teoria jurÍdica do crime

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TEORIA JURÍDICA DO CRIME 6º edição COLEÇÃO CIÊNCIA CRIMINAL CONTEMPORÂNEA Coordenação: Cláudio Brandão Cláudio Brandão 1

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A interpretação do atual Direito Penal, através dos argumentos teleológicos, históricos e sistemáticos, é o objeto da Coleção Ciência Criminal Contemporânea. Para tanto, os pontos chaves do saber criminal, tratados cientificamente, são cuida-dosamente dispostos em obras que tem como elo o rigor me-todológico através do qual as investigações são realizadas, para além da contribuição original que elas geram.

TEORIA JURÍDICA DO CRIME 6º edição

COLEÇÃO CIÊNCIA CRIMINAL CONTEMPORÂNEACoordenação: Cláudio Brandão

Cláudio Brandão

11

“(…) O Professor Cláudio Brandão não necessita apresenta-ção, no Brasil ou na Europa, onde partilha o seu saber com Estudantes e Colegas de várias Universidades. A Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa conta há muito com o seu magistério e todos gostamos de pensar que a sua chegada, todos os anos, não é a chegada de um Professor Visitante, mas um regresso a casa. (…) Numa combinação, hoje tão rara, de rigor e clareza, os Estudantes são apresentados a uma das construções mais notáveis da nossa civilização, precisamente a Teoria Jurídica do Crime. Num estilo cristalino, o Autor descreve a forma como esse extraordinário edifício que é a dogmática penal foi paulatinamente levantado a partir do século XIX. O leitor (e portanto, em primeiro lugar, os Estu-dantes) é sempre confortavelmente conduzido pela mão. Tem aqui uma oportunidade única porque, nos caminhos mais estreitos e sinuosos, nunca se perderá e os momentos decisivos de viragem serão sempre assinalados. Quando mergulhamos nos detalhes, percebemos a riqueza e o sentido de cada palavra e a forma como o texto, ascético e contido, irradia em múltiplas direções e potencia os mais variados interesses. Percebemos a modéstia laboriosa da erudição que oferece, mas não exibe.”

Sílvia AlvesUniversidade de Lisboa

ISBN 978-65-5059-098-7

editora

CLÁUDIO BRANDÃOProfessor Titular concursado de Direito Penal. Professor dos Programas de Pós-gra-duação em Direito da Pon-tifícia Universidade Cató-lica de Minas Gerais (PUC Minas) e Faculdade Damas da Instrução Cristã (FADIC). Professor visitante, ao abri-go do Programa Erasmus, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Pro-fessor da UFPE.

TEORIA JURÍDICA DO CRIMEC

láudio Brandão

6ª ed.

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TEORIA JURÍDICA DO CRIME

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COLEÇÃO CIÊNCIA CRIMINAL CONTEMPORÂNEACoordenação: Cláudio Brandão

Cláudio Brandão

TEORIA JURÍDICA DO CRIME6ª Edição

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Plácido Arraes

Tales Leon de Marco

Bárbara Rodrigues

Letícia Robini (Photo by Patrick Tomasso on Unsplash)

Enzo Zaqueu

Editor Chefe

Editor

Produtora Editorial

Capa, projeto gráfico

Diagramação

Todos os direitos reservados.

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, por quaisquer meios, sem a autorização prévia do Grupo D’Plácido.

W W W . E D I T O R A D P L A C I D O . C O M . B R

Belo HorizonteAv. Brasil, 1843,

Savassi, Belo Horizonte, MGTel.: 31 3261 2801

CEP 30140-007

São PauloAv. Paulista, 2444, 8º andar, cj 82Bela Vista – São Paulo, SPCEP 01310-933

Copyright © 2019, D’Plácido Editora.Copyright © 2019, Cláudio Brandão.

Brandão, Cláudio (Professor)B817 Teoria jurídica do crime / Cláudio Brandão. - 6. ed. - Belo Horizonte, São Paulo : D’Plácido, 2020.

336 p. - (Ciência criminal contemporânea; v. 1)

Coordenador da coleção: Cláudio BrandãoISBN 978-65-5059-098-7

1. Direito. 2. Direito Penal. 3. Teorias gerais sobre o crime e a criminalidade. 4. Penas. Penalidades em geral. I. Título. II. Série.

CDDir: 341.5

Catalogação na Publicação (CIP)

Bibliotecária responsável: Fernanda Gomes de Souza CRB-6/2472

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“Ao Rei dos séculos, Deus único, invisível e imortal, honra e glória pelos séculos dos séculos! Amém”

1 Timóteo, 1:17

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Ao Deus Uno e Trino: no Seu amor infinito e inexplicável, Ele nos guarda a todos e tem-nos gravado na palma de Suas mãos.

Ao longo de mais de vinte anos, quer orientando, quer examinan-do, teses de titularidade, de livre-docência, de doutorado e dissertações de mestrado, deparei-me com uma notável nova geração científica de penalistas brasileiros. A todos e cada um desses cientistas eu dedico este livro, desejando-lhes que os seus trabalhos deem muitos frutos, e que esses frutos permaneçam!

AGRADECIMENTOS

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PREFÁCIO 15

PREFÁCIO DA QUARTA EDIÇÃO 19

PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO 23

INTRODUÇÃO 31

1. CONCEITO DE CRIME 351.1. Conceito da Escola Positiva e conceito jurídico de crime 351.2. Conceito material de crime 381.2.1. Conceito de bem jurídico. Antecedentes 401.2.2. Nascimento do conceito de bem jurídico 411.2.3. O bem jurídico no positivismo normativo de Binding 451.2.4. A construção do bem jurídico

a partir do neokantismo 471.3. Conceito formal de crime 501.4. Classificações do crime 54

2. A CONDUTA HUMANA 592.1. Considerações Iniciais 592.1.1. A conduta na teoria do crime 602.1.2. Origem dogmática do conceito de conduta 61

2.2. Teorias do conceito de ação 632.2.1. Teoria causalista da ação 632.2.2. Teoria finalista da ação 662.2.3. Teoria social da ação 71

