa, se não diminui o perigo que já existia, estamos perante

uma ação por omissão e o pai pode efetivamente ser condenado pelo tipo incriminador preenchido.

Distinção entre Crimes Puros e Crimes Impuros

Classificação das Omissões (Muito Importante):

Como sabemos, o crime de omissão reside na violação de uma imposição legal, pelo que, em

qualquer caso, só pode ser cometido por pessoa sobre a qual recaia um dever jurídico de levar a

cabo uma ação imposta ou esperada- a professora BÁRBARA SOUSA DE BRITO considera que a

ação tem que ser imposta- nem todas as ações esperadas são suscetíveis de serem punidas- as

expetativas jurídicas só relevam para o Professor FIGUEIREDO DIAS

Por isso, é importante a questão de determinar o círculo de autores possíveis de um crime de

omissão, tanto mais quanto a lei só numa minoria de casos descreve, de forma integral, os

pressupostos fácticos de onde resulta o dever jurídico de atuar. Contudo, na generalidade das

situações a lei basta-se com a consagração de uma cláusula geral: art. 10º/2, dizendo que “quando

sobre o omitente recaia um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar um certo resultado”,

o agente pode ser punido por omissão.

Artigo 10.º

Comissão por acção e por omissão

1 - Quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo como a

omissão da acção adequada a evitá-lo, salvo se outra for a intenção da lei.

2 - A comissão de um resultado por omissão só é punível quando sobre o omitente recair

Page 34: Resumos Teoria do Crime FDUNL

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um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar esse resultado.

3 - No caso previsto no número anterior, a pena pode ser especialmente atenuada.

A propósito das omissões distinguem-se dois tipos:

1- Omissões Puras ou Próprias

2- Omissões impuras ou improprias

Doutrina Tradicional

Numa perspetiva mais tradicional, devem considerar-se como delitos puros ou próprios de omissão

aqueles cujo tipo objetivo de ilícito se esgota na não realização da ação imposta pela lei e serão

impuros ou impróprios de omissão os delitos em que o agente assume a posição de garante da não

produção de um resultado típico.

Com isto, fica próxima a afirmação de que a distinção de entre crimes próprios e impróprios passa,

no fundo, por uma diferenciação de entre crimes formais ou de mera atividade e crimes materiais ou

de resultado. De resto, o art. 10º CP parece impor, ao reconduzir a equiparação da omissão à ação

ao caso de um “tipo legal de crime compreender um certo resultado”- art. 10º/1 E ao reportar o

essencial da imputação da omissão ao caso de “sobre o omitente recair um dever que pessoalmente

o obrigue a evitar esse resultado”- art. 10º/2.

Critério de ROXIN

É precisamente na diferença acabada de referir que a Doutrina encontra o critério de distinção de

entre Crimes Puros para com Crimes Impuros. Neste seguimento, de acordo com o proposto por

ROXIN são:

Crimes Puros ou Próprios de Omissão- aqueles em que a Parte Especial referencia

expressamente a omissão como forma de integração típica, descrevendo os pressupostos

fácticos donde deriva o dever jurídico de atuar ou, em todo o caso, referindo aquele dever e

tornando o agente garante do seu cumprimento.

o Omissões Puras: são aquelas que existem independentemente do resultado e integram

o tipo.

Por exemplo: art. 200º CP- crime de omissão de auxilio. Para alguém preencher este tipo

basta não auxiliar- não é preciso a verificação do resultado. Não se torna necessário que

a pessoa morra ou sofra de ofensas à integridade física, basta o não auxílio para o

preenchimento do tipo e suscetibilidade de punição do agente. Crime de omissão de

auxílio- art. 200º/1 CP- em certas situações de necessidade que ponham em perigo bens

jurídicos fundamentais de outra pessoa, a pessoa não pode “deixar de prestar auxílio

necessário ao afastamento do perigo”.

Page 35: Resumos Teoria do Crime FDUNL

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Neste caso não é tipicamente relevante saber se alguém acabou ou não por sofrer

danos. Não existe nenhuma correspondência entre a omissão e a ação. No caso de

crime omissivo por recusa do médico, este será punido nos termos do art. 284º CP-

há uma recusa de auxílio na sua profissão, o que coloca em causa a integridade física

ou até mesmo a vida do paciente: “outra pessoa”. Também no caso da violação do

domicílio (art. 190º/1), quando alguém permanece na habitação de outra pessoa

depois de ter sido intimado a retirar-se está a cometer o tipo incriminador por omissão.

Crimes Impuros ou Impróprios de Omissão- são os não especificamente descritos

pela lei como tais, mas em que a tipicidade resulta de uma cláusula geral de equiparação da

omissão à ação, como tal legalmente prevista e punível na Parte Geral no art. 10º/2”.

o Omissões Impuras: são aquelas que estão relacionadas causalmente com o resultado.

Exemplos de Crimes Impuros

São aqueles constituídos por todo e qualquer outro tipo legal de crime, descrito na lei

somente como crime de ação- é isto a que parece apontar o art. 10º/1 interpretado

literalmente. Contudo, o tipo legal tem de compreender um resultado- homicídio, ofensa

à integridade física, sequestro, burla, etc.

Depararíamos pois aqui uma cláusula geral de equiparação da omissão à ação.

Crítica a ROXIN

Autores há que afirmam que a pessoa de ROXIN, com a sua proposta de distinção da omissão e

ação, encobre aquilo que verdadeiramente confere sentido à distinção de entre omissões puras e

impuras. O critério exposto levaria a uma indistinção, dentro do mesmo grupo, de entre delitos de

diferente natureza, em detrimento da estabilidade e da coerência que devem presidir a qualquer

distinção teórica.

Ora, dizem eles:

Puros são aqueles crimes omissos que não têm correspondência num delito de ação. Ou

seja, por outras palavras, são considerados como puníveis por omissão, aquelas condutas

em relação às quais os delitos correspondentes de ação não existem;

Impuros são as condutas cuja tipicidade incriminadora torna necessária uma cláusula de

equiparação à ação correspondente, sem que importe que esta cláusula seja explícita ou

implícita, que tenha lugar na Parte Especial ou na Parte Geral do Código Penal a propósito

de tipos concretos de crime.

Exemplo

Infidelidade Patrimonial- art. 224º/1

O tipo deste crime pode ser preenchido por comportamentos ativos como por comportamentos

omissos.

Controvérsia

Porque a Professora considera a omissão como uma realidade ontológica e não como algo que

decorre de um comportamento esperado, então não necessitaríamos de fazer uma aplicação

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analógica do art. 10º/2, contrariamente a esta solução que nos é proposta pelo professor

FIGUEIREDO DIAS. Ora, segundo este autora, temos de ter cuidado com a analogia, sob pena de

podermos, numa solução para o caso concreto, estar a violar o princípio da culpa ou o princípio do

non bis in idem- proibição do julgamento duplo do agente pelo mesmo facto.

(Posição Intermédia) ROXIN considera que, mesmo no caso dos crimes de omissão constantes da

Parte Especial o recurso à cláusula geral de equiparação do art. 10º poderá ser útil, ao passo que

nos verdadeiros crimes de omissão (próprios) não se deve deduzir nunca uma posição de garante

ou um simples dever de ação- porque estes já constam do tipo especial, não precisamos de

analogicamente aplicar o princípio geral- estaríamos a violar o princípio da culpa e a julgar o agente

duas vezes pela prática do mesmo “facto omitido”.

Nos termos do art. 10º/2, o dever de garantia não pode deixar-se de referir à “omissão da ação

adequada a evitar o resultado”; se bem que ainda pode argumentar-se, como ANDRÉ LEITE o faz,

que é duvidoso que a expressão “resultado” esteja ali tomada ou incluída num sentido rigoroso típico.

Devemos, portanto, interpretar o termo resultado como a “lesão ou colocação em risco de bens

jurídicos” ou até mesmo como a “afetação da situação de tranquilidade do bem jurídico protegido”.

Conclusão:

Deve concluir-se que o critério fundamental de distinção de entre crimes de omissão puros e impuros

passa pela circunstância decisiva de, no caso dos crimes impuros, diferentemente de aquilo que

acontece nos crimes puros, estes não se encontrarem descritos em um tipo legal de crime, tornando-

se por isso indispensável o recurso à cláusula de equiparação contida no art. 10º CP. Isto, claro, sem

prejuízo de poder asseverar-se que os crimes de omissão impuros são crimes de resultado, ao

menos no sentido de que afetam a situação de tranquilidade do bem jurídico que é tutelado pela

norma incriminadora.

Esta opção acrescenta maior clareza e operacionalidade à distinção em causa e relaciona de forma

imediata o problema com a questão da conformidade da comissão por omissão à legalidade, rectior,

à determinabilidade penal.

A distinção proposta por ROXIN é seguida por maior parte da Doutrina.

É importante saber a distinção de entre ação e omissão nos termos do art 10/2 CP. Não é qualquer

pessoa que pode ser punida por uma omissão impura. Só podem ser punidas por estas omissões as

pessoas sobre as quais recaia um especial dever de agir. E há várias formas de aferir quando existe

ou não o dever especial de agir:

Só pode ser punido por omissão impura quem tem o dever especial de agir- se todas

as pessoas pudessem ser punidas por omissões, estaríamos perante uma restrição

inadmissível da liberdade das pessoas. O princípio da culpa também poderia ser colocado

em causa com esta restrição: só pode ser punido por omissão quem tem o dever especial de

agir.

O que carateriza as omissões puras é o facto somente o agente ter de preencher o tipo incriminador

do ilícito para a pessoa possa ser punida.

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Exemplo

Crime do Homicídio por Omissão

O crime de Homicídio por Omissão é um crime de resultado. Neste tipo, a omissão é impura, na

medida em que existe uma exigência de relação causal do facto ao resultado verificado. Neste

seguimento, só as pessoas que tem o dever de agir podem ser punidas por omissão. No exemplo da

praia: se neste espaço em que está o pai se encontrarem outros banhistas sem fazerem nada, estes

não vão ser punidos por omissão na medida em que sobre eles não recaia o dever especial de agir.

Dever Especial de Ação

Os deveres de proteção e assistência a bens jurídicos podem provir, por um lado de relações de

proteção familiares ou análogas e, por outro lado, de estreitas relações com a comunidade. Este

dever de agir tem que ver também com aquelas situações onde há uma assunção voluntária por

parte do garante de funções de proteção ou guarda de bens jurídicos determinados.

Necessário para a existência de um dever de garante é:

A existência de relações fácticas- no sentido de uma aludida proximidade sócio

existencial- entre aquele sobre quem a lei faz recair um certo dever e o bem jurídico lesado

pelo resultado, nomeadamente, a existência de uma situação real de dependência deste

em relação àquele;

Este dever surge porque o omitente deve ser responsável, numa dada medida elevada, pelo bem

jurídico que está “carente” de proteção. Assim resulta claro que é da relação fáctica que o dever de

garantia acaba por ser fundamentado. Não é uma qualquer prescrição legal que o reflete- o dever de

garantia também pode ir bastante mais longe do que aquilo que é expressamente instituído pelas

prescrições legais.

Critérios:

Critério formal- de acordo com este critério são fontes do dever de agir ou da posição de

garante a lei: o contrato ou a ingerência, ou seja, a ação perigosa precedente criada e

praticada pelo omitente. Este critério formal tem como fontes: a lei, o contrato e a ingerência,

como havia dito anteriormente. Contudo, é de afastar a sua aplicação porque não nos fornece

um elemento material de ilicitude (elemento este necessário para determinar quando é que a

inobservância do dever deve ou não ser irrelevante). Para além disto este critério é

insatisfatório porque não abarca as situações de omissão impura, i.e., aquelas situações onde

se verifica um dever especial de agir;

Critério Material- enforma as denominadas TEORIA MATERIAIS DO CRIME- esta é a

conceção material do dever de agir. Como o próprio nome indica, este critério determina o

dever de garante tendo em consideração um critério material que configura uma situação de

maior certeza e segurança jurídica. Quem apresenta a conceção material foi ARMIN

KAUFMANN – quase todas as conceções materiais partem desta conceção central.

Page 38: Resumos Teoria do Crime FDUNL

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Teoria Material- Formal

Uma correta desimplicação e concretização dos deveres de garantia deve alcançar-se, pela

conjugação das teorias formais e materiais. Não mais pode considerar-se correto, por um lado,

dissolver os deveres de atuação dos agentes da comissão por omissão e da posição de garante em

relação à não produção do resultado que deles deriva em uma séria de fontes de deveres jurídicos

positivos que funcionam como um quadro vinculante, que em qualquer caso pode ser ultrapassado,

tal como era o entendimento da doutrina clássica. A verdadeira fonte dos deveres e das posições de

garantia reside em algo muito mais importante e profundo- a saber, na valoração autónoma da

ilicitude material, completadora do tipo formal, haverá uma equiparação da comissão por omissão

para com a ação que existiu no caso concreto, por força das exigências de solidariedade do Homem

para com os outros dentro da comunidade.

A conjugação da fórmula formal com a material permite-nos afirmar que:

“Toda a manifestação de solidarismo tem de se apoiar claramente em um claro vínculo

jurídico”. Isto significa que toda a consideração deve ser perspetivada a partir de um sentido de

ilicitude material- isto implicará a não utilização de métodos casuísticos, mas sim tipológicos, cujos

resultados são expostos no manual do Professor FIGUEIREDO DIAS em traços essenciais. ~

De acordo com esta Teoria/Critério devemos distinguir duas situações:

1) Casos em que há posição de garante de não ofensa de um bem jurídico-

independentemente da fonte do perigo, há um especial de dever de agir ou de garante porque

existe um dever especifico de assistência para com um titular de bem jurídicos, seja qual for

a fonte originária da perigosidade- caso do salva vidas na praia;

2) Casos em que se confere a posição de garante relativamente a certa fonte de perigo-

porque existe o dever de vigiar uma fonte de perigo independentemente do titular do bem

jurídico em causa.

Posição de Garante

Apenas nos crimes impróprios de omissão se suscita, com autonomia e de forma inquestionável, a

questão do concreto dever de garantia e da consequente posição de garante do omitente pela não

verificação do resultado típico- art. 10º/2.

Grupos de dever especial de agir- KAUFMANN

Dever especial de assistência ao titular de bens jurídicos independentemente da fonte de

perigo

Para KAUFMANN, este dever especifico de assistência deriva de três fontes:

1- Solidariedade natural para com o titular do bem jurídico apoiada num vinculo jurídico-

aqui colocamos as relações de entre pai filho, irmão, etc;

O âmbito mais indiscutível em que se estabelecem posições de garante por força de deveres de

proteção e de assistência é o da relação que se estabelece de entre pais e filhos, ou até mesmo de

entre irmãos. Esta relação cessa ou atenua-se juridicamente logo que o filho ou irmão menor

abandona o âmbito de proteção dos pais ou só de um deles, no caso em que os pais estão separados

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e só um deles assume o dever de proteção de assistência do filho. Isto pode também ser transposto

para as situações permanentes ou temporárias em que um irmão mais velho assume o dever de

guarda e o dever de assistência para com o irmão mais novo.

Em todo o caso, no plano jurídico-penal, temos de estar perante uma relação particularmente

próxima- exigindo-se a coabitação- e, para além disso, tem que se afirmar existir uma dependência

de entre o protegido em relação ao garante.

A meu entender (DIOGO MORGADO) este dever é insuscetível de ser alargado mesmo ainda a

relações familiares, como o são aquelas que se estabelecem de entre: cunhados, sogros, genros ou

noras, primos, ou até mesmo de entre avós/netos- esta exigência tornar-se-ia como uma intromissão

inadmissível da ciência jurídico-penal na esfera de liberdade e autonomia dos particulares.

2- Estreita relação de comunidade de vida ou de proximidade- por exemplo quem vive em

casamento ou união de facto;

Indiscutível deve considerar-se igualmente o dever de proteção e assistência entre cônjuges ou entre

quem viva em situação análoga- assim se compreende que estas posições sejam tuteladas pelo

Direito. Mas o rompido destes laços conformará certamente uma causa de cessação do dever de

garante.

Portanto, a avaliação e ponderação da existência do dever de garante no caso concreto está

dependente de uma atribuição de grau de vinculação e expetativa legítima que existe de entre ambos

os intervenientes, conhecida de ambos os cônjuges ou companheiros, e avaliada de modo objetivo,

ou do facto de qualquer deles poder ainda contar com a atuação do outro em situações de perigo.

Numa palavra, será incorreto ligar ipso facto e ipso iure a rutura da vida conjugal à inexistência de

uma obrigação de evitar a produção de um resultado lesivo.

3- Assunção voluntária de deveres de custodia-

(FIGUEREDO DIAS- sobre a assunção de deveres)

Assunção de funções de guarda e assistência a bens jurídicos do carente de proteção ou de terceiro

a favor do carente. Trata-se, no fundo, a nível de uma Teoria Material, do velho fundamento “formal

do contrato de trabalho”.

Neste caso, o que oferece fundamento ao dever e à posição de garante não é a existência de uma

relação contratual (válida), mas sim a assunção fáctica de uma função de proteção materialmente

baseada numa relação de confiança. O dever de garante abrange aqui, por exemplo, a situação em

que o instrutor de natação vem substituir aquele que ocasionalmente se obrigou a dar as lições, com

a respetiva função de guarda e assistência aos alunos.

Deve, em relação à assunção voluntária de deveres de custódia, que a transmissão lícita de deveres

a terceiros liberta da posição de garante o primitivo titular. Releva, ainda aqui, de forma particular a

circunstância de o carente de proteção confiar na disponibilidade interventora do garante, desta

forma se sujeitando a riscos acrescidos ou dispensando outra proteção.

Autoridades e Funcionários

Cabem aqui questões relativas a autoridades e funcionários que tenham por tarefa precípua velar

por um especial círculo de interesses e, nessa medida, afastarem os perigos para bens jurídicos de

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terceiros e da coletividade. Uma posição de garante pela não verificação de resultados típicos parece

ser aqui de afirmar. Em múltiplos casos, a lei coloca a cargo das autoridades e funcionários

competentes o dever jurídico de impedirem a produção de resultados lesivos para os necessitados

de proteção.

Fundamentação Legal

De notar, que neste âmbito, seria completamente desajustado que não houve um apelo direto à

fundamentação legal. Mas, por outro lado, nem sempre uma fundamentação legal expressa é

indispensável, podendo o dever de garante resultar com clareza do âmbito funcional da atuação

devida- caso da ama que não pode deixar as crianças quando os pais não chegam a horas para a

vir buscar.

Conclusão: Só deve afirmar-se que existe uma posição de garante em relação a um funcionário ou

a uma atividade quando o concreto bem jurídico carenciado de proteção lhes está confiado de

forma imediata, de tal modo que a sua incolumidade dependa, em situações de direta necessidade,

da ação do funcionário ou agente que está investido na posição em que lhe é possível agir para

evitar a afetação do bem jurídico:

Polícia- dever de assistir os cidadãos em relação aos certos bens jurídicos;

Autoridades e funcionários encarregados da proteção do meio ambiente- estes são guardas

que têm como dever de agir o facto de evitarem a poluição das águas, dos solos, etc.;

Exemplo

Caso da Babysitter

Babysitter contratada para tomar conta da criança das 3 as 7 da Tarde. Um vez, às 7:15 da Tarde os

pais ainda não tinham chegado. A babysitter não espera e vai-se embora, deixando a criança ao

abandono. Entretanto, a criança cai da escada. No caso sub judice, há um dever especial de agir por

parte da babyssitter apesar de os pais ainda não terem chegado: há uma assunção voluntaria de

deveres de custodia independentemente de contrato. Nesta situação o critério formal não seria

suficiente para punir a profissional pelo crime de omissão de auxílio- provavelmente este crime seria

agravado porque estaríamos perante uma menor de idade sem capacidade nem consciência do

perigo que uma queda nas escadas poderia acarretar.

4- Relações de comunidade e de perigos- há aqui um certo consenso como dever a fonte do

dever de assistência. A generalidade das doutrinas e das jurisprudências aceitam a

comunidade de vida e de perigos como suscetível de conferir fundamento a deveres de

garante de um bem jurídico desamparado, desprotegido e que está a ser colocado em perigo.

Estas são situações em que há um conjunto de pessoas que decidem em conjunto efetuar

uma atividade perigosa no pressuposto de que se alguém estiver em perigo, a outra pessoa

ajuda.

Uma minoria doutrinal considera dispensável a autonomização deste grupo de hipóteses, afirmando

que elas poderiam ser incluídas dentro dos deveres de guarda e de assistência, ou até mesmo dentro

do grupo de relações familiares e análogas, se as caraterísticas do caso concreto assim o

induzissem. Ainda há quem inclua este tipo de situação na questão da ingerência- mas, na minha

opinião isso era já um extremismo concetual.

Posição de FIGUEIREDO DIAS:

“Parece-nos duvidoso haver razão bastante para a autonomização da comunidade de vida, mas já

há razão para a comunidade de perigos”- a comunidade de vida não cria deveres de garante.

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PRESSUPOSTOS PARA A CRIAÇÃO DE UMA POSIÇÃO DE GARANTE (FIGUEIREDO DIAS):

A) Existência de relações estreitas e efetivas de entre os intercedentes- não basta que seja

deduzida a existência desta relação tendo em consideração um Código Social ou Moral- O

Direito Penal não tutela a Moral Social;

B) De um certo, a comunidade de perigos tem que existir efetivamente- esta comunidade de

perigos não pode ser meramente de uma proximidade presumida ou suposta;

C) Não se pode estender a fonte de perigos até ao limite da prevenção geral- nesta questão

entra somente o perigo potencial que já pesa sobre a vítima, devendo o agente atuar no

sentido de evitar ou diminuir a lesão para o bem jurídico que pode ser afetado- deve o garante

atuar, numa palavra, em favor do bem jurídico concretamente carenciado.

Decisivo é que, por força das relações de confiança e de dependências mútuas que no grupo se

estabelecem, se corram riscos acrescidos ou que sejam dispensadas outras medidas de proteção.

É o carater arriscado da atividade exercida pelo conjunto de pessoas que cria nos outros o dever de

garante face aos outros.

Por exemplo, numa excursão de alpinistas, uns tem de assumir a posição de garante em

relação aos outros dado o enorme risco da atividade.

Deveres de Vigia

Os deveres de agir neste especial apartado de vigilância repousam na consideração material da

proximidade do garante com uma fonte de perigos. Até então o dever de agir repousava

simplesmente ter em consideração os casos em que o garante tinha de agir como forma de proteção

dos bens jurídicos tutelados pela norma incriminadora e que estavam desamparados contra um

conjunto de espécie de situações que podiam afetá-los. Nos deveres de vigilância, tem que existir

uma atuação protetora também de bens jurídicos mas, nesta parte, o garante está vinculado

ao controlo e apenas vigilância das fontes de perigo.

No especial dever de agir vamos aprofundar o grupo de situações em que há o dever de vigiar,

independentemente do titular do bem jurídico em causa: nestes casos, a pessoa tem o dever de

vigiar seja qual for o titular do bem jurídico. Este dever pode derivar de 3 situações:

Comportamento prévio perigoso- situações de ingerência

Discute-se na doutrina a propósito da ingerência se o comportamento prévio pode ou não ser uma

conduta lícita. Alguém em legitima defesa coloca outra pessoa em perigo- tem ou não um especial

dever de agir com base naquela ingerência licita? A doutrina varia na resposta

Posição de FIGUEIREDO DIAS Estamos perante deveres de garantia que resultam de factos anteriores perigosos; quem cria o perigo

pode afetar terceiros- daí o nome ingerência. Todavia, se a questão constitui, em última análise, um

problema de ilicitude e se esta é sempre uma ilicitude pessoal e não meramente causal, então, para

FIGUEIREDO DIAS, deve ter-se por seguro que a causação do perigo, em si mesma considerada, é

incapaz de fundar um dever de garantia e a consequente posição de garante. A questão principal

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reside efetivamente em saber quais os requisitos que deve assumir o facto anterior perigoso para

que o mesmo possa desencadear a responsabilidade do agente a título de comissão por omissão.

Facto Prévio

O facto prévio pode ser uma ação ou uma omissão violadora de um dever

Exemplo

Pessoa ferida pela queda de um telhado em mau estado

Se um passante é ferido pela queda de um telhado em mau estado, que o proprietário deveria

já ter mandado compor, pode este proprietário ter que responder pela verificação do resultado

típico ofensa à integridade física, para além da obrigação de indemnizar a que possa haver

lugar em sede de responsabilidade civil.

Requisitos para Figueiredo Dias

1- O Resultado típico tem de ser objetivamente imputável, segundo as regras gerais, ao

incumprimento do dever de garante. Por isso, não se assume para este autor uma posição

de garante:

a. Aquele que com o seu facto precedente se contém dentro dos limites do risco

permitido;

b. Quando não é o risco assim criado, mas um outro, que antecipa e se precipita no

resultado típico;

c. Quando a conexão do risco deve ser negada e insuscetível de ser ligada para com o

comportamento prévio, não cabendo este último no fim de proteção da norma.

A Doutrina Maioritária entende que, para além da aludida exigência de imputação objetiva do

comportamento prévio ao facto típico, a criação de perigo tem ainda de ter sido objetivamente

ilícita, embora não culposa, pelo que não se poderia fundar uma posição de garante sempre que

o comportamento prévio se encontrasse justificado. Ou seja, o dever de agir é exato, mas não vale

em princípio para comportamentos justificados por estados de necessidade ou legítimas

defesas.

Para Fernanda Palma depende do tipo da conduta lícita em causa:

(Caso especial da Legítima Defesa) No caso de legítima defesa, para Fernanda Palma não

há um especial dever de agir- ora, se alguém em legítima defesa coloca outra pessoa numa

situação de perigo e nada fizer, acabando a pessoa por morrer pela inércia de ação- o agente

que omite a conduta não pode ser responsabilizado. A pessoa age em legítima defesa, mas

depois não faz nada. Para MFP a pessoa não será punida ainda que haja omitido o auxílio

Se há um excesso de legítima defesa, a conduta passa a ser ilícita e a situação já se passa de uma

maneira diferente.

Para Maria Fernanda Palma: se a conduta prévia se traduz numa contraditoriedade objetiva ao dever

de modo a que a vítima não esteja na posição de ter de suportar a intromissão na sua esfera jurídica,

aí, para esta autora, há uma conduta licita que pode servir de base de fonte ao dever especial de

agir e consequentemente a uma responsabilização do agente.

Maria Fernanda Palma – no caso da legítima defesa, é a consciência do exercício da defesa, a partir

do conhecimento da situação defensiva e do efeito defensivo, associada a uma decisão de agir em

cuja determinação se inclui esse conhecimento (sendo pressuposto sempre que não haja uma

Page 43: Resumos Teoria do Crime FDUNL

43

orientação final contrária ou a certeza de que a consciência da situação defensiva não se expressou

na ação) que caracteriza a conduta subjetiva requerida pelo fundamento da legítima defesa.

O fundamento de uma causa de justificação como a legítima defesa não exige uma motivação

emocional de adesão ao fundamento da figura.

O exercício de um direito à dignidade ou à autonomia deve ser encarado, de acordo com a natureza

dos valores jurídicos em geral, como comportamento final (objetivamente), adequado à preservação

daqueles bens e dotado de um mínimo de condução voluntária.

Exemplo 8

Atropelamento devido a falha nos travões

Alguém, devido a uma avaria no automóvel, vai ao encontro da uma pessoa. A causa do

atropelamento tem que ver com o facto de o carro ter deixado de ter travões- Vejamos: a conduta é

licita porque a pessoa deixou de ter domínio sobre o carro. Nestas situações, se a pessoa não fizer

nada para salvar o atropelado pode ser punida pelo crime de homicídio por omissão porque tem o

dever especial de agir.

Divergência Doutrinária: Há uma discussão na doutrina sobre estes assuntos- há quem defenda que

também nas situações de legitima defesa existe o dever especial de agir

Âmbito social de domínio, i.e., deve-se confiar em quem exerce o dever o poder de

disposição sobre um determinado domínio ou espaço limitado que se encontra acessível a

outras pessoas.

A fonte de posições de garante agora em consideração só terá bastante razão de ser (para

FIGUEIREDO DIAS) autonomizada na medida em que possa considerar-se com independência

relativamente à das funções de proteção ou à de um comportamento perigoso anterior.

Fundamento Material

O fundamento tem que ver com o facto de a comunidade ter o poder de confiar em quem exerce o

poder de disposição sobre um âmbito de domínio ou sobre um lugar determinado, que se encontra

acessível a outras pessoas. Tendo essa pessoa o poder de domínio sobre o espaço de atuação de

outrem, deve a mesma também dominar os riscos que para estas podem resultar de estados ou de

situações perigosas.

Casos O Controlador aéreo tem o dever especial de agir naquele espaço limitado controlado pelo

próprio;

Caso do empreiteiro nas situações de obra- o empreiteiro tem o dever especial de agir no

que ocorre nesse espaço- este é o chamado âmbito social de domínio

Donos de animais que devem vigiá-los em face do perigo e dos danos que os mesmos

podem provocar;

Donos de veículos motorizados que os devem conservar em condições de segurança, quer

para o proprietário quer em relação às pessoas que podem vir a padecer de danos na

eventualidade de danos dolosamente causados pela falta de reparação;

Empresários, industriais, comerciantes e possuidores em geral de estabelecimentos

comerciais que devem proceder a uma conservação dos mesmos em condições de

Page 44: Resumos Teoria do Crime FDUNL

44

segurança para os trabalhadores e para a generalidade das pessoas, procurando evitar

acidentes.

Quem domina uma fonte de riscos determináveis dentro de um âmbito de atuação objetivável deve

atuar, mais uma vez, no sentido do afastamento ou da minimização dos perigos que daquela resultam

tanto para o exterior- perigos de incêndio- como para o interior, como para terceiros que nela

penetrem- perigo de desmoronamento de uma ponte em construção. Mas já não se vê que deste

fundamento de vigilância resulte, como devia, segundo DIAS, os limites do âmbito de atuação deste

princípio, sem que haja uma intromissão inadequada e ilegítima na esfera de atuação dos

particulares.

o Por um lado, a formulação deste princípio parece abranger os casos em que só por

causalidade alguém penetra no âmbito de domínio do dono, possuidor ou gerente. Em tais

casos será seguramente de longe manter sobre estes o dever de vigilância e o consequente

dever de atuação no sentido da eliminação ou da minimização do perigo;

o Por outro lado, e inversamente, este princípio parece querer restringir-se a factos ocorridos

dentro de uma certa atividade duradoura- o que sucede frequentemente com o exercício de

atividades de cariz económico com as indústrias. Assume, neste âmbito um particular relevo,

a responsabilidade do produtor ou pelo produto- recairá sobre o produtor então o dever de

fiscalização conducente a evitar situações mesmo só potencialmente lesivas de bens

jurídicos do consumidor em que o caráter perigoso do produto não é cognoscível segundo

um juízo ex ante, mas sim perante somente um juízo ex post. Para FIGUEIREDO DIAS esta

é uma conclusão razoável, suficientemente precisa, e em definitivo, fundada.

SCHUNEMANN e a responsabilidade dos produtores:

Para este autor, a posição de garante nesta vertente deriva da assunção de uma função de

proteção ligada à competência empresarial para efeito da retirada do produto do mercado ou

de indicação das precauções a tomar pelo consumidor para evitar danos ou prejuízos, quer de

cariz patrimonial, quer de cariz não patrimonial.

Três deveres de controla da ação de terceiros que não são responsáveis ou

têm a sua responsabilidade limitada ou diminuída

Em princípio se diria não existir nenhum dever de garante face à atuação de terceiros, uma vez que

este dever deve ser atribuído à sua auto responsabilidade. Contudo, este princípio deverá ceder em

face de determinadas situações especiais. Será desde logo o caso em que o terceiro, por motivos

vários, ou não é responsável ou tem a sua responsabilidade diminuída ou limitada. Aceitar-se-á

nestes casos que a ordem jurídica ponha o cumprimento de um dever de vigilância, relativamente ao

irresponsável ou responsável limitado, a cargo de quem exerce sobre ele um poder de domínio ou

um poder de controlo.

Os pais, assumem, perante os filhos, os deveres que destes últimos emanam;

Os professores face às crianças;

Instrutores de uma determinada atividade- instrutores de condução;

Direção e pessoal de estabelecimentos de internamento destinados a doentes mentais ou ao

cumprimento de penas privativas de liberdade ou análogos.

Page 45: Resumos Teoria do Crime FDUNL

45

Uma outra razão que pode levar ao aparecimento eventual de um dever de garante, quando

nos factos de terceiros residem relações de infra/supra ordenação- e consequente

autoridade/subordinação.

Muitas vezes, é a própria lei que clara e expressamente nos induz a um dever de garante, tratando-

se, ma maior parte das vezes, de situações onde está em causa o exercício de importantes funções

de interesse nacional.

PROBLEMA DISCUTÍVEL- atividade empresarial: eventual responsabilidade jurídico-penal por

omissão das pessoas que dirigem e fiscalizam a atividade empresarial privada. Neste âmbito, a ratio

da lei tem apontado no sentido da constituição de um dever de garante em relação aos membros do

conselho de administração ou conselho diretivo das sociedades anónimas- o pessoal dirigente deve

cuidar de que a “fonte de perigos “empresa” permaneça sob controlo de segurança.

MONOPÓLIO

Para a maior parte da doutrina, monopólio são situações em que o agente é a única pessoa que está

em posição de evitar o resultado e evita-lo não exige grande esforço. Estamos então perante aquelas

situações em que quem assume o dever de garante tem o domínio fáctico absoluto sobre a fonte de

perigo. Nestas situações, o verdadeiro fundamento jurídico-penal do dever de agir reside na abissal

desproporção entre o bem jurídico em perigo e o esforço exigido ao omitente no decurso do

processo salvador.

Este problema deve, em opinião de ANDRÉ LEITE, ser colocado não só perante situações em que

cabe apenas a uma única pessoa encetar o processo salvador, mas também naquelas situações em

que bens jurídicos eminentemente pessoais estão numa situação de desproteção. Portanto, a

constituição de um dever de garante não tem que ver com a contenção de fontes de perigo, mas sim

com a proteção de bens jurídicos carecidos de amparo- somente neste último âmbito aquela

obrigação surgirá como fundamento autónomo de preenchimento de um elemento do tipo de ilícito

objetivo dos delitos omissivos impróprios.

BASE DO PLANO: os deveres de garantia numa situação de monopólio devem ser buscado com

base no art. 10º/2 CP. É para estas situações que foi pensada a equiparação da omissão à ação.

Uma situação de monopólio não implica que haja somente uma pessoa com o controlo fáctico e

absoluto em relação à situação concreta. Pode tratar-se de uma pluralidade de pessoas, desde que

qualquer uma delas domine em absoluto a situação e tenha a mesma possibilidade e o mesmo custo

de intervenção. Uma situação de concurso de deveres de garante só reforça a exigência de que

tenha lugar a ação imposta, esperada ou devida, com evidentes consequências possíveis em tema

de medida da pena, eventualmente ligados com a negação da atenuação especial que à priori seria

possível segundo o art. 10º/3 CP:

Reserva de FIGUEIREDO DIAS

Este autor levanta uma reserva quanto à consideração do dever de ação e de omissão no que

concerne à assistência a uma bem jurídico carecido de amparo e não ao controlo de uma fonte de

perigo. Questiona-se: não terá esta proposta de ANDRE LEITE fortalecido em demasia a tendência

para estender este dever de ação para além de situações limite? Argumenta-se, em sentido de

resposta, que neste tipo de questões o que releva é a tentativa de larvar de conceber como omissão

impura, imputando as situações no art. 10º CP casos que só podem relevar na medida em que

constituam o crime puro de omissão de auxílio previsto no art. 200º CP.

Exemplo 9

Page 46: Resumos Teoria do Crime FDUNL

46

Situação de Afogamento em sede de desconhecimento e monopólio

Na tal situação de afogamento de uma criança à beira-mar, uma única a pessoa que está na praia e

sendo somente necessário esticar o braço- se a pessoa nada faz e se esta não conhece a criança

de lado nenhum- a pessoa tem o dever de agir? Pode ser punida pelo crime de omissão?

Posição de Garante para FIGUEIREDO DIAS

“Posição” de Garante e “Dever” de Garante

Ao tipo objetivo de ilícito dos crimes de omissão pertencem, em suma:

A situação típica;

A ausência de uma ação imposta, devida ou esperada - para a Professora não devemos

incluir as ações esperadas;

A possibilidade individual de ação

A estes elementos acrescem, nos crimes impuros de omissão: o resultado típico objetivamente

imputável à omissão e a posição do omitente de garante da não verificação do resultado.

Doutrina Tradicional: sustentava que não apenas a posição de garante, mas sim o próprio dever

de garante que em qualquer crime de omissão recaia sobre o omitente, constituía um elemento

normativo do tipo objetivo de ilícito dos crimes omissivos.

Correção (Pressupostos -/- Dever de agir): Correto é distinguir os pressupostos materiais que

fundamentam o dever de garante e de cujo conjunto resulta a posição. Os pressupostos

fundamentam a posição de garante, mas são coisas diferentes. Só os pressupostos fazem parte do

tipo de ilícito objetivo dos crimes impróprios de omissão, não o dever de atuar que deles resulta.

Também nos crimes impróprios por omissão pertence ao tipo apenas a indicação do comportamento

imposto, não o dever de o levar a cabo.

Requisitos para a consideração de um dever de garante- FIGUEIREDO DIAS

FIGUEIREDO DIAS defende que há uma posição de garante quando:

o O agente esteja investido numa situação de domínio fáctico absoluto e próximo da

situação;

o O perigo para o bem jurídico é eminente;

o Quando a pessoa em questão pode evitar o resultado sem ter que incorrer numa

situação perigosa suscetível de ser danosa para si própria- obviamente que o perigo

no caso de um imigrante ilegal poder ser descoberto não cabe nestas situações

Estes são os pressupostos que nos foram fornecidos por FIGUEIREDO DIAS no sentido de se

considerarem as situações em que existe um dever especial de agir do agente. Para este autor,

quase que nem é preciso haver um monopólio. (exemplo da praia- se o agente nada fizer, esta pode

ser punida pelo crime de omissão- não basta estarmos perante uma situação de monopólio- se

estiverem dez pessoas na praia- há um dever especial de auxilio e todas elas podem ser punidas se

nada fizeram para salvar a vítima).

Hipóteses Resolvidas pela Professora na Aula

Ação ou Omissão

Page 47: Resumos Teoria do Crime FDUNL

47

Porta da discoteca

À porta de uma discoteca alguém consome uma substancia psicotrópica e as pessoas nada fazem,

nem mesmo os seguranças. Os seguranças só tem o dever de atuar quando existe um perigo dentro

da discoteca? Ai ate teríamos de ter em conta os contratos dos profissionais para ver se os

seguranças têm ou não o dever de agir- mas as pessoas também tinham o dever de agir?

Pressupostos de Figueiredo Dias

--- As pessoas que estavam a assistir tinham um domínio fáctico absoluto sobre a ação;

--- Havia um perigo para a vida;

--- Não havia perigo para quem auxiliaria.

Se a pessoa morresse todas as pessoas que não auxiliaram o estudante poderiam ser punidas pelo

crime de omissão de auxilio em virtude dos requisitos propugnados pelo Professor Figueiredo Dias.

--

Violação de uma rapariga

Se uma rapariga estava a ser violada na rua por um gang, e um rapaz passa ao lado e nada fizer

não existe um dever de especial de esforço, porque existia também um perigo para o próprio rapaz,

em termos de integridade física ou mesmo para a sua própria vida.

---

Estranha situação á beira da estrada- JOÃO TERRINHA

Alguém está a conduzir à noite sem ninguém como acompanhante: há uma situação de monopólio

no caso e alguém estar parado á beira da estrada sem aparentemente ter sofrido um acidente (o

mais provável era ser uma pessoa que se dedicava á prostituição ehehe). Nesta hipótese, o terceiro

requisito de Figueiredo Dias poderia não estar reunido. Havia um perigo para a pessoa que podia

auxiliar- muitas vezes as pessoas estão na estrada a espera de assaltarem outrem. No caso em

concreto, a pessoa não seria punida pelo crime de omissão de auxilio. Mas já recairia sobre a pessoa

em causa o dever de auxiliar no caso de se verificar que houve efetivamente um acidente e que a

pessoa tinha sofrido efetivamente danos ao nível da sua integridade física e que precisava de socorro

Casos Práticos

Caso Prático 1

Comportamento Jurídico- Penalmente Relevante

Este é o caso do Homem-Azul.

Uma operação cirúrgica aos olhos teve um desfecho fatal. Esta operação foi levada a cabo por dois cirurgiões apoiados por uma equipa de cinco enfermeiras. A anestesia começou cerca das 9h 45 min e o paciente foi anestesiado com uma injeção de uma substância e foi-lhe introduzido um tubo intratraquial para permitir ao doente respirar por via mecânica. Entretanto houve uma troca de anestesistas: o doctor SAID trocou com o doctor ADOMAKO (de origem indiana).

