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13/10/15 19:36 Teoria do Cinema Feminista | Parte I | revista USINA Página 1 de 10 http://revistausina.com/2015/03/15/teoria-do-cinema-feminista-parte-i/ CINEMA /INVERSO /TRADUÇÃO Teoria do Cinema Feminista | Parte I Feminist Film Theory é um artigo escrito pela professora doutora holandesa, Anneke Smelik. Atualmente ela leciona Cultura Visual na Universidade Radboud de Nijmegen, na Holanda. O artigo foi publicado no livro da British Film Institute, The Cinema Book, em 2007, dentro da revisão da terceira edição. O artigo foi traduzido e dividido em três partes para a publicação na revista USINA. Sendo a Parte I (A Narrativa Clássica e o Contra-cinema Feminista): Introdução, Narrativa clássica, O contra-cinema feminista. Parte II (/2015/04/15/teoria-do-cinema-feminista-parte-ii/) (Os Pontos de Vista Femininos): A espectadora mulher, O disfarce feminino, O olhar feminino, A subjetividade feminina, O desejo feminino. Parte III (/2015/05/15/teoria-do-cinema-feminista-parte-iii/) : (Teorias das Minorias): A diferença sexual e suas insatisfações, Crítica gay e lésbica, Teoria feminista e raça, Sobre masculinidade, Teoria Queer, Conclusão. Parte I: A Narrativa Clássica e o Contra-cinema Feminista O feminismo é um movimento social que causou um impacto enorme na teoria e na crítica de cinema. O cinema é considerado pelas feministas como uma prática cultural que representa mitos sobre mulheres e a feminilidade, assim como sobre homens e a masculinidade. As questões de representação e o ato de assistir são centrais para a teoria e a crítica de cinema feminista. A princípio, a crítica feminista era direcionada para os estereótipos da mulher, majoritariamente em filmes hollywoodianos[1]. Essa imagem fixada e constantemente repetida de mulheres era considerada distorções inaceitáveis que teriam um impacto negativo sobre o público feminino. Houve, então, a necessidade de uma insurgência de imagens positivas de mulheres no cinema. Percebeu-se logo, no entanto, que imagens positivas não eram o suficiente para transformar a estrutura subjacente no cinema. Críticas feministas tentaram entender a onipresença do patriarcado com a ajuda de teorias estruturalistas como a semiótica e a psicanálise. Esses diálogos teóricos se mostraram muito produtivos em analisar as formas que as diferenças de gênero são estruturadas nas narrativas clássicas. Durante uma década, a psicanálise foi um paradigma dominante nas teorias de cinema feministas. Recentemente, houve uma mudança desta forma

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Teoria do Cinema Feminista | Parte I | revista USINA

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CINEMA/INVERSO/TRADUÇÃO

Teoria do Cinema Feminista | Parte I

Feminist Film Theory é um artigo escrito pela professora doutora holandesa, Anneke Smelik.Atualmente ela leciona Cultura Visual na Universidade Radboud de Nijmegen, na Holanda. Oartigo foi publicado no livro da British Film Institute, The Cinema Book, em 2007, dentro da revisãoda terceira edição.

O artigo foi traduzido e dividido em três partes para a publicação na revista USINA. Sendo a ParteI (A Narrativa Clássica e o Contra-cinema Feminista): Introdução, Narrativa clássica, O contra-cinemafeminista. Parte II (/2015/04/15/teoria-do-cinema-feminista-parte-ii/) (Os Pontos de VistaFemininos): A espectadora mulher, O disfarce feminino, O olhar feminino, A subjetividade feminina, Odesejo feminino. Parte III (/2015/05/15/teoria-do-cinema-feminista-parte-iii/): (Teorias dasMinorias): A diferença sexual e suas insatisfações, Crítica gay e lésbica, Teoria feminista e raça, Sobremasculinidade, Teoria Queer, Conclusão.