SUMÁRIO

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2.2.4. Teoria funcionalista da ação 722.3. Considerações críticas sobre as teorias da ação 752.4. Omissão 772.4.1. Considerações Iniciais 772.4.2. O problema conceitual da omissão 792.4.3. A viragem metodológica do positivismo e

os problemas decorrentes do não fazer 812.4.4. As abordagens da omissão a partir do finalismo 85

2.5. Comissão por omissão (omissão imprópria) 882.6. Omissão e Tipicidade 902.7. Ausência de conduta 94

3. NEXO DE CAUSALIDADE 973.1. Conceito de nexo de causalidade 973.2. Teorias sobre o nexo de causalidade 993.2.1. Teoria da Equivalência das Condições 993.2.2. Teoria da causalidade adequada 101

3.3. Posição do direito brasileiro 1023.4. Causalidade e imputação objetiva 1053.5. Causalidade nos crimes culposos 108

4. TIPICIDADE 1114.1. Conceito de tipicidade 1114.2. Antecedentes históricos do conceito de tipicidade 1124.3. Afirmação da tipicidade e sua posição

no conceito de crime 1164.4. Função de garantia da tipicidade 1224.5. Análise do tipo penal 1234.5.1. Sujeito ativo 1244.5.2. Sujeito passivo 1274.5.3. Objeto material 1284.5.4. Elementos do tipo penal 128

5. TIPO COMISSIVO DOLOSO 1315.1. Conceito de dolo 1315.2. Teorias do dolo 132

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5.3. Normatização do dolo 134

5.4. Elementos do dolo 136

5.5. Preterdolo 139

6. TIPO COMISSIVO CULPOSO 1416.1. Conceito e teorias da culpa 141

6.2. Espécies de culpa 145

6.3. Formas de cometimento do crime culposo 146

6.4. Requisitos da culpa 148

7. ANTIJURIDICIDADE 1497.1. Conceito de antijuridicidade 149

7.2. Relações entre tipicidade, antinormatividade e antijuridicidade 150

7.3. A antijuridicidade na teoria geral do direito 154

7.4. Antijuridicidade como essência do crime 156

7.5. Antijuridicidade como elemento do crime 158

7.6. Antijuridicidade formal e material 163

7.7. Antijuridicidade objetiva e subjetiva 165

8. EXCLUSÃO DE ANTIJURIDICIDADE 1698.1. Fundamento da exclusão da antijuridicidade 169

8.2. Estado de necessidade 1708.2.1. Requisitos da situação de perigo 1738.2.2. Requisitos da ação agressiva 176

8.3. Legítima defesa 1788.3.1. Repulsa a uma agressão injusta, atual ou iminente 1798.3.2. Uso moderado dos meios necessários 1828.3.3. Direito próprio ou de outrem 1838.3.4. Animus defendendi 1838.3.5. Legítima defesa versus legítima defesa putativa 183

8.4. Estrito cumprimento do dever legal 184

8.5. Exercício regular de um direito 185

8.6. Problemática do consentimento do ofendido 186

8.7. Excesso 187

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9. A CONCEPÇÃO MATERIAL DO INJUSTO PENAL: BEM JURÍDICO E ANTINORMATIVIDADE NA TEORIA DO CRIME 1899.1. Considerações iniciais 189

9.2. A localização do gérmen do bem jurídico enquanto valor na síntese das ideias penais: o papel da escolástica tardia ibérica 190

9.3. O nascimento conceitual do bem jurídico sua coordenação com a epistemologia penal de seu tempo 196

9.3.1. A noção de sistema e a constituição da epistemologia penal 196

9.3.2. A construção do sistema penal fundamentado em imperativos 197

9.4. Norma e tipo penal 203

9.5. Norma e injusto 206

9.6. Síntese da função material do injusto penal 209

10. CULPABILIDADE 21510.1. Conceito de culpabilidade 215

10.2. Culpabilidade como princípio do direito penal 219

10.3. A culpabilidade como elemento do crime 22210.3.1. O gérmen da culpabilidade: o

Direito Penal Romano 22310.3.2. Teoria psicológica da culpabilidade 22510.3.3. Teoria psicológico-normativa da culpabilidade 22710.3.4. Teoria normativa pura da culpabilidade 22810.3.5. Teoria funcionalista da culpabilidade 230

10.4. Posição do direito brasileiro 232

11. POTENCIAL CONSCIÊNCIA DE ANTIJURIDICIDIDADE 23311.1. Conceito de consciência de antijuridicidade 233

11.2. Classificação da consciência da antijuridicidade 23511.2.1. Consciência da antijuridicidade formal 23511.2.2. Consciência de antijuridicidade material 236

11.2.2.1. Consciência de antijuridicidade como consciência ética 237

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11.2.2.2. Consciência de antijuridicidade como agir comunicativo 238

11.2.2.3. Consciência de antijuridicidade como valoração paralela na esfera do profano 239

11.3. Colocação da consciência da antijuridicidade na teoria do delito 241

11.3.1. Teoria estrita do dolo 24111.3.2. Teoria limitada do dolo 24211.3.3. Teoria estrita da culpabilidade 24311.3.4. Teoria limitada da culpabilidade 244

12. IMPUTABILIDADE 24512.1. Conceito de imputabilidade 24512.2. Análise do Direito Brasileiro 24612.3. Emoção e paixão 25312.4. Embriaguez 254

13. EXIGIBILIDADE DE OUTRA CONDUTA E SUA EXCLUSÃO 25713.1. Conceito de exigibilidade de outra conduta 25713.2. Inexigibilidade de outra conduta 25913.2.1. Obediência hierárquica 26113.2.2. Coação moral irresistível 262

14. ERRO 26514.1. Conceituação de erro 26514.2. Espécies de erro segundo a dogmática penal 26714.3. Erro de fato e erro de direito 269

15. ERRO DE TIPO E ERRO DE PROIBIÇÃO 27515.1. Erro e finalismo 27515.2. Conceito de erro de tipo 27515.3. Erro de tipo essencial e erro de tipo acidental 27615.4. Conceito de erro de proibição 27815.4.1. Erro de proibição direto 28115.4.2. Erro de proibição indireto versus

descriminantes putativas fáticas 282

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15.4.3. Erro mandamental 28415.5. Escusabilidade do erro de proibição 28515.6. Inescusabilidade do erro de proibição 286