Page 48: Resumos Teoria do Crime FDUNL

48

O acusado foi chamado a substituir o doctor SAID e a ocupar o seu lugar. O doctor SAID saiu para assistir a outra operação no Hospital. Às 11h 5 minutos, o tubo intratraquial desconectou-se, pelo que o fornecimento de oxigéneo se soube e o doente sofreu um ataque cardíaco às 11h14 minutos. O acusado, que é o adomako, tomou pela primeira vez consciência de que algo estava errado quando tocou o alarme da máquina que monitoriza a pressão arterial do paciente. Quatro minutos passaram entre a desconexão e o suar do alarme dessa máquina.

Quando tocou o alarme da máquina, o acusado respondeu de várias formas: verificou equipamento, administrou antroquina para subir o pulso do agente, etc . Mas em nenhum momento, antes do ataque cardíaco ele verificou a desconexão do tubo. Aliás, esta só foi descoberta depois do doente ter o ataque cardíaco.

Sabendo que o primeiro anestesista esqueceu-se de ligar o alarme da máquina do tubo intratraquial., deve ou não o acusado ser responsabilizado jurídico criminalmente pelo crime de Homicídio Negligente?

Elemento relevante

O primeiro médico anestesista não ativa o alarme

O primeiro anestesista não ativou o alarme da máquina. Isto é fundamental para percebermos o

porquê de, aquando da troca, o segundo anestesista não ter ponderado logo que o problema tinha

origem no tubo intratraquial. É expetável que os médicos confiem no tipo de auxílio dado pelas

máquinas.

Na normalidade dos casos, os médicos assumem de que se algo falhar o alarme toca. No caso sub

judice, houve uma assunção da boa-fé e profissionalismo dos seus colegas, pelo que não impendia

na esfera jurídica do segundo anestesista o dever de verificar aquilo que supostamente havia sido

feito pelo primeiro interveniente, também ele profissional de saúde.

1º Ação

Houve ou não ação?

Há ou não uma ação jurídico penalmente relevante?

Estava o médico em condições de representar o perigo?

A professora queria que discutíssemos primeiro se existe ou não uma ação. O médico não estava

em situação de representar ou de poder representar o perigo, uma vez que não sabia efetivamente

qual era a causa do estado clínico que o seu paciente apresentava.

Pergunta da Professora BÁRBARA SOUSA DE BRITO: Não há ação ou não há negligência?

Uma aluna do quarto ano considera que não estamos nem perante uma ação, nem perante uma

situação de negligência. Para ela, o segundo anestesista fez tudo aquilo que estava ao seu alcance

a partir do momento em que o alarme suou. Contudo, não conseguiu ver o problema- logo não

representou o perigo.

Análise do elemento subjetivo e questão processual de prova

Para se acusar uma pessoa negligentemente, também tem que se fazer prova que houve uma

violação de regras objetivas de cuidado: esta violação é aferida ao nível protocolar e consiste numa

violação de um dever jurídico-penal de ação. Pode acontecer uma violação de deveres objetivos de

cuidado e nesse caso o médico podia ser punido por negligência. Nestas situações, o primeiro

elemento a ser analisado é o elemento subjetivo. Nos crimes negligentes, para decidirmos se houve

ou não uma ação, temos de considerar aquilo que o agente pensou- para isso temos de começar

pelos elementos subjetivos.

Page 49: Resumos Teoria do Crime FDUNL

49

Só conseguimos ver se há ação quando estão reunidos os elementos subjetivos.

A jurisprudência bastasse co a violação do dever objetivo de cuidado- mas assim viola o princípio

constitucional da culpa- uma pessoa não pode ser punida por um ato que nem sequer representou-

a pessoa nem sequer teve a possibilidade de representar o facto- e vai ser punida por isso? Isto é

uma clara violação do princípio da culpa.

Princípio da Culpa

Em Direito Penal, face ao princípio da culpa, a pessoa tem sempre que atuar no âmbito da sua

liberdade e autonomia. Ou seja, o ato, para ser punível, tem sempre de ser controlado ou controlável

pela vontade. Ora, também este primeiro anestesista não pode ser processado porque agiu sem

consciência do risco ou não idealizando os sinais objetivos de perigo.

Para o princípio da culpa, um erro grosseiro não chega para responsabilização jurídico-penal. A

pessoa tinha que agir- tinha de controlar ou pelo menos ter a possibilidade de controlar a prevenção

dos danos.

Exemplo: uma farmacêutica que causa doenças a pessoas por um erro grosseiro não sera

responsabilizada.

Deveria o segundo anestesista ter atuado de outra forma? Podemos responsabilizar o

primeiro anestesista? Há ou não violação de deveres objetivos de cuidado: se sim, do primeiro

ou do segundo interveniente enquanto profissionais anestesistas?

PATRÍCIA RODRIGUES: Para a Patrícia, o segundo anestesista não foi negligente, uma vez que o

trabalho de ligar as máquinas pertencia ao seu colega que interveio em primeiro lugar.

Ponderação da Questão dos Protocolos Médicos

Se partirmos do pressuposto que existem protocolos médicos que criam na esfera dos anestesistas

o dever de verificação dos procedimentos feitos anteriormente, então o segundo anestesista poderia

ser responsabilizado. Infelizmente, pelo que a professora sabe, os procedimentos que têm de ser

adotados não são verificados posteriormente porque os protocolos existentes assim não obrigam os

profissionais de saúde a fazê-lo.

Protocolos dos Pilotos: Segundo os protocolos que regulam o exercício da pilotagem, o piloto na

aviação civil o piloto tem de confirmar três vezes se tudo o relativo à mecânica está em correto

funcionamento.

Para a professora, de acordo com as informações que tem, não existe o dever de verificação do

cumprimento dos procedimentos que foram feitos no início da intervenção cirúrgica. Está

estatisticamente comprovado que quase todos os erros médicos são erros negligentes. Mas mais

grave: tem-se provado que a maioria dos casos de erro médico advém de “Automatismos”, i.e., os

erros médicos existem porque têm que ver com a atuação automática do médico. BÁRBARA SOUSA

DE BRITO considera que, quando uma ação é automática não pode ser avaliada como jurídico

penalmente relevante e, portanto, será insuscetível a responsabilização do agente. Por isso, os

procedimentos médicos devem começar a ter um CHECK LIST para evitar situações em que há a

perda de vidas humanas. No caso concreto, só depois de o agente morrer é que se descobriu a

causa do facto.

Como as consequências são tao gravosas pela automaticidade do ato, devemos evitar ao máximo a

ocorrência do automatismo. Tem que haver uma transposição de normas regulamentares e

procedimentais que tornem evitáveis a ocorrência de danos para os pacientes- deve-se evitar a não

Page 50: Resumos Teoria do Crime FDUNL

50

correção de situações onde se podem causar danos para os pacientes. É pela prevenção que se

protegem os bens jurídicos.

A resposta deve ser dada consoante consideremos que a pessoa tinha ou não o dever de praticar

uma revisão dos procedimentos feitos inicialmente pelo seu colega.

Mas será o conhecimento jurídico suficiente para uma adequada resolução deste caso prático?

Como sabemos, o direito é um sistema autopoitico: para a sua eficácia temos de recorrer às outras

ciências, ou seja, para sabermos se impendia ou não na esfera jurídica do segundo anestesista o

dever de verificar procedimentos anteriores temos de ter conhecimentos externos. Ora, o segundo

anestesista faz tudo ao seu alcance para salvar o paciente.

Há uma experiência interessante do Professor RUI COSTA em que verifica que numa situação de

stress, as ações que as pessoas conseguem praticar são somente ações automáticas- esta foi a

conclusão a que se chegou embora as experiências tenham sido feitas com animais. Em ambientes

stressantes, as pessoas não conseguem pura e simplesmente praticar ações novas.

Tendo em consideração os dados que nos são fornecidos na hipótese, conseguimos afirmar que o

segundo anestesista entre numa situação de stress agudo, quando percebe que algo está de mal

com o seu paciente, mas não consegue identificar a causa.

Fator Expetativa

Neste caso também funciona o fator expetativa - o alarme que tocou foi um outro alarme que não o

do tubo intratraquial. O segundo anestesista não tinha como saber que o alarme da máquina

intratraquial estava desligado. Também temos de ter em consideração todo o conjunto de

verificações que tinha de fazer- não era-lhe exigível que soubesse logo o problema originário.

Quando é que haveria uma ação jurídico-penalmente punível?

Para se punir o agente tínhamos de estar perante uma ação controlada e mais do que isso,

controlável pela vontade. O anestesista em causa tinha de ter consciência do risco. Não haviam

sinais objetivos de perigo que o fizessem representar o resultado. ele não teve consciência do sinal

objetivo de perigo que lhe permitia prever a realização daquele processo causal que levaria ao

resultado.

Normalmente, os técnicos especialistas, ainda que tendo competências, têm comportamentos tão

automatizados, que deve existir uma alteração das regras procedimentos para evitarmos este tipo

de situações. Um colega do quarto ano diz que o médico não se podia basear somente naquelas que

eram as informações fornecidas pelo equipamento. Mas a professora refuta dizendo que o médico

realizou tudo aquilo que era devido dadas as circunstâncias- o médico fez tudo aquilo que era

possível fazer em face das informações que disponha: logo, não podia prever que o problema vinha

do tubo intratraquial. Estamos perante uma situação em que o médico teve vários sinais, mas estes

sinais não eram objetivos, ou seja, não havia nada que indicasse que o problema era do tubo

intratraquial.

Bom Argumento da CAROLINA TELLES:

A Carlina acha que não é uma ação jurídico penalmente relevante. Se considerarmos que todos os

médicos fazem tudo ao alcance para prevenir danos para a vida dos seus pacientes- qualquer dia os

médicos não correm riscos para salvar uma pessoa- e como sabemos em medicina os profissionais

têm que correr riscos.

Page 51: Resumos Teoria do Crime FDUNL

51

Mas se fazia parte dos procedimentos verificar todos os alarmes e o segundo anestesista não o faz,

então haveria uma consciência de algo que o poderia induzir a prever o problema.

Em relação ao primeiro anestesista, a professora acha que também não há ação, mas só se

partirmos do pressuposto que a conduta foi, também ela, o resultado de uma atuação automática.

Primeiro Anestesista

O primeiro anestesista não se esqueceu de ligar o alarme propositadamente.

Ora, se o primeiro anestesista não dorme à 24 horas, estava cansado e mesmo assim faz a

anestesia, podia ser responsabilizado porque neste caso haviam sinais objetivos de risco ou de

perigo para a pessoa, uma vez que o profissional não estava na plenitude das suas capacidades. O

anestesista estaria, nesta subhipótese, investido na condição de prever que podia falhar e colocar

em risco a vida do paciente. Contudo, se o anestesista está habituado a fazer operações nesse

estado e nunca falhou- não haverão sinais objetivos de perigo que tornam este sujeito imputável.

Carolina Telles questiona: Porque é que o primeiro médico não é punido? Porque é que o resto da

sala não foi julgada e no caso real a responsabilização cingiu-se ao segundo anestesista?

Neste caso o médico era indiano, pelo que se coloca o problema de discriminação racial- o médico

foi condenado pelo crime de homicídio negligente. Terá sido mesmo este o fundamento?

Infelizmente, a nossa jurisprudência tem alguma dificuldade em provar a ligação subjetiva do direito

com o facto, por isso muitas vezes recorre à violação do direito objetivo. No seguimento da

explicação, a professora considera estarmos perante decisões inconstitucionais: “há uma violação

clara do princípio da culpa!”. No caso real só foi condenado o 2º anestesista porque se considerou

que este violou o dever objetivo de cuidado- basicamente estamos perante um subterfugio utilizado

para encobrir a discriminação racial que foi, quase de certeza, a razão desta posição do juiz.

CONCLUSÃO: Os médicos deviam verificar três vezes os procedimentos para evitarem falhas com

repercussões na integridade física ou vidas humanas: “Os automatismos prejudiciais têm que ser

evitados ao máximo”. Devemos propor aquilo que pode evitar certos erros- isto ajuda a que hajam

menos enganos no Hospital e que menos problemas sejam causados nos pacientes.

E se um cirurgião tem faculdades superiores e não as emprega na operação? Se o médico-cirurgião

não coloca em prática as suas habilidades cirúrgicas e atua apenas como um medico medio, no caso

de haverem danos, pode ser responsabilizado.

Caso Prático 2

Este é um caso verídico que aconteceu na década de 60. Estamos perante um medicamente que se dava às grávidas para situações de ansiedade. O que aconteceu é que esse medicamente provocou mal formações nos fetos, mas essa descoberta só se deu quando começaram a nascer crianças deficientes. Só se descobriu depois do nascimento das crianças e das mulheres que tomavam TALIDOMIDA.

Podem ou não ser responsabilizados os médicos que receitavam talidomida por ofensa à integridade física?

O caso da TALIDOMIDA foi um caso que ocorreu e onde se deu às mulheres grávidas um

medicamento que tinha uma substância que era a TALIDOMIDA. Na altura, em que foi prescrito este

medicamento, não se fazia qualquer ideia de que ele pudesse causar mal-formações no feto. Só com

o nascimento das crianças deficientes é que se provou existir uma relação de causalidade de entre

Page 52: Resumos Teoria do Crime FDUNL

52

tomar a TALIDOMIDA e as mal formações no fecto. A empresa farmacêutica fez todas as

experiências necessárias e possíveis antes de colocar o medicamento disponível no mercado.

A empresa representou efetivamente o perigo de lesão do bem jurídico em causa, i.e., à partida

podemos deduzir que foram feitas todas as diligências para evitar os danos.

Mas podem os médicos ser responsabilizados jurídico-criminalmente?

Em relação aos médicos, não há um ação jurídico criminalmente relevante controlada ou controlável

pela vontade. A Carolina Ferreira considera que a ação não é juridicamente relevante. Contudo, para

a professora poderia existir efetivamente a ação que se materializou em administrar a TALIDOMIDA.

Mas esta ação não pode ser conexionada com a ofensa à integridade física do fecto. Portanto, a

ação juridicamente relevante não é a introdução da TALIDOMIDA. Aquilo que relevaria neste âmbito

era a existência de uma relação causal com as más-formações do fecto.

Em minha opinião, os médicos não poderão ser responsabilizados pela ofensa à integridade física

dos fetos. Os médicos não tiveram a possibilidade de representar o resultado, logo não poderiam ser

responsabilizados porque não houve então sequer uma ação jurídico criminalmente relevante. Não

houveram sinais objetivos de perigo que induzissem a pressupor o resultado. A relação de

causalidade de entre a morte dos fetos e a TALIDOMIDA e as mal formações. Os médicos agiram

no quadro das ações permitidas e adequadas socialmente.

Em suma, a maior parte da Doutrina considera que os médicos não podem então ser

responsabilizados, em virtude de:

Não haver uma ação jurídico penalmente relevante;

Também não havia uma imputação objetiva do resultado ao agente- esta imputação objetiva

do facto ao agente vai ser estudada numa fase ulterior do nosso curso.

Teoria da Causalidade Adequada: de uma maneira introdutória, esta teoria da causalidade diz-nos

que um resultado só pode ser objetivamente ao facto praticado pelo agente quando o Homem Médio,

podia prever aquele resultado de acordo com aquele processo causal em concreto. Ora, na altura

em que os médicos administram a TALIDOMIDA não podiam prever o resultado mal formação

segundo aquele processo causal. Na altura, os estudos existentes não eram conclusivos.

Nesta resposta poderíamos argumentar no sentido da existência de uma ação jurídico criminalmente

relevante, mas para isso teríamos de fundamentar bem a nossa posição e fazer referência ao facto

de não haver causalidade adequada, o que levaria no fim também a uma não punição do agente.

Caso Prático 3

António e Bento estavam a trabalhar num andaime situado a cinco metros do solo. Bento, vitima de

uma choque elétrico, foi projetado para trás e empurrou António, fazendo-o cair do andaime. António

ficou gravemente ferido. Bento, emigrante Brasileiro em situação ilegal, receando vir a ser

descoberto, decidiu fugir do local sem prestar qualquer auxílio a António.

Determine a responsabilidade criminal de Bento na hipótese de António vir a falecer por não ter sido

tempestivamente auxiliado.

Page 53: Resumos Teoria do Crime FDUNL

53

Em primeiro lugar, devemos analisar a questão do choque elétrico. Não existe neste âmbito uma

ação quando empurra por ter levado precisamente um choque elétrico. Esta conduta não foi

controlada pela vontade. A ação não podia ser considerada como voluntária. Nem automática acaba

por ser.

Nem sequer houve uma qualquer representação do fim. Estamos perante práticas em vis absoluta,

onde o corpo do agente constitui uma massa inerente- a possibilidade de não atuar é irresistível.

O caso já seria diferente no caso de ter havido uma violação de normas de cuidado por parte do

agente- neste caso, a ação já poderia ser considerada como jurídico criminalmente relevante. Se o

agente representa a violação de normas de cuidado ou de segurança, tem que assumir a

possibilidade de sofrer um choque e sofrer as consequências que derivem dessa mesma lesão.

Omissão de Auxílio

Monopólio: de acordo com a posição de Figueiredo Dias, não podemos dizer que a pessoa de Bento

tinha perigo que justificou a omissão de auxílio. Não conseguimos justificar o especial dever de agir

de Bento no Monopólio- neste âmbito, tínhamos de recorrer às teorias do especial dever de agir.

Especial dever de agir?

Estamos perante uma omissão? Esta omissão deve ser qualificada como pura ou impura?

O agente pode ser punido pelo crime de Homicídio por omissão?

Neste caso estamos a falar de omissões impuras. Este tipo de omissões só preenchem o tip se

estiverem ligadas causalmente ao resultado. Para fundamentarmos corretamente a responsabilidade

jurídico criminal do sujeito teríamos de recorrer ao art. 10 e conjuga-lo com o art. 131.

Para quem, como o Professor FIGUEIREDO DIAS, defende que a omissão não é uma ação que

cabe dentro do género comportamento humano- o art. 10 funcionará como uma norma extensiva da

tipicidade. Para este autor, o art. 131 quando diz que quem matar outrem é punida com pena de

prisão, só está a pensar nas ações em sentido estrito. Como sabemos, em Direito Penal só se pode

punir a conduta do agente quando esta possa ser subsumida ao facto tipificado pela lei.

FIGUEIREDO DIAS diz que o tipo da parte especial prevê o crime por ação- face ao art. 10

estendemos então a tipicidade destes comportamentos aos crimes específicos pela omissão.

Para a outra parte da Doutrina, que diz que a omissão tal como a ação faz parte do género

comportamento humano, então o tipo especial encobre as ações e as omissões, não necessitando

de ser conjugado com o tipo geral do art. 10. Ou seja, o art. 10, para este segmento da doutrina, não

é uma norma extensiva da punibilidade, mas sim uma norma que restringe a punibilidade, dizendo-

nos que só vai ser punido por omissão quem tem o dever especial de agir. Este artigo diz-nos que

só pode ser punido por um crime de resultado quem tenha um especial dever de agir.

É importante sabermos as teorias materiais que definem o especial dever de agir para que possamos

resolver convenientemente os casos práticos. Para resolvermos esta problemática, não podíamos

invocar a comunidade dos perigos.

Page 54: Resumos Teoria do Crime FDUNL

54

Comportamento prévio perigoso

Pode o comportamento prévio ser lícito? Para FIGUEIREDO DIAS, o comportamento prévio pode

ser considerado como lícito porque a pessoa atuou com uma causa de exclusão de culpa- a pessoa

não tem o especial dever de agir. Mas se a conduta foi criada por um ato da pessoa que originou um

perigo para o bem jurídico de outro, será isto suficiente para acharmos que existe um comportamento

prévio perigoso para que possa recair sobre a pessoa de Bento o dever especial de auxiliar.

Podíamos também argumentar com a situação de Monopólio. Bento, tinha o dever de agir uma vez

que estava sob o domínio fáctico da situação- logo poderia ser condenado por homicídio de ação.

Quando recorrermos ao art. 10 CP podemos colocar em causa o princípio fulcral do Direito Penal

que é o princípio da legalidade ou da tipicidade. Para os defensores da equiparação da ação e da

omissão como comportamento humano, não se coloca a hipótese de violação do princípio da

legalidade. Mas para quem considera que a ação e a omissão não se integram nas mesmas ações

humanas, colocar-se-á eventualmente a violação da legalidade

.

1º Houve ou não houve a possibilidade de representar o resultado? Estamos perante uma ação

jurídico criminalmente relevante?

2º Monopólio- dever de auxílio- estava, reunidos os pressupostos para que a pessoa de Bento possa

ser condenada pelo crime de Homicídio por Omissão.

FD- Art. 131 + art. 10

Professora Bárbara- Art. 131

Caso Prático 4

Bruno conduzia o seu veículo automóvel quando uma abelha, que acabara de entrar pela Janela, o

picou num olho. Num gesto instintivo, Bruno tirou as mãos do volante para proteger a cara. Com isso,

acabou por embater em Beatriz, que atravessava a passadeiras uns poucos metros à frente e que

ficou em perigo de vida.

Bruno, assustado, decidiu fugir do local, vindo Beatriz a morrer umas horas depois por falta de

assistência médica tempestiva

Qual a responsabilidade jurídico criminal da pessoa de Bruno?

As ações reflexas não são adaptáveis à pessoa. Por exemplo, quando batem no joelho todas as

pessoas se encolhem- ou seja, se uma pessoa espirra, fecha automaticamente os olhos.

Ações reflexas =/= Ações automáticas

Nas ações automáticas existe uma certa flexibilidade por parte da pessoa, mas esta flexibilidade não

é suficiente para que possamos dizer que a ação era controlada pela vontade. Na opinião da

Professora- resto da doutrina- a ação varia consoante a experiência e varia de pessoa para pessoa.

Toda a gente reagiria da mesma maneira que Bruno reagiu? Há uma grande subjetivismo nesta

situação. O saber se a ação deve ser considerada como reflexa ou automática é muito difícil nesta

situação.

Page 55: Resumos Teoria do Crime FDUNL

55

Não estão reunidos os requisitos suficientes para considerarmos a ação como jurídico penalmente

relevante. Temos de saber as várias posições que se colocam em relação ao problema. Para a

Professora Bárbara, temos de saber o que a neurociência diz sobre o comportamento humano-

temos de nos basear em dados ontológicos reais para que a decisão seja a mais justa e a mais

correta possível. Esta situação de atropelamento é uma decorrência da picada da abelha- o que faz

assentar na sua irrelevância jurídica.

1º Situação que está a ser analisada

Há uma ação jurídico penalmente relevante a partir do momento em que a pessoa de Bruno tira as

mãos do volante para proteger a cara. Há um nexo de causalidade de entre a ação e o atropelamento.

A retirada das mãos do volante tem uma relação causal para com o atropelamento.

Havia ou não a possibilidade de representar a ação? Na minha opinião é evidente que o agente não

representou a ação. Dado presumirmos da inexistência de sinais objetivos que induzissem a pessoa

de Bruno à ocorrência do atropelamento- eu chegaria no teste à conclusão de que não haveria uma

ação jurídico penalmente relevante.

Pode haver responsabilidade civil objetiva. Contudo, em Direito Penal, não há lugar a

responsabilidade pelo risco inerente à condução. Em, Direito Penal, como decorrência do princípio

da culpa, a pessoa de Bruno não pode ser responsabilizada- não agiu culposamente.

2º Impendia ou não na sua esfera jurídica o dever de assistir a pessoa atropelada- Beatriz

Há ou não uma ação jurídico criminalmente relevante?

Bruno ignora e prevê que a rapariga pode morrer- pode haver negligência consciente ou mesmo dolo

eventual- estamos perante uma ação controlada pela vontade. O facto de o sujeito estar assustado

não lhe retira a capacidade de raciocinar, tanto que até teve capacidade de fugir. Bruno tinha o dever

de agir e auxiliar a pessoa de Beatriz.

Há uma omissão: Bruno não diminui o risco que ele próprio criou. É importante saber isto porque no

caso de percebermos estar perante uma omissão impura, a omissão só será jurídico penalmente

relevante se o agente tinha um especial dever de agir. Bruno tinha o dever de assistir o titular do

direito subjetivo que advém do comportamento perigoso que no caso concreto sabemos que é lícito-

ação de conduzir.

Assustado decidiu fugir e Beatriz acabou por falecer por falta de assistência médica. Se ele tivesse

feito tudo para salvar Beatriz, não havia uma imputação objetiva do resultado à conduta do agente,

porque o mesmo ainda tinha atuado licitamente, o resultado aconteceria das as circunstâncias do

tempo, modo e lugar.

Possibilidades de Punição:

Crime de Homicídio por omissão;

Crime de Omissão de Auxílio.

De entre estes dois tipos de crime há uma situação de concurso aparente. O tipo de Homicídio por

omissão já inclui a omissão de auxílio. Relação aparente no sentido de que basta punir o agente pelo

crime de homicídio por omissão. Os bens jurídicos são salvaguardados só com a punição do agente

por um tipo de crime. De entre estes dois tipos de crime há uma relação de subsidiariedade implícita.

Para uns autores estamos perante uma relação de concurso aparente na modalidade de consunção,

mas eu não concordo.

SUMA: Bruno seria punido pelo crime de Homicídio por omissão

Page 56: Resumos Teoria do Crime FDUNL

56

Concurso aparente: quando a punição por uma das normas é suficiente para abarcar a ilicitude

daquele comportamento e para proteger os bens jurídicos que estão em causa.

Concurso real: quando é preciso punir o agente pelos dois tipos para salvaguardar os bens jurídicos

e abarcar a ilicitude de um comportamento.

Se punirmos um concurso aparente como verdadeiro violamos o princípio do non bis in idem- a

pessoa não pode ser julgada duas vezes pelo mesmo facto.

TIPICIDADE Surge com BELING: 1901

Alteração profunda na teoria do crime: vem através da sua bibliografia dizer que para uma ação

possa ser considerada crime tem de haver uma conformidade do facto praticado com a previsão da

norma incriminadora.

BELING– Conceitos de Tipo

1) Indiciário – abrange as circunstâncias referidas apenas na previsão da norma incriminadora.

Conceito de tipo na análise dos casos práticos vai ser um conceito parecido com este, mas mais

extenso. O conceito de tipo que vamos usar é o conceito que abrange alem das circunstâncias

que estão na previsão da norma (da parte especial) incriminadora, também abrange as

circunstancias abrangidas nas normas extensivas da punibilidade (da parte geral). Só é punível

punir a tentativa no ART 131 porque existe uma norma na parte geral (ART 22 CP) que prevê a

tentativa.

2) Essencial ou definitivo – abrange o conjunto das circunstâncias de que depende a

consequência final descritas não só na norma incriminadora como noutras normas. Abrange

todos os elementos constitutivos do crimes, não só os que estão previstos na previsão da norma,

mas também p.Ex. O facto de aquela conduta não ter sido praticada no âmbito na legítima defesa.

Caso de inimputável está dentro deste tipo essencial.

A dispara sobre B, B morre. Ação jurídico-penalmente relevante. Vamos subsumir esta conduta no

tipo. Tipo indiciário apenas.

Tipo essencial para além destes abrange: Todos os elementos que são precisos verificar para

saber se a conduta é ilícita, todos os elementos precisos verificar para saber se a conduta é culposa

e todos os da punibilidade. Até cabem por vezes pressupostos processuais.

O conceito de tipo de indiciário é aquele que vai ser por nós utilizado na resolução dos casos

práticos

Conceitos que cabem no meio da aceção de tipo indiciários e tipo essencial:

Tipo global – quando se está a pensar no conjunto das circunstancias de que depende a

aplicação da pena, com exclusão das que estão no CP;

Tipo de garantia – relevante do ponto de vista constitucional. Abrange os elementos que

fundamentam positivamente a punibilidade. Não abrange os negativos. Também por vezes

chamado o tipo legal de crime como o conjunto de elementos, exigido pelo Art. 29 CRP e pelo

Page 57: Resumos Teoria do Crime FDUNL

57

Art. 1 CP, a que a lei tem de se referir para que se culpa o conteúdo essencial do princípio

nullum crimen, nulla poena sine lege.

Tipo de ilícito – figura sistemática de que a doutrina penal se serve para exprimir um sentido

de ilicitude, individualizando uma espécie de delito e cumprindo, deste modo, a função

material de ar a conhecer ao destinatário que tal espécie do comportamento é proibida pelo

ordenamento jurídico. abrange só os elementos constitutivos da ilicitude:

o Indiciários (abrange só os elementos positivos);ou

o Essenciais (caso abarque os elementos negativos e positivos).

Trata-se de um conjunto de elementos que se distribuem pelas categorias da ilicitude, da

culpa e da punibilidade; em qualquer uma dessas categorias se depara com requisitos de que

depende em último termo a punição do agente e relativamente aos quais por isso tem de

cumprir-se a função da lei penal.

Tipo de erro – trata-se neste do conjunto de elementos que se torna necessário ao agente

conhecer para que possa afirmar-se o dolo do tipo, dolo do facto ou “dolo natural”. Este tipo

não se confunde nem com o tipo de garantia, nem com o tipo de ilícito: dele fazem parte,

como se dirá, os pressupostos de uma causa de justificação ou mesmo de exclusão da culpa;

bem como até proibições cujo conhecimento seja razoavelmente indispensável para que o

agente tome consciência da ilicitude do facto, no sentido de que a sua não representação ou

a sua representação incorreta pelo agente exclui o dolo ou a punição a esse titulo.

Tipo de ilícito -

Consoante o ponto de referência:

Tipo de sentido concreto – se estamos a averiguar se naquele caso em concreto estão

presentes determinados elementos do tipo.

Tipo em sentido abstrato – se estamos a tentar verificar quais os elementos em sentido

geral daquele tipo.

Qual a técnica que usamos para averiguar? Subsunção. Vamos tentar averiguar se aquele caso é

um caso de certa norma.

Subsunção surge como consequência e não técnica.

“O crime é uma ação típica, ilícita, culposa e punível”- Noção genérica de Crime

ELEMENTOS OBJETIVOS DO CRIME

Page 58: Resumos Teoria do Crime FDUNL

58

AGENTE Sujeito penalmente responsável pelo ilícito penal, independentemente da forma da sua participação

na conduta incriminada:

.crimes específicos próprios

CRIMES GERAIS/ COMUNS- aqueles que podem ser praticados por toda e qualquer pessoa

que realize a conduta descrita na norma. Crime que pode ser realizado por qualquer pessoa.

CRIMES ESPECÍFICOS- aqueles crimes que só podem ser realizados por pessoas que estão

investidas numa determinada posição ou relação jurídica- médico, advogado, funcionário ou

agente do Estado

IMPRÓPRIOS- aqueles que não exigem uma especial habilidade ou

capacidade do agente que pratica a conduta que se constitui como um

ilícito penal. É uma variante de um crime fundamental que pode ser

praticado por qualquer pessoa. Mas o facto de o crime ser praticado por

aquela pessoa agrava a responsabilidade. Art 375 CP – crime especifico

improprio – 205 se for praticado por qualquer pessoa. Já se for praticado

por um funcionário público – 375 CP.

PRÓPRIOS- quando exigem que o agente acusado seja portador de uma

capacidade especial. – Crimes que não tem correspondência com outros

crimes. Não existe um crime paralelo que possa ser praticado por outra

pessoa. Ex: omissão impura. Só pode ser praticada por quem tem um

especial dever de agir.

Ele

me

nto

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bje

cti

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do

Tip

o

Agente

Ação Típica

Objeto da Ação

Bem Jurídico

Imputação Objetiva do Facto ao agente

Page 59: Resumos Teoria do Crime FDUNL

59

Crimes de Perigo

Crimes de Perigo Abstrato

Crimes de Perigo Abstrato e Concreto

Crimes de Perigo Concreto

Ação Típica

o AÇÃO- comportamento humano dominado ou dominável pela vontade Ou

o OMISSÃO- comportamento que se materializa por nada fazer. Em Direito Penal o

comportamento omissivo só assume relevância quando sobre o omitente recair o dever jurídico que pessoal e voluntariamente o obrigue a evitar o resultado previsto pelo tipo incriminador para uma dada ação (omissão impura);

Bem Jurídico

Interesse ou valor, de uma pessoa ou comunidade, na manutenção da integridade de um certo

estado, objeto ou bem em si mesmo relevante e que por isso lhe é atribuída uma certa valiosidade

jurídica:

BEM JURÍDICO INDIVIDUAL- vida, integridade física, liberdade de

autodeterminação, autodeterminação sexual, etc.;

BEM JURÍDICO SUPRAINDIVIDUAL- aquele bem que pertence a um

indivíduo mas que comunitariamente convive com outros em prólogo do bem

comum sem nunca perder um referente pessoal e concreto- ambiente, saúde

pública, ordem pública, interesse público, etc.;

CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES QUANTO À LESÃO OU PERIGO DOS BENS JURÍDICOS

Crime cuja consumação depende da lesão efetiva do bem

jurídico tutelado pela norma incriminadora, como por

exemplo o crime de Homicídio (artigo 131º), de Ofensa à

Integridade Física Simples (artigo 143º), ou até mesmo a

Violação de Domicílio ou Perturbação da Vida Privada.

Crimes de Dano ou

Lesão

Page 60: Resumos Teoria do Crime FDUNL

60

1) PERIGO ABSTRATO:

Crime de perigo estatístico e presumido porque se baseia num conjunto de estatísticas e

estudos feitos pelos órgãos com legitimidade democrática para a criminalização de

determinados comportamentos;

Normalmente configura um crime de dano ou lesão;

O perigo está fora do tipo objetivo incriminado- o perigo é presumido por lei, uma vez que é

insuscetível de ser encontrado na descrição normativa da norma incriminadora qualquer

referência ao crime- o perigo é um mero motivo abstrato da incriminação;

Neste tipo de crime é frequente não haver uma individualização do bem jurídico protegido-

pode estar em causa uma multiplicidade de bens jurídicos em abstrato, embora no caso

concreto somente um bem poder ser colocado em perigo;

o Porque representam uma antecipação da tutela da lei penal, são criticados por

alguns setores importantes da Doutrina que os considera inconstitucionais, em

virtude da excessiva antecipação da tutela penal- violam o princípio da

necessidade da pena, da adequação, proporcionalidade e subsidiariedade ou

Ultima Ratio da intervenção penal.

2) PERIGO CONCRETO

Crime que só se consuma no momento em que é verificável factualmente uma situação de

perigo, não bastando a realização da conduta pelo agente- O perigo é elemento de tipo

objetivo no que respeita à conduta incriminada;

Normalmente é um crime material ou de resultado;

Neste tipo de crime costuma haver uma individualização do bem jurídico que em concreto

configura o tipo incriminador.

Ex: Exposição ao abandono (artigo 138º) - o crime só se configura se existir por exemplo

uma situação factual onde o bem jurídico vida de um sujeito é colocado em causa- se a

ama deixar a criança sair da janela de um prédio cuja proteção do sétimo andar é

vulnerável.

3) PERIGO ABSTRATO ou CONCRETO

Crime cuja perigosidade é inerente à própria conduta;

Aproxima-se do crime de perigo abstrato, na medida em que o tipo legal incriminador não faz

qualquer referência à perigosidade, mas de um ponto de vista substancial, assemelham-se

aos crimes de perigo concreto porque as condutas particularmente aptas a produzir o perigo

é que preenchem o tipo incriminador. Normalmente a norma proibitiva jurídico-penal tem uma

estrutura semelhante à seguinte:

“Quem fizer x de forma a y, é punido com pena de P ou M”

Page 61: Resumos Teoria do Crime FDUNL

61

“Se A ameaça B com uma arma (artigo 153º) e este último sabe que a arma está descarregada, o sujeito A continua a realizar o crime de ameaça. A perigosidade não é referenciada formalmente no tipo incriminador, mas substancialmente deverá ser

tida como apta para o seu preenchimento.”

Estes são crimes de aptidão porque exigem a privação da idoneidade

genérica da conduta no que respeita à criação de um perigo para o bem

jurídico protegido.

Crime de perigo singular – só um bem. 138 CP

Crime de perigo comum – vários bens jurídicos em perigo. 272 CP

Elementos objetivos do tipo – caso do 131 CP

Agente – quem

Ação típica – matar

Objeto de ação – realidade em relação à qual se realiza a ação – B

Resultado – morte. Como há morte, saber se é possível objetivamente o resultado à conduta

do agente.

Bem jurídico – vida.

Imputação objetiva da conduta ao resultado do agente.

Elementos subjetivos: Dolo ou Negligência

E consoante o elemento subjetivo íamos para o Art. 131 (Homicídio simples) ou Art. 137 (homicídio

negligente).

Classificação dos Crimes em função do Resultado: Crimes

Formais e Materiais Resultado – pode existir ou não. Este corresponde ao evento espaço-temporalmente separado da

ação.

1. Crimes Formais

Aqueles que não é preciso verificar-se um certo resultado para o tipo ficar preenchido. Basta uma

ação (em sentido amplo). Normalmente não se verifica o resultado destacado da ação, e nos caos

em que se possa identificar o resultado, esse é inteiramente dispensável para a ocorrência do evento

criminoso.

Em sentido estrito fala-se em:

2. Crimes materiais – pressupõe a verificação de um certo resultado para o tipo ficar

preenchido.

Por ação

Por omissão – omissão impura.

Page 62: Resumos Teoria do Crime FDUNL

62

Notas: Não confundamos resultado com lesão de bem jurídico. Por duas razoes: porque o resultado

pode não se traduzir na lesão do bem jurídico, pode apenas ser a criação de perigo. Para alem disso

há crimes de lesão que não são crimes de resultado. Art.190 CP – crime de mera atividade, mas não

deixa de ser um crime de lesão porque se lesa o bem jurídico, vida privada. E é a propósito dos

crimes de resultado que surge a grande questão dos elementos objetivos – quando é que se pode

imputar objetivamente o resultado à conduta do agente? Esse elemento da imputação só surge nos

crimes de resultado. Quando temos um crime de resultado é isso que temos de averiguar!

Imputação Objetiva

Desvalor da ação e Desvalor do Resultado

Por desvalor de ação compreende-se o conjunto de elementos subjetivos que

conformam o tipo de ilícito (subjetivo) e o tipo de culpa, nomeadamente a finalidade

delituosa, a atitude interna do agente que ao facto preside e a parte do comportamento

que exprime facticamente este conjunto de elementos;

Por desvalor de resultado compreende-se a criação de um estado juridicamente

desaprovado e, assim, o conjunto de elementos objetivos do tipo de ilícito (eventualmente

também do tipo de culpa) que perfeccionam a figura de delito. Poderá dizer-se que o

desvalor de ação se revela de forma exemplar na tentativa de crime, o desvalor de

resultado no crime consumado.

Conclusão: a constituição de um tipo de ilícito exige, por regra, tanto um desvalor de ação

como um desvalor de resultado; sem prejuízo de haver casos em que o desvalor de resultado de

uma certa forma predomina sobre o desvalor de ação (máxime, nos crimes de negligência), ou em

que inversamente o desvalor de ação predomina sobre o desvalor de resultado (máxime, nos casos

de tentativa).

O tipo de ilícito

Porventura, o maior problema que ainda hoje se suscita à construção do aludido sistema do facto

punível, é o de encontrar a conceção mais adequada das relações entre o tipo e ilícito ou, se se

preferir, entre tipicidade e ilicitude ou antijuricidade. Absolutamente dominante tanto na Escola

Clássica, como na Neoclássica, como na Finalista, como mesmo no sistema teleológico-funcional é

a ideia de que “o tipo constitui o primeiro grau valorativo da doutrina do crime” e portanto o primeiro

e autónomo qualificativo da ação: há que começar por comprovar a correspondência da ação

concreta a um tipo (primeiro grau), para só depois eventualmente negar a sua ilicitude (segundo

grau) se no caso intervir uma causa de justificação.

Mas esta construção do sistema (vulgarmente chamada “conceção tripartida do conceito de

crime”): tipicidade, ilicitude e culpa – não parece ser a melhor de uma perspetiva cientifico-

dogmática. Num sistema autenticamente teleológico-funcional e racional a “prioridade” não pode

deixar de caber à categoria material do ilícito, concebido como ilícito-típico ou como tipo de ilícito.

O essencial reside em determinar se a prioridade teleológica e funcional na construção do

sistema há-de pertencer ao tipo ou antes ao ilícito.

A função do direito penal (de proteção subsidiária de bens jurídico-penais) e a justificação da

intervenção penal (a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada)

juntam-se na determinação funcional da categoria do ilícito: a esta categoria, assim

Page 63: Resumos Teoria do Crime FDUNL

63

materialmente estruturada, pertence por isso prioridade teleológica e funcional sobre a categoria do

tipo, a ela advém o primado na construção teleológico-funcional do crime.

Com a categoria do ilícito se quer traduzir o específico sentido de desvalor jurídico-penal que

atine um concreto comportamento humano numa concreta situação, atentas portanto todas as

condições reais de que ele se reveste ou em que tem lugar.

Ou seja: é a qualificação de uma conduta concreta como penalmente ilícita que significa que

ela é, de uma perspetiva tanto objetiva, como subjetiva, desconforme com o ordenamento

jurídico-penal e que este lhe liga, por conseguinte, um juízo negativo de valor (de desvalor).