Parte I: A Narrativa Clássica e o Contra-cinema Feminista

O feminismo é um movimento social que causou um impacto enorme na teoria e na crítica decinema. O cinema é considerado pelas feministas como uma prática cultural que representa mitossobre mulheres e a feminilidade, assim como sobre homens e a masculinidade. As questões derepresentação e o ato de assistir são centrais para a teoria e a crítica de cinema feminista. Aprincípio, a crítica feminista era direcionada para os estereótipos da mulher, majoritariamente emfilmes hollywoodianos[1]. Essa imagem fixada e constantemente repetida de mulheres eraconsiderada distorções inaceitáveis que teriam um impacto negativo sobre o público feminino.Houve, então, a necessidade de uma insurgência de imagens positivas de mulheres no cinema.Percebeu-se logo, no entanto, que imagens positivas não eram o suficiente para transformar aestrutura subjacente no cinema. Críticas feministas tentaram entender a onipresença dopatriarcado com a ajuda de teorias estruturalistas como a semiótica e a psicanálise. Esses diálogosteóricos se mostraram muito produtivos em analisar as formas que as diferenças de gênero sãoestruturadas nas narrativas clássicas. Durante uma década, a psicanálise foi um paradigmadominante nas teorias de cinema feministas. Recentemente, houve uma mudança desta forma

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binária de enxergar a questão para outras múltiplas perspectivas, identidades e possíveisespectadores. Essa abertura resultou num incrível aumento de interesse por questões de etnia,masculinidade e sexualidades híbridas.

Narrativa clássicaClaire Johnston foi uma das primeiras críticas feministas a fornecer uma crítica bem fundamentadasobre estereótipos a partir de um ponto de vista semiótico. Ela apresentou uma análise de como ocinema clássico construiu uma imagem ideal da mulher. Extraindo da noção de mito de RolandBarthes, Johnston investigou o mito da “mulher” no cinema clássico. O símbolo “mulher” pode seranalisado como uma estrutura, um código ou uma convenção. Esse símbolo representa osignificado do ideal de “mulher” para o homem. Esse símbolo não diz nada sobre a mulher [2]: asmulheres são pejorativamente representadas como “não-homens”. A “mulher como mulher” estáausente do roteiro do filme. [3]

A mudança teórica mais importante foi a de entender o cinema como um reflexo da realidade,para entender o cinema como a construção de uma realidade parcial e construída. O cinemaclássico nunca mostra seus meios de produção e, por isso, se caracteriza por esconder suaconstrução ideológica. Dessa maneira, a narrativa clássica pode apresentar a imagem construídada “mulher” como natural, realista e atrativa. Isto é o ilusionismo do cinema.

Em seu artigo revolucionário, Visual Pleasure and Narrative Cinema, Laura Mulvey usa a psicanálisepara entender o fascínio pelo cinema hollywoodiano. Esse fascínio pode ser explicado através danoção de escopofilia (o gosto por olhar), o que, de acordo com Freud, é um impulso/ímpeto/necessidade fundamental. Originalmente sexual, como todos os ímpetos, der Schautrieb é oque mantém o espectador com os olhos grudados na tela. O cinema clássico estimula o desejo deolhar ao integrar estruturas do voyeurismo e narcisismo na narrativa e na imagem. O prazer visualvoyeurístico é produzido ao olhar para o outro (personagem, figura, situação) como nosso objeto,enquanto o prazer visual narcisista é derivado da auto-identificação com a (figura da) imagem.

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James Bond; um caso plástico do papel submisso que o cinema hollywoodiano insiste dar àsmulheres.

Mulvey analisa a escopofilia no cinema clássico como uma estrutura que funciona no eixo daatividade e passividade. Essa oposição binária é a de gênero. A estrutura narrativa do cinematradicional estabelece o personagem masculino como ativo e poderoso, ele é o agente cuja açãodramática gira em torno, e o aspecto se organiza. A personagem feminina é passiva e sem poder:ela é o objeto de desejo do(s) personagem(s) masculino(s). Nesses termos, o cinema aperfeiçoouuma maquinaria visual adequada ao desejo masculino tal como o já estruturado e canonizado natradição da arte e estética ocidental.