16. CRIME CONSUMADO E CRIME TENTADO 28916.1. Conceito e fundamento da tentativa 28916.2. Histórico da tentativa 29016.3. Iter criminis 29116.4. Requisitos da tentativa 29516.5. Punibilidade da tentativa 29716.6. Desistência voluntária e arrependimento eficaz 29916.7. Crime impossível 300

17. CONCURSO DE PESSOAS 30317.1. Conceito de concurso de pessoas 30317.2. Teorias sobre o concurso de pessoas 30417.3. Requisitos do concurso de pessoas 30617.4. Espécies do concurso de pessoas 30717.4.1. Autoria 30717.4.2. Participação 309

17.5. Cooperação dolosamente distinta 31117.6. Formas especiais de autoria 31217.7. Comunicabilidade das circunstâncias 313

18. CONCURSO DE CRIMES 31518.1. Introdução 31518.2. Concurso Material 31618.3. Concurso Formal 31818.4. Crime continuado 320

REFERÊNCIAS 323

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O privilégio de escrever as linhas que abrem a Teoria Jurídica do Crime devo-o à amizade e à generosidade do seu Autor.

O Professor Cláudio Brandão não necessita apresentação, no Brasil ou na Europa, onde partilha o seu saber com Estudantes e Co-legas de várias Universidades. A Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa conta há muito com o seu magistério e todos gostamos de pensar que a sua chegada, todos os anos, não é a chegada de um Professor Visitante, mas um regresso a casa.

A Teoria Jurídica do Crime foi primeiramente publicada quando o Autor, que é hoje incontestavelmente um dos pensadores de referência do direito penal contemporâneo, iniciava a sua docência. Entretanto, a sua obra ampliou-se e diversificou-se extraordinariamente, mas este seu primeiro livro permanece como uma pedra angular.

Escrevo este prefácio na encantadora cidade de Gent (Bélgica), que o Professor Cláudio Brandão tão bem conhece, e ao reler as páginas da sua Teoria Jurídica do Crime, quando a neve cai no claustro do antigo convento jesuíta que hoje acolhe a Faculdade de Direito da Universidade de Gent, é impossível deixar de as comparar aos magníficos quadros dos mestres flamengos. Tal como quando olha-mos para o Cordeiro Místico de Jan van Eyck, somos imediatamente capturados pelo propósito do mestre e os retábulos perfilam-se, um após outro, ordenada e laboriosamente, contando a sua história. E quando olhamos os detalhes - os inúmeros e surpreendentes detalhes - eles desfilam diante nós como novos quadros. Assim sucede com o texto de a Teoria Jurídica do Crime. Numa combinação, hoje tão rara, de rigor e clareza, os Estudantes são apresentados a uma das constru-

PREFÁCIOSílvia Alves

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ções mais notáveis da nossa civilização, precisamente a Teoria Jurídica do Crime. Num estilo cristalino, o Autor descreve a forma como esse extraordinário edifício que é a dogmática penal foi paulatinamente levantado a partir do século XIX. O leitor (e portanto, em primeiro lugar, os Estudantes) é sempre confortavelmente conduzido pela mão. Tem aqui uma oportunidade única porque, nos caminhos mais estreitos e sinuosos, nunca se perderá e os momentos decisivos de viragem serão sempre assinalados. Quando mergulhamos nos detalhes, percebemos a riqueza e o sentido de cada palavra e a forma como o texto, ascético e contido, irradia em múltiplas direções e potencia os mais variados interesses. Percebemos a modéstia laboriosa da erudi-ção que oferece, mas não exibe. Por isso, através dos prefácios de tão Ilustres Professores que me antecederam, verifico, sem surpresa, que cada um de nós leu a Teoria Jurídica do Crime em harmonia com os interesses científicos que dirigem a nossa investigação, por vezes bem diferentes. Com todos a obra é generosa.

Para um historiador do direito, com gosto pela história do di-reito penal, é verdadeiramente sedutora a forma como o Professor Cláudio Brandão desenha, com precisão e transparência, o complexo quadro intelectual que operou o nascimento e o desenvolvimento dos elementos que formam o conceito de crime ou a sua estrutura. Retábulo a retábulo, capítulo a capítulo. A tipicidade. A antijuridici-dade. A culpabilidade.

O estudo do crime e da punição convoca não somente a dog-mática penal, mas a história do direito, o direito romano e o direito canónico, as ciências criminais como a criminologia, a filosofia e (é preciso dizê-lo, se pensamos nas suas raízes) a teologia. Aqueles que conhecem a obra do Professor Cláudio Brandão não estranharão por isso a sua faceta multidisciplinar e interdisciplinar.

A parte geral do direito penal é, como refere o Autor, um projeto deliberado, que começa a ser executado a partir da segunda metade do século XVIII, não obstante o “embrião” ou a “cápsula conceptual” engendrada, no século XVI, pelo humanista moderado Decianus: “se é verdade que a parte especial surge de forma espontânea, também é verdade que a parte geral surge de forma deliberada”. Mas a sucessiva construção da teoria do crime enquanto método e, em consequên-cia, a verdadeira cientificidade do direito penal são essencialmente legados do século XIX.

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O direito penal geral e, de modo mais exato, os temas da teoria geral do crime nascem também como forma de resolver concretos problemas de punição, a propósito de específicos tipos penais: “de forma não planejada, começa-se a construção dos conceitos penais a partir dos crimes em espécie, isto é, inicia-se a parte especial do Direito Penal”.

O direito penal é uma reação à violência, mas constitui ele próprio violência. Observou um historiador do direito que a velha liberdade que residia originalmente no homem alodial e livre, per-mitindo-lhe punir os crimes que contra si eram praticados, mudou, em parte, com a construção do projeto político estadual, de mãos. Foi apropriada pelo Estado. E essa liberdade, tocada pelo Estado, transmu-tou-se e mudou também de nome: soberania. O ius puniendi público pode ser um atributo da soberania, mas significa uma expropriação de liberdade. No contexto de um poder não autoritário, ela carecerá sempre de justificação.