Nesta aceção, na verdade, “sem ilícito não há tipo”: ou, de outro modo, todo o tipo é tipo de ilícito. O

tipo surge como “tipicização”, “sedimentação concreta” ou “irradiação” de um ilícito, é ilícito “cunhado

tipicamente”.

A mencionada concretização serve-se para a realização de dois instrumentos diferentes:

1) Tipos incriminações – conjunto de circunstâncias lácticas que diretamente se ligam à

fundamentação do ilícito e onde, por isso, assume primeiro papel a configuração do bem

jurídico protegido e as condições, a ele ligadas, sob as quais o comportamento que as

preenche pode ser considerado ilícito;

2) Tipos justificações ou causas de justificação – servindo igualmente à concretização do

conteúdo ilícito da conduta, assumem o caracter de limitação (“negativa”) dos tipos

incriminadores.

Figueiredo Dias – a conclusão a retirar do que fica dito é a de que, num sistema teleológico-funcional

da doutrina do crime, não há lugar a uma construção que separe, em categoriais autónomas, a

tipicidade e a ilicitude.Categoria sistemática, com autonomia conferida por uma teleológica e uma

função específicas, é só a categoria do ilícito-típico ou do tipo de ilícito: tipos incriminadores e tipos

justificações são apenas instrumentos conceptuais que servem, hoc senso sem autonomia recíproca

e forma dependente, a realização da intencionalidade e da teologia próprias daquela categoria

constitutiva.

Os tipos incriminadores são tipos de ilícito que apresentam, nos delitos dolosos de ação

agora em análise, uma estrutura complexa, composta por elementos de natureza objetiva e de

natureza subjetiva e com os quais é possível construir um tipo objetivo e um tipo subjetivo.

Introdução ao problema da imputação objetiva do resultado à conduta do agente

Vimos que nos crimes de resultado se suscita o problema da imputação do resultado à conduta do

agente, de acordo com o principio segundo o qual o direito penal só intervém relativamente a

comportamentos humanos- de pessoas singulares ou coletivas.

Exigindo-se para o preenchimento integral de um tipo de ilícito a produção de um resultado,

importa verificar não apenas se esse resultado se produziu, como também se ele pode ser

atribuído (imputado) à conduta. A exigência mínima que, se tem de fazer ao relacionamento ou

conexão do comportamento humano com o evento, para que este possa atribuir-se ou

imputar-se àquele, é a da causalidade, precisamente por isso tendo durante muitas décadas toda

esta problemática sido tratada sob aquela epígrafe: o comportamento há-de, pelo menos, ter sido

causa do resultado.

Page 64: Resumos Teoria do Crime FDUNL

64

A partir de certo momento compreendeu-se, porém, que o problema da imputação objetiva do

resultado à conduta, mesmo que deve ter na sua base a categoria científico-natural da

causalidade, não tem por força de reduzir-se a ela: como problema de imputação objetiva típica

a questão constitui uma questão normativa que deve pôr-se e resolver segundo a teleológica, a

funcionalidade e a racionalidade próprias da dogmática jurídico-penal e, especialmente, da

dogmática do tipo.

Logo na base desta consideração se poderia pretender que existe contradição entre aceitar o

caracter eminentemente normativo da valoração do ilícito tipo e, do mesmo passo, referi-la a uma

realidade que, como a da causa cientifico-natural, se verifica no plano naturalístico e só neste é

comprovável. Mas este argumento não é sem mais procedente, bem podendo defender-se que a

causalidade naturalisticamente comprovável constitui só o limite máximo e, portanto, mais longínquo,

até onde pode ser levada, sem arbítrio, a imputação penal.

Questão diferente será saber se a imputação deve ser levada até aí, ou antes ficar aquém,

através de uma limitação jurídica da causalidade natural, e portanto através de uma qualquer

verdadeira teoria de imputação jurídico-objetiva do evento à conduta.

Elementos típicos: descritivos e normativos

Para concretização da ilicitude que nelas vive, os tipos incriminadores servem-se de

elementos de dupla natureza:

1) Descritivos – os elementos que são apreensíveis de uma atividade sensorial, isto é, os

elementos que referem aquelas realidades materiais que fazem parte do mundo exterior e

por isso podem ser conhecidas, captadas de forma imediata, sem necessidade de uma

valoração.

São ainda considerados como descritivos os elementos que exigem já uma qualquer atividade

valorativa, mas em que é ainda preponderante a dimensão naturalística.

Assim, p.Ex., são elementos descritivos a pessoa (ART 131), o corpo (ART 143), o

automóvel (ART 208).

2) Normativos – são aqueles que só podem ser representados e pensados sob a logica

pressuposição de uma norma ou de um valor, sejam especificamente jurídicos ou

simplesmente culturais, legais ou supra legais, determinados ou a determinar; elementos que

assim não são sensorialmente percetíveis, mas podem ser espiritualmente compreensíveis

ou avaliáveis.

Assim, por exemplo., o caracter alheio da coisa (Art. 204), o documento para efeito do crime

de falsificações de documentos (Arts. 256 e 255 al.a)), as intervenções ou tratamentos

previstos no Art. 156 e as dívidas ainda não vencidas do Art. 229 são elementos normativos

dos respetivos tipos incriminadores.

O problema da imputação objetiva só surge nos crimes de resultado. Em direito penal a relação

causal não basta. Para se afirmar a responsabilidade jurídico-penal não basta haver relação causal

entre conduta e resultado.

Saber se o resultado pode ou não ser atribuído a alguém sob o prisma de uma justa punição implica

uma resolução dos casos de acordo com o conjunto de valores e princípios que enformam o Direito

Penal- art. 10/1

O Legislador usou o termo “adequação” para chamar à atenção que o que é relevante é saber se o

resultado pertence ou não ao universo de resultados que a norma quer impedir com a proibição. Isto

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pois este artigo diz que o legislador utilizou a palavra “adequação” para chamar atenção que

o que é importante em penal é determinar se o resultado protegido pertence ou não ao

universo de resultado que a norma quer impedir com a proibição. Necessário é, como vimos,

que o resultado produzido seja controlado ou controlável pelo agente. Apesar de em direito penal

não ser suficiente a relação causa e efeito, em todos os casos a imputação objetiva pressupõe

causalidade entre ação e resultado.

No caso das omissões impuras há quem defenda que não há causalidade, mas causalidade potencial nas omissões, no sentido em que se o agente tivesse atuado, em vez de omitir, teria evitado o resultado. Ora, a prof defende que para haver uma relação causal basta que algo seja um antecedente da produção do resultado. A relação causal é uma relação de legalidade segundo a qual verificados certos antecedentes de verificam certos consequentes. Esse antecedente pode ser quer uma omissão, quer uma acção.

Teoria da Sine qua non ou Teoria das Condições Equivalentes

Um primeiro degrau constitutivo da exigência mínima que, de uma perspetiva externo-objetiva,

tem de fazer-se ao relacionamento do comportamento humano com o aparecimento do evento,

para que este deva atribuir-se ou imputar-se aquele, é pois o da pura causalidade: o

comportamento há-de, ao menos, ter sido causa do resultado, aferida através da teoria das

condições equivalentes.

A premissa básica desta teoria é a de que causa de um resultado é toda a condição sem a

qual o evento não teria tido lugar (condição sine qua non). Por isso, todas as condições que,

de alguma forma, contribuírem para que o resultado se tivesse produzido são causais em relação

a ele e devem ser consideradas em pé de igualdade, já que o resultado é indivisível e não pode

ser pensado sem a totalidade das condições que o determinaram.

Para apurar quais as condições que deram causa a um certo resultado deveria assim o juiz

suprimir mentalmente cada uma delas: caso pudesse afirmar que o resultado não se teria

produzido sem essa condição, tal significaria que esta seria penalmente relevante para efeitos

do estabelecimento do nexo de causalidade.

Verifica-se deste modo que a fórmula da condição sine qua non acaba por abranger a mais

longínqua condição, implicando um regressus ad infinitum, e deveria excluir da problemática

qualquer consideração sobre a interrupção do nexo causal devido à atuação do ofendido ou de

terceiro, ou ainda por efeito de uma circunstancia extraordinária ou imprevisível.

Dos termos em que esta teoria é concebida resulta necessariamente para cada evento um leque

extremamente amplo de causas, o que obriga os seus defensores a aceitar correções quer por

critérios de imputação objetiva mais exigentes do que aqueles que resultam da pura causalidade

natural, quer por limitações ao nível do tipo de ilícito subjetivo e da culpa.

Em DP não basta a relação causal, mas não significa que não seja necessária. Assim, sempre que haja um resultado, temos de saber a relação causal com a conduta. Para sabermos se há esta relação temos de saber a teoria sine qua non. Uma relação é causa do resultado quando esta não pode suprimir-se mentalmente sem que desapareça o resultado tal como se produziu nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar. Recorremos a um juízo hipotético, em que eliminamos mentalmente a acção em sentido amplo e perguntamos se ainda assim o resultado subsiste. Se subsiste, é porque a acção não foi causal. Se não subsiste, a acção foi causal. Se tivermos a frase "sem acção não há resultado" é porque a acção é causal.

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Críticas a esta Teoria

Não obstante, esta teoria sine qua non não é suficiente, porque para além de haver conditio, é preciso saber se há ou não a possibilidade de atribuir um resultado à conduta do agente. A causalidade será, como diz FD, a exigência mínima na imputação penal. Uma crítica dirigida a esta conceção é a que afirma que o critério da “supressão mental” de uma condição, pela qual se pretende saber se ela é causa ou não de determinado evento, apenas se revela prestável em certos casos, mas não noutros, nomeadamente nos casos ditos de causalidade virtual bem como nos de dupla causalidade ou causalidade alternativa. Perante estas críticas a teoria das condições equivalentes foi objeto de uma “reconstrução”

que passou pelo abandono daquele critério da “supressão mental” e pela sua substituição

pelo critério da condição conforme às leis naturais. Segundo este critério o estabelecimento da

causalidade está dependente de “saber se uma ação é acompanhada por modificações no mundo

exterior que se encontram vinculadas a essa ação de acordo com as leis da natureza são

constitutivas de um resultado típico”.

A doutrina das condições equivalentes continua a recolher generalizadas aceitação em direito

penal. Se abstrairmos de críticas desrazoáveis o seu defeito principal reside na exagerada

extensão que confere ao objeto da valoração jurídica. Isso, porém, nada diz em definitivo contra

a teoria da equivalência como máximo denominador comum de toda a teoria da imputação. Só diz,

isso sim, que a relação de causalidade, embora sere necessária, não é suficiente para se constituir

em si mesma como doutrina da imputação objetiva.

E surgiram várias teorias para corrigir os excessos da teoria da causalidade:

Teoria da causalidade adequada

De acordo com esta teoria, o critério de imputação do facto ao agente tem de ser formulado

em termos gerais que permitam afastar diversas condições, naturais ou mesmo legais, de

verificação do resultado. Neste pressuposto foi concebida a teoria da adequação ou teoria da

“causalidade adequada”.

Distinguindo ela entre condições (juridicamente) relevantes e irrelevantes, já nada fica em rigor a

dever a uma teoria pura da “causalidade”, antes se apresenta verdadeiramente como uma teoria da

“imputação”.

Esta teoria pretende formular um critério correspondente ao pensamento segundo o qual a

imputação penal não pode nunca ir além da capacidade geral do homem de dirigir e dominar

os processos causais.

O critério geral reside em que para a valoração jurídica da ilicitude serão relevantes não todas as condições, mas só aquelas que segundo as máximas da experiencia e a normalidade do acontecer- e portanto segundo o que é em geral previsível- são idóneas para produzir o resultado. Para se poder imputar o resultado à conduta do agente, pergunta-se "se era previsível a um homem médio, colocado na posição do agente, prever aquele resultado e aquele processo causal em concreto. E, o homem médio, está munido do conhecimento das leis causais que no momento da conduta eram conhecidas. Ao ser colocado na posição do agente, se o agente tiver conhecimentos especiais, ele também estará munido desses conhecimentos especiais. Temos que fazer um juízo ex ante de prognose.

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Consequências imprevisíveis, anómalas ou de verificação rara serão pois juridicamente

irrelevantes.

Neste sentido deve interpretar-se o Art. 10/1. A referencia aí feita tanto à “ação adequada” a produzir

um certo resultado, como à “omissão da ação adequada a evita-lo” quer significar que o CP português

adotou a teoria da adequação.

Ex. Caso da talitumida- para grande parte da doutrina, é resolvida pela teoria da actuação. Pois o homem médio não poderia prever aquele resultado segundo aquele processo causal. Ex. A dispara sobre B, que vai para o hospital. Quando B chega ao hospital, há um incendio e o B morre em consequência disso. Podia ou não prever-se o resultado morte quando A dispara B? Mas e segundo aquele processo causal? Não. Logo, não basta o homem médio, tem de ser segundo aquele processo causal. Ex Se for segundo uma infeção hospital, a resposta depende da doutrina. Há quem diga que não, há quem diga que sim. Há quem diga que já é previsível porque existem imensas, etc. O problema desta teoria é que não resolve de forma satisfatória uma série de situações em que não deve haver imputação objetiva. Em consequência, surgiu uma nova teoria moderna.

Dificuldades com que esta teoria se depara:

A) Critério da adequação é dever ser geral e objetivo, enquanto, depois de o resultado se

ter verificado, dificilmente se pode negar a sua previsibilidade e normalidade. O que

conduz à conclusão que o nexo de adequação se tem de aferir segundo um juízo Ex ante e

não ex post, mais rigorosamente, segundo um juízo de prognose póstuma. Tal significa que

o juiz se deve deslocar mentalmente para o passado, para o momento em que foi praticada

a conduta e ponderar, enquanto observador objetivo, se, dadas as regras gerais da

experiência e o normal acontecer dos factos e ação praticada teria como consequência a

produção do evento. Se entender que a produção do resultado era imprevisível ou, que sendo

previsível de verificação rara, a imputação não deverá ter lugar. Ao juízo de prognose

póstuma devem ser levados os já refeições conhecimentos correspondentes às regras

da experiência comum.

B) Devem ser tidos em conta os especiais conhecimentos do agente, aqueles que o agente

efetivamente detinha, apesar da generalidade das pessoas deles não dispor.

C) Necessidade de a adequação se referir a todo o processo causal e não só ao resultado,

sob pena de se alargar a imputação. Aqui se suscitam os problemas da “intervenção de

terceiros” e da “interrupção do nexo causal”. Tendo como referencia a regra geral da teoria

da adequação, a atuação de terceiro que se integre no processo causal desencadeado pelo

agente excluirá a imputação, salvo se ela aparecer como previsível e provável.

Conclusão: são varias as situações em que a solução oferecida pela teoria da adequação se

mostra insatisfatória. Tal sucede sobretudo em atividades que comportando em si mesmas

riscos consideráveis para bens jurídicos, são todavia legalmente permitidas (não proibidas).

Por isso, o degrau da adequação tem ainda de ser completado por aquilo que se poderá

designar como a “conexão” ou “relação de risco”.

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Teoria do Risco

A ideia destaque vimos presidir à teoria da adequação é a de limitar a imputação do resultado

àquelas condutas das quais deriva um perigo idóneo de produção do resultado.

O resultado só deve ser imputável à conduta quando esta tenha criado um risco proibido para

o bem jurídico protegido pelo tipo de ilícito e esse risco se tenha materializado no resultado

típico.

Por outras palavras, para esta teoria a imputação está dependente de um duplo facto: primeiro, que

o agente tenha criado um risco não permitido ou tenha aumentado um risco já existente; e depois,

que esse risco tenha conduzido à produção do resultado concreto. Quando se não verifique uma

destas condições a imputação deve ter-se por excluída.

De acordo com esta teoria, o resultado pode ser imputado à teoria do agente quando o agente cria, aumenta ou não diminui um risco proibido e esse risco concretiza-se no resultado. Há conexão entre o risco criado e o resultado obtido.

a) A criação de um risco não permitido Determinar os riscos cuja produção pode ser razoavelmente referido o tipo objetivo de um crime de

resultado, isto é, o âmbito ou o circulo dos riscos que, neste sentido, devem considerar-se

juridicamente desaprovados e, em consequência, não permitidos. O procedimento é suscetível de

tipologia:

1) Isentas de dúvidas são todas aquelas hipóteses em que, com a sua ação, o agente diminui

ou atenua um perigo que recai sobre o ofendido.

Ex: A empurra B, causando-lhe leves lesões, para evitar que este seja atropelado por um

veículo que segue na sua direção.

2) A imputação deverá ter-se igualmente por excluída quando o evento tenha sido produzido

por uma conduta que não ultrapassou o limite do risco juridicamente permitido.

3) Dentro do risco permitido mantém-se o chamado risco geral de vida, desde que ele se

contenha, no caso, dentro de uma medida normal.

4) Casos em que o resultado se verifica em consequência de uma co-atuação da vítima ou de

terceiro. Estes casos, em rigor, não pode, assumir relevo de um ponto de vista de pura

“causalidade”. Também para eles, por conseguinte, a sede mais natural de tratamento será

a da criação de um risco não permitido. E a solução deverá ser a de que em princípio o

resultado não é imputável em virtude da interposição da auto-responsabilidade da vítima ou

de terceiro; em virtude do princípio da confiança, segundo o qual as pessoas poderão em

principio confiar em que os outros não cometerão factos ilícitos.

b) A potenciação do risco Sucede muitas vezes que, na situação, já está criado, antes da atuação do agente, um risco

que ameaça o bem jurídico protegido. Não obstante, o resultado será ainda imputável ao agente

se este, com a sua conduta, aumentou ou potenciou o risco já existente, piorando, em consequência,

a situação do bem jurídico ameaçado.

São objetivamente imputáveis, por conseguinte, condutas como a daquele que dá a morte a um

paciente já moribundo, ou o condutor de uma ambulância que, em virtude de uma manobra errada,

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causa a morte do paciente que transportava e que se encontrava em situação de ataque cardíaco

de miocárdio.

O mesmo sucederá, de resto, relativamente a situações de intervenção num processo causal

de salvamento, quando precisamente o comportamento do agente afasta, impede ou faz em todo o

caso diminuir as hipóteses de salvamento de um bem jurídico já em perigo (o agente não traz o bote

que deverá ir ajudar aa salvar uns nadadores em perigo).

A questão da “potenciação do risco” suscita porém dificuldades mas que, verdadeiramente,

respeitem já à questão da concretização do perigo não permitido no resultado típico.

c) A concretização do risco não permitido no resultado típico

Na doutrina da conexão de risco, não basta a comprovação de que o agente, com a sua

conduta, produziu ou potenciou um risco não permitido para o bem jurídico ameaçado, é

preciso ainda determinar se foi esse risco que se materializou ou concretizou no resultado

típico. Esta determinação constitui uma tarefa de alta dificuldade.

A dificuldade provém sobretudo de que sobre a existência e as características do perigo é decisivo

um juízo Ex ante, enquanto saber que perigo acabou por determinar o resultado é questão que só

pode ser respondida Ex post, isto é, com conhecimento de todas as circunstancias relevantes para

a verificação efetiva do resultado.

P.Ex. O caso da ambulância acima referido torna-se extremamente difícil de decidir, Ex post, se o

resultado morte deve ser imputado ao perigo “enfarte” ou antes ao perigo “acidente rodoviário”.

Se a resposta for a de que, mesmo que o acidente não se tivesse verificado, o doente

possivelmente, ou provavelmente, ou mesmo quase com certeza teria morrido, deve continuar

afirmar-se a imputação objetiva à conduta defeituosa de condução do motorista da

ambulância? Trata-se aqui, substancialmente, dos casos conhecidos agora na doutrina sob a

epígrafe geral dos comportamentos lícitos alternativos.

Demonstrando-se que o resultado teria tido seguramente lugar ainda que a ação ilícita não

tivesse sido levada a cabo, parece que a imputação objetiva deve ser negada, seja porque não

se torna possível comprovar aqui verdadeiramente uma potenciação do risco, seja porque, como

sustenta Roxin, não se pode dizer sequer que o comportamento do agente criou um risco não

permitido.

Verificando-se que tanto a conduta indevida, como a conduta licita “alternativa” produziram

o resultado típico, a imputação deste àquela traduzir-se-ia na punição da violação de um dever cujo

cumprimento teria sido inútil, o que violará o princípio da igualdade.

Quanto aos casos em que não se demonstra que também com o comportamento alternativo

licito o resultado típico teria seguramente tido lugar, mas que apenas era provável ou

simplesmente possível que tal acontecesse, a solução é diferente e muito mais complexa:

A) Do ponto de vista da doutrina da conexão do risco, o que importa provar a potenciação

do risco e a sua materialização no resultado típico. Se, quanto a este ponto, apresentada toda

a prova possível, o juiz ficar em dúvida, deve valorá-la a favor do arguido, excluindo a

imputação.

B) Uma vez demonstrada, porém, a potenciação do risco e a sua materialização no resultado, o

dito “comportamento lícito alternativo” deve ser considerado irrelevante.

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d) A produção de resultados não cobertos pelo fim de proteção da

norma

Para que a conexão do risco possa dizer-se estabelecida em termos de fundar a imputação

do resultado à conduta torna-se ainda necessário que o perigo que se concretizou no

resultado seja um daqueles em vista dos quais a ação foi proibida, quer dizer, seja um

daqueles que corresponde ao fim de proteção da norma.

Se tal não suceder deve ter-se por excluída a imputação objetiva:

Deve reconhecer-se que uma tal solução não seria necessariamente alcançável através da teoria da

adequação. Uma vez mais, o campo por excelência desta situação é o da negligencia, mas ela pode

ocorrer também no âmbito de ações dolosas.

Na sistematização de Roxin devem incluir-se neste contexto casos como os da chamada

autocolocação em perigo dolosa (Ex: A e B lançam-se por aposta numa corrida de motos na

autoestrada; em virtude de um erro de condução exclusivamente seu B perde o domínio do seu

veículo e morre), da heterocolocação em perigo livremente aceite (Ex: A, que sabe ser

seropositivo, tem relações sexuais não protegidas com B, perfeitamente conhecedor da situação; B

contrai a infeção e morre) e da imputação a um âmbito de responsabilidade alheio (Ex: A, por

descuido, provoca o incêndio na sua habitação; B, um dos bombeiros chamados, para salvar outro

habitante da casa acaba por morrer).

E todavia, conclui Roxin, também em qualquer deles o que está em causa não é a eficácia de

um qualquer consentimento ou outra qualquer justificação do facto: o resultado não deve ser

objetivamente imputado porque ele não se encontra dentro do âmbito de proteção da norma.

De todo o modo, sem prejuízo das solução apontadas por Roxin para o problema da

responsabilização jurídico-penal merecerem concordância, parece excessivo considerá-las na sua

inteireza decorrentes de uma questão de imputação objetiva: quer porque elas se prendem com

específicos problemas como o do sentido e extensão do principio da auto-responsabilidade tanto na

doutrina da negligência como na da autoria e participação.

e) A questão da “causalidade virtual” Pode o agente ter, com a sua ação, criado um perigo não permitido, este ter-sematerializafo

no resultado típico e, todavia, haver razões para pôr em dúvida que este deva ser

objetivamente imputado àquele. Temos em vista os casos chamados de causalidade

hipotética ou causalidade virtual.

Casos estes que não se confundem com os comportamento lícitos alternativos: porque o que

agora está em questão é o agente ter produzido o resultado numa hipótese em que, se não tivesse

atuado, o resultado surgiria em tempo e sob condições tipicamente semelhantes por força de uma

ação de terceiro ou de um comportamento natural.

Não se confunde com questões como a da causalidade dupla ou da potenciação do risco em

caso de concurso de risco porque a causa virtual não chega na realidade a atuar e portanto sequer

a ocorrer realmente para a produção do resultado.

A questão a colocar nesta sede é: saber se deve conferir-se algum relevo jurídico-penal à

causa hipotética ou virtual. A doutrina largamente dominante responde negativamente a esta

questão.

Há 4 situações que a teoria resolve de forma satisfatória, situações estas em que o agente não poderá ser punido

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i. Casos de diminuição do risco - situações em que o agente intervém num processo causal em curso, reduzindo ou atenuando o risco a que está sujeito o bem jurídico. De acordo com esta teoria, não há imputação objetiva.

Ex. A dispara sobre B, C quando está ao pé quando vê o A ao apontar, dá-lhe um empurram e faz com que ele acerte na perna. Podemos ou não imputar a ofensa à integridade física a C? Deve haver imputação objetiva do resultado ofensa à integridade física à conduta de c? Não, porque o que estava em causa era um risco ainda maior: o bj vida. Assim, há diminuição do risco. Não há imputação, pois há diminuição e não aumento etc. Mas se aplicássemos a teoria da causalidade, diríamos que sim. Para o prof Silva Dias, estas situações deverão enquadrar-se nas ações de salvamento e não a propósito da imputação objetiva. E por isso são adequadas socialmente ou não (é através deste conceito que ele resolve a problemática).

ii. Casos de risco permitido - há uma conduta adequada a produzir o resultado, só que o resultado não deve ser imputado ao agente, porque a conduta que ele praticou não é proibida. A conduta, regra geral, não é proibida ou porque o agente actua dentro dos limites que a lei impõe1 ou porque a acção ocorre dentro de uma actividade social regulada de acordo com regras de cuidado e que não são violadas. A normalidade do risco é aferida de acordo com critério gerais de normalidade

iii. Critério do comportamento lícito alternativo - é complementar porque é complementar à forma inicial. Nestes casos é possível afastar a imputação objectiva porque, se o agente tivesse actuado licitamente, ie., cumprido todas as regras que disciplinam a sua conduta, mesmo assim o resultado ter-se-ia produzido nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar.

Ex. Pelos de cabra chineses. O gerente de fábrica entregou para fabrico de pincéis, pelos de cabra, sem a sua prévia desinfeção e certos trabalhadores contraíram a infeção e morreram. Veio a provar-se que mesmo que o gerente de fábrica tivesse cumprido as regras de desinfeção, como a bactéria era desconhecido, a bactéria estaria lá e teria passado aos trabalhadores. Durante muito tempo, a doutrina defendeu que só se aplicava aos crimes negligentes. Atualmente, a maior parte da doutrina defende que este critério deve igualmente aplicar-se aos crimes dolosos.

Ex. Um carro e um ciclista e este estava bêbedo. Quando o carro ultrapassou o ciclista não obedeceu às regras e ultrapassagem segura. Mas veio a provar-se que mesmo que o tivesse feito, o resultado teria sido verificado na mesma porque o ciclista estava bêbado. Apesar disso é um juízo hipotético.

Teoria do risco resolve:

1. Criação do risco permitido; 2. Diminuição do risco; 3. Comportamento lícito alternativo – a propósito deste – aplicando a conduta conditio sine qua

non não há causalidade. No exemplo de ROXIN, eliminando mentalmente a ação o resultado ter-se-ia produzido na mesma forma de ação, tempo e lugar.

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Comportamento lícito alternativo:

Não há aqui nenhum caso em que a Teoria de Causalidade Alternativa resolva este tipo de casos nestas situações, não há causalidade, não resolve por si só.

Ex. De Roxin dos pêlos de cabra chineses – Se eliminarmos mentalmente a ação do gerente da fábrica de não ter cumprido as normas de cuidado de passar por um processo antes de entregar os pêlos de cabra para fazer pinceis, o resultado ter-se-ia produzido nas mesmas condições de tempo, modo e lugar. Temos de provar que se ele tivesse tido o comportamento licito, o resultado ter-se-ia produzido nas mesmas circunstâncias (isto nos casos puros, que cabem sem dúvida nenhuma nesta situação). E as situações de “provavelmente”? Aqui, a doutrina divide-se: Roxin diz que não se pode aplicar quando não há certeza absoluta que o resultado iria ser igual nas mesmas circunstâncias (falamos da Teoria do Risco). Ex: Há uma pessoa que se está a suicidar, atirando-se do 12º andar. Entretanto, uma pessoa que está no 4º a limpar a caçadeira, dispara sem querer e acerta no A (que se atira). Atua aqui o critério do comportamento lícito alternativo? Ele antecipou a morte ou não antecipou? Aqui, para alguma doutrina, não se podia atribuir a Teoria do Risco. Assim, neste caso, não se deve atribuir o comportamento lícito alternativo, ela potenciou o risco. Ex: Farmacêutico vende um produto letal a uma pessoa e esqueceu-se de pedir a receita, mas a pessoa tem a receita no bolso. Ele chega a casa e dá esse medicamento a outra pessoa e ela morre. Neste caso, se o farmacêutico tivesse pedido a receita (que era o comportamento licito) o resultado não aconteceria na mesma? Claro que sim. Neste caso, o farmacêutico teve um comportamento não licito, mas se tivesse tido um comportamento licito, o resultado iria ocorrer nas mesmas circunstâncias. O que acontece nos casos de substituição do risco? Ex. do senhor que se atira do 12º andar; neste caso, já não se pode falar em comportamento licito alternativo, pois o resultado não iria ocorrer do mesmo modo – uma coisa é morrer de queda e outra é morrer de um tiro. No caso do professor Silva Dias em que há apenas uma substituição do risco, e que no fundo, a causa real apenas mudou o “como” do resultado e não mudou o “se” e o “quando”, ele diz que o comportamento não alterou a situação do bem jurídico e se não tirou nada, o Direito Penal não deve intervir e não há imputação objetiva Ex. Alguém dispara sobre uma pessoa e sabe-se que tem cancro avançado e iria a morrer mais tarde por causa disso. Há ou não imputação objetiva? Sim, criou um risco que se concretizou no resultado. Parte da doutrina diz que este comportamento só pode funcionar quando há uma resposta certa e que se prova que mesmo sendo um comportamento licito o resultado produzia-se nas mesmas circunstâncias de tempo ou lugar, só quando tal acontece se afasta a imputação objetiva, exemplo clássico é o do farmacêutico e dos pelos de cabra. Discute-se o que acontece quando era só provável e não concludente. Há divisão doutrinária: Roxin diz que não pode atuar o critério do comportamento licito alternativo, não se deve libertar o autor. Herezberg argumenta contra, dizendo que nestes casos, imputando objetivamente há violação do princípio in dúbio pro reu.

Ex: pessoa está na praia e nadador salvador não vai salvar uma pessoa que se está a afogar e tem especial dever de agir. Mesmo que tivesse tentado o salvamento o resultado era o mesmo porque estava muito longe e não ia chegar a tempo de o salvar. Há imputação? Não, o resultado verificava-se nas mesmas circunstâncias. Só não há imputação objetiva. Pode ser punido pela conduta que

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não empreendeu, pela omissão praticada. É punida a tentativa do crime de homicídio por omissão. Pune-se o desvalor da ação. Causa virtual ≠ comportamento lícito alternativo - nos comportamentos alternativos não se assume relevância à causa virtual. Casos em que o resultado produzido cai fora do fim da proteção da norma ou do âmbito de proteção da norma - são situações em que não deve haver imputação objetiva porque o resultado produzido não é nenhum daqueles que a norma visou salvaguardar ou evitar ao proibir determinado comportamento. Roxin no seu manual deu um ótimo Ex: dois ciclistas vão uma trás do outro, é de noite e nenhum tem a luz acesa. A certa altura aparece um terceiro ciclista pela frente e choca com o primeiro, acabando por morrer. É a morte deste imputável ao outro ciclista? Não ter a luz aumentou o perigo de verificação do resultado, mas a norma que proíbe a circulação à noite sem luzes, a que o segundo ciclista viola, só tem como fim evitar acidentes que sejam causados directamente pelo próprio veiculo e não impedir que outro choque com terceiros. Ex.: A iniciou manobra de ultrapassagem sobre B, e no decurso desta B virou à esquerda e embate sobre A que se encontrava na outra faixa de rodagem. Como consequência resultou a morte de C, acompanhante de B. Veio provar-se que A ia a 80km/h em vez dos 50km/h exigidos. Pode ou não se imputar a morte de C a A? A velocidade permitida devia-se ao facto de haver um sinal de aproximação de via para peões por isso conclui-se que o acidente não tinha que ver com a travessia e consequentemente com a violação dessa norma, absolvendo A. A norma violada não tinha como fim (80km/h) prevenir os perigos inerentes ao tipo de manobra de A. Por isso, o resultado não cabe no âmbito de proteção da norma. Defende-se que se pode aplicar a crimes dolosos, não apenas aos negligentes que se previa antes.

Casos especiais de imputação objetiva:

Causas cumulativas - Casos em que há mais do que uma conduta e ambas são necessárias para a produção do resultado; por si só uma conduta não é idónea a produzir o resultado. Ex.: A deita veneno no copo que não é suficiente para matar. B sem saber de A faz o mesmo. As duas juntas são suficientes para matar. Há ou não imputação objetiva do resultado morte a A e a B? Não se deve confundir casos de causas cumulativas com outros caso, nomeadamente quando há combinação dos duas, a isso chama-se co-autoria.

Causas alternativas -também se pode determinar casos de dupla causalidade ou causalidade redundante. São situações em que são colocados dois processos causais paralelos a funcionar e cada um é suficiente para causar o resultado. Ex.: A e B colocam veneno no copo e só o conjunto dos dois dá a dose mortal. Há imputação objetiva do resultado aos dois porque ambos criaram um risco proibido que se verificou no resultado.

Problemas essenciais no que concerne à imputação objetiva do facto à conduta do agente

Relativos aos crimes de perigo

Os crimes de perigo concreto são crimes de “resultado”, não de mera atividade; só que o

resultado em causa é um resultado de perigo, não um resultado de dano. Nesta medida os

crimes de perigo concreto suscitam um problema de imputação objetiva análogo ao dos crimes de

dano.

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Devendo concluir-se que, relativamente pelo menos aos delitos dolosos de ação, estar em

causa um resultado de lesão ou antes um resultado de perigo não afeta substancialmente os

termos em que deve pôr-se e resolver-se o problema da imputação objetiva.

No que toca aos crimes de perigo abstrato ainda menos se descortina razão para qualquer

especialidade dos critérios e dos termos da imputação objetiva. Só que neles o resultado não

pode ser consubstanciado em qualquer “perigo”, tudo dependendo de uma construção típica

referenciar ou não como seu elemento constitutivo um qualquer efeito espácio-temporalmente

cindido da ação.

Os crimes de perigo abstrato são normalmente crimes de mera atividade, mas podem também

ser construídos como crimes de resultado: na primeira hipótese o problema da imputação

objetiva não se coloca e na segunda não se vê razão para que deva ser alterada a doutrina da

imputação objetiva anteriormente definida.

O que acaba de se dizer para os crimes de perigo abstrato verdadeiros e próprios parece poder valer

integralmente para os crimes de perigo abstrato-concreto, de aptidão ou de conduta concretamente

perigosa.

Relativos a crimes de organização ou de entes coletivos

Casos em que a atuação típica de verifica no âmbito de uma organização ou de um ente coletivo.

Importa distinguir consoante o tipo considere autor o próprio ente coletivo ou antes só as pessoas

naturais que aja, em nome ou em representação do ente coletivo.

Tratando-se da aferição da responsabilidade de pessoas naturais que ajam em nome de

organizações ou em representação de entes coletivos, não cremos que se suscitem problemas

de causalidade ou de imputação objetiva até aqui não considerados ou que mereçam tratamento

especial

Quanto à responsabilidade do ente coletivo, o que podes antes de tudo estar em questão é

saber sob que pressupostos pode atribuir-se ao ente coletivo como tal capacidade de ação. A

partir desta, uma vez imutado ao ente coletivo a ação psíquico-física da(s) pessoa(s) singular(es),

deve exigir-se, também neste contexto, que o comportamento – ativo ou eventualmente, em certos

casos, emissivo – do ente coletivo tenha criado (ou incrementado) um risco não permitido e que esse

risco se tenha vazado no resultado típico.

Passos:

Na análise dos elementos objetivos é necessário averiguar se estão presentes os elementos subjetivos do tipo.

Elementos Subjetivos do Tipo de Ilícito Em direito penal só se pode ser punido de duas formas (art. 13º CP):

A título de dolo - regra geral A título de negligência - exceção. Tem de estar previsto na lei.

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Localização sistemática do dolo e da negligência

A eventual pertinência do dolo e da negligência ao tipo não pode resultar da posição que se sufrague

à doutrina da ação, nomeadamente de se aceitar ou recusar o conceito final de ação. Decisiva não

poderá ser a relação do dolo e da negligência com categorias ônticas como as da “causalidade” ou

da “finalidade”, mas só poderá ser a função e a teleologia do tipo de ilícito e do tipo de culpa no

sistema. Tão pouco deverá a inclusão do dolo no tipo de ilícito derivar ou ser deduzida logo da

exigência de determinabilidade dos tipos própria do Estado de Direito.

Pode concluir-se que o dolo e a negligência, na aceção referida, são elementos constitutivos

do tipo subjetivo de ilícito. O que distingue as duas formas de comportamento tem de ser uma

diferença de culpa. O dolo e a negligência têm de ser considerados como entidades que em si e

por si mesmas exprimem ou relevam diferentes conteúdos materiais de culpa, cada um com o seu

significado e os seus critérios próprios.

Pode nomeadamente defender-se que dolo e negligência constituem primariamente

elementos do tipo de ilícito subjetivo, que medianamente relevam também como graus de

culpa. E nesta aceção se fala hoje na doutrina alemã, cada vez com maior insistência, de uma

localização, de uma função e de uma valoração duplas, sobretudo do dolo (mas também da

negligência) no sistema.

Como se pode sustentar que dolo e negligência são entidades complexas, englobando um conjunto

de elementos constitutivos dos quais uns relevam ao nível do tipo de ilícito subjetivo, outros ao nível

do tipo de culpa. A dupla valoração do ilícito e da culpa que intervém na completa modelação

do dolo e da negligência.

O tipo de culpa- /- Tipo de Ilícito

A categoria da culpa jurídico-penal adiciona um novo elemento à ação ilícita-típica, sem o qual

nunca poderá falar-se de facto punível. Este não se esgota na aludida desconformidade com

o ordenamento jurídico-penal, tornando-se necessário sempre que a conduta seja culposa,

isto é, que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente, por aquele se revelar expressão

de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder

perante as exigências do dever ser.

A função que ao conceito de culpa cabe no sistema do facto punível é por isso uma função limitadora

do intervencionismo estatal, visando defender a pessoa do agente de excessos e arbitrariedades que

pudessem ser desejosos e praticados pelo poder do Estado.

O princípio da culpa deve constituir um princípio de Direito constitucional próprio de todos

os ordenamentos jurídicos dos Estados democráticos.

Não há por conseguinte, em última análise, contradição alguma entre afirmar, por um lado, que a

culpa jurídico-penal se encontra funcionalizada ao sistema, que ela constitui, neste sentido, um

conceito funcional; e defender, por outro lado, que ela participa, segundo o seu critério, de uma culpa

ética como violação pela pessoa do dever essencial que lhe incumbe de realização, desenvolvimento

e promoção do ser-livre.

Introdução: dolo e negligência

Sendo a função do principio da culpa indicar um máximo de pena que em nenhum caso pode

ser ultrapassado, e prevendo a lei diferentes molduras penais para o mesmo facto, consoante

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ele tenha sido cometido com dolo ou só com negligência, importa reconhecer que no dolo e na

negligência se trata de entidades que já em si mesmas relevam diferentes conteúdos materiais de

culpa que o Direito Penal entende graduar ou tipificar.

O dolo é conhecimento e vontade de realização do tipo objetivo;

Negligência violação de um dever de cuidado ou criação de um risco não permitido;

Neste sentido, o dolo e a negligência são elementos constitutivos do tipo de ilícito. Mas o dolo é ainda

expressão de uma atitude pessoal de contrariedade ou indiferença e a negligência expressão de

uma atitude pessoal de descuido ou leviandade perante o dever-ser jurídico-penal; e, nesta parte,

eles são elementos constitutivos, respetivamente, do tipo de culpa dolosa e do tipo de culpa

negligente.

Punibilidade

Com o tipo de ilícito e o tipo de culpa não se esgota o conteúdo do sistema do facto penal,

antes se torna indispensável completa-lo com uma outra categoria, que lhe poderá chamar-

se da punibilidade.

E se se perguntar qual é a ideia-mestra que dentro desta categoria atua e lhe empresta unidade,

sentido político- criminal e consistência dogmática, essa ideia parece ser, à luz de um pensamento

teleológico-funcional e racional, a da dignidade penal.

A “punibilidade”, de resto, não significa ainda que, uma vez ela presente, terá inevitavelmente

lugar a aplicação de uma reação criminal (pena ou medida de segurança). Em vez de se dizer

que a verificação dos pressupostos de punibilidade determina imediatamente a punição, melhor se

dirá que com uma tal verificação se perfecciona, que faz entrar em jogo a consequência jurídica e a

sua doutrina autónoma.

Dolo

Dos elementos subjetivos do tipo objetivo ao tipo subjetivo de ilícito. O “dolo do tipo”, “dolo

do facto” ou “dolo natural”

A atual bipartição do tipo de ilícito incriminador faz-se em um tipo de ilícito objetivo e um tipo

subjetivo de ilícito seja sob a forma dolosa, seja sob a forma negligente.