Mulvey ataca o prazer visual narcisista com os conceitos da formação do ego e o estágio doespelho de Lacan. A maneira com que a criança deriva prazer através da identificação com umaimagem perfeitamente refletida e forma seu ideal de ego baseado nessa imagem ideal é análoga àmaneira com que o espectador de um filme deriva o prazer narcisista ao se identificar com aimagem perfeita de uma pessoa na tela. Nos dois casos, no entanto, durante o estágio do espelho eno cinema, as identificações não são formas lúcidas de autoconhecimento ou de conscientização.Elas são mais baseados no que Jacques Lacan chama de méconnaissance (não identificação), o quesignifica que o espectador está vedado a entender por conta das forças narcisistas que oestruturam. A formação do ego é estruturalmente caracterizada por funções imaginárias. E nisso ocinema também se relaciona. Por volta da mesma época que Christian Metz trabalhou com essa

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analogia em seus ensaios sobre psicanálise e cinema, Mulvey afirmou que as identificaçõescinematográficas foram estruturadas juntamente com a diferença sexual. A representação do “maisperfeito, mais completo, mais poderoso ego ideal”[4] do herói masculino se posiciona totalmenteem oposição à distorcida imagem do personagem feminino passivo e impotente. Então, oespectador logo se identifica com o personagem masculino mais do que com o feminino.

Existem então dois aspectos do prazer visual que são negociados através das diferenças sexuais: ovoyeurismo-escopofílico e a identificação narcisista. Ambas estruturas formativas dependem deseus significados sobre o poder controlador do personagem masculino assim como sobre arepresentação objetificada do personagem feminino. Além disso, de acordo com Mulvey, emtermos psicanalíticos, a imagem da “mulher” é fundamentalmente ambígua quando combinaatração e sedução com a evocação da castração da ansiedade. Visto que sua aparência tambémlembra ao sujeito masculino à ausência de pênis, o personagem feminino é uma fonte de medosmuito mais profundos. O cinema clássico soluciona a ameaça de castração de duas formas: dentrona estrutura narrativa, ou através do fetichismo. Para aliviar a ameaça de castração na primeiraforma, o personagem feminino tem que se tornar culpado de alguma coisa. Os filmes de AlfredHitchcok são um bom exemplo desse tipo de narrativa [5]. A “culpa” da mulher vai ser seladatanto por punição ou por salvação, e a trama do filme é então resolvida através das duas únicaspossibilidades de final tradicional: ou ela morre (como em Psycho, 1960), ou se casa (como emMarnie, 1964). Sobre isso, Mulvey diz de maneira provocadora que uma narrativa sempredemanda sadismo.

No caso do fetichismo, o cinema clássico restabelece e desloca a falta de pênis na forma de fetiche,ou melhor, um objeto brilhante. Mulvey se refere nesse exemplo ao fetichismo de Josef vonSternberg com Marlene Dietrich. Marilyn Monroe é outro exemplo de uma celebridade quecarrega o estigma de fetiche. Fetichisar a mulher tira a atenção da noção de falta de pênis feminino,e transforma sua imagem de figura perigosa para um objeto de beleza impecável. O fetichismo nocinema confirma a correção da figura feminina, portanto falha ao representar a “mulher” fora docontexto da norma fálica.

A noção do “olhar masculino” se tornou uma forma sucinta para a análise dos mecanismoscomplexos no cinema que envolvem estruturas como o voyeurismo, o narcisismo e o fetichismo.Esses conceitos ajudam a entender como o cinema hollywoodiano é feito sob medida para osdesejos masculinos. Visto que as estruturas do cinema hollywoodiano são analisadasfundamentalmente como patriarcais, as primeiras feministas declararam que um cinema femininodeveria rejeitar a narrativa tradicional e as técnicas cinematográficas, e dedicar-se a práticasexperimentais: dessa maneira, o cinema feminino deveria ser um contra-cinema.