O direito penal é violência institucionalizada, mas a história do direito penal não é apenas uma história de violência; é a história de uma construção que caracteriza a nossa civilização – uma teoria (jurídica) do crime que confere natureza científica ao direito penal - e que tende à legitimação e à limitação dessa violência entregue ao Estado. O direito penal é, portanto, um resíduo de liberdade (espoliada) e simultaneamente um garante da liberdade remanescente. Se, depois de uma reação penal privada e mais ou menos instintiva, o direito penal começou por ser um instrumento do poder e da sua política, rapidamente os juristas entraram em cena. Eles seriam necessários ao poder e à construção do seu direito, mas eles estiveram sempre, através da criação doutrinária, na defesa da fronteira que impõe um limite à violência estatal. O penalista será incessantemente um guardião da liberdade e dos direitos.

A Teoria Jurídica do Crime representa igualmente a perenidade da tradição cultural do ius poenale commune, do direito penal liberal e do humanismo penal. E encerra, no seu percurso histórico, uma advertência. O edifício da dogmática penal nunca está terminado. Ele precisa ser cuidado e melhorado. Como uma máquina em sucessiva afinação e aperfeiçoamento. Os perigos do passado encontram sempre forma de reaparecer nos desafios e perplexidades do presente. Seja no declínio ou erosão da legalidade ou na forma como o poder escolhe o inimigo de turno. Afinal, o direito penal encerra em si um paradoxo.

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Ele é simultaneamente violência e proteção ou segurança. Como diz o Poeta, o abismo do mal e o reflexo do céu ou a incessante conquista do bem e da justiça. O penalista não terá um momento de descanso.

«Deus ao mar o perigo e o abismo deu,Mas nele é que espelhou o céu.»

Fernando Pessoa

Gent, Janeiro de 2019 Sílvia Alves1

Universidade de Lisboa

1 Professora e Presidente do Conselho Pedagógico da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

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A Teoria Jurídica do Crime, desenvolvida por uma longa tradi-ção europeia e complementada pelo pensamento latino-americano, defronta, no nosso tempo, desafios importantes. Tais desafios resultam, desde logo, da necessidade de afirmação convincente de um núcleo essencial de princípios, em face de visões relativistas, funcionalizadoras e, em suma, instrumentalizadoras do Direito Penal. Essas visões cor-respondem à espuma dos dias dos interesses económicos e políticos ou a certas conceções do objeto de conhecimento - o crime e a pena - que abstraem da especificidade do projeto de justiça do Direito.

A par dessa crise, que afeta o projeto de humanização da res-ponsabilidade penal, na medida em que esta seja entendida como utensílio de engenharia social, existe um conjunto de novos conhe-cimentos sobre o comportamento humano. Trata-se de conhecimen-tos traziidos pelas behavioural sciences e pela compreensão lógica da ação proporcionada pela filosofia da linguagem, que interpelam metodologicamente os critérios tradicionais da definição de crime e as categorias da ação e da omissão, da causalidade e da imputação objetiva, o dolo e da negligência, da justificação e da culpabilidade.

A teoria jurídica do crime encontra-se, deste modo, sob os ven-tos de interpelações decisivas para a discussão crítica e a inovação, a ponto de ter de se abrir a novos modos de pensar a realidade e de a definir, como se poderá verificar em face de recentes aquisições de conhecimentos (neurociências, filosofia da mente e das ciências cognitivas). Existe um impulso ainda não inteiramente formulado para uma reconstrução dos critérios jurídicos que se referem ao conhecimento da capacidade, possibilidade e interesse da responsabi-

PREFÁCIO DA QUARTA EDIÇÃOMaria Fernanda Palma

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lidade penal. Está, pois, em causa distinguir o que é adaptável a novos desígnios e o que é perene.

É neste ambiente que surge a 2ª edição de uma obra límpida, que arruma ideias sedimentadas e a preservar sobre a teoria jurídica do crime, de autoria do Professor Cláudio Brandão, jovem e ilustre Mestre da Faculdade de Direito do Recife, da Universidade Federal de Pernambuco, a qual reúne o seu pensamento sobre a matéria essencial do Direito Penal. Nesta obra, é significativa a afirmação de uma linha de análise que radica na justificação do Direito Penal pela proteção de bens jurídicos e que constrói o crime a partir de referentes objetivos.

A presente obra rejeita, assim, critérios decorrentes da pura emanação de normas ou da vontade política do legislador, por vezes sedutores mas sempre perigosos, dando o merecido destaque ao pa-pel que, na história da teoria do crime, tiveram o conceito de ação final e o reconhecimento das estruturas ônticas na determinação do objeto da proibição penal. Há, nesta visão, a recusa de uma confusão do conceito de crime com o puro desvalor ético e uma rejeição da redução da matéria do proibido à mera desobediência a normas, o que corresponde à herança de uma teoria do crime alicerçada na teoria germânica dos sistemas, desenvolvida por uma visão liberal e garantística tão cara ao pensamento latino-americano, através de grandes autores como Jiménez Asúa.

Essa ligação entre, por um lado, o pensamento filosófico do Direito Penal de tradição europeia (expressivamente manifestado na obra de Welzel, mas também, noutra perspetiva metodológica, na Teoria do Direito de Radbruch e, mais especificamente, na lógica de uma total “analogia com o humano” de Arthur Kaufmann) e, por outro lado, o pensamento latino-americano, que absorveu a tradição ibérica e italiana, representa uma herança cultural notável. Essa he-rança reconduz-nos a um humanismo penal que é traço identitário de uma cultura comum europeia e latino-americana.

A obra do Professor Cláudio Brandão, sendo pedagógica e concisa, não deixa de ilustrar todos os institutos da teoria do crime com os seus antecedentes históricos e de acentuar os pilares de um Direito Penal humanista e respeitador dos direitos fundamentais. Incluem-se neste âmbito o conceito de bem jurídico, o conceito material de crime, o conceito de ação humana como expressão da vontade e da liberdade de configuração do mundo (não prescindindo

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das ligações às descrições não jurídicas do mundo, como a causali-dade) e a ideia de culpabilidade como fundamento último de uma responsabilidade da pessoa contra todas as tentativas de objetivação da responsabilidade penal.