É o tipo subjetivo de ilícito doloso que nos cumpre agora analisar. Um tipo, por conseguinte, cujo

elemento irrenunciável é o do dolo; no conjunto daqueles que pertencem, segundo a sua estrutura e

a sua função, ao tipo de ilícito. Conjunto a que desde longa data se chama dolo natura, dolo do facto

ou dolo do tipo.

Intenções

Segundo a sua estrutura material são as “intenções” os especiais elementos subjetivos que mais

próximos estão do dolo do tipo. No entanto, como veremos, a intenção pode constituir apenas

uma das formas que assume o elemento volitivo do dolo, a forma que chamaríamos dolo

intencional ou dolo de primeiro grau. Em casos destes a “intenção” não assume evidentemente

nenhuma autonomia como especial elemento do tipo subjetivo de ilícito: ela pertence integralmente

ao dolo do tipo.

Noutros casos, porém, o tipo de ilícito é construído de tal forma que uma certa intenção surge como

uma exigência subjetiva que concorre com o dolo do tipo ou a ele se adiciona e dele se autonomiza.

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É o caso por excelência dos doutrinalmente chamados crimes de intenção ou de resultado

cortado, nos quais o tipo legal existe, para além do dolo do tipo, a intenção de produção de um

resultado que todavia não faz parte do tipo legal.

Assim, por exemplo., o Art. 262/1 CP requer, para além do dolo do tipo da contrafação de moeda

que esta seja levada a cabo com intenção de a pôr em circulação, mas não que esta intenção venha

efetivamente a concretizar-se.

O Dolo do Tipo

A estrutura do dolo do tipo

O CP não define o dolo do tipo, mas apenas, no Art. 14, cada uma das formas em que ele se analisa.

A doutrina hoje dominante conceitualiza-o, na sua formulação mais geral, como conhecimento

e vontade de realização o tipo objetivo de ilícito. Importa por isso perguntar antes de mais como

se decompõe esta estrutura.

O art. 13 determina que só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente

previstos na lei, com negligência”. Isto significa que no conjunto da criminalidade o lugar primordial,

por mais grave, é conferido à criminalidade dolosa; só cerca de uma décima parte dos crimes

descritos na Parte Geral do CP são puníveis a título de negligência; e os que o são, são-no com

molduras penais quase sempre mais baixas.

A estrutura dogmática do dolo do tipo há-de ser por isso, ela também, político-criminalmente

condicionada por esta diferente relevância dos delitos dolosos e negligentes, concretamente, pelo

desvalor jurídico mais alto que áqueles cabe, em princípio, face a estes. O que tem por seu lado de

significar que a diferença essencial entre uma e outra espécie de delitos tem de ser uma diferença

de culpa.

A esta luz se justifica a conceitualização do dolo do tipo como conhecimento (momento

intelectual) e vontade (momento volitivo) de realização do facto. Sendo certo, em todo o caso,

que de um ponto de vista funcional os dois elementos não se situam ao mesmo nível: o chamado

elemento intelectual do dolo do tipo não pode, por si mesmo, considerar-se decisivo na distinção dos

tipos de ilícito dolosos e negligentes, uma vez que também estes últimos podem conter a

representação pelo agente de um facto que preenche um tipo ilícito.

É pois o elemento volitivo, quando ligado ao elemento intelectual requerido, que verdadeiramente

serve para indicar uma posição ou atitude do agente contrária ou diferente à norma de

comportamento, numa palavra, uma culpa dolosa e a consequente possibilidade de o agente ser

punido a título de dolo.

Há dolo quando há conhecimento e vontade de realização do facto típico. E por isso, para a maioria da doutrina são 2 os elementos constitutivos do dolo:

Elemento intelectual/cognitivo- traduz-se na representação do facto típico. Elemento volitivo- traduz-se na vontade de realizar o facto típico).

Vão neste sentido Roxin e Sousa Brito. Coloca-se a questão de saber se para além deste 2 elementos, existe um terceiro elemento: o elemento emocional. Este traduz-se na

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consciência ética que permita ao agente resolver o problema da ilicitude do seu comportamento.

Figueiredo Dias considera que o dolo só pode ser afirmado se, para além dos 2 elementos, existir este 3º elemento, traduzindo-se esse na atitude pessoal do agente contrária ou diferente ao dever jurídico-penal. Este terceiro elemento é um elemento que analisamos na culpa e é comum ao dolo e à negligência e por isso não há necessidade de individualizar essa atitude como elemento autónomo do dolo, porque existe quer num quer noutro. Não significa que seja igual nos dois, pelo contrário, a culpa varia consoante haja dolo ou negligencia, significa apenas que não é um elemento que se tenha que autonomizar. No fundo o que FIGUEIREDO DIAS diz é que, quando a pessoa conhece e quer realizar o facto típico tem uma atitude face à ordem jurídica e é difícil desligar uma coisa da outra, ou seja, o elemento volitivo e emocional. A prof crítica dizendo que esse aspeto emocional se analisa na culpa, quer no dolo ou negligência. Faz parte no tipo ilícito e na culpa. Elementos do Dolo:

Elemento intelectual – Consiste no conhecimento da realização do facto típico. I.e., a pessoa

do agente tem que ter a representação dos elementos essenciais da faculdade típica. Tem que

representar todos os elementos do facto típico que fazem parte do tipo objetivo; sendo que essa

representação tem que ser atual e efetiva. I.e., no momento em que atua é que importa saber se

tem representação dos elementos essenciais da factualidade típica. Do que neste elemento se

trata é da necessidade, para que o dolo do tipo se afirme, que o agente conheça, saiba,

represente corretamente ou tenha consciência (consciência psicológica ou consciência

intelectual) das circunstancias do facto (e não de facto, atende-se, porque tanto pode ser “de

facto” como “de direito”) que preenchem um tipo de ilícito objetivo (16/1 CP). A razão desta

exigência deve ser vista á luz da função que este elemento desempenha: o que com ele se

pretende é que, ao atuar, o agente conheça tudo quanto é necessário a uma correta

orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à

ação intentada, para o seu carácter ilícito.

Só quando a totalidade dos elementos do facto estão presentes na consciência

psicológica do agente se poderá vir afirmar que ele se decidiu pela prática do ilícito e deve

responder por uma atitude contrária ou indiferente ao bem jurídico lesado pela conduta.

Fala-se a este respeito, com razão, de um princípio de congruência entre o tipo objetivo e o

tipo subjetivo de ilícito doloso.

1. Ex.: Médico sabe que o doente A é alérgico a um determinado componente; passado um ano A entra no hospital de urgência e o médico administra-lhe um medicamento com essa substância. Não atua com dolo, quanto muito com negligência. A representação tem que existir no momento da ação, i.e., tem que ser atual e efetiva. Para certos elementos do crime esta consciência atual traduz-se numa consciencialização difusa não absoluta, ou seja, por vezes basta o agente ter o “saber acompanhante”, ou seja, está na sua consciência, mas de forma difusa.

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Ex. Nos crimes sexuais basta que o agente tenha consciência difusa que se trata de um menor, não tem que saber a idade em concreto. A representação tem que ser concreta, não basta contar com a eventualidade da verificação de certo elemento como perigo abstrato e irreal, antes sim, como possibilidade real do caso concreto. Ex. Quem guia um carro em termos abstratos sabe que pode haver um acidente, mas não podemos afirmar que há dolo por aí. Tem que ser possível prever concretamente a possibilidade de acidente para podermos assumir que há dolo, por exemplo, andar em excesso de velocidade em zona residencial.

O conhecimento das circunstâncias do facto

A afirmação do dolo do tipo exige, antes de tudo, o conhecimento da totalidade dos elementos

constitutivos do respetivo tipo de ilícito objetivo, factualidade típica. Precisões se tornam todavia

necessárias neste contexto, sob diversos pontos de vista.

O conhecimento dos elementos normativos

A factualidade típica que o agente tem de representar não constitui nunca o agregado de “puros

factos”, de “factos nus”, mas já de “factos valorados” em função daquele sentido de ilicitude.

Isto significa que não basta nunca o conhecimento dos meros factos, mas se torna

indispensável a apreensão do seu significado correspondente ao tipo. Tal exigência não

colocará qualquer dificuldade de princípio relativamente aos chamados elementos descritivos: “outra

pessoa”, “mulher”. Já não sucederá, porém, com os chamados elementos normativos, aqueles que

só podem ser representados e pensados por referência a normas, jurídicas ou não jurídicas.

Qual o grau e as características do conhecimento que neste âmbito deve ser exigido para

afirmação do dolo do tipo?

Se o agente conhece o conteúdo do elemento, mas desconhece a sua qualificação

normativa, tratando-se aí de um erro na subsunção que tem de considerar-se pura

e simplesmente irrelevante para o dolo do tipo. Necessário e suficiente será sim o

conhecimento pelo agente dos elementos normativos, antes que na direção de uma exata

subsunção jurídica, na de uma apreensão do sentido ou significado correspondente, no

essencial e segundo o nível próprio das representações do agente, ao resultado daquela

subsunção ou, mais exatamente, da valoração respetiva.

Relativamente ao critério geral apontado, casos haverá em que o respeito pela função exercida

pela necessidade de conhecimento para a afirmação do dolo do tipo conduzirá a uma maior

exigência. Elementos normativos existem, com efeito, de estrutura eminentemente jurídica, que só

através de uma decisão estritamente técnica assume relevo normativo e logram orientar o agente

para o desvalor da ilicitude do facto total.

Inversamente, com um grau menor de exigência, se deparará nos elementos normativos cujo

conhecimento pelo agente, necessário ao dolo do tipo, deva limitar-se ao dos seus pressupostos

materiais.

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É sobretudo o caso de certos elementos que exprimem imediatamente uma valoração moral, social,

cultural ou mesmo jurídica decisiva para a ilicitude do facto como um todo e de que podem apontar-

se como exemplos cláusulas como a dos “bons costumes”.

A atualidade da consciência intencional da ação

O conhecimento requerido pelo dolo do tipo exige a sua atualização na consciência

psicológica ou intencional no momento da ação. Não basta nunca a mera “possibilidade” de

representação do facto, antes se requer que o agente apresente a totalidade da factualidade típica e

a atualize de forma efetiva. A “consciência atual” é a de uma co-consciência imanente à ação.

O erro sobre a factualidade típica

Se, por conseguinte, faltar ao agente o conhecimento, nos termos acabados de precisar, da

totalidade das circunstâncias, de facto ou de direito, descritivas ou normativas, do facto, o dolo do

tipo não pode afirmar-se. É isto que dispõe o Art. 16/1 1ª parte CP, afirmando que este erro “exclui

o dolo”, e é isto que a doutrina crisma como “erro sobre a factualidade típica”.

O que tudo é aceitável fazendo uma dupla prevenção:

1) O termo “erro” não está aqui tomado apenas no sentido de uma representação positiva errada,

mas também no sentido de uma falta de representação.

2) A expressão “exclui o dolo” não significa que um dolo já existente foi eliminado, mas sim que o

dolo do tipo não chega a constituir-se quando faltam os seus pressupostos.

Urge acentuar que a doutrina exposta vale não só para as circunstâncias que fundamentam o ilícito,

mas também para todas aquelas que o agravam e para a aceitação errónea de circunstâncias que o

atenuam.

Com a negação do dolo do tipo falta o tipo subjetivo apenas do crime doloso de ação correspondente.

Não só pode o agente ter realizado dolosamente outros tipos de ilícito, como pode ainda estar

preenchido um tipo de ilícito negligente.

Por exemplo, um condutor de automóvel que à noite não repara a tempo num bêbado estendido na

estrada e o atropela mortalmente, não age com dolo do tipo de homicídio.

A previsão do decurso do acontecimento

Nos crimes de resultado, tanto a ação, como o resultado são circunstâncias do facto pertencentes

ao tipo objetivo de ilícito que, como tal, têm de ser levados, nos termos descritos, à consciência

intencional do agente. Questão é saber se também se torna necessário, e em que termos, o

conhecimento pelo agente da conexão entre ação e resultado, isto é, do risco por ele criado e

vazado no resultado que fundamenta a imputação objetiva.

Uma resposta afirmativa de princípio parece impor-se.

Situações de erro

Em determinadas situações pode haver uma discrepância entre a representação do autor e a realidade. Quando falamos em erro é também no sentido de falta de conhecimento. Nestes casos aplicamos o artigo 16º/1 CP e a consequência é a exclusão do dolo, mas ressalva-se a punibilidade a titulo de negligência (número 3). Há vários tipos de erro consoante o elemento sobre o qual incide.

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1- Erro sobre o objeto da ação – Há ainda que distinguir duas situações:

a) Erro sobre o objeto em que há identidade típica dos objetos - Ex. A quer matar B, mas confunde-o com C, seu irmão. Nestas situações em que se quer matar um e mata-se outro, grande parte da doutrina considera o erro irrelevante porque há representação da morte de uma pessoa e tal acontece, não interessa se era uma pessoa em concreto e acabou por ser outra, do ponto de vista do art.131º é irrelevante.

b) Erro sobre o objeto sem identidade típica - Ex. A atira para trás de arbustos a pensar que vai matar um veado e afinal mata o seu colega de caça. Não há identidade típica entre o objeto representado e o atingido. Neste caso há exclusão do dolo através da aplicação do art.16º/1, uma vez que representou um animal e não uma pessoa, quanto muito vai ser punido a título de negligência verificados os pressupostos.

2- Erro sobre o processo causal

Neste contexto surge desde logo a questão de saber se qualquer divergência entre o risco pelo

agente conscientemente criado e aquele do qual deriva efetivamente o resultado deve conduzir a

que o evento não mais possa ser imputado ao agente e este só deva, por isso, responder por

tentativa.

Duas posições de princípio são aqui possíveis e têm na verdade sido doutrinalmente sufragadas:

1) Uma delas responde afirmativamente à questão posta, na base de que se o evento tem lugar por

concretização de um risco não previsto não pode afirmar-se a congruência entre o tipo objetivo

e tipo subjetivo doloso;

2) No outro extremo encontram-se aqueles para quem o erro sobre o processo causal é em principio

irrelevante, com eventual ressalva dos crimes de execução vinculada, porque só nestes o

processo causal constitui um elemento do tipo objetivo de ilícito e, por isso, uma circunstância

do facto para o efeito do disposto no Art. 16/1 CP.

Ou o tipo de ilícito é de exclusão vinculada e então o decanto “erro sobre o processo causal” se

traduz num puro erro sobre a factualidade típica e é claramente relevante; ou é de “execução

livre” e então torna-se extremamente difícil figurar uma hipótese em que a imputação objetiva,

comandada pela conexão de risco, deva ser afirmada e, todavia, o dolo do tipo ser negado. Onde

a quando uma tal hipótese possa ser figurada, todavia, o erro sobre o processo causal não pode

deixar de ter-se por relevante no sentido da não afirmação do dolo e o agente só poderá ser punido

a título de tentativa.

Podemos ainda distinguir duas hipóteses:

a) Erro sobre o processo causal, mas não há um desvio essencial entre o processo causal pensado e o processo causal realizado. Ex. A atira B da ponte e pensa que ele morre com o embate na água (processo causal), mas ao invés de morrer por isto, morre porque bate com cabeça no pilar da ponte (erro sobre o processo causal), o desvio é irrelevante. Continua a haver imputação objetiva como subjetiva – para maior parte da doutrina. Jackob acha que

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como não há incongruência entre tipo objetivo e subjetivo deve ser punido apenas pela tentativa.

b) Erro sobre o processo causal em que há desvio essencial imprevisível (segundo o critério da causalidade adequada) entre o processo causal pensado e o processo causal real

Ex. A atira B da ponte e pensa que ele vai morrer afogado, mas afinal morre porque aparece um tubarão e come-o. Nestas situações, não há desde logo a chamada imputação objetiva uma vez que não há conexão entre o risco criado e o resultado obtido, por isso o dolo permanece. É punido por tentativa uma vez que a vontade permanece. O desvio entre o processo causal pensado e realizado é essencial, não é de todo previsível haver um tubarão no Tejo. O dolo permanece, continua a querer resultado, mas o desvio faz com que não haja a conexão do risco criado e o resultado obtido.

Ex. A atira sobre B e este em consequência disso vai para o hospital e morre lá num incêndio. Há uma interrupção do processo causal, não se afasta o dolo, logo não há imputação objetiva. A é punido por tentativa por essa razão.

1) Erro sobre os elementos normativos do tipo – sendo que podemos distinguir entre:

a) Elementos descritos – são aqueles que são imediatamente apreensíveis pelos sentidos.

Não é possível recorrer a elementos sem ser os sentidos para os conhecer, por exemplo, pessoa, corpo.

b) Elementos normativos – são aqueles elementos que implicam uma certa valoração para

serem apreensíveis, só podem ser pensados partindo da sua compreensão intelectual. São exemplo o documento; é um elemento do tipo que só se percebe partindo da sua valoração.

i. Elementos normativos com estrutura eminentemente jurídica em relação aos quais o agente tem

que conhecer os critérios determinantes da sua qualificação - Existem maioritariamente no direito penal secundário. Para haver dolo tem que se conhecer todos os elementos determinantes para a sua qualificação

ii. Elementos normativos em que basta que o agente conheça os pressupostos materiais para

afirmação do dolo, pressupõe determinada valoração - Basta o agente ter um conhecimento dos pressupostos materiais do elemento para afirmar o dolo. Não é preciso a pessoa conhecer a definição jurídica do documento para dizer que tem conhecimento do que é, basta ter imagem social do que é um documento.

2) Erro sobre normas que recaem sobre comportamentos axiologicamente neutros- Consiste num erro sobre proibições, cujo conhecimento é indispensável para que o agente possa tomar consciência do carácter desvalioso da sua conduta. Ex. Um chefe de Estado vem visitar uma cidade e por isso sai um decreto-lei que diz que é proibido naquele fim-de-semana andar com armas no carro. B costuma ter sempre a caçadeira no carro porque é caçador. No fim-de-semana a polícia manda-o parar e diz que preenche aquele crime. Situação em que o agente tinha que conhecer a proibição para se aperceber da ilicitude do seu comportamento. São condutas irrelevantes do ponto de vista ético e o seu desconhecimento impede o conhecimento total, necessário para haver dolo do facto. Nestes casos aplica-se o art.16ºnº1 e exclui-se o dolo. Esta situação é diferente do erro sobre ilicitude em que a pessoa já está em erro sobre proibições em que não é preciso o seu conhecimento para a pessoa se aperceber da ilicitude do facto.

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Ex. Uma dinamarquesa vem a Portugal e pensa que é permitido o aborto como na Dinamarca, até à 14ª semana. Nesta situação está em erro sobre uma proibição que não recai sobre um comportamento axiologicamente neutro. Não é preciso conhecer a norma para se aperceber da valoração do seu comportamento. Aplicamos o art.17º - exclui-se a culpa e não o dolo. No primeiro caso o homem tem que conhecer o DL para se aperceber da ilicitude do comportamento, enquanto que a dinamarquesa não precisa de conhecer a norma de proibição do aborto para se aperceber do carácter valorativa do seu comportamento.

Dolo generalis Situações em que, em vez de uma ação existem duas ações e o resultado consuma-se em dois atos,

mas o autor previu erradamente criar o resultado apenas com a primeira ação. Do que

substancialmente se trata é de casos em que o agente erra sobre qual de diversos atos de uma

conexão da ação produzirá o resultado almejado. De casos que cronologicamente ocorrem em

dois tempos:

1. Agente pensa erroneamente ter produzido o resultado com uma ação;

Num primeiro momento o agente pensa erroneamente ter produzido, com a sua ação, o resultado típico;

2. Resultado só acontece efetivamente com a segunda ação.

Num segundo momento, fruto de uma nova atuação do agente, o resultado vem efetivamente a

concretizar-se.

Em hipóteses deste teor a ação suportada pelo dono do facto não determina pois ainda o resultado,

enquanto a ação que causa o resultado não mais é suportada pelo dolo do facto.

Por isso, parte significativa da doutrina vê aqui uma tentativa em concurso eventual com o

cometimento negligente do facto; enquanto a doutrina dominante, embora sob diferentes

pressupostos, se pronuncia pela aceitação de um crime consumado.

Ex.: A atira em B para o matar e depois enterra-o para o esconder. B não morre do tiro, mas asfixiado.

Clivagem doutrinária Nestas situações a doutrina divide-se: Stratenwerth considera que se antes de praticar a primeira ação o agente pensou na segunda,

o dolo que aplicou na primeira conduta irá abarcar toda a situação num momento prévio e por isso abrange todo o processo causal que conduziu ao resultado. O agente é punido apenas por um crime de homicídio doloso. Já se não previu a ação, não se aplica a figura do dolo generalis e por isso o agente é punido por tentativa de homicídio na primeira ação e o crime que realizou a título de negligência na segunda ação.

Figueiredo Dias diz que se o risco que se concretiza no resultado pode reconduzir-se ao quadro

dos riscos criados pela primeira ação, isto é, se a segunda ação é, segundo as regras da experiência, previsível e normal – risco caracteristicamente ligado à primeira ação -, nesses casos o agente é punido pelo rime doloso consumado.

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Se a segunda ação não é uma ação previsível, normal da primeira conduta – caracteristicamente ligado à primeira ação –, é punido por tentativa em concurso com o crime que realizou de forma negligente. Importa saber se o risco que se concretiza no resultado pode ou não conduzir-se ao quadro dos riscos criados pela primeira conduta. É decisivo determinar se a segunda ação é segundo as regras da experiência normal, previsível porque vai ser consumida pelo dono da ação e é punida só pelo crime doloso. Se não o for, já não é punido apenas por um crime, mas sim em concurso por tentativa do crime que tentou realizar com aquela conduta e o crime que realizou de forma negligente em relação à segunda conduta. O critério da solução deve seguir eminentemente os passos da doutrina da imputação

objetiva: saber, em suma, se o risco que se concretiza no resultado pode ainda reconduzir-

se ao quadro dos riscos criados pela (primeira) ação.

Se a resposta for afirmativa deve considerar-se crime consumado;

Se o não for a punição só poderá ter lugar a título de tentativa, eventualmente

em concurso com um crime negligente consumado.

Execução defeituosa/ Aberratio Ictus vel impetus

Do latim: desvio da trajetória ou do golpe. É constituída pelos casos em que, por erro na execução,

vem a ser atingido objeto diferente daquele que estava no propósito do agente. No erro sobre o

objeto o resultado produz-se no objeto elegido pelo autor; já no erro na execução o resultado produz-

se num objeto distinto do elegido pelo autor.

Ex: A quer acertar em B e aponta para ele, mas por falha acerta no C que está ao lado. Acerta num objeto diferente do que visava atingir. A doutrina maioritária, nomeadamente Roxin, entende que o agente deve ser punido em concurso por tentativa do crime que visou realizar e pelo crime que realizou na forma negligente. Punido em concurso por tentativa de homicídio de B e por homicídio de C por negligência.

Ex: A pretende matar B com um tiro, mas este vem atingir C e não B.

O resultado ao qual se refere a vontade de realização do facto não se verifica, mas sim um outro, da

mesma espécie ou de espécie diferente. A ação falha o seu alvo e apresenta por isso uma estrutura

de tentativa. A produção do outro resultado, que tanto podia não ter lugar como ser de outra

gravidade, só pode eventualmente conformar um crime negligente. A punição deve por isso ter

lugar só por tentativa ou por concurso desta com um crime negligente.

O error in persona vel objecto

Decurso real do acontecimento corresponde inteiramente ao intentado; só que o agente se

encontra em erro quanto à identidade do objeto ou da pessoa a atingir. Não existe pois aqui qualquer

erro na execução, mas sim na formação da vontade.

Ex1: A, pensando que a pessoa que passava na rua era o seu inimigo B, dispara contra ele

um tiro mortal, verificando-se depois que A confundiu B com C e foi este, um estranho, que

matou.

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Ex2: D subtrai de um museu uma imitação de um quadro célebre, de valor muito relativo,

pensando que se trata do original valiosíssimo.

Ex3: Caçando ao final da tarde, E dispara contra um vulto com dolo de dano na pressuposição

de que se trata de um animal, quando na verdade se trata de uma criança, F, que vem a

falecer.

Ora, sempre que o objeto concretamente atingido seja tipicamente idêntico ao projetado (Ex1),

o erro sobre o objeto (ou pessoa) é irrelevante, não pode pôr-se em dúvida, uma vez que a lei

proíbe a lesão não de um determinado objeto ou individuo, mas de todo e qualquer objeto ou pessoa

compreendidos no tipo de ilícito. Se o agente erra também todavia, sobre as qualidades

tipicamente relevantes do objeto por ele atingido, então há que ficar ou só na

responsabilidade por tentativa, ou eventualmente na combinação da tentativa com uma

responsabilidade por negligência (Exemplos 2 e 3).

O conhecimento da proibição legal

Excecionalmente, à afirmação do dolo do tipo torna-se ainda indispensável que o agente tenha

atuado com conhecimento da proibição legal. Isto sucede sempre que o tipo de ilícito objetivo

abarca condutas cuja relevância axiológica é tão pouco significativa que o ilícito é primariamente

constituído não só ou mesmo nem tanto pela matéria proibida, quanto também pela proibição legal.

O conhecimento da proibição é requerido para afirmação do dolo “do tipo”, sem que por isso ele

deixe de ser um dolo “natural”, um dolo do “facto” (complexo).

Reconhecendo-o, o Art 16/1 CP afirma que um erro sobre a proibição exclui o dolo quando o seu

conhecimento “for razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência da

ilicitude do facto”.

Em rigor, a relevância do erro sobre proibições legais só pode ter lugar no ilícito de mera ordenação

social não no ilícito penal. Mas uma tal afirmação pecaria por exagero e não estaria, desde logo,

de acordo com a parte do Art. 16/1 acabada de citar.

Existem casos de crimes de perigo abstrato em que a conduta em si mesma, divorciada da proibição,

não orienta suficientemente a consciência ética do agente para o desvalor da ilicitude.

Elementos Volitivos do dolo: O conhecimento (previsão) das circunstancias de facto e, na medida

necessária, do decurso do acontecimento não podem, só por si, indiciar a contrariedade ou

indiferença manifestada pelo agente no seu facto, que dissemos caracterizar a culpa dolosa e, em

definitivo, justificar a punição do agente a titulo de dolo. Isto significa que o dolo do tipo não pode

bastar-se com aquele conhecimento, mas exige ainda a verificação no facto de uma vontade dirigida

à sua realização.

É este momento que constitui o elemento volitivo do dolo do tipo e que pode assumir matizes

diversos, permitindo a formação de diferentes classes de dolo.

Modalidades do dolo- volitividade do dolo

(exame= no caso concreto temos sempre que verificar qual a forma do dolo) - de acordo com o art.14º:

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86

1- Dolo direto: intencional Também denominado de dolo de primeiro grau, o agente prevê e quer a realização do facto típico como fim último da sua conduta. Tem que ter a intenção de realizar o facto típico. Basta que o agente preveja e queira realizar o facto típico, não é preciso ter um certo grau. Quando a realização e um facto típico não constitui fim último da atuação do agente, mas, aparece como pressuposto ou estado intermédio necessário da sua conduta e do seu fim último. Exemplo A quer assaltar um banco e a única forma é matando o vigilante C. A quer receber a herança da tia e mata-a para receber a herança. A realização do tipo não constitui o fim último da ação (assaltar o banco e ficar com a herança), mas o resultado típico aparece como o estado intermédio da sua conduta. Temos que ver se a finalidade é matar, o motivo pelo qual o faz é irrelevante.

Dolo Direto Intencional ou de primeiro grau

A forma mais clara e terminante de dolo direto é constituída por aqueles casos em que a

realização do tipo objetivo de ilícito surge como o verdadeiro fim da conduta (Art. 14/1 CP).

Fala-se então a propósito de dolo direto intencional ou de primeiro grau.

Ex: A, admirador incondicional de um quadro de Picasso, mas sem dinheiro para o comprar, assalta

o estabelecimento de leilões onde o quadro será vendido no dia seguinte e o subtrai para ficar com

ele.

Com casos de dolo direto intencional serão ainda de considerar aqueles em que a realização

típica não constitui o fim último, o móbil de atuação do agente, mas surge como pressupostos ou

estádio intermédio necessário do seu conseguimento: quando A mata o vigilante B como única forma

de poder assaltar um banco.

2- Dolo necessário

Diferentes são os casos de dolo direto necessário ou de 2º grau (Art. 14/2 CP). Neles a

realização do facto surge não como pressuposto ou degrau intermédio para alcançar a finalidade da

conduta, mas como sua consequência necessária, no perecimento sentido de consequência

inevitável, se bem que “lateral” relativamente ao fim da conduta.

Chamado dolo de segundo grau em que a realização do facto típico não surge como degrau intermédio para alcançar a finalidade última da conduta, mas como consequência necessária, no sentido de inevitável, embora lateral, relativamente ao fim da sua conduta. Ex: Agente que coloca uma bomba num avião como forma de matar um seu inimigo que nele viaja.

A morte do inimigo ser-lhe-á imputada a título de dolo direto intencional ou de 1º grau, a de todos os

outros passageiros, como consequência da explosão da bomba e da aeronave, a título de dolo direto

necessário ou de 2º grau.

Modalidades de Dolo

Dolo DirectoDolo

NecessárioDolo

EventualDolo de Perigo

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3- Dolo eventual

Os casos de dolo eventual caracterizam-se antes de tudo pela circunstância de a

realização do tipo objetivo de ilícito ser representada pelo agente apenas “como

consequência possível da conduta” (Art. 14/3 CP). Que também em casos tais o agente

pode atuar na disposição de aceitar a realização e o elemento volitivo do dolo do tipo deve

considerar-se verificado.

Questionável permanece, em todo o caso, como é que um dolo assim estruturado se distingue

da mera negligência consciente, que lhe está próxima, pelo facto de também ela supor aquela

representação da realização típica como consequência possível da conduta (Art. 15 al. a)

CP).

Previsto no artigo 14º/3. O que o caracteriza é o agente prever a realização do facto típico como possível e conforma-se com essa realização. Há larga controvérsia na doutrina sobre o que é que distingue o dolo eventual da chamada negligência consciente (art.15º al. a). Na última, tal como no dolo o agente prevê a realização do facto típico como possível, mas não se conforma. O legislador utilizou o critério da conformação para fazer a distinção entre estas duas figuras; quer o dolo eventual, quer na negligência consciente prevê-se a realização do facto típico como possível, no dolo eventual conforma-se e na negligência consciente não se conforma. Várias teorias que não se aplicam na nossa ordem jurídica porque a nossa não distingue as duas figuras com base no elemento intelectual que é igual nas duas, para além de que não é fácil estabelecer fronteiras entre o possível e o provável:

Teoria da Probabilidade: o dolo eventual deve distinguir-se da negligência consciente com base no elemento intelectual. Por isso, no dolo eventual o agente prevê a realização do facto típico como provável, probabilidade relativamente alta. Já na negligência o agente prevê a realização do facto típico como consequência possível. As formulações mais recentes desta teoria, nomeadamente por JAKOBS procuram ancorar o dolo eventual no seguinte elemento: o agente toma a realização do facto típico como concretamente possível.

Várias doutrinas assentam na ideia de que à afirmação do dolo do tipo não basta a exigência da

mera possibilidade de realização, mas requer-se que a representação assuma a forma da

probabilidade, ou mesmo de uma probabilidade relativamente alta. E na verdade: esta teoria aponta

para a conclusão, em princípio exata, de que o agente contará tanto mais com a realização típica,

quanto mais esta surgir aos seus olhos como provável.

Fazer assentar toda a construção somente na probabilidade de realização típica depara porém com

duas dificuldades:

o Determinar com um mínimo de exatidão o grau de possibilidade/probabilidade

de verificação do facto necessário à afirmação do dolo do tipo;

o Agente, apesar da improbabilidade de realização do tipo, poder querer

firmemente alcançá-la.

Perante estas dificuldades, as formulações mais recentes desta doutrina, procuram ancorar o

dolo eventual em uma especial qualidade da representação da realização típica como

possível. Para tanto, costuma exigir-se que o agente tome a realização como concretamente

possível, que não considere improvável segundo seu juízo fundado, sobretudo, que parta de um

ponto de vista pessoalmente vinculante.

Page 88: Resumos Teoria do Crime FDUNL

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Teoria da Vontade ou da Aceitação: defendida por Hengis e entre nós CAVALEIRO

FERREIRA. Para estas, no dolo eventual o agente aprova a realização do facto típico, aceita intimamente a verificação do resultado. Na negligência consciente o agente repudia intimamente a verificação do resultado. No nosso ordenamento jurídico basta que se conforme, não é preciso aceitação.

Uma conceção propõe-se partir sem tergiversações, para distinção, da análise da vontade do

agente e, portanto, do puro elemento volitivo do dolo. Nesta via, pergunta-se se o agente, apesar

da representação da realização típica como possível, aceitou intimamente a sua verificação, ou pelo

menos revelou a sua indiferença perante ela (dolo eventual); ou se, pelo contrário, a repudiou

intimamente, esperando que ela não se verificasse (negligência consciente). Ao conjunto destas

posições se dá por isso o nome de teorias da aceitação.

Também elas põem em evidência uma conexão particularmente importante com a culpa

dolosa: que o agente se tenha decidido contra o direito ou com indiferença perante ele será tanto

mais seguro quando tenha considerado bem-vinda a realização típica, e tanto mais duvidoso quanto

tenha sido indesejável.

Teoria da Conformação: largamente dominante nos dias de hoje.

A conceção hoje largamente dominante é conhecida doutrinalmente como teoria da conformação;

e é ela que consta expressamente do Art. 14/3 CP. Ela parte da ideia de que o dolo pressupõe

algo mais do que o conhecimento, confiar, embora leviamente, em que o preenchimento do tipo não

se verificará e age então só com negligência (consciente).

FIGUEIREDO DIAS – esta formulação não é quanto a nós a preferível por duas razões:

A dupla negação que ela comporta não dá para perceber com suficiente clareza o elemento

positivo que deve arvorar-se em critério do dolo eventual;

Porque uma conotação extremamente psicologista da “confiança” pode conduzir a privilegiar

infundadamente o otimismo impenitente face ao pessimismo depressivo.

Essencial se revela nesta doutrina, segundo o ponto de vista de FD, que o agente tome a sério

o risco de (possível) lesão do bem jurídico, que entre com ele em contas e que, não obstante,

se decida pela realização do facto.

Se o agente tomou a sério o risco de (possível) produção do resultado e se, não obstante, não omitiu

a conduta, poderá com razoável segurança concluir-se logo que o propósito que move a sua atuação

vale bem, a seus olhos, o “preço” da realização do tipo, ficando deste modo indicado que o agente

está intimamente disposto a arcar com o seu desvalor.

A partir daqui fica próximo perguntar de novo se o critério da conformação consegue manter-

se de todo estranho à questão da probabilidade da realização típica. Cremos que uma resposta

negativa se impõe.

Não interessa tanto se o agente previu ou não que o resultado se verificaria, importa sim se o agente toma como sério o risco da possível lesão do bem jurídico e, não obstante, decide-se pela realização do facto – conforma-se.

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Difícil é perceber quando há ou não conformação no caso concreto. Para resolver isso surgiram as fórmulas de Frank2; começou por aplicar a fórmula hipotética e segundo esta ficciona-se que o agente prevê como certo a realização do facto típico, e de seguida, questiona-se se ainda assim o agente atuaria; se sim há dolo eventual, se não há negligência consciente. É, contudo, de evitar e foi sujeita a criticas sobretudo por falhar no caso concreto, nomeadamente o dos mendigos russos. Ex. Associação criminosa que tinha como finalidade cortar membros a crianças para dessa forma ser mais fácil obter a esmola, mas acabam por morrer crianças e a dúvida era se havia dolo eventual ou negligência consciente quanto à morte da criança? Aplicando a fórmula hipotética somos obrigados a dizer que há negligência consciente pois se tivessem previsto como certo a morte não tinha actuado, queriam-na viva a pedir esmola, percebendo que a solução era justa foi afastada. Esta teoria parte da ideia de prever algo como certo o que não acontece, prevê apenas de uma probabilidade, e pode acontecer, mas não previa que era isto exactamente que ia acontecer, podia ou não. Daqui nasce uma nova fórmula:

Fórmula Positiva de Frank

A fórmula positiva de Frank em que temos que ver se o agente ao actuar previu como possível a realização do facto típico e pensou “aconteça o que acontecer, eu actuou”, há dolo evidente, caso contrário há negligência consciente. Há dolo eventual quanto à morte das crianças. Ajuda a aplicar o critério da conformação, mas não resolve todos os problemas por isso FERNANDA PALMA propõe cuidados a ter em conta para ajudar a aplicar esta fórmula, ou seja, para a professora Fernanda Palma para conseguirmos averiguar se o agente atuaria de qualquer maneira, temos que ter em conta alguns elementos objetivos provados e para ela os mais importantes são:

Critério da coerência das motivações, de acordo com o qual quanto mais forte a motivação

mais o indicio de dolo eventual – Ex.: Vai a alta velocidade numa cidade e mata uma pessoa. Atuou com dolo eventual ou negligência consciente quanto à morte da pessoa? Conformou-se ou não? Quando atuou pensou que acontece o que acontece atuava ou não? Se a motivação for forte a probabilidade de ter pensado “aconteça o que acontecer” é muito maior; se estiver a alta velocidade porque o filho está no hospital e vai ter com ele, provavelmente pensou. Se pelo contrário vai ver um jogo de futebol, de acordo com os critérios da normalidade e experiência não terá pensado “aconteça o que acontecer eu atuou”.

Grau de probabilidade de realização do facto típico – Ex.: Corridas de carros ilegais o grau de probabilidade é elevado e atua a favor do dolo eventual se houver alguma coisa; nos casos de transmissão de sida, a doutrina maioritária considera que dada a baixa probabilidade de transmissão (0,1 a 1%) não há dolo eventual ou crime de violação de integridade física. Diferente é se alguém tem relações sexuais com outro para transmitir, aí estamos perante doo direco.3 FIGUEIREDO DIAS acha que é tão difícil fazer a distinção entre dolo eventual e negligência consciente, e tem consequências práticas tão relevantes4, que propôs a criação de uma figura entre dolo e negligencia que chamaria de temeridade. Vai aproximar as medidas da pena no dolo e negligência, pois, para ele o dolo, criando-se a terceiro figura passa a ser só direto e necessário, e a negligência passa a ser só no processo consciente.

2 Juiz do tribunal alemão que tinha que decidir no caso concreto se havia dolo eventual ou negligência consciente. 3 Com base nesta resposta ROXIN e FIGUEIREDO DIAS propõe criação de perigo abstrato de transmissão de sida. 4 Muitas vezes a negligência não é punida e para além disso no crime doloso a pena é mais grave.

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Conclusão:

A questão da “culpa dolosa” só pode suscitar-se se previamente tiver podido comprovar-se

a verificação de ilícito doloso e, portanto, do dolo do tipo. O agente que revela uma absoluta

indiferença pela violação do bem jurídico, apesar da representação da consequência como possível,

sobrepõe de forma clara a satisfação do seu interesse ao desvalor do ilícito e por isso decide-se pelo

sério risco contido na conduta e, nesta aceção, conforma-se com a realização do tipo objetivo. Tanto

basta para que o tipo subjetivo de ilícito deva ser qualificado como doloso.

Consequência da distinção:

Em não poucos preceitos da parte geral do CP não se admite a forma do dolo eventual como

manifestação punível do tipo de ilícito doloso, exigindo o dolo direto (ou até o dolo direto

intencional).

A ideia reinante durante muito tempo – e ainda hoje, na nossa jurisprudência – de que o dolo eventual

representa por necessidade uma forma mais leve de dolo que o dolo direto não teria justificação;

podendo haver situações de dolo eventual em que seja maior a gravida do ilícito (e da culpa) do

que em situação de dolo direto.

Atende-se em todo o caso ao disposto no Art. 71/2 alínea b) do CP que manda atender à

“intensidade do dolo” para efeitos de medida (concreta) da pena.

4- Dolo de perigo

Deve fazer-se distinção entre crimes de dano (lesão do bem jurídico) e crimes de perigo (depende se é abstrato ou concreto; o ultimo tem que ser idóneo e no primeiro basta que seja de mera atividade e abstratamente perigoso). Crimes de perigo concreto em que há relação com o dano. Estes caracterizam-se por ter como resultado criação de um perigo para o bem jurídico. Em termos de construção do elemento subjetivo para parte da doutrina é ter que haver certa relação do agente com dano, mas qual? Nos crimes de perigo concreto em que há dolo de perigo, não pode haver dolo quanto ao dano – são incompatíveis. Havendo dolo quanto ao dano temos crime de dano. Ex. Mãe abandona a filha. Se atua com dolo face à morte punimos por crime de exposição ao abandono ou homicídio (perigo concreto)? Homicídio obviamente. Se a criança não morreu é punida por tentativa de homicídio. Pressupõe negligência consciente quanto ao dano. Só é punida quanto ao crime de exposição ao abandono se quanto à morte tiver negligência consciente. Quanto ao perigo tem que haver dolo necessário de perigo porque havendo dolo direto, a pessoa representa e quer criação do perigo para o bem jurídico. Em princípio representa e quer o perigo – dolo direto que não é permitido. Dolo eventual é de afastar porque este consiste na pessoa prever como possível e conformar; o dolo eventual de perigo era prever como possível a possibilidade de dano, ou seja, era a possibilidade. Só sobra o dano necessário – prevê o perigo como consequência necessária da sua conduta. O dolo de perigo constitui-se por duas partes:

1) Pressupõe uma relação com o dano; 2) Relação só pode ser de negligência consciente; 3) Só pode assumir a forma de dolo direto.