O contra-cinema feministaComo o contra-cinema feminista deve ser? Para Mulvey, o cinema feminista deveria ser umaprática de cinema avant-garde que “daria liberdade à investigação cinematográfica dentro de suamaterialidade de espaço e tempo e, também, à investigação da audiência da dialética e dodesprendimento passional”[6]. A destruição do prazer visual do espectador causada pelo contra-cinema não era um problema para as mulheres; de acordo com Mulvey, a perspectiva dadecadência seria vista apenas com um “lamento sentimental” pelas mulheres [7].

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(https://revistausinadotcom.files.wordpress.com/2015/03/teoria-do-cinema-feminino-riddle-of-the-sphinx-1977.jpg)

Riddle of the Sphinx, 1977

O contra-cinema feminista teve como inspiração o movimento avant-garde no cinema e teatro,como as técnicas de montagem de Sergei Eisenstein, a noção de Verfremdung (distanciamento) deBertold Brecht e a estética modernista de Jean-Luc Godard. Tal como fazia parte do cinema políticodos anos setenta. Os melhores exemplos do contra-cinema feminista são Jean Dielman 23, Quai DuCommerce, 1080 Bruxeles (1975), de Chantal Akerman, Riddles of the Sphinx (1977), de Laura Mulveye Peter Wollen, e Thriller (1979), de Sally Potter. É interessante notar que os filmes radicais deMarguerite Duras atraíram muito menos atenção das críticas feministas anglófonas. Lives ofPerformers (1972), Film about a Woman Who… (1974) e Sigmund Freud’s Dora (1979), de YvonneRainer, são importantes exemplos de cinema experimental Americano.

Como o contra-cinema feminista evita as convenções do cinema clássico e como ele acomoda oponto de vista feminino? No curta-metragem experimental, Thriller, por exemplo, isso é alcançadoatravés da desconstrução do clássico melodrama de Puccini, a ópera La Bohème (1895). O curtadivide o personagem feminino em dois: Mimi I, que é colocada do ponto de vista de fora danarrativa na qual ela é a heroína Mimi II. A Mimi I investiga como ela é construída como um

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objeto na narrativa melodramática. De acordo com Ann Kaplan [8], a investigação é tanto a partirda psicanálise tanto quanto a partir da ótica materialista-marxista. Na análise psicanalítica entendecomo o sujeito feminino é excluído da linguagem masculina e da narrativa clássica. A únicaposição que ela pode ocupar é a de fazer perguntas: “Eu morri? Fui assassinada? O que issosignifica?”. Na análise materialista-marxista, Mimi I aprende a investigar o papel da Mimi II comocostureira e mãe. Assim como no segundo filme de Potter, The Gold Diggers (1983), é uma mulhernegra com um sotaque francês carregado (Colette Lafont) que questiona a imagem da condiçãopatriarcal das mulheres brancas. Assim, em ambos os filmes é a voz “estrangeira” feminina quediscursa sobre teoria e crítica.

Thriller comunica esses discursos teóricos tanto visualmente quanto acusticamente. A trilha sonoraé dominada pela voz feminina, assim como uma gargalhada que se repete, um grito insistente e osom de um batimento cardíaco. Esses elementos são típicos nos gêneros thriller e horror, embora anarrativa não tente causar nenhum tipo de suspense. Pelo contrário, ela foca a atenção doespectador nos enigmas que rodeiam o sujeito feminino no cinema clássico. Thriller violadeliberadamente códigos realistas convencionais. A história melodramática é parcialmentecontada em tomadas que são imagens de fotografias de uma performance teatral, e parcialmentepor cenas reconstruídas onde os atores usam movimentos super estilizados. Outro recurso visual éo uso de espelhos. Para Kaplan [9], a peça com suas tomadas de repetidos e chocantes espelhosilustram o processo mental que o estágio de espelho de Lacan envolve psicanaliticamente. Porexemplo, quando Mimi I se reconhece como um objeto, sua sombra é lançada na tela. Mimi I éentão mostrada de costas para o espelho, encarando a câmera. Essa imagem é repetida por umasérie de espelhos colocados atrás dela (ao invés de refletir “corretamente” a parte de trás de suacabeça). Essa complexa cena gesticula o reconhecimento da subjetividade divisão de Mimi I. Ainvestigação faz as mulheres entenderem que elas não são divididas nelas mesmas, e nem que elasdeveriam ser divididas narrativamente. O curta termina simbolicamente, com as duas Mimis seabraçando.