Na sua clareza expositiva, a proposta de conceção de responsa-bilidade penal e de justiça penal é apresentada com coerência, não se revelando rígida e fechada aos desafios do pensamento contemporâneo sobre o crime, oriundos dos novos modos de abarcar o comportamen-to humano na sua dimensão social e psicológica. Sendo uma obra para todos – estudantes, docentes e investigadores - organiza o pensamento sobre o crime na perspetiva jurídica e prepara um início de discussão sobre os temas do presente com o devido conhecimento do passado.

Por outro lado, pela sua profunda relação com a tradição cultural europeia e ibero-americana, esta obra é, sem dúvida, uma ponte para o diálogo científico e cultural entre o pensamento penal do Brasil e de Portugal, que a Faculdade de Direito de Lisboa e o Centro de Inves-tigação de Direito Penal e Ciências Criminais tanto cultivam. É, por conseguinte, um marco relevante nesse caminho de diálogo científico e cooperação cultural, que continuaremos, seguramente, a percorrer.

Maria Fernanda Palma1

1 Professora Catedrática da Faculdade de Direito de Lisboa. Presidente do Insti-tuto de Direito Penal e Ciências Criminais - UL. Coordenadora do Centro de Investigação em Direito Penal e Ciências Criminais - UL

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Para a compreensão, a interpretação, o manejo e a aplicação da lei penal, é necessária uma sistematização conceitual do delito, um conjunto de princípios ordenados e orgânicos, aplicáveis à solução de todos os casos concretos. Em outros termos, é fundamental a existência de uma teoria geral do crime, embora concordemos que um enfoque técnico não nos dá, todavia, diagnóstico algum sobre o problema criminal nem está em condições de sugerir programas, estratégias ou meras diretrizes para nele intervir, não dá resposta nem se preocupa com os principais problemas que ele suscita: por que se produz o crime (etiologia, gênese e dinâmica do acontecimento criminal, variáveis, fatores etc.); como se pode e deve preveni-lo; como se pode e deve intervir positivamente no infrator etc. Sustentamos, igualmente, que, apesar de a resposta estatal ao fenômeno criminal dever ocorrer nos limites e por meio do Direito Penal, que é o mais seguro, democrático e garantista instrumento de controle social formalizado, a reação ao delito não deve ser exclusividade do Direito Penal, que somente deve ser chamado a intervir quando falharem todas as demais formas de controle social, isto é, somente deve ser utilizado como a ultima ratio.

Contudo, deve-se permanecer atento à reflexão que a teoria do crime continua a exigir, pois, a despeito do tempo decorrido desde o lançamento da base fundamental dos atributos do crime, com o insuperável trabalho realizado por Von Liszt e Beling, a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade continuam sendo as categorias fun-damentais através das quais se analisam sequencialmente os aspectos mais importantes que se situam na conceituação jurídica de um fato como crime. Ao longo de um século, a discussão doutrinária enri-

PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃOCezar Roberto Bitencourt

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queceu sobremodo a teoria originária, com novas referências e novas matrizes, de sorte a torná-lo uma das principais, senão a principal, construção jurídica do século XX.

Como já foi dito em outra oportunidade, é importante para qualquer jurista, seja ou não penalista, esteja ou não especialmente interessado no Direito Penal, o estudo de uma teoria que chega a ser a mais perfeita contribuição do pensamento jurídico à elaboração sistemática do Direito Penal positivo. Atualmente, não se pode pôr em dúvida a importância de seu estudo para a formação do jurista, para o conhecimento do direito positivo e para a prática de sua aplicação na vida diária. O jurista que ignore ou despreze sua importância pode passar como o burguês gentilhomem de Molière, que fala em prosa durante toda sua vida, sem saber que fala em prosa.

Pois bem, a Teoria Jurídica do Crime, primeira obra do professor Cláudio Brandão, com estilo impecável e elevado rigor científico, mantém viva a preocupação que a dogmática penal requer perma-nentemente. Nosso autor destaca, sobretudo, a necessidade de se ter sempre presente que a pessoa humana deve ser o centro de toda elaboração teórico-científica. Sob essa perspectiva, pode-se constatar o desenvolvimento de um trabalho refletido e atual, comportando vários níveis de leitura tanto para especialistas quanto para estudantes. Fazendo uma sintética mas profícua análise da teoria do crime, Cláudio Brandão destaca a importância da proteção do bem jurídico como fundamento do Direito Penal, examinando e concebendo o crime na sua concepção tríplice (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade), ao contrário de uma “corrente tupiniquim” que, majoritariamente, no último quarto do século, vem sustentando que o crime compõe-se apenas de tipicidade e antijuridicidade. Comungamos com quase a totalidade dos fundamentos e conceitos aqui emitidos.

Segundo Welzel2, o Direito Penal tem, basicamente, a função ético-social e a função preventiva. A função ético-social é exercida atra-vés da proteção dos valores fundamentais da vida social, que deve configurar-se com a proteção de bens jurídicos. Os bens jurídicos são bens vitais da sociedade e do indivíduo, que merecem proteção le-gal exatamente em razão de sua significação social. O Direito Penal objetiva, assim, assegurar a validade dos valores ético-sociais positivos e,

2 WELZEL. Derecho penal alemán..., p. 11-12.

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ao mesmo tempo, o reconhecimento e proteção desses valores que, em outros termos, caracterizam o conteúdo ético-social positivo das normas jurídico-penais. A soma dos bens jurídicos constitui, afinal, a ordem social. O valor ético-social de um bem jurídico, no entanto, não é determinado de forma isolada ou abstratamente, mas, ao contrá-rio, a sua configuração será avaliada em relação com a totalidade do ordenamento social. A função ético-social é inegavelmente a função mais importante do Direito Penal e, através desta, surge a sua segunda função, que é a preventiva.