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Não pode haver dolo de dano porque se não é punida pelo crime de dano; a mãe tem dolo de morte, porque prevê a sua morte e se conforma, logo não há razão para não punir por crime de homicídio, não há dolo de perigo, logo quanto ao dano tem que haver negligência. A forma que o dolo de perigo tem que assumir não pode ser direto porque este é prever a possibilidade de dano como certa e ter intenção, logo teria dolo de dano que não pode existir; dolo eventual também se afasta porque se prevê como possível a realização de facto típico e prever como possível a possibilidade é prever a possibilidade, chegamos mais uma vez ao dolo de dano. Para FIGUEIREDO DIAS, o dolo de perigo é totalmente distinto da negligência consciente, não só pelo facto de o perigo ser representado como próximo no caso do dolo de perigo, mas já não necessariamente na negligência consciente, mas porque, em consonância com RUI PEREIRA, a necessária consideração de elementos não puramente intelectuais logo no dolo do tipo e na negligência típica obsta à identificação de ambos os institutos, sem prejuízo de se considerar que o dolo de perigo implica sempre o dano ou lesão de bens jurídicos tutelados pela norma incriminadora.

Assim só pode assumir o dolo necessário. Dolo necessário quanto ao perigo e tem que haver negligência quanto ao dano.

A conexão entre o dolo do tipo e a sua realização

O dolo do tipo, como conhecimento e vontade de realização, tem sempre de conexionar-se com um

singular tipo de ilícito: um “propósito geral de fazer mal” ou de “cometer crimes” não constitui ainda

um dolo do tipo, mas só o constitui o concreto propósito de matar, de ferir, de violar, de injuriar ou de

furtar.

Dolus alternativus – casos em que o agente se propõe ou se conforma com a realização de um ou

de outro tipo objetivo de ilícito: assim se A se apropria ilegitimamente de uma jóia que encontra no

seu quintal, admitindo que ela possa ter caído de uma caixa que B lhe pediu no dia anterior para

guardar.

Uma conexão, mas agora de índole temporal, entre o dolo e a realização típica deve ser exigida: as

duas entidades devem decorrer simultaneamente. Um dolo prévio relativamente à realização típica

(chamado dolus antecedens) não é pois ainda um dolo do tipo.

Tão pouco a conformação com um resultado típico que já aconteceu constitui dolo do tipo (dolus

subsequens) se alguém mata por descuido um seu inimigo e depois assume conscientemente este

resultado ou de toda a maneira com ele se conforma: neste caso só, eventualmente, realização do

tipo de homicídio negligente, não do doloso porque não se pode decidir realizar aquilo que já

aconteceu.

Elementos Subjetivos Especiais

Os especiais elementos subjetivos do tipo

Anote-se todavia desde já que o conteúdo do tipo subjetivo de ilícito doloso não tem de se esgotar

no dolo do tipo. Com efeito, o essencial da conceção normativista dos elementos subjetivos do tipo

persiste ainda hoje e não perdeu interesse político-criminal ou dogmático com a construção de um

autónomo tipo subjetivo de ilícito doloso.

Page 92: Resumos Teoria do Crime FDUNL

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A distinção entre elementos pertencentes ao dolo do tipo e os especiais elementos subjetivos

do tipo agora em consideração está em que estes, ao contrário daqueles, não se referem a

elementos do tipo objetivo de ilícito, ainda quando porventura se liguem á vontade do agente de

realização do tipo: o seu objeto fora do tipo objetivo de ilícito, não havendo por isso, na parte que

lhes toca, uma correspondência ou congruência entre o tipo objetivo e o tipo subjetivo de ilícito. A

propósito dos crimes dolosos, para além do dolo exige-se a presença de outro elemento subjetivo:

elementos subjetivos especiais. São elementos subjetivos especiais uma vez que não se referem a

elementos objetivos do tipo, mas não deixam de se ligar à vontade do agente.

Ex.: No crime de furto (art.203º CP), para o tipo subjetivo estar preenchido, não basta que a pessoa

saiba que está sob coisa alheia e a queira subtrair. Para além desse dolo é ainda preciso provar que

o agente tem intenção de se apropriar da coisa.

Este é um elemento subjetivo especial porque o apropriar-se não é um elemento objetivo do tipo;

para o objetivo estar preenchido basta uma subtração, que é diferente de apropriação o tipo

objetivo dolo bastasse com a pessoa saber que é coisa alheia e querer subtrair, mas o

legislador acrescenta a este dolo a intenção de apropriação. Uma das dificuldades deste é

quando não faz parte deste tipo de ilícito e faz parte da culpa. Para alguns crimes para além do

conhecer e querer a realização do tipo é preciso algo relacionado com a intenção, vontade do agente,

mas não recai sobre os elementos objetivos do crime, daí o exemplo do furto. A intenção de

apropriação está relacionada com a vontade do agente, mas não está relacionada com os elementos

objetivos do tipo, vai para além deste que se basta com a subtração.

Tipo específico do crime de furto

Elementos objetivos: Agente, objeto da ação (coisa alheia), bem jurídico (propriedade privada),

resultado (subtração) e imputação objetiva deste à conduta do agente. O dolo recai sobre estes

elementos, i.e., é parte dos elementos objetivos do tipo. O legislador acrescenta a intenção de

apropriação, ou seja, algo adicional ao nível dos elementos objetivos que se considera para o tipo

estar preenchido. O crime de furto é considerado de resultado cortado ou parcial. Diz-se de resultado

cortado porque para estar consumado basta haver subtração. A apropriação é resultado que não tem

que se verificar, basta haver intenção de apropriação; objetivamente só tem que subtrair e não

apropriar-se, este resultado não está abrangido pelo dolo mas pela intenção.

A lei 15/2001 prevê o crime de fraude fiscal; para se dar este crime tem que haver intenção de prever

resultado lesivo sobre o património fiscal, isto quer dizer que objetivamente não tem que haver este

resultado, pode não ter qualquer consequência no património esta fraude, interessa é que o agente

teve intenção de produzir resultado lesivo no património fiscal. O crime de contrafação de moeda

exige para além do dolo a intenção de por a moeda em circulação. Se o faz depois é irrelevante para

dizer se preencheu o tipo de contrafação, interessa é que tenha a intenção de o fazer.

Por isso se torna complicado saber se estamos perante um elemento subjetivo especial ou elemento

da culpa. O homicídio pode assumir a forma de homicídio qualificado, uma forma agravada de

homicídio simples. Há várias circunstâncias que levam a que seja considerado qualificado. Temos

que perceber se agrava ou não a ilicitude daquele comportamento. Os elementos subjetivos

especiais têm que existir ao nível do tipo de ilícito, não entram no tipo de culpa ilicitude do

comportamento. Para tal acontecer tem que se referir ao bem jurídico protegido, caracteriza

o objeto da ação, refere-se à forma de lesão do bem jurídico já não tem a ver com a atitude do

agente face ao direito, porque se tiver a ver passa de pertencer ao tipo de ilícito e é um

elemento subjetivo.

Page 93: Resumos Teoria do Crime FDUNL

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Outros elementos subjetivos especiais do tipo

A doutrina costuma citar, ao lado das intenções, os motivos, os impulsos afetivos e as características

da atitude interna como outras características integrantes de especiais elementos subjetivos do tipo.

Não é impossível na verdade que, num caso ou noutro, tais realidades possam ser exigidas como

co-fundamentadoras da ilicitude típica subjetiva. Urge, em todo o caso, salientar neste contexto duas

notas:

1) Não raras vezes, se não mesmo em via de princípio, tais elementos são utilizados pela lei

não para fundamentar (ou agravar) a ilicitude da ação, mas para caracterizar a

censurabilidade (ou o grau de censurabilidade) da atuação do agente: nesta medida eles

devem ser imputados ao tipo de culpa, antes que ao tipo subjetivo de ilícito.

É o que sucede com os motivos, os impulsos afetivos e as características da atitude interior

constantes do tipo legal de crime de homicídio qualificado e todos eles integrantes, por isso,

da cláusula de culpa agravada constante do ART 132/1 CP.

2) Nos casos em que tais elementos devam se logo imputados ao tipo de ilícito tornar-se-á as

mais das vezes tarefa extremamente difícil e pouco compensadora determinar como eles se

distinguem das intenções e como se diferenciam entre si. Na medida, por exemplo, em que

um motivo se torna determinante e atuante ele pode confundir-se com o fim da ação.

Negligência

Hoje em dia, contrariamente à dogmática de JESCHECK a negligência não deve ser considerada,

dentro da Teoria Geral do Crime, como uma forma especial de aparecimento do facto punível. O

facto negligente constitui antes uma das formas básicas, tipicamente cunhadas, de

aparecimento de um crime, ao mesmo nível do facto doloso. A negligência surge ou como

elemento subjetivo do tipo, a par do dolo, ou como ação típica e ilícita. Com a qualificação da

negligência como forma especial do crime não se faz nem jus à verdadeira natureza do facto

negligente, nem- sobretudo- ao relevo e ao significado político-criminal e dogmático que um facto

negligente assume no contexto da criminalidade.

Quando vemos a negligência ela surge para se referir ao elemento subjetivo do tipo, que surge ao

lado do dolo, mas por vezes a negligência surge apenas para se referir à ação típica e ilícita

negligente.

Isto é importante porque vai ter interferência na própria organização dos manuais. No manual de

FIGUEIREDO DIAS a negligência vem no fim, como forma especial de surgimento do crime e temos

outro capítulo sobre todos os elementos crimes referidos apenas ao crime doloso. Para

FIGUEIREDO DIAS a ação típica é a ilícita negligente, não a vê como elemento subjetivo do tipo ao

lado do dolo. Nesta disciplina estudamos a negligência ao nível do tipo como outro elemento subjetivo

do tipo. JAKOBS estuda a negligência como um elemento subjetivo do tipo, ao lado do dolo.

Decisão Político-Criminal de punição da Negligência

A legislação penal optou por punir a negligência- esta opção é inquestionavelmente justificada de um

duplo ponto de vista:

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Do ponto de vista da dignidade penal, sempre que estão em causa bens jurídicos, individuais

ou coletivos, que se contem dos mais importantes da ordem legal dos bens jurídicos;

Da ótica da carência de pena, sobretudo quando se trata da contenção de fontes de perigo

grave para a existência das pessoas em comunidade, ainda mais se for frequente que delas

derivem resultados lesivos por falta de cuidado na sua manipulação. Os crimes sobre a forma

de negligência ganharam, precisamente por esta razão, maior relevância em um denominada

“sociedade de perigo”.

Justifica-se, portanto, a severidade no tratamento de tipos de crime sob a forma negligente, mas esta

mesma severidade tem que ser acompanhada por um esforço e esclarecimento constantes da

dogmática que respeito aos mais variados crimes sobre a forma negligente.

Relação de entre a negligência e o dolo

O facto negligente não é pura e simplesmente uma forma atenuada ou menos grave de aparecimento

do correspetivo facto doloso- é outra coisa, outro facto, um aliud relativamente ao facto doloso

correspondente.

Por exemplo, de entre o homicídio doloso (art. 131º) e o homicídio negligente (art. 137) não

intercede apenas uma diferença de grau ou de quantidade, como se os correspondentes tipos

de ilícito e de culpa formassem entre si um continuum, desenhando-se entre eles simplesmente uma

fronteira a marcar o território onde se deverá fazer uma distinção de entre dolo eventual e negligência

consciente.

O que há a reter, neste momento, tem que ver com o facto de, no âmbito da Teoria do Crime,

devermos assumir que quer o dolo, quer a negligência têm, cada um, o seu tipo de ilícito e o

seu tipo de culpa próprios e distintos.

A primeira grande questão que se coloca é, o que é que caracteriza a negligência? Qual o elemento

fundamental caracterizador dos crimes negligentes. Para FIGUEIREDO DIAS o elemento

caracterizador da negligência é a violação do dever de cuidar, entendido como violação de normas

de cuidado que servem concreta e especificamente o tipo de ilícito respetivo. Para FIGUEIREDO

DIAS são os elementos objetivos que caracterizam a negligência, a violação das normas de cuidado.

A professora BÁRBARA SOUSA BRITO critica-o porque diz que a violação das normas de cuidado

pode acontecer tanto no dolo ou na negligência, e o que permite a distinção é o elemento subjetivo

e não a violação das normas de cuidado.

Outra parte da doutrina, na qual se inclui a professora BÁRBARA SOUSA BRITO, FERNANDA

PALMA e JAKOBS, o que caracteriza a negligência é o elemento subjetivo. O facto de se defender

que este é o elemento classificador não retira importância às normas de cuidado, continua a ser

importante saber quais as normas de cuidado objetivas existem, até para saber se ultrapassou o

risco permitido. Diz-se é que o que é fundamental, o que permite saber se é doloso ou negligente,

não são estas normas, mas sim o elemento subjetivo.

ROXIN diz que o que caracteriza a negligência é a ultrapassagem do risco permitido. A professora

critica porque diz que este dá relevância ao elemento objetivo porque fala do risco proibido em vez

de regras de cuidado, devia dar relevância ao elemento subjetivo.

Page 95: Resumos Teoria do Crime FDUNL

95

Definição Legal de Negligência: Negligência consciente e inconsciente

A definição legal de negligência consta do art. 15 CP. Este preceito começa no seu proémio por

conceber, a negligência de modo unitário: “quem não proceder com cuidado a que, segundo as

circunstâncias, está obrigado e de que é capaz”

O essencial na definição reside, porém, no proémio unitário, sendo aí que se consegue identificar:

O Tipo de ilícito- violação de uma norma de cuidado, a que, segundo as circunstâncias, o

agente está obrigado, i.e., uma efetiva violação do cuidado devido;

O Tipo de Culpa- violação do cuidado a que o agente, segundo os conhecimentos e

capacidades pessoais, está em condições de prestar no caso concreto.

Formas de Negligência

Há duas formas de negligência: consciente e inconsciente, ambas previstas no artigo 15º/a) e b) do

CP.

Negligência consciente (alínea a)) - quando o agente representa como possível a

realização de um facto que preenche um tipo de crime, mas atua sem se conformar

com essa realização;

Negligência inconsciente (alínea b)) - quando o agente nem sequer chega a representar

a realização do facto típico que preenche um determinado tipo de crime.

Significado Político- criminal da distinção de entre negligência consciente e negligência

inconsciente

ROXIN:

“Pressuposto o mesmo grau de criação não permitida do risco, a negligência consciente é mais digna

de pena do que a negligência inconsciente, por a representação de uma possível realização do tipo

confere ao agente um contra-motivo mais forte que os ensejos que serão dados ao agente, na

negligência inconsciente, para o agente se aperceber do perigo dele proveniente”.

FIGUEREDO DIAS- posição discordante da adotada por ROXIN

Não vê este autor, que em matéria de gravidade do ilícito, a representação da violação como

possível indicie sempre uma maior gravidade da negligência consciente em relação à

negligência inconsciente: relativamente à morte de um peão este autor não perceciona quaisquer

diferenças em termos de gravidade de entre o caso em que há um ilícito imputável a um automobilista

que conduz em animada conversa com os seus amigos e com algumas brincadeiras, equiparando

esta a uma situação de atropelamento em virtude de uma desatenção momentânea.

Negligência

Consciente

Inconsciente

Page 96: Resumos Teoria do Crime FDUNL

96

Reconhece no entanto este autor que a distinção de entre as duas modalidades de negligência pode

ter que ver com uma fixação precisa dos elementos psicológicos que enformam ambas- elementos

estes positivos ou negativos- que materializam a negligência como um todo, i.e., como uma

representação do resultado típico no âmbito da negligência consciente, e como ausência

dessa mesma representação na negligência inconsciente.

Esta distinção também é consagrada pela própria lei nos termos do art. 14/3 como subterfugio de

reforço da distinção de entre o dolo eventual e a negligência consciente.

Em termos de medida da pena, tudo dependerá das exigências de prevenção que mo caso concreto

se façam sentir e da gravidade da realização do tipo de ilícito e do tipo de culpa.

Para a Professora BÁRBARA SOUSA DE BRITO não existe relevância penal que possa estar

associada a casos em que o agente tenha atuado em sede de negligência inconsciente. Para a

professora, os vários princípios que enformam o Direito Penal, designadamente o princípio da culpa,

apontam no sentido de que a comportamentos negligentes e inconscientes não seja atribuída

nenhuma relevância jurídico-penal.

Estrutura dogmática do facto negligente

A estrutura dogmática é largamente imposta pelo anteriormente referenciado art. 15 CP.

Tipo de Ilícito

O tipo de ilícito de um facto negligente considera-se preenchido sempre que um

comportamento discrepa daquele que era devido em uma situação de perigo para bens

jurídicos penalmente relevantes, para deste modo se evitar uma violação juridicamente

proibida. O tipo de ilícito de um facto negligente não deixa assim, em caso algum, de se integrar na

produção de um resultado.

Por exemplo, o crime de Homicídio Negligente do art. 137 CP, não prescinde do resultado e da

afetação do bem jurídico vida.

Mas a negligência diz-nos, em sede de facto típico, que se torna indispensável ter havido por

parte do agente, a violação de um dever de cuidado que sobre ele impendia e que conduziu à

produção do resultado típico. Consequentemente, afirma também FIGUEIREDO DIAS, que o

próprio resultado deveria de ser previsível e expetável para o Homem Prodente, dotado das

capacidades que detém o Homem Médio pertencente à categoria intelectual e social, bem

como ao círculo de vida do agente. Esta posição do Professor FIGUEIREDO DIAS vai ser

contrariada pela Professora BÁRBARA SOUSA DE BRITO e também será desenvolvida já de

seguida.

Tipo de Culpa- INTRODUÇÃO

Somente quando o tipo de ilícito da conduta negligente se encontra preenchido se fará sentido

indagar o mandata geral de cuidado e previsão que o agente deve ter no caso concreto, de

acordo com as suas capacidades individuais, a sua inteligência e a sua formação, a sua

experiência de vida e a sua posição social consequentemente. Para o Professor, toda esta

indagação ultrapassa o nível da ilicitude e situa-se ao nível da culpa pelo facto negligente- também

aqui encontraremos, quando estudarmos a culpa, divergências para com a posição que nos será

apresentada pela Professora BÁRBARA SOUSA DE BRITO. Este tipo de culpa negligente vai ser

estudado posteriormente.

Page 97: Resumos Teoria do Crime FDUNL

97

O Tipo de Ilícito Negligente

A caraterística mais saliente de entre os tipos de ilícito negligentes, em contraposição com os ilícitos

dolosos, reside precisamente na diferença de entre a ação e o resultado. Mais precisamente, nem

todos os delitos negligentes têm forçosamente de assumir a forma de crimes de resultado,

antes podem também ser crimes formais ou de mera atividade. Enquanto nos crimes dolosos

a vontade do agente dirige-se ao resultado ou à realização integral do tipo, nos crimes

negligentes isso não acontece.

Por outro lado, devemos notar bem que a punição por um facto negligente pressupõe sempre a

realização típica integral do tipo, ou seja o facto negligente para ser punível tem que ser

consumado. A tentativa de um facto negligente, contrariamente àquilo que acontece nos

crimes dolosos, não só nunca pode ser punível, como não normativamente possível ou sequer

pensável, que possam subsumir neste caso a existência de delitos formais ou de mera atividade ou

mesmo de resultado. Por exemplo, se o sujeito A e o sujeito B conduzem os seus automóveis com

igual violação de cuidado devido e, por exemplo, porque ambos conduzem a uma velocidade

excessiva, o sujeito A fere o peão C enquanto que com o sujeito B nada se passa e tudo acaba por

correr bem- apesar de se ter confrontado com a possibilidade de embater contra o peão D. Nestas

circunstâncias, o sujeito A é então punido pelo crime de ofensas negligentes à integridade física de

C- salvo o disposto no art. 291- enquanto o sujeito B não incorrerá em qualquer responsabilidade

jurídico penal.

Portanto, nos crimes negligentes, o resultado não tem uma função somente limitadora, mas

também constitutiva do desvalor unitário do ilícito negligente: é a partir deste desvalor que

se compreende a finalidade da norma, mas também é a partir dele que se determina a medida

do cuidado devido. Em relação ao princípio da culpa, basta-nos para já fazer referência ao facto de

a punição pela negligência ser justificada e fundada num efetivo desvalor de ação e de

resultado. Em relação ao exemplo acime exposto, não é pelo facto de o sujeito A ser punido

enquanto azarento e pelo facto de o sujeito B sair imune enquanto felizardo que podemos dizer que

à uma subsunção injusta de estatuições ao caso concreto. Além de que esta solução para o exemplo

não deixa senão mais do que estar em conformidade para com o princípio da culpa: se toda a pena

supõe culpa, também devemos saber que nem toda a culpa determina a punição- caso do

comportamento do sujeito B.

O tipo de ilícito negligente como violação de um dever de cuidado

O tipo de ilícito por negligência, como vimos no art. 15, pressupõe a violação por parte do agente de

um dever de cuidado que sobre o próprio impendia. Fica assim próxima a ideia de que aquela

violação traduz o desvalor de ação- o conteúdo pessoal do ilícito- que é próprio do facto

negligente. Ao desvalor da ação tem de acrescer, como havíamos visto, o próprio resultado,

que se traduz em regra, na produção, causação e previsibilidade do evento típico e,

excecionalmente, na própria realização típica integral.

Violação do dever de cuidado e imputação objetiva

Crimes negligentes de resultado e crimes negligentes de mera atividade

Os delitos negligentes são, na esmagadora maioria dos casos, crimes de resultado-

homicídios, ofensas à integridade física, etc. Mas, por vezes, também podemos deparar-nos com

crimes de mera atividade, como acontece no caso do crime de condução de veículo em estado de

embriaguez- art. 292, bem como de vários tipos de crime constantes da “lei de infrações contra a

Page 98: Resumos Teoria do Crime FDUNL

98

economia”. Em tais casos não fará então sentido a afirmação de que o problema da tipicidade dos

crimes negligentes se confunde com a questão da imputação objetiva que nos crimes de mera

atividade nem sequer se suscita. Este argumento é reforçado no contexto, pelo teor literal do art.

15º CP: a negligência é aí apresentada, em qualquer das duas modalidades que assume,

conexionando a violação do cuidado objetivamente devido não com a produção do resultado,

mas sim com a “realização de um facto que preenche um tipo de crime”.

Numa palavra: nos crimes negligentes de mera atividade a violação de um dever de cuidado no

sentido de o agente dever prever e evitar a realização de um facto típico ganha autonomia teorético-

dogmática, sem prejuízo de ser exato que a questão prático-normativa é então a de saber que

medida de cuidado é verdadeiramente exigida.

Ainda no que toca aos crimes negligentes de resultado, já ENGISH afirmara: é verdade que a

violação do dever de cuidado não é um puro critério para que possa existir per si uma

imputação objetivo do resultado aos factos a priori negligentes, mas sim antes um momento

próprio conteúdo de toda a norma de comportamento. Para este autor, uma norma de ilicitude,

mais do que uma norma que procura evitar resultados, é uma norma de cuidado no relacionamento

interpessoal dos agentes.

Essência Ilícita típica do facto negligente

Na maior parte das vezes a punição por negligência surge sem que o legislador descreva o

facto a que corresponde, antes remetendo para a descrição respetiva punível a título de dolo-

se a conduta descrita a título de dolo for praticada negligentemente estatui-se, normalmente, nos

números seguintes, outro tipo de sanções. Por vezes também se renuncia acrescentar à violação

do cuidado devido elementos típicos adicionais. Mas também podem surgir elementos

caraterizadores do tipo de ilícito respetivo- art. 351 CP. Em todos estes casos não teria sentido a

redução da questão da essência do tipi de ilícito negligente à imputação objetiva de um resultado.

Violação do dever de cuidado: o que é isso?

Quando se fala da violação do dever de cuidado devido como elemento do tipo de ilícito negligente

quer-se designar, dito com maior exatidão, a violação de exigências de comportamento em geral

obrigatórias cujo cumprimento o direito requer, na situação concreta respetiva, para evitar

realizações não dolosas de um tipo objetivo de ilícito.

Critérios concretizadores do cuidado devido

Critério Generalizador- violação do dever objetivo de cuidado;

Critério Individualizador- violação do dever objetivo de cuidado no caso concreto;

Critério Generalizador

Segundo a corrente generalizadora, a determinação do dever de cuidado parece dever decorrer

do cuidado objetivamente devido, ou pelo também denominado dever de cuidado no tráfego- e

por isso há aqui um apelo às capacidades da observância do Homem-Médio. Isto significaria que

o critério definidor do tipo de ilícito negligente seria puramente objetivo, que não tem em conta

as capacidades pessoais do agente em concreto:

Page 99: Resumos Teoria do Crime FDUNL

99

Se as capacidades do agente se situarem abaixo das do Homem Médio, nem por isso a

realização do facto deixará de imputar-se à violação do dever de cuidado, tudo o mais só

poderá constituir uma situação de culpa negligente;

Se as capacidades do agente se situarem acima das do Homem Médio, a integração do tipo

de ilícito não deverá fazer apelo a exigências acrescidas de dever- nestes casos o tipo de

ilícito não será integrado desde que o agente, por muito acima do Homem Médio que se situe

no que toca às suas capacidades, tenha observado objetivamente o dever de cuidado devido.

Conformação: forma de distinção do dolo eventual para com a negligência consciente

O critério da conformação distingue dolo eventual e negligência consciente, i.e., a negligência

consciente caracteriza-se pela representação que o agente faz do facto típico como possível, mas

não se conforma com a sua realização. Em última análise recorremos à fórmula positiva de FRANK

de acordo com a qual se diz que o agente ao atuar pensou que independentemente do que acontecer

atua há dolo eventual, caso contrário há negligência consciente. No caso em concreto esta distinção

é difícil por isso FIGUEIREDO DIAS propõe uma terceira figura: temeridade – questão de iure

condendo.

Temos ainda a negligência inconsciente que se caracteriza pelo agente não representar a

realização do facto típico, mas tem possibilidade efetiva de representar essa realização. O que

caracteriza ao elemento fulcral para grande parte da doutrina é a cognoscibilidade individual da

realização do facto típico.

É fulcral responder há questão: quando há cognoscibilidade?

A negligência consciente faz a fronteira entre as ações que interessam ou não ao direito penal uma

vez que o direito penal só pune ações dolosas ou negligentes. A negligência estabelece um limite

mínimo entre o agente e o facto. Apesar de haver esta divisão que ajuda a perceber o crime, por

vezes em determinadas situações o elemento subjetivo é o primeiro a ser analisado, porque a ação

não é só o elemento objetivo, para grande parte da doutrina é composto por elementos objetivos e

subjetivos. Quando chegamos à tipicidade faz mais sentido começar pelo tipo subjetivo, porque a

tipicidade é um elemento incindível no sentido de que não se pode separar o objetivo do subjetivo,

só para analisar.

Critério de cognoscibilidade Teve ou não consciência de sinais objetivos de perigo?– teve consciência de algo que a

permitisse apresentar a representação da realização facto típico? Se sim, tinha possibilidade de

representar o facto típico.

Ex.: Homem vai a conduzir na estrada a alta velocidade e vê um sinal de aproximação de escola,

mas não abranda. Tem consciência de um sinal objetivo de típico que o pode fazer pensar numa

situação de perigo. Diferente é o caso do pai que se esquece do filho no carro, por estar em piloto

automático. Nunca teve consciência de nada que o pudesse fazer representar a realização do facto

típico.

Deve ter consciência ou possibilidade de ter consciência da ação, do perigo abstrato que

resulta da ação, do concreto que resulta da ação e da capacidade de o evitar.

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Ex.: No caso da mulher que põe o filho na água a ferver para o salvar do raquitismo, têm consciência

de algo mas não do perigo concreto da sua ação e por isso não há a cognoscibilidade da realização

do facto típico. Deve adotar-se um critério objetivo ou deve adotar-se um critério individual na análise

do crime negligente.

Críticas à Doutrina generalizadora

Tem-se considerado que esta doutrina vai demasiado longe nuns casos, enquanto noutro

permanece aquém do que é devido.

Diz-se que vai demasiado longe quando se defende que realiza um tipo de ilícito negligente o

condutor de automóvel que provoca um acidente evitável para a generalidade das pessoas, mas que

a ele lhe era pessoalmente impossível evitar: o direito só pode exigir de cada um aquilo que cada um

pode prestar. Fica-se aquém do que é devido quando se nega a realização de um tipo negligente por

um cirurgião magistral, que domina uma técnica altamente sofisticada só ao alcance de alguns, mas

não a usa em um certo paciente, cuja operação decorre apenas de acordo com as capacidades de

um cirurgião- médio e em consequência de que o paciente acabaria por falecer. No primeiro caso a

realização do facto típico negligente deveria de ser negada, ao passo que no segundo caso a mesma

deveria de ser afirmada.

Doutrina da Individualização

O critério definidor da violação do dever de cuidado seria por, na negligência, um critério

individualizador ou individual.

Problemas do critério individualizador apontados por alguns autores

O critério individualizador põe em causa o carácter geral e abstrato das normas jurídicas.

Contra este argumento podemos dizer que se está a confundir o âmbito da norma com a sua

concretização. Ou seja, o critério individualizador não deixa de ser geral e abstrato e por isso

quando se aplica carácter individual na análise da negligência não se retira o caracter geral e

objetivo à norma.

O critério individualizador põe em causa o carácter de orientação da norma e dessa

forma põe em causa a prevenção geral. Mais uma vez, a crítica é que se está a

confundir âmbito da norma com concretização da mesma. Não é pelo facto de se ter em

conta as capacidades pessoais ao nível da concretização da norma, que o comando

deixa de ser geral e abstrato, e como tal, estabelece padrões e serve de orientação para

comportamentos. Ou seja, olhando para o âmbito da norma esta abrange o que é

cognoscível pelo mais sábio dos homens, mas quando a concretizo, aplico, o que me

interessa é saber se a pessoa em concreto tinha a possibilidade de conhecer e por isso

há diferença entre âmbito da norma e concretização e não é pelo facto de ao concretizar

ter em conta carácter individual que abandono carácter geral e abstrato, mas quando se

concretiza tem que ter em conta este objeto.

Impede a clara distinção entre ilícito e culpa. Ao utilizar critério individualizador na análise

da negligência contribui-se para a confusão entre ilícito e a culpa. A professora diz que o critério

individualizador não impede a distinção entre ilícito e culpa porque na ilicitude continuamos a

analisar o poder de evitar o risco e na culpa analisa-se a capacidade do autor de se determinar

Page 101: Resumos Teoria do Crime FDUNL

101

pelo direito. Nomeadamente FIGUEIREDO DIAS ao analisar os elementos da negligência

consciente, analisa os elementos individuais na culpa e quebra a unidade de conceitos de

negligência e culpa que deve haver nos conceitos. Quer nos crimes dolosos e negligentes a

distinção entre ilicitude e culpa deve ser a mesma. Na ilicitude é o desvalor que cai sobre o

agente e na culpa analisa-se a capacidade de se motivar ou não pelo direito.

Quem defende a individualização das exigências de cuidado tem de perceber que a

aplicação de uma individualização levaria a que o especialmente capaz estivesse

sempre obrigado a prestações máximas, levaria também a que a pessoa quisesse

deixar de adquirir essas capacidades sob pena de ser punido mais facilmente. A critica diz

que o esforço exigido não deixa de corresponder à sua capacidade. Ter em conta estas

capacidades significa ter em conta as capacidades que uma situação em concreto permite

usar, e como diz STRATEVERT não há razão para o cirurgião especialmente capaz não

possa aplicar o que sabe a mais do que o normal, pois isto implicaria sacrifício

desnecessário dos bens jurídicos.

Para FIGUEIREDO DIAS, as capacidades inferiores do agente não podem relevar logo ao

nível do tipo de ilícito negligente, no sentido de excluir a tipicidade da conduta, mas só devem

ser consideradas ao nível do tipo de culpa negligente. Para este autor, capacidades pessoais

superiores do agente já devem ser consideradas no sentido de poderem fundar o tipo de ilícito

de negligência.

As capacidades inferiores à média não podem relevar no sentido de excluir a tipicidade do

facto negligente, antes só devem relevar ao nível da culpa. São razões:

(a) Outra solução significaria um inadmissível esvaziamento do relevo da negligência a nível

da culpa, que assim ficaria reduzida ao “puro juízo de censura” típico da doutrina ortodoxa da

ação final: ao puro juízo de censura do qual faria parte a imputabilidade, a consciência potencial

do ilícito, a exigibilidade, etc.

(b) Neste âmbito a punição do agente deixaria de ter qualquer conteúdo ou substância

material, pelo que estaríamos perante uma violação do princípio da culpa, princípio este

que enforma toda a ciência jurídico-penal;

(c) Não temos como certo que a norma de ilicitude se dirige àqueles que não estão em condições

pessoais de a cumprir, ou seja, que a norma possa ser entendida como puramente

individualizadora;

(d) Seria insustentável aceitar que o comportamento violador do dever de cuidado daquele

que não se encontre em condições pessoais de o cumprir pudesse ser considerado lícito

e contra ele não pudesse, consequentemente, ser exercida, uma ação defensiva ou que não

fosse legítimo aplicar-lhe, em estado de perigosidade, uma medida de segurança.

De todo o modo, o Direito não poderia exigir de cada um se não aquilo que cada um estaria em

condições de prestar.

Para FIGUEIREDO DIAS, uma conceção puramente individualizadora deixaria de proteger

a força normativa que ao Direito deve ser conferida, bem como os bens jurídicos que este

Page 102: Resumos Teoria do Crime FDUNL

102

deve tutelar- o efeito de proteção dos bens jurídicos deve existir através de uma ética de

responsabilidade conatural à justiça social, à vida comunitária.

Por outro lado, afirma este autor que a não utilização das capacidades especiais ou superiores

à média não pode deixar de conduzir à afirmação da tipicidade do facto negligente, mesmo

quando se não revele violado o dever objetivo de cuidado- i.e., adequado às capacidades do Homem

Médio. Seria incompreensível e inaceitável que se não imputasse um comportamento tipicamente

negligente ao cirurgião magistral, que por estar com pressa, deixa morrer um paciente seu na sala

de operações por ter apenas utilizado técnicas cirúrgicas que correspondiam apenas ao cidadão

médio. Portanto, em tema de imputação objetiva do facto ao agente, é já aceite o facto de o

juízo de prognose póstuma ser efetivamente relevante para o estabelecimento do nexo de

imputação- ou seja o observador ex ante deve entrar em consideração com os conhecimentos

especiais do agente.

Considera por isso FIGUEIREDO DIAS que ROXIN tem plena razão ao afirmar: “Porque é o que vale

para o conhecimento especial não deveria de ser igualmente válido para a capacidade especial?”

É decerto compreensível a objeção de que agente dotado de capacidades especiais nem

sempre estará em condições de prestar ou não lhe será sempre exigível que esteja disponível

para um desempenho ou rendimentos máximos. Mas isso releva precisamente na circunstância

de se individualizar o critério do dever de cuidado relativamente a pessoas dotadas de capacidades

especiais- as suas capacidades especiais não apagam ou eliminam a questão da culpa

negligente ou sequer a ela se sobrepõe.

Pode então afirmar-se que o tipo de ilícito negligente é eminentemente ou exclusivamente

objetivo, como é objetivo o dever de cuidado que o constitui. Como sublinha PAULA RIBERO

DE FARIA: “uma coisa é a regra e a sua objetividade, outra coisa é a sua violação e os critérios

utilizados para definir essa violação”.

Posição da Professora Bárbara- devemos adotar o critério individualizador

Quando tentamos saber se é ou não cognoscível interessa saber se o é para o homem médio ou

para o agente em concreto? De acordo coma opinião de BÁRBARA SOUSA BRITO há 3 ordens de

razão para defender um critério individual na análise da negligência:

Diz que ao adotar o critério generalizador, na análise da negligência não traz qualquer vantagem. O

objetivo é o que recorre ao cuidado médio e implica a determinação de modelos médios de conduta.

É mais difícil determinar o que é cuidado médio do que aplicar critério individual. Ao não adotar

critério individual corre-se o risco de transformar crimes negligentes de resultado em crimes

de perigo abstrato. Se de acordo com o critério objetivo só quero saber se o homem médio no caso

podia prever a realização do facto típico e não a pessoa em concreto, puno pessoa que não tinha

essa possibilidade quando o dolo dela não podia.

De acordo com o critério generalizador que analisa o cuidado exigido ao nível do cuidado

médio - por exemplo, na cognoscibilidade interessa a que o homem médio teria - nas situações em

que o agente em concreto não tinha possibilidade de prever a realização do facto típico, mas

o homem médio tinha, este é punido pelo crime quando na verdade não tinha possibilidade

de o prever.

Nos de resultado para o crime estar preenchido tem que em concreto prever a realização do facto.

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Exemplo:.

Para punir alguém por homicídio negligente tenho que provar que a pessoa podia prever a morte de

alguém em concreto. Se ao invés de se exigir cognoscibilidade do homem em concreto pedir do

homem médio, poderia acontecer que o homem em concreto não pudesse prever a morte, mas o

médio sim e por isso, para ser punido, escusava de ter possibilidade de em concreto prever a morte,

bastava prever abstratamente a ação perigosa. Só tem dolo o crime abstrato, mas vai ser punido

por crime de resultado. FIGUEIREDO DIAS defende uma tese generalizadora- é obrigado, para

isso, a fazer círculos de trafego dentro do princípio generalizador, ou seja, para o aplicar vai faze rum

conjunto de tipos para aplicar esse critério. “homens médios médicos com especialidade em x”, cria

série de critérios concretizadores do generalizador e isso significa concessão implícita a tese

individualizadora.

Fontes concretizadoras do dever de cuidada, sua função e seu alcance

O dever de cuidado como elemento integrante do tipo de ilícito negligente possui, ele próprio,

elementos específicos típicos: do que se trata aqui é da violação de normas de cuidado que

servem concreta e especificamente o tipo ilícito respetivo, não da observância geral do

cuidado que com toda a pessoa deve comportar-se no seu relacionamento interpessoal e

comunitário.

Normas jurídicas de comportamento existentes

Estas normas jurídicas de comportamento são gerais e abstratas, contidas em leis ou em

regulamentos, podem ser individuais e integrar ordens ou prescrições da autoridade competente,

dizendo respeito a matéria jurídica de caráter penal ou de qualquer outra natureza.

Normas escritas, profissionais e do tráfego, correntes em certos domínios de atividade

Trata-se de normas escritas de comportamento não jurídicas, fixadas ou aceites por certos âmbitos

ou atividades destinadas a conformá-las dentro de padrões de qualidade, procurando ao mesmo

tempo evitar a concretização de perigos para bens jurídicos que de tais atividades possam resultar-

por exemplo, normas relativas ao funcionamento da atividade médica, dos enfermeiros, soldados,

desportistas, caçadores, etc..

A concretização das normas de cuidado objetivo será tanto mais difícil quanto mais faltarem

disposições escritas, jurídicas ou não, reguladoras da atividade respetiva. Então, torna-se

indispensável o apelo a costumes profissionais comuns ao profissional prudente- ao profissional

padrão, e na sua falta impõe-se o recurso direto ao cuidado imposto pelo concreto comportamento

socialmente adequado no tráfico. Isto releva para determinadas atividades profissionais como

babysitting ou trabalho doméstico. Já ARMIN KAUFMANN denominou este fenómeno por

“personificação da ordem jurídica na concreta situação”- figura padrão cabida ao caso.

Para a Professora Bárbara, os próprios do Direito Penal apontam para a adoção de um critério

individualizador:

Princípios fundamentais do direito penal em última análise exigem um critério individual:

Desde logo o princípio da culpa. Decorre deste princípio que só se possa ser punido quando

se atua no âmbito da sua liberdade e autonomia. Só se atua no âmbito da liberdade e

autonomia se se poder evitar individualmente determinado facto e não se o homem médio

podia ter evitado a realização do facto. O que interessa é que aquela pessoa em concreto

Page 104: Resumos Teoria do Crime FDUNL

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podia ter evitado a realização do facto típico pois só aí se pode dizer que atuou no âmbito da

sua liberdade e autonomia;

Para o princípio da necessidade da pena, esta só é necessária tendo como fim a proteção

de bens jurídicos e esta, em direito penal, faz-se pela prevenção. Só se pode prevenir

comportamentos controláveis, evitáveis pelo sujeito em concreto- não posso previr os que

não o são;

Em último temos o princípio da igualdade, também muito importante, que impõe a adoção

de um critério individual na análise da ilicitude pois só dessa forma se trata igual o que é igual

e diferente o que é diferente.