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Jeanne Dielman, 23…, 1975

O contra-cinema feminista não pertence apenas ao cinema de ficção, mas também ao gênerodocumental. Os problemas de encontrar uma forma e estilo apropriados era talvez ainda maisgrave para o cinema documental, porque tradicionalmente o gênero usa o ilusionismo e realismopara capturar a “verdade” ou a “realidade”. Para muitas cineastas feministas nos anos setenta,esse idealismo era inaceitável. Poderia não incluir a auto-reflexão, um dos pontos primordiais daprática de cinema feminista. O documentário feminista deveria manufaturar e construir a“verdade” da opressão das mulheres, e não meramente refleti-la [10]. No entanto, outras vozestambém foram ouvidas. Por que muitos documentários esteticamente tradicionais foramimportantes documentos históricos para o movimento das mulheres, esse tipo de formalismofeminista foi questionado. Alexandra Juhasz [11] criticou esse tipo de ortodoxia, que prescreviatécnicas anti-ilusionistas enfraquecendo a identificação. Ela apontou o paradoxo que o sujeitounido, que era representado nos primeiros documentários feministas, apresentaram ao espectadorfeminista a realidade com uma “reinterpretação da subjetividade feminina, radical, nova epolitizada, que mobilizou um enorme número de mulheres a tomarem iniciativas pela primeiravez [12]”.

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Nós presenciamos aqui uma contradição teórica do feminismo: ao mesmo tempo em que asfeministas precisam desconstruir a imagem patriarcal e as representações da “mulher”, elasprecisam estabelecer historicamente sua subjetividade feminina. Ou melhor, elas têm quedescobrir e redefinir o que significa ser mulher. Um formalismo persistente de uma abordagemunilateral pode ser demais para essa complexa empreitada que é (re)construir o sujeito feminino.

O contra-cinema representa apenas uma pequena fração dos filmes produzidos por mulheresdesde o meio dos anos setenta. No entanto, esses filmes experimentais foram demasiadamentelouvados por conta dos seus poderes subversivos enquanto mulheres cineastas realistas foramdemasiadamente criticadas por conta de seu ilusionismo [13]. A suspeita de choque atirado nosfilmes realistas e narrativos resultou ou numa concentração de esforços críticos ao cinema clássicohollywoodiano ou numa grande aclamação ao cinema experimental feminino entre os poucos queo viram. Isso resultou numa rejeição paradoxal ao cinema popular contemporâneo feminino; umafalta de atenção acadêmica que continuou ao longo dos anos oitenta e até os noventa [14]. Teresade Lauretis [15] estava entre as primeiras a dizer que o cinema feminista não deveria destruir anarrativa e o prazer visual, mas deveria ser “narrativo e edipiano com uma vingança” [16]. Deacordo com ela, o cinema feminista nos anos oitenta deveria definir “todos os pontos deidentificação (com personagem, imagem e câmera) como mulher, feminino, ou feminista” [17].

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The Gold Diggers, 1983

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[1]. Haskel, 1973. Rosen, 1973 | [2]. Johnston, 1991, p.25 | [3]. Johnston, 1991, p.26 | [4]. Mulvey,1989, p.20 | [5]. Modleski, 1988 | [6]. Mulvey, 1989, p.26 | [7]. Mulvey, 1989, p.26 | [8]. 1983 | [9].1983 | [10]. Johnston, 1991 | [11]. 1994 | [12]. Juhasz, 1994, p.174 | [13]. Kuhn, 1982; Kaplan, 1983[14]. Humm, 1997; Smelik, 1998 | [15]. 1984; 1987 | [16]. Lauretis, 1987, p.108 | [17]. Lauretis, 1987,p.133

Tradução de Thomas Ilg, março 2015

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