Na verdade, o Direito Penal protege, dentro de sua função ético--social, o comportamento humano daquela maioria capaz de manter uma mínima vinculação ético-social, que participa da construção positiva da vida em sociedade através da família, da escola e do tra-balho. O Direito Penal funciona, num primeiro plano, garantindo a segurança e a estabilidade do juízo ético-social da comunidade e, em um segundo plano, reage, diante do caso concreto, contra a violação ao ordenamento jurídico-social com a imposição da pena correspon-dente. O Direito Penal orienta-se segundo a escala de valores da vida em sociedade, destacando aquelas ações que contrariam essa escala social, definindo-as como comportamentos desvaliosos, apresentando, assim, os limites da liberdade do indivíduo na vida comunitária. A violação desses limites, quando adequada aos princípios da tipicidade e da culpabilidade, acarretará a responsabilidade penal do agente. Essa consequência jurídico-penal da infração ao ordenamento produz como resultado ulterior o efeito preventivo do Direito Penal, que ca-racteriza a sua segunda função.

Conhecemos o autor, professor Cláudio Brandão, há pouco mais de dois anos; jovem e talentoso, já Mestre em Direito Penal, está por concluir seu curso de Doutorado, na mesma Universidade Federal de Pernambuco, honrando a tradicional Escola do Recife, que legou à comunidade jurídica brasileira tantos expoentes, como Aníbal Bruno, Everardo da Cunha Luna, entre tantos outros. O professor Cláudio Brandão nasceu para o Direito Penal, fazendo do magistério superior, além de uma profissão de fé, a sua razão de ser e, mesmo antes de concluir seu doutorado, brinda-nos com este belíssimo trabalho – Teoria Jurídica do Crime – que, certamente, será bibliografia obrigatória de todos aqueles que se aventurem pelos espinhosos caminhos da dogmática penal.

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Embora a “reserva legal” constitua hoje um princípio funda-mental do Direito Penal, seu reconhecimento constitui um longo processo, com avanços e recuos, não passando, muitas vezes, de simples “fachada formal” de determinados Estados.

Feuerbach, no início do século XIX, consagrou o princípio da reserva legal através da fórmula latina nullum crimen, nulla poena sine lege. O princípio da reserva legal é um imperativo que não admite desvios nem exceções e representa uma conquista da consciência jurídica que obedece a exigências de justiça, que somente os regimes totalitários o têm negado.

Os textos legais e até constitucionais continuam abusando do uso excessivo de expressões valorativas, dificultando, quando não violando, o próprio princípio da reserva legal. Claus Roxin afirma que “uma lei indeterminada ou imprecisa e, por isso mesmo, pouco clara não pode proteger o cidadão da arbitrariedade, porque não implica uma auto-limitação do ius puniendi estatal ao qual se possa recor-rer. Ademais, contraria o princípio da divisão dos poderes, porque permite ao juiz realizar a interpretação que quiser, invadindo, dessa forma, a esfera do Legislativo”3.

Não se ignora que, por sua própria natureza, a ciência jurídica admite certo grau de indeterminação, posto que, como regra, todos os termos utilizados pelo legislador admitem várias interpretações. O tema ganha proporções alarmantes quando o legislador utiliza exces-sivamente “conceitos que necessitam de complementação valorativa”, isto é, não descrevem efetivamente a conduta proibida, requerendo, do magistrado, um juízo valorativo para complementar a descrição típica, com graves violações à segurança jurídica e ao princípio da reserva legal. Não se desconhece, no entanto, que o legislador não pode abandonar por completo os conceitos valorativos, expostos como cláusulas gerais, os quais permitem, de certa forma, uma melhor ade-quação da norma de proibição com o comportamento efetivado. Na verdade, o problema são os extremos, qual seja, ou proibição total da utilização de conceitos normativos gerais ou o exagerado uso dessas cláusulas gerais valorativas, que não descrevem com precisão as condutas proibidas. Sugere-se que se busque um meio-termo

3 ROXIN, Claus. Derecho penal, Parte General, tomo I – Fundamentos. La Estruc-tura de La Teoria del Delito..., p. 169.

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que permita a proteção dos bens jurídicos relevantes contra aquelas condutas tidas como gravemente censuráveis, de um lado, e o uso equilibrado das ditas cláusulas gerais valorativas, de outro lado, além do que a indeterminação será inconstitucional.

Vários critérios, arrolados por Claus Roxin4, são propostos para encontrar esse equilíbrio, como, por exemplo: (1o) segundo o Tribunal Constitucional Federal alemão, a exigência de determinação legal au-mentaria junto com a quantidade de pena prevista para o tipo penal (como se a legalidade fosse necessária somente para os delitos mais graves) e que a consagração pela jurisprudência de uma lei indeter-minada atenderia o mandamento constitucional (ferindo o princípio constitucional da divisão dos poderes e a garantia individual); (2o) haverá inconstitucionalidade quando o legislador, dispondo da possi-bilidade de uma redação legal mais precisa, não a adota. Embora seja um critério razoável, ignora que nem toda a previsão legal menos feliz pode ser taxada de inconstitucional, além de incitar a indesejada ampliação da punibilidade, violando o princípio da ultima ratio; (3o) o princípio da ponderação, segundo o qual os conceitos necessitados de complementação valorativa serão admissíveis se os interesses de uma justa solução do caso concreto forem preponderantes em relação ao interesse da segurança jurídica. Este critério é objetável porque relativiza o prin-cípio da legalidade. Os pontos de vista da justiça e da necessidade de pena devem ser considerados dentro dos limites da reserva legal, sob pena de estar-se renunciando o princípio da determinação em favor das concepções judiciais sobre a justiça. Enfim, todos esses critérios sugeridos são insuficientes para disciplinar os limites da permissão do uso de conceitos necessitados de complementação através de juízos valorativos, sem violar o princípio constitucional da legalidade.

Claus Roxin5 sugere que a solução correta deverá ser encon-trada através dos “princípios da interpretação em Direito Penal”, pois, segundo esses princípios, “um preceito penal será suficiente-mente preciso e determinado se e na medida em que do mesmo se possa deduzir um claro fim de proteção do legislador e que, com segurança, o teor literal siga marcando os limites de uma extensão arbitrária da interpretação”.