Função Indiciária

Tudo o que acaba de ser dito pode ser conexionado nos crimes negligentes de resultado com as

regras de imputação objetiva que foram expostas a propósito dos delitos dolosos e que aqui devem

valer completamente: a violação de um dever de cuidado só pode ser imputada a quem, com

ela, criou um risco não permitido que se concretizou no resultado típico. Mas ao nível da

negligência é viável proibir todo o comportamento perigoso para bens jurídicos penalmente

protegidos. A concretização das regras de cuidado resultantes das fontes que acabaram de ser

referidas tem precisamente a função e o significado de precisar a medida do risco aqui

permitido. Por isso, desde logo, não podem ser proibidos riscos atinentes a resultados típicos

que, segundo a experiência geral ou o especial conhecimento do agente, sejam imprevisíveis

ou inevitáveis- os termos da doutrina da adequação devem então neste âmbito ser

completamente adequados.

Urge, por outro lado, ter em conta que a violação de normas de cuidado constituirá um indicio

por excelência de uma contraditoriedade ao dever de cuidado tipicamente relevante, mas não

pode em caso algum fundamentá-la definitivamente, provenha este dever de uma norma jurídica

ou não ou até mesmo da aplicação de um critério padrão: quando um perigo típico pressuposto

pela norma de cuidado falte excecionalmente, em virtude da especial configuração do caso

concreto, não pode um tal comportamento ser considerado como violador do dever de

cuidado. Nas palavras de ROXIN, aquilo que em abstrato é perigoso, pode deixar de o ser no caso

concreto.

Vejamos: um condutor fura a luz vermelha do semáforo num cruzamento em condições de plena

visibilidade e quando as vias estão desertas. Neste caso, não preenche o tipo ilícito de ofensas à

integridade física se por força de óleo derramado na estrada perder o controlo do veículo e ferir dois

transeuntes que conversam placidamente no passeio.

Inversamente, pode excecionalmente divisar-se uma violação do dever de cuidado devido em casos

em que foram observadas todas as normas legais, corporativas ou correntes de tráfego e, todavia, o

conhecimento ou a suspeita fundada de um perigo não considerado por aquelas obrigue a cuidados

acrescidos. Assim, por exemplo, no caso de obras de construção em que são usados explosivos, o

respeito pelos limites legais existentes da intensidade das explosões poderá não ser suficiente para

acautelar o perigo que delas pode advir para casas antigas que se situem nas proximidades. É ainda

excecional a situação em que o doente obriga os profissionais de saúde a tomarem cuidados

acrescidos mesmo relativamente aos que resultam de um protocolo médico em vigor. Todavia, em

casos como estes, sempre que hajam danos para os bens jurídicos, é preciso ainda considerar que

houve culpa negligente por parte do agente.

Page 105: Resumos Teoria do Crime FDUNL

105

Às normas técnicas não é atribuído o mesmo relevo indiciador que é conferido às normas

jurídicas uma vez que estas podem ter na sua base interesses meramente corporativos ainda antes

dos fins de proteção e tutela dos bens jurídicos. No entanto, devemos no entanto reconhecer que

as normas técnicas enformam uma importante componente dissuasora, no sentido de que o

seu âmbito de aplicação é tendencialmente maior do que o campo de aplicação das normas

jurídicas.

FIGUEIREDO DIAS: aquilo que de um ponto de vista abstrato e teorético serve de critério da

violação do dever de cuidado é a não correspondência do comportamento àquele, que, em

idêntica situação, teria um Homem Fiel com valores protegidos, prudente e consciencioso.

Isto conduz diretamente a que este modelo seja diferenciado de acordo com o círculo de atividades

em causa. O que pode ser turno terá de ser colocado em conexão com o comportamento levado a

cabo, com a perigosidade da atividade, com a hierarquia do bem jurídico atingido, com a frequência

da violação, com o valor e aceitabilidade sociais do comportamento.

Em muitos casos deverá então concluir-se que apesar da violação da norma de cuidado, a

conduta se manteve ainda dentro do âmbito do risco permitido e se não pode comprovar, por

falta de imputação objetiva, uma realização típica negligente.

Análise acórdão do tribunal da relação do porto: Processo 04432/97

Sumário: O arguido com um pau desferiu um golpe, para atingir determinada pessoa, e, porque esta

se desviou, atingiu outra, causando-lhe um ferimento que determinou 10 dias de doença. Cometeu

um crime de ofensa à integridade física simples do artigo 143º do Código Penal de 1995, e não um

crime de ofensa à integridade física por negligência do artigo 148.º

Erro sobre a execução – representou bem o objeto, mas quando realizou a conduta errou. Quando

há erro sobre o objeto falta um elemento do tipo: objeto que o agente representou aplica-se por isso

o artigo 16º/1. O legislador diz que se exclui o dolo porque não representou morte de uma pessoa,

mas de um animal, o caso do veado. Neste caso não se trata de erro sobre o objeto porque houve

uma correta representação do objeto, porém a execução correu mal. No erro sobre execução

pretende atingir-se determinado objeto, mas por execução defeituosa acerta em outro objeto, no erro

sobre o objeto acerta sobre o objeto, mas não que representou.

Nesta questão de aberratio ictus acerta num objeto diferente do pretendido – execução defeituosa.

A mulher vai ser punida por crime negligente (ofensa à integridade física negligente) em relação à

pessoa atingida e tentativa do que falhou. Para a maior parte da doutrina é punido em concurso por

tentativa do crime que tentou realizar e ofensa à integridade física negligente da outra pessoa.

Decisão: Em relação ao C não sabemos se houve representação por isso não faz sentido ser punido

apenas por ofensa à integridade física dolosa. Autores como LEAL-HENRIQUES e SIMAS SANTOS

defendem eu nas situações de aberratio, quando se trata do mesmo crime, apesar dos objetos

diferentes pune-se por crime de ofensa à integridade física dolosa apenas.

Não estamos perante um erro sobre o objeto, dado que o agente representou corretamente o objeto só que correu mal a execução. Por isso, é um erro sobre a execução: a arguida pretendia atingir determinado objeto, mas por falha, por execução defeituosa, a pessoa acerta noutro objeto. Pelo contrário, no erro sobre o objeto, a pessoa acerta no objeto que queria acertar, mas representou-o mal. A arguida vai ser punida em concurso real pelo crime de ofensa à integridade física negligente de C e por tentativa de ofensa à integridade física de D. Todavia, os juízes consideraram que a arguida devia ser punida pelo crime doloso de ofensa à integridade física de C. Uma parte da doutrina

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(Leal-Henriques e Simas Santos) defende que no caso de erro sobre a execução, tratando-se apenas de objetos diferentes, vai-se ser punido apenas pelo crime na forma dolosa. Contudo, esta posição é minoritária.

Casos Práticos

Caso Prático 5 A e B são casados. Certo dia, ao chegar a casa, A constatou que B se encontrava deitado no chão a esvair-se em sangue, presumivelmente por ter caído e batido com a cabeça na esquina de uma mesa. Decidiu que não a ajudaria, voltando imediatamente a sair. Pouco depois de ter saído chegou C, empregada doméstica, que ligou para o posto médico da aldeia solicitando a presença de D, o médico de serviço. Aconteceu, porém, que este se encontrava profundamente embriagado, consequência do regado almoço que acabara de saborear, não estando sequer em condições de se suster em pé. Foi por isso solicitada a presença do médico da aldeia mais próxima, que devido à distancia e mau estado das estradas chegou tarde de mais. Analise até ao momento da tipicidade os comportamentos de A e D. Omissões impuras (131º + 10º) – aqui em causa está o crime de homicídio por omissão. Há ação jurídico-penalmente relevante - controlada ou controlável pela ação? Sim, o seu comportamento é doloso e está dominado pela vontade. Neste caso é uma omissão, ao nível do tipo é importante porque ele não diminui um perigo, já existe. É importante vermos o artigo 10º/2. Havia dever de ajuda de A a B. Nem todos podem ser punidos pelo crime de omissão, só o pode ser quem tem especial dever de agir, existem 2 critérios para aferir: (1) formal, (2) material. De acordo com o primeiro as fontes do dever de agir são a lei, contrato e ingerência; adota-se em principio o material porque o formal não chega. Tinha especial dever de agir devido ao casamento com B, deriva de solidariedade natural apoiada no vínculo jurídico. No tipo de homicídio por omissão só se preenche se o agente tem especial dever de agir; mas falta provar que preencheu este tipo, apenas provamos que tem especial dever de agir. Quais os outros elementos do tipo que tem que preencher para se pode imputar o crime de homicídio por omissão? Temos o agente, a ação que empreende é típica porque pode conduzir à morte, há objeto da ação – mulher – o bem jurídico vida, o resultado morte. Falta ver há imputação dor resultado à conduta do agente – eliminando a ação do marido o resultado subsiste nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar? Há causalidade de acordo com a teoria conditio sine qua non. De acordo com a teoria da causalidade adequada terá possibilidade de prever o resultado segundo aquele processo causal? Se calhar não. Mesmo chegando à conclusão que fosse possível, tínhamos que ter em conta a teoria do risco, ao não agir não diminui o risco, mas isto chega? Tem que haver concretização do risco criado no resultado obtido; neste caso há interrupção do processo causal. É preciso que o risco do marido se concretize no resultado. Houve interposição de um risco proibido criado pelo médico embriagado e é esse risco que se concretiza no resultado. Não há imputação objetiva da morte da mulher ao marido. Mas ele atuou com dolo logo o marido era punido pela tentativa do crime de homicídio – não há imputação objetiva da conduta ao resultado. O momento relevante é o médico beber sabendo que está de serviço; tem dever de assistência que advinha de uma assunção natural de deveres, ser médico. Tínhamos que indicar todos os elementos objetivos para chegar à conclusão se havia ou não imputação objetiva. Há imputação objetiva porque a não diminuição do risco concretiza-se no

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resultado. Podíamos discutir ainda se houve dolo ou negligencia no comportamento do médico. Ele tinha possibilidade de prever que há necessidade de alguém ferido precisar dele.

Caso Prático 6 A e B discutem irritadamente. A certa altura, A decide por fim à discussão, apontando uma pistola ao peito de B. No momento em que este dispara, C que estava ao lado de A empurra a sua mão e com isso consegue que o projétil só acerte nos intestinos em vez de acertar no peito de B. Este é transportado de urgência para o hospital constatando-se aí que só sofrera uma perfuração traumática do intestino. Suponha alternadamente as seguintes sub-hipóteses.

1. B morre logo após chegar ao hospital, todavia, na autópsia constata-se que sofria de um cancro em estado avançado que lhe provocaria a morte em escasso tempo.

Quanto à conduta de A:

Relativamente ao A existe uma relação jurídico-penalmente relevante. Temos que escolher um tipo, e começamos pelo elemento subjetivo: existe dolo porque o agente representou e quis realizar o facto típico e por isso temos dolo direto previsto no artigo 14º/1. Elementos do tipo de ilícito: agente – A, objeto – B, ação típica – 131º, bem jurídico – vida e resultado – morte. Sendo um crime de resultado temos que ver a imputação da ação ao resultado. Imputação objetiva do resultado morte de B à conduta do agente A. Teríamos que recorrer à teoria da conditio si ne quo non – face a esta teoria há causalidade porque se eliminarmos mentalmente a ação do A, o resultado desaparece tal como se produziu e eliminando o antecedente desaparece; o consequente é porque a ação foi causal. Teoria da adequação – verificam-se os requisitos porque o homem médio na posição do agente podia prever o resultado de morte como possível perante a ação que realizou segundo aquele processo causal. Se A dispara sobre B, a pessoa normal podia prever o resultado morte de A. Teoria do risco – A cria risco que se concretizou no resultado. Neste caso não actuava a figura ou critério de comportamento lícito alternativo porque aqui a pergunta é: o resultado verifica-se nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar? Não, morria uns dias mais tarde devido a outra causa - a causa virtual não tem relevância. O facto de se provar que tem cancro em estado avançado não tem nada que ver com uma ação que levou à morte. Nesta sub-hipótese estava preenchido o tipo de ilícito do 131º do código penal em relação ao A. Quanto à conduta de C: 5 SILVA DIAS diria que ação de C é uma ação adequada socialmente, é uma espécie de ação de salvamento pelo que não tem qualquer relevância a nível jurídico-penal, através do conceito de ação, não adoptando este conceito de ação. Eliminando a ação do C o resultado permanece nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar? Não, logo há causalidade. De acordo com a teoria da causalidade adequada ele podia prever aquele resultado segundo aquele processo causal, foi com esse propósito que lhe baixou a mão. De acordo com a causalidade adequada há imputação objetiva, é previsível aquele resultado segundo aquele processo causal; face à teoria do risco não há imputação objetiva porque seria preciso criar aumentar ou não diminuir o risco, pelo que neste caso ao diminuir o risco, aplicando a primeira parte da teoria do risco afasta-se a imputação objetiva. Por parte do C, não havendo criação de um risco não há intenção, mas é previsível que não consiga afastar de todo o projétil – representa como possível aquele resultado.

5 Devemos passar sempre pela teoria da causalidade.

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Podíamos discutir dolo eventual ou negligência consciente. O problema passa por saber se se conforma ou não. Como resolvíamos ao nível da imputação objetiva afastávamos a responsabilidade criminal e por isso não seria necessário analisar a imputação subjetiva. De propósito baixa o braço para não acertar no peito logo não se pode aplicar a teoria da causalidade adequada. O tipo subjetivo continua a ser relevante, porque se concluirmos que actuou com dolo eventual poderá eventualmente ser punido por tentativa do crime de homicídio ou ofensa à integridade física consoante o resultado que previu. Colocando-se este problema é uma razão para decidirmos pela negligência e adoptar a posição de SILVA DIAS resolvendo o problema ao nível da ação. O motivo é forte e pela motivação teríamos que optar pela negligência consciente. O dolo bastasse com a representação da morte e conformação. Podemos dizer que há dolo eventual quanto à ofensa à integridade física e ser punido por tentativa, mas é injusto, devíamos seguir a posição de SILVA DIAS e não punir de todo. A solução que nos é dada vai de acordo com a opinião que a pessoa adopta e por isso podíamos optar, em relação ao C, em vez de haver representação da morte haver apenas de ofensa à integridade física. Optando por ir buscar o tipo do homicídio e depois ofensa tínhamos concurso aparente e chegando à posição de ser punido por tentativa seria apenas relativamente a ofensa. Podíamos ainda considerar que não tem possibilidade de controlar a ação, estando enquadrado nos milésimos de segundo de Libet. Síntese:

1. Analisar responsabilidade criminal de A – exclui-se a causa virtual antecipar o resultado morte há que intervir penalmente na situação.

2. Há ação jurídico penalmente relevante porque é uma ação controlado pela vontade, uma vez que é dolosa.

3. Averiguamos a tipicidade, de acordo com este elegemos um tipo: A não é duvida que se trata do 131º. Consigo subsumir a ação do A no 131º?

4. Elementos objetivos: há agente, ação típica, objeto da ação, bem jurídico, resultado morte. Sendo de resultado, posso ou não imputar o resultado à conduta de A?

5. Causalidade – se eliminar mentalmente a ação subsiste o resultado? Não, é causal.

6. Causalidade adequada – há ou não atribuição de causalidade à conduta do agente? Colocando o homem médio na posição do agente há risco – criou risco proibido e esse concretizou-se no resultado.

7. Elementos subjetivos- havia dolo porque tinha intenção de matar. Elemento cognitivo e volitivo verificado.

8. Qual a modalidade? Directo, representa e tem intenção de matar.

9. Punido por crime de homicídio doloso, o tipo do 131º está preenchido.

10. Operado de urgência, B veio, todavia, a falecer dois dias mais tarde em consequência de uma infeção intestinal.

Considerando verificada a teoria da condição, passando para a adequação é previsível aquele resultado segundo aquele processo causal? O problema era o facto de ter morrido por infeção e o problema estava ao nível da imputação objetiva. Há ou não imputação da morte de Bento ao António, sabendo que morreu devido a infeção intestinal? Temos que averiguar se há interrupção do processo causal. Há um risco novo proibido que se interpõe e faz com que o risco criado pelo António não se concretize no resultado. Parte da doutrina,

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TERESA SERRA inclusive, dizem que é tao comum haver infeções hospitalares que, de acordo com adequação é previsível que a pessoa não morra do disparo, mas sim de uma infeção. Para a BÁRBARA SOUSA BRITO temos que nos apoiar na teoria do risco e de acordo com esta importa saber se foi criado um risco proibido que interrompeu o processo causal iniciado por António. Tudo depende da conduta do médico e do hospital. Se obedeceu a regras de cuidado, atuou como o homem médio nessa posição, tudo aconteceu de acordo com normalidade não há interrupção do processo causal, porém, se o hospital não obedeceu às regras de higiene necessárias para evitar infeções hospitalares, interpõem-se um novo risco que interrompe o processo causal. Não é o risco do António que se concretiza no resultado morte, mas o risco do hospital. Para haver interrupção tinha que haver novo risco proibido que se concretize no resultado e interrompia o risco causado por António. Este seria punido por tentativa, chegando à conclusão que havia novo risco que se concretizou no resultado. Havia interrupção do processo causal, não havia imputação do resultado morte a António, mas como actuou com dolo preenche o tipo da tentativa do crime de homicídio. Para termos isto temos que conjugar o artigo 131º com o 22º do CP.

11. D, esposa de B, que se encontrava no local da discussão e sofre do coração, ao ver o desenrolar dos acontecimentos sofre de ataque cardíaco vindo também a falecer.

Em relação à morte de D verifica-se negligência, eventualmente. Mas se não houver não há ação jurídico penalmente relevante. Quanto aos subjetivos não há dolo. Havia negligência apenas podendo representar que a mulher sofria do coração, era preciso saber e representa-lo naquele momento. Se não sabe que ela sofre do coração não pode representar a realidade: não há dolo nem negligência. Chegando a conclusão que esposa não é objeto, não há ação. Pode-se ou não imputar a morte a António? Trata-se de um problema de imputação objetiva e de acordo com a teoria da condição há causalidade. Eliminando mentalmente a ação de A o resultado morte da esposa de B desaparece tal como se produziu. De acordo com causalidade adequada, colocando o homem médio na posição do agente era possível aquele resultado segundo aquele processo causal? Não, não tem presente que sofre do coração, mas se tem podia prever. Teoria do risco – criou o risco ao disparar sobre B e o facto de ter disparado sobre este fez com que houvesse concretização do risco na morte de D. Há concretização do risco criado pelo A? O risco proibido não é sobre D. Podia pôr-se em causa a concretização do risco do resultado - conexão risco de A e resultado obtido. Mesmo dizendo que o risco criado não foi este, tínhamos que aplicar o critério da esfera da proteção da norma. Esta visa abarcar apenas os resultados diretos que resultam da conduta e não os indiretos, não se dirige à ação negligente.

Caso Prático 7

A e B discutem irritadamente a certa altura A decide por fim à discussão apontando uma pistola ao peito de B , nesse momento C que estava ao lado de A, empurra a mão de A e com isso consegue que o projétil só acerte nos intestinos em vez de acertar no peito de B . B é transportado de urgência para o hospital constando que só sofrera uma perfuração traumática do intestino. Suponha alternadamente as seguintes sub hipóteses:

1. B morre logo após ter chegado ao hospital todavia na autopsia constava-se que sofria de um cancro em estado avançado que provocaria a morte em escasso tempo.

Estamos perante uma acção juridicamente relevante, no que concerne ao A. O tipo de ilícito é do art. 131ºCP. Existe desde logo uma necessidade de optar por um tipo. Falamos em tipo para subsumir. Tínhamos de fazer uma subsunção a um tipo de crime.

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(O prof Silva Dias resolveria este caso dizendo que a acção de C é uma acção adequada socialmente, é uma espécie de acção de salvamento. E por isso não há acção juridicamente relevante, pelo que nem sequer analisaríamos o crime, porque excluímos desde logo a relevância jurídico-penal. Mas a prof discorda e exclui neste caso o conceito social de acção. Porque depois aí diríamos que não havia tipo de ilícito. Aplicando essas teorias, teríamos de dizer que há causalidade: eliminado a acção do C, mentalmente, o resultado não permanece nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar. Pelo que assim iria haver causalidade. Ele poderia prever aquele processo causal: e foi exatamente por isso que ele lhe baixou a mão. Era previsível aquele resultado, segundo aquele processo causal, de acordo com um homem médio.) Teríamos de analisar os vários elementos do crime, no que concerne ao A. O elemento subjectivo do tipo é o dolo, em conformidade com o art. 131ºCP: só há homicídio na forma dolosa. A tinha intenção de matar. No caso de estarmos perante um homicídio negligente não poderíamos falar do art. 131º, mas apenas do art. 137º CP. O agente representou e quis realizar o facto típico (intenção), pelo que estamos perante a modalidade de dolo directo (art. 14ºnº1 CP). No que concerne aos elementos cognitivos do tipo de ilícito existe:

1. Um agente (que é o A), 2. O objecto da acção (B), 3. Uma acção típica (acção descrita no art. 131ºCP), 4. Um bem jurídico (que é a vida), e 5. Um resultado produzido (foi a morte - crime de resultado).

O problema que se coloca neste caso é um problema de imputação objectiva do resultado à conduta do agente: há ou não imputação objectiva do resultado da morte de B à conduta de A? Em primeiro lugar teríamos de analisar a teoria sine qua non. Aplicando esta teoria, há claramente causalidade. Porque se eliminarmos mentalmente a acção do A, o resultado desaparece, tal e qual como se produziu. Eliminando o antecedente, desaparece o consequente, é porque aquela acção foi causal. O resultado não subsistiria. Esta teoria sofreu uma evolução dessa conduta, pelo que teríamos sempre de perguntar se o resultado subsistiria nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar. E neste caso, a conduta de C não se manteriam: ele baixou o braço propositadamente. Depois iríamos averiguar se estaríamos perante a teoria da adequação e a teoria do risco. A teoria da adequação poderia aplicar-se porque um homem médio, na posição do agente, poderia assumir como provável a morte do agente, tal como realizada a acção. Teríamos de colocar o homem médio na posição do agente e pergunta-se ao homem médio se era previsível aquele resultado (morte), mas era também necessário que fosse previsível que o resultado morte fosse previsível de acordo com aquele processo causal em concreto. Segundo o processo causal, era previsível, pois A dispara sobre B. A morte produziu-se exactamente em consequência do tiro e daí estar preenchido o processo causal, ainda que ele depois venha a morrer pelo empurrão no hospital, e não de forma imediata. De acordo com a teoria do risco, é necessário que o agente cria, não aumenta e não diminua e que haja a criação de um risco provocado pela acção, concretizada pelo resultado. A questão em causa é se o resultado se teria produzido nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar. E neste caso não. Ele morria uns dias mais tarde, devido a outra causa. A causa virtual em DP não tem DP. O facto de se provar que a pessoa tinha um cancro em estado avançado, não interfere com o facto de ter havido uma acção que antecipou o comportamento da morte. O comportamento do agente alterou as circunstâncias de tempo, modo e lugar. Não há imputação objetiva: ele diminui o risco. E por isso, desde logo, aplicando a primeira parte da teoria do risco, afasta-se a imputação objetiva. Nota: Ao baixar-lhe o braço, ele representa como possível aquele resultado ou não? Poderíamos discutir se havia dolo eventual ou negligência consciente. Mas resolvendo desde logo a imputação

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objetiva, excluindo a responsabilidade criminal, escusávamos de vir aqui. Começámos por determinar a resolução do problema apenas pela imputação objetiva, determinando que, por C ter diminuído o risco, não havia imputação objetiva. Mas poderia e deveria ainda ser analisado se havia ou não dolo eventual, no sentido em que, ainda que não houvesse imputação objetiva, mas houvesse dolo eventual, C poderia ser punido pela tentativa. Porém, a prof considera que seria injusto punir C, no sentido em que tenta salvar e é por isso que atua. Poderíamos optar pelo tipo de ofensa à integridade física e quanto a isso poderíamos falar de dolo eventual. Mas a prof acha injusto, mesmo sendo só a tentativa. Sendo punido por tentativa, ele poderia apenas ser punido por uma das tentativas. Podemos então concluir, que estava previsto o tipo de ilícito do art. 131º CP em relação ao A.

Exame => a prof quer que nós indiquemos várias sub-hipoteses e digam “ e se “, “e se”. A

resolução de hipóteses não é linear. Passos:

1. Começar por analisar a responsabilidade criminal de A => coloca-se o problema da relevância da causa virtual em DP (que não tem relevância porque sempre se antecipa o resultado morte). Não havendo grandes problemas de acção (há uma acção jurídico penalmente relevante – há um comportamento controlado pela vontade, sendo uma atuação dolosa)

2. Avaliar o elemento da tipicidade => de acordo com este elemento, temos de eleger um tipo. Em relação ao A não há dúvida que o elemento é o art. 131ºCP – colocamos a questão de se poderíamos subsumir a conduta do A a este artigo. E aí teríamos de analisar:

os elementos objetivos e subjetivos

Surge a problemática de se podermos imputar objetivamente a acção à conduta do A. E neste contexto, teríamos de analisar todas as teorias

Sine qua non, Causalidade adequada e Teoria do risco.

2. Operado de urgência B veio todavia a falecer dois dias mais tarde me consequência de uma

infeção intestinal. O problema colocava-se ao nível da imputação objectiva, tendo em conta que o B tinha morrido por uma infecção intestinal. Temos de averiguar se há interrupção do processo causal, i.e., se há um risco novo proibido que se interpõe e faz com que o risco causado pelo A não se concretiza. Há uma parte da doutrina que diz que actualmente é tão comum as infecções hospitalares, que de acordo com a teoria da actuação é previsível que quando uma pessoa dispara sobre a outra, é previsível que ela depois venha a morrer no hospital, por outra causa. A prof Teresa Serra vai nesse sentido, mas a prof acha que é insuficiente. Ela acha que temos de atender à teoria do risco. Tudo depende do que aconteceu no hospital: actuou o médico de acordo com um médico normal? Ocorreram os procedimentos de diligência normais. e o hospital obedeceu às obrigações higiénicas exigidas por lei. Se tudo tiver ocorrido de forma normal, não há interrupção do processo causal. Se estes procedimentos não ocorreram, então houve um novo risco ocorrido de uma actuação proibida, que cause a interrupção do processo causal, e a criação subsequente de um novo risco. Nesse caso, então não havia imputação ao A do processo causal. E aí teríamos de ver por exemplo se o médico tinha preenchido a tentativa do crime de homicídio por negligência, conjugando os arts. 131º e 22º CP.

3. D ,esposa de B, que se encontrava no local da discussão e sofre do coração ao ver o desenrolar dos acontecimentos .

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O problema é claramente um problema de imputação objetiva. Por isso deveríamos analisar os elementos subjetivos. Não há dolo, mas coloca-se a questão de se existe negligência, em relação à mulher. De acordo com a teoria sine qua non há causalidade: se eliminarmos a conduta do A, o resultado morte da esposa desaparece. Não há negligência. O homem não tem presente no momento em que dispara sobre B, não pode representar a possibilidade de que a mulher sofre de problemas cardíacos. Analisando os elementos objetivos, se chegarmos à conclusão que não há acção, logicamente não haverá objeto. De acordo com a teoria da causalidade adequada, teríamos de perguntar se era previsível aquele resultado, de acordo com o homem médio. Não, pois ele não tem presente que a mulher sofre de problemas cardíacos. Mas deveríamos abrir duas sub-hipóteses: ele ter presente e ele não ter presente. De acordo com a teoria do risco, ele disparou sobre o A e isso fez com que houvesse a concretização do risco quando houve a morte do A. Mas deveríamos colocar a questão. Podia pôr-se em causa a conexão entre o risco e a conduta (o processo causal). Diríamos que não há conexão entre o risco e a acção, pois ele criou outro risco. Ainda assim, tínhamos Não cabe na esfera do âmbito da protecção da norma estes resultados – não se dirige à acção negligente. Para Estela: Problema: Imputação objetiva do resultado à conduta de A De acordo com a teoria da conditio sine qua non, há causalidade, pois, se eliminarmos a conduta de A, o resultado da morte da esposa desaparece. Segundo a teoria da adequação, provavelmente não seria previsível, para um homem médio, a concretização daquele resultado por aquele processo causal. De acordo com a teoria do risco, ele criou um risco ao disparar sobre o A e, o facto de ele ter separado sobre A, fez com que supostamente houvesse a concretização do risco na morte de D. Mesmo que se chegasse à conclusão de que este risco se concretizou neste resultado, não cabe no âmbito da esfera de proteção da norma do crime de homicídio negligente este resultado. Estamos, portanto, perante um caso de facto que cai fora da proteção da norma. Tipo subjetivo => Eventualmente haveria negligência e, portanto, só poderia ser subsumível ao tipo de ilícito homicídio negligente (art. 137º). E se houvesse nem sequer haveria ação jurídico-penalmente relevante, para a Professora, pois, para tal, era necessário haver uma possibilidade de prever o resultado – o que aqui não haveria.

Caso Prático 8

Na auto-estrada Lisboa-Porto, António lançou uma pedra sobre um automóvel conduzido por Bento. Bento, atingido no rosto por fragmentos do vidro do para brizas, que se partiu, guinou subitamente, embatendo num automóvel conduzido por Carlota. Em consequência dos factos descritos, Carlota foi conduzida ao hospital, onde viria a falecer por não ter sido sujeita a uma intervenção cirúrgica. Provou-se que se a intervenção tivesse sido levada a cabo, se teria salvo. Bento, por seu turno, sofreu ferimentos graves e foi-lhe extraído um rim. Provou-se que Bento conduzia na ocasião do acidente com uma taxa de 0,9 grama por litro de álcool no sangue. Entretanto, António que veio a confessar ter lançado a pedra afirmou que nunca pensou que ela pudesse quebrar o vidro de um

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automóvel e provocar ferimentos em alguém. A Carlota não foi sujeita a uma intervenção cirúrgica porque o único médico de serviço estava embriagado.

António preencheu com a sua conduta algum(ns) tipo(s) de crime(s)? Nos termos do art. 293ºCP, prevê-se este tipo de acção de António. Este tipo de crime, podemos classifica-lo como um crime de mera atividade. Tendo em conta, o resultado, é um crime de perigo abstrato, pois não é necessário que o perigo se verifique concretamente. Neste caso, para estar preenchido a norma do art. 293ºCP basta que a pessoa arremesse projétil contra veículo em movimento, não sendo necessário que se prove que daí resultou algum perigo. Estava preenchido o tipo legal de crime. Arguindo que houve dolo, na análise dos elementos subjetivos, podemos arguir que houve preenchimento do art. 212ºCP. Se defendêssemos que havia um comportamento negligente, nunca poderíamos vir a este artigo. Se se provar o dolo, ele poderá ser punido pelas duas ações. Haveria neste caso um concurso aparente de crimes, pois no crime do art. 293º diz-se “ se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal”. Por parte do A estavam então preenchidos:

1) Ofensa à integridade de física de B => teríamos de discutir, perante considerássemos se havia dolo (art. 143º) ou negligência (art. 148º), se aplicaríamos um ou outro artigo, consoante a nossa resposta quanto ao elemento subjectivo. Quanto à perda do rim, poderíamos discutir se haveria um crime grave de ofensa à integridade física (art. 144º/145ºCP); 2) Lançamento de projéctil contra veículo; 3) Não estava preenchido o art. 193º, pois afastar-se-ia a imputação objectiva

3) Bento praticou alguma acção jurídico penalmente relevante? Teríamos de analisar duas ações de Bento:

O facto de ele ter batido contra o carro de Carlota e O facto dele estar embriagado.

No que diz respeito ao álcool, teríamos de atender ao art. 292ºCP (crime de perigo abastracto). Ele não preencheu este tipo de crime, porque precisa de ter 1,2 de alcoolismo e só tinha 0,9. Por isso, estaríamos provavelmente perante uma contra-ordenação. Teríamos discutir se ele não tivesse embriagado, os vidros caindo nos nossos olhos, se a acção de guinar para a direita ou para a esquerda, a acção é penalmente relevante? O facto de estar bêbado ou não, não afecta o facto de ele guinar. Isto porque existe uma acção (eventualmente reflexa) decorrente dos vidros lhe terem ido para a visão. Para a acção ser controlável é necessário que ele tenha a possibilidade de representar o facto e ele não teve possibilidade de representar o facto. Isto porque ele, quando levou com os vidros no carro não teve capacidade para representar o que faria. O facto de ele conduzir com álcool, não significa que a sua conduta seja controlável pela vontade, ainda que os reflexos não estejam na sua plenitude completos. Daí não temos uma acção jurídico-penalmente relevante, pois não estando ele alcoolizado, nada teria mudado. Bento não será punido por isso. Adoptando o conceito pessoal de Roxin, se calhar o autor teria alguma tendência de afirmar que havia uma acção penalmente relevante. Aluna na sala: Em primeiro lugar tínhamos de analisar se estamos perante uma acção jurídico penalmente relevante. Deveríamos analisar o art. 212ºCP.

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Negligência consciente. Poderíamos discutir se a negligência era consciente ou inconsciente e ainda se estava em causa dolo eventual. Porque aqui, tendo em causa o grau de probabilidade, poderíamos arguir que havia dolo. A negligência consciente poderia ser subsumida ao crime. Poderíamos abrir sub-hipóteses, como no outro caso: se ele se conformou ou não. Não tendo dados suficientes, devemos abrir sub-hipóteses. Relativamente ao crime, podemos distinguir:

1. Agente 2. Acção 3. Objeto da acção 4. Resultado (ofensa à integridade física) 5. Imputação objetiva => teorias

Na teoria da conditio, há causalidade porque o resultado não se verificaria, no caso de eliminarmos mentalmente a acção de António. Pois a acção de B, nas mesmas condições, não ocorroria.No que diz respeito à teoria da adequação, de acordo com um juízo do homem médio, de acordo com aquele processo causal, era previsível que viesse a ocorrer. De acordo com a teoria do risco, António queria o risco proibido, que se concretiza no resultado da ofensa à integridade física. Não foi esse risco que se concretizou no resultado, porque entretanto se interpôs outro risco. Podemos então concluir que há imputação objectiva.

4) A que conduta pode ser imputada objectivamente a morte de Carlota? Prof: O momento da acção não é quando ele fica bêbado, mas no momento em que ele não opera. Se no momento da acção, ele não tem capacidade para adotar outro tipo de acção quando não tem capacidade para representar a acção. Temos de distinguir duas questões:

Se o estado dele era mesmo todo bêbado, então o momento relevante era quando ele se decide embriagar. Só neste caso faz sentido antecipar o momento da relevância.

Se ele estava bêbado, mas não ao ponto de afectar as suas capacidades no seu total, o momento relevante é quando ele decide não operar. Isto porque ele tem capacidade para representar que pela operação, face ao seu estado, ele poderá provocar o resultado morte. No momento, ele não pode operar porque estava embriagado, então isso é uma acção jurídico-penalmente relevante.

Se ele preenchesse o tipo do art. 234ºCP, haveria concurso de crimes. Sendo punido pelo homicídio da carlota, este é suficiente para abarcar a ilicitude do comportamento do médico: concurso aparente de crimes. No que diz respeito aos elementos subjectivos teríamos de discutir se havia negligência consciente ou dolo eventual. Ela provavelmente concluiria pelo dolo eventual, porque ele representa a possibilidade de haver lesão de bem jurídico e conforma-se. Tendo ele o especial dever de agir, o tipo de acção seria o homicídio por omissão. Aluna na sala: No que concerne à acção de C, no que se refere à teoria da sine qua non, eliminado mentalmente, o resultado não subsiste nas mesmas circunstâncias de modo, de tempo e de lugar, então não há causalidade. Quanto à teoria da adequação, era previsível que de acordo com aquele processo causal, houvesse a morte de Carlota.

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De acordo com a teoria do risco, apesar de existir a criação de um risco proibido, esse risco não se concretiza, pois há a criação de um novo risco criado pelo médico, que se interpõe e isso faz com que haja a interrupção do processo causal.

5) A que conduta pode ser imputada objectivamente a ofensa corporal de B? A única questão a analisar era o critério do comportamento lícito alternativo. Não actua o critério do comportamento lícito alternativo, porque a ofensa não se teria comportado nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar. Assim, há imputação objectiva. O facto de B estar bêbado não tinha qualquer interferência.

Caso Prático 9

Caso Prático: Embriagado, de regresso a casa, já de madrugada após uma noite de pandega, Abílio confundiu o seu apartamento com o de Beatriz, sua vizinha idosa, meteu a chave à porta e desesperado por não conseguir ouvi-la, arrombo-a com estrondo, introduzindo-a na suposta habitação. Entretanto, Beatriz acordou aterrorizada com o assalto e morreu, devido a um ataque cardíaco.

1. Abílio cometeu os crimes previstos nos arts. 190º e 212º CP? Art.190º violação do domicílio, estão verificados todos os elementos? ele está embriagado mas não ao ponto de te ruma acção controlada ou controlável pela vontade, para maior parte da doutrina na analise, devemos começar pelo conceito jurídico penalmente relevante, não se levantando grandes duvidas e quando isso acontece não devemos perder tempo para saber se há uma acção, partimos do pressuposto que é pois é um comportamento dominável pela vontade; mas é uma acção típica? estavam presente os elementos subjectivos e objectivos do tipo. Não há problemas nos elementos objectivos: agente (Abilio), acção típica (introduzir em casa alheia), objecto da acção (casa alheia), bem jurídico (reserva da vida privada) mas o resultado? Conseguimos separar um evento espácio-temporalmente da conduta, não temos um crime de resultado e nesta situação o introduzir em casa alheia, por isso é o que caracteriza os crimes de mera actividade e como não é de resultado não surge os problemas de imputação objectiva de imputação da conduta ao agente. Estão preenchidos os elementos objectivos do tipo, mas nos elementos subjectivos há problema. O tipo de lícito em direito penal é composto por um tipo objectivo e um tipo subjectivo. No subjectivo estamos perante dolo ou negligência por parte do agente? Ele pensava que estava a entrar em casa, logo não existe uma representação intelectual correta. Para haver dolo tinha de era preciso que ele representasse que a casa não era dele e tivesse vontade de entrar na casa que não era dele. Ele não representa que a casa não era dele. Estamos perante um erro sobre o objecto. Os objectos são tipicamente idênticos? Não. Se fossem tipificamente idênticos isto tem alguma relevância ao nível do tipo? Não se exclui o dolo, porque os objectos são idênticos e a norma visa proteger o objecto em si. O que importa é se ele queria ou não, é irrelevante se ele matou B C ou D (mesmo que irmãos gémeos), porque o que interesse é que A queria matar (exemplo). Ele aqui representou que estava a entrar na sua própria casa. Ele não representou que estava a entrar na casa da vizinha. Somos obrigados a dizer que há um erro sobre o objecto, mas que o objecto não é tipicamente idêntico ao outro. Aqui importa o carácter alheio enquanto elemento do tipo: dicotomia entre elementos descritivos e elementos normativos. Aqui o carácter alheio é um elemento predominantemente normativo. É preciso recorrer a uma valoração, para dizer que estou perante algo que é considerado alheio. O mais fundamental era preciso que o objecto não era tipificamente idêntico. Estando perante um elemento normativo do tipo, a consequência é que no art.

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16ºnº1CP (era um erro sobre os elementos do direito ou predominantemente normativo de direito.) se estabelece a exclusão do dolo. A exclusão do dolo está no nº1,mas fica ressalvado a negligência, mas do art. 190ºCP não se pode punir com mera negligência. Tudo indica que o homem actua com negligência, tal que ele arromba a porta (violação do dever de cuidado), mas isso é insuficiente por si só. Independentemente de arguirmos que estava em causa uma negligência consciente ou inconsciente, tínhamos de ir ver se o crime era punível a título de negligência. A regra geral em DP é de que os crimes são puníveis por dolo e se pode punir por negligência se estivesse previsto na norma do crime em causa. E isso não ocorre. Uma conduta para ser punida tem de ser conforme com o tipo. Está em causa o princípio da legalidade, nomeadamente o princípio da tipicidade. O art. 212º CP prevê o crime de dano. Não estão preenchidos os elementos do tipo. O crime de dano exige que a pessoa represente que está a danificar coisa alheia e tal não ocorre. Poderia ser punido? Por isso não. Ele está em erro sobre um objecto normativo do tipo, e a consequência é mais uma vez excluir o dolo (art. 16ºnº1). Também aqui não se poderia punir por negligência (que havia), porque também este crime não tipifica o tipo na forma negligente. Existe uma relação de subsidiariedade entre o arts. 212º CP e o at. 190ºCP. Nota => Quando falamos em análise do crime, podemos distinguir:

Análise lógica => deve surgir por natureza. Acção, punibilidade, culpa, ilicitude, tipicidade… Análise prática => às vezes, esta por razões de conveniência, leva logo ao problema que se

coloca. Se está em causa um problema de ilicitude, escusamos de ir para os outros. Mas como estamos a aprender é melhor dar todos os passos (exame)

Nota => Os problemas de concurso só se podem resolver depois de preenchermos os elementos do tipo.