4 ROXIN, Claus. Derecho penal..., p. 172.5 ROXIN, Claus. Derecho penal..., p. 172.

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Pois bem, uma boa dogmática penal, uma teoria geral do crime bem elaborada também contribui para evitar os inconvenientes que essas “políticas criminais oficiais”, puramente funcionalistas, podem ocasionar. Não importa o rótulo que se dê para qualquer política de combate à criminalidade ou para garantia da ordem pública, enfim, sempre que atingirem o direito de liberdade do cidadão, o princípio cunhado por Feuerbach de nullum crimen nulla poena sine lege deve estabelecer o marco fundamental. Igualmente, a política de criminali-zação somente se justifica como ultima ratio, isto é, quando os demais ramos do direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do cidadão e da própria coletividade. Embora a resposta estatal ao fenômeno criminal deva ocorrer nos limites e por meio do Direito Penal, que é o mais seguro, democrático e garantista instrumento de controle social formalizado, a reação ao delito não deve ser exclusividade do direito penal, que somente deve ser utilizado, já o afirmamos, em última instância. E, por derradeiro, a culpabilidade, que é a pedra de toque da teoria geral do crime, deve ser vista não como uma categoria abstrata ou a-histórica, à margem ou contrária às fina-lidades preventivas da sanção penal, mas como a culminação de todo um processo de elaboração conceitual, destinado a explicar por que e para que, em um determinado momento histórico, o Estado recorre a um meio defensivo da sociedade tão grave como a pena criminal.

Cláudio Brandão demonstra a mesma preocupação com o institu-to da culpabilidade, especialmente com as moderníssimas concepções, como as de Jacobs e Roxin, entre outros. Por tudo isso e também pela preocupação externada com o futuro da teoria do delito, queremos cumprimentar o professor Cláudio Brandão, que, em grande estilo, lança o seu primeiro livro.

Por fim, Teoria jurídica do crime é um livro denso, sério e atual. Encerra uma perspectiva conceitual própria de um Direito Penal liberal, tendo como eixo central o homem real, verdadeiro e não apenas instrumental, puramente paradigmático, imaginário, que existe apenas nos velhos manuais. Ademais, a importância da teoria geral do crime reside também no fato de constituir instrumento eficaz para o entendimento e a comunicação entre os penalistas dos diversos re-cantos do mundo, independentemente das diversidades idiomáticas e ideológicas. Logicamente, sua importância cresce na medida em que se integra aos fins da pena, à política criminal, à criminologia, pois

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não ignoramos que, para atingir esses objetivos a que se propõe, uma disciplina puramente normativa e sistemática como a Criminologia, que admita o problema criminal como um fenômeno social e comunitário, que pode existir nas mais diferentes camadas da população, sem qualquer conotação patológica.

Por todos os seus atributos, é extremamente honroso prefaciar este livro de Cláudio Brandão, que, certamente, será seguido por ou-tros, com o mesmo brilho deste que acabamos de prefaciar. Deixamos, propositalmente, de fazer um exame minucioso de todo o conteúdo do trabalho, para não tirar o privilégio do leitor que, certamente, se deliciará com o que encontrará.

Porto Alegre, verão de 2001Cezar Roberto Bitencourt

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O direito penal tem como característica diferenciadora a sua consequência, isto é, a pena, prevista no tipo como uma resultante da conduta proibida.6 De regra, portanto, esse ramo do direito não constitui institutos jurídicos, mas sanciona através da pena as violações reputadas como mais graves às instituições construídas pelos outros ramos do direito. Destarte, saberemos se uma norma tem natureza penal se ela estiver relacionada com aquela consequência, enfatize-se, a pena. Por isso, Tobias Barreto afirmou que o centro de gravidade do direito penal está na pena.7

A importância deste primeiro alerta reside no fato de que toda consequência penal é uma manifestação de violência. Não se pode, portanto, separar o conceito de direito penal do conceito de violência. É porque o direito penal tem em si a violência, que os esforços para limitá-lo representaram um marco que tem por escopo dar legitimi-dade àquela violência, a partir de sua justificação.

Nesse panorama, construiu-se a partir do século XIX uma dog-mática que fornece critérios para limitar a imposição da violência da consequência do nosso ramo do direito: a dogmática penal.8

A dogmática penal é sustentada através de três grandes pilares: a teoria da pena, a teoria do crime e a teoria da lei penal. A teoria do

6 ORDIEG, Enrique Gimbernat. Concepto y método de la ciencia del derecho penal. Madrid: Tecnos, 1999. p. 17.

7 BARRETO, Tobias. Estudos de direito, T. II. São Paulo: Record, 1991. p. 110.8 BRANDÃO, Cláudio. Introdução ao direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

p. 98. HASSEMER, Winfried; MUNÕZ CONDE, Francisco. Introducción a la criminologia y al derecho penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 1991. p. 20.

INTRODUÇÃO

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crime, entretanto, é a que mais se desenvolveu, com vistas a conferir cientificidade ao direito penal. Como dizia Tobias Barreto, a razão da pena está no crime.9

O mais importante gérmen da dogmática penal atual reside nas construções romanas acerca do Direito. A grande maioria dos crimes previstos no nosso Código Penal foi produto da atividade criativa dos pretores, que eram os juízes romanos, não das leis romanas. Com efeito, o direito penal público romano teve início com a Lei Valéria,10 mas, mesmo depois dela, “o arbítrio (Willkür) dos magistrados não é eliminado; ainda agora poderia o magistrado, tanto quanto pelo direito da guerra, ou por outra parte pelo direito de coerção que lhe é oferecido, sem delito fixado, sem processo fixado, sem a medida da pena fixada, punir só pelo seu julgamento”.11

Com efeito, podemos exemplificar essa assertiva a partir de inú-meros delitos, como é o caso da apropriação indébita do funcionário público romano, que era a depeculatus, a qual corresponde ao crime hodierno de peculato; no mesmo sentido, a fraude como forma de aquisição patrimonial ilícita gerou o delito de stellionatus, que provém de stellio (camaleão), correspondente ao nosso estelionato. Registre-se que alguns crimes que não foram gestados no Direito Romano, como é o caso da maioria dos crimes contra a pessoa, tiveram sua origem no Direito Canônico, inaugurado no século XIII.

Isso posto, de forma não planejada, começa-se a construção dos conceitos penais a partir dos crimes em espécie, isto é, inicia-se a parte especial do Direito Penal.

Contudo, se é verdade que a parte especial surge de forma espon-tânea, também é verdade que a parte geral surge de forma deliberada.

9 BARRETO, Tobias. Estudos de Direito, T. II. São Paulo: Record, 1991. p. 102.10 MOMMSEN diz categoricamente que “o direito penal público começou com a

Lei valéria”. Tradução livre de: “Das römische öffentliche Strafrecht beginnt mit dem valerischen Gesetz.” MOMMSEN, Theodor. Römisches Strafrechts. Leipzig: Duncker & Humblot, 1899. p. 56.

11 radução livre de: “Die Magistratische Willkür ist keineswegs beseitigt; auch jetzt kann der Magistrat, soweit einerseits das Kriegsrecht, andrerseits städtliche Co-erction reichen, ohne festes Delicit, onhe festen Prozess, ohne festes Strafmass nach Ermessen ahnden.” MOMMSEN, Theodor. Römisches Strafrechts. Leipzig: Duncker & Humblot, 1899. p. 57. No mesmo sentido: “il piu antico ordine penale romano è l’ampiezza data al potere discrezionale di punizione dei magistrati, considerada coerctio”. GIOFFREDI, Carlo. I principi del diritto penale romano. Torino: Giappichelli, 1970. p. 14.

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No século XVI, época final dos pós-glosadores, período do cha-mado mos italicus tardio, Tiberius Deciano, com base em Aristóteles, busca responder à seguinte pergunta: quais são as causas primeiras do crime? Com efeito, tanto na Metafísica quanto na Lógica, Aris-tóteles indaga quais são as causas primeiras e quais são os princípios primeiros do Ser. Quanto às causas, são quatro: formal, material, eficiente e final. Assim, a tarefa de Deciano era desvendar qual era a causa material do crime, qual era a causa formal do crime, a final e a eficiente. Da resposta a essas quatro perguntas surgiu o Tractatus Criminalis e inaugura-se a busca das características comuns a todos os crimes em espécie: eis aí o embrião da parte geral do direito penal.12

Somente depois da construção das partes geral e especial do direito penal surgiu a questão política da necessidade da limitação ao poder de punir do Estado. Foi no final do século XVIII, com a obra de Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, que se propôs o princípio da legalidade. A sistematização jurídica desse princípio se deu, entretanto, com Anselm von Feuerbach, em 1801, com a sua teoria da coação psicológica.

Pois bem, no século XIX, após a formulação do princípio da legalidade, desenvolvem-se os elementos que formam o conceito de crime, nomeadamente a tipicidade (estudada no Capítulo IV), a an-tijuridicidade (estudada no Capítulo VII) e a culpabilidade (estudada no Capítulo IX). Surgem primeiramente os estudos sobre a antiju-ridicidade, com Merkel, e, com base na imputatio romana, Binding inicia a teorização da culpabilidade. Registre-se que foi nessa época que a palavra latina imputatio foi traduzida para o alemão Schuld, que quer dizer culpabilidade.

O conceito de tipicidade é o último a ser aventado, pois surgiu apenas como um elemento do crime no início do século XX, mais precisamente em 1906, através da obra de Ernst von Beling.

Esses três elementos − tipicidade, antijuridicidade e culpabili-dade − formam a estrutura do crime, pois são eles que dão os atributos jurídicos capazes de transformar uma conduta humana em um crime. Logo, a estrutura volta-se para a própria substância do delito.

Entretanto, quando analisamos o fenômeno do crime, podemos fazê-lo em sua estrutura ou em sua manifestação.

12 BRANDÃO, Cláudio. Introdução ao direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 27.

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Na manifestação do crime, estuda-se como o delito se com-porta no ambiente real no qual ele se desenvolve, não abrangendo dita manifestação, portanto, aqueles institutos que compõem a sua essência. Fazem parte de manifestação do crime a tentativa, o concurso de pessoas e o concurso de crimes.

A estrutura e a manifestação do delito formam a Teoria Jurídica do Crime, que é o objeto deste livro.

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A interpretação do atual Direito Penal, através dos argumentos teleológicos, históricos e sistemáticos, é o objeto da Coleção Ciência Criminal Contemporânea. Para tanto, os pontos chaves do saber criminal, tratados cientificamente, são cuida-dosamente dispostos em obras que tem como elo o rigor me-todológico através do qual as investigações são realizadas, para além da contribuição original que elas geram.

TEORIA JURÍDICA DO CRIME 6º edição

COLEÇÃO CIÊNCIA CRIMINAL CONTEMPORÂNEACoordenação: Cláudio Brandão

Cláudio Brandão

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“(…) O Professor Cláudio Brandão não necessita apresenta-ção, no Brasil ou na Europa, onde partilha o seu saber com Estudantes e Colegas de várias Universidades. A Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa conta há muito com o seu magistério e todos gostamos de pensar que a sua chegada, todos os anos, não é a chegada de um Professor Visitante, mas um regresso a casa. (…) Numa combinação, hoje tão rara, de rigor e clareza, os Estudantes são apresentados a uma das construções mais notáveis da nossa civilização, precisamente a Teoria Jurídica do Crime. Num estilo cristalino, o Autor descreve a forma como esse extraordinário edifício que é a dogmática penal foi paulatinamente levantado a partir do século XIX. O leitor (e portanto, em primeiro lugar, os Estu-dantes) é sempre confortavelmente conduzido pela mão. Tem aqui uma oportunidade única porque, nos caminhos mais estreitos e sinuosos, nunca se perderá e os momentos decisivos de viragem serão sempre assinalados. Quando mergulhamos nos detalhes, percebemos a riqueza e o sentido de cada palavra e a forma como o texto, ascético e contido, irradia em múltiplas direções e potencia os mais variados interesses. Percebemos a modéstia laboriosa da erudição que oferece, mas não exibe.”

Sílvia AlvesUniversidade de Lisboa

ISBN 978-65-5059-098-7

editora

CLÁUDIO BRANDÃOProfessor Titular concursado de Direito Penal. Professor dos Programas de Pós-gra-duação em Direito da Pon-tifícia Universidade Cató-lica de Minas Gerais (PUC Minas) e Faculdade Damas da Instrução Cristã (FADIC). Professor visitante, ao abri-go do Programa Erasmus, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Pro-fessor da UFPE.

TEORIA JURÍDICA DO CRIMEC

láudio Brandão

6ª ed.