2. Abílio cometeu o crime previsto no art. 137º CP? O art. 137º prevê o homicídio por negligência. Ele não tinha a possibilidade de representar a morte da senhora (ele não tinha a cognoscibilidade individual da morta de alguém). Neste contexto, não se podia subsumir. Assim, não estavam preenchidos os requisitos para haver nem negligência consciente nem inconsciente. Falta o tipo objectivo. E nem sequer há uma acção. Perante uma NC, o elemento subjectivo desta não decide só do tipo, decide também a da existência de uma acção jurídico penalmente relevante. Para haver uma acção eu tenho se saber se estamos perante um elemento subjectivo do tipo. Só podemos afirmar que temos uma acção dominável pela vontade, se tiver a capacidade de representar esta acção. No que concerne à NI deveríamos ainda ver se estava em causa um dos elementos objectivos.

Uma parte da doutrina resolvia este problema ao nível da imputação objectiva. Há uma acção típica, há um objecto de acção, há o resultado morte e quando chega ao problema do resultado morte à conduta do agente, surgem dúvidas. Isto porque para haver imputação objectiva do resultado à conduta do agente quando o agente cria, aumenta ou não diminui um perigo e esse se concretiza no resultado. E no caso sub judice não acontece isso tudo. Partindo do pressuposto que há uma acção (porque já vimos que não existe), também não já conexão entre o risco criado e o resultado obtido.

Outra parte da doutrina resolvia este caso pelo critério da protecção da norma, que diz que

neste caso como a morte é um risco indirecto, não está abrangido pela conduta negligente do Abílio. Cai fora da norma.

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Segundo a teoria da adequação, o homem médio com conhecimento que o agente tinha não conhecia prever aquele resultado segundo aquele processo causal. Esta teoria permite a resolução do problema.

3. Xavier apostou 100 euros com Zacarias em como este não seria capaz de percorrer 5 km de estrada em sentido contrário. Zacarias aceitou a aposta e a meio do percurso embateu no carro de Célia. Deve Zacarias ser punido por um homicídio doloso ou negligente? (ultimo exame)

Estando presente o elemento intelectual (ele representou a morte de alguém como possível) teríamos então segundo a formula positiva de Frank se ele actuava ou não. De acordo com os critérios da Fernanda palma, A motivação não é forte o suficiente. Pelo facto da aposta ter um valor tão baixo, mostra a motivação suficiente. Apesar do valor ser baixo, consegue-se ver que ele quer mesmo: não é tanto o valor do prémio, mas é ele mostrar que ele consegue. Assim, a motivação existe. Havia assim dolo eventual, porque ele se conforma e para além disso, não quer saber. Aconteça o que acontecer vai tentar cumprir a aposta. Segundo a FP tínhamos de analisar a motivação (se era forte) e o grau de probabilidade (se era forte ou não). Tínhamos discutir nesta hipótese se havia dolo eventual ou antes, negligência consciente. Mais do que saber o critério da conformação, o difícil é na prática, saber onde nos apoiar para saber qual deles aplicar. A fórmula positiva de Frank ajuda e a prof Fernanda palma tenta dizer quais são os elementos objectivos dos quais podemos arguir que o agente se apoiou. Sub-hipótese: Isto passa-se numa estrada num Alentejo às 3h da manhã. O rapaz há mais de 3 anos que estuda aquela estrada e nunca passa nenhum carro. Então não se passava nada, não havia probabilidade. Depende muito do caso concreto.

Caso Prático 10

Ana, grávida, está na praia com um grupo de amigos. A certa altura, os amigos decidem iniciar um jogo de rugby e desafiam Ana a participar. Ela começa por rejeitar, invocando que é perigoso, dado o seu estado de gravidez. Mas alguns minutos depois, sem nada dizer, começa a participar no jogo. Minutos depois, cai e aborta. Pode Ana ser punida por um crime de aborto?

Em primeiro lugar devemos concluir que era uma acção jurídico penalmente relevante, que era controlável pela vontade. Depois, ao nível da tipicidade, tínhamos de ir ver os elementos objectivos e subjectivos do aborto. Quanto aos elementos objectivos: temo uma acção típica (ela faz-se abortar), há objecto. Teríamos de ver se havia imputabilidade ou não. Ela apresentou o resultado morte como possível, tal que ela em primeiro lugar recusa. Mas nenhuma mãe se conforma com o resultado de que o eventual feto iria morrer. Teria de se discutir de estava em causa dolo eventual ou negligência consciente. Porque está em causa o elemento intelectual ser igual nas duas figuras: a pessoa prever o resultado como possível. O nosso legislador adoptou o critério da conformação. Há várias teorias: a teoria da probabilidade, as teorias da aceitação, etc. Mas face á teoria da conformação: o agente prevê o resultado como possível e conforma-se. Na negligência consciente, não há conformação. A mãe não se conformou. Segundo a maior parte da doutrina, para averiguarmos se o agente se conformou ou não no caso concreto, temos de ir à forma positiva de Frank (Fernanda palma). Se o agente concreto pensar que aconteça o que acontecer eu atuo, então há dolo eventual. E chegamos a esta conclusão pelo grau de probabilidade de ela se magoar ao jogar: face ao jogo de rugby, é perigoso e é possível cair. Mas a prof acha que ela não se conforma que cair tinha o risco de o feto morrer, e ela não concorda. Ela acha que o grau de

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probabilidade não é assim tão forte. Fernanda Palma desenvolveu esta teoria, com base em vários aspetos. Segundo os critérios mais relevantes segundo Palma: são o grau de probabilidade de lesão e depois a motivação desta mulher que é jogar o jogo sendo uma motivação extremamente fraca. A motivação da mulher é jogar os jogos com os amigos, o que leva a achar que ela não previu isso. Ela não podia ser punida porque o aborto só pode ser punido na forma dolosa.

Caso Prático 11 António (A) jurou vingar-se do guarda florestal Fernando (F). Colocou-se diante da cabana deste e disparou contra João (J) que se ia encontrar com Fernando, mas que no escuro fora confundido com o Guarda.

Quais as consequências do erro de A? Estamos perante uma acção jurídico penalmente relevante de A, que teríamos de subsumir ao crime de homicídio. Os elementos objetivos estão todos preenchidos. No que respeita aos elementos subjetivos podíamos questionar se houve erro sobre o objeto (e aí excluía-se o dolo). Mas não ouve identidade típica, pelo que não se pode aplicar. Assim, estão preenchidos simultaneamente os elementos objetivos e os elementos subjetivos.

Seria alterado o julgamento se A tivesse atirado contra Fernando e errado o alvo e ferido mortalmente Maria, que se encontrava dentro da cabana, ao pé da janela?

Estávamos perante um caso de ab ratio lictus: o resultado produz-se num objecto diferente daquele que o agente representou. Apesar de ele não ter representado que iria matar Maria, ele deveria ter representado que havia mais ente ali. Ele devia ser punido. Não há erro sobre o objecto, mas antes o erro na execução ou a figura da ab ratio lictus. Por falha na execução, o agente atinge o objecto diferente daquele que ele pretendia. Ele poderia ser punido de forma negligente por homicídio? Teríamos de provar se havia ou não negligência.

Como seria se António às margens de um lago tivesse disparado contra Fernando, tomasse-o para o morto e o atirasse à água, ocasião em que ocorreu a sua morte por afogamento?

Elementos subjetivos, visto que os elementos objetivos estão preenchidos, o dolo não pode ser excluído e deve ser punido pelo homicídio Stratenvert diz que se pode prever o dolo da primeira abrange toda a situação, e FIGUEIREDO DIAS diz que se os riscos da primeira abrangem os da segunda. dolo generalista duas ações abrangidas por um único elementos objetivo erro sobre o processo causal havendo uma conduta. Neste caso se alcearemos o critério de Stratenverg diz o que interessa é o que o agente pensou antes da primeira conduta, se pensou atirar o corpo, nesse caso o dolo abarca as duas condutas sendo punido pelo crime doloso. Dias fala em risco, se o risco e a segunda conduta é uma conduta de natureza a fazer esperar que lela possa surgir, pode se punir o agente por um único crime e o dolo abarca os dois.

Caso Prático 12 No preciso momento em que A se preparava para realizar uma curva mais apertada entra no carro que conduzia uma abelha, A num gesto instintivo tira as mãos do volante para se proteger acabando por embater em B, motocilista que circulava em via contraria. Assustado A hoje sem prestar auxilio a B, C policia que circulava a alguns metros atras tendo visto o acidente e a fuga segue em

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perseguição de A; não prestando qualquer auxilio ao B. O policia fe-lo porque julgou que dada a violência do embate B já estaria morto o que não era naquele momento verdade. B acabou por morrer algum tempo depois. Determine a responsabilidade jurídico criminal de A e de C? Devíamos começar pela resolução de A. Ela pratica duas ações. Quando entra a abelha e ele retira as mãos do volante, essa conduta não era uma acção jurídico-penalmente relevante, porque é o tal acto automático que não é controlado nem controlável pela vontade. Ela tentou subsumir ao crime de auxílio. Não se coloca a questão da imputação objetiva porque estamos perante uma omissão. Assim, passamos para a análise da imputação subjetiva: dolo ou negligência. A age de acordo com aquela conduta, de não auxiliar. Há um crime de omissão de auxílio. Com base nesta omissão podemos imputar a morte ao A? Ele poderia ser punido? Está em causa uma omissão impura6 (crime de resultado). Em princípio sim (art. 131º + 10ºnº2). Tínhamos de ir ao art. 10ºnº2CP: o comportamento prévio não é uma acção, mas discute-se na doutrina se o comportamento prévio perigoso ode ser uma acção jurídico penalmente relevante. A prof acha que é um automatismo. Podemos imputar o resultado morte do ciclista à conduta do A? Tínhamos de analisar a conduta de C, que se interpõe e caso seja um risco relevante, ele vai interromper o processo causal. É uma acção jurídico-penalmente relevante? Na teoria do risco 7além do facto do A ter de criar, aumentar ou não diminuir; é preciso que o risco criado se concretize no resultado. É preciso que haja conexão entre o risco criado e o resultado obtido. Ora, aqui, ele criou um risco proibido por omissão, tendo o especial dever de agir. Mas foi esse risco que se concretizou no resultado? Se conseguirmos provar que houve um risco entretanto que se concretizou no resultado, ele interrompe o processo causal de A. Mas esta interrupção tem de ser relevante. O polícia não fez nada porque achava que o autociclista estava morto, mas isto é subjectivo: ele podia ter penado. Ou seja, a dúvida era saber se o polícia podia ser punido por dolo ou negligência ou homicídio por omissão. Aqui era negligência porque ele pensou que ele estava morto e nem se deu ao trabalho de se ir certificar, tendo ele especial dever de agir (tínhamos de discutir este especial dever). Ele nem sequer ligou para o 112. Não vai prosseguir o outro, sem nada fazer. Eventualmente poderíamos discutir se há um conflito de dever. Ele vai ser punido por tentativa. Em princípio haveria dolo eventual: aconteça o que acontecer, ele actua. Ele não queria ser apanhado. Assim, em princípio havia imputação subjectivo. Só pode ser punido por tentativa se houver dolo. Há um erro: o polícia pensa que o homem está morto, mas não está. Este erro recai sobre o objecto. São objectos idênticos? Não. A conclusão é que se exclui, face ao art. 16ºnº1 o dolo, pelo que ele eventualmente pode ser punido a t´título de negligência. Antes de dizer que é negligencia, temos sempre sempre de excluir o dolo. Está em causa um concurso aparente no caso de estarem os dois crimes preenchidos. Nota => O crime do art. 200ºCP é de mera actividade. A omissão de auxílio só é pertinente quando não se consegue punir por um crime de resultado Exame => ao analisar o tipo objectivo há sempre e o problema da imputação objectiva

6 Porque é uma omissão ligada causalmente ligada ao resultado. Estamos no âmbito das omissões impuras ou impróprias. Só perante isto é que se pode ir ao art. 10ºnº2 CP. 7 Nota => no exame nunca fazer isto. Antes de aplicarmos a teoria do risco, tínhamos sempre de aplicar a teoria sine qua non. Segundo esta teoria, eliminando mentalmente a acção, e questionamos se o resultado desaparece, nas mesmas circunstancias de tempo, modo e lugar. Se desparece, há causalidade; se não, não. No caso há causalidade. No DP não basta provar a causalidade, é preciso provar a imputação objectiva e para isso existe as teorias em questão. Para Fifg Dias: causalidade, adequação e só no fim a teoria do risco (vemos as 3). Para outra parte da doutrina, aplicamos a teoria da causalidade e podemos logo aplicar a teoria do risco, sem passar pela segunda.

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III

Comparticipação

Autoria e Participação Fala-se em comparticipação criminosa quando há uma pluralidade de agentes a realizar o facto típico e importa determinar que papel desempenharam estes no cometimento do crime. Portanto, a expressão comparticipação designa a matéria relativa ao contributo de vários agentes para a prática do mesmo facto. Abrange as questões relacionadas com a delimitação dos contributos penalmente relevantes e com a determinação dos critérios de punição dos vários agentes. Por exemplo, o crime de Homicídio do art. 131º CP está previsto na forma singular e direta. Quase todos os crimes da Parte Especial vêm na forma singular e direta. Mas como forma de prever e punir outras formas de participar no crime fora da autoria singular e direta, o legislador recorreu ao art. 26º e 27º da Parte Geral. Se não houvessem estes artigos não era possível punir quem era por exemplo cúmplice de um determinado crime. A comparticipação é por nós estudada no âmbito do elemento da tipicidade, ou seja, determinar qual o papel do participante no crime, i.e., se atuou como agente direto, como autor, ou apenas como participante, é um elemento essencial do tipo de ilícito. Esta é a opinião da Professora. De notar que a figura do encobridor deve desde logo ser excluída no caso de comparticipação- não parece poder haver, nem ser normativamente adequada, nem em rigor facilmente pensável, uma comparticipação post facto, i.e., depois do facto ter sido cometido e o tipo de crime realizado. Figuras do cometimento do crime:

Autor: agente responsável singular e diretamente pela prática de um crime. O agente é a figura central do acontecimento criminoso;

Cúmplices: figuras de segunda linha na realização ilícito típico- ou seja, são aqueles sujeitos que não realizam o tipo de ilícito, mas que participam no tipo de ilícito de outrem;

Instigador: aquele que determina dolosamente outrem à prática do facto.

Autoria e Participação: Crimes dolosos e negligentes Esta é a primeira distinção a ter em conta nesta matéria: o conceito de autoria e participação varia consoante estejamos perante um crime doloso ou crime negligentes.

Crimes Negligentes

Nos crimes negligentes é autor todo aquele que contribui causalmente para o resultado a título

de negligência. Adota-se o denominado conceito unitário de autoria. Por isso, na negligência, para alguém ser punido como autor, tem que se demonstrar:

Que o agente contribuiu causalmente para a produção do resultado;

O Elemento caraterizador da negligência: o Para alguns e é subjetivo: professora prima pela valorização do elemento subjetivo -

cognoscibilidade da realização do facto típico;

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o Para Figueiredo Dias o elemento caraterizador da negligência é objetivo, para além de ter que se provar que o agente conhecia a realização do facto típico, tem que haver uma violação do dever objetivo de cuidado.

Para Figueiredo Dias, autor só pode ser quem realiza o ilícito-típico. Contrariamente àquilo que a professora Bárbara defende, o Professor Figueiredo considera que os delitos negligentes não devem ser construídos sobre o modelo do conhecimento e vontade de realização do tipo de ilícito objetivo, mas da violação do cuidado objetivamente devido.

Crimes dolosos Nos crimes dolosos, considera-se que o legislador adota um conceito restritivo de autoria.

Teoria de Domínio do Facto

De acordo com a Teoria do Domínio do Facto- dominante- será autor quem tem o domínio do facto que se traduz em ter o afetar o se e como da realização do facto típico. Dito de outra forma: é autor quem tem o domínio negativo e ou positivo do facto no sentido de ter nas suas mãos o

poder de fazer gorar (falhar) a execução do crime- domínio negativo do facto- e de fazer

prosseguir até à consumação a realização do facto típico- domínio positivo do facto.

Domina o facto “quem toma a execução nas suas próprias mãos de tal modo que dele depende decisivamente o se e o como da realização típica”, como havíamos visto anteriormente”. De acordo com esta aceção, pode afirmar-se que o autor é a figura central do acontecimento. Assim se revela e concretiza a síntese que faz surgir o facto como unidade de sentido objetivista- subjetivista. Assim, por um lado, o facto aparece como:

Obra de uma vontade que dirige o acontecimento; Contribuição para o acontecimento dotado de um determinado peso e significado objetivo.

Para a Professora, como as omissões cabem no conceito amplo de ação, este conceito de comparticipação nos crimes dolosos não deixa aqui de ser tido em consideração. Doutrina Maioritária:- Roxin e Figueiredo Dias- basta ser-se titular do domínio de facto para que sejamos considerados como autores. É com Roxin e a sua monumental investigação dogmática, justamente intitulada “Autoria e Domínio do Facto”, que o conceito de autor é legalmente desenvolvido e preciosamente conduzido a conclusões mais claras. Dentro dos crimes dolosos, há ainda quem distinga o conceito de autoria consoante seja o crime doloso geral/comum ou um crime doloso específico.

Doutrina Roxiniana

A doutrina de Roxin sustenta desde logo que o Domínio do facto não pode ser tomado como um princípio universal que sirva para a caraterização da autoria relativamente a todo e qualquer tipo de ilícito.

Para Roxin, o conceito restritivo de autor só se aplica aos crimes dolosos gerais/comuns. Para este Professor, este conceito restritivo de autoria só se aplica aos crimes dolosos gerais, não sendo aplicado aos crimes dolosos específicos. No caso de haver um crime doloso de dever ou específico, quer seja por ação, quer seja por omissão, só será autor quem violar o dever. Portanto,

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não tem de haver um domínio do facto para que se seja considerado autor, basta ser titular do dever e violar o dever, independentemente do contributo que a pessoa tenha para o facto. O critério de domínio do facto deve então restringir a sua validade aos “delitos dolosos gerais”- sem dúvida a esmagadora maioria dos crimes contidos na Parte Especial do CP. Para este Penalista, “Senhor” do facto é, nos delitos comuns aquele que domina a execução típica, de tal modo que a ele cabe o papel diretor da iniciativa, interrupção, continuação e consumação da realização, dependendo estas, de forma decisiva, da sua vontade. Domínio de ação O agente pode dominar o facto desde logo na medida em que é ele próprio que procede à realização típica quem leva a cabo o comportamento com o seu próprio corpo. Este é o chamado critério de ação que vai caraterizar a autoria imediata. Domínio da vontade Pode também, segundo este autor, dominar o facto e a realização típica do mesmo o agente sem nele participar, quando domina o executante através de coação, de erro ou de um aparelho organizado de poder- este domínio carateriza a autoria mediata. Domínio Funcional do Facto Pode ainda dominar o facto através de uma divisão de tarefas com outros agentes, desde que, durante a execução, possua uma função relevante para a realização típica- signo distintivo da co-autoria. A esta ideia serve o nosso sistema legal que no art. 26º concretiza a: autoria imediata; a autoria mediata; e a co-autoria.

Doutrina de Figueiredo Dias “O conceito de domínio do facto está longe de ser unívoco”. Quando uma pluralidade de agentes comparticipa num facto nem sempre é fácil de determinar com exatidão, mesmo tendo em consideração apenas os crimes dolosos de ação, o contributo que cada um teve para a realização do facto típico. Figueiredo Dias, que também defende a Teoria do Domínio do Facto, assume que nos crimes específicos não basta a violação do dever especial do titular para que se possa falar em autoria, e por isso para este autor á violação do dever típico especial acresce ao critério do domínio do facto. Conclusões gerais:

Para Figueiredo Dias, uma conceção unitária de autoria e a adoção de um conceito extensivo de autor nem estão de acordo com a nossa lei vigente, nem devem ser doutrinalmente aceites relativamente aos delitos dolosos de ação;

Um conceito restritivo de autor não se pode apresentar como um conceito fixo, imediatamente apto á subsunção, antes tem de aceitar-se como aberto e multifacetado;

A autoria, mais do que uma decorrência, é verdadeiramente um elemento essencial do tipo. A unidade de sentido da autoria, por um lado, participa da natureza do ilícito pessoal e, por outro lado, deve ligar-se indissociavelmente à realização do tipo como exigência primária do princípio da legalidade.

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Para Figueiredo Dias, com a doutrina do facto ganhou-se um importante princípio normativo ligado à realização do ilícito típico e, por isso, decisivo para a compreensão de descoberta do sentido daquilo que está em causa na autoria. Para Dias, o domínio do facto não constitui apenas um composto dos elementos subjetivos e objetivos do ilícito, mas traduz-se sim na valoração que exprime uma síntese de elementos psicológicos e normativos. Realça também este autor o facto de o conceito de domínio do facto dever ser aperfeiçoado e precisado segundo as circunstâncias do caso e à luz das diversas espécies de autoria e mesmo dos resultados que devam ser alcançados em tema de doutrina da participação. Posição Professora Conceição Vale D´água: não basta ser titular do domínio de facto para se ser autor, sendo ainda necessário o exercício desse domínio. Para além da titularidade, o agente tem que exercer o domínio positivo e negativo do facto para que possa ser considerado como autor. Por exemplo, se numa situação de coautoria do crime de furto, a pessoa que está a vigiar volta para trás e acaba por não cumprir a função que lhe foi incumbida, então não exerce o domínio fático sobre a situação.

Suma das posições

Roxin: conceito de autoria só se aplica aos crimes dolosos gerais- podem ser praticados por qualquer pessoa. Não basta violar o dever nos crimes específicos, o agente tem de ter o domínio fáctico sobre a situação.

Figueiredo Dias: Quer nos crimes dolosos comuns, quer nos crimes dolosos específicos, tem de haver não só a violação do dever, mas a esta acrescerá o domínio fático da ação.

A Teoria do Domínio do Facto não foi aquela que sempre vingou e que foi adotada no âmbito da distinção de entre autor e participante- embora seja aquela que prevalece atualmente.

Teoria Formal- Objetiva

De acordo com a Doutrina formal-objetiva é autor todo aquele que executa, total ou parcialmente,

a conduta que realiza o tipo de ilícito. Esta conceção deve servir como ponto de partida e como

limite obrigatório de toda a elaboração dogmática do conceito de autoria. Aponta para uma ligação

indissolúvel de entre a figura do autor e a realização do facto típico.

No entanto, esta teoria é insatisfatória porque não abrange as situações de autoria mediata em que

a pessoa não executa o facto por si, mas por intermédio de outrem. Esta teoria não é suficientemente

explícita quanto à definição dos critérios prático-normativos da autoria, importando clarificar o que

significa executar o facto e com que se exprime o tipo de ilícito.

Teoria Subjetiva

Para a Teoria Subjetiva, a distinção de entre autor e participante tem que ver com a consideração

dos elementos subjetivos. Para as teorias subjetivas, o conceito de autor seria encontrado em

realidades puramente internas ou psíquicas, sejam elas a vontade, a intenção, os motivos, os

sentimentos ou as atitudes interiores do agente, por aí se conduzindo à aceitação de que um conceito

de autoria se distinguiria substancialmente do conceito de participação. Deste modo:

Será autor quem atua com ânimos auctoris- quem realiza o facto com vontade de autor;

Será participante quem atua com ânimos socii- quem só quer praticar o crime com vontade

de participante.

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Autor: pratica o facto como próprio

Participante: pratica o facto como alheio

No seu núcleo fundamental, as teorias subjetivas não podem ser aceites:

1- O sentimento pessoal do agente, não pode, em si mesmo, constituir um critério da

autoria, i.e., não é por alguém se sente autor- uma vez que tem a ideia que a si

pertence o papel mais importante da prática do facto que vai ser considerado

automaticamente como autor, quando na verdade se limitou a colaborar com outrem;

2- De acordo com esta teoria, o agente poderia ser considerado como autor não porque

tivesse realizado o facto, mas porque, tendo só nele colabora, a sua posição aparecia

ainda mais censurável do que a do verdadeiro autor. Esta teoria é totalmente

inaceitável porque leva ao absurdo de em determinadas situações se poder punir

como cúmplice quem executa o facto como si mesmo.

O célebre caso Stachynsky, decidido pela Jurisprudência alemã, revela-se exemplar: um agente

secreto da URSS matou em Munique, por ordem da polícia secreta soviética, dois refugiados

opositores do regime comunista. O tribunal condenou o espião como mero cúmplice do crime de

Homicídio doloso, porque a posição juridicamente mais censurável pertencia a quem lhe havia dado

as ordens, porquanto o executor não teria tido nem nenhuma vontade independente, nem um

interesse próprio na realização do facto.

Teoria Material- Objetiva

Autor era, nesta aceção, aquele que de uma qualquer forma executa o facto na aceção de que

oferece uma contribuição causal para a realização típica, seja qual for a sua importância ou o

seu significado. Esta conceção adotou portanto um conceito extensivo de autor.

Há que levantar algumas reservas a esta teoria que acabam por conduzir ao seu repúdio. Desde

logo porque esta teoria não se compagina com a nossa lei atual. Indiscutível é que a cumplicidade

não constitui uma forma de autoria a partes das outras formas: a cumplicidade na intenção legislativa

é coisa diversa, como logo o indica o facto de esta estar prevista num conceito diferente do da autoria-

artigos 26 e 27 CP.

De acordo com a Teoria Material Objetiva seria autor quem dá causa essencial ao facto e

participante quem não contribuiu ou quem não deu causa essencial ao facto- fenómeno de

contribuição causal para a prática do facto. Renúncia completamente a quaisquer formas de

autoria. Uma conceção como esta seria completamente contrária à lei vigente: logo na parte em que

o art. 27/2 obriga, em caso de cumplicidade, a atenuar especialmente a pena fixada para o autor.

Mas é contra legem também na medida em que exige a comparticipação, relativamente a diversas

formas, acrescentando assim o dolo que nada tem que ver com a causalidade.

Esta teoria é também de rejeitar porque faz depender a qualificação do agente como autor da conduta

de outras pessoas.

É portanto de rejeitar:

A existência ou inexistência de uma relação de causalidade ocorre muitas das vezes

por um mero acaso.

Nem o autor tem por força de trazer à realização típica um contributo necessariamente causal, nem

inversamente aquele que o tenha prestado tem por força considerar-se autor: se duas pessoas

Page 125: Resumos Teoria do Crime FDUNL

125

subtraem conjuntamente uma coisa, não se vê porque razão uma delas deva deixar de se considerar

como autor, sob a alegação de que sem a sua atuação o outro teria atuado da mesma maneira.

Inversamente, também não se descortina fundamento para considerar como autor de um crime de

aborto o farmacêutico que vende ilegalmente a uma mulher um produto abortivo que ela use com

êxito, sob a alegação de que, sem aquela venda, a mulher não teria praticado o aborto. Exemplo:

Agente que vende um produto abortivo a uma grávida na 16.º semana. Este é considerado autor ou

participante dependendo da disponibilidade que outros farmacêuticos teriam ou não para vender o

mesmo produto.

Conclusão: nos termos do art. 26 autor não é quem dá causa ao facto, mas quem o executa,

direta ou indiretamente. E é isto que corresponde à exigência do Estado de Direito de que a punição

se vincula e refira à realização do tipo. A causalidade é apenas uma primeira condição de imputação

objetiva não tipicamente vinculada de forma específica e que não revela em si a mesma capacidade

nem para fundar as diversas formas de autoria, nem para as distinguir da figura da participação.

Se autor é quem realiza o facto típico e se todo o tipo é tipo de ilícito, então a essência da

autoria tem de decorrer da essência do ilícito. Ora, o ilícito em direito penal surge como

um ilícito pessoal e não como um ilícito causal desprendido da pessoa do agente- já

WELZEL afirmava isto.

Por isso correto só pode ser um conceito restritivo de autor segundo o qual a autoria está vinculada

ao sentido pessoal do ilícito vazado no tipo e, por aqui, à conduta ilícita típica

Concretas formas de autoria

Autoria Imediata;

Autoria Mediata;

Co-autoria.

Autoria Imediata

A autoria imediata é aferida através do domínio da ação em que é o próprio agente que procede à

execução do facto- 1.ª proposição do art. 26 CP. Para esta proposição é punível como autor quem

executar o facto por si mesmo. Quando o legislador refere por si mesmo, fá-lo em relação à forma

de autoria direta, imediata e singular em que o autor executa o facto por si mesmo e por essa mesma

razão se diz que ele tem o domínio fático por efetivamente tem o domínio sobre a ação. Em suma,

autor imediato é aquele que executa o facto pelas suas próprias mãos, em termos de preencher na

sua pessoa a totalidade dos elementos objetivos e subjetivos do ilícito típico e deter por isso, na

expressão de ROXIN, o domínio da ação.

Autoria Mediata

A autoria mediata é aquela em que o agente tem o domínio do facto através do domínio da vontade.

O autor não executa a ação neste âmbito, mas domina o facto porque domina a vontade do executor.

A autoria mediata vem na segunda proposição do art. 26: “quem executar o facto (…) por intermédio

de outrem”. Existe pois nesta conceção sempre um Homem de Trás ou da Retaguarda e um Homem

da Frente ou executor, intermediário ou instrumento.

Page 126: Resumos Teoria do Crime FDUNL

126

O princípio do domínio do facto, quando aplicado à autoria mediata, exige que todo o acontecimento

jurídico penalmente relevante seja obra do Homem de Trás, em especial, da sua vontade

responsável, só nessa aceção se podendo qualificar o Homem da Frente como instrumento. O que

vale por dizer neste âmbito que todos os pressupostos de punibilidade têm de concorrer na pessoa

do Homem de Trás e hão-de colocar-se, para o efeito da sua caraterização dogmática, unicamente

face a ele. O autor mediato nunca perde o domínio do facto, porque domina a vontade do autor

imediato. O Homem de Trás possui sobre o Homem da Frente o domínio da vontade, como afirma

Roxin, o que paradigmaticamente leva a duas situações:

Domínio da vontade por coação- quando o Homem de Trás coage o Homem da frente à

prática da ação;

Domínio da vontade por erro- quando o Homem de Trás engana o Homem da Frente e o

torna assim num executor involuntário do seu plano defeituoso.

Diferença de entre a autoria mediata e a instigação: em ambas as situações o facto é cometido pelo

agente por intermédio de outrem. Mas enquanto na autoria mediata o Homem de Trás não perde o

domínio sobre o facto, na instigação a determinação de alguém, plenamente responsável, à prática

de um facto faria perder ao Homem de Trás o domínio do facto, devendo neste ultimo caso o Homem

da Frente ser considerado autor e o Homem de Trás simplesmente participante. Como fundamento

de uma autonomização destas duas figuras está a ideia de que a autoria mediata termina em função

de aquilo que um importante segmento da doutrina denomina por “Princípio da Auto

Responsabilidade” e que conduz a que do âmbito da autoria mediata sejam excluídas todas as

situações em que de entre o Homem de Trás e o delito se interponha a atuação do Homem da Frente

ou executor plenamente responsável, ou seja, quando o executor atua a título de culpa dolosa.

Portanto, só quando o executor não surja como plenamente responsável se pode considerar que o

Homem de Trás (autor mediato) “executou” o facto ”por intermédio de outrem”, servindo-se do

Homem da Frente como instrumento.

Não cabem nesta problemática as situações:

1- Em que o agente instrumento atua atipicamente:

Quando não pratica uma ação;

Quando intervém em relação a ele uma causa de exclusão da tipicidade;

Quando o agente é a própria vítima;

Quando o agente atua sem dolo do tipo.

2- Quando o agente instrumento atua licitamente;

3- Quando o agente instrumento atua sem culpa:

Falta de imputabilidade em razão da idade ou por anomalia psíquica;

Atuação sem consciência do ilícito;

Atuação em sede de estado de necessidade desculpante.

4- Quando ao agente falta a qualificação ou intenção tipicamente referidas no ilícito da PE.

5- Quando o agente instrumento atua de forma plenamente responsável:

Erro sobre o sentido concreto da ação;

Atuação dentro de aparelhos organizados do poder e no “domínio de uma organização”.

Page 127: Resumos Teoria do Crime FDUNL

127

Formas de domínio da vontade do autor imediato ou executor

Erro

Neste caso, existe um domínio da vontade através do erro que exclua o dolo ou a culpa do executor.

Estamos perante aquelas situações em que o autor mediato induz o autor imediato em erro ou

explora essa situação com vista à prática do facto. Por exemplo: médica dá à enfermeira uma injeção

letal dizendo-lhe que se tratam de vitaminas que têm que ser dadas ao seu paciente. Aquilo que

acontece neste caso é que o profissional de saúde competente induz um outro profissional em erro

tornando-se o primeiro executor do facto típico, uma vez que diz que se trata de uma injeção de

vitaminas, quando na verdade contém substâncias letais.

b- Erro sobre as circunstâncias justificativas

Trata-se aqui de casos em que o intermediário instrumentalizado preenche, com a sua ação, o tipo

incriminador, mas, no entanto, atua licitamente ou justificadamente. Tais casos não são muito

frequentes, conquanto não são impossíveis de figurar em face ao nosso direito vigente. Neste âmbito,

estamos perante causas justificativas que têm que ver com a atuação em legítima defesa, estado de

necessidade, i.e., com a adoção do comportamento em forma de autotutela de direitos admitida pela

lei. Por exemplo, se A diz a B que C está pronto a disparar sobre D e entretanto B dispara sobre C,

o autor imediato é B e A o autor mediato. Contudo, há uma exclusão da culpa de B uma vez que este

atua em legítima defesa ou estado de necessidade desculpante.

Praticando o Homem da Frente um ato justificado, i.e., numa situação de legítima defesa ou

de estado de necessidade desculpante- ameaçado ou enganado sobre a verdadeira situação

e atuando assim como instrumento- a autoria mediata do Homem de trás deve ser aceite

sempre que ele detenha o domínio do facto perante o instrumento e perante o atingido. Esta

solução também vai de encontro com a ideia de que deve ser responsabilizado jurídico penalmente

por uma realização típica aquele que cria dolosamente uma situação de coação que só pode ser

eliminada através da lesão de um dos bens jurídicos naquela co-envolvidos.

Stratenverth:- “tem que haver a criação intencional de uma situação de legítima defesa ou estado

de necessidade desculpante”- o ameaçado ou enganado é utilizado ele próprio como instrumento e

por isso a sua atuação passa a ser considerada como lícita.

Mas, para este autor na verdade, estas situações materializam casos de erro, onde o agente atuará

não em princípio justificadamente, mas em erro quanto aos pressupostos de uma causa de

justificação- o facto deixa de ser ilícito. Por exemplo, caso em que A convence B a agir sobre C no

pressuposto de que este último o vai agredir, quando na verdade sabe que isso não vai acontecer.

B age em erro sobre os pressupostos da legítima defesa putativa.

Exemplo de Figueiredo Dias

O juiz A, por puro sentimento de vingança contra C, ordena ao político B que proceda à detenção

daquele, sabendo que, naquele caso, não estão presentes os pressupostos da legalidade para a

detenção legítima. A questão que se suscita neste âmbito, pressupondo a atuação justificada por

parte de B, se A pode ser punido como autor mediato do crime de sequestro em relação a C.

Nestes casos, o sujeito que instrumentaliza outrem pode ser considerado como autor mediato

na medida em que tenha um conhecimento efetivo da situação. O agente no caso supra referido

tinha um domínio da vontade do executor e, em face das circunstâncias do caso, ocupando o cargo

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128

de magistrado, ele deveria ter empreendido a ação e agir em conformidade com o direito vigente: o

conjunto destas circunstâncias oferece ao Homem de Trás o domínio do facto e é isto que conduz

á afirmação da existência de uma autoria mediata pela sua pessoa.

Figueiredo Dias:

Relevante- verificar se o agente tem o domínio do facto, no sentido de ter o domínio da vontade do

executor por coação ou engano- isto pode provir de uma exploração da fragilidade ou inferioridade

em que o agente instrumentalizado se encontra.

Quando é que o executor pode ser responsabilizado?

Quando o agente de trás não tenho o domínio do facto nem o domínio sobre a vontade do

agente executor, este último vai ser punido a título de dolo- nestes casos exclui-se a autoria

mediata- o que pode existir eventualmente é instigação ou até mesmo cumplicidade.

Atuação em sede de estado de necessidade desculpante: art. 35 CP

Quem dolosamente, lança outrem por coação ou engano ou outro meio jurídico

penalmente equiparável, i.e., numa das situações previstas pelo art. 35/1 é, em

conformidade com o princípio da auto responsabilidade, autor do facto mediato

necessitado.

Diferentemente, quem se depara com uma situação de estado de necessidade

desculpante já constituído e determina o necessitado à prática do facto, com ameaças,

ou apenas a fomenta com conselhos, solicitações ou apoios ao necessitado, mas sem

transformar a situação existente em desfavor da vítima do facto, não pode ser

considerado como autor mediato, mas apenas como instigador ou cúmplice. Neste

caso, em face do princípio da auto responsabilidade do direito penal, não é concebível a

qualificação do homem de trás como autor mediato, mas somente é admissível a sua

qualificação como instigador ou cúmplice.

A corrente alemã, ainda no segundo caso admite a consideração do agente como autor mediato:

fundamenta esta sua posição na ideia de que o instigador nunca pode ser punido como autor, mas

sim como mero participante, o que limitaria em muito o grau de punibilidade a que o mesmo deveria

de ser sujeito. Este dogma alemão não deve ser de entre nós aceite em face ao disposto no art.

26/4: segundo o direito português vigente, as hipóteses de instigação constituem uma

verdadeira “determinação” e portante devem ser punidas como autoria, mas não devem ser

consideradas como verdadeira autoria.

c- Erro sobre a ilicitude

Ana advogada, diz à sua vizinha que ela pode fazer o aborto até à décima sexta semana. Ora, a

vizinha está em erro sobre uma causa de justificação porque o aborto só é possível até à décima

semana da gravidez. Em princípio, este erro não é censurável, embora estas questões de erro sejam

por nós mais desenvolvidas quando tratarmos da matéria da culpa.

Estamos perante situações onde existe um erro sobre o sentido concreto da ação.

ROXIN

Nestes casos, deve-se assumir a autoria mediata daquele que cria no Homem da Frente um tal

erro ou dele se aproveita, na base sobretudo de que se produzirão lacunas de punibilidade

dificilmente suportáveis, uma vez que o Homem de Trás só poderia ser punido a título de mero

participante. Este autor individualiza ainda três grupos de situações:

Page 129: Resumos Teoria do Crime FDUNL

129

(a) Erro sobre a quantificação do ilícito ou da culpa- sobre o grau de ofensa em relação ao bem

jurídico que é tutelado pela norma incriminadora ou em relação à intensidade dolosa que o

seu comportamento materializaria;

(b) Erro sobre as circunstâncias qualificativas do facto, v.g. do valor elevado ou

consideravelmente elevado da coisa danificada;

(c) Error in persona, ou erro sobre a identidade da vítima.

Figueiredo Dias

Figueiredo Dias considera, ainda assim, que nos grupos de situações referidos por Roxin não há

razão para alargar a punibilidade e considerarmos o agente de Trás como autor mediato, por razões

de mera lacuna na punibilidade.

Para este autor, deve considerar-se que a instigação é uma verdadeira autoria: o erro em que o

incorre o agente instrumentalizado foi provocado ou de certa forma explorado pelo Homem de Trás-

isto exclui o dolo do tipo em relação ao executor.

O Homem de trás só será considerado como autor mediato em duas situações:

1) Quando o delito seja imaginado e completamente projetado pelo Homem de

Trás;

Nas restantes situações, para FD, o Homem de Trás será considerado como mero instigador ou

cúmplice, podendo a sua influência ou o seu conhecimento ser determinantes na subsunção da

medida da pena ao caso concreto. Não considera Figueiredo que, com estas situações, existam

lacunas de punibilidade inultrapassáveis.

Coação

A coação exclui a culpa do autor imediato. Nestas situações, o domínio fáctico da situação ocorre

sobre o elemento volitivo da decisão do autor imediato. Este, em regra, atua ao abrigo do estado de

necessidade desculpante previsto ao nível do art. 35 CP. Nas situações de coautoria mediata por

coação, o autor mediato dolosamente coloca outrem numa situação de estado de necessidade

desculpante ou aproveita-se da situação de fragilidade em que o agente se encontra.

1) Autor mediato cria uma situação de estado de necessidade de outrem: A aponta uma pistola

à cabeça de B e diz-lhe que se não matar C o A vai ser alvejado;

2) Aproveitamento de uma situação de estado de necessidade: por exemplo, 2 pessoas que

fazem escalada estão numa situação de apuros. O primeiro, que está a salvo, ao ver o

segundo em apuros diz-lhe que só o salva se este cortar a corda do terceiro alpinista. Ora,

neste caso, o primeiro alpinista efetivamente aproveita-se da situação de necessidade em

que o segundo alpinista se encontra e vai ser punido coo autor mediato;

3) Coação de outrem com intuito que a pessoa atue ilicitamente sobre a outra e dessa forma

possa atuar em sede de causas de exclusão da ilicitude: por exemplo, A aponta uma pistola

a B para que o B possa agredir o C, mas com o objetivo de C matar B em legítima defesa.

Neste caso, o sujeito A é autor mediato da morte de B porque o coage a atacar C e desta

maneira poder provocar-lhe a morte.

Page 130: Resumos Teoria do Crime FDUNL

130

Domínio da Organização- domínio da vontade no quadro do aparelho organizado pelo poder

Exemplo: Nazismo na Alemanha

Por regra, a autoria mediata por domínio da organização ocorre quando estamos perante uma

organização estruturada hierarquicamente e com uma forte disciplina interna em que o modo de

funcionamento dos seus elementos é automático. Além disto, nestas situações a atuação da

organização situa-se fora do quadro da ordem jurídica.

No caso da Máfia, por exemplo, a figura do padrinho é a de um autor mediato. Num pacto criminoso,

o autor executor compromete-se a praticar um ato ou a realizar uma determinada prestação

criminosa e em contrapartida o autor imediato obriga-se ao cometimento do crime e faz depender

até ao último momento a sua vontade da influência que o Homem de Trás teve sobre si.

Perspetiva de Roxin

Defende Roxin que num caso especial como este deve ser atribuída a qualidade de autor mediato (

e não de co-autor, instigador ou cúmplice) ao homem de trás, ainda que o agente executor tenha

atuado de forma voluntária- estamos perante situação de crimes cometidos no âmbito de um

aparelho organizado do poder. Organizações de poder são dotadas e estruturadas hierarquicamente

e contêm uma disciplina de poder própria. Os seus elementos que são incumbidos de realizar

uma determinada ação acabam por atuar de forma automática, adquirindo então a natureza

de instrumentos que reagem de forma mecânica às ordens ou instruções dos seus chefes.

Roxin considera que nestes casos continua a ser imputada responsabilidade ao Autor Material.

Considera este autor que o autor mediato tem o domínio do facto social- mas este domínio social do

facto não é suficiente para não abarcar a responsabilidade do executante. Dada a disponibilidade de

meios que essas organizações têm, o executor do crime surge então como um elemento fungível

que, mesmo quando atue com culpa dolosa, está afetado por um verdadeiro domínio do

Homem de Trás. Estamos perante uma forma de domínio da vontade que, indiferente à atitude

subjetivo psicológica do Homem da Frente, integra um fundamento autónomo da autoria

mediata.

Âmbito organizativo:

(1) Organizações políticas, militares ou policiais que se apoderam do poder

Estatal- ex- RDA ou ditaduras militares;

(2) Movimentos clandestinos, organizações secretas e Associações criminosas-

máfias

Para a professora Bárbara Sousa de Brito, Roxin tem a seu favor o facto de conseguir punir mais

facilmente as pessoas que levam os outros a cometer um ato criminoso.

Perspetiva de Figueiredo Dias

Na verdade, uma organização do tipo referido cria uma forte dependência de entre o Homem da

Frente para com o Homem de Trás. Esta dependência é de tipo psicológico. Considera Dias que

nestes casos só se deve considerar ter havido um domínio social do facto quando o autor

mediato tenha atuado induzindo em erro ou coagindo a outra parte. Para Figueiredo Dias,

nestas organizações existe uma forte dependência de entre o Homem da Frente para com o Homem

de Trás, mas o domínio social do Homem que está numa posição traseira não é suficiente para

afirmarmos a existência de uma autoria mediata. Esta é a grande diferença de entre o Professor

Figueiredo Dias e Roxin. Tendo o Homem o domínio social do facto, mas não induzindo em erro ou

coagindo a outra parte, de acordo com o princípio da autorresponsabilidade, o agente de trás deverá

Page 131: Resumos Teoria do Crime FDUNL

131

ser punido apenas como instigador. Do mesmo modo se deve afastar a sua caraterização como

autor, fundada na consciência do Homem de Trás que as suas instruções serão seguramente

cumpridas, aliada à consciência do Homem da Frente de que pertencer à organização significa

dispor-se a executar instruções daquele tipo- não existe uma decisão conjunta que possa valer como

co-autoria, como veremos numa fase posterior.

Conceição Vale D´Agua:

Nestes casos a autoria mediata não é o domínio da organização, mas a subordinação

voluntária do executor à decisão do agente mediato. Para esta professora, o que importa

perceber é saber se autoria mediata deve cobrir a “dependência psicológica” quando ela ainda é

compatível com a personalidade do agente.

Utilização de Inimputáveis

Consequência (art. 20)

- Idade;

- Anomalia Psíquica.

Esta perspetiva está relacionada com os casos de utilização de inimputáveis para a prática de um

facto punível e relevante jurídico penalmente. A inimputabilidade pode ser um resultado da anomalia

psíquica ou em razão da idade, como conseguimos constatar do art. 20 CP.

Clivagem Doutrinária:

o Para o professor Figueiredo Dias haverá autoria imediata sempre que se utilizem inimputáveis

num domínio ético-social do facto. Há uma falta de imputabilidade do agente executor

seja a anomalia psíquica permanente ou transitória. Uma vez que estão quebradas,

como sabemos as conexões objetivas do facto ao agente não parece poder afirmar-se

que o agente executor tinha o domínio do facto e por essa mesma razão não pode ser

punido, ainda que possa afirma-se que o mesmo haja atuado dolosamente. O princípio

da auto responsabilidade do Direito Penal que muito ténis apelado é então, para este autor,

o critério definidor das fronteiras da autoria mediata. Ou seja, independentemente de qual

for o domínio fáctico do acontecimento que possa ter tido no momento da atuação,

v.g., um agente imediato não pode ser responsabilizado juridicamente pelo facto e,

nessa medida, pode e deve ser visto como intermediário instrumentalizado pelo

Homem de Trás.

o Mas há ainda um outro segmento da doutrina que defende que para haver uma autoria

mediata no caso da utilização dos inimputáveis, tem que se provar que há um domínio do

facto por parte do suposto autor mediato, i.e., para além do domínio ético-social

propugnado por Figueiredo Dias, tem que se provar e acima de tudo do domínio da vontade

do inimputável- em relação ao elemento intelectual e volitivo.

o A Professora Conceição Vale D´Água pode falar-se em autoria mediata em todos os

casos em que o executor material se subordina voluntariamente à decisão do Homem

de Trás e até a um último momento a decisão ou vontade de executar o facto é

condicionada pelo Homem de Trás. Nestes casos, para a autora, o que se passa é que o

Homem da Frente não tem vontade própria, i.e., a sua vontade está presa e depende

totalmente do Homem de Trás.

Page 132: Resumos Teoria do Crime FDUNL

132

E quando não há ação por parte do autor imediato?

Quando não há ação por parte do autor imediato, pata a maior parte da Doutrina não se pode falar

em autoria mediata porque a voluntariedade não é suficiente para se falar em domínio sobre o facto-

por essa mesma razão se considerarão estes crimes na instigação.

Imaginemos que o sujeito A atira B contra C para magoar este último. Por parte do sujeito intermédio

nem houve sequer uma ação, porque o sujeito é utilizado como uma espécie de projétil. O B não

está sob o domínio da vontade, logo não é correto falar-se de autoria mediata nestas situações, mas

sim de instigação.

Tentativa na autoria mediata

Quando o facto ilícito não atinge a sua consumação.

Figueiredo Dias

Para Figueiredo Dias, a questão só pode ser colocada a partir do momento em que o agente de

trás começa a exercer influência sobre o seu instrumento. Mas a partir deste momento são

possíveis várias soluções:

(1) Solução Puramente Individual: A autoria começa logo com o início da conduta

externa de influência do instrumento;

(2) Solução Individual Modificada (Roxin): a tentativa inicia-se com o final da atuação

do autor mediato sobre o instrumento e, deste modo, com a saída do acontecimento

do âmbito de domínio do autor mediato. A tentativa começa logo com a ação de

instrumentalização do executor para a prossecução de finalidades criminosas. Para

este autor a tentativa iniciasse com a perda de controlo sobre o instrumento por parte

do executor;

(3) Solução Conjunta (Stratenverth): a tentativa do facto na autoria mediata é iniciada

com a intervenção do instrumento e, por conseguinte, quando este inicia a execução.

O comportamento do autor mediato e do executor deve ser visto como uma ação total

e por isso só haverá tentativa com o início da execução do facto por parte do autor

imediato;

(4) Professora Conceição Vale D´Água: se a ação do autor mediato for de natureza a

fazer estrago nos termos do plano criminoso que leve a que se decidam logo os atos

de execução, em conformidade com o disposto nas alíneas b) e c) do art. 22, então

nesses casos há uma tentativa por parte do autor mediato:

o Atos idóneos a produzir o resultado típico;

o Atos que segundo a experiência e circunstâncias imprevisíveis, forem de

natureza a fazer esperar que se lhes sigam atos de espécies suscetíveis

de lesão dos bens jurídicos tutelados pelas normas incriminadoras da PE.

Por exemplo: A numa caçada diz ao C que atrás de uma árvore está um veado, quando na verdade

não está, sendo de conceber que o sujeito A sabia perfeitamente que estava a induzir o outro em

engano. Entretanto, o outro acaba por não atirar à árvore porque B o avisa previamente que estava

Page 133: Resumos Teoria do Crime FDUNL

133

lá uma pessoa. Ora, esta situação materializa um caso de erro. Há uma tentativa que começa a partir

do momento em que A diz a C que atrás da árvore x estava uma peça de caça.

Co-autoria

Nos termos da 3.ª alternativa do art. 26/1, é punido como autor quem tomar parte direta na

execução do facto, por acordo ou conjuntamente com outros. Não é por esta forma ter que ver

com o acordo ou com a execução conjunta que o agente vai deixar de ser considerado como o sujeito

que tinha o domínio direto do facto, podendo até dizer-se neste âmbito que há um condomínio do

fato.

Situações em que o agente tem o domínio social do facto e possui efetivamente informação relevante

na execução do facto típico. Para que possamos afirmar da existência de uma situação de co-autoria

têm que se verificar simultaneamente dois elementos:

Co-autoria = Decisão conjunta ou acordo + Execução Conjunta

Na co-autoria tem que haver um acordo em sentido amplo e esse mesmo acordo tem que ser prévio.

Acordo Prévio = acordo em sentido estrito

Acordo que ocorre durante a ação de execução= ação consertada.

O que nesta figura existe é a existência de uma determinada decisão conjunta por um lado, e por

outro lado, de uma determinada medida de significado funcional da contribuição do co-autor para a

realização típica- muito exatamente realçada pela nossa lei ao impor que o co-autor tome parte direta

na execução. A atuação de cada co-autor tem é que ser essencial para a execução do plano

comum, i.e., constitui a realização da tarefa que lhe cabe na divisão de trabalho que representa

mesmo a essência desta forma de autoria.

Roxin fala neste âmbito de um domínio de facto funcional.

Decisão Conjunta

o Componente subjetiva da co-autoria

Importância deste elemento

Só através deste elemento se pode justificar que o agente responda pela totalidade do delito quando

apenas levou a cabo uma parte na execução típica

Será este por exemplo o caso de um roubo a um banco- art. 210/1. Três indivíduos estão na rua a

fazer um assalto a um banco- ato ilícito. Enquanto um agarra o polícia, o outro bate no mesmo para

que o terceiro consiga assaltar as bombas de gasolina. Este ato de roubar é praticado em co-autoria.

Que qualquer dos co-autores responda pela totalidade da realização típica só pode aceitar-se porque

a execução é, toda ela, fruto de uma decisão conjunta. O que significa exigir-se uma conexão mútua

entre as partes da execução do facto a cargo de cada um dos co-autores que, também numa

consideração objetiva, conduza a colocar sobre o ombro de uns o papel e a função que fora

incumbida aos outros autores.

Page 134: Resumos Teoria do Crime FDUNL

134

A decisão conjunta não se pode bastar com o mero acordo das partes. O mero acordo não serviria,

só por si, para caraterizar a autoria. Tudo acaba em suma por recair no significado externo de que a

realização acordada reveste, nas caraterísticas do papel ou da função que a cada co-autor é atribuído

em relação ao plano para a execução do facto. O facto não aparece assim como uma forma

unitária de favorecimento alheio, mas sim como parte de um atividade globalmente

considerada. Nesta medida, não fica excluído à partida o facto de o acordo poder ser aferido

implicitamente, mas só nas situações em que a situação externo-objetiva só possa ser

interpretada como um ajuste espontâneo num comportamento comum.

Excesso na Co-autoria

A responsabilidade do co-autor só é imputável na precisa medida em que a execução se encontre

coberta pela decisão conjunta. Se as ações são praticadas em excesso, sejam as mesmas a

título singular ou coletivo, por dolo ou negligência, só podem então ser imputadas a quem as

praticou, a não ser que a sua prática seja suficientemente previsível. Havendo um excesso na

execução do facto típico, em regra, este não vai ser imputado aos co-autores, a não ser que fosse

previsível. Não sendo o resultado típico suscetível de ser previsto pelo outro co-autor, pode este

ainda ser punido a título direto e negligente.

Momento do acordo

Regra geral: antes da verificação da prática do facto

Exceção: durante a consumação da prática do facto- co-autoria sucessiva

Por exemplo, se A e B combinam dar uma sova a C e B sem o conhecimento do A leva uma arma e

dispara sobre C, pode A ser punido a título de participação conjunta? A não será punido como co-

autor porque não era previsível o disparo. No entanto, se A se apercebe que em várias situações B

é agressivo, a ponto de ofender a integridade física ou o bem vida de outrem, pode ser punido a título

de negligência- não pode ser ainda assim punido como co-autor porque não se verificou uma decisão

conjunta. O conceito de autor é, portanto, nesta hipótese, unitário: é autor de um tipo de crime todo

aquele que contribui para a produção do resultado negligente.

Execução Conjunta

Fazendo uma interpretação literal da norma do art. 26, devemos perceber que neste caso cada um

dos co-autores contribui para a execução do facto, ou seja, cada co-autor toma parte direta na

execução do crime.

Doutrina Maioritária:

Contudo, para a maior parte da Doutrina, nomeadamente Roxin, para se poder falar em co-autoria

por execução conjunta tem de haver um domínio funcional do facto por parte de cada um dos

co-autores. Há domínio funcional quando para além de cada um dos envolvidos ter o domínio sobre

a execução, tem ainda que se provar que o contributo de cada um dos autores nos termos do plano

é considerado como indispensável à realização do crime ao ponto de cada co-autor ter aquilo que se

denomina por domínio negativo do facto. Isto significa que tem que se provar que cada co-autor

tem o poder sobre o que haja sido previamente acordado, podendo contudo não prestar o seu

contributo. Em suma, para haver co-autoria, não basta provar que a pessoa teve o domínio do facto,

esse domínio tem que ser negativo, ou seja, o sujeito em causa tem que ter a oportunidade de desistir

e à última da hora não prestar o seu contributo.

Page 135: Resumos Teoria do Crime FDUNL

135

Doutrina Minoritária:

Para um outro segmento da doutrina, basta a titularidade deste domínio para se poder falar em

domínio social do facto- havendo autores que consideram dispensável a existência de um domínio

negativo sobre o plano- bastando que o contributo dado pelo agente seja essencial.

Doutrina Maioritária: Domínio social + Domínio Negativo do Facto

Doutrina Minoritária: Domínio social

Participação essencial na preparação do crime: pode falar-se em co-autoria? Por exemplo, se uma

pessoa é a única que pode fazer o mapa para alcance do tesouro ou é a única que pode fazer a

chave do cofre, pode considerar-se co-autor na medida em que tem um contributo essencial para

que o plano se possa concretizar?

Roxin: esta pessoa não pode ser considerada como co-autora, apesar de a sua participação poder

ter sido essencial e necessária, não se verificou uma execução conjunta do facto. A pessoa só

participa no plano mas acaba por não executar o facto jurídico penalmente relevante e por isso não

deve ser punida.

A regra é a de que só há participação de houver autor- neste caso coloca-se a hipótese da

participação que será estudada logo de seguida- a participação é uma figura acessória da autoria

que só pode ser colocada em ponderação quando a autoria seja afastada.

O que acontece no caso de terem sido praticados atos de execução de um tipo de crime acordado

por vários agentes mas apenas um ou alguns deles atuou? Até que ponto é que os indivíduos que

participaram no plano comum podem ser punidos a título de iniciativa?

Roxin defendeu durante muito tempo a chamada solução global de acordo com a qual a tentativa

começa para todos a partir do momento em que é praticado dado ato de execução por qualquer um

dos agentes.

Argumentos utilizados por Roxin:

Titularidade do domínio funcional- A partir do momento em que os agentes participa,

elaboram o plano comum e têm um contributo essencial para a execução do crime, podem

ser punidos a título de tentativa uma vez que se considera que os mesmos têm a titularidade

do domínio funcional do facto.

Acaso- seria injusto punir apenas o co-autor que no plano tem o ato de execução inicial e

não punir os restantes co-autores que no plano acabaram, também eles, por ter o domínio

funcional do facto.

A Professora Conceição Vale D` Água diz que só pode neste âmbito ser punido a título de tentativa

o co-autor ou co-autores que exerceram atos de execução- os restantes agentes serão então punidos

como cúmplices morais.

Não basta a titularidade do domínio funcional ao nível do plano, é ainda necessário o

exercício do domínio funcional do facto por parte do co-autor. Nestes casos, em que só

o primeiro co-autor pratica o ato de execução, os restantes co-autores não exercem um

verdadeiro domínio funcional do facto. Portanto, para o co-autor poder exercer o domínio

funcional do facto tem que ter: para além do domínio funcional do mesmo- um contributo- tem

ainda de ter o chamado domínio negativo do facto- possibilidade de fazer fracassar o plano e

evitar o crime. Nestes casos, para a Professora, só são praticados atos de execução por parte

de aqueles sujeitos que atuam em primeiro lugar, sendo que os restantes não exercem o

Page 136: Resumos Teoria do Crime FDUNL

136

domínio funcional negativo do facto- este domínio negativo tem que ser visível ao nível da

própria consumação.

Art. 26/3.ª Parte

O co-autor tem de tomar parte direta na execução;

Tem de prestar uma contribuição objetiva para a realização do facto

Participação direta na execução

Essencial é a ideia segundo a qual o princípio do domínio do facto se combina aqui com uma

exigência de repartição de tarefas.

Por exemplo, fruto de uma decisão conjunta, num assalto a um banco A fica ao volante para permitir

a fuga, B desliga o alarme, C armado assegura a saída, D ameaça os clientes e E esvazia o dinheiro

dos cofres. Os elementos típicos do crime de roubo são preenchidos por D e E, mas todos os eles

serão considerados como co-autores: nenhum destes sujeitos precisa de preencher na totalidade

todos os elementos típicos para que possa ser punido a título de co-autoria.

A repartição de tarefas tem de persistir no estádio de execução do fato típico, ou seja, tem de

refletir-se ainda no momento situado de entre o início da tentativa e a consumação do facto.

O que interessa é que a contribuição material possa ser vista como o exercício do domínio do facto

e, por conseguinte, como parte do preenchimento típico. É óbvio que os contributos que cada co-

autor teve para o facto não têm que ocorrer simultaneamente nem é necessário que os co-autores

se encontrem no lugar da execução do facto para que sejam punidos a esse título

Figueiredo Dias crítica uma certa corrente da Doutrina Alemã, nomeadamente Stratenverth que

afirma que para a co-autoria basta a atuação do agente na fase preparatória- fase de planeamento

e organização da execução. Vai de encontro com Roxin ao dizer:

(1) Ou o planeador dirige ele próprio a operação à distância e deve ser considerado como

co-autor;

(2) Ou o planeador se limita a conceber a ação, mas estando desinteressado da sua efetiva

realização, ele só poderá ser punido como instigador ou cúmplice.

Caraterísticas da Contribuição para o facto: peso, relevância, importância e significado que

tem de ter a conduta do agente

De acordo com o critério material de domínio do facto, é indispensável que do contributo

objetivo dependa o se e o como da realização típica e não apenas que o agente se limite a

oferecer ou pôr à disposição os meios de realização.

Não tem que existir uma causalidade necessária

A contribuição do co-autor singular não tem de ser em si mesma causal, bastando que

o seja o conjunto dos contributos dos diversos co-autores. Qualquer modo de causalidade

necessária é conexionado com o seu reflexo subjetivo no plano e na decisão conjunta, por

isso mesmo tendo o contributo do co-autor de refletir-se na totalidade da execução-

Page 137: Resumos Teoria do Crime FDUNL

137

afasta-se a exigência de uma conexão subjetiva que somente relevaria no caso de haver um

interesse próprio do co-autor naquela realização.

Início da Tentativa na co-autoria

Devem ser punidos todos os co-autores a partir do momento em que um primeiro realiza um

dos atos de execução?- solução global

ou

Cada co-autor deve ser punido por tentativa quando a sua atuação alcançou o estádio de

execução- solução individual

Solução Maioritária da Doutrina: solução global

Divergência: Conceição Vale Dágua

Diz esta autora que se um dos co-autores der início à execução do crime, enquanto outro nada

chegaram a executar, então não se vê nada para se considerar injusto ou desigual tratar mais

favoravelmente e não se punir quem nem sequer chegou a executar qualquer ato- não há nenhuma

razão para se considerar que haveria uma violação do princípio da culpa.

Para esta autor, no âmbito da co-autoria a conceção individual deve merecer preferência. O

co-autor também na tentativa tem que exteriorizar um qualquer comportamento. Portanto, de

acordo com esta conceção minoritária os atos preparatórios não chegam para fundar a

responsabilidade. A punição depende do facto de cada um dos co-autores:

Ter tido o domínio social do facto;

Mas também o agente tem de tomar parte direta na execução.

Participação

Subsidiariedade em relação à autoria

o Formas: Instigação e Cumplicidade

Instigação

Instigador

A instigação vem referida na última parte do art. 26 quando se refere: “quem dolosamente determinar

outrem à prática do facto desde que haja execução ou começo de execução”. Instigador não é

aquele que só incentiva, sugere, reforça ou aconselha o autor à realização do facto típico, mas

sim todo aquele agente que, com a sua conduta, influencia a motivação do executor na direção

da realização típica. O instigador não é autor da prática do facto, mas pode ser considerado como

participante. Instigador é unicamente quem produz ou cria, nos termos do art. 26, de forma cabal no

executor a decisão de atentar contra um determinado bem jurídico-penal através da comissão de um

concreto ilícito típico- cria-se uma verdadeira dependência psicológica em relação à motivação dada

o que acaba por fazer mesmo o autor praticar o crime.

Page 138: Resumos Teoria do Crime FDUNL

138

Semelhanças com o autor mediato/co-autor: tal como o autor mediato ou co-autor, também o

instigador possui o domínio do facto e determina o executor à prática do facto. Possui

verdadeiramente o domínio da decisão de praticar o facto ilícito típico.

Mas o instigador é considerado como autor ou participante?

O art. 26 tem como epígrafe autoria e o instigador vem na última parte deste preceito. Para uma

parte da Doutrina, não é o facto de o art. 26 prever a instigação que o instigador deve ser punido

como autor do facto. O fundamento da punibilidade do instigador é diferente do fundamento da

punibilidade do autor: isto tem que ver com o domínio do facto e do como da sua realização.

O fundamento da punibilidade do instigador é o facto de este ter determinado outrem à prática de um

facto criminoso, sendo que esse outrem tem, ainda assim, o domínio da sua vontade, esta última

livre e esclarecida.

Figueiredo Dias:

:-: Instigador Pessoal

O instigador surge assim como um verdadeiro senhor, dono ou senhor da decisão do instigado em

cometer o crime, determinação que desta maneira integra, por antecipação, a totalidade dos

elementos constitutivos do ilícito típico e, por isso também, do conteúdo material do ilícito. Quando o

ilícito, ainda que seja obra do Homem da Frente ou executor, se o instigador foi determinante para a

realização do ilícito típico, estamos perante uma forma de instigação suscetível de ser incorporada

na autoria.

:-: Instigador por Indução

Quando o Homem de Trás apenas influencia a motivação do Homem da Frente, sem

verdadeiramente a determinar. Mas estes comportamentos não cabem dentro do conceito jurídico-

penal de instigação nos termos da quarta proposição do artigo 26 do CP. Antes constituem casos de

que cabem dentro do tipo cumplicidade para efeitos do Artigo 27.

:-: Instigador = autor

Incluídas no âmbito da autoria mediata devem estar as situações em que, por força da atuação

do Homem de Trás, o Homem da Frente ou agente instrumentalizado leva a cabo o facto de

forma não totalmente responsável e este lhe não pode ser imputado a título de dolo. Para o

Professor Figueiredo Dias, no caso da vontade do agente executor ter sido livre e esclarecida, então

o backside author deve ser considerado como verdadeiro autor. Para este professor, o domínio da

decisão constitui o domínio do facto. Por isso diz que o instigador surge como dono da decisão do

instigado. Quando o Homem da Frente atue de uma maneira plenamente responsável do ponto de

vista jurídico-penal, então a ele cabe o papel de autor mediato e ao outro- se não houver lugar a co-

autoria- pode ser condenado a título de instigador ou mero cúmplice. Nestes casos deve ser

considerada a autoria mediata do agente executor porque na verdade há uma repartição do domínio

do facto relativamente ao mesmo ilícito-típico.

Conceição Vale D´Água

O argumento utilizado pelo Professor Figueiredo Dias é bom para que possamos punir o agente

como autor mediato e não como instigador.

Como percebemos, existem na Doutrina várias conceções e posições acerca do próprio conteúdo

dos conceitos utilizados nas formas de participação.

Page 139: Resumos Teoria do Crime FDUNL

139

Elementos da Instigação

1º Determinação de outrem a executar dolosamente o crime

1.ª Consequência deste elemento

Este elemento implica que alguém crie, produza no executor a decisão de realizar o crime. Isto é

uma ideia muito Importante porque não basta haver uma influência ou motivação do Homem da

Frente através de um conselho ou motivação, sendo ainda preciso que a decisão do facto concreto

seja criada ou produzida pelo instigador.

2.ª Consequência deste elemento

Tem que haver dolo por parte do agente instigado. Apesar de o instigador ter criado ou produzido a

decisão de realizar o crime por parte do instigado, a decisão criminosa é do autor material ou

executor. Ou seja, apesar de ser o instigador a criar na mente do instigado a decisão de praticar o

crime, o próprio instigado tem que atuar dolosamente.

2º Dolo do Instigador

Não falte quem afirme que ao nível da instigação o dolo tem de ser duplo.

O dolo do instigador tem que ser duplo:

Dolo= vontade e determinação da prática do facto;

Dolo de ação instigado= temos de estar perante um dolo em relação ao crime que o

instigado vai praticar.

O dolo do facto que se irá praticar não tem de compreender a espécie e o modo de execução, basta

a representação do ilícito típico que se pratica, não se necessitando de saber os modos de execução

da ação praticada.

O dolo deve dirigir-se à consumação do facto pelo instigado ou pode referir-se à mera tentativa?

Ação instigada: posições doutrinárias divergentes

A instiga B ao crime de droga com intuito de o apanhar em flagrante delito.

Uma parte da Doutrina, nesta situação, diz que não há instigação. Este é um caso de agente

provocateur, ou seja, um agente que determina outro à prática de um facto mas que o outro acaba

por não consumir o facto na medida em que é apanhado em flagrante delito. O agente provocateur

é o agente que atua no sentido de determinar alguém à prática do facto, com o propósito de que este

alcance apenas o estado da tentativa, para logo aí deter e evitar que a consumação venha a ocorrer.

Para Figueiredo Dias a única forma de se não punir o agente neste caso como instigador é o facto

de ser a própria lei a excluir a punibilidade do facto. Ora, se a lei não exclui a punibilidade do acto, o

agente acabará por ser punido como instigador porque age com dolo na ação.

Por tudo o exposto é de afirmar que ao dolo do instigador pertence também a representação dos

concretos elementos e circunstâncias do ilícito típico respetivo, não bastando em caso

alguma representação abstrata de que o comportamento do instigado constituirá um

qualquer facto punível: o dolo do instigado tem de se dirigir àquele mesmo facto que o

instigador que praticar.

Page 140: Resumos Teoria do Crime FDUNL

140

Excesso por parte do instigado: “Excesso Mandatis”

O excesso por parte do instigado não pode ser imputável ao instigador, salvo se for previsível: mas

nesse caso o instigador vai ser punido como autor negligente ou paralelo. Se o excesso é algo que

o instigador consegue prever e se conforma, então pode ser mesmo punido por esse título. Vejamos,

se o instigado comete um roubo ou um furto qualificado quando a instigação se dirigiu, apenas,

respetivamente, a um furto ou a um furto simples- neste caso há claramente um excesso na execução

da instigação.

Excesso:

Previsível- punição do agente a título de instigador

Imprevisível- punição do agente a título negligente

Factos que constituem casos de pretensa autoria mediata que na verdade são de instigação

Pequenas deficiências da autodeterminação do Homem da Frente;

Erro sobre o conteúdo concreto ou objeto da ação;

Factos de instigação cometidos em cadeia

Erro sobre o Objeto

1) Erro em que incorre o Homem da Frente e que é inteiramente criado pelo Homem de Trás

exclui o dolo e o Homem de Trás é considerado como autor imediato do tipo de ilícito;

2) Não há uma exclusão do dolo e o Homem de Trás será considerado e condenado como

instigador mas única e simplesmente nos casos em que o engano tenha sido dolosamente

provocado dolosamente determinando o Homem da Frente à prática do facto.

Se houver um erro sobre o objeto por parte do instigado, em princípio esse erro equivale a uma

aberratio ictos para o instigador. A manda B matar C. Ma B em vez de matar C mata D.

Um segmento da Doutrina diz que este erro equivale a uma aberratio ictos de A e por isso A iria ser

punido pelo crime de tentativa de Homicídio do sujeito C e também pelo crime de Homicídio por

Negligência- por ter sido o autor paralelo- em relação a D.

Rui Pereira: corrente divergente: o agente neste caso só deve ser punido pelo crime de Homicídio

doloso de C, abarcam-se e protegem-se os bens jurídicos tutelados pela norma incriminadora.

Instigação em cadeia

Esses são os casos em que o agente não tem contato direto com o executor do facto, no

entanto, surge como um elo de uma cadeia conducente à determinação de um facto típico e

ilícito. Por exemplo, A amante de B, convence-o a determinar C a matar D, marido de A. Contudo,

A nunca entrou em contacto com o sujeito C. Vamos punir o sujeito A como instigador ou não? Há

quem diga que o sujeito nestes casos pode ser punido por instigação em cadeia. Arguem estes

autores que o legislador no art. 26 diz quem dolosamente determinar outra pessoa, mas não tem que

ser necessariamente diretamente, podendo ser também a pessoa determinada à prática do facto. Há

também quem defenda o contrário, ou seja, que só pode ser punido o agente que dolosamente

determina outra pessoa à prática direta do facto.

Page 141: Resumos Teoria do Crime FDUNL

141

JOAO RAPOSO + FIGUEIREDO DIAS = o que importa é determinar se a atuação do agente

determinou a prática do facto por parte do executor. Ou seja, nós temos de partir do executor e

averiguar se o que foi determinante para ele ter decidido praticar o facto foi algo que o sujeito

inicial oferece ou se, pelo contrário, o que determina o facto foi o momento presente e o

circunstancialismo. Se se mata por exemplo o sujeito na sequência do calor de uma discussão

então o agente inicial não será punido como instigador. Os casos de instigação em cadeia, para

Figueiredo Dias, em nada constituem uma violação do princípio da culpa. A conduta de cada um dos

elos da cadeia determinou o executor à prática do facto ilícito típico, tendo este dado início à

execução, Indispensável é, por conseguinte, que em relação ao agente executor se possa

afirmar o ter havido por parte dos outros de um domínio da sua vontade. Quem possui este

domínio será considerado como autor conjuntamente com outros que são também autores se têm o

domínio da vontade do executor. Os restantes elos da cadeia que não têm um domínio sobre a

vontade do executor serão apenas punidos como cúmplices.

Tentativa na Instigação

O problema é neste âmbito resolvido pela própria lei que exige que “haja execução ou começo de

execução”. O início da tentativa dá-se então a partir do momento em que se inicia a execução

por parte do instigado- é verdade que de um ponto de vista dogmático a atuação do exequente só

se torna perigosa para o bem jurídico ameaçado se e quanto o próprio instigado der início à

execução- estamos a adotar a solução conjunta ou global definida por Roxin.

Cumplicidade

De acordo com o art. 27, o cúmplice é todo aquele que dolosamente ou por qualquer forma, prestar

auxílio moral ou material à prática por outrem de um facto ilícito-típico. O cúmplice é um mero

participante uma vez que não tem o domínio do facto. A cumplicidade vem referida no art. 27.

Também existem elementos objetivos e subjetivos da cumplicidade.

Elementos Objetivos

Contributo direto do cúmplice para facilitar ou preparar a execução:

o Contributo Material- este contributo não é essencial ao ponto de se falar em co-

autoria- não pode a prática do facto ficar na dependência do cúmplice. O contributo

material pode traduzir-se no fornecimento de um objeto necessário para a prática do

crime ou na prestação de uma informação relevante;

o Contributo Moral- este contributo não é essencial ao ponto de se falar em instigação-

para haver instigação tem que haver um favorecimento ou fortalecimento da decisão

do autor. O cúmplice moral reforça a vontade delitiva pré-existente. Quando o

cúmplice moral atua, já o autor havia decidido cometer o crime, sendo a sua decisão

somente reforçada pela atuação do cúmplice.

Para Figueiredo Dias, no caso de haver um contributo material para a prática do facto, este não pode

ficar na dependência do cúmplice.

Causalidade em relação ao resultado tal como se produziu;

Page 142: Resumos Teoria do Crime FDUNL

142

Aumento do risco de ofensa do bem jurídico- isto significa que o contributo tem de

aumentar o risco para o bem jurídico. Se só existe uma dificuldade acrescida não podemos

afirmar da existência de cumplicidade- ou seja, nos casos em que a dificuldade resulta de um

mero convencimento, incentivo ou conselho;

Execução ou começo da execução por parte do autor material.- para se poder punir o

participante tem que haver sempre execução ou início da execução- elemento da

acessoriedade que carateriza a participação por cumplicidade em relação à autoria.-

Contrariamente a Roxin que diz que a cumplicidade é uma entidade autónoma e independente do

ilícito do autor, constituindo o comportamento do cúmplice um ataque autónomo ao bem jurídico,

Figueiredo Dias vem dizer-nos que também o direito penal da cumplicidade não pode deixar de se

referir ao bem jurídico: a extensão à cumplicidade da punição do facto do autor não pode por isso

deixar de fazer-se também em nome da tutela de bens jurídico penais. Dúvida Figueiredo que esta

extensibilidade da punição confira uma autonomia ao comportamento que foi adotado pelo cúmplice,

a não ser em casos especiais, de caráter negativo:

Se toda a cumplicidade é a participação no ilícito típico, então nem toda e qualquer punição

tem de constituir cumplicidade. A nossa professora discorda desta perspetiva.

Para este autor, para que se considerar que houve cumplicidade no caso concreto teríamos de

considerar bastante a verificação dos requisitos da punição- não parecia desta maneira necessário

turvar ou enfraquecer a força de vigência do princípio da acessoriedade, fundamental na correta

compreensão de toda esta matéria.

Elementos Subjetivos

o Dolo do cúmplice- dolo do autor material

Mais uma vez este dolo do cúmplice tem que ser um dolo duplo, i.e., tem que haver

dolo quanto ao auxílio e dolo quanto ao facto praticado. Mais uma vez quando se

diz que tem que haver dolo quanto ao facto praticado não significa que o cúmplice tem

que conhecer as circunstâncias concretas do facto, bastando para o efeito que a sua

atitude dolosa tenha uma dimensão essencial em relação ao ilícito típico praticado.

Prestação de auxílio no crime de ilícito;

Ação dolosa por parte do autor

Devemos analisar sempre em primeiro lugar o autor material numa hipótese de

participação e só depois aferirmos da responsabilidade moral do

comparticipante em relação à acessoriedade limitada de acordo com a qual a

responsabilidade do participante é determinada em função da responsabilidade

do autor material. O participante só vai ser punido se o autor material levar

efetivamente a cabo a pratica do facto ilícito e típico. A culpa vai numa fase posterior

ser objeto de análise individual- art. 29 CP.

Diferença da cumplicidade para a instigação

Instigação- imputação do facto ao autor;

Cumplicidade- mera colaboração ou participação no facto do autor.

Page 143: Resumos Teoria do Crime FDUNL

143

Caso Prático 13

Amadeu prometeu pagar a Bento e a Carlos uma certa quantia se estes subtraíssem uma pintura numa determinada galeria de arte. Bento informa Duarte, segurança da galeria que tencionava candidatar-se a guarda noturno da galeria. Bento e Carlos, introduziram-se à noite pelo telhado da galeria e a dada altura Bento que levava uma arma sem dizer nada a Carlos, acerta em Frederico, pensando que era um cão. Bento e Carlos, apoderaram-se de um quadro mas só mais tarde se aperceberam que não era a pintura pedida por Amadeu. Carlos, telefona a Amadeu ameaçando-o que o mataria caso ele não pagasse o valor acordado pelo outro quadro. Determine a responsabilidade jurídico criminal dos intervenientes.

1.º Violação de domicílio e devassa da vida privada

Bento e Carlos introduzem-se à noite na galeria pelo telhado – art.190/1- este crime foi praticado em

co-autoria imediata.

Estão reunidos os pressupostos da co-autoria:

:-: Decisão conjunta de Bento e Carlos

:-: Execução conjunta

Nos termos do art.26.º: o facto foi praticado por Bento juntamente com Carlos conjuntamente e

mediante acordo prévio.

2.º Homicídio por negligência

Bento que levava uma arma sem nada dizer a Carlos acerta na pessoa de Frederico, pensando que

estava a atirar a um cão. Bento é o autor imediato do crime de Homicídio, mas por que tipo de

Homicídio vai este agente ser punido?

Nesta hipótese existe claramente um erro sobre o objeto. Os objetos não são idênticos. Pune-se

então por tentativa do crime de dano (art.212) e pelo crime de Homicídio que realizou na forma

negligente- aberractio ictus- (art. 137). Contudo, em relação à negligência, teria que ser feita a prova

de que estavam reunidos os pressupostos para que se pudesse imputar a responsabilidade pelo

Homicídio de Frederico a Bento. Há então um concurso efetivo de entre estes dois tipos de crime

uma vez que os bens jurídicos tutelados pela norma incriminadora são diferentes e então a punição

do agente terá que ser feita somando a pena que o juiz determine para o caso concreto.

3.º Crime de Furto (art. 203)

Em relação ao crime de furto também havia um erro em relação ao objeto. Incidindo o erro sobre o

objeto e sendo os objetos enganosos tipicamente idênticos (quadros), a sua verosimilhança não tem

qualquer relevância jurídica e os agentes continuam a ser punidos pelo crime de furto. Estamos

perante uma situação em que houve uma execução defeituosa pela pessoa de Bento e Carlos-

aberratio ictus. Há uma identidiade típica quanto ao objeto.

Mas e haverá responsabilidade jurídico criminal suscetível de ser imputada a A?

Sujeito A

Crime de ameaça

Page 144: Resumos Teoria do Crime FDUNL

144

Em primeira mão A realiza o tipo do crime de ameaça. O crime de ameaça é um tipo de crime abstrato

que para ser realizado pelo agente basta a adoção da conduta que está prevista no descrição

normativa, não sendo necessária a afetação de bens jurídicos ou até a criação de perigos para os

mesmos.

Crime de furto

Doutrina Maioritária

Autor Mediato

A assume neste âmbito a posição do Homem de Trás. Há uma execução defeituosa do crime de

furto- aberratio ictus: o sujeito A ia ser punido por tentativo do crime de furto do quadro Y e tentativa

de furto do quadro x pela forma negligente. Mas os agentes só podem ser punidos pela forma

negligente quando essa forma se encontra prevista no tipo incriminador da PE. Ora, como o crime

de furto não é punido pela forma negligente, o agente acabaria por ser punido pelo crime de tentativa

impossível de furto qualificado porque o objeto não existe. O quadro usado pelos agentes em co-

autoria na execução não é o mesmo, é outro quadro.

Doutrina Minoritária

Rui Pereira: o erro sobre o objeto não tem qualquer relevância e a pessoa de A tem que ser punida

pelo crime de furto. O agente vai ser punido pela forma dolosa unicamente porque os bens jurídicos

que se pretendem ver protegidos no caso concreto são idênticos.

Homicídio de Bento por Negligência

Autor paralelo ou co-autor

Morte de Frederico: poderíamos ponderar a instigação, mas há um excesso. Havendo um excesso,

a pessoa de A não pode ser punida como instigadora, só poderá ser punida a título negligente como

autor paralelo.

Condenação de A - Ameaça + furto / (tentativa de furto de x + y) + homicídio título negligente

Por ultimo, o sujeito D nem poderia ser considerado como instigador nem como cúmplice.